HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA …...combate ao racismo e preconceitos no ambiente da...

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1 UNIVER UNO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL POTIGUASSU: RAÍZES E RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003 LUCÉLIA DA SILVA FELICIANO Natal 2018

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UNIVER

UNO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E PRÁTICAS

PEDAGÓGICAS

HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL

POTIGUASSU: RAÍZES E RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003

LUCÉLIA DA SILVA FELICIANO

Natal

2018

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LUCÉLIA DA SILVA FELICIANO

HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL

POTIGUASSU: RAÍZES E RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em

Educação – PPGEd, do Centro de Educação, da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como

exigência para conclusão do curso e obtenção do título de

Mestre em Educação (Linha de Pesquisa: Educação,

Currículo e Prática Pedagógica).

Orientadora: Profª Drª Crislane Barbosa de Azevedo

NATAL

2018

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LUCÉLIA DA SILVA FELICIANO

HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL

POTIGUASSU: RAÍZES E RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em

Educação.

Aprovada em: ______ de______________________ de 2018.

Banca Examinadora

_______________________________________________________________________

Profa. Dra. Crislane Barbosa de Azevedo – Orientadora/Presidente

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_______________________________________________________________________

Profa. Dra. Vândiner Ribeiro– Examinadora Titular Interna

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_______________________________________________________________________

Profa. Dra. Giovana Carla Cardoso Amorim – Examinadora Titular Externa

Universidade Estadual do Rio Grande do Norte

_______________________________________________________________________

Prof. Dr. Alessandro Augusto Azevedo – Examinador Suplente Externo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

_______________________________________________________________________

Profa. Dra. Francinaide de Lima Silva Nascimento – Examinadora Suplente Externa

Instituto Federal do Rio Grande do Norte

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE

Feliciano, Lucelia da Silva.

História e relações étnico-raciais na Escola Estadual

Potiguassu: raízes e ramificações da Lei 10.639/2003 / Lucelia da Silva Feliciano. - Natal, 2018.

218f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação. Natal, RN, 2018.

Orientadora: Drª Crislane Barbosa de Azevedo.

1. Currículo - dissertação. 2. Ensino de História -

dissertação. 3. Relações étnico-raciais - dissertação. I. Azevedo,

Crislane Barbosa de. II. Título.

RN/UF/BS-CE CDU 37.016:94

Elaborado por TIAGO LINCKA DE SOUSA - CRB-15/498

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A Jorge Santos, meu marido, companheiro e grande incentivador.

Obrigada por estender sua mão para sustentar-me durante minha

trajetória, transmitindo-me paz, serenidade e resistência.

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AGRADECIMENTOS

Longa e constante é a nossa caminhada, que passa a ser prazerosa quando

acompanhada de pessoas que admiramos e fortalecem nosso caminhar, quando já nos aparece

exaustivo. Palavras não são suficientes para expressar a gratidão que transborda do meu ser

para com todos que estiveram comigo nessa construção. Agradeço:

A Deus, por me conceder força e sabedoria na condução da minha vida.

Aos meus ancestrais e Orixás por me cercarem de luz e fortalecimento.

Aos meus pais, José Feliciano e Eliete Feliciano, pelo apoio, ensinamentos e

confiança. Por serem meus exemplos de vida, de ser humano e serem os MEUS PAIS.

A Jorge Santos, pela compreensão, incentivo e apoio. Por transformar minha vida mais

bela e feliz. Sem sua mão me amparando, o caminho seria árduo. Mais uma conquista para

comemorarmos juntos. Ela é nossa!

À Professora Doutora Crislane Azevedo, minha orientadora e referência de

profissional comprometido e dedicado com a Educação. Obrigada pela, acolhida, paciência,

compreensão, humanismo, rigor cientifico e confiança. Obrigada, não expressa a

grandiosidade da minha gratidão pelas oportunidades e ensinamentos, e acima de tudo, por ser

minha orientadora.

Às Professoras Doutoras Vândiner Ribeiro, Giovana Carla Cardoso Amorim,

Francinaide de Lima Silva Nascimento e ao Professor Doutor Alessandro Augusto de

Azevedo, pela leitura generosa desse trabalho, e pelas contribuições valiosas para sua

finalização.

Aos professores doutores da linha de Pesquisa Educação, Currículo e Práticas

Pedagógicas, pela colaboração para o aperfeiçoamento do trabalho.

À professora Marcelina pela disponibilidade em participar desta pesquisa,

possibilitando nossa integração ao seu ambiente de trabalho, além de nos promover a partilha

de conhecimentos.

Aos alunos do 5º ano da Escola Estadual Potiguassu, pela receptividade que me

proporcionou sentir-me parte do grupo.

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A Escola Estadual Potiguassu, onde ocupo o lugar de docente, por aceitar participar da

pesquisa, colaborando grandiosamente para o sucesso do nosso trabalho.

Aos Gestores da Escola Municipal Vera Lúcia Soares Barros Wagner Domingos

Pereira, Maria Aparecida Confessor de Lima, Karina Valéria Lourenço do Nascimento e Enny

Pereira de Castro, pelo apoio e compreensão.

A minha amiga Andrielly Karolina, que mesmo entre seus afazeres científicos, sempre

estendia sua mão amiga e reconfortante para me ajudar.

Aos amigos Josenildo, Sandro Cordeiro e Ariane pelo apoio e incentivo para que até

aqui chegasse.

Às amigas Heloisa e Diana, solidárias e companheiras nos momentos difíceis.

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RESUMO

A educação é o meio pelo qual é possível desenvolver ações que resultem no respeito a

diversidade, resgatando valores essenciais para a vida em sociedade, pois é a partir dela que o

ser humano se (re)constrói e evolui. A pesquisa de mestrado intitulada: História e relações

étnico-raciais na Escola Estadual Potiguassu: raízes e ramificações da Lei 10.639/2003 tem

como objetivo analisar as orientações curriculares que sustentam a aplicabilidade da Lei

10.639/2003, lei que determina a inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira e

africana nos currículos escolares, na Escola Estadual Potiguassu/RN, além de buscar

compreender como é efetivada a relação interativa entre currículo e práticas pedagógicas na

educação para as relações étnico-raciais. Iniciamos nosso trabalho com a realização das

pesquisas documental e bibliográfica baseadas nos eixos: ensino de História. currículo, prática

pedagógica e relações étnico-raciais. Nossa pesquisa seguiu os referenciais teórico-

metodológicos da pesquisa qualitativa, orientada pelas técnicas da metodologia etnográfica, à

luz das ideias de Marly André (1995, 2010), Bogdan e Biklen (1994) e Lüdke e André (2015).

Nossa motivação foi originada pela busca em vislumbrar através das lentes do sujeito da

pesquisa, como percebem, reconhecem, compreendem e representam seu universo, em

especial, como conduzem as relações étnico-raciais no universo educativo. Nesse aspecto,

consideramos como técnicas adequadas para que pudéssemos alcançar os resultados

pretendidos: entrevista semiestruturada, observação participante, registros em diário de campo

e descrição. A metodologia utilizada nos possibilitou compreender e interpretar, a partir da

integração ao ambiente de pesquisa, as concepções e formas de atuar e ver-se no mundo do

sujeito pesquisado. Diante das análises percebemos a necessidade de a Escola Estadual

Potiguassu fomentar o entrelace entre currículo e práticas pedagógicas na promoção de uma

educação baseada na igualdade étnico-racial no espaço escolar, elegendo o ensino de História

como base sustentável para sua implementação. Nossa pesquisa apontou que a ausência de um

currículo multicultural reflete diretamente na implementação de ações afirmativas para o

combate ao racismo e preconceitos no ambiente da sala de aula, nesse aspecto, identificamos

uma longa distância a ser percorrida entre o escrito na legislação e o realmente efetivado.

Nesse aspecto, deparamo-nos com alguns empecilhos que travam a introdução do ensino de

história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares, como necessidade de

ampliação de número de aulas semanais de aulas de História na prática de sala de aula.

Consideramos que a formação do educando na sua integralidade como um ser multicultural,

perpassa pela correspondência entre o currículo proposto e a prática pedagógica significativa,

que por sua vez, está intrinsecamente ligada a concepção de educação defendida pelo

professor.

Palavras-chave: Currículo, Ensino de História, relações étnico-raciais, práticas pedagógicas e

etnografia

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ABSTRACT

Education is the means by which it is possible to develop actions that result in respect for

diversity, rescuing values essential for life in society, because it is from there that the human

being (re) builds and evolves. The master's research, entitled: History and Ethnic-Racial

Relations at the Potiguassu State School: roots and ramifications of Law 10.639 / 2003, aims

to analyze the curricular guidelines that support the applicability of Law 10.639 / 2003, a law

that includes the teaching of history and culture in the school curricula, at the State School

Potiguassu / RN, in addition to seeking to understand how the interactive relationship between

curriculum and pedagogical practices in education for ethnic-racial relations is made

effective. We started our work with documentary and bibliographic research based on the

axes: History teaching. curriculum, pedagogical practice and ethnic-racial relations. Our

research followed the theoretical-methodological references of the qualitative research,

guided by the techniques of ethnographic methodology, in the light of the ideas of Marly

André (1995, 2010), Bogdan and Biklen (1994) and Lüdke and André (2015). Our motivation

was originated by the search to glimpse through the lenses of the research subject, how they

perceive, recognize, understand and represent their universe, especially how they conduct

ethnic-racial relations in the educational universe. In this regard, we consider as adequate

techniques to achieve the desired results: semi-structured interview, participant observation,

field journal records and description. The methodology used allowed us to understand and

interpret, from the integration to the research environment, the conceptions and ways of acting

and seeing oneself in the world of the researched subject. In view of the analysis, we noticed

the need for the Potiguassu State School to foster the interplay between curriculum and

pedagogical practices in the promotion of an education based on ethnic-racial equality in the

school space, choosing the teaching of History as a sustainable basis for its implementation.

Our research pointed out that the absence of a multicultural curriculum directly reflects the

implementation of affirmative action to combat racism and prejudices in the classroom

environment, we identified a long distance to be traversed between the writing in the

legislation and the actual effect. In this aspect, we encounter some obstacles that impede the

introduction of Afro-Brazilian and African history and culture teaching in school curricula, as

a need to increase the number of weekly lessons of History classes in classroom practice. We

consider that the formation of the learner in its entirety as a multicultural being, runs through

the correspondence between the proposed curriculum and the significant pedagogical practice,

which in turn, is intrinsically linked to the conception of education defended by the teacher.

Keywords: Curriculum, History teaching, ethnic-racial relations, pedagogical practices and

ethnography

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LISTA DE SIGLAS

CNNC - Convenção Nacional do Negro pela Constituinte

DCNERER - Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico- Raciais e

para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.

EC - Emenda Constitucional

EEP - Escola Estadual Potiguassu

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais

PEE/RN - Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Norte

PL - Projeto de Lei

PNE - Plano Nacional de Educação

PNLD - Programa Nacional do Livro Didático

PNIDCNERER,- Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais e

Relação Étnico-Racial e Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana

PPGED - Programa de Pós-graduação em Educação

PPP - Projeto Político Pedagógico

PPPEEP - Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual Potiguassu

PT - Partido dos Trabalhadores

OAERER - Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-raciais

SEEC - Secretaria Estadual de Educação e Cultura

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS

INTRODUÇÃO 13

1. BAOBÁ - A ÁRVORE DA SABEDORIA: ENCONTRO, DESCOBERTAS E

TRAJETÓRIA............................................................................................................................. 18

1.1 ENCONTRO COM A PESQUISA...................................................................................... 19

1.2 ESSÊNCIA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA PESQUISA ................................. 21

1.3 FONTE DA SABEDORIA..................................................................................................... 27

1.3.1 A pesquisa bibliográfica..................................................................................................... 27

1.3.2 Sentir, ver, ser: sensações da pesquisa etnográfica......................................................... 39

1.4 SEMEAR PARA COLHER – O CAMPO DE PESQUISA................................................... 62

1.4.1 Sujeitos da pesquisa.......................................................................................................... 65

2. RAÍZES DA RESISTÊNCIA E CONTINUIDADE.................................................... 68

2.1 CURRÍCULO E DIVERSIDADE 69

2.2 A RESISTÊNCIA DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA.............................. 77

2.3 LEI 10.639/2003: RAÍZES DA ESSÊNCIA AFRO-BRASILEIRA...................................... 101

3. MUKUA: O FRUTO DA ÁRVORE DA VIDA................................................................... 117

3.1 CULTIVO À SABEDORIA MILENAR: A ESCOLA ESTADUAL POTIGUASSU E

AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS......................................................................................... 118

3.2 O SEMEAR DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA ESCOLA

POTIGUASSU: UMA HISTÓRIA A SER CONSTRUÍDA.........................................................

145

4 .O DESABROCHAR DOS REFLEXOS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA . 160

4.1 PRÁTICA DOCENTE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL: PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS...........................................

159

4.2. PLANEJAMENTO: CAMINHOS PARA PRÁTICA PEDAGÓGICA

SIGNIFICATIVA...........................................................................................................................

174

4.3 RELIGIOSIDADE E RELAÇÕES INTERPESSOAIS: ENTRELACE NA

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ABORDAGEM ÉTNICO-RACIAL........................................................................................... 182

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................... 199

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 205

APÊNDICES............................................................................................................................... 215

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INTRODUÇÃO

A cultura afro-brasileira, ainda nos dias atuais, revela marcas resultantes dos cinco

séculos de escravidão e exclusão que deram início à trajetória histórica do povo negro nas

terras brasileiras. Suas consequências negativas são latentes, assim como as situações de

discriminação e preconceitos de que ainda são protagonistas. História de um povo que teve

suas raízes histórico-culturais subjugadas e silenciadas ao longo dos anos, sufocados pela

dominação da cultura europeia, impondo premissas e valores, historicamente instituídos como

superiores.

Nesse aspecto, faz-se necessária a proposição e a implementação de políticas públicas

que promovam vicissitudes atitudinais e comportamentais entre os indivíduos, considerando o

reconhecimento e o respeito como valores primordiais nas relações sociais. Consideramos o

potencial da educação escolarizada como uma das medidas que podem promover uma

mudança de mentalidade, através da qual é possível desenvolver ações que resultem no

respeito à diversidade étnico-racial, resgatando valores essenciais para a vida em sociedade,

na constituição do sujeito que se (re)constrói e evolui.

A escola nesse sentido pode caracterizar-se como ambiente transformador e promotor

de ações que suscitem o combate à discriminação e preconceitos, como também pode

caracterizar-se como ambiente fortalecedor das atitudes e ações discriminatórias. A mola

propulsora para o desenvolvimento da presente pesquisa está diretamente relacionada à

segunda proposição apesentada.

Nossa pesquisa parte da experiência enquanto professora efetiva de uma escola do

município do Natal-RN, em que presenciamos atitudes de negação por parte de um colega

professor, em desenvolver trabalhos referentes à história e cultura afro-brasileira e africana,

em complemento ao já iniciado pela professora, que lecionava em uma turma de 5º ano.

Diante do fato, questionamos sob quais princípios estava sendo considerada e trabalhada a

diversidade étnico-racial pelos professores e pela escola de modo geral. Tendo em vista que a

escola contava com diversas atitudes de preconceitos e discriminações proferidas pelos

alunos.

Partimos do princípio que é papel da escola direcionar ações que busquem estabelecer

relações dialéticas entre as mudanças de pensamentos e as práticas docentes nas instituições

de ensino frente ao novo paradigma curricular, pautada na cultura antirracista, livre de

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preconceitos e conceitos estereotipados sobre a história e a cultura afro-brasileira, na busca da

formação do educando na sua integralidade como um ser multicultural, pontuando as reais

influências do povo africano na constituição da sociedade brasileira.

A partir do exposto, realizamos análises das orientações curriculares sobre a temática

educação para as relações étnico-raciais na promoção interativa entre currículo e práticas

pedagógicas na efetivação de uma educação baseada na igualdade ético-racial no espaço

escolar. Nosso objetivo é investigar quais orientações curriculares sustentam a aplicabilidade

da lei 10.639/2003, pelos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Escola

Estadual Potiguassu, pertencentes à rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Norte.

Além de buscar compreender como se estabelece a relação entre currículo e prática

pedagógica no universo da sala de aula na educação para relações étnico-raciais.

Tomamos como objeto de estudo a efetivação da Lei 10.639/2003, que regulamenta o

artigo 26 A, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996, tornando obrigatório o

ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em um estabelecimento de ensino de

Educação Básica na rede de ensino do Rio Grande do Norte. Nosso trabalho foi orientado pela

metodologia etnográfica, sendo iniciada pela pesquisa bibliográfica orientada pelos eixos:

ensino de História, prática pedagógica, relações étnico-raciais e currículo. E pela pesquisa

documental em que foram analisados os seguintes documentos: Constituição Brasileira

(1988), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), Parâmetros Curriculares

Nacionais (1997), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-

raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana(2004), Orientações e

Ações para a Educação para as Relações Étnico-raciais (2006), Plano Nacional de

Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações étnico-raciais

e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (2009), Plano Estadual de

Educação (2015) e Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual Potiguassu/ RN(2015) .

Seguida pelas técnicas: observação participante, registros em diário de campo, entrevista

semiestruturada e descrição.

O resultado da pesquisa encontra-se explicitado neste trabalho organizado em quatro

capítulos. Estes fazem alusão à árvore Baobá, conhecida como a árvore da vida. A maior

árvore do continente Africano, podendo atingir até 30 metros de altura e diâmetro entre 7 e 11

metros de circunferência, podem alcançar até seis mil anos de vida. Nas tradições históricas

africanas, a árvore representa a vida, a luta dos negros, sua força e resistência. Além de

representar a sabedoria, o Baobá apresenta diversas simbologias e crenças, todas relacionadas

ao misticismo africano. Nosso trabalho apresenta características semelhantes com as

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enumeradas sobre o Baobá. Diante dessa identificação, relacionamos cada capítulo a uma

característica marcante da árvore.

No primeiro capítulo, apontamos os caminhos que nos levaram a definir a metodologia

da pesquisa, percorremos trilhas que nos levaram a efetivação da nossa pesquisa, nela

encontramos elementos que nos conduziram no processo de construção do trabalho científico,

o encontro com o nosso objeto de estudos, os autores que nos auxiliaram nas discussões

bibliográficas em torno do ensino de História, currículo, práticas pedagógicas e relações

étnico-raciais. Iniciamos pela apresentação do processo de construção do objeto de estudos,

seguida pela epistemologia da pesquisa, a qual nos forneceu subsídios para escolhermos como

metodologia da pesquisa: a pesquisa etnográfica. Com base nas análises bibliográficas e

documentais, detalhamos as técnicas utilizadas e seus objetivos na construção dos dados.

Finalizamos o capítulo apresentando o campo e os sujeitos da pesquisa.

No segundo capítulo, discutimos a concepção de currículo em momentos distintos e as

caraterísticas marcantes em cada época apresentada e adentramos na concepção de currículo

para a diversidade. Nesse sentido, nos concentramos em apresentar os caminhos trilhados por

projetos de leis, impulsionados pelas lutas e reivindicações dos movimentos negros desde a

década de 1970, na tentativa de legalizar a inserção da história e cultura africana nos

currículos escolares. Nossas análises deságuam na legitimação e implementação da Lei

10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana

nos estabelecimentos de ensino da Educação Básica. Continuamos com as análises dos

documentos oficiais nacionais e seus referencias à educação para as relações étnico-raciais,

assim como, as orientações curriculares que sustentam e orientam escolas e docentes para sua

aplicabilidade no âmbito escolar na construção de um novo enfoque para o ensino da história

e as relações étnico-raciais.

No terceiro capítulo, discorremos sobre como está sendo efetivada a Lei 10.639/2003

na Escola Estadual Potiguassu/RN, como a Escola visualiza as relações étnico-raciais na

promoção de uma educação voltada para a diversidade. Apresentamos as análises dos dados

empíricos construídos através da triangulação das técnicas da pesquisa etnográfica, na busca

pela identificação dos procedimentos adotados para a inclusão da educação para e na

diversidade étnico- racial, e como estavam sendo abordadas pelo currículo adotado na Escola.

No quarto capítulo, focalizamos nossas observações no processo teórico-metodológico

para o ensino de História assumido pela Professora Marcelina1, ressaltando por quais vias se

1 Nome fictício para identificação da professora sugerido por ela para esta pesquisa (Apêndice 1).

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processa a abordagem étnico-racial no desenvolvimento do trabalho pedagógico da docente,

destacamos a religiosidade e as interpelações pessoais como direcionamentos. Ao mesmo

tempo em que analisamos como estavam sendo efetivados os planejamentos das aulas da

professora Marcelina, se revelavam o intuito de corresponder ao postulado sobre educação

defendido no currículo da Escola e como estavam sendo ministradas as aulas sobre o ensino

de História.

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1. BAOBÁ - A ÁRVORE DA SABEDORIA: ENCONTRO,

DESCOBERTAS E TRAJETÓRIA

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1. BAOBÁ - A ÁRVORE DA SABEDORIA: ENCONTRO, DESCOBERTAS E

TRAJETÓRIA

Ao analisarmos a sociedade brasileira percebemos, na sua faceta multicultural, um

conjunto de contributos oriundos, principalmente, das três matrizes étnicas – europeia,

africana e indígena – contribuindo para a constituição do povo brasileiro. Os dois últimos

grupos, em especial, travaram diversas lutas ao longo da história, com o intuito de serem

ouvidos e de terem seus valores e crenças respeitados.

O que observamos são tentativas incessantes em vencer obstáculos a fim de promover

a igualdade étnico-racial e a busca por caminhos que permitam a destituição do preconceito e

da discriminação arraigados no pensamento da sociedade, marca das lutas e resistência do

povo de origem afro-brasileira,“[...] tais movimentos lutavam contra a discriminação racial,

ou seja, o racismo difundido na sociedade civil. Além disso, buscava-se o direito à diferença,

reconhecimento e valorização da cultura afro-brasileira e indígena.” (AZEVEDO, 2010a,

p.143).

Lutas e reivindicações resultaram em leis e pareceres regulamentadores nos âmbitos

social e educacional a partir dos anos de 1990. Porém, vale salientar que a legitimidade e a

legalidade de documentos não asseguram sua implantação no currículo escolar,

consequentemente, sua aplicação em sala de aula.

Com base nisso, nosso desafio na pesquisa: História e relações étnico-raciais na

Escola Estadual Potiguassu/RN: raízes e ramificações da Lei 10.639/2003 problematiza:

como a referida lei está sendo efetivada em sala de aula nos anos iniciais do Ensino

Fundamental em uma escola pública da rede estadual de ensino em Natal/RN? A efetivação

da Lei 10.639/2003 é tomada como objeto de estudos e esta regulamenta o artigo 26 A, da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996 (LDBEN) que torna obrigatório o ensino da

história e cultura afro-brasileira e africana em estabelecimentos de ensino de Educação

Básica.

A partir deste problema, investigamos quais as orientações curriculares para educação

nas relações étnico-raciais sustentam a aplicabilidade da lei 10.639/2003, pelos professores

dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Escola Estadual Potiguassu, além de buscar

compreender como se concretiza a relação entre currículo e prática pedagógica na educação

para as relações étnico-raciais.

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A pesquisa tem sua pertinência por estabelecer relações interativas entre o ensino da

história afro-brasileira e africana e a prática docente no combate ao preconceito e

discriminações, considerando o currículo do ensino de História e sua abordagem como

orientadores na prática pedagógica para a educação para as relações étnico-raciais. Nesse

aspecto o ensino de História configura-se como mola propulsora na formação do sujeito que

se identifica como ator no processo histórico, reconhecendo e valorizando suas origens étnicas

e as contribuições dos seus antepassados na constituição da sociedade em que vive

atualmente.

1.1 ENCONTRO COM A PESQUISA

No decorrer de 13 anos de docência no Ensino Fundamental e de vivências voltadas

para a cultura popular, questionamentos sobre práticas pedagógicas em História bem como no

que se referem às relações étnico-raciais, foram constantes. Dessa forma, pesquisamos fontes

documentais na busca por maiores informações sobre a lei 10.639/2003 com o intuito de

descobrir e implantar novas possibilidades para trabalharmos a história e cultura africana em

sala de aula, sustentadas por documentos e teorias que viessem modificar e lapidar a prática

pedagógica. O marco decisivo para que enveredássemos pelos caminhos de uma educação

para as relações étnico-raciais, surgiu frente a um episódio vivenciado na escola em que

trabalhamos, pertencente à rede pública municipal de Natal/RN.

Um dos projetos que desenvolvemos na turma de 5º ano do Ensino Fundamental da

escola municipal em que lecionávamos, fundamentava-se na valorização da cultura afro-

brasileira, suas expressões culturais, as situações econômicas na atualidade e a prática do

racismo a que ainda parte dos alunos é vítima até os dias atuais. Naquele momento, surgiu a

necessidade de realizar um estudo esclarecedor e mais aprofundado sobre as religiões de

matrizes africanas. Tendo em vista que a escola disponibilizava professor de religião com

horários definidos por turmas, solicitamos que o colega de trabalho colaborasse com o

projeto, abordando a temática na aula que ministraria para a turma. Para nossa triste surpresa,

o professor de religião recusou-se a dar continuidade ao trabalho do 5º ano com o estudo

sobre a religiosidade africana, alegando “ter medo” de abordar o tema e ser mal interpretado e

sofrer sanções por parte dos pais dos alunos.

Com essa atitude, o docente teria ferido o cumprimento à lei 10.639/2003 no que

concerne ao estudo da história e cultura afro-brasileira e africana em todo o currículo escolar,

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além de estar adotando uma postura discriminatória por meio da violação dos “direitos das

pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como a raça, o sexo, a idade, a

opção religiosa e outros” (SANT‟ANA, 2005, p.63).

A partir de então, surgiram questionamentos como: a escola não seria um espaço

promotor de situações que envolvem valorização e respeito à diversidade? Qual concepção de

educação era defendida pelo professor? Ele estava preparado para sobrepor os seus

(pré)conceitos individuais em favor de uma educação para as relações étnico-raciais, uma

educação para todos? As políticas de ações afirmativas para o povo de origem afro-brasileira

e africana estão sendo aplicadas ou, ao menos, discutidas? Tais questionamentos

impulsionaram nosso interesse em buscar leituras sobre o tema.

Diante do exposto, percebemos a necessidade de realizar um estudo que apontasse

elementos que conduzissem à reflexão e (re)ação diante de atitudes de preconceito e

discriminação revelados na sociedade. Para tentar responder nossas inquietações, elaboramos

um projeto de pesquisa para aprofundarmos nossos conhecimentos acerca do universo escolar

e compreendermos o conceito de currículo que é admitido pelo docente do Ensino

Fundamental no concernente à história afro-brasileira e o submetemos à apreciação da linha

de pesquisa Educação, Currículo e Práticas Pedagógicas, do Programa de Pós-Graduação

(PPGED) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), iniciando a pesquisa em

nível de mestrado no ano de 2016.

Defendemos a educação institucionalizada como marco inicial. Pressupomos que a

escola deve desenvolver o papel de mediadora e propulsora na realização da tríade conhecer,

refletir e transformar. Segundo Nascimento (2012, p. 40):

A escola é um dos espaços de socialização dos indivíduos. É através dela

que os alunos desenvolvem seu senso crítico e aprendem valores éticos e

morais que regem a sociedade. A escola tem como responsabilidade ampliar

os horizontes culturais e expectativas dos alunos numa perspectiva

multicultural. É na escola que aprendemos a conviver com as diferentes

formas de agir, pensar e se relacionar; portanto, ela deve refletir essa

diversidade.

Para tanto, é importante que haja a ruptura de estereótipos de cor, raça, sexo, religião,

arraigados no íntimo de parte dos profissionais da educação, desencadeando o processo de

(des)construção, transformação e (re)construção de pensamento. Sendo este possível através

da autorreflexão e análise do docente, do reconhecimento da sua própria identidade e do

reconhecer-se como sujeito de uma sociedade multicultural.

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Os professores precisariam se reconhecer no que ensinam, conscientizando-

se da formação pluriétnica do povo brasileiro e aceitando suas próprias

origens, para que pudessem ensejar um processo educativo na escola mais

adaptado à realidade nacional, levando os alunos a também desenvolver uma

atitude afirmativa com relação à sua própria identidade. (MOURA, 2005, p.

80).

No entanto, há espaços escolares que se configuram como ambientes promotores de

ações discriminatórias e de inferiorização de alunos afro-brasileiros, sendo estas ocultas ou

camufladas, de caráter mais explícito ou mesmo apresentando um aspecto mais velado. Isso

reflete negativamente no desenvolvimento do indivíduo, fere sua autoestima, a segurança de

ser quem ele realmente é, abstendo-se de reconhecer, afirmar e aceitar orgulhosamente suas

raízes socioculturais.

A partir do questionamento e objetivos abordados nesta pesquisa de mestrado foi

possível o encontro entre o real e o ideal sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e

africana, ou seja, o que está posto nos documentos e o que está realmente sendo efetivado na

prática educacional, refletido no currículo e nas atitudes dos sujeitos da pesquisa.

Apresentaremos, em seguida, a concepção de pesquisa científica defendida nesta investigação

com base no nosso objeto de estudos.

1.2 A ESSÊNCIA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA PESQUISA

Iniciamos nossa discussão acerca da epistemologia da pesquisa pela definição de

pesquisa científica construída à luz dos estudos dos autores: Gamboa (2007), Almeida (2012),

Bachelard (1996), Sheldrake (2014) e Kunh (1987). A pesquisa é oriunda do desejo de

mudança e transformações de informações já conhecidas, constituindo uma trajetória histórica

que vai sendo modificada com o surgimento de novos fenômenos a serem compreendidos e

explicados. Nesse aspecto, a epistemologia se caracteriza por promover a dialogicidade entre

conhecimento científico e os pressupostos filosóficos. Segundo Gamboa (2008, p. 50):

Quando nos referimos ao termo epistemologia da pesquisa educacional,

significa que tomamos como objeto a produção do conhecimento gerado

pela pesquisa científica na área de educação e analisamos à luz das

categorias filosóficas, utilizando para isso esquemas conceituais que

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propiciam o estudo das articulações entre os elementos constitutivos da

investigação (técnicas, métodos, teorias, modelos de ciências e pressupostos

filosóficos).

O processo de construção do conhecimento sofre mutações no decorrer das

necessidades da pesquisa, transportam os muros da observação, demonstração, verificação,

experimentação na busca do saber mais, da compreensão do já existente, em consonância com

o novo. Nesse aspecto, podemos citar Almeida (2012, p. 104) ao afirmar que:

Como toda construção humana, entretanto, a concepção do que venha a ser

pesquisa vai mudando de acordo com o desenvolvimento histórico da

ciência, articulado ao surgimento de problemas e fenômenos que exibem

uma face nova, ou até então impossível de ser concebida.

Com base na reflexão dos escritos de Almeida (2012), o conhecimento científico está

baseado na relação teoria, regras e prática. O estudante não pode resolver nenhum problema

sem antes dominar a teoria e as regras de como aplicá-las, sustentado pelas resoluções

anteriores que referenciam novas resoluções de problemáticas similares, ou seja, o paradigma

em vigor. De acordo com Kunh (1987), paradigmas são princípios, valores e pensamentos

compartilhados por membros de uma determinada comunidade científica, ao mesmo tempo, o

termo refere-se às comunidades científicas constituídas por membros que partilham o mesmo

paradigma. Um paradigma orienta um grupo de estudiosos. Nesse sentido, o paradigma

apresenta-se como exemplo de pensar e fazer compartilhado, pois é utilizado como referência

para novas resoluções de problemáticas similares.

A nossa pesquisa busca responder como está sendo aplicada a lei 10.639/2003 em uma

escola da rede pública estadual de ensino no município de Natal-RN, e emerge da necessidade

em desconstruir os pré-conceitos e (re)construir conceitos acerca do ensino da história e

cultura afro-brasileira, no contexto escolar, para que seja possível a ressignificação

pedagógica, e possibilite o desenvolvimento de práticas educacionais democráticas e

construtivas, que descortinem a importância da cultura afro-brasileira na formação histórica e

sociocultural do indivíduo.

Com base no exposto, a proposta da pesquisa considera como ponto de partida, a

ruptura de antigos paradigmas curriculares educacionais, que até o fim da década de 1980,

conduziam o processo educativo institucionalizado à luz das tendências tecnicistas, o

currículo como representatividade de um conjunto de conteúdos e aprendizados desvinculados

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da realidade e vivências educacionais dos sujeitos. Buscamos correlacionar mudanças

curriculares e práticas docentes nas instituições de ensino, frente ao novo paradigma

curricular. Paradigma este, baseado na elaboração e implementação do currículo crítico-

reflexivo promotor de ações que revelem os valores sociais, culturais, históricos, políticos e

econômicos de cada sociedade. Nesse aspecto, nos reportamos a Candau (2013) ao afirmar

que:

Não há educação que não esteja imersa nos processos culturais do contexto

em que se situa. Nesse sentido, não é possível conceber uma experiência

pedagógica „desculturizada‟ . isto é, desvinculada totalmente das questões

culturais da sociedade. Existe uma relação intrínseca entre educação e

cultura(s). Estes universos estão entrelaçados e não podem ser analisados a

não ser a partir de sua íntima articulação. (CANDAU, 2013, p. 13)

O modelo do currículo na perspectiva crítico-reflexiva conduz o processo de formação

do sujeito na sua integralidade respeitando a sua diversidade cultural e étnica, além de

pontuar, entre outros elementos que buscam o respeito às diferenças, as reais influências do

povo africano na constituição da sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que propõe a

afirmação identitária e reconhecimento do povo afro-brasileiro.

O entendimento dessas raízes favorece maior compreensão do presente para questionar

as ações praticadas no passado, e buscar as mudanças com base na trajetória histórica. Estas,

não se apresentam contínuas como uma sequência de fatos, mas, conduzidas através das ações

transformadoras do sujeito na sociedade em que está inserido, movidos pelo desejo de inovar

e responder aos constantes anseios e necessidades emergentes. Atribui-se ao sujeito lugar de

atuante, consciente da busca do seu papel nesse processo de transformação histórica.

Os elementos citados nos reportam a alguns pontos revelados na teoria do

conhecimento científico de Bachelard, por nos apresentar como bases de sustentação a

perspectiva histórica, racionalista e descontinuísta. Histórica, porque através do processo

histórico da Ciência em sua fundamentação, reverbera no presente a trajetória do passado, ao

mesmo tempo em que concebe a verdade como “correções” progressivas dos erros, este,

vislumbrado como uma “retificação” histórica, na identificação do erro do passado. Dessa

forma, “o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos

mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização”

(BACHELARD, 1996, p. 17). Racionalista, porque prima pelas epistemologias baseadas na

razão, desprendendo-se das amarras do empirismo, na busca pela dialogicidade entre razão e

empirismo. Subtrai o foco do ato de conhecer através da observação do objeto e transfere para

o lócus da experiência e do raciocínio, “é no eixo experiência-razão e no sentido da

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racionalização que se encontram ao mesmo tempo o risco e o êxito.” (BACHELARD, 1996,

p. 22). E por fim, descontinuísta, pois defende a ruptura entre o conhecimento comum e o

conhecimento científico, por meio da recorrência histórica, o presente é a ponte para a

compreensão do passado, do racionalismo.

Sobre os obstáculos que permeiam a construção do conhecimento científico,

Bachelard aponta como um dos fatores principais o distanciamento do já conhecido, despir-se

das amarras das crenças, em busca da construção de novos conhecimentos. A ciência, nunca

se constrói com base na opinião. Diante de uma investigação, conceito constituído pelo

pesquisador influenciará diretamente nos resultados da pesquisa, nesse aspecto, o distanciar-

se reverbera as possibilidades e compreensões antes desconhecidas. “O espírito científico

proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões que não compreendemos, sobre questões

que não sabemos formular com clareza. Em primeiro lugar, é preciso saber formular

problemas.” (BACHELARD, 1996, p. 18). A elaboração de um problema é subsídio para a

verdadeira pesquisa científica, pois não há pesquisa científica sem um problema a ser

investigado e respondido. Diante do problema, temos seus questionamentos, bases para a

construção do objeto de pesquisa. A partir da construção do objeto de pesquisa é definido o

método.

Nesse processo é necessária a ruptura entre senso comum e conhecimento científico

sobre da história e cultura afro-brasileira e africana. As representações do senso comum

atribuídas por grande parte dos docentes sobre a temática, ainda revelam aspectos que nos

reportam à construção histórica de conceitos e pensamentos depreciativos sobre a cultura

afro-brasileira e africana, um dos pontos relevantes para que haja a efetivação dos

pensamentos que embasam nossa pesquisa.

Indubitavelmente o campo educacional é o meio mais eficaz pelo qual as mudanças e

transformações são possíveis. Sobre esse aspecto, Freire (1979) afirma que o processo de

educação é delineado pelo reconhecimento do ser humano como inacabado, em busca do “ser

mais” constante. Essa busca é orientada pela educação. Sendo o homem “sujeito da sua

própria educação não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém.” (FREIRE,

1979, p. 28). Os seres humanos se educam em comunhão, em sociedade, no encontro do

outro. “Não há educação fora da sociedade humana e não há homem no vazio” (FREIRE,

2001, p. 43). Daí depreende-se que o homem, como ser de relações, não apenas está no

mundo, mas, com o mundo como sujeito das suas ações.

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Nossa pesquisa prima pelo homem-sujeito, na busca da formação do ser humano

diverso e multicultural, promotor da sua história. O homem que se constrói na relação

dialógica com o outro, que percebe sua realidade e a transforma.

Definimos como intenção final, promover uma reflexão sobre a importância da

reestruturação curricular à luz da educação para as relações étnico-raciais, assim como levar a

escola e o profissional da educação a perceberem sua atuação como decisiva no processo de

valorização e respeito à diversidade.

A partir da construção do nosso objeto de pesquisa, a efetivação da Lei 10.639/2003,

que responderia de forma completa nossas inquietações sobre como se processa a

aplicabilidade da dita lei na sala de aula, definimos que a abordagem metodológica seria de

cunho qualitativo, como bem explicam Gondim e Lima (2006, p. 57) pelo fato de buscar “a

compreensão dos fenômenos por meio de instrumentos de natureza qualitativa”. Esse tipo de

pesquisa conduz o processo investigativo permitindo aproximação conceitual subjetiva do

fenômeno através da visão dos sujeitos da pesquisa.

A pesquisa qualitativa tem seus primeiros registros de produção de conhecimento no

final do século XIX quando cientistas sociais consideraram questionar se os métodos de

investigação adotados pelas ciências exatas, fundamentada na perspectiva positivista,

deveriam permanecer orientando as investigações sociais. Tendo em vista que os fenômenos

humanos e sociais não são estáticos, consequentemente impossibilita que sejam mensurados e

representados por generalizações, aspectos presentes nas concepções metafísicas.

Sobre a metafisica, Frigoto (1987, p. 81) revela que “orienta os métodos de

investigação de forma linear, aistórica, lógica e harmônica.” Compõem esta concepção

metodológica, as abordagens empiristas, positivistas, idealistas, ecléticas e estruturalistas. De

acordo com o autor (1987, p.81): “Esse pressuposto concretiza-se na pesquisa por uma

metodologia que reduz o objeto de estudo a unidades, individualidades, fatores ou variáveis

isoladas, autônomas e mensuráveis”. Características que impedem o processo de construção

do conhecimento científico nas ciências humanas em sua essência, pois o sujeito é um ser de

relações, ele não está no mundo e sim com o mundo, portanto, estabelece relações com o meio

em que convive, sendo suas ações resultado da compreensão que tem sobre o mundo, a partir

do contexto em que está inserido. Nessa perspectiva “o foco da investigação deve centrar-se

na compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas ações” (ANDRÉ, 1995, p.

17), para apreendermos esses significados, devemos partir do contexto em que os sujeitos

estão inseridos.

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Diante desses pressupostos, verificamos a construção de um novo paradigma,

constituído pela ruptura das abordagens positivistas. Trata-se da abordagem naturalista ou

qualitativa.

Naturalista porque não envolve manipulação de variáveis, nem tratamento

experimental; é o estudo do fenômeno em seu acontecer natural. Qualitativa

porque se contrapõe ao esquema quantitativista de pesquisa (que divide a

realidade em unidades passíveis de mensuração, estudando-as isoladamente),

defendendo uma visão holística dos fenômenos, isto é, que leve em conta

todos os componentes de uma situação em suas interações e influências

recíprocas. (ANDRÉ, 1995, p. 17).

Na pesquisa qualitativa, o foco da atenção é o processo de construção dos resultados e

não os resultados em si mesmos. Ou seja, como se processaram as interações cotidianas, nas

atividades que desenvolvem. De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 49): “A abordagem

de investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é

trivial, que tudo tem seu potencial para construir uma pista que nos permita estabelecer uma

compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo”.

Ao utilizar esse tipo de abordagem o pesquisador busca o modo como os sujeitos

percebem o ambiente em que está inserido, como se relacionam com ele, como interpretam

suas vidas. De acordo com Castro (1994, p.59):

O processo de pesquisa, na perspectiva naturalística, inicia-se dentro do

ambiente natural, pois independente do nosso objeto de estudo, ele adquire

sentido e significado no seu contexto original de ocorrência. O pesquisador

deve, então, abarcar todos os fatores e influências do contexto, tornando a

tarefa da investigação bastante exigente e complexa, pois o objeto da

pesquisa será estudado em seu contexto natural de forma prolongada e

através da observação persistente.

Os investigadores qualitativos em educação estão continuamente a questionar os

sujeitos de investigação, com o objetivo de perceber “aquilo que eles experimentam, o modo

como eles interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo

social em que vivem” (PSATHAS, apud BOGBAN e BIKLEN, 1994, p. 51).

Nesse aspecto, definimos a etnografia como fundamentação metodológica para nossa

pesquisa. A pesquisa etnográfica tem como campo de pesquisa o ambiente natural dos

participantes, pois as ações são mais bem compreendidas pelo pesquisador, visto que este

deve introduzir-se no ambiente investigado na busca de integrá-lo. Os pesquisadores

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“entendem que as ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu

ambiente habitual e ocorrência.” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 48).

1.3 FONTE DA SABEDORIA

Para o início da pesquisa, precisamos nos banhar nas fontes bibliográficas na busca

por nos informar e formar acerca das temáticas, e adquirirmos seu domínio. Domínio este,

ainda frágil nos momentos iniciais da nossa pesquisa de mestrado. Após apropriarmo-nos dos

elementos relativos ao ensino de História, ao currículo, à prática pedagógica e à educação

para as relações étnico-raciais, pesquisamos os documentos que sustentariam nosso trabalho

estabelecendo relações com a bibliografia pesquisada.

As pesquisas bibliográfica e documental foram determinantes no processo de definição

da metodologia de pesquisa que nos daria condições de chegar às respostas dos

questionamentos que impulsionaram nosso trabalho. Nesse processo, foi essencial a mediação

da orientadora no que concerne ao domínio e conhecimento das temáticas, assim como da

metodologia de pesquisa selecionada. A partir da sua orientação, nos foram apresentadas

produções específicas, diversas metodologias de pesquisa para que adotássemos aquela que

melhor nos apontasse caminhos na construção das respostas aos nossos questionamentos.

Porém, a definição da metodologia apresentou-nos imbuídas de grande complexidade, pois as

dificuldades no trato com a metodologia surgiram desde o início, tendo em vista que era a

primeira vez que estávamos sendo apresentados à diversas metodologias e suas técnicas,

déficit adquirido na graduação, em que não nos foi possibilitado conhecimentos relativos à

pesquisa.

1.3.1 A pesquisa bibliográfica

Pesquisa bibliográfica consiste em estudos e análise de documentos de cunho

científico tais como: livros, artigos científicos, dissertações, teses e periódicos. Permite ao

pesquisador o estudo com obras publicadas sobre o tema em estudo. Vale salientar que, ao

realizar a pesquisa bibliográfica, devemos observar a confiabilidade das fontes e sua

relevância no contexto científico.

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A pesquisa bibliográfica que subsidia nossa investigação, possibilitou-nos promover

reflexões e compreensões sobre a trajetória de lutas, desafios, mudanças e permanências

ocorridas no processo de busca por uma sociedade igualitária e sem preconceitos, à luz do

ensino de História. Tendo em vista que a pesquisa está pautada na Lei 10.639/03, foram

realizados estudos em torno das temáticas: ensino de História, educação para as relações

étnico-raciais, currículo e práticas pedagógicas. Permitiu-nos compreender e visualizar através

dos escritos pesquisados, as dificuldades em tornar efetivo o paradigma educacional que a

nossa sociedade necessita, pautado na cultura antirracista, livre de preconceitos e conceitos

estereotipados sobre o povo de origem africana, pautada na formação do educando na sua

integralidade como um ser multicultural, consciente das reais influências do povo de africano

(e indígena) na constituição da sociedade brasileira.

Em relação à temática “ensino de História”, buscamos referências sobre como se

processa o ensino e a aprendizagem deste ensino, sobretudo, nos anos iniciais do Ensino

Fundamental e que elementos são considerados para que se efetive a construção do saber

histórico. Para responder aos questionamentos, foram pesquisadas obras de: Abud (2012a,

2012b), Bernardo (2009), Bittencourt J. (2009), Tuma, Cainelli e Rosa (2010), Schmitt

(2011), Silva (2015), Teixeira (2011), Coelho (2011), Doroteio (2012), Siqueira e Quirino

(2012), Azevedo (2013), Bittencourt, C. (2009; 2005), Fonseca (1993, 2010) e Stamatto

(2009).

Os autores referenciados defendem a reestruturação das práticas do ensino de História,

substituindo a ação de transferência de conhecimentos, pela ação de construir conhecimentos,

através do processo dialógico entre passado, presente e futuro. Possibilitando dessa forma, a

compreensão do processo histórico, sua evolução e transformações pelos alunos.

A obra de Abud (2012a) permitiu-nos confirmar suposições elaboradas no decorrer

das nossas leituras, ao apresentar dados extraídos do estágio supervisionado, em que confirma

que o tempo disponibilizado para o ensino de História nos anos iniciais do Ensino

Fundamental, é por muitas vezes suprimido pela administração das disciplinas consideradas

como prioritárias, como o caso das disciplinas de Português de Matemática. Nesse aspecto,

percebemos que as representações sobre o ensino de História pela maioria dos docentes, ainda

reproduzem os aspectos mecanicistas, baseados na repetição e memorização, perpetuando

dessa forma, concepções do passado. São características apregoadas durante décadas, em que

consiste subjugar o caráter formativo e científico da disciplina, corroborando com o

enraizamento desses conceitos e concepção até os dias atuais.

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Já Abud (2012b), por sua vez, trata especialmente sobre a elaboração do conceito de

tempo histórico. A autora defende a elaboração do conceito histórico relacionando-o às

noções de tempo e espaço histórico, pois a referência a fatos passados permite compreender o

presente. Para compreensão de tempo histórico, a autora discorre sobre tempo físico, tempo

social até chegar ao conceito de tempo histórico. Etapas vivenciadas pelos alunos dos anos

iniciais do Ensino Fundamental na elaboração do conceito de tempo histórico. O texto da

autora colaborou na construção do conceito de tempo histórico, ponto que necessitávamos

maior compreensão como um dos elementos constitutivos para tornar efetivo o ensino de

História nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Tuma, Cainellei e Rosa (2010), por sua vez, apresentam o processo de construção do

conceito de tempo histórico a partir das referências teóricas e metodológicas construídas

através da observação e análise das atividades realizadas pelos alunos com idades entre nove e

dez anos. O resultado da pesquisa foi importante para o nosso trabalho por promover a

compreensão dos conceitos fundamentais para o ensino de História, tais como: tempo

histórico, duração, simultaneidade e temporalidade. Para tanto, as autoras revelaram cada

etapa da construção do conhecimento histórico interligando os conceitos ao processo

metodológico.

Ainda sobre tempo histórico, Schmitt (2011) aponta ser de ordem fundamental sua

compreensão pelos alunos, até mais do que os conteúdos que são trabalhados. O trabalho da

autora nos possibilitou maior reflexão sobre o processo teórico-metodológico representado

como “verdade” durante os tempos, e que possibilita ao aluno construir o conceito de

temporalidade, aplicando-o na sua vivência e percebendo-se como sujeito histórico.

A dissertação de Bernardo (2009) apresenta como se processa o ensino-aprendizagem

do saber histórico a partir dos usos das fontes históricas. A pesquisa tem como objetivo

investigar a compreensão dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, acerca das

fontes históricas e se são capazes de estabelecer relações com sua vivência na construção do

pensamento histórico. O estudo da produção acadêmica nos possibilitou uma maior reflexão

acerca da utilização das fontes históricas, no intuito de estimular a curiosidade e despertar o

interesse do aluno pelo ensino de História, na busca da reconfiguração da metodologia

aplicada.

Já a dissertação de mestrado de Jean Bittencourt (2009), busca identificar quais

aspectos são determinantes na seleção e organização dos conteúdos de História pelos

professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com base no currículo proposto pela

escola para o ensino da disciplina. Esta seleção é baseada na concepção de ensino-

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aprendizagem construída pelo docente sobre o ensino da disciplina e influencia diretamente

na sua prática pedagógica. A leitura da obra nos possibilitou estabelecer as relações entre

currículo e prática pedagógica para o ensino de História de forma mais contundente além de

promover uma reflexão acerca da fragilidade do professor dos anos iniciais ao elaborar seus

planejamentos, quando estes não têm orientações teórico-metodológicas claras e objetivas no

currículo escolar.

O artigo de Silva (2015) colabora com nossa pesquisa no que concerne à relação entre

a concepção de ensino de História e prática pedagógica reflexiva, fios condutores na

construção do pensamento crítico e reflexivo da realidade do sujeito. Nesse aspecto, o autor

defende a construção dos conceitos históricos pelos alunos através da relação estabelecida

entre o presente e o passado como resultado da ação humana, de pessoas comuns que

construíram um futuro e um presente a partir de um passado. Sendo esta relação possível,

através da mediação docente, a quem é atribuído o papel de mediador através dos recursos

didáticos que incitem o aluno a formular suas concepções históricas.

Já a obra de Teixeira (2011) tem como objetivo analisar o currículo da disciplina de

História sugerido para os anos iniciais do Ensino Fundamental. A autora buscou referências

nos conteúdos apresentados nos livros didáticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD) publicados entre os anos de 1996 e 2012. A partir da discussão suscitada

sobre as características assumidas pelas estruturas curriculares, foi possível estabelecermos

relação entre as teorias crítica e pós-crítica do currículo. O estudo da obra nos possibilitou

ressaltar nossa concepção de que a escolha dos conteúdos, metodologia e avaliações,

representam o tipo de sujeito que se pretende formar, a visão de mundo e sociedade

defendidos pela escola, ao mesmo tempo em que absorve determinados indivíduos e exclui

outros, na defesa do “sujeito ideal”, colaborando diretamente com o universo da nossa

pesquisa, ao defendermos o currículo promotor da diversidade multicultural, na formação do

sujeito plural e diverso. Premissas reveladas na teoria pós-crítica.

O artigo de Coelho (2011) é um estudo voltado para a construção e análise do perfil

profissional e pessoal docentes, realizado através de entrevistas com 12 professoras da rede

pública municipal de Belo Horizonte/MG. A obra foi relevante para nossa pesquisa pelo fato

de nos permitir compreender as dificuldades encontradas pelos professores, ao deparar-se com

as questões curriculares específicas para o ensino de História, como estas influenciam na sua

prática pedagógica, tendo em vista que não dispunham de formação para o desenlace da

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temática com seguridade, levando-os a reproduzir os aspectos metodológicos aos quais foram

submetidos na abordagem da disciplina.

Doroteio (2012) contribui para nossa pesquisa ao nos aproximar das questões que

conduziram o processo de transformação curricular em que o ensino de História foi

protagonista, a partir de 1990. Além disso, aponta as mudanças de pensamentos, que

correspondem ao repensar das práticas pedagógicas, conteúdos e temas. Constituímos o

pensamento de que ao mesmo tempo em que é abordado como formador da identidade social,

o ensino de História, busca reflexões acerca do processo histórico de construção da sociedade

brasileira, elementos transformadores e determinantes nas mudanças sociais e culturais.

Destaca a concepção de ensino como fundamental para o processo de seleção dos conteúdos e

a metodologia adotada, no entanto, revela sua insatisfação ao comprovar a desvalorização da

disciplina, mediante a carga horária reduzida.

Buscamos dialogar com Siqueira e Quirino (2012) sobre os aspectos que permeiam e

orientam a prática pedagógica para o ensino de História e nos revela que ao ministrar a

disciplina, deve-se construir uma ponte entre os acontecimentos passados e a atualidade, para

melhor compreensão do aluno, devem-se promover situações em que o aluno construa suas

concepções acerca dos fatos históricos e internalize o conhecimento de forma significativa.

Partimos do pressuposto de que tais ações são possíveis diante da reestruturação das posturas

adotadas pelo docente na abordagem do ensino da História.

Já o artigo de Azevedo (2013) permitiu-nos refletir sobre os diversos caminhos para a

composição do planejamento promotor de ações pedagógicas reflexivas e concretas no

processo de ensino aprendizagem do ensino de História. A autora apresenta modelos de

planejamento apontando suas principais características e funções. Enfatiza a necessidade de

identificação por parte do docente, sobre a definição de planejamento mais adequado à

abordagem do assunto, tendo em vista que neste, estão presentes os aspectos sociais, culturais,

econômicos e políticos, que direcionarão a constituição da prática pedagógica.

Já as obras de Circe Bittencourt (2005; 2009), colaboram com nossa pesquisa ao

promover uma discussão acerca da estrutura teórica e metodológica que permeia a abordagem

do ensino de História nos anos inicias do Ensino Fundamental, além de apresentar uma breve

trajetória sobre os aspectos históricos constitutivos da disciplina no Brasil e seu papel no

currículo escolar. Ao mesmo tempo apontam como principais problemas as permanências e

mudanças acerca dos elementos curriculares na abordagem da História no âmbito escolar,

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definindo o lugar que pode ocupar na tentativa de colaborar no desenvolvimento social e

intelectual do sujeito.

Nesse aspecto, o estudo dos trabalhos de Fonseca (1993; 2010) foi importante para

nossa pesquisa por referendarem a trajetória das mudanças apresentadas pelo currículo para o

ensino de História através dos tempos, além de revelar como característica marcante para tais

mudanças, o processo político, social e econômico, vivenciado em cada época, por meio da

elaboração da breve trajetória de conceitos e concepções assumidas pelo ensino de História

através do tempo. Além disso, auxiliaram-nos na compreensão dos aspectos que

influenciaram as permanências e mudanças na trajetória do ensino de História na educação

brasileira.

Stamatto (2009) nos possibilitou compreender o processo de mudanças e

permanências do ensino de História através do tempo pelas lentes das reformas curriculares,

que considerando as teorias e significados atribuídos à disciplina de acordo com a época,

apresenta seus pressupostos conceituais. Ao mesmo tempo, em que realiza a análise dos livros

didáticos direcionados aos anos iniciais. Por sua vez, Santos (2010), especificamente, chama a

atenção para a reestruturação conceitual sobre educação e tipo de sujeito que se pretende

formar, assim como que conhecimentos são necessários para a efetivação do currículo em

consonância com a prática pedagógica. Além de promover uma discussão acerca da

resistência do docente em aceitar romper com premissas construídas e enraizadas no processo

metodológico. Ambos os autores contribuíram para o pensar sobre a complexidade inerente ao

ensino de História com foco, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

No âmbito da “educação para relações étnico-raciais”, pesquisamos trabalhos na

perspectiva da construção histórica das relações étnico-raciais. Nesse aspecto, analisamos as

obras de: Trindade (2013), Silva e Souza (2008), Costa (2013), Rocha e Silva (2013),

Azevedo (2010b) Flores, (2006), Silva P. (2007), Silva, (2011), Santos (2011), Nascimento

(2011) e Silva (2011), Gomes (2001; 2005a; 2005b; 2007; 2013), Pereira (2012), Cavalleiro

(2005), Sant‟Ana (2005).

Trindade (2013) faz uma breve trajetória histórica, pelos marcos propulsores de lutas e

conquistas políticas e educacionais alcançadas pelos movimentos negros. O trabalho da autora

ajuda-nos a estabelecer relações entre o processo histórico, os resultados e circunstâncias de

cada movimento, pois, apresenta de forma cronológica a sanção de leis e documentos que

regulamentam, no âmbito educacional, o combate às desigualdades sociais e raciais.

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Silva e Souza (2008), ao enfatizar a busca pela descentralização eurocêntrica nas

escolas, diante da necessidade da adesão a uma democracia étnico-racial, concebem que um

ambiente escolar socializador e promotor das relações étnico-raciais, é papel dos sujeitos da

educação institucionalizada, principalmente do corpo docente. Nessa perspectiva, é necessário

descontruir paradigmas educacionais excludentes e reformular a concepção de mundo,

sociedade, aluno e educação defendida pela instituição, para que seja valorizada a diversidade.

Segundo os autores, o marco inicial é o reconhecimento da própria identidade, a definição do

“ser negro” no Brasil.

Ainda sobre o processo da construção histórica da luta contra o preconceito racial e as

conquistas educacionais, a dissertação de Costa (2013) apresenta-nos estudos mais

aprofundados acerca dos movimentos negros, expõe uma trajetória política e sócio

educacional relacionando à situação econômica brasileira da época. O trabalho da autora, foi

de suma importância, pois consubstanciou a compreensão dos processos políticos e históricos

para a efetivação da lei 10.639/2003, dialogando com a realidade social e econômica, em que

estavam sendo processadas.

Rocha e Silva (2013) possibilitaram-nos complementar nossos conhecimentos acerca

da trajetória educacional dos movimentos realizados até a promulgação da lei 10.639/2003,

além de levar-nos a questionar o papel da escola frente às mudanças educacionais, a adoção

do novo modelo de educação apresentado e ansiado pela sociedade, sustentado pela

multiculturalidade, na diversidade identitária e no combate ao preconceito e discriminação. É

necessária a incorporação das premissas que regem as leis e as diretrizes pelos sujeitos do

processo educacional, para que haja garantia de mudanças de paradigmas da educação. Nesse

sentido, pode-se tomar como base a reestruturação curricular, atrelada à função social da

escola e a prática docente, como marcos decisivos nessa constituição.

Azevedo (2010b), por sua vez, propõe a articulação do ensino de História com

educação para as relações étnico-raciais de acordo com cada segmento de aprendizagem.

Iniciando pela Educação Infantil, com o objetivo de promover o desenvolvimento integral da

criança, inclusive no que concerne a sua capacidade de reconhecer-se como um ser histórico,

participante e atuante em uma trajetória familiar e social. Com base no estudo do artigo,

refletimos sobre cada etapa de ensino, identificando a necessidade da formação do docente,

como principal ação para efetivação de uma educação plural nos anos iniciais do Ensino

Fundamental.

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Flores (2006), por sua vez, critica a inércia do currículo universitário frente às

transformações sociais, caracteriza-o como europeu e conteudista. Enfatiza a importância da

formação docente, no processo de constituição curricular diante da implantação da

10.639/2003. Como parte desse processo, aponta a revisão curricular dos cursos de

licenciatura, em especial, de História, como fundamentais nesta formação docente. Nesse

sentido, a leitura desse artigo, fortaleceu nossos pensamentos de que as orientações

curriculares são a mola mestra de todo o processo de ensino aprendizagem e que esta perpassa

pela formação docente na instituição de ensino superior.

Silva (2011) nos ajuda a refletir sobre a importância do diálogo que deve ser

estabelecido entre a organização curricular e a cultura antirracista, na busca pela erradicação

das desigualdades sociais e culturais. Aponta, como marco inicial, as mudanças de

pensamento e práticas pedagógicas nas instituições de ensino, preponderando um novo

paradigma curricular, baseado na diversidade e multiculturalismo. Para tanto, coloca como

imprescindível, a atuação das instituições de ensino superior, tendo em vista que a partir da

formação docente, teremos o real combate ao racismo e preconceitos nas escolas básicas.

Nesse aspecto, a leitura do artigo de Silva (2007) colabora com a nossa pesquisa no

que concerne à reflexão acerca do papel desempenhado pela escola no processo desconstrução

e (re)construção de pensamentos e posturas diante das diferenças étnico-raciais, na busca por

uma educação igualitária, não excludente. Defende a abordagem das relações étnico-raciais

desde os anos iniciais de escolaridade, para que as atitudes de preconceitos e discriminações

não se disseminem e transformem-se em algo “incorrigível” nos anos posteriores.

O trabalho de Silva Júnior (2002), nos leva a refletir como a escola está administrando

as questões sobre discriminação raciais apresentadas no seu cotidiano, através da discussão

acerca das políticas públicas existentes e sua adesão pelas instituições educacionais,

apontando as causas da sua resistência à essa adesão, inclusive como a posição de omissão

podem influenciar nos resultados e consequências para o alunado na construção da sua

identidade.

Diante da necessidade em aprofundarmos nossos estudos acerca do currículo para as

relações étnico-raciais, realizamos o estudo do trabalho de Gomes (2001, 2003; 2005a; 2005b;

2007; 2013). Seus trabalhos apresentam uma reflexão sobre o currículo como centro dos

projetos políticos pedagógicos das escolas. Busca enfatizar a partir dos aspectos analisados

entre os docentes, a construção de uma concepção de currículo desvinculada a apenas seleção

de conteúdos. Aponta o currículo como resultante de uma realidade cultural, política, social e

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intelectual. A leitura dos seus artigos nos possibilitou refletir acerca da posição adotada pelas

escolas, sobretudo, com a resistência em desenvolver trabalhos com as relações étnico-raciais,

assim como em efetivar as determinações da Lei 10.639/2003 através da sua implementação

no currículo escolar. Revela a importância do mediador no processo de combate e reprodução

dessas ações, pontuando incisivamente a ação da escola e do docente como promotores

fundamentais. Além disso, apresenta os resultados dos estudos realizados na conclusão do

doutorado em Antropologia em que realiza uma reflexão acerca dos estereótipos adotados em

relação às características físicas de pessoas de matrizes afro-brasileira, dentro e fora do

contexto escolar até os dias atuais. Chamou-nos atenção a discussão sobre a relação do afro-

brasileiro com seu corpo e seu cabelo, e como esta relação resiste à expressões de racismos e

preconceitos no ambiente escolar na construção da identidade do sujeito.

A construção histórica de termos como racismo, preconceito e discriminação são

discutidos no trabalho de Sant‟Ana (2005). Favoreceu nosso trabalho ao nos esclarecer a

trajetória da origem dos termos, revelando seu surgimento na Europa como meio para a

prática dominante, utilizada como justificativa, a fé cristã, pois quem não a professasse, era

considerado indigno e selvagem, concedendo ao europeu o direito de agir nas terras africanas,

asiáticas e americanas com violência.

Diante dos estudos realizados, percebemos a necessidade de compreendermos aspectos

relativos a “currículo” e “práticas pedagógicas”. Assim, tomamos como referência os escritos

de Azevedo (2010a), Sacristàn (1998, 2000, 1998), Lopes e Macedo (2011), Freire, (1996),

Anastasiou (2003), Libâneo (2013), Farias (2008), Moreira e Silva (2002), Doll Junior (1997),

Pereira e Cordeiro (2014), Gomes (2007), Pereira (2012), Silva e Souza (2008), Apple (2002)

Azevedo (2010a) contribui com a nossa pesquisa ao chamar a atenção para a estrutura

curricular do ensino de História, quando afirma que para sua elaboração é imprescindível

partir da concepção e objetivos da História, e só após tal elaboração de pensamento, serão

definidas as ações que respondam aos questionamentos “o que ensinar”, “por que ensinar” e

“como ensinar”, considerando aspectos sociais, culturais e econômicos dos alunos. A autora

defende a promoção do currículo multicultural, por apresentar proposta de ensino baseado na

conscientização dos diferentes grupos que compõem a sociedade brasileira, que permite ao

aluno construir sua identidade através das relações que estabelece entre o passado e o

presente. Essa proposta curricular, segundo a autora, requer desprendimento e inovação

pedagógica por parte do corpo docente, além de conhecimentos diversificados.

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Através das obras de Sacristàn (2000; 2013) podemos refletir sobre o conceito de

currículo como orientador da prática pedagógica, representantes dos ambientes educacionais

para o quais é elaborado. De acordo com o autor, o currículo revela a função da escola diante

das mudanças sociais e históricas. Tem a função de estabelecer o diálogo entre conhecimento

e prática pedagógica com base na visão explicitada sobre a sociedade, educação e sujeitos.

Esse aspecto monocultural do currículo deve ser substituído pelo multicultural, atribuindo às

bases curriculares o processo de reestruturação educacional, necessária à formação do sujeito

na e para a diversidade.

Lopes e Macedo (2011) apresentam uma discussão em torno das teorias do currículo,

iniciada pela exposição da concepção de currículo e suas representações históricas. Aborda o

eficienticismo, o progressivismo e a teoria tayleriana como teorias pungentes na definição

curricular. Colaborou com nosso trabalho na construção compreensiva do processo de

transformações sobre a concepção de currículo, permitiu-nos elaborar assertivas críticas

acerca das atuais considerações sobre currículo no contexto escolar.

As obras de Freire (1979; 1987; 1996; 2001) nos permitiu refletir acerca da formação

docente para prática pedagógica libertadora e anti-bancária. Revela-nos o processo que deve

ser seguido em busca de uma prática pedagógica reflexiva e significativa, em que o seu

percurso e objetivo sejam o ensino e a aprendizagem significativa e dialógica. Além de

suscitar uma discussão acerca do papel de mediador desempenhado pelo docente nesse

processo. Apontando o processo de “ensinagem” pelo professor enquanto este também

assume o papel de aprendente.

Os estudos de Anatasiou (2003) colaboraram com nosso trabalho por promover uma

discussão reflexiva acerca da tríade: ensinar, aprender e apreender, em que nos permitiu

refletir acerca da compreensão do significado de cada elemento condutor da experiência

pedagógica significativa, a importância em superar antigos padrões de ensino.

A obra de Libâneo (2013), por sua vez, nos proporcionou a compreensão acerca dos

referenciais didáticos e pedagógicos no processo de ensino aprendizagem. A leitura da obra

foi importante para a nossa pesquisa por apresentar e discutir a estruturação do processo de

ensino aprendizagem baseada na integração entre os fatores que compõem a prática

pedagógica, tais como: objetivos (gerais e específicos), conteúdos, metodologia, avaliação.

Além disso, enfatiza a importância do planejamento escolar, de ensino e das aulas, pontos

abordados no nosso trabalho como essenciais para o sucesso do ensino da história e cultura

afro-brasileira e africana.

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A obra de Farias (2008) permitiu-nos refletir sobre a função do planejamento e a sua

importância no desenvolvimento da prática pedagógica. Com base nos seus registros, foi

possível constatarmos que o planejamento é um ato social, histórico e político. Social e

histórico, por representar através da prática pedagógica, a visão de mundo, sociedade e

concepção de homem revelada em determinados momentos históricos.

Moreira e Silva (2002) colaboraram com a nossa pesquisa na elaboração cognitiva dos

aspectos sócio históricos do currículo. Realizam uma discussão acerca dos elementos

constituintes do currículo, o poder, a cultura e a ideologia relacionando com sua evolução e

características diante de diferentes momentos sociais. Nessa perspectiva os autores discorrem

sobre a historicidade do currículo e a relação que estabelece no tempo.

Na perspectiva estrutural da historização do currículo, Doll Junior (1997) colaborou

com a nossa pesquisa para compreensão do processo histórico das teorias do currículo na

educação e suas mudanças e permanências até os dias atuais. Além, de caracterizar as teorias

curriculares de cada época, pontuando os aspectos sociais, políticos e econômicos, nos

permitindo compreender como foram processadas as mudanças e ideologias curriculares.

Pereira e Cordeiro (2014) reforçam nossas concepções acerca da resistência

desprendida pelas escolas em aderir às determinações da Lei 10.639/2003. Os autores

pontuam a necessidade da elaboração curricular consolidar a formação identitária do

educando negro, na relação com o outro, perceber semelhanças e diferenças valorizando e

respeitando o outro diante das suas individualidades. Além disso, discutem o papel da escola

no combate ao racismo e preconceito, na promoção da igualdade racial na interface currículo

e prática pedagógica.

Por sua vez, Pereira (2012), concentra seus estudos na análise de uma abordagem

teórico-metodológica direcionada à reflexão e conhecimento pertinentes ao fortalecimento da

história e cultura africana. Nesse aspecto, apresenta a necessidade da formação docente para

abordagem crítica e reflexiva sobre a condução do trabalho com a educação para as relações

étnico-raciais. Temática que trazemos no corpo do nosso trabalho como mola propulsora no

combate às reproduções de atitudes discriminatórias e preconceituosas na sala ade aula.

Silva e Souza (2008) nos conduzem pelos caminhos da historicidade acerca das lutas e

resistência dos povos de matrizes africana e indígena, na busca pela igualdade sócio histórica.

Assim como nosso trabalho, aponta as políticas públicas como um dos meios pelos quais é

possível reduzir a distância entre o monoculturalismo e pluriculturalismo.

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A partir da pesquisa bibliográfica, nos foi possível descontruir e reconstruir

concepções acerca das temáticas propostas, nos permitiu o exercício da autorreflexão, a qual

refletiu nossa condição de reprodutores de práticas descontextualizadas e estagnadas, além de

reprodutores de pensamentos já prontos e acabados, resultantes de falta de informação e

formação. Nesse aspecto, podemos pontuar nossas mudanças conceituais e procedimentais

para a prática pedagógica do ensino de História.

Enquanto graduados em Pedagogia, nossa formação no trato com a disciplina foi

limitada e a tendência a que fomos expostos foi de reprodução do vivenciado na nossa

formação. Diante dessa assertiva, nos descobrimos como a maioria dos professores

pedagogos, elegíamos para sala de aula do Ensino Fundamental para o ensino de História, um

currículo conteudista linear, despidos da real importância que deve ser atribuída ao ensino da

disciplina em detrimento às disciplinas como: Matemática e Português. Nossa abordagem

histórica primava pela tendência tecnicista, realizada pelas vias da identificação de nomes e

ações “heróicas” como pontos importantes a serem apreendidos pelo aluno.

Ao finalizar a pesquisa bibliográfica nos possibilitou construir novos caminhos para o

ensino da disciplina, conhecimentos de diferentes conceitos históricos que devem ser

considerados na formação do sujeito e que influenciam diretamente na sua construção, tais

como: tempo histórico, sujeitos históricos e a simultaneidade. Aspectos determinantes para

consolidação de uma educação voltada para diversidade étnico-racial, em que propõe o sujeito

como construtor e transformador da sociedade em que vive, mas que para isso, deve

conscientizar-se da sua identidade e perceber-se integrante de uma sociedade que possui

passado, presente e a partir de então, formulará o futuro.

Nosso olhar para o ensino de História, após a pesquisa bibliográfica, será direcionado

à formação histórica como orientadora no processo de formação do sujeito pluriétnico e

diverso, pois compreendemos que o seu domínio como a base da transformação da sociedade,

está no reconhecimento do aluno enquanto sujeito histórico.

Diante do exposto, compreendemos que as bases teórico-metodológicas do ensino de

História, sustentam as bases ideológicas para a abordagem da educação para as relações

étnico-raciais. Temática desconhecida amplamente, mas que diante dos estudos teóricos,

passamos a dominar. Ao mesmo tempo em que nos foi possível identificar como eixo central,

o currículo escolar. A organização, direcionamento teórico-metodológico, concepção de

educação configuram-se como pilares da formação do sujeito. E a partir da sua estruturação,

vislumbramos através das práticas pedagógicas, a sua implementação. Construímos a

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concepção de que apenas o currículo voltado para a diversidade, atenderá as necessidades,

atualmente pungentes.

1.3.2 Sentir, ver e ser: elementos da pesquisa etnográfica

Com intuito de compreender, através do olhar dos sujeitos da pesquisa, como se

processa o ensino da História afro-brasileira e africana na escola, os significados atribuídos, as

concepções de sujeito elaboradas e expressas no cotidiano, definimos a etnografia como

metodologia da nossa pesquisa. “O pesquisador aproxima-se dela para poder descrevê-la, não

em sua própria ótica, mas na dinâmica da cultura experimentada por todos e cada um dos

sujeitos em relação no grupo.” (GHEDIN e FRANCO, 2011, p.180).

A etnografia, originária dos trabalhos de antropólogos, busca compreender os

significados das ações dos sujeitos pela sua própria ótica de participantes. Para tanto, é

necessário que o pesquisador se constitua como integrante do universo social do sujeito,

configurando-se como um dos integrantes da pesquisa. Utiliza como técnicas principais: a

entrevista, a observação participante com descrição e diário de campo.

Esse tipo de pesquisa conduz o processo investigativo através da aproximação

conceitual subjetiva do fenômeno e a visão do sujeito da pesquisa, “a fonte de dados é o

ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal” (BOGDAN e

BIKLEN, 1994, p. 47), elegendo como foco principal o processo do fenômeno estudado.

A pesquisa etnográfica apresenta como característica marcante a necessidade de um

longo período de convivência entre pesquisador e o sujeito pesquisado, necessários à

interpretação e apropriação dos significados construídos, a forma que se veem no mundo e

veem o outro, as regras que regem o grupo investigado. “A principal preocupação da

etnografia é com o significado que tem as ações para as pessoas ou os grupos estudados.

Alguns desses significados são diretamente expressos pela linguagem, outros são transmitidos

por meios de ações” (ANDRÉ, 1995, p. 19).

Nesse processo, o pesquisador desempenha papel determinante na construção e análise

os dados, sendo ele, o responsável por “apreender e retratar uma visão pessoal dos

participantes” (ANDRÉ, 1995, p. 29). A investigação busca respostas no ambiente natural

dos sujeitos da pesquisa, na relação que estabelece com seu meio natural, aluno-aluno, aluno-

professor e professor-instituição. Com base no exposto, o contato com a escola é determinante

para o desenvolvimento da pesquisa. Dessa maneira, fomos a busca do campo da

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investigação, atentos aos aspectos relativos ao público dos anos iniciais do Ensino

Fundamental.

O interesse do pesquisador ao selecionar uma determinada unidade é

compreendê-la como uma unidade. Isso não impede, no entanto, que ele

esteja atento ao seu contexto e as suas inter-relações como um todo orgânico,

e sua dinâmica como um processo, uma unidade em ação (ANDRÉ, 1995,

p.31).

A primeira escola com a qual tivemos contato foi a Escola Municipal Professora Vera

Lúcia Soares Barros pertencente à rede municipal de Natal/RN, selecionada pelo fato de

integrarmos o seu quadro de professores efetivos, além disso, os anos de trabalho no ambiente

nos possibilitou a percepção de contundentes expressões discriminatórias e preconceituosas

reproduzidas pelos alunos. Outro aspecto decisivo na escolha por esta escola se deu pelo fato

de termos presenciado a rejeição por parte dos docentes, em desenvolver trabalhos

envolvendo a cultura afro-brasileira e africana. Foram realizadas duas visitas, a primeira para

conversar com a direção acerca da pesquisa, esclarecendo as dúvidas, ao mesmo tempo em

que solicitamos a assinatura do Termo de Autorização, e a indicação do professor e da turma

que teria a possibilidade de aceitar participar da pesquisa, tendo em vista que a escola contava

com duas turmas de 5º ano. A segunda visita teve como meta apresentar, às professoras, o

projeto, detalhadamente, além de esclarecer a metodologia de pesquisa que seria adotada.

Após a exposição e eliminação das dúvidas, uma das professoras concordou em participar da

pesquisa, e assinou, em seguida, o Termo de Consentimento Livre, permitindo o início da

pesquisa no dia seguinte.

No entanto, ao retornarmos à escola no dia marcado para o início da investigação, qual

foi nossa surpresa, ao saber que a professora havia desistido, alegando não concordar com a

aplicação da metodologia de pesquisa adotada, etnográfica, tendo em vista que uma das

técnicas seria a observação participante que consistia em nossa presença diariamente na sua

sala de aula até o final do ano. A observação participante consiste no “contato direto e

prolongado do pesquisador com a situação e as pessoas ou grupo selecionados” (ANDRÉ,

2010, p. 42). Ao mesmo tempo, revelou-nos que não teríamos o que pesquisar, pois o

conteúdo sobre a cultura africana já havia sido aplicado, no momento em que realizou o

trabalho sobre a escravidão no mês de maio.

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Diante do acontecido, percebemos o desconhecimento da professora sobre o ensino da

história e cultura africana, ao revelar que esta deveria ser trabalhada em um momento pontual,

além de resumi-la ao processo de escravidão.

Na segunda escola foram adotados os mesmos procedimentos, iniciando com o pedido

de autorização da direção (Apêndice 1), em seguida, a realização da conversa com a

professora. Esta se mostrou entusiasmada e aceitou participar da pesquisa, assinando

prontamente o Termo de Consentimento Livre (Apêndice 2). A pesquisa etnográfica foi

assim, iniciada no dia 15 de setembro do ano de 2016 na Escola Estadual Potiguassu, em uma

turma de 5º ano do Ensino Fundamental anos iniciais.

A pesquisa etnográfica é realizada através de técnicas como: observação participante,

entrevista e descrição e registro em diário de campo, definidas como as mais adequadas para

orientar a investigação. Diante do anseio em perceber como se processam os pensamentos da

docente acerca da aceitação e consequentemente, aplicabilidade das orientações sobre o

ensino da história afro-brasileira e africana, a metodologia de pesquisa escolhida, apresentou-

se ideal para a nossa reflexão. A pesquisa etnográfica possibilitou-nos compreender a origem

da resistência que encontramos em alguns docentes em adotar posturas educacionais

diferenciadas, a dificuldade que apresentam em romper paradigmas em detrimento de outros

ou novos.

As técnicas utilizadas transportam-nos ao universo do desconhecido, nos permite

compreender e visualizar o mundo pelas lentes do outro. Referências que, durante a prática da

pesquisa, vão sendo fundidas com nossa realidade e passam a integrar como comportamento

cotidiano. A essência da pesquisa etnográfica está na possibilidade que apresenta em nos

permitir o distanciamento de pré-conceitos e conceitos consolidados e das verdades que temos

construídas como única. Possibilita-nos o desprendimento de conceitos próprios e entender a

concepção de mundo pelas lentes, sentimentos e sensações do outro. O diálogo entre as

técnicas nos possibilita ser e ver a partir do campo de referência do outro, transformando o

pesquisador e o pesquisado.

O etnógrafo encontra-se, assim, diante de diferentes formas de interpretações

da vida, formas de compreensão do senso comum, significados variados

atribuídos pelos participantes às suas experiências e vivências e tenta

mostrar esses significados múltiplos ao leitor. (ANDRÉ, 1995, p.20).

Investigar o outro, através das lentes dele, representou-nos um desafio a ser superado.

Inicialmente, tivemos que despirmos dos pré-conceitos formulados sobre o sujeito

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pesquisado, tendo em vista que a dificuldade maior apresentou-se no fato de trabalhar com a

professora Marcelina, e haver uma relação estabelecida, uma construção de imagem. Durante

a observação participante, precisamos manter distância das concepções formuladas. Além

disso, as visões e conhecimentos formulados durante nossa trajetória educacional, não

deveriam conduzir expectativas durante as nossas observações. Como uma das principais

técnicas da pesquisa etnográfica, o distanciamento das concepções formuladas a partir das

nossas vivências, deveria ser mantido, inclusive no que concerne a constituição de

expectativas que, diante dos conhecimentos adquiridos, deveriam ser controlados e

impedidos de influenciarem nossos pensamentos na compreensão das ações e atitudes

reveladas pela professora Marcelina.

Outro aspecto que se configurou como obstáculo a ser superado foi tentar

compreender as formas de pensar, sentir e agir como a professora, para poder interpretar suas

ações, tendo em vista que atreladas a isso estavam nossas próprias concepções, que não

deveriam interferir no processo de investigação. Superados os obstáculos, nos foi possível

compreender as atitudes adotadas pela professora.

As observações da pesquisa foram registradas de forma descritiva, no sentido atribuído

por Martins (2010), segundo o qual a descrição consiste em informação revelada a outro

sujeito que desconhece o assunto ou objeto em questão no todo ou em partes. Na descrição,

todos os elementos que circundam o objeto da pesquisa tem sua relevância. “Descrever algo

envolve uma ação que é dirigida a alguém” (MARTINS, 2010, p. 57).

Durante a construção dos dados e registro no diário de campo, temos o impulso de

anotar todos os acontecimentos, o que de fato, inicialmente, ocorreu com os nossos registros.

Porém, tendo em vista que a sala de aula é um universo dinâmico e que devemos estar atentos

a todo e qualquer movimento, dever-nos-íamos “policiar” para não perdermos o foco da

pesquisa, devendo relacionar apenas o que condizia com a nossa investigação. Tomamos

como base o que dizem Bogdan e Biken (1994, p. 207-208) quando afirma que “tem que se

disciplinar de não querer estudar tudo e precisar colocar alguns limites à sua mobilidade

física, porque, se assim não for, obterá dados demasiados difusos e inapropriados para aquilo

que se propôs a fazer.” Seguindo esse pensamento, nossos encontros de orientação, foram

determinantes para a delimitação do campo de observação, neles definimos os aspectos

pertinentes a serem observados, correspondentes aos objetivos da nossa pesquisa. O que

facilitou nossos registros e direcionou nosso foco de atenção para o que de fato era relevante

para a conclusão do nosso trabalho.

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Foram aproximadamente 200 páginas, de registros escritos resultantes das 390 horas

de observações realizadas em sala de aula na Escola Estadual Potiguassu. Diante de tantas

anotações, nos deparamos com o desafio de selecionar apenas o que era relevante para o tema

da pesquisa. Esse processo apresentou-se imbuído de dificuldades, tendo em vista que

considerávamos todas as anotações relevantes. Os registros e informações se entrelaçavam e

se repetiam frequentemente. Nesse aspecto, consideramos a repetição como positiva, pois nos

revela a integração da pesquisadora ao ambiente analisado de tal forma, que proporcionou ao

pesquisado que conduzisse suas ações de forma natural, desconsiderando o fato de estar sendo

observado. Diante do exposto, com o auxílio da orientadora, conseguimos extrair das

descrições os dados pertinentes para análise.

De posse dos dados definitivos, realizamos análises da entrevista com a professora e

os registros do diário de campo, baseados nas pesquisas bibliográfica e documental realizada.

Seguindo o pensamento de André (2010, p. 43), esse movimento transitório revela “outro

aspecto peculiar aos estudos etnográficos: a existência de um esquema aberto de trabalho que

permite transitar entre observação e análise, entre teoria e empiria”. Após as intensivas

análises e reflexões dos trechos selecionados, realizamos uma nova seleção de trechos que

apresentavam proximidades temáticas para inserir de forma significativa na dissertação.

Análise documental

Importante etapa da pesquisa está representada pela técnica de análise documental,

sendo esta etapa efetivada através das análises dos documentos que complementaram e

afirmaram as informações adquiridas através de outras técnicas. A primeira decisão a ser

tomada foi com relação ao tipo de documento que utilizaríamos, ficando estabelecido que

fossem oficiais (leis, decretos e diretrizes) e técnicos (planejamentos, projetos).

É considerado documento qualquer registro que informe comportamento dos seres

humanos. Para a efetivação da nossa pesquisa, analisamos os referenciais educacionais

nacionais, estaduais e o Projeto Político Pedagógico da escola escolhida como campo de

pesquisa.

Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser

retiradas evidências que fundamentem as afirmações e declarações do

pesquisador. Representam ainda uma fonte “natural” de informação. Não são

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apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num

determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto.

(LÜDKE e ANDRÉ, 2015, p. 45).

A análise dos documentos oficiais que regulamentam o processo educacional

brasileiro para a educação das relações étnico-raciais é essencial para o processo de

investigação e conclusão da pesquisa, pois com base na análise, é possível estabelecer

relações entre as declarações dos sujeitos pesquisados e as definições apresentadas pelo

sistema educacional brasileiro, assim como os entraves para sua aplicabilidade.

Elegemos como questões norteadoras, para as análises dos documentos oficiais, quais

determinações educacional e social são reveladas no combate à promoção do preconceito,

racismo e discriminações nas instituições escolares? Quais determinações estão presentes em

relação à educação para as relações étnico-raciais e o ensino de história? Em consonância com

o que nos dizem em Lüdke e André (2015, p.45): “A análise documental busca identificar

informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses de interesse”.

Apresentaremos os principais documentos oficiais que foram sancionados até o ano de

2015, que regulamentam a promoção de uma educação perpetuada no respeito à diversidade

étnico-racial e ao combate ao racismo, preconceito e discriminação, ou que se aproximam em

termos curriculares a educação orientada especificamente na Escola Estadual Potiguassu.

Iniciamos pela Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 2017); seguida pela Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/1996 (BRASIL, 2008), continuando com os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,1997) especificamente História e Geografia

(BRASIL, 2001b) anos iniciais do Ensino fundamental além, do volume intitulado: Tema

transversal: Pluralidade Cultural e Orientação sexual (BRASIL, 2001c); a Lei 10.639/2003; as

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação para as Relações Étnico-Raciais (BRASIL,

2004); Orientações e ações para a Educação das Relações Étnico- Raciais (BRASIL, 2006);

Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das

Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana

(BRASIL, 2009); Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Norte / 2015-2024 (RIO

GRANDE DO NORTE, 2015) e, Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual Potiguassu

(ESCOLA, 2015).

A Constituição de 1988 foi precursora na publicação de leis. Encontramos nos artigos

5º, 205, 215, 242, referências à efetivação do reconhecimento e valorização à diversidade

ético-racial, incisivamente sobre a cultura afro-brasileira e africana, que buscam a erradicação

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da discriminação e preconceito racial. No que confere às prerrogativas políticas e sociais, o

documento apresenta como ponto de partida:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a

propriedade, nos termos seguintes: (EC n. 45/2004)

[...]

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,

sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei; (BRASIL, 2017, p. 11).

Apesar de visualizarmos a sigla Emenda Constitucional, os escritos apontados acima

já integravam a Constituição desde a sua primeira versão, publicada no dia 05 de outubro de

1988. No que se refere ao âmbito educacional a Constituição apresenta o Art. 205 que define:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2017, p. 77).

Visualizamos três aspectos que devem conduzir o trabalho educacional na formação

do sujeito, “o pleno desenvolvimento da pessoa” (BRASIL, 2017, p. 77). Entendemos tratar-

se dos aspectos: físicos, intelectuais, sociais e psicológicos; seu “preparo para o exercício da

cidadania” (BRASIL, 2017, p. 77) e “qualificação para o trabalho” (BRASIL, 2017, p. 77). A

educação para promulgar-se direito de todos, direcionar-se a “todos”, independente de classe

social, deve estabelecer situações de oportunidades também em nível de igualdade. Nesse

sentido, alguns princípios para o ensino são definidos pelo Art. 206 da Constituição Brasileira

(2017), destacamos o “I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”

(BRASIL, 2017, p.77), por entender que a escola deve se configurar como espaço favorável

às interações e relações sociais diversas.

Além disso, define a responsabilidade dos estados e municípios no direcionamento

educacional, deixa livre sua organização, porém, declara como função da União a elaboração

de um plano nacional de educação, orientador das metas, objetivos e avaliação educacionais.

O artigo 214 (BRASIL, 2017) sofreu mudanças na sua redação original no ano de 2009,

ficando da seguinte forma:

Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração

decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em

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regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de

implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino

em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas

dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: (EC

nº 59/2009) I – erradicação do analfabetismo; II – universalização do

atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação

para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica do País;

VI – estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em

educação como proporção do produto interno bruto. (BRASIL, 2017, p.79)

Encontramos referências à diversidade étnico-racial na Seção II-Cultura da

Constituição Brasileira (2017), na qual identificamos a inclusão do § 3º no ano de 2005,

ficando sua redação da seguinte forma:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e

acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a

difusão das manifestações culturais. (EC n. 48/2005) § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e

afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo

civilizatório nacional.

§2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta

significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

§ 3º A lei estabelecerá o Plano nacional de Cultura, de duração plurianual,

visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do

poder público que conduzem à: I – defesa e valorização do patrimônio

cultural brasileiro; II – produção, promoção e difusão de bens culturais; III –

formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas

dimensões; IV – democratização do acesso aos bens de cultura; V –

valorização da diversidade étnica e regional. (BRASIL, 2017, p. 79).

Seguindo as orientações da Constituição Brasileira, em 1996 é publicada a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/1996, documento que estabelece as

diretrizes e bases para educação que devem ser seguidas em âmbito nacional. Elaborada com

base nos artigos 60, 205 e 214 da Constituição Federal, os quais definem encaminhamentos

legais para o processo educacional nacional, a LDBEN (BRASIL, 2008) regulamenta o

processo educacional brasileiro. Ao analisarmos o documento, elegemos como questões

orientadoras: quais concepções educacionais e sociais declara através das normas

apresentadas, assim como, que determinações estão presentes no documento para

implementação da educação para as relações étnico-raciais. Diante do exposto, identificamos

nos artigos 1º, 2º, 3º e 26 A, a concepção de educação que permeia a regulamentação do

trabalho com a diversidade no âmbito educacional.

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Nossas análises fundamentaram-se inicialmente, pelo Artigo 1º, que baseado na

Constituição (BRASIL, 2017) nos revela os ambientes formadores do sujeito no âmbito social

e aponta qual deve ser os encaminhamentos adotados pela escola, seguindo a concepção de

educação que defende:

Art. 1º. A educação abrange processos formativos que se desenvolvem na

vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino

e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas

manifestações culturais.

[...]

§2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática

social. (BRASIL, 2008, p. 29).

Enquanto no Artigo 2º, o documento determina as principais instituições formadoras

do sujeito delegando os caminhos ideológicos a serem seguidos: “Art. 2º. A educação, dever

da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade

humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 2008, p. 29).

Ambos os artigos, foram sustentados pelo determinado na Constituição, mais

precisamente o Art. 205, que como já exposto anteriormente, apresenta a concepção de

educação que está sendo representada nos Artigos de Lei.

A partir da definição de educação, o documento determina os princípios que nortearão

os aspectos teórico-metodológicos que subsidiarão a efetivação da coordenadas apresentadas.

O Art. 3º, já em consonância com o Art. 206 da Constituição (BRASIL, 2017). Tendo em

vista que nosso foco são as determinações referentes à educação para as relações étnico-

raciais, destacaremos apenas os incisos que correspondem à nossa pesquisa.

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

[...]

IV - Respeito à liberdade e apreço à tolerância;

[...]

VII - Valorização da experiência extraescolar. (BRASIL, 2008, p. 29).

O Art. 26 apresenta referências que devem ser absorvidas pelos currículos das escolas,

inclusive na determinação de que o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, devem seguir em

parte, uma base curricular nacional, sendo complementado pelas especificidades de cada

instituição de ensino associada às características do local. Nesse aspecto, define: “Art. 26 [...]

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§4º. O ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e

etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africanas e

europeias.” (BRASIL, 2008, p. 38).

No entanto, no ano de 2003, foi sancionada a Lei 10.639/2003, e acrescenta à LDBEN

(BRASIL, 2008), com base na instituição do Conselho Nacional de Educação do ano de 2004,

o Art. 26-A que define:

Art.26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,

públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-

brasileira.

§1º O conteúdo programático a que se refere o caput desse artigo incluirá o

estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a

cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,

resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e

política pertinente a História do Brasil.

Art. 79-B O calendário escolar deve incluir o dia 20 de novembro como o

“Dia da consciência negra” (BRASIL, 2008, p.38-39; 57).

A lei torna obrigatório o ensino da História e cultura afro-brasileira e africana no

currículo da Educação Básica. Porém, as leis apenas regulamentadas e publicadas não

garantem a sua aplicabilidade nos currículos escolares.

Na busca pela efetivação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(BRASIL, 2008), foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) no ano de

1997 (BRASIL, 2001) com o propósito de apresentar-se como proposta curricular nacional

das diversas áreas do conhecimento, estando em vigor até os dias atuais. A organização dos

PCN corresponde a cada segmento de ensino: Ensino Fundamental anos iniciais e anos finais

e Ensino Médio. O documento revela-se como orientador das práticas educativas escolares, e

busca o desenvolvimento do trabalho democrático, igualdade de oportunidades além de

defender a formação do sujeito, crítico, participativo, capaz de intervir significativamente na

sociedade em que vive.

A proposta curricular está organizada da seguinte forma: orientação teórica e

metodológica, objetivos gerais, conteúdos (organizados por eixos temáticos) que devem ser

selecionados com base nas características sociais, culturais, econômicas e políticas da

localidade (Secretarias e escolas), o trabalho com fontes documentais, orientações

pedagógicas e, por fim, avaliação. Vale salientar que cada eixo temático é introduzido por

uma discussão sobre a importância da temática, assim como os ganhos dos alunos com a sua

abordagem. Adaptando-o para que possa corresponder à necessidade do local em que será

desenvolvido, tendo em vista que um currículo universal não responderia às especificidades

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dos alunos e da sua localidade de origem. O documento apresenta propostas, não conteúdos

pré-definidos e inflexíveis. Sua seleção ocorre de forma direcionada e particular, em resposta

às necessidades do aluno e visão de educação construída pela escola com base nas

características históricas, culturais e sociais do contexto em que será desenvolvido.

Configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais

e locais sobre currículos [...]. Não configuram, portanto, um modelo

curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência

político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das

diferentes regiões do País ou à autonomia de professores e equipes

pedagógicas (BRASIL, 2001a, 13).

Apesar de caracteriza-se como referência curricular nacional, o documento apresenta

como característica a não obrigatoriedade, além de ser flexível às necessidades educacionais

de cada localidade. Vale salientar que as discussões acerca da diversidade étnico-racial são

mais enfáticas nos volumes História e Geografia, especificamente na disciplina de História e

no volume referente ao tema transversal Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, com

destaque para as discussões de pluralidade cultural.

Realizamos a análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais volume História e

Geografia (BRASIL, 2001b) voltada para os anos iniciais do Ensino Fundamental, documento

que orienta o ensino da disciplina de História, caracterizando-se como base curricular, ficando

a critério do docente sua interpretação e seleção de conteúdos como importantes para o ensino

da disciplina. Nosso interesse em analisá-lo está em compreendermos por quais vias

curriculares se processa o ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, além

de investigar como se apresenta o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana para

esta etapa da educação básica.

Os estudos inerentes à diversidade étnico-racial são encontrados no volume

“Pluralidade Cultural e Orientação Sexual” (BRASIL, 2001c), na condição de tema

transversal. O tema pluralidade cultural trata da importância da adoção de atitudes que

revelem o conhecimento e valorização das diferentes etnias que formam a sociedade

brasileira, na busca do combate ao preconceito, desigualdade e discriminações no âmbito

escolar, promovendo o movimento de desconstrução e reconstrução de significações acerca

das etnias que formam a sociedade brasileira. Além disso, configura-se como base de

orientação para elaboração do plano curricular a ser constituído e desenvolvido pelas escolas.

O tema transversal pluralidade cultural, assume posição essencial na compreensão

histórica da participação de diferentes grupos étnicos na formação da identidade brasileira.

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Busca, dessa forma, a conscientização e promoção do reconhecimento e valorização das

culturas antes subjugadas.

Após a elaboração dos PCN, que ainda não corresponderam aos anseios dos grupos

étnicos, que buscavam a inclusão mais efetiva das relações étnico raciais no currículo escolar,

finalmente, temos a inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nos

currículos da disciplina de História, assim como nas artes e literatura. No ano de 2003, foi

sancionada a Lei 10.639/2003, que regulamenta os artigos 26 - A da Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional 9.394/96, tornando obrigatório o ensino da História e cultura afro-

brasileira e africana no currículo da Educação básica.

Com base na Lei 10.639/2003 foram instituídos novos documentos na busca pela

efetivação da lei nos ambientes escolares. Dentre eles as “Diretrizes Curriculares Nacionais

para a educação das relações étnico-raciais e para o Ensino de História e cultura afro-

brasileira e africana” (BRASIL, 2004). Estas apontam alguns caminhos que podem ser

percorridos rumo à efetivação da referida lei, podendo ser adaptada de acordo com a realidade

de cada localidade. O documento configura-se como instrumento de reflexão e ação para os

agentes da educação.

Diante do questionamento: quais orientações curriculares, educacionais e

metodológicas estão presentes nas propostas referenciadas no documento para a efetivação do

ensino da história e cultura afro-brasileira e africana? Identificamos nas orientações

curriculares a descentralização etnocêntrica, substituída pela promoção da igualdade através

dos estudos de valores históricos baseados na diversidade. Referenciais curriculares que

buscam promover não os processos escravocratas, os quais foram incansavelmente

reproduzidos nos currículos escolares, mas o processo de valorização, reconhecimento e

reestruturação do pensamento dos descendentes afro-brasileiros. Renunciando a condição de

“descendente de escravo” pela “descendência africana”.

Percebemos que novos caminhos para o ensino de História e cultura afro-brasileira e

africana são traçados através das orientações curriculares propostas no documento. De forma

clara e objetiva, apontam as responsabilidades de cada órgão público na sua aplicabilidade,

inclusive o papel da escola. Esta se configurando como ambiente fundamental para a

efetivação das propostas curriculares apresentadas, mediadas pelo docente, agente

fundamental na sua efetivação.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais

(DCNERER) (BRASIL, 2004) designam como papel do Estado a promoção de políticas

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públicas que permitam reparações dos danos causados à população afro-brasileira, perante

séculos de exclusão e discriminação. Situações que se estendem e propagam até os dias atuais

e que o Estado, diante da adoção de políticas públicas, tem tentado evitar e romper com a

continuidade de tais direcionamentos. Retomar a história com bases igualitárias para o estudo

das etnias indígenas, africanas e europeias, é uma das possibilidades de extinguir preconceitos

e discriminações a que o povo afro-brasileiro é protagonista diariamente.

O documento tem seu direcionamento político-social pautado na promoção da

igualdade racial e busca oferecer uma sociedade igualitária livre de preconceitos e

discriminações, novos caminhos em busca da valorização e respeito à diversidade étnico-

racial, pautada na tríade: reparação, reconhecimento e valorização.

Diante das dificuldades apresentadas para a efetivação dos DCNRER (BRASIL,

2004), foi elaborado o Plano Nacional de Implementação das “Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura

Afro-Brasileira” (BRASIL, 2009) que tem a função de:

Colaborar que todo sistema de ensino e as instituições educacionais

cumpram as determinações legais com vistas a enfrentar todas as formas de

preconceito e discriminação para garantir o direito de aprender e a equidade

educacional a fim de promover uma sociedade mais justa e solidária.

(BRASIL, 2009, p.27).

Além disso, o documento designa as responsabilidades de cada esfera pública

educacional, para o sucesso da implementação e efetivação das DCNERER (BRASIL, 2004).

Além de propor ações que fomentem a valorização da história e cultura africana, através de

investimentos em pesquisas e produção de materiais pedagógicos que valorizem a cultura

afro-brasileira e africana, e busca formas de acompanhamento, pelas instituições responsáveis,

da efetivação dos preceitos designados pelos documentos construídos para aplicabilidade da

lei 10.639/2003.

Como consequência das proposições dos documentos anteriores, é publicado o

documento: Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais (BRASIL, 2006).

Com o objetivo de ressignificar a prática pedagógica docente, sugerem e orientam sobre a

abordagem, paulatinamente, da temática das relações étnico-raciais em cada segmento de

ensino da Educação Básica, sendo estes: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino

Médio e Educação de Jovens e Adultos. Além de definir o papel da escola em consonância

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com o papel do professor no desenvolvimento da proposta de uma educação para as relações

étnico-raciais.

O documento apresenta-se com uma proposta para transformar em ações o discurso

sobre a educação para as relações étnico-raciais, na busca pela promoção da igualdade e

respeito à diversidade no âmbito educacional. Ações conduzidas pelas vias da prática

pedagógica resultante do currículo educacional adotado pela escola, este desempenhando o

papel de mola propulsora na efetivação das ações que buscam a efetivação do

reconhecimento, valorização e reparação da história e cultura afro-brasileira e africana. De

acordo com o documento, Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais

(BRASIL, 2006, p. 55): o currículo “é a mola mestra para o processo de sensibilização de

alunos para o conhecimento e exercício de seus direitos e deveres como cidadãos”.

Vale salientar que o documento defende a inclusão dos princípios norteadores das

matrizes africanas paulatinamente, pelas vias dos segmentos de ensino e distribuídos pelo

currículo de acordo com cada etapa de ensino. Dessa forma, temos o fortalecimento de uma

proposta teórico-metodológica afirmativa no tratamento pedagógico das relações étnico-

raciais, concreta e significativa no processo de formação do sujeito pertencente a uma

sociedade pluriétnica, como a brasileira.

Ao reafirmar as responsabilidades governamentais no que tange a políticas de ações

afirmativas, no ano de 2009 foi publicado o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes

Curriculares Nacionais para Educação das Relações étnico-raciais e para o ensino de história e

cultura afro-brasileira e africana, (PNIDCNERER). O documento tem como objetivo delinear

e orientar os sistemas educacionais e instituições no cumprimento da legislação na

implementação da educação para as relações étnico-raciais, no combate ao racismo,

preconceito e discriminação. São objetivos do Plano Nacional:

- Cumprir e institucionalizar a implementação das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da

História e Cultura Afro-brasileira e Africana, conjunto formado pelo texto da

lei 10.639/03, Resolução CNE/CP 31/2004 e Parecer CNE/CP 03/2004, e,

onde couber a Lei 11.645/08;

- Desenvolver ações estratégicas no âmbito da política de formação de

professores, a fim de proporcionar o conhecimento e a valorização da

história dos povos africanos e da cultura afro-brasileira e da diversidade na

construção histórica e cultural do país;

- Colaborar e construir com os sistemas de ensino, instituições, conselhos de

educação, coordenações pedagógicas, gestores educacionais; professores e

demais segmentos afins, políticas públicas e processos pedagógicos para a

implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08;

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- Promover o desenvolvimento de pesquisa e produção de materiais didáticos

e paradidáticos que valorizem, nacional e regionalmente, a cultura afro-

brasileira e a diversidade;

- Colaborar na construção de indicadores que permitam o necessário

acompanhamento, pelos poderes públicos e pela sociedade civil, da efetiva

implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das

Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira

e Africana;

- Criar e consolidar agendas propositivas junto aos diversos atores do Plano

Nacional para disseminar as Leis 10.639/03 e 11.645/08, junto aos gestores e

técnicos, no âmbito federal e nas gestões educacionais estaduais e

municipais, garantindo condições adequadas para seu desenvolvimento

como política de Estado. (BRASIL, 2009, p. 27-28).

O Plano está organizado por eixos estratégicos com base nos objetivos propostos. O

eixo 1. “Fortalecimento do marco geral” (PNIDCNERER, 2009, p. 29) indica a urgência em

regulamentar a Lei 10.639/2003 nos âmbitos estaduais e municipais e sua inclusão no Plano

Nacional de Educação (PNE).

O eixo 2. “Política de formação inicial e continuada” (PNIDCNERER, 2009, p. 29)

busca implementar, por meio da Política Nacional de Formação Inicial e Continuada de

Profissionais da Educação, a Lei 10.639/03. A formação permite a reestruturação das

representações sociais e por meio desta a restruturação do ambiente escolar, configurando-o

como promotor das relações sociais positivas na diversidade, e combate ao preconceito e

discriminações étnico-raciais no ambiente escolar.

O eixo 3. “Política de materiais didáticos e paradidáticos”, (PNIDCNERER, 2009, p.

29) através do PNLD, há a seguridade de que os livros didáticos devem primar pela

valorização da imagem de afrodescendentes e da cultura afro-brasileira, enfatizar os valores

socioculturais e históricos. Nesse sentido, os livros do professor e dos alunos devem abordar

situações sociais referentes ao preconceito, discriminação e racismo, objetivando a formação

de um sociedade anti-racista e igualitária.

O eixo 4. “Gestão democrática e mecanismos de participação social”,

(PNIDCNERER, 2009, p. 29) reflete a necessidade da participação social na implementação

das Leis 10.639/03 e 11.645/2008, sendo esta fundamental para o processo de concretização

das políticas públicas proferidas pelo Estado.

O eixo 5. “Avaliação e monitoramento”, (PNIDCNERER, 2009, p. 30) refere-se a

implantação de sistema de monitoramento da implementação das Leis 10.639/2003 e

11.645/2008, pela União, estados e municípios. Ao mesmo tempo em que colaboram com a

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avaliação visando a melhoria das políticas públicas das ações afirmativas de combate ao

racismo e ao preconceito.

O eixo 6. “Condições institucionais”, (PNIDCNERER, 2009, p. 30) afirma a

necessidade de instalação de secretarias específicas no trato com a temática étnico-racial e

diversidade nos estados e municípios. Além de disponibilizar recursos financeiros para a

implementação das leis.

Diante disso, analisamos quais são os direcionamentos no Plano Estadual de Educação

do Rio grande do Norte - PEE (2015-2025), no intuito de investigar quais orientações sociais,

educacionais e metodológicas sustentam o Plano de Educação, além de constatar se houve a

efetivação curricular para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana na educação

básica. Identificamos, a partir dos eixos pronunciados, que o Estado busca ações de

enfrentamento às desigualdades étnico-sociais e combate ao racismo. Porém, alguns eixos

encontram limites em seus propósitos, principalmente em algumas capitais e municípios em

que o processo de restruturação ainda não foi implantado.

O Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Norte (2015-2025) foi sancionado

pela lei estadual nº 10.049, de 27 de janeiro de 2016 com vigência de 10 anos. O Plano

apresenta sua proposta organizada em etapas, sendo elas: Educação Básica, constituída pelo

no Ensino Fundamental, Ensino Médio, integrando a Educação de Jovens e Adultos,

Educação Especial e Educação do Campo, Indígena e Quilombola, além da Educação

Superior. Na estrutura organizacional do plano, cada etapa está inserida em uma dimensão da

educação, e para cada dimensão são apresentadas metas e estratégias que orientarão sua

efetivação.

O PEE-RN (2015-2025) apresenta entre outras dimensões, a universalização da

educação básica de forma igualitária e democrática, melhorias da qualidade de ensino e

aprendizagem assim como na permanência do aluno no ambiente escolar.

Integrando o Plano de Educação, temos a Estrutura Curricular do Ensino Fundamental

(2015). Utilizaremos como referência o plano educacional do ano de 2015 por não haver do

ano de 2016, específico para o Ensino Fundamental anos iniciais. Os componentes

curriculares estão dispostos com carga horária definida, porém devem ser trabalhados de

forma interdisciplinar. Destaca como componentes essenciais a serem abordados e

desenvolvidos no currículo educacional, temas da atualidade, entre eles as relações étnico-

raciais e direitos humanos. Discorremos sobre o diurno, especificamente o turno vespertino,

por está relacionado à etapa do Ensino Fundamental anos iniciais.

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Além disso, percebemos no componente curricular de História, as contribuições das

diferentes etnias que formam o povo brasileiro, nos aspectos sociais, culturais e econômicos,

com atenção especial às de matrizes africanas, indígenas e europeias. Complementando com o

ensino da história e cultura afro-brasileira e africana como obrigatórias no currículo escolar.

Identificamos nesse momento, no ano de 2015, a implementação da Lei 10.639/2003 na rede

pública estadual de ensino.

Orientados pelas análises das bases curriculares nacionais e estaduais, Constituição

Brasileira de 1988, (BRASIL, 2015); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

9394/1996 (BRASIL, 2008); os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001);

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o

Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira (BRASIL, 2004); Orientações e ações para a

Educação das Relações Étnico-Raciais (BRASIL, 2010) e Plano Estadual de Educação /2015-

2024 (RIO GRANDE DO NORTE, 2015), analisamos o Projeto Político Pedagógico da

Escola Estadual Potiguassu (ESCOLA, 2015) norteados pelas questões: quais são as

referências curriculares utilizadas na construção do PPP? Que orientações sociais,

educacionais e metodológicas são apresentadas no documento? Analisamos em sua

representatividade como documento orientador do currículo e das ações pedagógicas

desenvolvidas pela escola, nosso campo de pesquisa.

A concepção de educação defendida no Projeto Político Pedagógico da Escola

Estadual Potiguassu - PPPEEP (2015) é sustentada pelos princípios sócio-interacionistas.

Apoia-se na interação sujeito e ambiente sócio histórico na construção do conhecimento. Para

tanto, o projeto propõe a formação de um currículo diverso e dinâmico com o intuito de

responder às necessidades do aluno ao mesmo tempo em que se adequa à faixa etária.

Estabelece como princípios norteadores da formação do indivíduo, seu desenvolvimento

integral, participação no contexto sócio cultural, atuando como sujeito das ações

transformadoras da sociedade em que vive, respeitando e valorizando a diversidade.

Educar partindo do princípio: relação teoria-prática, em busca da construção

de uma sociedade justa, igualitária, vivenciada de valores e conhecimentos

socialmente úteis, almejando o desenvolvimento integral do ser humano,

como sujeitos do contexto social e capaz de transformar o ambiente em que

vive. (ESCOLA, 2015, p. 10).

Participamos, como docente, da construção do Projeto Político Pedagógico da Escola

Estadual Potiguassu, realizada in loco com a participação do corpo docente e da gestão

escolar. Após reuniões que tinham duração de aproximadamente três horas com frequência

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mensal, a coordenação pedagógica reunia as decisões e formulava o texto e em consequência

o documento. Sabemos que a escola, diante do processo democrático, necessita reunir os

diversos segmentos que compõem seu universo (pais, alunos, funcionários e professores) e

esses devem atuar ativamente no processo de elaboração do documento, porém essa dinâmica

não foi adotada no processo de construção curricular.

A pesquisa e a análise documental possibilitaram-nos a expansão do conhecimento e

apropriação no campo das orientações legais de ações que buscam o combate ao preconceito e

à discriminação na busca por uma educação igualitária pautada na diversidade étnico-racial..

Ao iniciarmos nossa pesquisa, detínhamos o domínio sobre poucos documentos que tratavam

sobre temática: história e cultura afro-brasileira e africana. Durante a pesquisa nossos

horizontes foram expandidos assim como, a construção do conhecimento da trajetória de lutas

e conquistas ao longo dos tempos. Esse pensamento nos levou à reflexão sobre quais são os

reais conhecimentos dos educadores acerca dos documentos nesta pesquisa “descobertos” e

analisados, e percebemos o quanto estamos distantes da efetivação da educação para as

relações étnico-raciais nos currículos escolares. As leis, diretrizes e orientações são, por

muitos educadores, desconhecidas e não representam a popularização educacional que

deveriam, ao contrário, são suprimidos e “guardados na gaveta”.

Observação participante

Iniciamos a pesquisa na Escola com a observação participante. Esta ocupa lugar de

maestria na condução da pesquisa pois, é através dela que o pesquisador busca compreender

as relações que os sujeitos estabelecem no seu ambiente, como percebem a si mesmos e ao

outros. A pesquisa foi desenvolvida no período de 22 de setembro a 22 de dezembro de 2016,

com observações diárias, sendo 30 horas por semana (carga horária da professora na escola

semanalmente), totalizando 390 horas de observações.

As observações da pesquisa foram registradas de forma descritiva. Tomamos como

base para a descrição, a proposição de Martins (2010), que a define como uma informação

revelada a outro sujeito, mas que este desconhece em parte ou no todo, o assunto ou objeto em

questão. Na descrição, todos os elementos que circundam o objeto da pesquisa têm sua

relevância, não há definições de certo ou errado.

A descrição atua no campo das objetividades, ou seja, devem de fato existir

substancialmente, porém ao reportamos para a subjetividade, não obteremos sucesso, pois

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“um fato que seja domínio apenas do pensamento ou da imaginação dificilmente pode

constituir objeto de descrição, pode sim ser relatado, posto em proposições ou sentenças sem,

todavia, constituir uma descrição.” (MARTINS, 2010, p. 59). Nesse aspecto, a descrição tem

o propósito de construir no leitor a imagem do que desconhece, mas que passa a (re) conhecer

através da elaboração descritiva com elementos os relevantes.

Nesse aspecto, André (2015) afirma que: “Na medida em que o observador

acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de

mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias

ações”. Inicialmente o pesquisador permanece na posição de apenas observador, porém no

decorrer dos dias, as relações começam a ser estabelecidas e o pesquisador passa a interagir

no ambiente estudado.

Na segunda semana de observação, fomos solicitadas pela professora Marcelina à

participar da sua prática pedagógica, na condução de uma oficina de percussão para seus

alunos, tendo em vista nossa habilidade na execução de ritmos percussivos. Naquele

momento, tivemos a oportunidade de aproximar-nos dos alunos e conceber como se processa

a interação destes sob a orientação de outro ministrante, tendo em vista serem alunos

inquietos na sala de aula. Ao que nos surpreendeu, apresentaram-se ouvintes e participativos,

tendo em vista as inúmeras situações em a professora precisou interromper seus alunos na

busca pela atenção da sua turma. No entanto, na maior parte do tempo ocupamos o espaço de

observadores. Segundo André (1995), “a observação é chamada participante por possibilitar

um certo grau de interação entre pesquisador e a sujeito investigado, constituindo um

processo de mudança dialógico”.

Vale lembrarmos que, Bogdan e Biklen (1994), alertam-nos para o excesso de

participação interativa pelo pesquisador, pois, pode perder seu foco, suas intenções iniciais,

distanciando-se do seu objeto de estudo. Durante nossa pesquisa, diversas foram as tentativas

da professora em solicitar-nos a realização de atividades extracurriculares, tais como:

elaboração de trabalhos de informática, o qual a professora demonstrava limitações no

manuseio, solicitar que fosse a outros ambientes realizar compras de produtos para suas

atividades em sala de aula, nos obrigando a lembrá-la com frequência da nossa condição de

pesquisadores e observadores.

Vale salientar que o pesquisador deve, durante o processo investigativo, adotar a

postura de imparcialidade, destituindo-se de qualquer conceito ou pré-conceito, sair do seu

“eu”, para perceber o contexto o qual está investigando, a partir do “eu” do sujeito

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investigado. Aspecto esse, desafiador, pois diante das leituras realizadas, reestruturamos nossa

visão de mundo, sociedade e educação. Em alguns momentos, a manutenção dessa

“imparcialidade” depreendeu esforços extremos. Durante as observações, presenciamos

momentos em que tivemos que “disfarçar” os reais sentimentos para que não fossem

denunciados pelas expressões faciais, diante de algumas atitudes veladas ou até mesmo

explícitas de preconceitos e discriminação raciais por parte da professora e dos alunos,

direcionados a uma aluna, que provocaram-nos desconfortos e angústia. Sobre esse aspecto

Ghedin e Franco (2011) revelam que

Todo processo investigativo dessa natureza, implica, de fato, disposição em

sair do seu próprio universo cultural, para mergulhar na cultura do outro,

pois somente com a construção de uma identidade comum, por mais

superficial que possa parecer, é que se está em condições de mergulhar nos

sentidos que cada grupo constrói para suas ações (GHEDIN e FRANCO,

2011, p. 196).

Antes de realizarmos a entrevista, solicitamos à professora o preenchimento de um

questionário com questões sobre idade, religião, escolas em que trabalhava, formação

acadêmica e profissional. O que nos possibilitou acessar os aspectos sociais e econômicos da

professora que subsidiaram a elaboração dos questionamentos que faríamos durante a

entrevista. A aplicação do questionário aconteceu na escola, durante o horário de expediente.

Porém, foi preciso aguardar o momento de disponibilidade da professora para que o

respondesse, além disso, foi necessário, lembrá-la de respondê-lo, pois diante das múltiplas

tarefas desenvolvidas e conflitos para resolver, foi aceitável seu esquecimento.

Com base nos resultados obtidos através da análise do questionário e da pesquisa

documental e bibliográfica realizada, o processo teve continuidade com a estruturação da

entrevista semiestruturada (anexo 3), esta direcionada a questões envolvendo a prática

pedagógica da professora, representações do currículo e sua utilização na organização das

suas aulas, além de aspectos relativos à Lei 10.639/2003 e abordagem de outros documentos

referentes à educação para as relações étnico-raciais. As perguntas foram elaboradas a partir

de estudos realizados sobre as temáticas e a percepção através da observação participante, das

escolhas teórico-metodológicas, ao ministrar o ensino de História.

A entrevista

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A entrevista é uma das principais técnicas de construção de dados das pesquisas

qualitativas para aprofundar e esclarecer situações observadas. Além disso, permite ao

pesquisador perceber por meio das expressões corpóreas e reações do sujeito da pesquisa,

questões implícitas na oralidade. De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 134): “A

entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito,

permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os

sujeitos interpretam aspectos do mundo”.

Realizamos a pesquisa na segunda semana de observação participante, por

necessitarmos entender melhor a dinâmica de aulas da professora, para que pudéssemos

elaborar os questionamentos com clareza e objetividade.

O roteiro foi elaborado sob os aspectos da entrevista semiestruturada (anexo 3) com o

intuito de possibilitar-nos flexibilidade nos questionamentos e respostas subjetivas e

reflexivas do entrevistado, que conduzissem à externalização do pensamento e concepções

diante dos questionamentos, promovendo um diálogo entre pesquisador e entrevistado, além

de nos permitir reelaborar e esclarecer situações identificadas durante a observação

participante. De acordo com André e Lüdke (2015, p. 39): “Na entrevista a relação que se cria

é de interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem

responde”.

A entrevista foi realizada no espaço da sala de aula, no período em que os alunos

estavam no treino de futebol preparatório para os jogos internos, momento indicado pela

própria professora. Solicitamos autorização para que pudéssemos gravar o áudio da entrevista,

ao que foi prontamente concedido pela professora. A entrevista foi gravada com a utilização

do gravador de voz de um telefone celular com alta definição de áudio e transcrita logo em

seguida. Concordamos com André (2015, p. 43) quando relata: “A gravação tem a vantagem

de registrar todas as expressões orais, imediatamente, deixando o pesquisador livre para

prestar toda a sua atenção ao entrevistado”.

Iniciamos a entrevista com a nossa identificação, informação breve sobre o objetivo da

investigação e quais seriam os encaminhamentos da entrevista e dos dados construídos

durante a pesquisa. Ao iniciar a entrevista, percebemos que a professora demonstrava

tranquilidade, o que nos permitiu a experimentação de um ambiente dialógico. A professora

mostrava-se limitada a responder apenas dentro do contexto da pergunta, às vezes repetindo

uma informação já colocada. Buscamos criar um ambiente que estimulasse a liberdade de

expressão suscitando uma atmosfera de conversação, tendo em vista que havíamos

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estabelecido vínculos profissionais há três anos, em decorrência, especificamente, de

trabalharmos na mesma Escola.

A primeira questão foi direcionada às características que atribuía à turma. Ao

respondê-la a professora necessitou que a ajudássemos, pois apresentou dúvidas de como

poderia adjetivá-la. Iniciamos por esse questionamento por entendermos que a compreensão

da questão posterior estava intrinsecamente ligada ao conceito que a professora havia

formulado sobre sua turma. Outra situação descortinada pelo questionamento refere-se ao

pressuposto construído a partir da observação participante, sobre as relações estabelecidas

entre professor x aluno e aluno x aluno, as quais nos foram possíveis comprovar a partir das

análises do questionamento inicial.

O segundo questionamento era necessário que a professora tivesse domínio do

PPPEEP ou, ao menos, seu conhecimento, pois, solicitava que discorresse acerca das suas

concepções sobre a formação do sujeito pretendido pela da escola. Naquele momento,

necessitamos reformular a pergunta, pois não compreendeu o que seria a formação do sujeito,

necessitando que reelaborássemos o formato do questionamento, fato que comprovamos ao

analisar sua declaração. De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 136), ao entrevistado

“podem, no entanto, ser ensinadas a responder de forma a satisfazer os interesses do

entrevistador em relação a pormenores. Precisam ser encorajadas a elaborarem”.

Ao nos reportarmos às questões relacionadas à educação para as relações étnico-

raciais, a professora apresentou fragilidade nas suas respostas, repetindo algumas declarações,

mesmo diante de questionamentos diferentes. Diante do exposto, sentimos necessidade em

adaptar algumas perguntas para maior compreensão pela professora. Geralmente, ao

responder as questões sobre as quais não dominava, a professora ilustrava com histórias por

ela vivenciadas, em alguns momentos sem relação com o tema inicialmente proposto.

Durante a entrevista, recorremos por diversas vezes à insistência através de outras

abordagens, para que obtivéssemos o que realmente nos interessava como resposta, porém,

em alguns momentos não atingimos nosso objetivo.

A organização dos questionamentos da entrevista partiu das leituras prévias realizadas

a documentos e literaturas acadêmicas sobre as relações étnico-raciais. Elaboramos de forma a

deixar a entrevistada livre para discorrer sobre seus pensamentos e concepções. Porém,

precisamos revelar que alguns questionamentos foram propositalmente explicitados na busca

por expressões de pensamentos mais elaborados e esclarecedores da professora. Para alguns

questionamentos foram necessários maiores esclarecimentos para que obtivéssemos as

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respostas de acordo com o que foi perguntado. Alguns questionamentos foram respondidos de

forma descontextualizada desvirtuando-se do real significado. Em alguns momentos,

percebemos que a professora não detinha o domínio do assunto em pauta, nesses casos,

respondia com histórias que às vezes não correspondiam ao questionamento.

Abordamos a temática sobre ensino de História e a concepção de educação orientadora

da sua prática pedagógica, questionamos seus conhecimentos acerca das orientações

curriculares existentes para educação das relações étnico-raciais e seus conhecimentos sobre

da lei que determina o ensino de história e cultura afro-brasileira. Além disso, durante a

entrevista, buscamos esclarecer junto a professora Marcelina, qual seriam os obstáculos que

impediam a propagação da abordagem, em sala de aula, das temáticas relativas à história e

cultura africana e afro-brasileira.

Para efetivação da pesquisa foram necessárias diversas horas de dedicação, pois, a

transcrição pede veracidade nos seus registros. Nossa transcrição foi realizada no período de

oito horas consecutivas, pois necessitamos retroceder várias vezes algumas falas que não

ficaram inteligíveis, sendo necessária atenção especial. Para desenvolver a etapa da

transcrição da entrevista, nos baseamos nas leituras do Bogdan e Biklen (1994).

Podemos afirmar que a análise da entrevista se configurou como um dos momentos

mais complexos durante a realização do trabalho e nos exigiu maior desprendimento de

tempo, introspecção, ao mesmo tempo em que tivemos que nos distanciar dos nossos

pensamentos diante das afirmações para dar lugar aos pensamentos da professora ao proferir

as afirmações. Sua análise foi realizada com base nas pesquisas bibliográficas e documentais,

e em alguns momentos nos apoiamos nas descrições para compreender os seus pensamentos.

Nesses momentos, o seu discurso apresentou inconsistência e algumas contradições entre a

fala e a ação, por isso, a necessidade em recorrermos a outras técnicas da pesquisa

etnográfica, como a descrição, que nos permitisse construir nossas interpretações de forma

consistente. Cada posição assumida pela professora Marcelina, ao responder nossas questões,

foram relacionadas às atitudes que desenvolvia na sua sala de aula. Aspectos determinantes

para que pudéssemos compreender o processo que nem sempre o que está sendo proposto

teoricamente, é de fato realizado: relação direta entre currículo e prática pedagógica.

A entrevista com a professora nos possibilitou compreender ações desprendidas

durante as aulas em relação aos alunos e às práticas pedagógicas adotadas. Assim como,

juntamente com as demais técnicas da etnografia, responde a nosso questionamento.

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1.4 . SEMEAR PARA COLHER: O CAMPO DA PESQUISA

A Escola Estadual Potiguassu (EEP) foi fundada no dia 30 de abril de 1942,

totalizando 75 anos desde a sua criação. Localiza-se na Praça São Vicente de Paula 77, bairro

Igapó, Natal-RN. A Escola oferece o Ensino Fundamental anos iniciais, nos turnos matutino e

vespertino e a modalidade Educação de Jovens e Adultos no noturno, níveis I e II.

Atende alunos com faixa etária entre seis e 64 anos, apresentando perfil

socioeconômico diversificado. A maior parte dos alunos encontra-se na faixa salarial de um

salário mínimo, e cerca de 70% dependem de programas sociais como o Bolsa Família. Vale

salientar que a escola possui alunos com necessidades especiais, no entanto, sua estrutura

física não corresponde completamente a essas necessidades.

A Escola conta com quatro salas de aula climatizadas, porém, pequenas suportando

aproximadamente 25 alunos. Apresentam decoração temática e um mural rotativo, no qual são

expostos os trabalhos dos alunos.

Durante a semana, para entrarem em sala de aula, as crianças organizam-se em filas

indianas e definidas por ano de escolaridade no pequeno pátio coberto, realizam a oração “Pai

nosso” e seguem para suas salas. Às quartas e quintas feiras essa rotina é modificada com a

introdução, na quarta–feira, do Hino do Rio Grande do Norte e às quintas-feiras, do Hino

Nacional. Nesses momentos são expostas as respectivas Bandeiras, para que cantem para sua

representação.

A Escola tem constituído o Conselho Escolar formado por um representante de cada

segmento: pais, estudantes, professores (por turno) e direção. Apresenta projetos em parcerias

com o posto de saúde da comunidade, através do Programa Saúde na Escola – PSE; com a

Polícia Militar, por meio do PROERD – Programa de Erradicação e Resistencia às drogas,

desenvolvido com os alunos do 5º ano. Outro projeto que contempla a Escola é o Projeto de

Educação Ambiental – Barco escola – Chama Maré, uma iniciativa governamental com apoio

da iniciativa privada, são aulas-passeio voltadas para uma reflexão crítica sobre a utilização

do Rio Potengi, em uma perspectiva multidisciplinar. Além desses projetos, desenvolve o

Projeto Alunos nota 10, visando incentivar o aluno a se dedicar mais às atividades escolares

através de uma premiação dedicada ao aluno destaque de cada sala de aula e, por fim, os

Jogos interclasses com o objetivo de estimular a cooperação e coletividade entre os alunos,

assim como o respeito, a lealdade, a amizade e a paz. (ESCOLA, 2015)

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A Escola Potiguassu está situada no bairro Igapó, que era a antiga povoação de Aldeia

Velha, sede da taba dos índios Potiguares. Seu nome significa sítio abandonado, pântano,

banhado, alagado. Apresenta uma população aproximada de 29.000 habitantes. Os alunos, na

sua maioria, são oriundos deste bairro, mais especificamente da comunidade chamada Beira

Rio, comunidade ribeirinha às margens do Rio Potengi. Relatos da professora durante a

entrevista classificam a localidade como “perigosa”. “Crianças que às vezes se assusta que

todos os dias têm um relato de violência no setor onde mora, violência não só na família entre

si mas, violência de facções que tem no lugar onde eles moram”. (MARCELINA, 2016). Por

vezes, os alunos foram impedidos de frequentar a Escola diante das situações de violência

vivenciadas.

Selecionamos a Escola Estadual Potiguassu pelo seu contexto sociocultural e

econômico. Outo fator determinante para a seleção foi o fato de ser uma das escolas mais

antigas do bairro. Além disso, identificamos, como professora da instituição, atitudes

recorrentes de preconceitos e discriminação entre os alunos da Escola. Vale salientar que os

alunos são filhos de antigos alunos da escola.

A maioria dos alunos apresenta características afrodescendentes, no entanto,

percebemos, entre eles, atitudes de negação, preconceitos e discriminação. Atitudes que

revelam a necessidade de desenvolver um trabalho de identidade e pertencimento, por estarem

impregnadas no íntimo desses alunos, ações construídas na relação familiar e reproduzidas na

relação com outro em sala de aula. Porém, pouco ou quase nada é feito pela Escola em relação

ao combate a preconceito e discriminações, tão pungentes na convivência entre os alunos.

Temática, não contemplada no currículo escolar, apesar da obrigatoriedade legitimada e,

principalmente, a urgência na formação do sujeito.

O pátio da Escola, onde os alunos são recepcionados, conta com dois murais extensos,

no entanto, são utilizados apenas quando há eventos, situação que pouco aconteceu durante o

período da pesquisa. Em tais momentos há ornamentação do espaço. Podemos citar com

exemplo de um desses raros momentos, a comemoração do Aluno Nota 10, que acontecia

bimestralmente. O pátio é ornamentado com um “tapete” vermelho, no mural são

acrescentados desenhos de crianças brancas (um menino e uma menina) representando os

alunos Nota 10 e, a frente do mural são dispostas cadeiras para os alunos homenageados, um

aluno por turma, totalizando 4 alunos.

O espaço destinado à sala de leitura apresenta ornamentação com temas da literatura

infantil como o Sítio do Pica-Pau Amarelo, representações através de desenhos de crianças de

pele branca, mesas e cadeiras coloridas e diversidade de títulos de Literatura Infantil. No

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acervo literário encontramos alguns títulos representantes da literatura africana e afro-

brasileira, porém, durante um minicurso ministrado para a formação do professor,

identificamos, que não são conhecidos pela maioria dos professores e nem solicitados pelos

alunos, representando novidade ao ser apresentado aos professores, visto que alguns já

demonstravam sinais de usos pelo manuseio.

A pesquisa foi desenvolvida na turma do 5º ano do Ensino Fundamental, no turno

vespertino na Escola Estadual Potiguassu. A turma é composta por 14 alunos com idades

entre 10 e 13 anos, sendo seis meninas e nove meninos. A maioria dos alunos é proveniente

da comunidade Beira Rio do Bairro Igapó, no mesmo bairro em que a Escola está localizada.

Duas alunas são diagnosticadas com deficiência. A primeira apresenta deficiências física e

intelectual; a segunda, apenas intelectual. Ambas ainda não alfabetizadas.

Durante as aulas, os meninos demonstraram comportamentos mais agitados que as

meninas, prevalecendo por quase sempre a opinião dos meninos, pois as meninas se calam

durante as tomadas de decisões. Atribuímos o comportamento reservado das meninas à

repressão exercida pelos meninos em relação às opiniões contrárias ao que eles determinam.

Ao mesmo tempo em que percebemos atitudes de menosprezo e desrespeito dos meninos com

as meninas e até mesmo com a professora. Frente a isso, é essencial a interferência da

professora através do trabalho de conscientização e respeito às diversidades.

Apresentam constantemente resistência em participar de atividades lúdicas, apesar de

serem pouco sugeridas pela professora. Há momentos, em que os alunos detém o domínio da

sala, recusam-se, inclusive, a realizar as tarefas cotidianas sugeridas. Isso exige da professora

que mude sua prática pedagógica e até mesmo o conteúdo e a matéria no momento.

Atribuímos essa postura docente à ausência do planejamento. Este, de suma necessidade para

a condução do processo de concretização de ensino aprendizagem, proporcionando maior

segurança e domínio da aula pelo professor. Além disso, o ato de planejar é fruto do currículo

escolar, documento também ausente no planejamento do docente. Outro fator que chamou

nossa atenção, foi a prática pedagógica adotada pela professora, orientada por atividades que

inexistiam a promoção ao desafio e a retirada dos alunos da zona de conforto para assim,

permitir-lhes a construção de novas aprendizagens, apresentando-lhe atividades desafiadoras.

Os alunos apresentam dificuldades em ouvir e expor seus pensamentos de forma

organizada e tranquila. Assumem em alguns momentos posturas agressivas no trato com a

professora, coordenação, direção e colegas de classe. Percebemos que atitudes de

permissividade apresentadas pela professora traduziam-se um desejo em estabelecer uma

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relação afetuosa com seus alunos. Ou seja, buscava reconhecimento e aceitação através da

permissão de atividades que não correspondiam ao trato pedagógico, como por exemplo,

jogar futebol na sala de aula. Tais atitudes excediam a sala de aula estendendo aos demais

funcionários e colegas de escola.

1.4.1. Sujeitos da pesquisa

A pesquisadora

Concluímos nossa graduação em Pedagogia no ano de 2003, no ano seguinte

ingressamos como professora no Ensino Fundamental, anos iniciais, nas redes públicas de

ensino do município de Natal e, nove anos depois, na rede pública estadual de ensino do

estado do Rio Grande do Norte (RN). Nosso interesse em aprofundar estudos na perspectiva

da educação para as relações étnico-raciais foi despertado durante a realização do trabalho

monográfico acadêmico para conclusão do curso de Pedagogia, com o título: “Cultura, arte e

educação-caravanas culturais e PROEJA”. No qual foram abordados os conceitos de cultura

popular, influências culturais e suas contribuições no processo de alfabetização de jovens e

adultos nos municípios de São José de Campestre-RN e Monte das Gameleiras-RN. Durante o

trabalho de pesquisa foi possível percebermos a resistência dos alunos ao serem abordados os

princípios religiosos, sociais e culturais dos grupos étnicos: africano e indígena como

formadores da sociedade brasileira, sendo a rejeição mais pungente às referências da cultura

afro-brasileira. Contudo, a partir da observação, foi possível classificarmos a maioria dos

alunos como pertencente à etnia afro-brasileira. Fato que despertou nosso interesse

impulsionando-nos em direção à busca de elementos que descortinassem a constituição da

cultura Potiguar e seus aspectos socioculturais e as influências étnicas.

Desde a graduação, conduzimos nossos interesses pedagógicos em direção às

influências históricas e socioculturais da formação do sujeito, seja no âmbito da cultura

popular ou nas relações étnico-raciais. Essa busca não esmoreceu ao assumirmos as salas de

aula como professora. Ao contrário, foi intensificada, pois o ambiente escolar é o espaço

propício à construção, reflexão e mudança de pensamentos.

Diante disso, desenvolvemos práticas pedagógicas que suscitassem o respeito às

diferenças, ao mesmo tempo em que construímos junto aos educandos sua identidade étnico-

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racial na relação com o outro. Cabe destacar que o trabalho pedagógico conduzido pelas vias

da diversidade ficou restrito por vezes, a trabalhos solitários, por focarmos temáticas às vezes

desconhecidas, às vezes ignoradas propositalmente pelos docentes nas escolas em que

atuamos.

Vale salientar que todas as atividades realizadas sobre a temática das relações étnico-

raciais foram intuitivas, pois, não havia direcionamento das escolas em que estávamos

vinculados e nem formações para este fim por parte das Secretarias de Educação. A busca por

formação e informação foi, sempre, particular.

Daí a necessidade em aperfeiçoarmos nossa prática pedagógica pelas vias da formação

acadêmica, o que nos levou a concluir duas especializações e iniciar a terceira, a primeira em

“Psicopedagogia”, a segunda em “Artes e Educação Física na Educação Infantil”, e a terceira

intitulada “Literatura na escola”, esta última possibilitou-nos vislumbrar novas abordagens na

busca por referenciais da cultura afro-brasileira. Em uma das aulas, foi apresentada a lei

10.639/2003 através da leitura compartilhada do livro “O presente de Ossanha”, pertencente à

literatura africana. Após a leitura do livro, foram levantados questionamentos acerca da

introdução da literatura africana na sala de aula. Como por exemplo: o aluno tem acesso a

esse tipo de literatura? Como introduzir a literatura africana no contexto da sala de aula? O

professor tem esse conhecimento? Diante de diferentes questionamentos e discussão, foi

abordada a lei 10.639/2003 e suas prerrogativas. Fato que chamou a atenção e despertou

nosso interesse, tendo em vista que já contabilizávamos 13 anos de docência e durante esse

tempo, nos ambientes educacionais que frequentávamos, não houve menção qualquer sobre o

documento.

A docente

A formação em Pedagogia foi concluída em 1995 no Instituto Presidente Kennedy. A

professora Marcelina tem 55 anos, professa a religião evangélica e é moradora do município

de São Gonçalo do Amarante-RN. É professora na Escola Estadual Potiguassu há 17 anos,

dos 25 que contabiliza no exercício da docência. Atualmente, está à frente de uma turma do 5º

ano do Ensino Fundamental. Leciona também em uma turma de 4º ano no turno matutino, na

Escola Municipal Genésio de Macedo, localizada no Município de São Gonçalo do Amarante-

RN desde o ano de 1993.

A professora Marcelina contabiliza 60 horas de magistério, trinta em cada vínculo

empregatício. As escolas são distantes, necessitando condução para deslocamento. A escola

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em que leciona pelo turno matutino é próxima a sua casa e possibilita que retorne para

almoçar em sua residência. Para chegar até a Escola Potiguassu, a professora precisa do

transporte público ou, como na maioria das vezes, chega à Escola com seu filho, de moto.

Mesma situação vivida para regressar a sua residência.

Apesar de haver a lei da hora-atividade integrada ao exercício do magistério, os

planejamentos na Escola Potiguassu não estavam sendo realizados, pois diante da falta de

professores para assumir as turmas durante o período de planejamento do professor, a

Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte-RN, decidiu por converter as dez

horas que seriam destinadas ao planejamento no ambiente de trabalho, em retorno financeiro.

Diante disso, a professora permanece os cinco dias da semana na sua sala.

A relação professor x aluno, aluno x aluno, precisa ser conduzida pelo viés da

afetividade e respeito, sentimentos que a professora busca estabelecer entre seus alunos, mas,

que encontra resistência e até mesmo rejeição. Busca alcançar a conquista dos seus alunos

através da permissividade e flexibilidade extrema. Muitas vezes, confundida pelos alunos que

agiam com falta de respeito para com ela.

O fato de lecionar em duas escolas, em anos de escolaridade e localidades diferentes,

interfere, segundo a professora, na realização de atividades mais elaboradas e pontuais.

Inclusive, no “esquecimento” do caderno de planejamento, que por inúmeras vezes, deixava

na escola anterior. Nesse aspecto, percebemos as dificuldades apresentadas no exercício da

docência, como atividade que necessita de tempo para planejamento e pesquisa na preparação

do trabalho para sala de aula. Nesse aspecto, a dificuldade em organizar a sua prática

pedagógica com base nos preceitos organizacionais do planejamento, é pungente. Para que

acontecesse o planejamento, segundo a professora, era necessário disponibilizar o tempo que

teria para sua vida pessoal na elaboração das suas atividades profissionais. Vale salientar, que

a professora é polivalente, ou seja, deve lecionar todas as disciplinas do currículo e planejar

para cada uma.

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2. RAÍZES DA RESISTÊNCIA E CONTINUIDADE

2. RAÍZES DA RESISTÊNCIA E CONTINUIDADE

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2. RAÍZES DA RESISTÊNCIA E CONTINUIDADE

Símbolo das lutas dos africanos no Brasil, o Baobá, a árvore da vida, como é

conhecida pelo povo africano, representa neste capítulo a história de resistência e força na

trajetória pela implementação da história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos

escolares, resistindo ao tempo, às mudanças e permanências de uma sociedade sustentada

pelo eurocentrismo como referência na sua manutenção.

Neste capítulo apresentamos a concepção de currículo neste trabalho utilizado, e suas

mudanças conceituais diante das transformações sociais, culturais, políticas e econômicas

desde o início do século XX até os dias atuais. Nesta trajetória abordamos os principais

movimentos negros reivindicatórios que resultaram na constituição de leis e diretrizes para a

educação nas relações étnico-raciais. Finalizamos com a discussão em torno da

implementação da 10.639/2003 e os mecanismos de aplicabilidade adotados através das

diretrizes.

2.1 CURRÍCULO E DIVERSIDADE

Iniciamos este capítulo pelos seguintes questionamentos: o que é currículo e qual sua

função? À essa indagação aparentemente simples, temos respostas complexas e posturas

diversas de acordo com o contexto. Na nossa pesquisa, o contexto é o escolar, e com foco na

relação entre ensino de História e educação para as relações étnico-raciais.

Em parte dos espaços educacionais, o currículo é visualizado como listagem de

conteúdos organizados por disciplinas que devem ser contemplados de acordo com o

segmento de escolaridade, orientados pela metodologia e finalizado pela avaliação. O nosso

pensar corrobora com as palavras dos autores Moreira e Silva (2002, p. 32), ao afirmar:

A história do currículo tem sido importante na tarefa de questionar a

presente ordem curricular em um dos seus pontos centrais: a

disciplinaridade. Apesar de todas as transformações importantes ocorridas na

natureza e na produção do conhecimento, o currículo continua

fundamentalmente centrado em disciplinas tradicionais. Essa

disciplinaridade constitui, talvez, o núcleo que primeiro deva ser atacado em

uma estratégia de desconstrução da organização curricular existente.

A definição de currículo é resultado de um processo histórico social e cultural, seus

pressupostos são frutos dos contextos vivenciados em cada época. “[...] é uma opção

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historicamente configurada, que se originou dentro de uma determinada trama cultural,

política, social e escolar está carregada de valores e pressupostos que é preciso decifrar”

(SACRISTAN, 2013, p. 17). Porém, sua representatividade pauta-se na delimitação dos

conteúdos que seriam ensinados pelo professor e aprendidos pelo aluno de forma impositiva.

De acordo com Sacristàn (2013, p. 17):

O conceito de currículo, e a utilização que fazemos dele aparecem desde os

primórdios relacionados à ideia de seleção de conteúdos e de ordem na

classificação dos conhecimentos que representam, que será a seleção daquilo

que será coberto pela ação de ensinar.

O currículo, na maioria das concepções do ambiente escolar, representa a sequência

didática e metodológica que gera o desenvolvimento educacional e cognitivo. Sendo essa

concepção perpetuada no tempo e reproduzida até os dias atuais.

A prática curricular teve sua consolidação a partir do início do século XX nos estados

americanos, com a expansão da industrialização nesse período, a escola começa a absorver as

referências econômicas, sociais e políticas apregoadas pela industrialização e seu modus

operandi. A produtividade baseava-se na economia de tempo e expansão do trabalho e

buscava-se a eficiência nos moldes da maior produtividade.

O comportamentalismo e os princípios do eficienticismo moldaram o currículo escolar

para a formação do sujeito apto a atuar na sociedade dominada pela industrialização. “Ainda

que o eficienticismo seja um movimento com várias nuanças, pode-se resumi-lo pela defesa

de um currículo científico, explicitamente associado à administração escolar e baseado em

conceito como eficácia, eficiência e economia” (LOPES e MACEDO, 2011, p. 22). A

ideologia da eficiência adentra no ambiente escolar como “gerenciamento científico

pedagógico” (DOLL JUNIOR, 1997). Busca a padronização de aprendizagens e

conhecimentos adquiridos em um menor tempo disponibilizado, delega ao professor a função

de “obedecer” as orientações definidas pelos administradores, o formulador dos currículos.

A incorporação do conceito de currículo se deu de acordo com os

pressupostos eficienticistas da educação escolar e da eficiência da sociedade

em geral. Com ela buscava introduzir uma ordem intermediária baseada no

estabelecimento de unidades de tempo menores dentro da escolaridade total

[...] (SACRISTAN, 2013, p. 18).

Nesse aspecto, o currículo baseado nos pressupostos eficienticista era organizado de

forma sequenciada, orientado pelo controle totalitário em que determinava conteúdos e

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aspectos metodológicos que deveriam ser abordados pelo professor de acordo com cada ano

de escolaridade, devendo ser contemplado até a conclusão de cada ano. Os objetivos eram

definidos prioritariamente na busca da formação de “bons profissionais”/“bons alunos”, que

deveriam apresentar como adjetivos: “regularidade, pontualidade, silêncio e

diligência”(DOLL JÚNIOR, 1997, p.64). Diante da definição dos objetivos a serem

alcançados eram criados treinamentos que os efetivassem, destituídos de conteúdos.

Em confronto com o eficienticismo, temos o progressivismo, que ao contrário da

primeira corrente, prima pela igualdade social, justa e democrática, sendo a educação a via de

acesso às mudanças sociais e promotora da quebra do direcionamento industrial.

Na corrente progressivista, podemos citar as contribuições de Jonh Dewey, na década

de 1920, como decisivas na reelaboração conceitual do currículo, ao defender o currículo

como intercessão entre escola e interesse do aluno. A aprendizagem é vista pelas lentes do

continuísmo, fruto de um processo, não como uma formação determinista para o mercado de

trabalho. Apresenta a criança como sujeito da sua aprendizagem, através da proposição de

situações problemas no âmbito social, em que necessitem criar procedimentos próprios na sua

resolução de forma democrática.

Nos anos de 1950, Ralph Tyler “afirma que a seleção de objetivos não só é o primeiro

ato que deve ser realizado no planejamento do currículo, como também é a chave de todo o

processo” (DOLL JUNIOR, 1997, p. 69), nesse aspecto, produz uma proposta híbrida entre

eficienticismo e progressivismo, em que propõe a organização curricular baseada no processo

linear constituído pela sequencia: definição dos objetivos ou fins, seleção das experiências

que permitirão a efetivação dos objetivos e avaliação, esta última com a função de averiguar

se o currículo obteve sucesso na sua aplicabilidade, constatada através do processo avaliativo

no qual os alunos são submetidos, e é atribuído um valor referente ao seu desempenho. De

acordo com Coll (2006, p. 48) “o ponto de vista de Tyler sobre as fontes de objetivos

educativos é o de que as três proporcionam informações necessárias, mas nenhuma delas

sozinha é suficiente”. Nesse processo, as etapas são desconexas, não havendo relação

dialógica entre elas. Pensamento que perdurou durante 20 anos no Brasil e que até os dias

atuais ainda é possível identificá-lo na elaboração de algumas propostas curriculares

educacionais escolares, como por exemplo, os currículos seguidos por algumas escolas. Nesse

aspecto:

O conceito de currículo, desde seu uso inicial, representa a expressão e a

proposta da organização dos segmentos e fragmentos dos conteúdos que o

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compõem; é uma espécie de ordenação ou partitura que articula os episódios

isolados das ações, sem a qual esses ficariam desordenados, isolados entre si

ou simplesmente justaposto, provocando uma aprendizagem fragmentada.

(SACRISTÀN, 2013, p. 17).

Nos anos de 1970 a escola e o currículo, caracterizados como controladores e

reprodutores sociais, recebem diversas críticas. Segundo o referencial do sistema capitalista,

os papéis e oportunidades atribuídas a cada indivíduo na sociedade, é determinado pela classe

social a que pertencem, reforça nesse aspecto, a segregação social e excludente, delegando ao

processo educacional o papel de promotor das diferenças de classes. A formação do sujeito

reflete sua condição econômica e social, garantindo à classe dominante a imposição dos seus

ideais, ao mesmo tempo em que reproduz e perpetua a desigualdade social existente. “A

elaboração curricular passa a ser pensada como um processo social, preso a determinações de

uma sociedade estratificada em classes, uma diferenciação social reproduzida por intermédio

do currículo.” (LOPES e MACEDO, 1997, p. 29).

Nesse contexto, o conceito de currículo e suas funções foram sendo questionados e

metamorfoseados. A função reprodutora da escola no concernente à divisão e perpetuação das

classes sociais promovidas pela elaboração curricular, à luz dos ideais das classes dominantes,

incomodaram estudiosos da época que buscaram nas premissas das teorias sociais o apoio na

disseminação dos ideais defendidos por eles, os autores, em combate às desigualdades e

injustiças sociais. Frente a essa inquietação e baseado no livro organizado por Michael

Young: Conhecimento e controle: novas direções para Sociologia em Educação, é constituído

o movimento Nova Sociologia da Educação (NSE), com o objetivo de entender como

acontece o processo de segmentação social promovido pelo currículo. Segundo Young (1980)

apud Sacristán (2000, p. 19):

A Nova Sociologia da Educação contribuiu de forma decisiva para

atualidade do tema, que centrou seu interesse em analisar como as funções

de seleção e de organização social da escola, que subjazem nos currículos, se

realizam através das condições nas quais seu desenvolvimento ocorre. Em

vez de ver o currículo como algo dado, explicando o sucesso e o fracasso

escolar como variável dependente, dentro de um esquema no qual a variável

independente são as condições sociais do individuo e dos grupos, é de se

levar em conta também os procedimentos de selecionar, organizar o

conhecimento, lecioná-lo e avaliá-lo são mecanismos socais que deverão ser

pesquisados.

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O conceito de currículo como documento instrucional, prescrevendo o que e como

deve ser ensinado, sofreu diversas críticas. Teóricos da vertente fenomenológica defendem um

currículo promotor dos aspectos vivenciados pelo aluno. Nesse sentido, o currículo passa a

conduzir a formação do conhecimento, não apenas do aluno, a partir da seleção do que

realmente é pertinente no processo de escolarização. A escola deixa de ter como foco a

formação do aluno para o mercado de trabalho, envolta a um currículo que tinha como

preocupação única, responder às necessidades da produção e da economia. Mergulhamos

então, na perspectiva crítica do currículo.

Nessa vertente, buscaram-se respostas para os questionamentos: qual a importância da

seleção de determinados objetivos e conteúdos? Quais grupos sociais são representados, quais

não são? Quem será beneficiado com tais conteúdos? São definições que constroem o

conceito de educação, sociedade e sujeito que se quer formar. Nessa perspectiva, o currículo

deixa de representar a doutrinação das classes dominantes e tenta representar aspectos

imbricados na igualdade social. De acordo com Moreira e Silva (2002, p. 16): “Reitere-se a

preocupação maior do novo enfoque: entender a favor de quem o currículo trabalha e como

fazê-lo trabalhar a favor dos grupos e classes oprimidos." A orientação curricular expressa os

princípios de ideologia, poder e cultura.

O currículo assume características diversas, corresponde às particularidades dos

sistemas educativos, sua filosofia, concepção de sujeito, sociedade e educação, revela a

realidade em que está inserido. Nesse aspecto Gomes (2007, p. 9) define o currículo como

“uma construção e seleção de conhecimentos e práticas produzidas em contextos concretos e

em dinâmicas sociais, políticas e culturais, intelectuais e pedagógicas. Conhecimentos e

práticas expostos às novas dinâmicas e reinterpretados em cada contexto histórico.”.

O currículo é dinâmico estando em constante movimento e adaptações, deve estar

aberto às modificações e sofrer revisões, reelaborações, responder às perspectivas sociais e

culturais, que estão sempre em processo de transformação, sempre com a função de organizar

e implementar, significativamente, as ações docentes. Quando formulado sobre as bases

contextualizadas do ambiente escolar em que deverá interferir, apresenta-se significativo tanto

para o professor que desempenhará a função de mediador, como para o discente que percebe

na sua aplicabilidade significados para a aprendizagem.

Entendemos o currículo como projeto que preside as atividades educativas

escolares, define suas intenções e proporciona guias de ação adequadas e

úteis para os professores, que são diretamente responsáveis pela sua

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execução. Para isso, o currículo proporciona informações concretas sobre

que ensinar, quando ensinar, como ensinar e que, como e quando avaliar.

(COLL, 2006, p. 45).

O currículo tem sua validade ao responder às necessidades provenientes dos

educandos, sua projeção deve refletir o contexto social, cultural, político e econômico em que

a escola está inserida configurando-se como ação consciente de interferência no processo de

escolarização. “O currículo deve levar em conta as condições reais nas quais o projeto vai ser

realizado, situando-se justamente entre as intenções, princípios e orientações gerais e a prática

pedagógica” (COLL, 2006, p.44). Esse processo só é possível quando elaborado na

coletividade, proporciona sua aplicabilidade respeitando a diversidade em cada ambiente,

exige do professor sua criatividade para que contemple todos sem desvirtuar das

especificidades de cada um. Nesse aspecto, ao elaborar o currículo é necessário direcioná-lo

sob as definições da sua relevância para o sujeito e para a sociedade. Sua constituição prevê a

articulação dos diversos segmentos constituintes do ambiente escolar em que suas propostas

são refletidas no coletivo. De acordo com Sacristàn (1998, p. 254), devemos:

Estimular o envolvimento de toda comunidade educativa, pois a autonomia e

o projeto da escola não são apenas dos professores/as. O currículo é a cultura

para uma comunidade e, embora se pressuponha nos professores/as um

domínio mais especializado destes temas, as decisões básicas são políticas e

sociais, daí que são responsabilidade de toda comunidade.

Como resultado desse processo, teremos a elaboração de um documento orientador das

ações pedagógicas que respondem às concepções de educação definidas pela comunidade

escolar de forma democrática e participativa, em que serão visto como a representatividade de

todos os segmentos.

Defendemos o currículo para a diversidade, em que seja prioridade a formação para as

relações humanas provenientes de contextos históricos, sociais e culturais distintos. Um

currículo para a inclusão, onde todos se sintam contemplados nos direcionamentos

apresentados. “Referir-se à diversidade significa constatar as várias diferenças sociais e

culturais existentes no interior da sociedade brasileira. Reconhecer que essa complexidade

envolve a problemática social, cultural e étnico-racial é o primeiro passo” (SILVA e SOUZA,

2008, p. 170). Para tanto, é necessário reestruturação curricular que perceba as práticas

pedagógicas como marco definitivo dessa concepção de ensino aprendizagem, um currículo

que priorize e seja baseado na diversidade cultural, nas diferentes matrizes históricas que

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formam a sociedade brasileira, atribuindo igualdade de valores e importância a elas. A

definição de educação, defendida pela instituição será a mola propulsora para a definição do

modelo de currículo que será adotado.

O que se propõe, em contra partida, é o respeito às matrizes culturais a partir

das quais se constrói a identidade do aluno, com atenção voltada para tudo

aquilo que vá resgatar suas origens e sua historia (o que também significa

respeitar os direitos humanos), como condição de afirmação de sua

dignidade enquanto pessoa, e da especificidade da herança cultural que ele

carrega, como parte da infinita diversidade que constitui a riqueza do ser

humano. (MOURA, 2005, p. 76).

Nesse aspecto, tomaremos a discussão curricular sob a perspectiva multicultural por

corroborar com a definição de Azevedo (2010a, p. 153) ao revelar que “O multiculturalismo

nasce em sociedades cujos processos históricos foram marcados pela presença e pelo

confronto de povos culturalmente diferentes e representa uma reação ao etnocentrismo”.

Registramos significativas reestruturações curriculares no âmbito da legislação na busca pela

implementação de políticas curriculares que visem à igualdade de abordagem educacional dos

grupos étnicos: indígena, europeu e africano, na tentativa de descentralizar o foco europeu no

trato com a História brasileira, atribuindo valores iguais aos três grupos étnicos. Destituindo

“A forma de pensar o currículo no Brasil revela uma trajetória de legitimação de uma

educação monocultural que, além de ignorar as matrizes culturais africana e indígena, cumpre

o papel de desvalorização e reprodução de representações negativas desses repertórios

culturais.” (PEREIRA, 2012, p.46).

Porém, ainda são preconizadas ações curriculares dominadas por determinado grupo

étnico, reproduzindo o processo de exclusão, controle e poder sobre os demais. O conceito de

poder e controle que nos orientam são os defendidos por Sacristán (2013), segundo o qual, o

poder é a imposição da vontade de um grupo ou indivíduo independente da aprovação do

outro, superando as ações de resistência.

Logo, privilegiar alguns conhecimentos em detrimento de outros é escolher o

que deve e o que não deve ser discutido, o que é e o que não é importante na

história e cultura. Essa atitude engloba relações de poder, que por sua vez

englobam relações identitárias, pois escolher dentre as várias possibilidades

de identidade apenas uma para ser um modelo hegemônico e ideal, é uma

demonstração de poder. (SILVA, 2011, p. 201).

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Daí depreendemos que as relações de poder e ideologias que orientam o currículo se

apresentam de forma velada, os elementos partícipes do currículo são direcionados a partir

das necessidades das classes dominantes, os objetivos correspondem aos interesses de um

grupo, seus pressupostos, crenças e valores são orientadores dos conteúdos a serem

abordados. Concordamos com Apple (2002, p. 42) quando afirma que:

Afinal, à decisão de se definir o conhecimento de alguns grupos como digno

de ser transmitido às gerações futuras, enquanto a história e a cultura de

outros grupos mal vêm a luz do dia, revela algo extremamente importante

acerca de quem detém o poder na sociedade.

Postura que presenciamos diante da elaboração dos currículos que ainda revelam

características impositivas eurocêntricas.

Não é raro, identificarmos a expressão desse domínio através da resistência por parte

das instituições em insistir na prática da invisibilidade de uma sociedade que busca a

abordagem curricular para a diversidade. O que presenciamos comumente, são premisssas

curriculares que privilegiam determinados grupos/identidade social, reforçando a

desigualdade social. Para explicar esse posicionamento da maioria dos currículos, recorremos

ao poder exercido pela classe dominante, que perpetua a prática da exclusão e marginalização

de elementos pertencentes a outros grupos sociais. “Os diferentes contextos históricos, sociais

e culturais, permeados por relações de poder e dominação, são acompanhados de uma maneira

tensa e, por vezes, ambígua de lidar com o diverso. Nessa tensão, a diversidade pode ser

tratada de maneira desigual e naturalizada.” (GOMES, 2007, p. 19)

A diversidade étnica é a base da sociedade brasileira, fruto do processo histórico e que

deve ser (re) conhecido e abordado de forma igualitária, porém, o processo de escolarização,

representado pelas instituições escolares, insiste em “fechar os olhos” enquanto permanece na

inércia de reproduzir através dos tempos os aspectos eurocêntricos que dominam até os dias

atuais o processo educativo. De acordo com Azevedo (2010a,p. 142) :“Embora dispuséssemos

de pluralidade étnico-cultural, a escola brasileira seguia marcada pelo seu caráter

homogeneizador e silenciador das diferenças, principalmente aquelas provenientes das

matrizes civilizatórias indígena e africana”.

Essa forma de pensar o processo institucionalizado educativo tem colaborado na

propagação e consolidação, em alguns ambientes educacionais, de ações e atitudes de

racismo, preconceitos e discriminação. Porém, o papel da escola, é buscar promover um

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ambiente socializador livre de qualquer situação que propicie a exclusão. É no espaço escolar

que o sujeito estabelece relações com o diverso, possibilita a formação humana baseada na

relação com o outro. É o caminho pelo qual é possível construir e desenvolver ações e

pensamentos que resultem no respeito à diversidade, resgatando valores essenciais para a vida

em sociedade, pois é a partir dela que o ser humano se (re)constrói e evolui. Nesse sentido,

concordamos com o pensamento de Pereira e Cordeiro (2014, p. 12) quando afirmam que:

A escola não tem apenas o papel de garantir os conteúdos oficiais, tem por

obrigação formar e informar estudantes críticos, agentes do processo

histórico no qual se constituem, inclusive desmistificando o fato de o Brasil

ser o país de “democracia racial”, mito responsável pela forma velada como

o racismo contra negros e negras se opera o qual, é disseminado e tratado até

os dias de hoje.

Diante disso, destacamos as mobilizações e reivindicações promovidas pelo

Movimento Negro que, desde os anos de 1930, com intensificação a partir dos anos de 1970,

reivindicavam o combate ao preconceito e discriminação, igualdade social, valorização e

reconhecimento igualitário à história e cultura afro-brasileira e africana e indígena,

conduzidos através da educação institucionalizada. Ao que foi respondido nos anos

subsequentes, através da sanção de leis, diretrizes e parâmetros curriculares.

2.2 A RESISTÊNCIA DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA

A trajetória percorrida em busca da igualdade étnico-racial foi subsidiada por

movimentos marcantes e decisivos na história, como: Frente Negra Brasileira (1930); Teatro

Experimental do Negro (1940); Criação do Movimento Negro Unificado (1978); Centenário

da abolição e marchas de denúncia (1988); III Conferência Mundial contra o Racismo,

Discriminação racial, xenofobia e formas correlatas e persistência (BRASIL, 2006)

No âmbito das tentativas da legalidade, a partir do ano de 1983, o representante do

Movimento Negro, eleito Deputado Estadual (1983-1986), Abdias Nascimento, pelo Partido

Democrático Trabalhista no estado do Rio de Janeiro (PDT/RJ), apresentou o Projeto de Lei

1.332/1983, em que propunha ações de reparação à população negra nas áreas educacionais e

trabalhistas. No âmbito educacional, propôs inserir no curso de história brasileira “O ensino

das contribuições positivas dos africanos e de seus descendentes à civilização brasileira, e

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também a importância de “incorporar o conteúdo dos cursos sobre História Geral o ensino das

contribuições positivas das civilizações africanas.” (ROCHA e SILVA, 2013, p. 62). O

projeto tramitou durante cinco anos e dez meses na Câmara dos Deputados, sempre aprovado

por unanimidade nas instâncias em que passou, porém jamais foi encaminhado à plenário para

votação decisiva, sendo arquivado em 1989.

Em 1987, podemos citar uma das reivindicações que surgiu em forma de documento

direcionado à Assembleia Nacional Constituinte-87 construído na “Convenção Nacional do

Negro pela Constituinte” (CNNC) evento realizado em Brasília no ano de 1987, com a

participação de 185 membros distribuídos entre entidades negras, sindicatos, partidos

políticos e grupos sociais de 16 estados. O documento expressava a indignação da exclusão

dos grupos e solicitava o atendimento às suas reivindicações.

Embora conscientes de que a “CONSTITUTINTE-87” não terá a

participação democrática do brasileiro, uma vez que o “Grupo” daqueles que

serão encarregados da nova Carta Magna, vem sendo formado através de

alianças entre elites que sempre dominaram e designaram, em consequência,

tanto cultural quanto economicamente, os destinos do Povo. Nós Negros,

entendemos que deveríamos no esforçar para conjuntamente, trazermos à

baila as nossas necessidades enquanto um segmento étnico-social,

politicamente definido dentro desse imenso Brasil multi-étnico.

(CONVENÇÃO NACIONAL DO NEGRO PELA CONSTITUINTE, 1986,

p. 1).

As reivindicações contemplaram diversos segmentos de cunho social, educacional e

pedagógico, no entanto, centraremos nossas observações nas direcionadas aos valores étnico-

sociais, pedagógicos, educacionais e culturais. Sobre os Direitos e Garantias individuais, o

documento dispõe que todos são iguais perante a Lei sem distinção de cor, raça, sexo,

religiosidade, havendo punição por pena de prisão sem direito à fiança, quando prática do ato

de racismo. No âmbito educacional, propunham ao ingresso obrigatório, nos currículos

escolares, do ensino da História da África e da história do povo negro no Brasil e a proibição

de publicações que tragam no seu bojo a incitação à violência, preconceitos raciais, religiosos

e sociais. No âmbito cultural, há a solicitação de implementação no calendário nacional do

feriado no dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, sendo veiculado a essa

data o Dia Nacional da Consciência Negra e, por fim, “Que seja efetivado o reconhecimento

expresso do caráter multi-racial da Cultura Brasileira”.(CNNC, 1986). Faremos a análise da

Constituição Brasileira (BRASIL, 2015), para averiguarmos quais aspectos foram

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contemplados, assim como quais são os direcionamentos educacional e social defendidos no

documento.

Promulgada em 5 de outubro de 1988, por uma comissão formada através de alianças

políticas sem a participação popular democrática, inclusive na escolha dos representantes

governamentais, à Constituição adicionaram-se inúmeras Emendas constitucionais na busca

de responder às necessidades surgidas durante o final do século XX e primeiros anos do

século XXI. Tendo em vista que no período da sua elaboração, a realidade social, cultural e

econômica do país era outra, consequentemente, as necessidades e suas resoluções deveriam

corresponder (ou tentavam) ao que era reivindicado pela sociedade no momento. Vale

salientar que as determinações eram baseadas na visão dos seus elaboradores. Porém, algumas

questões ainda perduram até os dias atuais (2018), como por exemplo, o combate à

desigualdade racial e social.

A partir da análise da Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 2015), percebemos

que alguns aspectos foram considerados e implementados. No concernente ações legais

precursoras para a tentativa do rompimento do processo reprodutivo discriminatório tão

pungente no País, esta promulgação se configura como pioneira. O Artigo 5º promulgado na

Constituição, mas, que começou a ser amplamente divulgado e disseminado somente, alguns

anos depois.

Na seção Cultura foi reivindicado pela CNNC (1986) a implantação do feriado

nacional “Dia Nacional da Consciência Negra”, em homenagem ao líder quilombola Zumbi

dos Palmares, no dia 20 de novembro, o qual não foi atendido pela Constituinte na sua versão

primeira. O Art. 215 garante o exercício das práticas culturais, assim como as manifestações

das expressões populares nacionais dos grupos afro-brasileiros e indígenas e dos demais

grupos integrantes da formação brasileira, promulgado como Emenda Constitucional no ano

de 2005, após a sanção da Lei 10.639/2003 e posterior a DCNERER (2004).

A EC/48 revela a preocupação em conservar as manifestações culturais das diversas

etnias que compõem a cultura brasileira e promover a valorização destas pelo prisma

sociocultural. Favorece na prescrição da diversidade étnica como elemento constitutivo do

processo cultural, fundamental para a formação do sujeito pleno em uma sociedade

pluriétnica, além de expressar a importância do reconhecimento das diversas etnias para a

formação e seu lugar de maestria no contexto educacional na busca pela igualdade. Nesse

aspecto temos movimentos contrários, pois ao ser implementada a EC/48, a educação para as

relações étnico-raciais já dispunha de algumas publicações no âmbito da legalidade e

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literatura. No entanto, algumas determinações presentes na Emenda ainda se encontram em

processo de absorção pelas escolas, como por exemplo, a definição de datas representativas

para as diversas etnias. O que vemos até os dias atuais, são datas eurocêntricas aderidas há

séculos, e que ainda perpetuam.

Ao analisarmos o Capítulo III- Da Educação, Da Cultura e Do Desporto, Seção I-

Educação, não identificamos referências à educação para as relações étnico-raciais ou para a

diversidade cultural, porém, identificamos menção ao papel que deve, obrigatoriamente, ser

desempenhado pelo Estado e pela família, assim como as definições das condições de acesso

e permanência no ambiente educacional, que deve apresentar-se de forma igualitária para

todos.

No Título IX - Das Disposições Constitucionais Gerais, encontramos referência à

introdução dos estudos dos diversos grupos étnicos que sustentam a formação da identidade

brasileira no currículo escolar. Disposto no “Art. 242.§ 1º O ensino da História do Brasil

levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo

brasileiro” (BRASIL, 2015, p. 132).

Apesar de estar registrada na Constituição de 1988, a inclusão da história e cultura

afro-brasileira e africana até então não havia sido efetivada no âmbito escolar, pois iniciativas

públicas e governamentais não foram suficientemente promovidas para que fossem

implementadas nas bases curriculares que orientam as instituições educativas de forma

efetiva. Por tratar-se das legislações constitucionais, a escrita é abrangente, no que concerne à

livre abordagem sobre as diferentes etnias no ensino da história do Brasil, tendo em vista

termos uma educação historicamente calcada no etnocentrismo no País. Dessa forma, no final

do século XX, as bases de diferentes etnias ainda assumiam o papel secundário e coadjuvante

na constituição da História do Brasil.

Porém, os anseios expressos no ano de 1986 pela CNNC sobre a obrigatoriedade do

ensino da História e cultura africana e afro-brasileira foram apenas parcialmente

contemplados com a promulgação do “Art. 242. § 1º O ensino da História do Brasil levará em

conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro.” (BRASIL,

2015, p. 233).

Os movimentos foram intensificados a partir do final da década de 1980, desse período

podemos destacar dois marcos definidores para as mudanças dos olhares para a diversidade

étnico-racial. O Centenário da Abolição da Escravatura em 1988, e, em seguida, a Marcha

Zumbi dos Palmares, em homenagem aos 300 anos de morte de Zumbi.

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No Centenário da Abolição da Escravatura, o movimento negro teve expressiva

participação. Vários eventos foram promovidos no País, publicação de revistas e artigos com

resultados de pesquisas que apontaram as condições inferiores da população afro-brasileira

em relação à população branca, diante dos indicadores: educação, saúde, mercado de trabalho.

Com isso, é descortinado a igualdade racial e social a que a população acreditava existir no

Brasil. Diante disso, a educação passou a ser vista a partir de outras lentes. (DIAS, 2005).

Ainda no ano de 1988, o Deputado Federal Paulo Paim, eleito pelo Partido dos

Trabalhadores (PT) (1987-1990), também apresentou um Projeto de Lei (PL) com o objetivo

de inserir o ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar de forma

obrigatória. O projeto não foi aprovado, sendo logo em seguida, arquivado.

No ano de 1993, o deputado estadual Humberto Costa eleito pelo PT/PE, propôs um

projeto de Lei a Assembleia Legislativa, para que fosse incluído, no currículo da rede

estadual, a disciplina História e Cultura afro-brasileira, porém foi vetado, alegando

inconstitucionalidade ao estado de Pernambuco. Porém, no ano de 1995, foi eleito Deputado

Federal (1995-1998) reapresentando o projeto na Câmara dos Deputados (PL n. 859/1995)

“Com a proposta de uma educação antirracista a ser implantada em âmbito nacional”

(ROCHA e SILVA, 2013, p. 63), sendo aprovado dois anos após pela Comissão de Educação,

Cultura e Desporto e publicado no dia 30 de abril de 1997, no Diário do Senado. Porém com o

fim do mandato, foi arquivado, não sendo avaliada nas outras instâncias.

Entre os anos de 1994 e 1998, o Parlamento Federal contou com a participação da

então Senadora Benedita da Silva (1995-1998), eleita pelo PT do Rio de Janeiro. Membro do

Movimento Negro, Benedita submeteu duas propostas em defesa da implementação do

reconhecimento e valorização da história e cultura africana e afro-brasileira, sugerindo a

reformulação do ensino de História e a obrigatoriedade do ensino da História do povo negro

no currículo escolar. Ambas negadas e arquivadas por não haver maioria de votos para sua

aprovação.

O parecer negativo às propostas defendidas pela senadora Benedita da Silva

é apresentado, concomitantemente, à realização da Marcha Zumbi dos

Palmares 20, em Brasília, em que se enfatiza a cultura homogeneizadora e

eurocêntrica da educação brasileira e a necessidade de revisão dos conteúdos

curriculares, a fim de contemplar o respeito e o reconhecimento da

diversidade. Esse momento, anos 90, caracteriza-se por uma maior

aproximação do movimento negro com o Poder Público e um esforço para

pensar propostas de políticas públicas para a população negra.

(DORNELLES, 2010, p. 46).

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Em 20 de novembro de 1995, aconteceu a “Marcha Zumbi dos Palmares pela vida e

contra todas as formas de discriminação”, concentrou aproximadamente 10 mil pessoas

negras em Brasília as quais realizaram uma passeata até o Planalto, onde entregaram ao

Presidente Fernando Henrique Cardoso, um documento em “que contia um diagnóstico da

situação social da população negra brasileira, bem como proposta de combate ao racismo e à

desigualdade racial.” (SILVA, TRIGO e MARÇAL, 2013, p. 567). Ao receber o documento,

o presidente foi “notificado” que não poderia mais continuar com a venda nos olhos e foi

obrigado a reconhecer o Brasil como um país racista e a admitir que havia um problema a ser

resolvido, sendo este uma responsabilidade do Estado, através da elaboração e implementação

de políticas públicas.

O documento “Marcha Zumbi dos Palmares”, é iniciado pela introdução em que é

revelada indignação do Movimento Negro Unificado sobre as condições desumanas que são

disponibilizadas ao povo afro-brasileiro, o descaso frente a inúmeras denúncias de racismo

das quais são vítimas, destacando o fim do mito da democracia racial, exigindo providências e

reparações para a atual situação. Em um segundo momento, apresenta um diagnóstico das

consagrações que foram obtidas como resultados da persistência e luta pela igualdade racial,

representada pelas conquistas constitucionais. Apresenta uma avaliação sobre como está

sendo processado o racismo nas diversas instâncias sociais, como: escola, mercado de

trabalho, saúde e segurança.

Diante do diagnóstico, o documento apresenta propostas nos segmentos apontados.

Com relação à educação são pontuados:

• Recuperação, fortalecimento e ampliação da escola pública, gratuita e de

boa qualidade;

• Implementação da Convenção Sobre Eliminação da Discriminação Racial

no Ensino;

• Monitoramento dos livros didáticos, manuais escolares e programas

educativos controlados pela União;

• Desenvolvimento de programas permanentes de treinamentos de

professores e educadores que os habilite a tratar adequadamente com

diversidade racial, identifique as práticas discriminatórias presentes na

escola e o impacto deste na evasão e repetência das crianças negras;

• Desenvolvimento de programas educacionais de emergências para a

eliminação do analfabetismo. Concessão de bolsas remuneradas para

adolescentes negros de baixa renda para o acesso e conclusão do primeiro e

segundo graus;

• Desenvolvimento de ações afirmativas para o acesso dos negros aos cursos

profissionalizantes, à universidade e às áreas de tecnologia de ponta.

(MARCHA ZUMBI DOS PALMARES, 1995, p.17)

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O documento serviu de base para as transformações políticas e sociais brasileira na

promoção de um novo olhar para as desigualdades raciais. Em retorno às reivindicações, foi

constituído o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) com o objetivo de elaborar políticas

públicas com vistas à valorização do povo negro e combate ao racismo e a discriminação

racial. Algumas reivindicações foram atendidas como a revisão dos livros didáticos através do

Programa Nacional do Livro Didático (PNDL) e a elaboração e implementação dos PCN

(1997), além disso, foi definido o dia 20 de novembro como “O dia da valorização da

Consciência Negra”. (DORNELLES, 2010)

A partir das determinações fomentadas na Constituição de 1988, reforçada pelas

reivindicações anteriores realizadas, foi promulgada em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394/1996, com o objetivo de regulamentar o sistema

brasileiro de educação. Analisaremos os direcionamentos sociais e educacionais propostos no

documento concernentes à educação para as relações étnico-raciais.

Iniciamos pela análise do Artigo 26, que torna imperativo que os currículos do Ensino

Fundamental e Médio devem ser elaborados à luz de uma base única de âmbito nacional, em

consonância com as particularidades sociais, culturais e econômicas de cada instituição

educacional. No interior do artigo, destacamos o parágrafo: “§4º. O ensino da História do

Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias da formação do povo

brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia.” (BRASIL, 2008, p.38).

Nesse aspecto, observamos a definição dos grupos étnicos que deveriam ser

contemplados na elaboração do currículo institucional, porém sem apontar quais seriam os

aspectos pelos quais as diferentes etnias deveriam ser abordadas, tendo em vista que o ensino

da História do Brasil na grande parte das instituições escolares, ainda é visualizado pelas

lentes eurocêntricas, contexto em que a cultura europeia é aclamada com fulgor e apreço,

deixando a desejar a abordagem da importância e a efetiva contribuição das etnias indígena e

afro-brasileira no processo de formação da cultura nacional.

O conceito de educação definido pelo documento abrange os aspectos formativos da

vivência social do sujeito, leva em consideração as relações extraescolares através de outras

intuições educativas como: família, igreja, comunidade etc... vislumbrando a formação da

criança nas bases escolares e extraescolares, ambas se complementando.

Art. 1º a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na

vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino

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e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas

manifestações culturais. §1º Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,

predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.

§2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática

social. (BRASIL, 2008, p. 29).

Nesse sentido, a LDBEN/1996, define a educação institucionalizada como

predominante, sem deixar de reconhecer a influência de fatores externos representados pelas

práticas sociais e culturais, ponto de onde é possível identificar a concepção de mundo

construída pelos sujeitos escolares, possibilitando realizar a intervenção significativamente no

processo de ensino aprendizagem. Como promotor do processo educativo, o documento

utiliza os termos da Constituição em definir a responsabilidade do Estado e da família, a fim

de promover a formação plena do sujeito, preparando-o para o exercício da cidadania e para a

formação para trabalho, baseado nos princípios da solidariedade e integração entre os sujeitos.

O processo educacional encaminha-se na perspectiva da diversidade, do

reconhecimento e respeito à diversidade na formação humana. Diante disso, alguns princípios

foram elencados no Art. 3º da LDBEN (1996) entre eles destacamos:

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

[...]

X - valorização da experiência extraescolar;

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais;

XII - consideração com a diversidade étnico-racial. (BRASIL, 2008, p. 29).

Para o processo educativo promotor da igualdade sociocultural, os incisos acima, são

essenciais na orientação da elaboração curricular e sua implementação. Ao definir igualdade

de permanência, entendemos que o aluno deve sentir-se representado em todos os aspectos,

que as oportunidades sejam iguais diante da diversidade, a subjetividade seja respeitada e as

referências de mundo sejam consideradas no processo de ensino aprendizagem. Os eixos

formadores dessa diversidade, trabalho, educação escolar e prática social, se entrecruzam e

definem a formação do sujeito.

Sob as orientações da LDB/1996, é determinada que a base nacional comum deveria

orientar o processo de ensino, a complementação é baseada nos princípios formativos da

caracterização do local, representações sociais dos educandos, economia e cultura em que será

desenvolvido. Vale salientar que esta estruturação perpassa pelas concepções de educação dos

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professores, elaboradas e perpetuadas nas bases históricas da sua experiência sociocultural,

por muitas vezes sustentada pelas orientações de uma concepção educacional nos moldes do

eurocentrismo, sendo reproduzidas no processo de ensino aprendizagem, consequentemente

submergindo o processo educacional pelas vias da diversidade étnico-racial.

Em consonância com o que estabelece a Constituição de 1988, em que a União é

declarada como sistematizadora do plano nacional de educação emerge a necessidade de

elaborar parâmetros que possam orientar as práticas educacionais no ensino obrigatório, ao

mesmo tempo em que deveriam ser consideradas as especificidades de cada localidade. Para

tanto, no ano de 1997 foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais, definidos

como:

O conjunto de proposições aqui expressas responde à necessidade de

referenciais a partir dos quais sistema educacional do País se organize, a fim

de garantir que, respeitadas as diversidades culturais, regionais, étnicas,

religiosas e políticas que atravessam uma sociedade múltipla estratificada e

complexa, a educação possa atuar, decisivamente, com processo de

construção de cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente

igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos.

Essa igualdade implica necessariamente o acesso à totalidade dos bens

públicos, entre as quais o conjunto dos conhecimentos socialmente

relevantes. (BRASIL, 2001a, p.13).

Como toda elaboração curricular, os Parâmetros Curriculares Nacionais/1997,

correspondem ao um momento histórico, social e econômico, seus elementos são passíveis de

reelaboração para atualização. O período sócio histórico é representado na disposição dos

objetivos e conteúdos. São constituídos por 10 volumes distribuídos entre as disciplinas

obrigatórias e os chamados temas transversais. Nesse aspecto, tomamos como assertiva, o que

nos revela a LDBEN/1997 com base na Constituição/1988, em que a educação busca a

formação integral do sujeito, ao que nos permite entender que serão contemplados os

aspectos: físico, cognitivos e sociais do sujeito de forma integrada, tendo em vista que não é

possível fragmentar essa relação estrutural.

Como proposta orientadora no processo de constituição curricular para o ensino

fundamental, os PCN configuram-se como referência na discussão e reflexão dos projetos

educativos escolares. Defendem o currículo para a diversidade, ao sugerirem a

interdisciplinaridade e os temas transversais.

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No âmbito dos Parâmetros Nacionais, o desafio da implementação de uma

educação pautada na diversidade da população brasileira, nas relações

étnico-raciais encontra possibilidades de trabalho por meio do tema

transversal Pluralidade Cultural. Busca-se que os temas transversais

perpassem todas as disciplinas curriculares numa tentativa de

interdisciplinaridade. (AZEVEDO, 2010a, p. 145).

Com o desígnio de configurar-se como proposta orientadora da prática pedagógica

para o trabalho com a diversidade étnico-racial, os PCN apresentam a concepção do ensino de

História que defendem através da proposta de organização dos conteúdos por temas que

buscam a promoção de estudos inerentes às diversas etnias, contrapondo-se à abordagem

eurocêntrica adotada anteriormente. Desmistificam o ensino da História, sobrepondo o ensino

de uma sociedade plural a uma sociedade monocultural.

A expectativa de que os parâmetros iluminem os projetos pedagógicos e os

planos de aula, é indiscutivelmente louvável, mas insuficiente, se não for

combinada a outros esforços de sensibilização, informação, formação, acesso

e pesquisas atualizadas e propostas concretas para o tratamento de tema tão

delicado, como das relações raciais na sala de aula. (SILVA JR, 2002, p. 33)

Sobre o ensino da História e cultura afro-brasileira e africana, partimos do pressuposto

que deve estar presente na formação do sujeito desde a educação infantil, tendo em vista que é

nesse período que acontece a formação da identidade da criança, prosseguindo com o Ensino

Fundamental. Concordamos com Azevedo (2010b, p. 4) quando afirma que:

Parte-se do pressuposto de que a interface entre educação das relações

étnico-raciais e ensino de História possibilita meios para conscientização da

importância de grupos como os remanescentes de nações indígenas e afro-

brasileiros, por exemplo, na construção do Brasil, à medida que conteúdos e

saberes próprios e relativos às suas especificidades terão lugar nas atividades

escolares. A importância de tal conhecimento, tendo em vista a promoção de

uma sociedade democrática, cidadã e historicamente consciente faz-se

presente no estudo do tema.

Porém, tal abordagem no documento, só acontece a partir do segundo ciclo do ensino

fundamental e ainda de forma coadjuvante, ou seja, as relações étnico-raciais no primeiro

ciclo, apresentam estudos sobre a comunidade indígena, estabelecendo relações com a vida

cotidiana do aluno. Daí depreendemos que para desmistificar concepções negativas e

estereotipadas sobre os diversos grupos étnicos, é necessário que tais estudos circundem toda

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a trajetória escolar do aluno desde os primeiros anos escolares até os finais, fatores decisivos

na tentativa de erradicação das atitudes e pensamentos preconceituosos e discriminatórios.

Buscamos durante a análise dos PCN, compreender as vias que conduzem o ensino da

cultura afro-brasileira e africana, e constatamos a orientação nos moldes de eixo temático, o

estudo acerca da origem dos povos africanos e sua cultura em consonância com sua chegada

nas terras brasileiras. Porém, as contribuições sociais, culturais e históricas da cultura africana

na constituição da sociedade brasileira ainda não aparecem de forma explícita na elaboração,

assim como nos explicita (OLIVA, 2009, p. 147): [...] “os PCNs, em vários trechos, ficam

caracterizados por indicações de abordagens superficiais, pouco especificas e insuficientes

sobre as temáticas e objetos que poderiam envolver os estudos da história africana.” O

documento apresenta como eixo temático as lutas e desafios vivenciados pelos diversos

grupos étnicos subjugados, explorados no passado e com refugos no presente, na busca do

reconhecimento e da igualdade social e racial. Porém, encontraremos a temática de forma

mais explícita no volume Pluralidade Cultural.

O eixo orientador da elaboração curricular é a definição da concepção de educação

assumida pela escola, que deve estar consolidado, para que assim possa refletir a sua imagem.

Na nossa pesquisa, investigamos como está sendo efetivada a educação para as relações

étnico-raciais baseada na lei 10.639/2003, fator que nos leva a observar o projeto educativo da

escola investigada pelas lentes da diversidade étnico-racial. Nesse sentido, a concepção de

educação que orienta o PPP da Escola, deixa implícito os aspectos inerentes à promoção da

educação para a educação das relações étnico-racial.

A concepção pedagógica da Escola Estadual Potiguassu tem como princípio

assegurar o seu alunado o domínio da escrita, da leitura e do cálculo,

instrumentos fundamentais sem os quais não se pode atuar eficazmente na

sociedade letrada. [...]. Outro princípio fundamental é o respeito ao universo

do aluno, no processo de introdução da criança no domínio do código oculto.

(ESCOLA, 2015, p. 10)

Percebemos a preocupação com o código culto, a exclusão e preconceitos com aqueles

que não o dominam. Porém os PCN definem educação não apenas pelas lentes do código

culto, mas, como formação do sujeito apto a atuar na sociedade de diversas formas e esferas

sociais. Que tem como responsabilidade desenvolver os aspectos cognitivos, sociais e

culturais do aluno, apoiando-o na construção dos elementos que possibilitarão sua

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compreensão de mundo e formas de atuar e transformá-lo. Aspectos fundantes no processo de

formação do sujeito integral.

A sua proposta visa à melhoria no processo de planejamento, concentrando

esforços nas disciplinas constatadas como criticas que são Português e

Matemática melhorando assim o desempenho acadêmico dos alunos, e que o

estudante, aprenda, não repita o ano e também frequente as aulas com

assiduidade. (ESCOLA, 2015, p. 10)

O escrito acima se refere ao principal objetivo da proposta do PPPEEP (ESCOLA,

2015), o qual, percebemos, está relacionado à concepção de educação defendida pela escola.

Dai depreende-se que ao elaborar a proposta da Escola, os aspectos teóricos e metodológicos

dos PCN não foram consultados.

Sobre os aspectos da educação para as relações étnico-raciais, a disciplina de História

absolveu maiores influências e mudanças, além de estar intrinsecamente ligada ao tema

Pluralidade Cultural.

Analisamos os volumes: “História e Geografia” e “Pluralidade Cultural e Orientação

sexual”, ambos direcionados ao Ensino Fundamental anos iniciais, por estarem

intrinsecamente ligados aos objetivos do nosso trabalho e relacionaremos com o PPPEEP.

Frente ao exposto, vamos averiguar quais orientações tais documentos apresentam no que

concerne à elaboração curricular para o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira.

Os PCN do ensino de História e Geografia (BRASIL, 2001b) têm seu volume iniciado

com um breve histórico da trajetória da disciplina no Ensino Fundamental, a qual é

caracterizada como uma das disciplinas precursora na organização e implementação das bases

curriculares brasileiras, desde 1827 até os dias atuais, protagonizando várias mudanças de

conteúdo, objetivos, práticas pedagógica e conceitos.

A concepção de ensino de História sofreu transformações decorrentes de aspectos

políticos, sociais e econômicos ditados por cada época, sendo percebidos seus reflexos

diretamente no currículo e práticas pedagógicas adotados em cada período.

Sob o impacto das influências causadas pelas mudanças sociais, as concepções do

ensino e aprendizagem da História, ao longo dos anos, forma sendo modificadas. O ensino

aprendizagem pautados nos conteúdos e na repetição de datas e nomes históricos foram sendo

modificados e transformados. De acordo com os PCN de História e Geografia (BRASIL,

2001b, p. 49):

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O ensino e aprendizagem da Historia estão voltados, inicialmente, para

atividades em que os alunos possam compreender as semelhanças e as

diferenças, as permanências e as transformações no modo de vida social,

cultural e econômico de sua localidade, no presente e no passado, mediante a

leitura de diferentes obras humanas.

Nesse aspecto, o aluno passa a elaborar seus conhecimentos acerca das suas origens e

história reconhecendo-se como sujeito participativo da sociedade em que está inserido. Nessa

construção, é considerada a participação e influência dos diversos grupos e classes que

constituem a sociedade brasileira, desligando-se dos referenciais europeus, como supremacia.

Dessa forma, o trabalho histórico, busca a formação da identidade social e cultural do aluno,

na relação com o outro, na construção conceitual de semelhanças e diferenças entre o “eu” e o

“outro”. O outro, como antepassado, sujeitos de épocas diferentes, que pode ou não pertencer

ao mesmo grupo social. “Apesar de termos uma clientela com condições sociais e econômicas

desfavoráveis, e que trazem consigo uma experiência de vida própria e de seus pais que

devem ser respeitadas e ampliadas.” (ESCOLA, 2015, p. 13).

Diante do exposto, verificamos que a escola apresenta-se sensível à temática

diversidade, em seu entorno, percebe a individualidade e que as histórias de vida são

diferentes, porém, não conseguimos vislumbrar a abordagem histórica e étnico-racial como

formadora da identidade, nem como promotora das relações para a diversidade.

A percepção sobre as mudanças e permanências, diferenças e semelhanças

da humanidade é o caminho propício para a percepção, reconhecimento e

respeito dos alunos à diversidade e consequente favorecimento à promoção

da autoestima dos discentes, uma vez que inseridos em um processo ensino-

aprendizagem valorizador das diferenças individuais. (AZEVEDO, 2010b, p.

10).

Tais premissas foram identificadas no PPPEEP como referência defendida sob a

concepção sócio interacionista, não como concepção de educação construída pela escola

diante da realidade em que está inserida, mas, como reprodução da forma de desenvolvimento

baseada na concepção interacionista “A partir da concepção sócio interacionista,

compreendemos a educação como construção coletiva permanente, baseada nos princípios de

convivência, solidariedade, justiça, respeito, valorização da vida na diversidade e na busca do

conhecimento. (ESCOLA, 2015, p. 13). No entanto, não há referência nos objetivos, à

promoção da diversidade cultural, social ou étnico-racial. Partirmos do princípio de que é

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necessário que as concepções de educação e formação do sujeito atuem como orientadoras na

definição dos objetivos e estabeleçam uma relação dialógica e complementar. Corroboramos

com Sacristàn (2000, p. 21) quando afirma: “Se o currículo, evidentemente, é algo que se

constrói, seus conteúdos e suas formas últimas não podem ser diferentes dos contextos nos

quais se configura”.

Ao analisarmos os elementos orientadores educacionais propostos no primeiro ciclo

nos PCN, para o ensino de História identificamos no documento que a concepção de educação

e os objetivos dialogam entre si e circundam no âmbito temporal, na percepção das

transformações, definem o estudo acerca das diversas relações sociais e culturais que

constituem a sociedade brasileira, além de abordar as diferenças históricas locais e pessoais

do aluno. Vislumbramos diante da proposta do eixo temático “História local e do cotidiano”,

menção a elaboração curricular baseada na diversidade, em que as diferentes etnias e

formações familiares são abordadas, com o objetivo em ampliar os conhecimentos de

diferentes formas de ser e estar no mundo, considerando as semelhanças e diferenças dos seus

pares. Segundo os PCN (BRASIL, 2001b, p. 52):

Considerando o eixo temático “História local e do cotidiano, a proposta é a

de que, no primeiro ciclo, os alunos iniciem seus estudos históricos no

presente, mediante a identificação das diferenças e semelhanças existentes

entre eles, suas famílias e as pessoas que trabalham na escola. Com os dados

do presente, a proposta é de que desenvolvam estudos do passado,

identificando mudanças e permanências nas organizações familiares e

educacionais.

No segundo ciclo, há continuidade do processo de formação histórica na diversidade,

são levadas em consideração as relações sociais estabelecidas pelos alunos, assim como o

acesso às mídias de informação, na formação do pensamento e visão de mundo. Os objetivos

definidos nessa etapa de ensino fazem uma referência de forma mais contundente às relações

étnico-raciais: “Identificar as ascendências e descendências das pessoas que pertencem à sua

localidade, quanto à nacionalidade, etnia, língua, religião e costumes, contextualizando seus

deslocamentos e confrontos culturais e étnicos, em diversos momentos históricos nacionais”

(BRASIL, 2001b, p. 62). Percebemos, em um dos objetivos, referência à diversidade étnica, e

se analisado com maior atenção, especificamente às etnias indígena e afro-brasileira,

identificados com base na caracterização retratada.

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No documento elaborado pela escola, identificamos a reprodução ipsis litteris de todos

os objetivos propostos pelos PCN, representando os objetivos do ensino de História a serem

alcançados pela escola no Ensino Fundamental. No entanto, foram contemplados apenas os

objetivos do primeiro ciclo, sendo suprimidos os objetivos para segundo ciclo. Nesse aspecto,

percebemos que de forma “acidental”- pois os objetivos e conteúdos devem ser selecionados

diante das particularidades de cada instituição - foi incluído os aspectos da diversidade

étnico-racial ao abranger o ponto: “ reconhecer algumas semelhanças e diferenças sociais,

culturais, econômicas de dimensão cotidiana, existentes no seu grupo de convívio escolar e na

sua localidade.” (BRASIL, 2001b, p. 50). Porém, a abordagem do ensino de História vai

muito além de reproduções de metodologias e conteúdos descontextualizados.

Ensinar história de forma contextualizada é com atenção e respeito à

diversidade dos alunos requer atividades didáticas que incentivem trabalhos

coletivos onde sejam valorizadas as trocas e ao mesmo tempo consideradas

as especificidades de cada um dos envolvidos. Estas, provenientes de

diferentes matrizes civilizatórias precisam encontrar lugar ao longo de todo o

ano escolar. (AZEVEDO, 2010b, p. 10).

De acordo com o documento, a problemática local, frente a outras localidades,

contribuem no processo de construção de tempo histórico pelo aluno, permite que realize

pontes entre o que vivencia na atualidade e as ações realizadas por sujeitos históricos em

tempos e espaços diferenciados e que foram determinantes na constituição da sociedade em

que vive. Resultantes das relações interpessoais, culturais e políticas. “[...] Somente no

alargamento de fronteiras temporais e espaciais que os sujeitos históricos podem dimensionar

a sua inserção e a sua identidade com os grupos sociais maiores, como no caso das classes

sociais, das etnias, dos gêneros, das culturas ou das nacionalidades” (BRASIL, 2001b, p. 64).

Dessa forma, a proposta é de elaboração temporal histórica não linear, em que permite

ao aluno elaborar suas concepções de temporalidade e espaço a partir da sua própria história.

De acordo com Abud (2012, p. 13):

A retomada do passado e sua ligação com o presente são relações a serem

estabelecidas pelo ensino de História nos anos iniciais, em seus

planejamentos e ações cotidianas, objetivando a construção do conceito de

tempo e lembrando que “construção é a própria maneira de se chegar a uma

realidade que não vem pronta através dos órgãos dos sentidos, que não jorra

de fontes inatas” (ADES, 1991: 6-14). A sistematização das noções de tempo

físico já desenvolvida pelo aluno é a primeira etapa na elaboração do

conceito de tempo histórico.

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Relacionando-a com a da sociedade em que vive, possibilita a identificação das

mudanças e permanências, sobre as quais, estrutura pensamentos críticos e reflexivos,

revertidos em ações que possam transformar positivamente, o ambiente em que vive,

pensando no bem estar da coletividade.

O reconhecimento das suas raízes históricas orienta o aluno na elaboração da sua

identidade, a constituir-se como sujeito histórico pertencente a uma sociedade pluriétnica.

Esta, por sua vez, resultante de processos transformadores marcados em um tempo e espaço,

construída com a interação de diversos grupos e sujeitos históricos. Grupos mergulhados na

sua própria cultura, organização social, formas coletivas de ver e estar no mundo, diferentes

entre em si, mas, que integram na constituição da sociedade, sob forma de contribuição no

processo formativo da coletividade. Sob esse prisma o eixo temático para o segundo ciclo,

“História das organizações populacionais”, sugere como conteúdo, vistas para a diversidade

étnico-racial:

Levantamento de diferenças e semelhanças entre grupos étnicos e sociais,

que lutam e lutaram no passado por causas políticas, sociais, culturais,

étnicas ou econômicas. Movimento de âmbito local: trajetória do movimento

lutas travadas, conquistas e perdas, relações mantidas com grupos nacionais

e de outras regiões, meios de divulgação de ideias de lutas (movimentos

ambientalistas, feministas, de idosos, de indígenas, de classes sociais, de

liberdade de expressão, de direitos humanos, de organização religiosa, dos

negros, dos sem-terra, de construção de moradias ou saneamento básico, em

prol da saúde ou educação) (BRASIL, 2001b, p. 69).

Ao analisarmos as temáticas acima, vemos que necessitam que sejam conduzidas pelas

vias da reflexão e do pensamento crítico participativo ao serem abordadas, são temas

intrinsecamente ligados à realidade e vivência do aluno, e sobre eles, trazem consigo

elaboradas, prévia e socialmente, concepções construídas na relação com os grupos aos quais

pertence concomitantemente as suas próprias elaborações conceituais. No âmbito educacional,

essas temáticas devem ser refletidas na coletividade para que seja possível a desconstrução e

reconstrução da visão de mundo do aluno e produtividade sócio e culturalmente, a partir da

interação.

Partimos do princípio que as referências crítico-reflexivas necessárias à formação do

conhecimento histórico, considerando as propostas de objetivos e conteúdos elencados no

documento, só será possível frente a ressignificação da prática pedagógica. Fator determinante

para que o tipo da formação do sujeito pleiteada, no documento, seja legitimada.

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Se por um lado existe o aparato da legalidade e das intenções, por outro, nos

deparamos com as dificuldades e despreparo de educadores para efetivar tais

propostas. “professores alegam não ter recebido qualquer tipo de orientação

pedagógica sobre a questão racial no Brasil por ocasião do seu curso de

formação profissional” e continuam tratando a questão racial e a diversidade

humana, como um conteúdo de história e de artes, de caráter efêmero, sem

assegurar uma abordagem continua e transversal. (SILVA JÚNIOR, 2002,

p. 33).

Nesse sentido, é necessária a (re)construção do pensamento sobre o ensino de História,

pautada na elaboração curricular, formação inicial e continuada do professor. Apesar de

contabilizarmos 20 anos da elaboração dos PCN, ainda são pungentes as referências

educacionais para ensino de História como uma disciplina pautada na repetição de datas e

reconhecimento de “heróis” da história, com foco principal nos feitos eurocêntricos;

conduzidas pelas vias metodológicas do processo memorizador e sem significado para o

aluno. Em muitos casos, essa recorrência advém em função do desconhecimento, por parte do

docente, do conteúdo e orientações presentes no documento, atrelada a sua limitação ou até

mesmo rejeição em direcionar aplicabilidade no contexto educacional, como nos firma

Dorotéio, (2012, p. 2) “Em relação aos anos iniciais, indicam a carência de estudos relativos a

essa fase de escolarização, principalmente no que se refere à relação com a historiografia

contemporânea na prática pedagógica dos professores que iniciam os alunos no saber

histórico escolar”.

Porém, os PCN, mesmo diante de 20 anos de vigência, construído no final do século

XX, ainda se configura como referência atual acerca das orientações educacionais. E ainda

continua, na maioria dos casos, à sombra da listagem de conteúdos sem significados.

Identificamos a urgência da elaboração curricular promotora da igualdade étnico-

racial, em que promova a igualdade de importância entre as diversas etnias que constituíram a

História do Brasil, sem delegar a nenhuma a posição de superioridade, porém esbarramos em

um muro, que é necessário sua transposição para que seja possível essa mudança de

paradigma: o preconceito. O preconceito a tudo que se diferencia do “normal”, incutido nos

currículos educacionais como “obrigatórios” e “corretos”, tudo que não preconize o

eurocentrismo. Corroboramos com Pereira e Cordeiro (2014, p. 10), quando afirmam:

Por enquanto, nota-se que existe semelhanças e não somente diferença no

outro e, o caminhar para a igualdade exige superação dos preconceitos, das

discriminações e dos racismos, principalmente numa sociedade brasileira

marcada pelas diferenças socioeconômicas e de mediações, padronizadas

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culturalmente de modo a mascarar intelectualmente suas ambiguidades e

suas singularidades.

As necessidades são variáveis de acordo com a realidade social que se estabelece. E a

busca pela igualdade racial e social, acompanha o processo de mudança, sem muitos

resultados positivos no âmbito na implementação educacional.

Com o intuito da efetivação de uma educação igualitária e complementando os PCN

das disciplinas obrigatórias, vemos os temas transversais selecionados pelas temáticas:

Pluralidade Cultural, Ética, Meio Ambiente, Saúde e Orientação Sexual. O objetivo dos temas

transversais é estar presente de forma integrada aos conteúdos ministrados pelas disciplinas

“obrigatórias”, abordando temas de cunho social e problematizador nos contextos

educacionais diversos.

Concentraremos a análise no volume Pluralidade Cultural e Orientação Sexual,

especificamente sobre o primeiro tema, por estar ligado a nossa questão de interesse.

Seguindo a estrutura organizacional dos demais volumes, o documento apresenta os objetivos

que devem ser alcançados acompanhados da justificativa, os conteúdos elaborados por eixos

temáticos selecionados de acordo com alguns critérios tais como: a eficácia na construção de

valores para o exercício da cidadania; respeito e valorização à diversidade, finalizando com

as propostas de avaliação.

Retomemos nossa questão: quais os direcionamentos educacional e social estão

explícitos nos documentos e quais orientações curriculares para a educação das relações

étnico-raciais?

A temática Pluralidade Cultural aborda os conhecimentos e a valorização relativos às

diversas características étnicas e culturais que formam a sociedade brasileira, como podemos

perceber no trecho a seguir:

Este tema propõe uma concepção da sociedade brasileira que busca

explicitar a diversidade étnica e cultural que a compõem, compreender suas

relações, marcadas por desigualdades socioeconômicas, e apontar

transformações necessárias. [...] Pluralidade Cultural quer dizer a afirmação

da diversidade como traço fundamental na construção de uma identidade

nacional que se opõe e repõe permanentemente, e o fato de que a

humanidade de todos se manifesta em formas concretas e diversas de ser

humano.” (BRASIL, 2001c, p. 19).

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Trabalhar a partir dessa temática, significa descentralizar o eurocentrismo e vislumbrar

a sociedade por um prisma de múltiplas faces com valores iguais. Significa reconhecer e

perceber-se pertencente a uma sociedade pluriétnica, com horizontes amplos, que devem ser

respeitados sem discriminações. E principalmente, busca a ressignificação de educação

consoante a prática pedagógica despidas de preconceitos e discriminações. “Mudar

mentalidades, superar o preconceito e combater atitudes discriminatórias são finalidades que

envolve lidar com valores de reconhecimento respeito mútuo, o que é tarefa da sociedade,

como um todo” (BRASIL, 2001c, p. 23).

A proposta é de urgente aplicabilidade, porém, necessita melhor formação do professor

para que corresponda aos objetivos. É uma temática presente no cotidiano do aluno que deve

ser abraçada e desenvolvida como prioritária. Arriscamos a concebê-la como orientadora das

disciplinas subjacentes, não de forma contrária. Pela característica de transversalidade, em

muitas situações escolares, não há referência ao tema Pluralidade Cultural, pois não é vista

como “disciplina obrigatória” pelos docentes, consequentemente, deixada em “repouso”

correndo o risco de em momento algum ser analisada. De acordo com Silva Jr. (2002, p. 33-

34)

Ao instituir parâmetros curriculares que se pautem por princípios

instrucionais, deixando valores e princípios humanos para serem repensados

enquanto temas que “atravessam” as disciplinas, os PCN possibilitam que as

escolas vejam estes temas como “alternativos” e não fundamentais, ou ainda

que escolham dentre as “diversidades” aquelas menos conflitivas para incluir

em suas propostas pedagógicas.

Em alguns projetos educacionais, o tema Pluralidade cultural aparece de forma

superficial, representados por expressões, na maioria das vezes artísticas, nos momentos de

culminância dos projetos temáticos desenvolvidos pelas escolas. Como é o caso do PPPEEP

(2015). As referências que encontramos nos aspectos da diversidade, encontram-se refletidas

na seguinte ação: “ [..] Realizar na escola uma vez por mês um dia cultural, professores e

alunos e todos que fazem a escola com declamação de poemas, dança, contribuindo para o

enriquecimento cultural. [...]” (ESCOLA, 2015, p. 15).

Partimos do pressuposto de que a educação não acontece em compartimentos, em

situações alheias à vivência do aluno, e sim de forma integrada. Para tanto, o currículo deve

apresentar-se protagonista e orientador na prática, principalmente quando entre a escola e a

realidade social do aluno, apresenta-se um muro invisível em que ao ultrapassá-lo o aluno

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deve despir-se das suas concepções de vida, do seu “eu” real, negar suas origens e assumir

posturas superficiais para responder as exigências, por vezes desconexas de um currículo

escolar que não o representa.

O tema Pluralidade Cultural propõe a adoção de práticas que sejam orientadoras da

construção identitária do aluno, permitindo-lhe o acesso ao conhecimento das suas origens e

dos grupos socioculturais dos quais é participante. Destitui o pensamento de unicidade étnica,

reconhecendo a importância e contribuição das outras bases étnicas que sustentam a formação

do povo brasileiro.

As propostas apresentadas nos PCN Pluralidade Cultural nos remetem ao pensamento

de que do documento, pouco ou quase nada foi contemplado pelos currículos escolares,

arriscamos até mesmo mencionar a sua ausência nos currículos locais. Pois não infrequente

vemos em situações diversas, atitudes de preconceitos e discriminações nas escolas, enquanto

a preocupação dos docentes circunda em torno dos conteúdos que deveriam ou devem

trabalhar das disciplinas obrigatórias. Diante dessa situação, identificamos o hiato entre as

relações sociais do aluno e a escolarização, ambas não se integram em um currículo

formatado por disciplinas, em que está implícito diante da sua organização, as relações de

poder e exclusão.

Ao definir quais disciplinas e conteúdos escolares devem agir como propulsores da

escolarização, define-se o tipo de sujeito que é pretendido formar, e suas bases desconhecem a

formação plena para o exercício da cidadania e o respeito à diversidade. Na verdade o que

procede é a reprodução de atitudes de aceitação e acomodação diante da exclusão

sociocultural, descortinada através da omissão da formação do sujeito crítico reflexivo,

promotor de transformações sociais conscientes. Nesse sentido,

O que se coloca, portanto, é o desafio de a escola se constituir um espaço de

resistência, isto é, de criação de outras formas de relação social e

interpessoal mediante interação entre trabalho educativo escolar e as

questões sociais, posicionando-se crítica e responsavelmente perante elas.

(BRASIL, 2001c, p.52).

A escola assume um papel decisivo na formação do sujeito, através da concepção de

educação que defende são estabelecidos os objetivos, conteúdos e métodos que auxiliarão no

alcance da formação desejada. O currículo elaborado pela instituição escolar desempenha a

função de maestro na condução educacional. Como maestria de um currículo formador do

sujeito integral, é imprescindível à intercessão entre as relações sociais na diversidade e

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conhecimento escolarizado, ambos intrinsecamente ligados. Diante disso, os conteúdos

propostos pelo volume Pluralidade Cultural, e/ou as temáticas pertinentes à realidade do

aluno, assumem o papel de ator no processo de elaboração curricular.

Com relação à diversidade étnico-racial, o documento refere-se de forma abrangente

no que concerne ao trabalho com a plurietnicidade, aborda como significativa a importância

em conhecer e valorizar suas contribuições na formação da sociedade brasileira,

configurando-se como um dos objetivos.

Vale salientar que os objetivos apontam para o reconhecimento e valorização da

diversidade étnico-cultural, ponte para o combate ao preconceito e discriminações. Entre eles

destacamos: Trajetória das etnias no Brasil e situação atual. Apresenta sugestões de conteúdos

que podem ser abordados, iniciando pela comunidade indígena, em seguida o grupo

afrodescendente. Chamou-nos atenção a abordagem relativa à cultura africana, o documento

traduz a etnia afrodescendente a situações conflituosas e escravistas, busca o reconhecimento

através da comoção como o próprio documento coloca como um dos objetivos gerais:

“Desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem

discriminação” (BRASIL, 2001c, p.59).

No segundo eixo, identificamos iniciativas referentes à valorização étnico-racial,

representadas pelos conteúdos atitudinais: conhecimento, valorização e respeito às

características dos diversos grupos étnicos, destacando o afrodescendente, e suas

contribuições. Repúdio ao qualquer ato discriminatório e preconceituoso. Porém, a abordagem

à cultura africana e afro-brasileira apresenta-se ainda de forma tímida, integrada ao um grupo

mais abrangente, etnia-cultural.

A temática Pluralidade Cultural apresenta pouca visibilidade entre os docentes não

sendo considerada como prioritária, haja vista que não se configura como disciplina

obrigatória, sua abordagem na constituição do currículo escolar, é ínfima, não raro seu

desconhecimento e abandono. Como exemplo do descaso para com o Volume, podemos

relatar sobre a nossa própria compreensão sobre o volume que foi consolidado apenas a partir

dos estudos realizados para esta pesquisa.

Diante dos documentos elaborados e implementados até o final dos anos de 1990,

verificamos a ausência da imperatividade no que concerne à abordagem do ensino e cultura

africana e afro-brasileira, reivindicação documentada desde o ano de 1987. Porém, podemos

contabilizar avanços, ao detectar referências à diversidade, o reconhecimento da necessidade

em valorizar e respeitar de forma igualitária as diversas etnias. O documento em pauta, ensaia

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assumir a posição de referência para a prática pedagógica pautada no reconhecimento e

valorização da diversidade étnico-racial e cultural. Formando sujeitos imunes ao racismo e ao

preconceito e agentes no seu combate, juntamente com professores.

No ano de 1999, a Deputada Esther Grossi (PT/RS) e o Deputado Ben-Hur Ferreira

(PT/MS), apresentaram e aprovam o projeto de lei (PL) 259/99 que consiste na

obrigatoriedade do ensino e história da cultura afro-brasileira no currículo escolar, bem como

a inclusão do “Dia da Consciência Negra” no calendário escolar. Tal projeto foi reingressado,

pois já havia sido apresentado pelo Deputado Humberto Costa (PT/PE), no ano de 1995

através do PL 859/1995, sendo aprovado na Comissão de Educação, porém, arquivado com a

não reeleição do deputado na legislatura 1999-2002. Segundo Dornelles (2010, p. 72):

Na justificativa do projeto de lei, os deputados autores mencionam que o

projeto é originalmente de autoria do Deputado Humberto Costa (PT/PE), e

tem, como objetivo, criar condições para a implantação de um currículo na

rede oficial de ensino, que inclua o ensino de História da Cultura Afro-

Brasileira, visando à restauração da verdadeira contribuição do povo negro

no desenvolvimento do País, desmistificar o eurocentrismo e garantir a

educação como um dos principais instrumentos de cidadania.

Enquanto o acesso à implementação do ensino da história e cultura africana era

constantemente vetado no âmbito legislativo nacional, alguns estados e municípios brasileiros

já estavam implantando a temática, como determina a Constituição de 1988. Parlamentares,

ao elaborarem as constituições locais (estados e municípios), defendiam a revisão curricular,

propondo que deveriam ser incluídos conteúdos programáticos sobre a história da África e

cultura afro-brasileira. Nesse sentido, em 1989 já contavam com a temática as constituições

estaduais dos seguintes estados: Bahia, Rio de Janeiro e Alagoas seguidas pelas cidades

brasileiras: “Belo Horizonte/MG (1990); Porto Alegre/RS (1991); Belém/PA (1994);

Aracaju/SE (1994/1995); São Paulo/SP (1996) e Teresina/PI (1998)” (ROCHA e SILVA,

2013, p. 63).

Nos anos subsequentes, pelo fato de as desigualdades raciais e culturais tornarem-se

tão pungentes, o País passou a ser pressionado pelas nações exteriores para que adotassem

ações afirmativas para o combate à propagação das ações discriminatórias. De acordo com

Dornelles (2010, p. 47):

O fim do apartheid, na África do Sul, é um fator que contribui e pressiona

uma mudança de postura do Poder Público em relação ao reconhecimento da

existência de um problema étnico. Intensifica-se a cobrança racial sobre o

Brasil, pois as desigualdades raciais ficam mais visíveis.

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Assim, foram organizadas reuniões municipais, estaduais, incluindo conferências

nacionais preparatórias para a participação do Brasil na III Conferência Mundial contra o

Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância ocorrida na África do Sul em

Durban, no ano de 2001.

O objetivo desta conferência foi produzir uma declaração que reconheça os

danos causados pelas expressões passadas de racismo e reflita uma nova

consciência, em nível mundial, das formas modernas de racismo e

xenofobia; chegar a acordo sobre um programa de ação forte e prático e

forjar uma aliança entre os governos e a sociedade civil para iniciar uma

renovada e vigorosa etapa na luta contra o racismo. (COSTA, 2013, p. 71).

As nações participantes da conferência assinaram a declaração de ações afirmativas

para o combate ao racismo, preconceitos, xenofobia e discriminações raciais. Nesse aspecto, o

Brasil passa a assumir o compromisso em promover políticas públicas que promovam o

combate à discriminação racial e preconceito.

A Declaração e Programa de Ação adotados na III Conferência Mundial de Combate

ao Racismo, Discriminação Racial, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata

(2001) elaborada em consonância com as nações presentes se configurou como um marco no

avanço ao reconhecimento e combate às expressões discriminatórias em todos os aspectos,

representadas na seguinte afirmação:

Reconhecemos e afirmamos que, no limiar do terceiro milênio, a luta global

contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e

todas as suas abomináveis formas e manifestações é uma questão de

prioridade para a comunidade internacional e que esta Conferência oferece

uma oportunidade ímpar e histórica para a avaliação e identificação de todas

as dimensões destes males devastadores da humanidade visando sua total

eliminação através da adoção de enfoques inovadores e holísticos, do

fortalecimento e da promoção de medidas práticas e efetivas em níveis

nacionais, regionais e internacionais. (DURBAN, 2001, p. 10).

Estava estabelecido e firmado o compromisso e reponsabilidade do Brasil em

combater a desigualdade racial e social, molas propulsoras nas ações de preconceitos,

discriminação, xenofobia e intolerância. Ao que pode ser largamente combatido com a

promoção da igualdade de oportunidades para todos. Oportunidades educacionais, de direitos

civis e exercício da cidadania, regidos por legislações que sejam de fato efetivadas, e norteiem

as implementações das ações afirmativas.

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Vale salientar que o documento reconhece a educação como fator elementar no

processo de mudanças de comportamento. Nesse aspecto, revela que:

[...]

95. Reconhecemos que a educação em todos os níveis e em todas as idades,

inclusive dentro da família, em particular, a educação em direitos humanos,

é a chave para a mudança de atitudes e comportamentos baseados no

racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e para a

promoção da tolerância e do respeito à diversidade nas sociedades. Ainda

afirmamos que tal tipo de educação é um fator determinante na promoção,

disseminação e proteção dos valores democráticos da justiça e da igualdade,

os quais são essenciais para prevenir e combater a difusão do racismo,

discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata. (DURBAN, 2001,

p. 29).

Com base na avaliação, é organizado um Programa de ação, possível aos estados como

medidas de urgência na sua aplicabilidade, contabilizando 219 ações. Dentre as medidas

destacamos a urgência na elaboração ou fortalecimento e efetivação de leis que se oponham

ao racismo e toda e qualquer forma de discriminação; a promoção de planos nacionais de

ações afirmativas para promoverem “a diversidade, igualdade, equidade, justiça social,

igualdade de oportunidades e participação para todos” (DURBAN, 2001, p.65) .

No âmbito educacional destacamos no item 10 a solicitação aos estados da inclusão no

currículo escolar da real história e contribuições dos africanos e afro-brasileiros:

[...]

118. Insta as Nações Unidas, outras organizações internacionais e regionais e

os Estados a compensarem a minimização da contribuição da África para a

história do mundo e da civilização através do desenvolvimento e

implementação de programas de pesquisa, educação e comunicação de

massa abrangentes e específicos para disseminarem de forma ampla uma

visão equilibrada e objetiva da importante e valiosa contribuição da África

para a humanidade. (DURBAN, 2001, p. 71).

Após a Conferência, o Governo Brasileiro, ainda sob a administração de Fernando

Henrique Cardoso (1995-2003), buscou iniciativas no âmbito legislativo e executivo que

primassem pela efetivação de ações afirmativas no combate ao preconceito. Dentre elas,

podemos citar no ano de 2002 a reserva de vagas nas universidades públicas para alunos

pretos ou pardos.

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No governo posterior, liderado por Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011), continuam

de forma contundente e expressiva, as políticas públicas para o combate ao racismo e

discriminação. Exemplo disso foi a promulgação da lei 10.639/2003, alterando a Lei de

Diretrizes e Bases Nacional 9394/96.

Realizamos essa breve volta ao passado construtor e transformador das relações

étnico-raciais, no intuito de contextualizarmos historicamente as ações anteriores de força e

resistência promovidas pelos movimentos sociais, que resultaram nas conquistas que

alcançamos durante os últimos 30 anos.

Falar da história e da cultura brasileira é falar da diversidade cultural, pois somos

frutos da intercessão entre as etnias: africana, indígena e europeia. Como sabemos, a etnia

europeia, sobrepôs às outras, tentando apagá-las, no entanto, as lutas e persistência dos grupos

étnicos afro-brasileiro e indígenas, perpetuaram na busca pela eliminação das desigualdades

étnico-raciais. Como resultado foi sancionada a Lei 10.639/2003, alterando a LDB 9394/96.

No entanto, até que sua promulgação fosse efetivada, muitas lutas foram travadas.

A partir da exposição da trajetória, percebemos que se passaram 20 anos até que fosse

atendida a reivindicação do Movimento Negro, que buscava as mudanças educacionais a

partir da valorização e reconhecimento da história e cultura africana e afro-brasileira.

2.3 LEI 10.639/2003: RAÍZES DA ESSÊNCIA AFRO-BRASILEIRA

Após quatro anos de tramitação no Congresso Nacional, no ano de 2003, aos nove dias

do mês de janeiro foi sancionada a Lei 10.639/03, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – Lei 9.394/96. Resultado das reivindicações, persistência e lutas

representadas pelos movimentos sociais, em destaque para o Movimento Negro.

A promulgação da Lei, assim como todas as conquistas no âmbito das relações étnico-

raciais, é resultado dos movimentos sociais indigenistas e negros que reivindicavam igualdade

e valorização étnico-racial, o respeito às diferenças, exclusão de qualquer forma de

preconceito e discriminação.

A Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira

e africana, caracteriza-se como propulsora no combate ao preconceito e à discriminação,

tendo em vista que seu alvo são os ambientes escolares abarcando os diversos segmentos de

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ensino básico. Objetiva promover a valorização da diversidade cultural através da educação

para relações étnico-raciais.

A lei 10.639/03 busca, através do conhecimento e da valorização da história

e das inúmeras contribuições dos africanos em nosso país, combater o

racismo e a desigualdade étnica vivenciada por seus descendentes em solo

brasileiro. Ou seja, ainda é necessário no Brasil se trabalhar a convivência

étnica racial levando em conta cada realidade étnica. (PEREIRA FILHO e

SILVA, 2013, p. 280).

Porém, o fato de ser lei sancionada não reflete sua aplicabilidade nem conhecimento.

Vale salientar que a lei já contabiliza 13 anos da sua implementação, e que anteriormente, já

contávamos com os PCN como possíveis orientadores dos currículos e ações para educação

das relações étnico-raciais. Podemos comprovar essa “liberdade” em aderi-la com quando

questionada sobre o conhecimento da lei a professora respondeu:

Pesquisadora: Você já ouviu falar da Lei 10.639/2003?

Professora: Não. Eu não lembro por número. Mas, se você disser do que

trata a lei ...

Pesquisadora: Trata sobre o ensino da história e cultura africana nas escolas

de ensino básico. Você já ouviu alguma coisa sobre essa lei? Você conhece

algo sobre dela?

Professora: Deveria, né? Porque a lei diz que é para o ensino básico, já era

para ter chegado para os professores. Num é?

Pesquisadora: Desde 2003 essa lei foi sancionada.

Pesquisadora: Então, você não tem nenhum conhecimento, nunca ouviu

falar, nada , ... [ interrompe a professora]

Professora: Eu... até hoje na televisão, não foi falado o número da lei, mas,

que tinha a lei . É assim, na televisão a gente ouve assim, não o que foi

ouvido, ouve-se uma coisa tão solta que não fica. Não assimilamos

exatamente. Mas, ao você falar agora, me vem aquela coisa bem vaga de que

já ouvi em algum momento na televisão.

Pesquisadora: A que você atribui essa não chegada da lei até você?

Professora: Aos nossos governantes

Pesquisadora: Em que sentido você acha que o governo poderia fazer alguma

coisa para que chegasse até você? O que poderia ser feito?

Professora: Chega pra gente muitos projetos de formação que até começam e

nem terminam, não tem conclusão. Tem um projeto que chegou que era

“Bola na rede”, eu imagino que esse projeto tenha sido um investimento

muito grande mas, esse Bola na rede não passou... era pra ser em três anos

não chegou nem a seis meses, não teve conclusão, não teve

acompanhamento. Então, no lugar disso, seria uma coisa pra ser com

seriedade. Não está na lei? Tem que ser cumprida. Eu digo que são as

pessoas. Também eu diria que a própria Secretaria de Educação que é

responsável. Olhe, porque quem tem o contato direto com os governantes?

As secretarias responsáveis pela educação. Se for em relação à educação, da

educação, se for da saúde, da saúde. Mas, eles é quem tem o contato direto.

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Oh, tem isso aqui, tem que ser cumprido. E não se faz acontecer. E nós

também, professores que somos, muitas vezes ficamos alheios a

determinadas situações e somos culpados também.

Pesquisadora: Como você acha que o professor pode ser culpado?

Professora: Pode reivindicar o seu direito. Agora mesmo na quarta feira,

(05/10/2016), teve uma parada, nós reivindicamos e protestamos contra

atitudes que nós não concordamos. Nós poderíamos também incluir nas

nossas reivindicações isso aí. (MARCELINA, 2016).

É perceptível o não reconhecimento da Lei pela professora, suas considerações

explicitam que não havia estabelecido nenhum contato anterior com a referida. Demonstrou,

com suas palavras, desconforto e ao mesmo tempo embaraço em não identificá-la, tendo em

vista que era professora, e a lei foi sancionada para ser implementada na sala de aula. Ao

insistirmos em sabermos, ao que a professora Marcelina atribuía esse desconhecimento,

esperávamos que admitisse que faltaram na sua vivência enquanto docente, a prática da

informação, formação e pesquisa. Para nossa surpresa, inicialmente atribuiu aos meios de

comunicação que não eram muito esclarecedores, em seguida ao governo, que para a docente,

deveria promover formações continuadas sobre a temática. Nesse sentido, concordamos em

parte com a professora Marcelina, pois é papel da instituição mantenedora, a promoção de

formações e atualizações profissionais. Ao mesmo tempo, em que também temos

conhecimento que o fato de promover uma formação, não assegura sua aplicabilidade em sala

de aula, outros aspectos educacionais estão envolvidos, tais como: materiais didáticos,

referências bibliográficas, suporte pedagógico para sua implementação, e por fim e não menos

importante, o desprendimento do docente, a disponibilidade em desenvolver a temática junto

aos seus alunos.

Atrelado a isso, a professora, atribui à secretaria de Educação, o descaso em concluir

formações e projetos implantados nas escolas. Apenas ao finalizar admite de forma “tímida” a

sua responsabilidade em buscar novos conhecimentos, a qual não foi cumprida. No entanto,

direciona sua responsabilidade, assim como a de todos os docentes, a falta de “pressão”

exercida sobre os órgãos mantenedores para que promovam formações. Ou seja, volta a

desviar-se das suas próprias responsabilidades como pesquisadora no exercício da sua

profissão. De acordo com Fernandes (2005, p. 384):

Um dos gargalos do sistema educacional brasileiro reside na qualificação do

corpo docente, sobretudo os que exercem o magistério nas séries iniciais do

ensino fundamental. Esses professores, sua grande maioria de formação

polivalente e sem curso superior, precisam estar habilitados a trabalhar com

essa nova temática curricular. Sugere-se, para tanto, um reforço por parte

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dos órgãos governamentais ligados à área de promoção da igualdade social,

no sentido de oferecer, em parceria com as instâncias educacionais, cursos

de extensão sobre a história da África e de cultura afro-brasileira, bem como

a publicação de matérias didáticos-pedagógicas que possam dar suporte

técnico a atuação desses docentes no desenvolvimento do processo ensino-

aprendizagem.

Há 15 anos a Lei 10.639/2003 foi promulgada, ainda contamos com 13 anos das

diretrizes, porém, temos uma grande parcela de professores que não tem seu conhecimento.

Podemos nos deleitar com as publicações gratuitas do Ministério da Educação e Cultura

disponíveis 24 horas no site, materiais didáticos, bibliografia, trabalhos acadêmicos sobre a

temática das relações étnico-raciais. Elementos formativos que ao buscarmos, teremos fácil

acesso. “Enquanto educadores comprometidos com estas questões precisamos de grande

poder de convencimento para demonstrar aos alunos, docentes, funcionários das instituições e

público em geral sobre o significado da abordagem dessa temática.” (ROCHA, 2013, p. 174).

E o estudo é o primeiro passo para isso.

Após ser sancionada a Lei 10.639/2003, na busca pela sua implementação de forma

praxiológica, o Conselho Nacional de Educação aprovou a Resolução nº 01, de 17 de marco

de 2004, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (DCNERER,

2004), com o intuito de orientar a aplicabilidade da referida Lei, além de encaminhamentos

propositivos para a elaboração curricular e a prática pedagógica escolarizadas. Santos (2010,

p. 47) conceitua a lei como:

A Lei é um currículo oficial e prescrito, portanto passível de adaptações e

negações, e traz consigo o caráter impositivo das políticas curriculares, que

como já dito antes não são o resultado de um prévio debate junto aos

educadores e a posteriori não primam por um diálogo explicativo e/ou uma

consistente formação continuada acerca daquilo que está sendo proposto.

O documento tem como objetivo aproximar-se de forma contundente das entidades

responsáveis pela manutenção educacional, instrumentalizando os agentes educativos no que

concerne à aplicabilidade da Lei de forma concreta e significativa. As “Diretrizes” tratam

enfaticamente do combate ao racismo e ao preconceito, difundidos ao mesmo tempo

silenciados nas escolas. Configura-se como elo entre as instituições de ensino e professores na

relação dialógica, “busca a inserir novos conteúdos, visando à correção histórica de um

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currículo oficial que manteve silêncio sobre a cultura e as raízes ancestrais de parte

considerável da população brasileira” (SANTOS, 2010, p. 42).

O documento conjuga a educação como via pela qual é possível reescrever a história

do afro-brasileiro na sociedade, pois é através dela que novos pensamentos e conceitos serão

(re) construídos. Retomar a história com bases igualitárias para o estudo da história e cultura

afro-brasileira e africana pelas lentes da valorização e reconhecimento, é uma das

possibilidades de extinguir preconceitos e discriminações que protagonizam diariamente.

Nesse sentido, é papel do Estado promover políticas públicas que permitam o

reconhecimento e reparações dos danos causados à população afro-brasileira perante séculos

de exclusão e discriminação. Com esse objetivo, em 21 de março de 2003, o Governo criou

pela Lei n. 10.678/03, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

(SEPPIR), referência no combate à difusão das expressões de preconceito e discriminação,

buscando a proposição de um ambiente social propagador das situações igualitárias e justas.

Já em julho de 2004, o Ministério da Educação cria a Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização e Diversidade (SECAD), assim nomeada na época, hoje, SEDABI, com o

objetivo de desenvolver e implementar políticas de ações inclusivas, assegurando o respeito e

valorização à diversidade diante dos contextos no qual se expressa.

O documento apresenta em sua proposta ações afirmativas no âmbito educacional

subsidiadas pela tríade: reconhecimento, valorização e reparação da cultura, história e

identidade do povo afro-brasileiro. Configura-se como orientador curricular educacional no

que competem às relações étnico-raciais, primando pelos referenciais histórico-sociais

brasileiro na reconstrução de pensamentos, atitudes e valores para formação do sujeito que se

reconhece diverso e orgulhoso em assumir suas origens étnico-raciais. Nesse aspecto,

corroboramos com o Pereira e Cordeiro (2014, p. 13) quando afirmam que:

Para se combater o racismo se faz necessário ressignificar os conteúdos das

diversas áreas do conhecimento, incluindo a matriz africana na constituição

do currículo, pois, por meio da educação, os sujeitos passam a reconhecer

sua identidade e reivindicar sua posição socioeconômica, política e cultural

negada durante esses longos anos de história brasileira.

As políticas de reparação devem oferecer ao aluno afro-brasileiro, possibilidades que

resultem na sua permanência e sucesso no ambiente escolar, o acesso à formação intelectual,

concluindo cada etapa de ensino com êxito sob condição de igualdade nas conquistas, e

direitos em todas as áreas permitindo seu crescimento enquanto ser humano e profissional.

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Precisam promover sua representatividade através da valorização cultural, histórica e modos

de vida. Garantindo, assim, o sucesso educacional, profissional e social.

Ao abordar o reconhecimento à cultura de matrizes africanas, delegam-se diversas

maneiras de reconhecimento, ao mesmo tempo em que originam mudanças de atitudes,

pensamentos, concepções e formas de ver o outro, mais especificamente o afro-brasileiro.

De acordo com Silva (2007, p. 490):

O processo de educar as relações entre pessoas de diferentes grupos étnico-

raciais tem início com mudanças no modo de se dirigirem umas às outras, a

fim de que desde logo se rompam com sentimentos de inferioridade e

superioridade, se desconsiderem julgamentos fundamentados em

preconceitos, deixem de se aceitar posições hierárquicas forjadas em

desigualdades raciais e sociais.

Devemos além de reconhecer a história da cultura afro-brasileira, aplicar esse

reconhecer no cotidiano de forma natural, e globalizada. Reconhecer o direito à igualdade

social, cultural, econômica, política e histórica. Reconhecer os valores históricos culturais

imbricados nas lutas pela permanência e em defesa da sobrevivência das suas raízes culturais,

na construção histórica da sociedade brasileira.

O reconhecimento perpassa pela valorização das características físicas. Significa o

aluno não ser rejeitado pela religião que professa, pela cor da sua pele, pelo seu cabelo, enfim:

Reconhecimento implica justiça, e igualdade de direitos sociais, civis,

culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que

distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira.

E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas,

modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua

história e cultura apresentadas, buscando-se especificamente descontruir o

mito da democracia racial na sociedade brasileira: mito este que difunde a

crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não

negros, é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as

desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos

para os negros. (BRASIL, 2004, p.11-12).

O documento deixa clara a condição autônoma das instituições de ensino na sua

elaboração curricular no fazer do cumprimento à lei. Para tanto, apresenta propostas de

conteúdos que podem ser absorvidas pelo currículo escolar, adaptando-as às particularidades

de cada instituição, sem deixar os aspectos fundantes que, baseados na garantia de direitos de

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aprendizagem de forma igualitária a todos, forma cidadão atuantes, promotores de mudanças

a partir das relações sociais que estabelecem.

Para tanto, propõe ações a partir das bases curriculares educacionais que tomam como

princípios norteadores: a conscientização política e histórica da diversidade; o

reconhecimento e valorização identitária e o combate ao racismo e discriminações. Para o

alcance dos princípios elencados, o documento revela determinações que devem guiar o

processo de construção curricular da instituição educacional, pontuando os aspectos que

podem ser abordados em cada instância.

Apesar das DCNERER (BRASIL, 2004), direcionarem com maestria a aplicabilidade

da lei 10.639/2003 esta, não aconteceu de forma imediata em alguns estados, em especial no

Rio Grande do Norte, pois houve obstáculos a ser superados, tais como: fragilidade na

formação de professores no que se refere à temática; além da participação efetiva das

secretarias estaduais e municipais de educação juntos às escolas. No intuito de nos

informarmos sobre o processo adotado pela Escola Estadual Potiguassu para a inclusão das

determinações das DCNERER (2014) no currículo escolar, fizemos o seguinte

questionamento à professora:

Pesquisadora: Após a Lei tivemos as Diretrizes Curriculares Nacionais, que

implementam a Lei 10.639/2003. Você teve conhecimento dessas

Diretrizes?

Professora: Não participei de nenhum curso que me trouxesse. Porque as

Diretrizes a gente trabalha mais quando estamos fazendo um curso de pós-

graduação, de graduação, né? Trabalhamos mais as diretrizes, aí. E outros

cursos que eu fiz as diretrizes ultimamente eu não tenho estudado ela não,

viu, sinceramente. (MARCELINA, 2016).

Diante da colocação da professora, identificamos nitidamente seu desconhecimento do

significado de “diretrizes”, fato que colaborou para que também sua resposta não

correspondesse ao esperado acerca do que entenderia sobre as DCNERER (2004). De acordo

com Pereira e Cordeiro (2014, p.14):

Muito embora, processos de formação continuada foram e continuam

desencadeados para atender aos profissionais em serviço, porém poucos se

interessam pelos programas de extensão, cursos de especialização ofertados

pelas universidades com o intuito de preencher essa lacuna da formação

inicial e contemplar princípios contidos nas Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de

História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

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Para alcançar o reconhecimento é preciso que se promova a ressignificação

educacional, representado pela prática pedagógica, no trato com a valorização étnico-racial,

no combate às desigualdades tão presentes ainda no âmbito escolar. Exige dos

estabelecimentos educacionais posturas condizentes com uma educação voltada para a

igualdade ao mesmo tempo em que esteja preparado a coibir expressões excludentes e

discriminatórias no ambiente escolar.

Logo, para a superação dos preconceitos, das discriminações, do

reconhecimento da identidade e até mesmo da formação autônoma e

reflexiva de educador e educadora é preciso conhecer e compreender as

matrizes históricas afro-brasileiras e africanas contribuintes de uma

diversidade social e racial da sociedade brasileira nos seus aspectos

socioeconômicos e culturais. (PEREIRA E CORDEIRO, 2014, p. 15).

Nesse aspecto, reconhecer é sustentado pela tríade: ambiente escolar, formação

docente e prática pedagógica. Pois a escola deve criar condições para que os estudantes afro-

brasileiros sintam-se contemplados em sua totalidade educacional, livres de qualquer atitude

de preconceito e discriminação. Que os docentes nas suas práticas pedagógicas, revelem ações

de respeito à diversidade e assim possa colaborar com a formação do sujeito na construção de

posturas e atitudes que revelem a rejeição ao preconceito e discriminação. Porém

corroboramos com Silva e Souza ( 2008, p.171) ao relatar que:

Tem-se, ainda hoje, uma sociedade extremamente preconceituosa e

discriminadora, que encontra na escola um dos maiores disseminadores

dessas atitudes, sendo as populações negras e indígenas as mais atingidas e

grandemente prejudicadas nesse processo, amplamente respaldado por

currículos e projetos pedagógicos que mascaram situações que fazem parte

integrante do dia-a-dia da sociedade e, por conseguinte, da escola.

O sucesso das políticas públicas promovidas pelo Estado só será possível diante da

valorização de cada segmento que compõem a educação, alunos e professores, além da

participação efetiva dos movimentos sociais, Estado e processos educativos escolares, na

promoção da (re) construção do pensamento na educação para a diversidade étnico-racial.

Segundo as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no

ano de 2010 o Brasil apresentou 191 milhões de habitantes, dentre estes, 15 milhões (7,6 %)

declaram-se pretos e 82 milhões (43,1%) declaram-se pardos, totalizando 97 milhões (50,7%)

de habitantes que não se declararam brancos, superando os índices dos nos 2000.

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53,7

6,2

38,5

4,5

47,7

7,6

43,1

2,8

0

10

20

30

40

50

60

brancos pretos pardos Categoria 4

Distribuição da população residente, segundo a cor ou raça

Brasil 2000/2010

%

2000 2010

Fonte: IBGE, Censo demográfico 2000/2010.

De acordo com o IBGE (2010) aproximadamente 45% da população brasileira é

negra, no entanto, esse fato não impede a desvalorização da população afro-brasileira em

detrimento da supervalorização da cultura “branca”, desqualificando e ignorando as

características das outras culturas brasileiras. Nesse aspecto, Silva e Souza (2008, p.171)

revela que:

O predomínio de uma cultura europocêntrica, branca e urbanizada,

transplantada com a colonização ibérica por mais de três séculos, fez com

que as outras manifestações ficassem marginalizadas. Ao longo da história,

o Brasil passou por várias ondas de nacionalismo exacerbado que criaram

determinados mitos, tais como o da “democracia racial”, e essas falsas

verdades também se fizeram repercutir na educação.

O povo de origem afro – brasileira tem convivido com a negação dos seus princípios e

legados históricos, para que sejam aceitos pela sociedade pautada no eurocentrismo. Negando

a si mesmo, suas características, enfim, as tradições do seu povo.

Com base no exposto, um dos pontos abordados e essenciais nas DNCERER, (2004), é

o trabalho com a identidade cultural, nesse aspecto:

Entre os negros poderão oferecer conhecimento e segurança para

orgulharem-se de sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que

identifiquem influências, a contribuição, a participação e a importância

história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar

com as pessoas, notadamente as negras. (BRASIL, 2004, p. 16).

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Diante de uma sociedade que sustenta o mito da democracia racial, os objetivos em

desenvolver o estudo sobre a história e cultura africana e afro-brasileira não se limita ao povo

afro-brasileiro, para o alcance do fortalecimento e conhecimento da sua cultura, a construção

desse conhecimento conduz por caminhos que possam fortalecer-se e orgulharem-se de suas

raízes. O direcionamento que deve ser tomado na formação do sujeito independentemente da

sua etnia, remete ao principal legado da educação para as relações étnico-raciais, educar para

a diversidade, ou seja, primar pela igualdade racial, sendo o objetivo mudar o centro do

etnocentrismo para multiculturalismo. Nesse aspecto, nos sustentam as ideias de Azevedo

(2010b, p. 156) quando afirma que:

Essa perspectiva multicultural viabiliza uma tomada de consciência da

contemporaneidade cultural de grupos como os afro-brasileiros, na medida

em que conteúdos e saberes próprios e relativos à pluralidade cultural

brasileira terão lugar nas atividades escolares. É impossível para o indivíduo

compreender seu tempo, se ignora todo o seu passado. Assim, para ser uma

pessoa contemporânea, além de conhecer o presente, é necessário também

ter consciência das suas heranças.

Partimos do principio de que a formação educacional é historicamente pautada no

eurocentrismo logo, os referenciais formativos orientadores da formação social, é

eurocêntrica. Seguindo esse pensamento, pessoas afrodescendentes, tem acesso a formação

pelas lentes da cultura dominante, portanto, desconhecem a essência das suas raízes histórias,

contribuições, organização social.

Nesse aspecto as Diretrizes propõem princípios organizados por temas, que devem

orientar a abordagem da temática pelas instituições escolares e docentes. Inicialmente são

apresentadas diretrizes no âmbito da consciência política e histórica da sociedade, que revela

como fio condutor o reconhecimento da diversidade étnico-racial na formação social,

primando pela igualdade de valorização entre elas.

Nesse sentido o documento aponta várias determinações para o ensino da história e

cultura afro-brasileira e africana, inclusive nas sugestões de conteúdos que são apresentados

explicitamente e devem ser contemplados na elaboração curricular da escola de acordo com a

realidade de cada público escolar, sendo inseridos nas disciplinas: Educação Artística,

Literatura e História do Brasil, não deixando de abarcar a interdisciplinaridade no currículo.

A abordagem da história da África deve primar pelas vias da positividade,

contrapondo-se ao anteriormente postulado nos currículos escolares do ensino de História, em

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111

que eram abordados apenas os aspectos relativos à escravidão. Integram-se ao currículo as

histórias de ancestralidade e religiosidade africana.

Por fim, o documento apresenta os esforços que devem ser depreendidos pelos

profissionais da educação e entidades mantenedoras na busca pela implementação das

Diretrizes, sendo de responsabilidade das instituições governamentais orientar, promover, e

supervisionar sua aplicabilidade, inclusive no tocante a formação do professor.

Com base na Lei 10.639/2003, é publicado o documento Orientações e Ações para a

Educação das Relações Étnico-raciais (OAERER), resultante dos estudos realizados por

diversos profissionais da educação organizados em grupos de trabalhos constituídos em

Salvador-BA, Florianópolis-SC e Brasília-DF.

O documento por hora analisado defende a educação escolarizada como instrumento

significativo dessas mudanças. O papel da escola é promover a igualdade racial, intelectual e

emocional. Porém ainda em desenvolvimento a passos lentos na promoção da igualdade, não

raro depararmos com situações de preconceitos e discriminações preconizadas no ambiente

escolar e seus atores, consciente ou inconscientemente, na maioria das vezes ignoradas.

O silêncio da escola sobre as dinâmicas das relações raciais tem permitido

que seja transmitida aos(as) alunos(as) pretensa superioridade branca, sem

que haja questionamento desse problema por parte dos profissionais da

educação e envolvendo o cotidiano escolar em práticas prejudiciais ao grupo

negro. (BRASIL, 2006, p. 21).

Como negação à situação, é necessária a promoção de uma educação voltada para o

respeito à diversidade, o reconhecimento e valorização das diferenças. Elementos que já se

encontram elencados nos documentos anteriores desde os PCN/1996. Porém, não basta a

elaboração de políticas públicas, se estas não atingirem seu foco principal: a escola. É preciso

sua implementação para o início da transformação pela educação.

As Orientações curriculares apresentam propostas didático-pedagógicas em relação à

temática educação para as relações étnico-raciais por nível de escolaridade, sendo estes:

Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos,

Licenciaturas e Educação Quilombola. Focalizaremos nossas observações no que concerne ao

Ensino Fundamental, segmento de análise da pesquisa.

O objetivo maior do documento é promover ações que subsidiem o trabalho dos

agentes da educação na construção de uma prática pedagógica anti-racista e igualitária.

Inicialmente faz-necessário definir a concepção de escola e educação para que haja efetivação

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significativa de um ambiente pautado na valorização reconhecimento da diversidade, ao

mesmo tempo em que busca interligar o que está exposto na escrita à ação efetiva. A

concepção de educação perpassa pela formação cidadã através do respeito à diversidade e

“peculiaridades da população brasileira em questão, que respeite e observe o repertório

cultural da população negra e o relacione com práticas educativas inclusivas existentes.”

(BRASIL, 2006, p.54).

Nesse aspecto, a escola deve configurar-se como um ambiente prazeroso e acolhedor,

promotor de interações. Tal configuração só é possível, frente um currículo escolar que

defenda como objetivo a formação do sujeito cidadão atuante na sociedade, conhecedor dos

seus direitos e deveres. Embasados pela participação efetiva do professor diante da

estruturação curricular, que seleciona e organiza temas que desenvolvam tais aspectos,

mediados pela prática pedagógica.

O processo teórico-metodológico no plano do combate ao racismo é conduzido pelas

vias da valorização e reconhecimento das matrizes africanas. Na busca da equidade da cultura

afro-brasileira faz-se necessária a reconstituição histórica da cultura africana, através das

lentes das contribuições e aspectos positivos. Caso contrário, as marcas pejorativas delegadas

aos afro-brasileiros tendem a se reproduzir e perpetuar como únicas representações da cultura

africana, “A sociedade democrática brasileira ainda tende de forma bastante sistemática a

colocar/situar negros e negras num lugar desigual ante os demais grupos étnico-raciais e

construtores da nossa brasilidade.” (BRASIL, 2006, p. 58).

Ao definir os aspectos educacionais que conduzirão o processo de ensino

aprendizagem, deve-se prioritariamente perceber o discente, suas características, o que pensa,

suas concepções de mundo, enfim, defini-lo como um sujeito único com pensamentos e

formas de ser e estar no mundo singulares. São seres humanos que precisam ser vistos e

respeitados pela instituição escolar.

Esta postura poderá significar avanços consideráveis no aprimoramento da

prática pedagógica diária, integrar saberes, incluir a dimensão da diversidade

étnico-cultural criticamente no cotidiano escolar, dentre outras ações, pode

criar possibilidades onde felicidades individuais e coletivas sejam

construídos. (BRASIL, 2006, p. 62).

O que se espera, no entanto, é uma revisão educacional, pautada no respeito à

diversidade e ao reconhecimento e valorização da cultura afro-brasileira de forma igualitária.

Nesse processo, o professor desempenha a função de promotor e mediador das

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ressignificações das concepções do senso comum, elaboradas pelos alunos. Porém, a primeira

ressignificação deve ser protagonizada pelos docentes, pois diante das suas concepções, e

referencias educacionais é que se define o processo de continuidade ou de renovação. De

acordo com o documento OAERER(2006):

Se o educador se constituir como produtor consciente de conhecimento,

pesquisador de sua própria prática, sua própria ação educativa de saberes a

este respeito, isto pode se tornar altamente transformador. E é de suma

importância que o professor se veja como produtor de história, de

conhecimento de ações que podem transformar vida, ou seja, que é

potencialmente um indivíduo transformador, criativo. (BRASIL, 2006, p.

64).

Percebemos que as ações docentes são determinantes no processo de

implementação do novo paradigma educacional, pautado na diversidade étnico-racial.

Entendemos que a formação docente é pungente e urgente para sua efetivação para que novos

conceitos devam ser formulados e explicitados. Tem-se o currículo como orientador das ações

elaborado com base na realidade sociocultural da localidade em que será aplicado, assim

como deve representar a todos a quem se dirige, sem distinção. Para tanto, devemos superar o

ensino eurocêntrico e sustentar nas bases pluriétnicas na valorização e da diversidade em

repúdio ao preconceito e discriminação. Porém, para sua real efetivação, a prática docente

deve corresponder de forma integrada aos objetivos elencados pelo currículo ou se

transformariam em ações descontextualizadas.

Nessa perspectiva as OAERER, (BRASIL, 2006) apresentam pontos reflexivos que

devem ser contemplados para o trato pedagógico promotor da diversidade racial. E, ao final,

atividades práticas de acordo com cada segmento. O ensino Fundamental, as sugestões são

flexíveis e adaptam-se aos anos iniciais e finais. Os temas são: influência africana na língua

portuguesa; música, literatura e diversidade étnico-racial; trajetórias do povo negro no espaço;

arte e matemática; histórico da comunidade; arte e cultura negras. Além de indicações de

vídeos, filmes, musicas, jogos e obras de arte e história.

No segundo momento, o PNIDCNER (BRASIL, 2009) aponta as atribuições e

responsabilidade dos sistemas de ensino federal, estadual e municipal na implementação das

determinações das Leis 10.639/03 e 11.645/08.

É atribuição do Sistema de Ensino da Educação Brasileira: incorporar os conteúdos

previstos nas DCNERER (BRASIL, 2004) em todas as etapas e níveis da educação assim

como na revisão do Plano Nacional de Educação atual e conseguintes; fomentar a formação

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inicial e continuada dos profissionais de educação e a produção de materiais didáticos e

paradidáticos que atendam ao disposto na DCNERER(BRASIL, 2004), realizar avaliação

diagnóstica acerca da aplicabilidade das Leis 10.639/03 e 11.645/08 na Educação Básica;

incentivar pesquisas no âmbito da temática.

O Governo Federal é responsável pela articulação com os sistemas de educação a

partir do PNE , auxílio financeiro e assistência técnica aos estados na implementação das Leis

10.639/03 e 11.645/08, em estabelecer em colaboração com os estados e municípios as

competências que nortearão a elaboração curricular na Educação Infantil, Ensino

Fundamental e Ensino Médio. Além de normatizar os cursos de graduação e pós–graduação.

Este Plano deve ser compreendido como uma proposta estruturante para a

implementação da temática, do ponto de vista do sistema federal, na

sensibilização e informação dos ajustes e procedimentos necessários por

parte das instituições de ensino superior públicas e particulares devidamente

autorizadas pelo Ministério da Educação ou, quando for o caso pelo

Conselho Nacional de Educação” (BRASIL, 2009, p. 33).

Aos governos estaduais e municipais em consonância com as atribuições do governo

Federal, compete apoiar as escolas na implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08;

orientar as equipes das Secretarias de Educação acerca da implementação das referidas Leis;

promover formação continuada docente com a participação de órgãos que dominem a

temática; distribuir aos materiais didáticos e paradidáticos com vistas a valorização étnico-

racial; realizar monitoramentos nas escolas sobre a implementação das Leis 10.639/03 e

11.645/08; constituir na secretaria equipe técnica que oriente assuntos relacionados a

diversidade étnico-racial; participar de Fóruns de Educação e diversidade étnico-raciais;

Com base nas orientações dos sistemas governamentais federal, estadual e municipal,

as escolas elaboram seu Projeto Político Pedagógico com a participação da comunidade

escolar, elaborando o currículo com vistas à implantação ao que diz as Leis 10.639/03 e

11.645/08; estimular a formação continuada e estudos acerca da educação das relações étnico-

raciais e história e cultura africana e afro-brasileira; solicitar aos órgãos mantenedores da

instituição materiais didáticos e paradidáticos para o ensino da temática; identificar e coibir

através de medidas socioeducativas ações de racismo e preconceitos no ambiente escolar.

As orientações respondem às necessidades de implementação das relações étnico-

raciais no currículo escolar, porém, tais proposições esbarram no muro das oportunidades e

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das ações concretas. A construção curricular da escola deve responder a um modelo de sujeito

construído de acordo com as mudanças e necessidades socioculturais, políticas e econômicas,

elementos nem sempre seguidos pelas concepções dos educadores. Partimos do princípio de

que para haver um novo enfoque educacional voltado para o reconhecimento e valorização da

diversidade, com destaque para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, com

abordagem positiva, a qual é definida pela Lei 10.639/03 e as DCNERER(2004), é necessária

a reestruturação do pensamento e da prática pedagógica. Tais mudanças terão sua efetivação

diante de ações que promovam de forma concreta, diante do acompanhamento didático-

pedagógico intencional. Não raro, percebemos Projetos Político Pedagógicos estruturalmente

bem elaborados, mas, que de fato não orientam as ações pedagógicas, ocupam apenas o

espaço de resposta a uma obrigatoriedade.

Sobre as atribuições do Ensino Fundamental, segundo o documento:

No Ensino Fundamental, o ato de educar implica uma estreita relação entre

as crianças, adolescentes e os adultos. Esta relação esta pautada em

tratamentos igualitários, considerando a singularidade de cada sujeito em

suas dimensões culturais, familiares e sociais. Nesse sentido, a educação das

relações étnico-raciais deve ser um dos elementos estruturantes do projeto

político pedagógico das escolas. (BRASIL, 2009, p. 41-42).

O Ensino Fundamental deve promover suas ações em consonância com as

proposições elencadas pela instituição mantenedora, tendo como ponto de referência o Plano

Municipal de Educação. É responsabilidade desse órgão, assegurar a formação inicial e

continuada do docente para a incorporação dos conceitos, concepções e conteúdos do ensino

de história e cultura afro-brasileira e africana; promover participação democrática de todos da

comunidade escolar na elaboração do PPP, inclusive dos pais dos alunos, na discussão sobre a

temática étnico-racial; abordar a temática como conteúdo interdisciplinar e multidisciplinar

em todo o ano letivo;

As proposições elencadas por todos os documentos analisados neste capítulo

representaram o começo de uma longa trajetória de desconstrução e reconstrução dos

pensamentos deturpados da cultura afro-brasileira e africana, há muito instaurada na

sociedade brasileira. As ações aqui discutidas terão legitimidade no momento em que forem

verdadeiramente absorvidas e apropriadas pelas instituições e seus multiplicadores

educacionais.

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O ambiente escolar é um dos vários contextos interacionistas do sujeito. Sua relação

vai além de comunidade educacional. Isso nos leva a inferir que as políticas públicas de

afirmação direcionadas às instituições escolares devem abranger a todos que as fazem. Estes

devem ser diretamente atingidos pelas proposições do combate ao racismo e ao preconceito.

Partimos do princípio apontado na Constituição, de que a educação é dever do Estado, da

Família e da escola. O Estado está se organizando para mudança de paradigma educacional

pautada na valorização, respeito e reconhecimento da diversidade, a escola segue os principio

que estão elencados pelas instituições governamentais, e a família? O trabalho de

conscientização para as relações étnico-raciais e destruição do mito da igualdade racial, deve

ser estendido à família do aluno, dessa forma estaremos promovendo uma educação para a

formação plena do sujeito.

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3. MUKUA:

O FRUTO DA RESISTÊNCIA AFRO-BRASILEIRA

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3. MUKUA: O FRUTO DA ÁRVORE DA VIDA

O título deste capítulo estabelece uma relação de similaridade com o Mukua, fruto

originado do Baobá. Este, na sua composição, oferece valor nutricional rico e completo, todos

os elementos que o compõe são aproveitados para alimentação. As características aqui

elencadas nos reportam a pensar na aplicabilidade da Lei 10.639/2003 como o fruto da

resistência afro-brasileira, em que todos os seus aspectos são destinados à alimentação dos

valores humanos e práticas de convivência em sociedade que devem ser sustentadas pelo

respeito e valorização da história e cultura afro-brasileira e africana.

Outro aspecto importante na utilização do mukua está na medicina, mais precisamente

para a cura de diversas doenças, principalmente as que apresentam dores e marcas no corpo

como sintomas. Diante do exposto, percebemos as dores e as marcas provocadas pela “doença

social”, há séculos viralizadas pela sociedade eurocêntrica sobre povos de matrizes africanas,

como sintomas do racismo, preconceito, desigualdade e discriminação social. Como

“profilaxia e combate aos sintomas”, apontamos a escola, vista por esse estudo como

provedora da “cura dessa doença social”. Através da sua manipulação com a educação para as

relações étnico-raciais, pode promover o combate e a transmissão desta “doença

degenerativa”, se conduzida por práticas pedagógicas que revelem a educação pelas vias da

multietnicidade.

Nesse capítulo, buscamos uma reflexão no que concerne à função da escola na

educação para as relações étnico-raciais e como esta relação acontece na Escola Estadual

Potiguassu. Vislumbramos a Escola como espaço de construção da cidadania, de valores,

conceitos, onde o sujeito é formado respeitando as individualidades dentro de um contexto

pluriétnico, fatores que analisamos através das triangulações dos dados construídos através

das técnicas de investigação promovidas pela pesquisa etnográfica.

3.1 O CULTIVO DA SABEDORIA MILENAR: A ESCOLA ESTADUAL POTIGUASSU E

AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

A escola desempenha um papel fundamental no processo de formação do ser humano

plural e diverso, através dela é possível desenvolver ações que resultem no respeito à

diversidade, resgatando valores essenciais para a vida em sociedade. Tem como desafio

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apresentar-se como ambiente favorável ao reconhecimento e valorização das múltiplas etnias,

representar e refletir seus aspectos ideológicos, sociais e culturais.

Nesse aspecto deve propiciar a interação entre os diferentes sujeitos de diferentes

etnias para que, dessa forma, possam refletir sobre suas origens e processo histórico social.

Além de configura-se como ambiente responsável pela formação identitária dos indivíduos

conscientes de suas potencialidades. Nesse contexto, Gadotti (2011, p. 2) afirma que:

A diversidade cultural é a riqueza da humanidade. Para cumprir sua tarefa

humanista, a escola precisa mostrar aos alunos que existem outras culturas

além da sua. (...) para isso, é preciso trabalhar com as diferenças, isto é, é

preciso conhecê-las, mas não camuflá-las, é aceitar que para me conhecer

preciso conhecer o outro.

Esperamos da instituição de ensino compromisso com todos que fazem a comunidade

escolar, desde a formação dos professores à formação dos cidadãos para atuarem em uma

sociedade multicultural que reconhece e respeita suas bases étnico-raciais, que percebe o

indivíduo em formação como integrante e sujeito transformador, detentor de concepções de

mundo próprias e particulares, construída com base nas relações diversas que estabelece com

o outro.

A revisão dos currículos, a construção de uma relação ética e respeitosa entre

professores/as e aluno/as, o entendimento do/a aluno/a como sujeito

sociocultural e não somente como sujeito cognitivo, a compreensão de que

os sujeitos presentes na escola vêm de diferentes contextos socioculturais e

possuem distintas visões de mundo são princípios de uma educação cidadã.

O reconhecimento de que esses cidadãos são homens e mulheres que

pertencem a uma nação cuja composição é diversa e a consideração de que

tal pertinência imprime marcas na construção da sua identidade racial são

princípios de uma educação cidadã que considera e inclui a questão racial.

(GOMES, 2001, p. 90).

Nesse sentido a escola se configura como espaço de construção da cidadania, de

valores, conceitos, enfim, onde o sujeito é formado respeitando suas individualidades dentro

de um contexto social. “Uma sociedade multicultural deve educar o ser humano

multicultural, capaz de ouvir, de prestar atenção ao diferente, respeitá-lo.” (GADOTTI, 2011,

p. 41).

No entanto, alguns espaços escolares apresentam-se como promotores de ações

discriminatórias e de inferiorização dos alunos de origem afro-brasileira. Em decorrência

desses fatores, presenciamos altos índices de evasão escolar e repetência. A escola,

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surpreendentemente, desempenha um papel fundamental nesse processo, apesar das formas de

racismos, discriminações e preconceitos não terem sua origem nos estabelecimentos de

ensino, os conceitos e preconceitos construídos nas relações sociais fora da escola têm suas

manifestações nesse ambiente. Segundo Fernandes (2005, p. 381),

Pesquisas já realizadas pela Fundação Carlos Chagas (1987) têm

demonstrado o quanto nossa escola ainda não aprendeu a conviver com as

diversidade cultural e a lidar com crianças e adolescentes dos setores

subalternos da sociedade. Os dados revelam que a criança negra apresenta

índices de evasão e repetência maiores do que os apresentados pelas brancas.

A razão disso tudo, segundo a pesquisa, era devido aos seguintes fatores:

conteúdo eurocêntrico do currículo escolar e dos livros didáticos e

programas educativos, aliados ao comportamento diferenciado do corpo

docente das escolas de criança negra e brancas.

Nesse sentido, ao nos referirmos à Escola Estadual Potiguassu (EEP), tomamos como

referência o PPP, que assim como posto na citação acima, declara como um dos objetivos

educacionais a redução da evasão e repetência. Para tanto, a escola deve avaliar as condições

pedagógicas, políticas e psicopedagógicas que disponibiliza aos seus alunos na promoção de

uma educação para a diversidade étnico-racial, em que todos os alunos sintam-se

representados e valorizados.

Aspectos do cotidiano escolar como currículo, material didático e relações

interpessoais são hostis e limitadores de aprendizagem para os(as) alunos(as)

negros(as). Nesses espaços, as ocorrências de tratamentos diferenciados

podem conduzir, direta ou indiretamente, à exclusão deles(as) da escola, ou

ainda, para os(as) que lá permanecem, à construção de um sentimento de

inadequadação ao sistema escolar e inferioridade racial.(CAVALLEIRO,

2005, p. 69).

Em relação ao ambiente escolar da EEP, alguns aspectos chamam a nossa atenção e

merecem registro, uma vez que nos suscita reflexões sobre a presença e o respeito à

pluralidade étnico-racial.

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Ao observarmos a ornamentação da Escola, percebemos que entre todas as imagens que

representam os alunos, não encontramos representação aos alunos de descendência afro-brasileira.

Destacamos as imagens utilizadas para ornamentação de um evento bimestral, intitulado “Aluno

nota 10”, este, aguardado ansiosamente, pois será premiado o aluno de maior destaque no bimestre

vigente que será sendo laureado diante da escola com o recebimento de um certificado, um brinde e

sua foto no mural da escola. O painel representativo desse momento apresenta duas crianças, um

menino e uma menina de peles brancas. Tendo em vista que a maioria dos alunos apresentam

características físicas afrodescendentes. (Diário de campo, 09/12/2016 )

Diante do exposto, entendemos que os alunos já não se veem contemplados e ao

mesmo tempo podem sentir-se desacreditados nas suas potencialidades cognitivas. Pois ao

fazermos referência ao Projeto “Aluno nota 10” e as figuras que o representa, nos permitimos

considerar que nesses momentos os alunos que não se enquadram nas categorias

simbolizadas, não poderão usufruir das mesmas oportunidades. Percebemos que a

ornamentação não é intencional, provocativa no sentido de revelar exclusões, no entanto, essa

imagem permite tal interpretação. De acordo com Pereira e Cordeiro (2014, p. 11):

Para tanto, refletir e debater diversidade étnico-racial no bojo do currículo

escolar é, de alguma forma, possibilitar a ressignificação da identidade, da

autoimagem e autoestima, do prestígio social e histórico dos estudantes

negros (pretos e pardos). É papel da escola por meio do currículo contribuir

para essa tarefa.

Essas representações, aos olhos da equipe escolar e do educador, podem não

representar aspectos determinantes para o desenvolvimento do aluno, porém o que não

percebem é que tais atitudes corroboram para que fique subentendido que apenas as crianças

brancas, podem alcançar o sucesso. Apesar das premissas educacionais da Escola, buscarem a

implementação de aspectos multiculturais, ou seja, respeitar e valorizar a diversidade cultural,

continua nas amarras da reprodução de uma educação monocultural. De acordo com Silva

(2007, p. 48) “Considerar a cultura de origem dos alunos/as consiste em acreditar na

capacidade do/a aluno/a, favorecer seu desempenho escolar a através da valorização da sua

cultura e estabelecer o diálogo com a cultura considerada erudita, transmitida pela escola.”

Para que de fato seja efetivada ações que levem em consideração a diversidade cultural dos

alunos, é imprescindível um currículo escolar igualmente diverso, multicultural. E ao mesmo

tempo, é imprescindível que sua efetivação seja reconhecida através das práticas pedagógicas.

Como destaca Gomes (2001, p. 90):

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Sem dúvida, a existência de princípios democráticos e igualitários na lei

representa um avanço social e político e estes devem ser reconhecidos por

todos/as os/as educadores/as. Mas, a existência do texto legal só se

transformará em direito para toda comunidade escolar à medida que a escola

construir, no seu interior, práticas concretas e inclusivas que não

discriminem nem excluam nenhum grupo social, étnico ou religioso,

principalmente os que já trazem consigo um histórico de exclusão e

discriminação como o povo negro. (GOMES, 2001, p. 90).

A mola propulsora para a abordagem efetiva da educação para as relações étnico-

raciais nas escolas está na concepção de educação da qual se apropria. Esta apropriação é

refletida nas orientações curriculares adotadas e reveladas no PPP. Como já postulado no

capítulo anterior, a proposta deve representar e responder ao contexto social, cultural e

histórico na qual será desenvolvida. Para compreender o universo do aluno, é necessário

compreender o universo ao qual pertence, ou seja, as tradições, costumes, relações pessoais

valores, crenças as quais tem seu desenvolvimento sustentado, sendo estes diferentes entre os

indivíduos e que podem, não corresponder com os defendidos pela escola.

Diante disso, pedimos a Professora da Escola que nos esclarecesse o que a Escola

pensa diante da formação do sujeito:

Pesquisadora: Que tipo de sujeito você acha que a escola deveria formar?

Professora: Em primeiro lugar fazer com que eles tenham, uma expectativa

que podem conseguir, batalhando, estudando para valer, não desistindo, não

se deixando levar pelo grupo social onde eles vivem. Não tô querendo dizer

em família porque nem todas as famílias tem a violência, nem todos estão

envolvidos com a violência. Mas, eles terem, um objetivo, uma meta,

traçada. Eu sempre os oriento a traçarem metas, eu quero, eu posso. E, vai

ser difícil? Vai. Mas, eles vão chegar lá. Porque outro dia, não sei se você já

estava aqui, que teve um aluno, que ele. Eu estava nessa, olha tudo que nós

queremos, se traçarmos uma meta, e batalharmos por aquilo, nós vamos

conseguir. E eu tenho o início disso aí, pra vocês é o estudo. Que agora

parece até não significar nada, mas, futuramente você vai alcançar seus

objetivos. Então,o menino falou assim: eu quero um iate. E eu falei pra ele,

você pode, você não deixe de estudar. Você vai ter que estudar muito, mas,

vai. Porque um iate num vai sair barato, então, você vai ter que estudar o

máximo que você puder, não desista! Você quer isso? Trace a meta e estude

que você vai conseguir um emprego com um salário que é justo, vai dar para

você atingir essa meta. Talvez assim, eu não quis dizer assim, eu não quis

dizer: não, não vai conseguir. A gente sabe que um iate, também é uma coisa

muito... e não é tão necessário, mas, um barco bom, ele vai conseguir. [risos]

(MARCELINA, 2016).

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A partir da fala da professora Marcelina, entendemos que o processo de educação é

vislumbrado pelas lentes da promoção econômica, voltada para formação do sujeito para o

mercado de trabalho. Nesse aspecto, partimos do principio de que o processo formativo

educacional acontece principalmente pelas bases do reconhecimento enquanto como cidadão

crítico reflexivo conhecedor dos seus direitos e deveres, capaz de opinar e tomar decisões a

partir das suas próprias concepções. Como nos dizem Pereira e Cordeiro (2014, p. 17) sobre

constituir-se como sujeito esclarecido e posicionar-se diante da sociedade: “Possibilitar ao

cidadão o esclarecimento é oferecer nada menos ou nada mais de que a condição da liberdade,

criando a possibilidade de reconhecer os fenômenos que o rodeiam e, a partir daí, refletir e, se

possível, interferir e transformar o processo histórico no qual vive”. Estamos nos referindo a

educação plena do sujeito, para a convivência em sociedade e na diversidade. Os aspectos

levantados na concepção de educação que pontua como sendo da Escola deixam a desejar os

aspectos cognitivos, sociais e culturais do aluno. Tendo em vista que na sua resposta ficou

implícito o real objetivo da escola.

Nesse sentido, a professora Marcelina relata incentivar seus alunos com o intuito de

“não se deixar levar pelo grupo social onde eles vivem” (MARCELINA, 2016). A conotação

que atribui a esta observação, é a de que o grupo social do aluno apresenta, em aspectos

gerais, negativos, deixa subentender que não se trata de ambiente favorável ao

desenvolvimento da criança. Porém, temos a compreensão que o grupo social refere-se “ao

meio sociocultural que nos dá bases para a nossa inserção no mundo. Ele é o lugar das nossas

as tradições, dos costumes, dos valores, das crenças que, na maioria das vezes, se chocam

com os valores da escola” (GOMES, 2001, p. 91). É a partir desse grupo social que o aluno

constrói sua concepção de mundo. Sua identidade é resultado de como esse grupo o ver e

como ele (o aluno) se ver neste grupo. Com a inserção a esse universo, o docente cria

condições de compreender as ações e reações dos seus alunos, o que proporciona ferramentas

para que possa, junto a esses eles, refletir e (re)construir o seu “estar no mundo e com o

mundo”. Tendo em vista que o objetivo da professora é instrumentaliza-los para que possam

atuar positivamente na sociedade em que vivem.

A concepção postulada pela professora Marcelina sobre a sociedade que construiu dos

seus alunos surge com base na imagem que formulou destes, nesse aspecto, identificamos

uma fragilidade pungente em relação às orientações a sua prática pedagógica. Esse

pensamento é maior evidenciado ao analisarmos sua resposta ao questionamento: Quem são

os alunos do 5º ano da Escola Estadual Potiguassu? O que diz a Profa. Marcelina sobre eles?

Em entrevista, quando questionada, a docente respondeu da seguinte forma:

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Pesquisadora: Como você caracteriza a turma da Escola Potiguassu?

Professora: Eu vejo minha turma como crianças carentes que vem de baixa

renda. Crianças que muitas vezes os pais, trabalham e que ficam aos

cuidados de alguém, até as vezes eles mesmo tem que ter a responsabilidade

de vir para a escola, tem de observar o tempo de comer ou não comer, as

vezes alguns vem até mesmo sem se alimentar pra virem à escola. E também

são crianças vivenciam muita violência na comunidade onde eles moram.

São os meus alunos a característica deles são essa . Crianças que às vezes se

assusta que todos os dias têm um relato de violência no setor onde moram,

violência não só tanto na família entre si mas, violência é de facções que tem

no lugar onde eles moram. (MARCELINA, 2016).

Inicialmente a pergunta necessitou ser reformulada, pois a professora apresentou

dúvidas sobre quais aspectos poderiam estar caracterizando sua turma. Para tanto,

acrescentamos exemplos de aspectos vivenciais que poderiam ser contemplados na sua

resposta, porém percebemos que seu foco foi nas dificuldades apresentadas pelos alunos.

Sentimos a ausência da exposição dos pontos positivos que esses alunos apresentam, das suas

potencialidades. Fatores determinantes no processo de ensino aprendizagem. É imprescindível

que o professor conheça seus alunos, suas dificuldades e potencialidades para que se legitime

o processo de formação educacional.

Interpretamos que diante da origem sociocultural dos alunos, a professora tenha

construído pré-conceitos definidores das suas condições de ser e estarem no mundo, ao

mesmo tempo que nos deixou transparecer que mesmo que passe toda a aula proferindo a

frase: “ Vocês são capazes, eu confio em vocês” , suas atitudes revelam o oposto. Chamou-nos

atenção a ausência de afetividade, sentimento comum entre a maioria dos professores que

estão a frente de uma turma há dois anos, como é o caso dela, estando com os mesmos alunos

desde o ano anterior. Outro aspecto que percebemos foi a descredibilidade proferida ao

sucesso dos alunos, nas suas capacidades cognitivas.

Não se tem compromisso com aqueles que não se conhece. Ou seja, é preciso, mais

uma vez, reafirmar a importância de conhecer o público com o qual se trabalha. Azevedo C.

(2010b) chama a atenção para aspectos peculiares que envolvem o público escolar que

ingressa no Ensino Fundamental. Segundo a autora:

Ao ingressar no Ensino Fundamental, o aluno, ainda criança, entra em contato

com um universo disciplinar. Objetivos de aprendizagem, metodologias e

conteúdos diversificam-se. Nesse novo cenário escolar, espera-se que o

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discente tenha aprofundados seus referenciais de tempo e espaço, necessários

à apropriação do conhecimento histórico. Este, tendo em vista o atendimento

das políticas públicas para a Educação Básica de modo geral e para o ensino

de História, especificamente, requer o trato com conteúdos que permitam,

entre outros fins, que o aluno compreenda as transformações pelas quais

passaram: as famílias; as territorialidades; os hábitos, as relações e os

significados acerca do corpo; jogos, brincadeiras e outras formas de interação

e comunicação, ao longo do tempo e em diferentes espaços. (AZEVEDO, C.,

2010b, p. 10).

Para que isso se torne uma realidade, é preciso considerar a relevância do

conhecimento histórico como base para a formação do sujeito bem como a frequência de

aulas de História no decorrer na semana de atividades na escola, algo que não foi possível

perceber na Escola Estadual Potiguassu.

A professora faz questão de passar a imagem de que acredita no seu aluno, na sua competência

cognitiva, através das afirmações: “vocês são capazes, eu acredito em vocês”. Porém suas ações

pedagógicas refletem o oposto, sua metodologia é baseada na repetição, desligadas da reflexão e

construção de conhecimentos. Este, já chega para o aluno pronto e acabado. Uma simples arrumação

de grupo, a própria professora arruma as cadeiras, divide os grupos e depois reorganiza a sala. As

atividades, não promovem a reflexão e mudanças de atitudes. E os alunos já acostumados a tal

prática, não se dispõem em realizar suas atividades por si mesmo, ficam aguardando e exigindo que

responda no quadro para assim, copiarem. (Diário de campo, 27/10/2016).

As palavras proferidas revelam o oposto das ações. Nesse aspecto, ficam registradas

como experiência para seus alunos, as ações e não as palavras. As atividades propostas não

buscam a elaboração do pensamento dos alunos, configuram-se como mais fáceis de serem

aplicada. Não pedem planejamento detalhado nem desprendem energia na mediação para

alcançar os resultados.

A professora ao fazer tudo em sala de aula, inclusive, responder aos questionários

simples transcritos no quadro, comporta-se como mãe super protetora, aquela que faz tudo

pelo filho, impedindo-o de experimentar, errar, rever ações, organizar-se, aprender em

diferentes sentidos. Sintomático para essa situação é o que afirma Tardif (2005) em seus

estudos sobre a escola primária e as ações da professora:

[...] de diversas maneiras, essas tarefas lembram as tarefas domésticas, os

preparativos da organização e da realização de coisas de casa, antes de as

crianças acordarem e de chegarem de volta. Existe como que uma

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continuidade entre o trabalho doméstico tradicionalmente feminino e essas

pequenas tarefas efetuadas pela professora da escola primária (Carpentier-Roy

& Pharand, 1992). Com efeito, também elas têm um caráter cíclico, devendo

ser sempre retomadas e nunca concluídas; elas também são preparativos para

outra coisa, não tendo valor senão em função daquilo que vem em seguida;

enfim, muitas vezes, trata-se de coisas invisíveis – como o trabalho das mães

de família – que, na verdade, não contam na avaliação do ensino, que

constituem coisas à parte e pelas quais o empregador não tem particular

consideração, apenas espera que elas sejam realizadas, como habitualmente.

(TARDIF, 2005, p. 176).

Nas diferentes atividades falta o incentivo e a orientação para que os alunos

desenvolvam posturas de protagonistas da própria formação. São formados para a espera e

não para a liderança, capacidade de organização, cooperação. Suas ideias não são

consideradas e suas ações não são trabalhadas em prol do desenvolvimento. Logo, os saberes

dos alunos não são trabalhados de maneira científica. Freire (1996) lembra-nos que um dos

saberes fundamental à prática educativa é o que faz menção à promoção da “curiosidade

espontânea para a curiosidade epistemológica”. Mas, pelo que percebemos, nem mesmo a

curiosidade espontânea tem espaço, de forma constante e sistemática, em sala de aula.

Diante do exposto, podemos perceber que o conhecimento a cerca do tipo de sujeito

defendido pela escola, precisa ser dominado ou até mesmo, explicitado. Sabemos que a

prática pedagógica para configurar-se significativa perpassa pela orientação curricular que,

por sua vez, representa as bases ideológicas, teórico e metodológica defendidas pela escola, e

que em alguns casos, são desconsiderados durante a prática pedagógica.

De acordo com Gomes (2005a, p. 147):

Para que a escola consiga avançar na relação entre saberes

escolares/realidade social/diversidade étnico-cultural é preciso que os

educadores(as) compreendam que o processo educacional também é

formado por dimensões como a ética, as diferentes identidades, a

diversidade, a sexualidade, a cultura, as relações raciais, entre outras. E

trabalhar com essas dimensões não significa transformá-las em conteúdos

escolares ou temas transversais, mas ter a sensibilidade para perceber como

esses processos constituintes da nossa formação humana se manifestam na

nossa vida e no próprio cotidiano escolar.

Ao analisarmos o PPP da Escola Estadual Potiguassu, apreendemos que a concepção

de educação defendida é pautada nos princípios da justiça, igualdade e formação integral do

sujeito, instrumentalizando-o para ação transformadora e decisiva na sociedade em que está

inserido. “A partir da concepção sócio-interacionista, compreendemos a educação como

construção coletiva permanente, baseada nos princípios de convivência, solidariedade,

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respeito, justiça, valorização da vida na diversidade e na busca do conhecimento”. (ESCOLA,

2015, p. 13). Percebemos a referência implícita da educação para as relações étnico-raciais, ao

identificarmos os termos igualdade, diversidade e justiça. Visto que a comunidade em que a

Escola está inserida, assim como a maioria dos alunos, representa o grupo afro-brasileiro.

Porém, ao analisarmos mais detalhadamente, percebemos que a abordagem sobre a temática

diversidade étnico-racial foi silenciada. Como podemos comprovar durante a entrevista com a

professora Marcelina:

Pesquisadora: No Projeto Político pedagógico da escola, como foram

discutidas e consideradas as ações voltadas para as relações étnico-raciais? Professora: Não teve uma discussão, dentro disso aí, não. Não teve. Pesquisadora: Você acha que deveria ter havido? Professora: É... porque nós vamos formar o cidadão que não serão como meu

avô era, em ver negro, mas, ver pessoas. (MARCELINA, 2016.).

A partir da fala da docente, percebemos que a ausência de abordagem da temática pelo

documento oficial da escola, influencia diretamente na sua aplicabilidade, pois os documentos

legais que trazem em seu bojo a imperatividade em desenvolver estudos sobre a história e

cultura afro-brasileira e africana, estão ausentes no PPP da Escola. O fato de não abordá-la,

apresenta-se como mais um obstáculo à introdução do corpo docente no universo da

diversidade étnico-racial. De acordo com Pereira e Cordeiro (2014, p. 11)

Refletir e debater diversidade étnico-racial no bojo do currículo escolar é, de

alguma forma, possibilitar a ressignificação da identidade, da autoimagem e

autoestima, do prestígio social e histórico dos estudantes negros (pretos e

pardos). É papel da escola por meio do currículo contribuir para essa tarefa.

Nesse aspecto, a escola deve incentivar o corpo docente a buscar formações e

informações.

O reconhecimento dos professores, em especial pela professora Marcelina, à

importância da introdução efetiva da educação para as relações étnico-raciais, abre caminhos

para uma nova abordagem relativas às diferenças, trilhados pelas vias do reconhecimento e

valorização. Porém, defendemos que a formação continuada deve ser o ponto centralizador do

docente, sempre em busca de atualizar-se e assim aprimorar sua prática pedagógica. O fato da

referência à diversidade étnico-racial durante a elaboração do currículo escolar estar omitida,

não inviabiliza a busca pela informação e formação pelo professor sobre à temática, através da

pesquisa e de estudos, tendo em vista que são ações inerentes à sua profissão.

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Demanda uma renovação, um desenvolvimento de competências adquiridas

em formação inicial e, às vezes, a construção, senão de competências

inteiramente nova, pelo menos de competências que se tornam necessárias

na maior parte das instituições, ao passo que eram requeridas

excepcionalmente no passado. (PERRENOUD, 2000, p. 158).

Partimos do princípio de que o PPPEEP deve apresentar sustentabilidade nas

premissas apregoadas pelos documentos oficiais regulamentadores das orientações

curriculares educacionais. Nesse sentido, identificamos como mais próximo ao ambiente

escolar, o Plano de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, que deve ter sua elaboração

sustentada pelos eixos norteadores dos documentos curriculares nacionais, inclusive os de

referência à educação para relações étnico-raciais. O documento, como orientador das ações

curriculares e pedagógicas do Estado do RN, se consultado, apresentaria à equipe escolar as

premissas para a inclusão da diversidade étnico-racial, configurando o gatilho para a busca de

formações sobre a temática para sua inclusão no currículo da Escola, consequentemente sua

efetivação.

No entanto, confirmamos a partir da leitura do PPPEEP e suas referências

bibliográficas a exclusão do documento na sua elaboração, em especial no que se refere às

relações étnico-raciais, assim como a correlação entre as referências e o que de fato está sendo

realizado para corresponder ao postulado como conceito de educação. Diante da exclusão do

PEERN, a história e cultura africana em todos os aspectos foram suprimidas.

Durante a análise do Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Norte (2015-

2025), verificamos a existência da “Dimensão 4 – Educação e diversidade: movimentos

sociais, inclusão e direitos humanos” (RN, 2015, p.89), nesta, encontramos o tema

diversidade étnico-racial, entre outros de cunho sociais e educacionais, de forma explícita e

objetiva, apontada como aspecto ontológico relacionado à estrutura histórica, política e social.

Emerge uma discussão acerca das desigualdades existentes sob a égide das ações

discriminatórias e excludentes, e combate a tais ações. Para tanto, o documento faz referência

à aplicabilidade das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que tratam das relações étnico-raciais.

Enfatiza o fato da obrigatoriedade da sua implementação nos currículos escolares. Diante do

exposto, apresenta as “Orientações para a distribuição de carga horária dos professores de 1º

ao 9º ano do Ensino Fundamental”, orienta o trabalho com os anos iniciais de forma

interdisciplinar e contextualizada, e aponta os aspectos que devem ser abordados, tais como a

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abordagem da temática história e cultura afro-brasileira e africana, nos moldes da Lei

10.639/2003 na administração do ensino da História.

Identificamos que o documento orientador estadual cumpre com o postulado pelas leis,

ao citar as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, ativa o desconhecido, pois, mesmo com o

desconhecimento por parte dos docentes e equipe gestora, sobre a temática, sua identificação

no PEERN, acionaria a busca por maior compreensão por todos envolvidos. Concordamos

com Azevedo (2010a, p. 151) quando afirma que:

Dentro de um projeto de gestão participativa, diretores e coordenadores têm,

entre outras, a função de materializar cursos, palestras e mostras no âmbito

de sua instituição de ensino, além de “animar” professores à participação em

encontros de leitura e discussões. O racismo e a abordagem da questão racial

nos livros didáticos de História podem configurar como temas para

encontros e discussões entre os docentes.

O PEERN (2015), faz alusão à garantia da implementação do ensino da história e

cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares. Defendemos que essa orientação

deveria ser efetivada durante a avaliação para a provação do PPP das escolas, pois antes de

sua aplicabilidade na escola, o documento é submetido à aprovação da Secretaria Estadual de

Educação e Cultura (SEEC). Daí depreende-se de que o órgão mantenedor, ao avaliar o

documento da Escola, ao constatar a ausência da temática, deveria desenvolver sua função

orientadora e solicitar a inclusão do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no

currículo, visando tal garantia.

Dessa forma, a inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos

currículos da Educação Básica não significaria apenas uma mudança de

conteúdos na grade escolar. Deveria, no entanto, tratar-se de uma ação

política, com agudas implicações nas relações perpassadas no cotidiano

escolar, na formação dos professores, e, ainda na auto-estima dos alunos

afrodescendentes que se veriam representados na literatura, nas artes e na

história de forma positiva, caminhando no sentido de compensar

prejuízos/danos sedimentados em nossa história (SANTOS, 2011, p. 17).

É fato que o PPP, em algumas escolas, ocupa o espaço de documento regulamentador

apenas como resposta a uma exigência burocrática das secretarias a que são filiadas,

reduzindo os encaminhamentos do ensino aprendizagem à seleção de conteúdos dos livros

didáticos, distantes do que propõem os documentos regulamentadores educacionais, por vezes

como reflexo do desconhecimento do documento por parte dos docentes. “É importante

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salientar que se considera o PPP um instrumento de trabalho de todos envolvidos com a

instituição de ensino e não um simples fruto da burocracia escolar. Para isso requer a

participação de todos na sua confecção, elaboração e reformulações necessárias” (AZEVEDO

C., 2011, p. 185).

Na Escola Estadual Potiguassu, os professores participaram da elaboração do PPP, de

forma coletiva, porém, o tempo disponibilizado para sua construção foi insuficiente para que

houvesse participação e estudos mais contundentes dos docentes. Os elementos constitutivos

do PPP eram sugeridos pela coordenadora, que a partir da sua exposição, conduzia discussões

acerca do que seria adotado pelo currículo. Por fim, reunia nossas falas e transformava-as em

elementos que integrariam o PPPEEP. Após a aprovação do documento pela SEEC, que se

deu no ano de 2015, os docentes passaram a acessá-lo como currículo orientador das suas

ações e buscam no material recebido, orientações para a elaboração do seu plano de ensino

anual e bimestral.

Apesar de participarmos (como docente da escola, estávamos presentes) da elaboração

do PPPEEP, sentimos a necessidade da escola retomar e deixar explícito ao docente, qual

direcionamento educacional seria preconizado, assim como que tipo de sujeito a escola busca,

de forma unívoca, formar. De acordo com Lopes (2005, p. 189)

A escola, como parte integrante dessa sociedade que se sabe preconceituosa

e discriminadora, mas que reconhece que é hora de mudar, está

comprometida com essa necessidade de mudança e precisa ser um espaço de

aprendizagem onde as transformações devem começar a ocorrer de modo

planejado e coletivamente por todos os envolvidos, de modo consciente.

Os elementos orientadores devem dialogar entre si conduzindo os docentes

apreenderem e explicitarem de forma coletiva o que seria o processo de educação para a

escola, refletindo diretamente no processo teórico-metodológico que adotará. Entendemos que

“É preciso ter clareza sobre a concepção de educação que nos orienta. Há uma relação estreita

entre o olhar e o trato pedagógico da diversidade e a concepção de educação que informa as

práticas educativas” (GOMES, 2007, p. 18).

Porém, o que de fato tem se presenciado, por muitas vezes, são ações de resistência e

encortinamento para as questões de cunho étnico-racial pela escola, promovendo “o mito da

igualdade racial”, fato que nos foi permitido comprovar durante nossa observação

participante:

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Diante do fato relatado, percebemos, por parte da mãe, o desconhecimento e/ou

negação da sua raíz afro-brasileira, ao agir com preconceito com o outro igual. Concordarmos

com Santos (2008, p. 2) quando diz: “O oprimido se enxerga com o olhar do opressor, com o

qual quer parecer o máximo possível. A vergonha de si mesmo torna-se marca da sua

personalidade”. A posição assumida pela família faz parte da sua formação como ser

humano, construída nas bases da autonegação e que refletem tais pensamentos e conceitos na

criança. Testemunhamos os aspectos hereditários das expressões de racismo e preconceitos,

“que sobrevive aos tempos porque é transmitido através das gerações. E sendo o racismo um

fenômeno ideológico, ele se consolida através dos preconceitos, discriminações e

estereótipos” (SANT‟ANA, 2005, p. 43).

Partimos do princípio que ao desenvolver, de forma continuada, ações que promovam

a consciência multirracial, em especial ao que se refere à relação afro-brasileira, entre

professores, alunos e pais, a distância entre preconceito e respeito raciais, podem ser

minimizadas. E os laços entre reconhecimentos e respeito serão estreitados.

Se, por um lado, com as instituições de ensino podemos combater as atitudes

preconceituosas e discriminatórias, por outro, não podemos esquecer da

dimensão social que os problemas de preconceitos e discriminações

possuem. Em decorrência disso, torna-se necessário que a escola promova

uma abertura a novas formas de relações sociais e interpessoais que

envolvam manifestações da comunidade ou comunidade do entorno escolar.

(AZEVEDO C., 2010a, p. 151).

A Escola não pode eximir-se da sua função de promotora de um ambiente propício

as interações étnicas, culturais, sociais enfim, de ser “um espaço para a promoção da

igualdade e eliminação de toda a discriminação e racismo, por possibilitar em seu espaço

No momento da entrada dos alunos, a mãe de aluno pertencente ao 1 º ano vespertino adentrou na

escola muito alterada, relatando que um outro aluno da sala havia agredido seu filho, durante sua

fala proferiu a seguinte frase: “ ainda por cima foi aquele neguinho”. No mesmo momento a

professora da sala, repreendeu a mãe, inclusive alertando-a que racismo era crime, e não admitia

aquele tipo de atitude na sua presença.

No dia seguinte, o marido da senhora, compareceu à Escola. Este, apresentava características

contundentes como pertencentes à etnia afro-brasileira. Ao se dirigir ao diretor, iniciou sua fala

fazendo referencia à bíblia, visto que ele, assim como sua família, eram evangélicos. (Diário de

campo 17/11/2016)

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físico a convivência de pessoas com diferentes origens étnicas, culturais e religiosas. Além

disso, sua atuação é intencional, sistemática, constante e obrigatória” (SANTOS, 2001,

p.105). Sabemos da impossibilidade da escola isoladamente, erradicar as expressões de

racismo e preconceitos, tendo em vista que o sujeito é um ser social que interage e convive

em dimensões sociais distintas, que podem corroborar com o fortalecimento e perpetuação da

permanência de uma cultura dominante e excludente. No entanto, concordamos com Pereira e

Cordeiro (2014, p. 8) quando afirmam:

A escola é o espaço de fusão de diversidades sociais, étnicas, raciais e

culturais, isto é, constitui-se como um espaço de reflexão e debate sobre

como estão sendo abordadas essas implicações sociais e culturais no

currículo escolar e possuem como objetivo fortalecer as ações humanas de

afirmação do ser.

Ao mesmo tempo, temos consciência, que diante de uma família que promove o

racismo, é mais longa a batalha de reestruturação do pensamento da criança. Nesse sentido, a

tríade: ação, reflexão e (re)ação, deve ser construída também em conjunto com a família.

Pois, só sobre as bases da parceria escola e família é possível o combate ao racismo e

preconceitos tão pungentes, mas, mascarados. Porém, percebemos tímidas quase

imperceptíveis ações programadas pelo PPPEEP, que envolvessem a família e escola, e

abordassem a temática diversidade. Visualizamos situações que se caracterizam como

culminâncias de projetos ou atividades de apresentações artísticas, momentos em que são

compartilhados com os pais.

Nesse aspecto, a identidade da escola, revelada através do currículo, não corresponde e

não responde à configuração de ambiente promotor das relações diversas. Para tanto, é

necessário que o ambiente represente os aspectos diversos, promova situações de

representatividades de forma igualitárias aos diferentes grupos étnico-raciais.

A escola enquanto instituição socializadora tem também o dever de propiciar

uma ampliação de seu horizonte de experiência com base em valores hoje,

inquestionáveis como o respeito após direitos humanos e os ideais

republicanos e democráticos, que orientam – ou devem orientar – o

desenvolvimento da sociedade brasileira. (MOURA, 2005, p.75).

Apesar de constatarmos a elaboração e publicação de documentos que orientam a

introdução do trabalho com as relações étnico-raciais, a EEP, se absteve de introduzi-los,

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mesmo com sua abordagem nos planos educacionais constituídos pelas intuições

mantenedoras. Corroboramos com o que diz Santomé apud Silva (2007, p. 496):

A escola, embora concebida, nos termos dos textos legais e objetivos

pedagógicos, para garantir e divulgar princípios de justiça e igualdade, tem

divulgado e reforçado visão unitária e não plural da sociedade. Tem

propiciado a formulação de representações que desvalorizam os diferentes,

aqueles que não se encaixam nos padrões difundidos pela referida visão

unitária. Tem propiciado representações que geram, junto aos diferentes,

tidos como não iguais, percepção de inferioridade que lhes são nata e quase

incorrigível.

O que percebemos é a resistência e/ou desconhecimento, por parte de algumas

instituições de ensino em inserir conteúdos que direcionam o conhecimento, valorização,

reconhecimento e respeito às diferenças étnico-raciais. De acordo com Gomes (2013, p. 69),

esta resistência “está relacionada com a presença de um imaginário social peculiar sobre a

questão do negro no Brasil, alicerçado no mito da democracia racial”, influenciando

diretamente no desempenho educacional do aluno e na sua formação identitária, que não se vê

representado e, portanto, desperta-lhes sentimentos de autonegação, ao mesmo tempo em que

se sente excluído do ambiente no qual deveria sentir-se confortável e representado. Ainda

sobre as causas que levam as escolas em abster-se em abordar os conteúdos da temática

Santos (2010, p. 47) discorre:

Se na sociedade uma Lei precisa não apenas ser sancionada para ser

praticada, precisa ser tida como justa e legítima para ganhar aceitação, era de

se esperar que, para a instituição escolar, o simples ato de criação e

promulgação da Lei 10639 não bastasse para sua aceitação ampla e irrestrita.

Quanto a isso, estamos de acordo com Chervel (1990) que em seu trabalho

sobre a história das disciplinas, coloca-nos a questão de que uma lei por si só

não seria o suficiente para mudar ou inserir uma nova prática escolar, sendo

necessário algo mais.

A escola é o universo onde as relações diversas acontecem e se entrelaçam, porém,

sem a devida estruturação educacional voltada para tal fim, torna-se um ambiente propício à

perpetuação de situações preconceituosas, excludentes e discriminatórias. De acordo com

Santos (2001, p. 106) “A escola pode garantir e promover o conhecimento de si mesmo, no

encontro com o diferente. Conhecendo o outro, questiono meu modo de ser, coloco em

discussão os meus valores, dialogo.”

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Em decorrência desses fatores, presenciamos um alto índice de evasão escolar e

repetência nas escolas, por não se identificarem com o modelo educacional proposto pelas

instituições de ensino que ainda permanecem em um modelo eurocêntrico, modelo de

exclusão.

Na verdade, na escola é negado ao estudante o conhecimento de uma história

que efetivamente incorporasse a contribuição dos diferentes estoques étnicos

à formação de nossa identidade, com o agravante de que a história parcial ali

apresentada como exclusiva é aquela dos vencedores, dos colonizadores ou,

para precisar a afirmativa, história celebratória das classes econômica e

politicamente mais bem sucedidas. (SANTOS, 2005, p. 78).

Diante do exposto, compreendemos que a escola deve criar condições para que os

estudantes afro-brasileiros sintam-se contemplados em sua totalidade educacional, livres de

qualquer atitude de preconceito e discriminação.

Evidenciamos que para além das aparentes oportunidades de acesso e

permanência garantidos a todo no direito à educação, o que existe realmente

são discriminações de classe e raça reproduzindo visões de mundo

dominante instituindo o fracasso escolar para aqueles que não se adequem

numa instituição de ensino cuja organização administrativa escolar, a relação

professor-aluno, etc. levam os discentes negros (as) a terem um rendimento

inferior ao dos brancos (as). (SANTOS, 2008, p. 1).

A Escola ainda está em processo de adaptação e absorção de uma educação para as

relações étnico-raciais. “É preciso considerar que a escola brasileira, com sua estrutura rígida,

encontra-se inadequada à população negra e pobre deste país. Nesse sentido, não há como

negar o quanto o seu caráter é excludente.” (GOMES, 2001p. 86). Podemos inclusive, revelar

que está em processo embrionário, identificado diante do questionamento:

Pesquisadora: Em quais contextos você percebe que a escola desenvolve

trabalho de conscientização e valorização da cultura afro-brasileira?

Professora: Quando, por exemplo: a semana da cultura, então a gente traz

muita coisas. Nós trabalhamos os tipos de comidas, trabalhamos assim,

lendas essas coisas, e também quando tem algum evento de música, de dança

também, nesses momentos que é trabalhado. (MARCELINA, 2016).

A partir da fala da professora Marcelina, identificamos que a Escola ensaia trabalhos

de cunho para abordagem da cultura afro-brasileira, orientados pela proposta identificada no

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PPPEEP nas ações desenvolvidas em que relata: “Realizar na escola uma vez por mês um dia

cultural, professores e alunos e todos que fazem a escola com declamação de poemas, danças,

contribuindo para o enriquecimento cultural” (ESCOLA, 2015, p. 15). Segundo a professora,

alguns elementos constitutivos da cultura afro-brasileira são contemplados, porém,

identificamos pela sua fala, que são despidos das ideologias e significados para a cultura em

questão, tendo em vista que sua abordagem se dá de forma desassociada ao processo histórico

e contextualizado do ambiente natural. Suas expressões acontecem em forma de culminância,

como apresentações culturais. Corroboramos com Pereira e Cordeiro (2014, p. 10) quando

afirmam:

A escola pública demonstra um contingente muito grande de diversidade

cultural, política e religiosa, entretanto, as discussões ocorridas sobre as

culturas indígenas, africanas e afro-brasileiras são expressas sob a forma de

datas comemorativas ou com a folclorização destas, traduzidas em atividades

escolares as quais não discutem o processo histórico e com isso, professores,

alunos e gestores perdem a oportunidade de fazer da escola um espaço

acolhedor, agradável e de transformação do ser.

Não estamos com isso, expressando sentimentos de negação ao trabalho com a cultura

popular, ou folclore, estamos enfatizando a importância em abordarmos as nossas raízes

étnicas, através da historização, para a compreensão das nossas origens, da nossa história

como ser humano e social, pertencente a uma sociedade plural, que desconhece seu povo e

“assim, possibilitar o diálogo entre as várias culturas e visões de mundo, propiciar aos sujeitos

da educação a oportunidade de conhecer, encontrar, defrontar e se aproximar da riqueza

cultural existente nesse ambiente é construir uma educação cidadã”. (GOMES, 2001, p. 91).

Nesse sentido, pensamos que enquanto, a reestruturação ideológica e sócio

educacional não forem de fato efetivadas, a população que não corresponder aos padrões

ditados pela educação eurocêntrica será como, historicamente vivenciado, prejudicada. De

acordo com Fernandes (2005, p. 380) “quando se trata de abordar a cultura dessas minorias,

ela é vista de forma folclorizada e pitoresca, como legado deixado por índios e negros, mas

dando-se ao europeu a condição de portador de uma „cultura superior e civilizada‟”. São

vistas como ações individualizadas e grupos étnicos que não se relacionam. E não se

influenciam entre si. O trabalho folclórico, pode se configurar como um dos meios

propositivos de abordagem à diversidade étnica. As expressões culturais, prioritariamente

ressaltadas nesse período, têm origens e significados para o grupo étnico no qual pertence. Se

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abrangermos o ponto de vista a história dessas manifestações, estaremos conscientizando e

valorizando além das raízes culturais as raízes históricas.

As ações pedagógicas estão, intrinsecamente, ligadas às orientações curriculares, nesse

momento, a prática desenvolvida pela professora corresponde ao postulado no PPPEEP, pois

trata-se de um evento comemorativo na Escola: o dia do folclore. Então ao ser questionada

sobre sua prática e a importância que atribui para o trabalho com a cultura afro-brasileira, a

professora voltou a enfatizar os aspectos culturais, e fez o seguinte relato:

Pesquisadora: Na sua prática, em quais momentos você aborda assuntos

referentes à cultura afro-brasileira e africana?

Professora: Só quando trabalho na semana da cultura que são os pratos, o

que foi trazido, o que ficou pra gente, e quando tem um tipo de dança, a

gente vai lá e ... essa dança é áfrica, afro-brasileira, nesses momentos. E

quando trabalho nossas riquezas de hoje: o que foi? Quem construiu cidades

aqui no Brasil? Quem foram os construtores da época? Cana do açúcar,

quem trabalhava antes? Porque foram os africanos que já trabalhavam lá. A

cana era uma coisa que os africanos já conhecia, como fazer o açúcar, não

foi de Portugal que trouxe, não. Foi, Brasil, mas isso já foi uma coisa

africana, os africanos já sabiam como trabalhar o açúcar. É nesses momentos

assim que eu trabalho que é muito importante eles saberem disso. E sabemos

também que os negros, as primeiras cidades teve um trabalho fundamental

dele. Não foram só os construtores brancos que trabalharam, não. Eles

orientaram como fazer e eles (os negros) foram lá, e fizeram. E muitos já

sabiam fazer também, né? Porque o ser humano é muito curioso, né?

(MARCELINA, 2016).

Nesse trecho, observamos que as vias pelas quais o trabalho com a história afro-

brasileira é abordado, reflete a imagem da época colonial. Sua importância é resumida a mão-

de-obra escrava, o discurso, representa o grupo reconhecido pelos serviços prestados aos

colonizadores no crescimento do país. Outra imagem atribuída é a de dependência intelectual,

a condição de incapaz de pensar por si mesmos, necessitando que pessoas “brancas”

devessem orientar como agir. “Nega-se ao negro a participação na construção da história e

cultura brasileiras, embora tenha sido ele a mão-de-obra predominante na produção da riqueza

nacional.” (FERNANDES, 2005, p. 380).

Tomamos como base a imagem formulada pela docente do povo africano e relata em

poucas palavras as heranças culturais, mas enfatiza o trabalho braçal, que sabemos era

trabalho escravo, “ têm-se o discurso do negro pacífico, cordial, um discurso que, dialogando

com o mito da democracia racial, desenha um negro incapaz intelectualmente, que aceitou

sem maiores questionamentos a escravidão, um ser infantil” (SLVA, 2011, p. 98). Nesse

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momento poderiam ser levantados questionamentos tais como: se o povo africano trouxe todo

esse conhecimento enumerado, como foram construídos? Em algum momento, e/ou lugar

anteriormente? Esse lugar, onde foi? Como aprenderam? Quem são esses povos que

habitaram nossas terras e vieram realizar o trabalho braçal? Como viviam? Por que vieram

para cá? O povo de matriz africana construiu sua história de lutas e resistência, ações omitidas

pela maioria dos currículos escolares, sua história vai além da mão-de-obra, prova disso, são

as participações políticas nos movimentos até os dias atuais. Nesse aspecto, Rocha (2006, p.

75) afirma que:

Segundo os estudiosos da questão, no sistema escolar, o negro chega aos

currículos, não como um humano negro, mas sim como o objeto escravo,

como se ele não tivesse um passado, ou se tivesse participado de outras

relações sociais que não fossem a escravidão. As contribuições e as

tecnologias trazidas pelos negros para o país são omitidas. Aliás, o cultivo da

cana-de-açúcar, do algodão, a mineração, a tecnologia do ferro eram

originadas de onde? Do continente Europeu? A resistência dos negros à

escravidão parece não existir, com raríssimas exceções.

A imagem retratada pela docente revela a impregnação de conceitos há muito

construídos e repassados nos bancos escolares pelos docentes, que por sua vez, abstraíram e

confirmaram tais concepções na sua formação superior.

Partimos do princípio que o ensino superior configura-se como primordial no processo

de formação do docente para uma educação multicultural, pois, são nesses estabelecimentos

de ensino que o profissional da educação reúne atributos e formação para desempenhar seu

papel formador dentro de diversidade, histórica, cultural e étnica.

Na busca em redirecionar e, finalmente, reconhecer a história afro-brasileira pelas

lentes do povo afro-brasileiro, Silva (2011, p. 99) defende que: “é fundamental a instituição

de uma lei Federal que diz a importância em conhecer a história e cultura afro-brasileira e

africana como um dos pilares da constituição da história e cultura brasileira”. No entanto,

sabemos que apenas a promulgação de leis, não possibilitará mudanças de pensamentos e

posturas docentes. Tais leis devem ser efetivadas e implementadas nos currículos escolares,

seguidas pela formação continuada do professor. “isso é importante para que não sejam

encontradas práticas docentes permeadas pela interferência de estereótipos e preconceitos em

relação a personagens negras e com reflexos destrutíveis em relação à formação dos alunos”

(AZEVEDO, 2010b, p. 15).

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Na situação a seguir, a professora Marcelina, tenta desenvolver uma reflexão sobre as

características físicas do aluno, no entanto, diante do seu desconhecimento, direcionou pela

temática a qual dominava: a religiosa. Como podemos verificar:

O aluno referiu-se ao outro como “cabelo de bucha”, porém a professora tentou realizar uma

discussão sobre respeito ao próximo. Conduziu a discussão pelas vias religiosas, dizendo que Jesus

tinha feito cada um do seu jeito para ser respeitado. Porém, a reação dos alunos, não colaborou para

a discussão. (Diário de campo, 06/10/2016).

Percebemos a fragilidade e superficialidade em conduzir as discussões sobre a

diversidade étnico-racial. Para defender e desenvolver a temática de forma construtiva e

consistente é necessário acreditar no que está defendendo. Nesse aspecto Santos (2001, p.105)

relata:

A falta de formação e habilidade dos educadores para lidar com as relações

do cotidiano escolar marcadas por discriminações os leva a medidas não

problematizadoras da diferença, apelando para convicções tais como: “Todos

merecem respeito porque são filhos de Deus” ou “ E daí, que você é negro, o

importante é que você tem saúde”...

Não é o caso exposto. A crença da professora baseada no evangelismo deixa a desejar

os aspectos organizacionais e físicos dos povos de cultura afro-brasileira. Diante disso,

presenciamos uma explicação religiosa, frágil e inconsistente. O combate às expressões de

preconceito e racismo deve ser prioridade na formação do sujeito, a prioridade nesse aspecto

revela-se nas bases religiosas cristãs. Identificamos que as bases para a justificativa dos

fenômenos adotadas pela Professora são sempre religiosas. Nesse momento, a abordagem às

origens étnico-raciais, as contribuições e história afro-brasileira, deveriam ser introduzidas na

condução da aula como discussão sobre as diferenças étnicas. Porém,

O discurso pedagógico proferido sobre o negro, mesmo sem referir-se

explicitamente ao corpo, aborda e expressa impressões e representações

sobre esse corpo. O cabelo tem sido um dos principais símbolos utilizados

nesse processo, pois desde a escravidão tem sido usado como um dos

elementos definidores do lugar do sujeito dentro do sistema de classificação

racial brasileiro.

Essa situação não se restringe ao discurso. Ela impregna as práticas

pedagógicas, as vivências escolares e socioculturais dos sujeitos negros e

brancos. É um processo complexo, tenso e conflituoso, e pode possibilitar

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tanto a construção de experiências de discriminação racial quanto de

superação do racismo. (GOMES, 2005b, p. 232).

O direcionamento educacional pede enfatizar as diferenças étnicas e biológicas que

subsidiam nossa cultura, as quais definem nossos biótipos, revelam nossos aspectos

biologicamente diferentes, “no entanto, ao longo do processo histórico e cultural e no

contexto das relações de poder estabelecidas entre os diferentes grupos humanos, algumas

dessas variabilidades do gênero humano receberam leituras estereotipadas e preconceituosas,

passaram a ser exploradas e tratadas de forma desigual e discriminatória.” (GOMES, 2007,

p.20).

O que nos leva a perceber a lacuna criada e mantida no que se refere às diferenças e

semelhanças das identidades, assim como a despreocupação em desmistificar pensamentos

pejorativos construídos sócio e historicamente sobre o povo afro-brasileiro. O reconhecimento

e valorização dessas diferenças são conduzidos ao lugar de coadjuvante no processo

educativo. Concordamos com Nilma Lino Gomes (2005a, p. 231) quando afirma:

Parto do pressuposto de que a maneira como a escola, assim como a nossa

sociedade, vêem o negro e a negra e emitem opiniões sobre o seu corpo, o

seu cabelo e sua estética deixa marcas profundas na vida desses sujeitos.

Muitas vezes, só quando se distanciam da escola ou quando se deparam com

outros espaços sociais em que a questão racial é tratada de maneira positiva é

que esses sujeitos conseguem falar sobre essas experiências e emitir opiniões

sobre temas tão delicados que tocam a sua subjetividade.

Podemos atribuir esse descaso em desconstruir tais pensamentos a pouca formação e

informação da professora em abordar de forma consistente e significativa a temática das

relações étnico-raciais. Como podemos comprovar através da sua fala na entrevista quando

questionada sobre a importância em desenvolver trabalhos conscientizadores sobre as relações

étnico-raciais:

Pesquisador: É interessante para você, participar das formações referentes às

relações étnico-raciais? Você acha importante?

Professora: Acho importante.

Pesquisadora: Por que você acha importante?

Professora: Porque eu vou ter um embasamento melhor, maior pra trabalhar.

Muitas vezes eu me perco pela falta de informação. Tem coisas que é

necessário que a gente se aprofunde mais. (MARCELINA, 2016).

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As ações reveladas pela sua prática pedagógica e posturas diante de situações de

racismos e preconceitos, nos comprovam, a fragilidade formativa no trato com a temática.

Reforça ao mesmo tempo em que autoriza, a reprodução dessas atitudes, de forma explícita ou

velada entre os alunos.

Na entrevista, percebemos que a professora reconhece que algumas atitudes por ela

tomadas, não representam o melhor caminho a ser seguido, que a formação e informação a

que dispunha, precisam de maiores embasamentos e atualizações. Considera que o fato de

formar-se representaria mudanças positivas na sua prática pedagógica. Diante da ausência de

práticas efetivas no combate às expressões preconceituosas reproduzidas pelos alunos, abre-se

o leque de possibilidades em haver repetições dessas atitudes. O que podemos constatar

conforme descrição a seguir:

Em outro episódio com a aluna G. o aluno A. a chamou de “cabelo de bucha”. Então, a professora

disse que Deus fez as pessoas como Ele achava bonita, que na casa do colega A., não havia pessoas

louras de cabelos lisos. E começou a caracterizar os cabelos com as seguintes fala: “cabelo cacheados

são mais finos, que cabelos lisos, e o cabelo dela é bonito”. (Diário de campo, 27/10/2016)

Novamente nos deparamos com a repetição de atitudes de preconceitos e

discriminação na sala, que diante de uma rápida visualização, pensamos ser o mesmo

episódio, no entanto, trata-se de uma repetição de ações. Como na ação apresentada

anteriormente, nenhum argumento que levasse a compreensão do aluno acerca da diversidade,

das diferenças, das suas origens e do respeito a elas, foi proferido. Mais uma vez, podemos

identificar como justificativa às diferenças físicas, os aspectos religiosos. A professora não

centrou sua atenção no apelido proferido a aluna G., ignorando este aspecto.

Apelidos expressam que o tipo de cabelo do negro é visto como símbolo de

inferioridade, sempre associado à artificialidade (esponja de bombril). [...]

Esses apelidos recebidos na escola marcam a história da vida dos negros.

São, talvez, as primeiras experiências publicas de rejeição do corpo vividas

na infância e na adolescência. A escola representa uma abertura para a vida

social mais ampla, em que o contato é muito diferente daquele estabelecido

na família, na vizinhança e no círculo de amigos mais íntimo. Uma coisa é

nascer criança negra, ter cabelo crespo e viver dentro da comunidade negra;

outra coisa é ser criança negra, ter cabelo crespo e estar entre brancos.

(GOMES, 2005b, p. 2035-236).

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Percebemos sua tentativa, sem sucesso, em valorizar as características biológicas da

aluna. Porém, as comparou com as do aluno A, que apresenta características semelhantes à

aluna G. ficando subentendido que o aluno A. não deveria referir-se daquela forma à colega,

não por haver cometido uma agressão de cunho preconceituoso, mas, pelo fato de na família

do aluno não haver referência de pessoas com cabelos lisos e louros, tidos como ideais e

digno de admiração e ambição. De acordo com Mungana (2000, p. 23):

Cada indivíduo humano é único, e se distingue de todos os indivíduos

passados, presentes e futuro[...]. É absurdo pensar que os caracteres

adaptativos sejam absolutamente “melhores” ou “menos bons”, “superiores”

ou “inferiores” que outros. Uma sociedade que deseja maximizar as

vantagens da diversidade genética de seus membros deve ser igualitária, isto

é, oferecer aos diferentes indivíduos a possibilidade de escolher entre

caminhos, meios e modos de vida diversos, de acordo com as disposições

naturais de cada um. A igualdade supõe também o respeito do individuo

àquilo que tem de único, como a diversidade étnica e cultural e o

reconhecimento do direito que tem todas as pessoas e toda cultura de cultivar

sua especificidade, pois fazendo isso, elas contribuem para enriquecer a

diversidade cultural geral da humanidade.

No ambiente institucionalizado, o indivíduo tem a oportunidade de descontruir as

referências de imagem deturpada que construiu sobre os povos africanos. Libertar-se das

amarras do encortinamento das suas origens e raízes étnico-raciais, não mais pelas lentes

monocromática, mas, pelas lentes do sua própria etnia. Reconstruir sua imagem, fortalecendo

sua autoestima, e formas de ser ver e estar no mundo. Nesse aspecto, concordamos com

Moura (2005, p. 79) quando enfatiza “o descaso da escola pelo reconhecimento das múltiplas

„identidades‟ e pelas diferentes culturas dos diversos segmentos que historicamente

integraram a formação de nosso país, como tarefa indispensável para o exercício da

cidadania.” O processo educativo não pode acontecer apenas pelas vias de uma única

percepção de mundo em detrimento das demais, sob a pena de perpetuar a exclusão dos

demais.

A dominação do “branqueamento” social atinge diretamente todos os grupos étnico-

raciais que não respondem a esse dogmatismo, ficando à margem social, ao mesmo tempo em

que seus sujeitos são vítimas de preconceitos e discriminações, dificultando sua trajetória

escolar e social. Nesse sentido, o combate ao racismo, preconceito e discriminação é tarefa de

todos, educadores, escola e estado. “A manutenção de um currículo elaborado para um grupo

homogêneo, de elite, tornou-se fator de desigualdade e de fracasso para os/as alunos/as de

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camadas populares. A cultura escolar histórica e tradicionalmente preparada para a educação

das elites, baseia-se em um currículo hegemônico” (SILVA, 2007, p. 29).

A escola deve se configurar como espaço propício à transformação de pensamentos e

atitudes. Nela há interação entre indivíduos de situações socioeconômicas e culturais

diferentes que aprendem a conviver em sociedade respeitando essas diferenças, além de serem

estimuladas a olhar–se no “espelho”, representado pelo olhar do outro, e perceberem-se como

diferentes. A instituição escolar enfatiza o processo de preconceito e discriminação, quando na

imposição de um currículo único, promove a “igualdade”, igualdade pelo referencial da

cultura dominante, a quem todos deveriam moldar-se, ignorando as vivências socioculturais

dos sujeitos. De acordo com Santos (2008, p. 1):

A escola na sociedade capitalista assume caráter homogeneizador,

prevalecendo um padrão estético e histórico vinculado à sociedade europeia,

o que estamos chamando de monoculturalismo e excluindo, por exemplo, a

referência negro-africana da formação da sociedade brasileira. A garantia de

acesso gratuito a todos os que querem entrar na escola não esconde

contraditoriamente o seu papel de reprodução das ideias e valores da classe

dominante.

É necessário um trabalho de desconstrução e reconstrução do processo educacional,

para a promoção da pluralidade cultural. Por muitos anos, o Brasil era coberto pelo falso

manto da igualdade cultural e racial, ainda nos dias atuais há quem repita essa expressão,

porém o que era/é vivenciado é o preconceito velado. O que havia de fato era a reprodução

das características do grupo dominante, em que todos “deveriam ser iguais”, premissa que

ocupa até os dias atuais, em algumas perspectivas educacionais.

A escola é um dos espaços de socialização dos indivíduos. É através dela

que os alunos desenvolvem o senso crítico e aprendem valores éticos e

morais que regem a sociedade. A escola tem como responsabilidade ampliar

os horizontes culturais e expectativas dos alunos numa perspectiva

multicultural. É na escola que aprendemos a conviver com as diferentes

formas de agir, pensar e se relacionar; portanto ele deve refletir essa

diversidade (NASCIMENTO, 2012, p.40).

Entendemos que para que a educação das relações étnico-raciais seja efetivada pela

equipe educacional, deve estar inserida no currículo da escola. Além disso, deve haver

conhecimento e domínio por parte dos docentes sobre o trato com a temática, elementos os

quais comprovamos, não foram mencionados no projeto da Escola Estadual Potiguassu diante

da ausência de conhecimento por parte da equipe educativa, assim como dos docentes, pois

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não houve por parte destes, manifestações que direcionassem a sua introdução, nem ao menos

citação. Porém, um consulta ao PEERN, revelaria a abordagem da educação étnico-racial,

subsidiando uma busca mais aprofundada sobre a temática, a qual também teria acesso ao

consultar os PCN de volumes sobre: Temas transversais: Pluralidade Cultural. Mas, como

bem afirma Silva Júnior (2002, p. 33):

A expectativa de que os parâmetros iluminem os projetos pedagógicos e os

planos de aula, é indiscutivelmente louvável, mas insuficiente, senão for

combinada a outros esforços de sensibilização, informação, formação acesso

a pesquisas atualizadas e propostas concretas para o tratamento de tema tão

delicado, como as relações raciais em sala de aula, na vivência diária nas

escolas, os PCN podem oferecer importantes diretrizes político-educacionais

para as propostas curriculares a serem formuladas pelas Secretarias de

Educação e Unidades escolares, especialmente se os dirigentes educacionais

e educadores não se detiverem a uma leitura superficial e enviesada que

“relativiza as diferenças, tratando-as como pluralidade de experiências”, sem

analisar o modelo socioeconômico brasileiro, diferença é sinônimo de

desigualdade.

A configuração de escola como ambiente promotor da educação para as relações

étnico-raciais e de combate à desigualdade, discriminação e preconceitos, está sendo projetada

e sustentada desde a década de 1980, porém, o aspecto eurocêntrico continua orientando as

relações educacionais, mesmo após a obrigatoriedade da inclusão do estudo da história e

cultura afro-brasileira e africana e indígenas. Contudo, o que testemunhamos é que,

Tem sido negada amplamente a diversidade cultural, étnica e racial nos

currículos escolares, ainda que as culturas indígenas, culturas africanas e a

cultura afro-brasileira façam parte da construção da nação brasileira. Tal

negação é constituída por controles dos poderes estabelecidos por uma classe

social burguesa a qual não permite o reconhecimento verdadeiro de outros

grupos sociais por meio do currículo escolar. (PEREIRA, 2014, p. 8).

O sistema educacional, que deveria representar a fonte de combate ao preconceito,

desigualdade, reproduz o modelo educacional vigente há décadas atrás, baseado na relação de

poder e dominação. A quebra desse estigma está estreitamente vinculada às representações

adotadas pela escola, sobre a formação do sujeito e o conceito de educação, premissas que

orientam o trabalho pedagógico de forma significativa. Além disso, a escola deve despir-se da

concepção da falsa igualdade racial, agindo como se não houvesse a necessidade de olhar para

seus alunos através das lentes da diversidade, da individualidade. Entendemos que o trato com

educação para as relações étnico-raciais devem atingir as mais diversas parcelas da população,

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vale ressaltar que os estudos de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e

africana não se direcionam apenas à população negra; ao contrário, deve fazer parte do

aprendizado de toda a população, com o propósito de se educar para a construção de uma

sociedade de perfil multicultural, pluriétnico e democrática. Nesse aspecto seguimos os

pensamentos de Santos (2011, p. 17) quando afirma que

Para a formação de uma sociedade mais justa, faz-se necessário desconstruir

o mito da democracia racial tão presente na sociedade brasileira, para que

perceba a complexa rede de influências de compõe a cultura brasileira e suas

significações. Dessa forma, a inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira

e Africana nos currículos da Educação Básica não significaria apenas uma

mudança de conteúdos na grade escolar. Deveria, no entanto, tratar-se de

uma ação política, com agudas implicações nas relações perpassadas no

cotidiano escolar, na formação dos professores, e, ainda na auto-estima dos

alunos afrodescendentes que se veriam representados na literatura, nas artes

e na história de forma positiva, caminhando no sentido de compensar

prejuízos/danos sedimentados em nossa história.

As ações discriminatórias acontecem de forma velada e despretensiosa, através, por

exemplo, dos murais expostos em que retratam apenas desenhos de crianças não-negras, ao

decorar seus espaços para as datas comemorativas, ou mesmo diante de um ato

preconceituoso de um aluno para com o outro e o professor permanecer omisso.

“O que se coloca portanto, é o desafio de a escola se constituir em um espaço de

resistência, isto é, de interação entre o trabalho educativo escolar, e as questões sociais,

posicionando-se crítica e responsavelmente perante elas” (BRASIL, 2001c, p. 52). Para tanto,

a escola deve adotar ações orientadas por um currículo diverso e dinâmico, em que o aluno

afro-brasileiro perceba-se representado, sem resquícios de qualquer forma de preconceito.

Porém o maior desafio é o de reconhecimento, o reconhecimento pela escola em

perceber-se como ambiente propício à propagação da cultura do preconceito ao negar a sua

obrigatoriedade em educar partir da humanização, no respeito às diferenças. A escola deve

tomar para si as preposições: reconhecimento, valorização e fortalecimento no trato com a

diversidade étnico-racial. Dessa forma estaria provendo uma educação igualitária pois,

Tais desconstruções de negações são possíveis por meio do incentivo ao

exercício do debate, da reflexão, da ressignificação das fronteiras, do

reconhecimento da identidade, do fortalecimento da autoestima e

autoimagem, da solidariedade e do respeito às diferenças individuais pela

construção de uma cultura da paz, aspectos essenciais à tessitura do currículo

(PEREIRA e CORDEIRO, 2014, p. 8).

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Nesse aspecto, apontamos a ressignificação do PPPEEP acerca das definições de

igualdade e diversidade que defende no documento. Entendemos que a construção do sujeito

social acontece pelas vias da interação com o outro, na referência ao diferente. Nesse

contexto, o sujeito constrói sua identidade subsidiada pelo reconhecimento, valorização e

respeito à diversidade étnico-racial. Abordagem que necessita ser contemplada no PPPEEP,

que apesar de defender uma educação pautada na história sócio-cultural do aluno, ainda omite

as discussões sobre as relações étnico-raciais que os formam.

3.2 O SEMEAR DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA ESCOLA

POTIGUASSU: UMA HISTÓRIA A SER CONSTRUÍDA

A História caracteriza-se como uma das disciplinas precursoras na organização

curricular brasileira, apresenta em sua trajetória várias mudanças de conteúdo, objetivos,

práticas pedagógicas e conceitos, em resposta aos interesses políticos e econômicos de cada

época. A partir das discussões mediadas por historiadores, as propostas curriculares sofreram

influências das diversas vertentes historiográficas, estas pontuando os aspectos sociais,

culturais e históricos como fundantes na formação de cidadãos conscientes do seu papel na

história da sociedade como agente transformador.

Por esse prisma, a História no Ensino Fundamental tem por objetivo

conduzir o aluno à reflexão e análise para uma melhor compreensão da

realidade que o cerca. Com o entendimento adquirido nas aulas de História,

os alunos serão capazes de agir por si próprios no meio em que atuam,

valendo-se de suas opiniões, indagações e pontos de vista. (SILVA, 2015, p.

73).

Seguindo tais mudanças, destacamos as incitadas pelas reivindicações dos povos de

matrizes africanas, na busca de renovações metodológicas e curriculares que correspondessem

aos anseios dos diversos grupos sociais de diferentes origens e com necessidades também

diferenciadas, que se constituía no espaço escolar.

Nesse aspecto, o ensino da História efetivado através da seriação de fatos e

acontecimentos cronologicamente organizados e estudados, retratado através das lentes

eurocêntricas não correspondiam às necessidades subjacentes à realidade dos alunos, pois, as

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premissas que orientavam as atividades educacionais tradicionais no ensino de História eram

vistas como delimitadoras das capacidades cognitivas e intelectuais dos alunos, sendo preciso

sua reformulação para que fosse possível a conscientização do aluno como sujeito histórico.

O ensino de História a partir dos PCN (BRASIL, 2001), traz à luz o conhecimento

histórico instaurado nas bases da diversidade, substituindo os direcionamentos pautados no

eurocentrismo pelo multiculturalismo. Temos uma ruptura do domínio histórico pelas lentes

do colonizador, que desde então, promove o ensino de História de acordo com seus feitos e

suas verdades, de forma linear e inflexível, representando-se como centro da história

brasileira. Corroboramos com o que diz Borges (1989, p. 49), quando afirma que o processo

histórico:

Não é uma linha reta com tendência constante, inclui idas e vindas, desvios,

avanços e recuos, inversões, etc. Há mesmo transformações que podem ser

vistas como rupturas, pois alteram toda a forma de viver a sociedade. É,

porém, uma ruptura que foi lentamente preparada, que está sempre ligada

com algo que já existia, pois não se pode admitir o surgimento de uma

situação nova sem a ligação com as anteriores.

A partir dos objetivos educacionais elencados no seu PPP, a Escola Potiguassu

utilizou como referência para compor como programa de ensino de História, as orientações

dos PCN (BRASIL, 2001), postulados da seguinte forma:

Espera-se que ao final do Ensino Fundamental I, os alunos sejam capazes de:

- comparar acontecimentos no tempo, tendo como referencias anterioridade,

posterioridade e simultaneidade;

- reconhecer algumas semelhanças e diferenças sociais, econômicas e

culturais de dimensão cotidiana, existentes no seu grupo de convívio escolar

e na sua localidade;

- reconhecer algumas transformações sociais, econômicas e culturais nas

vivências cotidianas das famílias, da escola e da coletividade, no tempo, no

mesmo espaço de convivência;

- caracterizar modo de vida de uma coletividade indígena, que vive ou viveu

na região distinguindo suas dimensões econômicas, sociais, culturais,

artísticas e religiosas;

- identificar diferenças culturais entre o modo de vida de sua localidade e o

da comunidade indígena estudada;

- estabelecer relações entre o presente e o passado

- identificar alguns documentos históricos e fontes de informações

discernindo algumas das suas funções. (ESCOLA, 2015, p. 30).

Interpretamos como positiva a orientação da disciplina baseada nos PCN de História

(BRASIL, 2001) por apresentar orientações curriculares para o trabalho com a diversidade, e

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mesmo sem explicitar o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, encaminham os

objetivos e fazem referência ao trabalho com os diversos grupos sociais. Ao apoiar-se nos

PCN do ensino de História, a Escola Estadual Potiguassu depara-se com diferentes

concepções e formatações para o ensino da disciplina, que a orienta no sentido de inovações

teóricas e metodológicas, norteando suas ações com base na diversidade sociocultural. Além

disso, busca promover um conhecimento significativo para o aluno, permitindo que estabeleça

relações com o passado e o que vivencia atualmente, além de possibilitar as projeções para o

futuro, que se reconheça como produtor e pertencente a uma sociedade diversa, além disso,

permite, segundo o autor:

Compreender as transformações sofridas pelas sociedades e também as

permanências culturais existentes em nosso tempo, permite planejar com

mais clareza nossas ações, assim como valorizar as diversidades étnicas e

sociais que vão se constituindo ao longo do tempo. (BERNARDO, 2009, p.

27-28).

No entanto, identificamos no documento que os objetivos a serem alcançados pelo

ensino de História, estão formatados, ipsis literis propostos pelos PCN de História para o

primeiro ciclo do Ensino Fundamental, o que limita a abordagem aos objetivos para o

segundo ciclo, segmento analisado pela nossa pesquisa, pois, como apresentado pelos PCN,

há uma progressão sistematizada no tocante a conteúdos e conhecimentos direcionados a cada

segmento educacional, o que deixa a desejar a continuidade do processo de formação

enquanto perspectiva histórica quando omitida as referências para o segundo ciclo. Diante do

exposto, buscamos conhecer quais eram as orientações curriculares que norteavam a

abordagem da disciplina, pela professora Marcelina.

Pesquisadora: Ao organizar suas aulas, quais são os referenciais curriculares

que utiliza como suporte para orientar os conteúdos e as práticas

pedagógicas que adotará no ensino de história?

Professora: Geralmente, eu uso o livro didático, porque agora não tem mais,

mas eu gostava de usar jornais, que gosta de vir sempre um conto de história.

Deixou de vir. Eu até tenho em casa uns jornais antigos que tem Nísia

Floresta, que foi uma das mulheres importantes. E outras coisas que tinha

sobre a violência da mulher. Eu vou me baseando em coisas assim. E muitas,

não tem um foco, só nisso aqui. Porque na história, eu começo com a história

da criança. Eu gosto de começar o ano com a história da criança, sua vida, de

onde vem, quem é, onde nasceu. Então faço pesquisa do tipo: de onde

vieram seus pais, sempre moraram aqui? E onde eles moravam? Mando a

pesquisa eles escrevem, eles trazem. Começo assim.

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Pesquisadora: Esses conteúdos que você colocou agora, você se baseia em

que referenciais, para abordar ?

Professora: Nos livros didáticos, eles hoje são muito ricos nisso. Eu me

baseio nos livros didáticos. (MARCELINA, 2016)

Identificamos o desconhecimento da professora em relação às bases orientadoras

curriculares para o ensino de História para o segundo ciclo do Ensino Fundamental, que tem

como objetivo fundante, “levar o aluno a compreender as semelhanças e diferenças, as

transformações sociais, culturais e econômicas de sua localidade, fazendo um paralelo entre o

passado e o presente mediante a utilização de diferentes recursos, variando de acordo com a

clientela atendida.” (SIQUEIRA e QUIRINO, 2012, p.6). Ao mesmo tempo em que

identificamos na fala da professora Marcelina, sua tentativa em seguir por caminhos que

levam a reflexão sobre as origens étnica e histórica dos seus alunos, mesmo sem o domínio

das orientações curriculares documentais, busca conhecer de forma intuitiva, as raízes

históricas dos seus alunos.

O livro didático utilizado pela professora para a seleção de conteúdos é o manual do

professor, foi distribuído pelo Ministério da Educação, através do Programa Nacional do

Livro Didático, intitulado: “Projeto Buriti: História – 5º ano”, apresenta os conteúdos

organizados por tempos históricos (colonial, império, república e tempos atuais), apresentados

em uma perspectiva cronológica. Ao selecionar os conteúdos provenientes do livro, a

professora Marcelina, segue a ordem cronológica dos fatos, dessa forma, impede a

compreensão do aluno acerca da simultaneidade de fatos históricos, “de perceber que os fatos

históricos que acontecem ao seu redor decorrem de uma dinâmica de relações espaciais

próximas e distantes e se estabelecem numa multiplicidade temporal” (ABUD, 2012a, p. 11).

Com conteúdos elaborados e apresentados de forma estagnada, o processo de ensino-

aprendizagem acontece sem nenhuma relação com a vivência do aluno, inclusive na

elaboração dos conceitos de tempo e espaços históricos. Como podemos comprovar:

A segunda aula de História foi sobre o governo Getúlio Vargas, aula expositiva com o apoio do livro

didático para leitura e direcionamento de questões para responder. Sentimos falta de melhor

orientação e preparo por parte da professora na contextualização histórica dos principais

acontecimentos. Sendo logo substituída pela aula de matemática, sob a exigência dos alunos. (Diário

de campo, 17/10/2017).

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O ensino de História se caracteriza como algo inflexível, pronto e acabado, sem

nenhum tipo de reflexão diante dos fatos e acontecimentos, desvinculados da realidade e da

formação histórica social. Apesar da exposição dos conteúdos dispostos de forma cronológica,

o livro, apresenta no capítulo destinado às orientações ao docente, textos complementares,

promovendo a transversalidade temática, destacamos o texto “Dia Nacional da consciência

negra na escola”, que traz na integra a Lei 10.639/2003.

Entendemos que a história da sociedade brasileira é fruto da interseção das culturas

africana, indígena e europeia, e que “o conhecimento das diversas culturas ocupa hoje um

lugar de suma importância para o avanço da cidadania e sua ideia central está baseada no

processo de formação das identidades das novas gerações e das finalidades do ensino de

História” (SIQUEIRA e QUIRINO, 2012, p. 10-11), no entanto, o que presenciamos é o

domínio da cultura europeia, diluídos em anos até os dias atuais. Em consequência, ouvimos o

silenciar das culturas africana e indígena.

De acordo com Santos (2011), a imagem reproduzida do afro-brasileiro na sociedade,

ainda está impregnada pela imagem da escravidão, da subserviência. Retratos de uma

sociedade absorvida pelos princípios eurocêntricos, reproduzidos e multiplicados ao longo de

décadas. O estigma acompanha a população afrodescendente até os dias atuais, que continuam

sofrendo com ações de preconceitos e discriminações.

Os estudos que relacionam o ensino da história e cultura africana nos auxiliaram na

compreensão das mudanças ocorridas na organização curricular, ao mesmo tempo em que nos

direcionaram ao encontro das respostas diante das dificuldades apresentadas para

aplicabilidade no currículo para o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, no

contexto das escolas do Ensino Fundamental, anos iniciais, mais especificamente a Escola

Estadual Potiguassu. Seguimos o pensamento de Freire (1996, p. 39), quando afirma que: “ é

próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser

negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa do velho não é apenas

cronológico.”

Diante do exposto, percebemos que a relação estabelecida entre o ensino de História

como disciplina na Escola e o que delega a lei 10.639/2003, está ainda em fase de descoberta

e posterior implementação. Descoberta no sentido da Escola ainda não haver tomado

conhecimento, no direcionamento curricular, da introdução ao ensino da história e cultura

afro-brasileira e africana. “Não havendo, na concepção dos educadores, relevância suficiente

capaz de justificar uma mudança de paradigma, as políticas educacionais se diluem num

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vazio, que se inicia e se finda em si mesmo.”(SANTOS, 2010, p.48). Essa ausência é sentida e

presenciada diariamente através das relações interpessoais dos alunos. Como descrito a

seguir:

Os alunos em questão são parentes de primeiro grau, apresentam traços físicos

semelhantes, ambos revelam características oriundas do povo de matriz africana. No entanto,

não se reconhecem como afro-brasileiros e negam suas origens, inclusive, divulgando-as

como forma de agressão entre eles. Fato que para a professora, tal forma de tratamento entre

eles, é normal, inclusive sua reprodução na escola. Justifica que como parentes, vivem e

convivem dessa forma.

A postura adotada pela professora reforça a condição de desconhecimento e,

consequentemente, a desvalorização dos alunos acerca das suas origens, desaguando na sua

autonegação. Naquele momento, a professora desperdiçou a oportunidade de suscitar uma

discussão reflexiva sobre as formas de relações existentes entre os alunos, o respeito ao outro

e a valorização do “eu”. É necessário que o professor esteja atento às situações e que possa

utilizá-las como referências concretas para o incentivo a mudanças comportamentais e

atitudinais. A formação da identidade possibilita o desencadear de reconhecimentos e

autovalorização. De acordo com Gomes (2005, p. 41) “representa um modo de ser no mundo

e com os outros”, representados pelo contexto sócio cultural, histórico de cada sociedade. A

construção da identidade se dar com a interação com outro, partir de como me vejo e como o

outro me ver.

A construção da identidade do aluno pertencente a grupo étnico afro-brasileiro, tem o

desafio em constituir uma autoimagem e identidade, positivas diante das amarras históricas da

negatividade direcionada a sua imagem, esta, deve ser constituída sobre as bases sociais

culturais, histórias e politicas, afirmando seu pertencimento a um grupo étnico-racial.

Segundo Pereira e Cordeiro (2014, p. 11):

Refletir e debater diversidade étnico-racial no bojo do currículo escolar é, de

alguma forma, possibilitar a ressignificação da identidade, da autoimagem e

autoestima, do prestígio social e histórico dos estudantes negros (pretos e

pardos). É papel da escola por meio do currículo contribuir para essa tarefa.

A aluna G. começou a dançar na sala em resposta ao colega E. que a chamava de “piolho” e

“piolhenta”. A professora viu e ouviu, e relatou que ambos eram primos e que ele a chamava assim

na comunidade, ou em casa. (Diário de campo, 07/10/2016).

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Ao omitir-se em expressar desaprovação para com a atitude do aluno E., a professora

está corroborando com sua reprodução e multiplicação, não apenas com aluna G., mas,

projetando ao aluno E., uma forte tendência em repeti-las com outras pessoas, tendo em vista

que foi motivo de gracejo para os colegas e obteve a aprovação da docente, ou seja, a partir da

ótica do aluno, sua atitude repercutiu positivamente.

Ao omitir os conteúdos em relação à história do país, relacionados à

população negra, ao omitir contribuições do continente africano para o

desenvolvimento da humanidade e ao reforçar determinados estereótipos, a

escola contribui fortemente para a constituição de uma ideologia de

dominação étnico-racial. (ROCHA, 2006, p. 75).

Com a insuficiente abordagem dos aspectos históricos da formação social, as

repetições às depreciações do fenótipo afro-brasileiro é sustentada e vista como “normal”,

provocando nos alunos o total desconhecimento das suas origens.

Os meninos juntaram-se para iniciar uma provocação com o aluno E. dizendo que o cabelo dele não

molhava. (o cabelo do aluno é crespo.) mais uma vez, não houve reação por parte da professora.

(Diário de campo, 24/10/2016).

Nesse aspecto, o que mais nos chamou atenção, foi o fato de que os alunos, a grande

maioria, apresentam característica afro-brasileira e ainda assim, promovem ações

preconceituosas e discriminatórias.

Alunos que compartilham das semelhanças físicas, sociais e culturais não se

reconhecem como pertencentes à cultura afro-brasileira. “Cada um dos grupos que contribuiu

para a formação da sociedade brasileira tem histórias, saberes, culturas e, muitas vezes,

línguas diversas” (SILVA e SOUZA, 2008, p. 170). Os elementos constitutivos da nossa

sociedade são abordados de forma eurocêntrica nas escolas, até os dias atuais, ainda

vivenciamos a adaptação de um modelo educacional que não corresponde a realidade em que

vivemos. Em função disso, temos a perpetuação de práticas educacionais discriminatórias.

Quando falamos em discriminação étnico-racial nas escolas, certamente

estamos falando de práticas discriminatórias, preconceituosas, que envolvem

um universo composto de relações raciais pessoais entre os estudantes,

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professores, direção da escola, mas também o forte racismo repassado

através dos livros didáticos. Não nos esquecendo, ainda, do racismo

institucional, refletido através das políticas educacionais que afetam

negativamente o negro” (SANT‟ANA, 2005, p. 50)

Porém, o que de fato ocorre é que elementos de cunho negativos para a formação da

identidade estavam sendo construídos, todos os alunos da turma estão em processo de

construção do ser, e atitudes como as reveladas por meio da observação participante,

fortalecem a autonegação do “eu”, o espelho deixa de transmitir sua imagem para refletir o

desejo de ser quem o outro quer que ela seja, para que seja aceita pela sociedade e não seja

mais o centro das atenções de forma pejorativa. Perdendo sua essência vital e transformando-

se em um produto de uma sociedade que modela seus integrantes a partir de uma “forma”

única. O diferente é visto como fora do normal. Mas, o que seria normal? Qual é a referência

de normalidade? Concordamos com Silva (2007, p. 496) quando ao afirmar que:

A escola, embora concebida, nos termos dos textos legais e objetivos

pedagógicos, para garantir e divulgar princípios de justiça e igualdade, tem

divulgado e reforçado visão unitária e não plural de sociedade. Tem

propiciado a formulação de representações que desvalorizam os diferentes,

aqueles que não se encaixam nos padrões difundidos pela referida visão

unitária. Tem propiciado representações que geram, junto aos diferentes,

tidos como não iguais, percepção de inferioridade que lhes seria inata e

quase sempre incorrigível.

A lei revela às escolas sua responsabilidade social no combate ao preconceito e

discriminações, através do reconhecimento e valorização da história e cultura afro-brasileira e

africana, exigindo dos estabelecimentos de ensino atuar como ambiente promotor da prática

para a diversidade. Nesse aspecto, procuramos, durante a entrevista, saber da professora

Marcelina qual importância atribuía ao trabalho com o ensino de história e a cultura afro-

brasileira, ao que nos revelou o seguinte pensamento:

Pesquisadora: Qual importância você atribui para o ensino da história e

cultura afro-brasileira e africana na sala de aula? Justifique. Que importância

você acha que tem de ser trabalhado e por quê?

Professora: É importante porque nossas crianças elas vão tá administrando

amanhã, e muitos deles vão ser chefes, muitos deles vão ser trabalhador e pra

eles saberem os direitos deles, para eles saberem reivindicar, pra eles

saberem valorizar o outro quando o outro tiver como empregado. Se ele for

um chefe, ele saber que independente da cor o tratamento que ele tem que

dá, é igual. Tem que ser igual ao que e fez com o outro. O tratamento como

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pessoa e se ele for um trabalhador, e se sentir humilhado como trabalhador

ou como em qualquer ambiente como hospitais, e ele se sentir que esta sendo

menosprezado e perceber que foi pela cor, mas ele saber lutar e reivindicar o

seu direito e, se for ele que estiver do outro lado, ele saber tratar bem o outro

que está precisando do serviço dele. (MARCELINA, 2016)

A partir da fala da professora, entendemos que o ensino da história e cultura afro-

brasileira e africana para a professora, apresenta pouca representatividade na formação do

sujeito na sua autoafirmação enquanto indivíduo pertencente e atuante em uma sociedade

pluriétnica. Existe a necessidade em abranger os horizontes e ultrapassar as relações

trabalhistas, desmistificar o pensamento de que as únicas relações existentes nas relações

étnico-raciais são de trabalho. No seu discurso a professora discorre como acontecem as

expressões discriminatórias baseadas na cor da pele e no cargo que ocupa. Explicita situações

que, infelizmente, percebemos como cotidianas nas relações trabalhistas. E entende que tais

comportamentos serão combatidos apenas no ambiente de trabalho. O que a professora

precisa identificar, é que as atitudes de preconceito e discriminação se revelam não apenas na

fase adulta, mas é construída durante a trajetória de vida, continuamente explicitada. Como

exemplo disso, identificamos tais expressões forte e continuamente reproduzidas, na sua

própria sala de aula, entre seus alunos. São crianças em construção do ser, em formação

integral como sujeito, mas que já reproduzem em suas atitudes, expressões de preconceitos e

discriminações, que deveriam ser combatidas em sala de aula mediadas pela docente,

utilizando-se de práticas pedagógicas significativas e reflexivas. O que não aconteceu, ou seja,

futuramente, teremos adultos que reproduzirão essas atitudes, reveladas como “naturais”.

Nesse aspecto, corroboramos das ideias de Gomes (2013, p. 72) quando afirma que:

Maior conhecimento das nossas raízes africanas e da participação do povo

negro na construção da sociedade brasileira haverá de nos ajudar na

superação de mitos que discursam sobre a suposta indolência do africano

escravizado e a visão desse como selvagem e incivilizado. Essa revisão

histórica do nosso passado e o estudo da participação da população negra

brasileira poderão contribuir também na superação de preconceitos

arraigados em nosso imaginário social e que tendem a tratar a cultura negra e

africana como exótica e/ou fadadas ao sofrimento e à miséria.

Contradizendo o que está posto no PPPEEP (ESCOLA, 2015), em que aborda a

formação integral do sujeito, respeito à sua individualidade e contexto sociais e culturais.

Fica-nos evidente a ausência em abordar a educação para as relações de pertencimento,

reconhecimento e valorização étnico-raciais. De acordo com Azevedo (2011, p. 181):

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A percepção sobre as mudanças e permanências, diferenças e semelhanças

no decorrer da história da humanidade é o caminho propício para a

recuperação, reconhecimento e respeito dos alunos à diversidade e

consequente favorecimento à promoção da auto-estima dos discentes, uma

vez que inseridos em um processo ensino-aprendizagem valorizador das

diferenças individuais.

Nesse aspecto, através do PPP a Escola Estadual Potiguassu teoriza o trabalho de

forma igualitária e socializadora, porém o que está sendo processado na prática, é a afirmação

do mito da igualdade racial. Em algumas situações, mesmo de forma não intencional, atitudes

assumidas pela docente, nos conduziu pelos caminhos da “escolha” por determinadas atitudes.

Como por exemplo, no episódio vivenciado durante nossas observações na sala de aula.

O aluno MI dirigiu-se ao colega A. como “menino pode” (podre), ao que imediatamente o aluno

A. reagiu, sendo em seguida repreendido pela professora, enquanto com o aluno MI, (provocador

da situação) em tom baixo, disse que não poderia chamar o colega pela expressão dita. Sem

maiores consequências. (Diário de campo, 19/10/2016) .

Os alunos que apresentam fenótipos com características afro-brasileiras foram

constantemente repreendidos. Preferimos pensar que eram ações realizadas pela professora de

forma inconsciente, porém foram determinantes no processo de construção identitária dos

alunos. Tais atitudes colaboram com a construção da autonegação e sentimentos de

inferioridade diante dos demais. Ao mesmo tempo em que desenvolve a sensação de

“impunidade”, diante das injustiças, pois os alunos “vitimados” já têm incutido a certeza de

que nada será feito em sua defesa, e adotam o silêncio como forma de “invisibilidade” e

assim, não sofrerem nenhum tipo de agressão por parte dos demais alunos.

Atitudes como silêncio diante das agressões verbais, nos revelam a afirmação de

preconceitos e discriminações reproduzidos e perpetuados na sala de aula desencadeiam nos

alunos vitimados, constrangimentos que os impedem de apresentar-se e posicionar-se frente

aos demais, optando pela introspecção e invisibilidade. Os alunos precisam perceber-se como

iguais, afirmando a função da educação institucionalizada que busca na interação com o outro

a construção do sujeito. Diante dessa postura a professora, fortalece a rejeição identitária dos

alunos ao mesmo tempo em que desenvolve e reforça pensamentos de inferioridade e

incapacidade diante de outros alunos, por ela “defendido”. Como nesse outro episódio em

que relata claramente que estaria na defesa de um dos alunos:

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O aluno J. reclamou com a professora que MI o havia chamado de “macaco”, porém, não obteve

resposta da professora. O aluno J. continuou insistindo com a professora, na esperança que tomasse

alguma atitude. Quando finalmente direcionou a atenção para o aluno, a professora pediu que

deixasse de reclamar, que ele (J.) era que estava inventando histórias. Mas, sabemos e

testemunhamos que não eram fantasiosas as reclamações, o aluno MI, realmente havia lhe

provocado, e ainda estava com a postura de “ganhador”, com um leve sorriso no rosto. (Diário de

campo, 31/10/2016).

Nessa descrição encontramos mais um exemplo concreto em que, mesmo sendo

vitimados em algumas situações, os alunos que sempre são vistos como causadores dos

problemas preferem permanecer no silêncio ou agir “por conta própria” causando, em alguns

momentos, discussões e atitudes bruscas entre os mesmos. Sobre esse posicionamento

Kabenguele Munanga (2005, p. 15) afirma:

[...] alguns professores, por falta de preparo ou por preconceitos neles

introjetados, não sabem lançar mão das situações flagrantes de discriminação

no espaço escolar e na sala como momento pedagógico privilegiado para

discutir a diversidade e conscientizar seus alunos sobre a importância e a

riqueza que ela traz à nossa cultura e à nossa identidade nacional. Na maioria

dos casos, praticam a política de avestruz ou sentem pena dos “coitadinhos”,

em vez de uma atitude responsável que consistiria, por um lado, em mostrar

que a diversidade não constitui um fator de superioridade e inferioridade

entre os grupos humanos, mas sim, ao contrário, um fator de

complementaridade e de enriquecimento da humanidade em geral; e por

outro lado, em ajudar o aluno discriminado para que ele possa assumir com

orgulho e dignidade os atributos de sua diferença, sobretudo quando esta foi

negativamente introjetada em detrimento de sua própria natureza humana.

O tratamento igualitário deve conduzir as ações docentes, porém, em diversas

situações percebemos atitudes baseadas nas preferências pessoais docentes, inclusive, já

identificadas pelos alunos. São atitudes expressas de forma velada, mas, aberta

suficientemente para que os alunos sintam o trato diferenciado. Tanto, que o aluno A.,

conhecendo as reações da professora, preferiu arriscar-se em revidar o insulto sofrido, a

reclamar com a professora.

O aluno MI, por sua vez, percebendo a “proteção” a ele direcionada, age de forma

provocativa para com os colegas. Ao conduzir sua ações de forma separatista, a construção de

um ambiente de alteridade, solidariedade, cumplicidade e interação fica comprometida. A

tendência é a formação de um ambiente promotor de competividade, de busca pela atenção do

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professor, influenciando negativamente no processo de construção da autoestima do aluno.

Sentimentos diversos são despertados entre os alunos, a partir das ações da professora.

Sentimentos como tristeza, abandono, competitividade e desrespeitos, são alguns que

percebemos aflorar. As atitudes protetivas de forma maternal com o aluno MI nos permitem

inferir que são provenientes da apresentação física do aluno, sendo este o único aluno de pele

clara na sala.

Devemos superar a visão mecanicista de percebera escola e a educação como

mero reprodutores da ideologia dominante e das condições de classes que

privilegia uma em detrimento das outras. A educação e a escola podem e

deve, ser utilizadas como instrumento de luta pelos setores oprimidos, pois

na medida em que reproduzem a dominação de classe, também reproduzem

suas contradições, permitindo dessa forma que as classes subalternas

vislumbrem a superação do domínio por meio das práticas dos que

trabalham na escola e da aquisição de conhecimentos universais necessários

à intervenção consciente no mundo. (SANTOS, 2008, p. 3).

Nesse aspecto, a Escola tem a urgência de perceber e responder aos “gritos

silenciosos” dos alunos vítimas de preconceitos e discriminações. Precisa retirar dos olhos a

venda da falsa igualdade racial e promover ações de combate a tais atitudes.

Durante nossas observações presenciamos diversas expressões discriminatórias no

ambiente escolar, com destaque para as expressões de preconceito e racismos proferida entre

os alunos da turma investigada. Dessa forma, ao abordar a temática étnico-racial, de forma

superficial apenas pela abordagem festiva, a escola e professor fortalecem as expressões

negativas identitárias.

A aluna G. apresenta características afro-brasileiras bem definidas, tais como cabelos crespos, cor da

pele negra. A aluna, é constantemente vitima de ataques preconceituosos em relação ao seu cabelo.

Os colegas referem-se a ela como “piolhenta”. Situação sobre a qual a professora se cala e não

revela reação alguma. Percebemos que a aluna, em alguns momentos assume atitudes agressivas no

intuito de defender-se, já que não pode contar com o apoio da professora.

Um episódio acontecido com a aluna, mexeu intensamente com nossos sentimentos, e nos promoveu

angústias e sentimento de impotência. Alguns meninos, estavam desenhando, identificado pela aluna

G. como sendo referência a sua imagem, tendo em vista que retratava uma menina com lábios

grossos e os cabelos com piolhos. Ao reclamar com a professora, ouviu da docente a seguinte

afirmação:

- Ela não é piolhenta não. Eu falei com a mãe dela e pedi que olhasse se ela tinha piolhos. A mãe

disse que, não. Então, quem tem piolho, não é ela, não, é quem esta falando. (Diário de campo,

17/11/2016)

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A partir da observação participante, identificamos aprovação indireta da professora

diante das manifestações constantes de preconceitos e discriminação, além de colocar-se na

situação de fortalecedora das atitudes. Percebemos a necessidade de formação e informação

para que a professora trabalhe de forma construtiva a temática. Tendo em vista que essa não é

uma ação isolada na sala de aula, é fruto da integração da rede educacional da escola, desde

gestão a professores, passando por pais e funcionários. Pensamentos e ações dominadoras

continuam sendo processadas até os dias atuais. Ao reproduzir tais pensamentos, a professora

está reproduzindo e ao mesmo tempo fortalecendo atitudes de preconceitos e discriminações

no âmbito escolar.

A educação escolar deve ajudar professor e alunos a compreenderem que a

diferença entre as pessoas, povos e nações é saudável e enriquecedora; que é

preciso valorizá-la para garantir a democracia que, entre outros, significa

respeito pelas pessoas e nações tais como são, com suas características

próprias e individualizadoras; que busca soluções e fazê-las vigorar é uma

questão de direitos humanos e cidadania. (LOPES, 2005, p. 189).

Ao calar-se diante de situações como vivenciadas na sala de aula, descrita no decorrer

do nosso trabalho como ações proferidas entre os alunos, quando um aluno refere-se ao outro

como “macaco”, dada a cor da pele do colega, ou até mesmo em referência ao biotipo como

“cabelo de bucha”, expressões que não receberam nenhum tipo de reação por parte do

docente, este assume a posição de conivente. Como postulado nas DCNERER (BRASIL,

2004), a escola e o professor devem posicionar-se contra toda e qualquer expressão de

preconceito e racismo. Tais atitudes extremamente racistas e preconceituosas, proferidas na

sala de aula, marcam profundamente as crianças que sofreram as ações, provocando sequelas

irreparáveis na construção da sua identidade, enfraquecendo ou até mesmo se autonegando.

Partimos do pressuposto de que se há um trabalho voltado para as relações étnico-raciais na

escola, e acompanhado de forma colaborativa, a professora teria elementos para uma

discussão e reflexão, e tais atitudes seriam evitadas e combatidas. Nesse aspecto, Lopes

(2005, p. 189) revela que:

A escola, como parte integrante dessa sociedade que se sabe preconceituosa

e discriminadora, mas que reconhece que é hora de mudar, está

comprometida com essa necessidade de mudança e precisa ser um espaço de

aprendizagem onde as transformações devem começar a ocorrer de modo

planejado e realizado coletivamente por todos envolvidos, de modo

consciente.

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Tomamos o ensino de História como palco para reflexão e reconhecimento do sujeito

como agente histórico e transformador consciente da sua pluralidade étnico-cultural. Sendo

este, a ponte que permite ao aluno constituir sua identidade como ser individual e ao mesmo

tempo coletivo, consciente da influência dos diferentes grupos étnicos. Permite descobrir-se

como sujeito promotor das transformações da sociedade em que vive, e que essa mesma

sociedade foi constituída a partir das mudanças e transformações a que foi submetida. Nesse

aspecto, estabelece relação direta com os grupos sociais, culturais e étnicos que constituem a

sociedade brasileira, e são determinantes na construção identitária do sujeito. Como nos

afirma Azevedo (2011, p. 181):

A percepção sobre as mudanças e permanências, diferenças e semelhanças

no decorrer da história da humanidade é o caminho propício para a

percepção, reconhecimento e respeito dos alunos à diversidade e

consequentemente favorecimento à promoção da autoestima dos discentes,

uma vez que inseridos em um processo ensino-aprendizagem valorizador das

diferenças individuais.

A escola tem a função de transformar a postura de discriminação diante do diferente,

que é datada desde o domínio português nas terras brasileiras, pelas vias da aculturação

promovida pelo eurocentrismo, com a comunidade indígena no seu ambiente e com o povo

africano, etnias subjugadas e inferiorizadas durante anos de história, que buscam através das

lutas e reivindicações reescrever suas histórias com suas próprias vivências sociais e culturais.

Compreendemos que a introdução das mudanças teórico-metodológicas devem ser

acompanhada pelas mudanças curriculares no ensino da História, caso contrário, o processo

metodológico continuará orientado pelas bases da descontextualização, repetição e

memorização de datas comemorativas e heróis europeus colonizadores no estudo histórico. A

ausência da introdução no currículo escolar referentes à diversidade étnico-racial, se configura

como um dos obstáculos na elaboração das ações pedagógicas, pois estas estão vinculadas a

um currículo que, na sua maioria, consiste em uma listagem de conteúdos conceituais, não

trazendo no seu corpo orientações procedimentais e atitudinais. Nesse aspecto, a escola e seus

agentes devem reconhecer o ensino na História como determinantes no processo de formação.

De acordo com Fonseca (2010, p. 2):

A História ocupa um lugar de estratégia, na „partitura‟ do currículo da

educação básica, pois como conhecimento e prática social, pressupõe

movimento, contradição, um processo de permanente re/construção, um

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campo de lutas. Um currículo de História é sempre processo e produto de

concepções, visões, interpretações, escolhas de alguém ou de algum grupo

em determinados lugares, tempos, circunstâncias.

Para tanto, é imprescindível que a escola assuma sua função na quebra de preconceitos

e conceitos socialmente construídos ao longo da história da educação em relação à abordagem

étnico-racial, “contrariando” as premissas etnocêntricas de ensino, enraizadas e proliferadas

ao longo dos anos, pois esta deve apontar suas ações no direcionamento da não definição

monocultural.

Diante do exposto, compreendemos que a escola deve criar condições para que os

estudantes afro-brasileiros sintam-se contemplados em sua totalidade educacional, livres de

qualquer atitude de preconceito e discriminação. A frente desse processo, temos o professor,

ser social, constituído na relação com o outro, portador de concepções e pensamentos

próprios, adquiridos e formados ao longo da sua trajetória de vida. Um profissional que tem

como premissa a atualização educacional através da pesquisa e da formação continuada.

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4. O DESABROCHAR DOS REFLEXOS DA PRÁTICA

PEDAGÓGICA

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4. O DESABROCHAR DOS REFLEXOS DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA

DOCENTE

Neste capítulo apresentamos a análise da prática pedagógica adotada pela professora

Marcelina, através da triangulação dos dados baseada na entrevista semiestruturada,

observação participante e registro em diário de campo e descrição. Tomamos a referência da

prática pedagógica por promover a construção de diferentes concepções e visões de mundo,

plantadas, e cultivadas dia-a-dia pela docente, por isso, a denominação do capítulo fez

referência à flor do Baobá, pois, assim como a prática pedagógica, devem ser cultivadas para

que possamos florescer colher frutos positivos.

Definimos como categoria de análises: a prática pedagógica para o ensino de História

nos anos iniciais, planejamento e religiosidade além das relações interpessoais na educação

para as relações étnico-raciais.

4.1 A PRÁTICA DOCENTE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO

ENSINO FUNDAMENTAL: PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS

“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina

ensina alguma coisa a alguém” (FREIRE, 1996, p. 25). Partimos dessa máxima para pontuar

um aspecto importante no nosso pensar, o ato de ensinar é proveniente da concepção de

educação, atrelado a ele, temos o tipo de sujeito que estaremos formando, para assim

definirmos como formar. Assim, questionamos: quem são os sujeitos da EEP? Quais são suas

características sociais, econômicas e culturais? Como percebem o mundo e a sociedade em

que vivem? Sujeitos únicos e que precisam ser visto pela instituição de ensino sem pré-

conceitos, livres das amarras da reprodução igualitária, ou seja, sem a utilização da “forma”

para uma “modelagem” única. Buscamos uma educação pautada na diversidade no respeito às

diferentes visões de ser e estar no mundo. De acordo com Freire (1979, p. 31): “A educação

não é um processo de adaptação do indivíduo a sociedade. O homem deve transformar a

realidade para ser mais”.

Como percebe seus alunos, será a base para a prática pedagógica docente, em conjunto

com a concepção revelada pela escola enraizada nas suas ações. Diante do exposto, os

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conteúdos, serão selecionados e abordados diante de uma prática pedagógica que assim como

os conteúdos, corresponderá ao que pensa a professora sobre os seus alunos, em relação às

capacidades cognitiva e intelectual. De acordo com Freire (1996, p. 39): “Faz parte

igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida de qualquer forma de discriminação. A

prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e

nega radicalmente a democracia”.

Compreendemos que ao adotarmos devidas ações pedagógicas é revelado o que

pensamos sobre educação, tipo de sujeito que queremos formar e o que pensamos sobre nosso

aluno. Com base nisso, selecionamos conteúdos que elegemos determinantes no processo que

orientará a formação do sujeito. De acordo com Sacristán (1998, p. 150): “O que se ensina, se

sugere ou se obriga a aprender, expressa os valores e funções que a escola difunde num

contexto social e histórico concreto”. Nesse sentido, entendemos que o currículo escolar, ao

definir-se como diverso, deve apresentar ligações intrínsecas entre os objetivos a serem

alcançados, os conteúdos que nortearão os caminhos para alcançá-lo e as práticas pedagógicas

devem corresponder ao que é posto.

A prática pedagógica significativa permite maior atuação no meio social,

transformando-o e adaptando-o às suas necessidades, porém para obtenção desses resultados a

prática deve ser pautada na reflexão. “Através da ação educativa o meio social exerce

influências sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas influências, tornam-

se capazes de estabelecer uma relação ativa e transformadora em relação ao meio social”

(LIBÂNEO, 1994, p. 17).

A partir do exposto, tomamos a concepção de educação defendida pelo PPPEEP

(2015), que prima por uma sociedade mais justa e igualitária. E busca na formação integral do

sujeito, além de desenvolver sua capacidade cognitiva, social e politica, a constituição de

agente transformador da sociedade em que está inserido. Diante do discurso da formação

integral do aluno, entendemos que as demais capacidades, sociais, intelectuais e cognitivas

devem ser consideradas e resolutas na preparação das ações educativas. Tais aspectos não

foram verificados na sala de aula da turma do 5º ano da EEP.

Os alunos não são incentivados a buscar a resolução dos problemas, a realizar as atividades de

forma independente. As atividades, na maioria das vezes, são registradas no quadro que, ao acabar

de copiar, a professora responde com os alunos, não lhes permitindo pensar e buscar a resposta.

Além disso, são atividades que não desafiam, nem promovem reflexões para a elaboração de novos

conhecimentos. (Diário de campo, 17/11/2017).

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O ensino de História que toma por base “a descoberta” como defende Azevedo (2013)

não se vê em sala de aula.

A fim de possibilitar incentivos constantes à aprendizagem dos alunos, os

procedimentos de ensino selecionados precisam ser diversificados,

apresentar coerência em relação aos objetivos traçados, adequar-se às

necessidades dos alunos e por isso atender à contextualização dos conteúdos

e, servir de estímulo à participação do aluno no que se refere ao ensino de

História, ou seja, um ensino que tem por base a descoberta. (AZEVEDO,

2013, p, 22).

Os alunos são submetidos a momentos de cópia sem contextualização. A falta de

diversificação das atividades é um impedimento para o desenvolvimento de diferentes

habilidades dos alunos. Essas atividades, por sua vez, precisam estar de acordo com os

objetivos da aula. Não havendo clareza sobre estes e domínio de metodologia de ensino, todo

o processo torna-se comprometido. Como declara Azevedo (2013), é preciso buscar verificar

a aprendizagem dos alunos de forma ampla e plural.

Assim, em termos operacionais, no plano de aula o docente poderia operar a

avaliação por meio de diferentes recursos. Esses poderiam ser pensados tanto

para o momento de desenvolvimento das aulas quanto para outros contextos,

mediante a realização de atividades extraclasse, por exemplo, sempre

corrigidas em aulas seguintes. No planejamento da avaliação é importante

considerar a necessidade de: a) selecionar situações de avaliação

diversificadas e coerentes com os objetivos propostos; b) selecionar ou

produzir instrumentos de avaliação de acordo com a dinâmica impressa nas

aulas ao longo da unidade de ensino; c) definir critérios aos dados da

avaliação; e, d) interpretar os resultados da avaliação para poder considerá-los

como dados para a definição de ações nos planejamentos posteriores.

(AZEVEDO, 2013, p. 23).

Isso nos leva a pensar na importância da prática docente reflexiva, na importância de o

docente buscar rever constantemente as suas práticas em prol de melhorias. Do contrário, o

que verificaremos em nossas salas de aula e concluiremos no decorrer de nossas pesquisas é a

permanência de um ensino tradicional não mais condizente com a realidade do público escolar

atual, impeditivo do desenvolvimento dos alunos bem como do reconhecimento da História

como disciplina escolar necessária aos currículos desde os anos iniciais do Ensino

Fundamental.

Quanto à permanência do tradicional no ensino de História, Abud (2012b) declara:

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[...] mantém-se incólume a concepção de História que vem sendo construída

pelo ensino, desde as séries iniciais da escola fundamental: uma disciplina

baseada num conhecimento imutável que pouco desenvolve as capacidades

cognitivas das crianças. Menos ainda iniciam a aprendizagem do meio social,

temporalmente localizado. Apesar de ser apontada pelos professores e

especialistas em História como formadora da consciência crítica, a disciplina

não atinge esse aspecto da formação do indivíduo, ou melhor não inicia sua

trajetória formativa nos primeiros anos de escolarização, presa que está aos

aspectos factuais, considerados de mais fácil acesso para as crianças, por que

seria uma “informação concreta”. (ABUD, 2012b, p. 558).

O ensino considerado tradicional seria aquele baseado nas preleções docentes tendo

como foco da aprendizagem o desenvolvimento da capacidade de memorização. Saberia mais

quem decorasse mais. Como lembram Siqueira e Quirino (2012, p 1):

Durante muito tempo o Ensino de História nas escolas brasileiras foi

permeado por fatos políticos nos quais eram favorecidas as elites e as classes

dominantes. Por conta de seus interesses políticos escolhiam os conteúdos que

deveriam ser ensinados e na maioria das vezes esses conteúdos exaltavam as

lutas, os heróis e os feitos políticos da época.

Afirmamos, contudo, que é possível encontrarmos experiências em salas de aula em

que nem mesmo esse ensino tradicional com o trabalho a partir, unicamente, no factual se

concretiza, visto que o que ocorre é um quase completo esvaziamento do conteúdo histórico

seja ele tradicional ou não.

Apesar de tentativas de renovação, as permanências nesse tipo de ensino são fortes ao

ponto de encontrarmos aspectos como esses em práticas de professores ainda neste terceiro

milênio, materializados, por exemplo, na narração de grandes eventos, de sucessão de

batalhas ou de governantes, desconsiderando-se as representações, histórias e memórias dos

alunos.

Ao analisar a metodologia de professoras com atuação nos anos iniciais do Ensino

Fundamental, no município de Parnaíba-PI, Siqueira e Quirino (2012, p. 6) afirmam:

[...] o que observamos na escola foi professores que acabaram de se formar

cometendo os mesmos erros dos quais possivelmente foram vítimas no

passado. Utilizam-se de metodologias inadequadas e obsoletas e o mais

incrível é que ainda atribuem a culpa de as aulas não terem o sucesso esperado

ao comportamento dos alunos.

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Ao analisar a prática docente (planejamento e aulas ministradas) de professores dos

anos iniciais do Ensino Fundamental, em uma escola pública da cidade de São Paulo-SP,

Neves (2004), por sua vez, afirma que:

A presença da datação-acontecimento é a referência mais constante e visível.

Os agentes sociais privilegiados são os Estados português, holandês, inglês,

francês e, em certos períodos, a Colônia brasileira, Império, a República.

Nesta relação, incluem-se alguns personagens, como presidentes. O povo, nos

períodos estudados, aparece de forma vaga, quase abstrata. (NEVES, 2004, p.

5)

A permanência do tradicional convive com o impacto das novas propostas e

orientações curriculares, entre elas os Parâmetros Curriculares Nacionais que, já na década de

1990, indicavam a introdução dos estudos históricos a partir dos anos iniciais do Ensino

Fundamental. Não se aceitava mais um ensino baseado no chamado Estudos Sociais,

responsáveis por esvaziar os conteúdos de cunho histórico nos anos iniciais da escolarização

obrigatória.

Sobre essa perspectiva de renovação, Dorotéio (2015, p. 5) afirma que: “O saber

histórico escolar, a partir da influência da historiografia contemporânea, objetiva então

estabelecer articulações constantes, nos diferentes níveis escolares, entre o local, o nacional e

o geral, utilizando, para tanto, as diferentes fontes históricas para a aquisição desse saber.”.

Mas, como avança esse processo de renovação? Em que medida atinge os anos iniciais do

Ensino Fundamental? Tem chegado às práticas docentes em salas de aula ou só estão

avançando em termos bibliográficos e de produção de material didático? Nesse sentido,

Coelho (2011, p. 108) afirma que:

A esse respeito, nossa pesquisa evidenciou que o movimento de renovação na

História Escolar não tem ido além da produção e distribuição de documentos –

entre os quais os livros didáticos de História, pensados como a principal fonte

de difusão dos avanços nesse campo. Vale destacar que esses, na maioria dos

casos, são apenas distribuídos gratuitamente, não havendo nenhum incentivo à

discussão de seu conteúdo com os sujeitos envolvidos, na escola, com a

aplicação desse conteúdo. Nesse sentido, não se leva em conta que as

professoras a quem se destinam não têm formação específica em História, já

que o maior contato que tiveram com essa disciplina foi como alunas do

Ensino Básico, fonte, em geral, de uma visão negativa da disciplina História

que trazem, a qual não se adequa à concepção que têm de conhecimento ou de

ciência, como verdade inquestionável, passível de comprovação.

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Entendemos a preocupação da autora e a defesa da formação das docentes e

concordamos que há a necessidade de melhorias na formação dos docentes que atuam nos

anos iniciais do Ensino Fundamental. Contudo, vale declararmos a importância da

continuidade permanente de estudos por parte dos docentes tomada como capacidade de

iniciativa para a adequada e contextualizada manutenção na carreira docente. Esperar,

prioritariamente, ou quase totalmente, pelo poder público, as iniciativas formativas,

certamente, só complicará a formação docente. É preciso ir além e isso começa pela

permanência nos estudos e tudo começa pela leitura e discussões que podem ser travadas no

próprio ambiente de trabalho. É importante considerar e defender a escola como palco da

formação docente e enxergarmos os professores como profissionais intelectuais. O

investimento da formação docente precisa ser permanente, sem dúvidas. Como defende

Moura (2005, p. 117): “É preciso investir na formação docente, inclusive na formação

continuada, para que os professores tenham condições de refletir sobre os significados das

teorias e dos métodos. Enfim, refletir sobre a realidade histórica e sociocultural”.

A professora nos pediu uma sugestão de filme, tendo em vista que era o seu dia para utilizar o

multimídia. Diante das atitudes de preconceitos que percebemos haver na sala, sugerimos o filme

CJ7 o Brinquedo mágico. Um filme que aborda as diferenças sociais, preconceitos, relações

interpessoais na escola, discriminação, família e mudança de comportamento. Aspectos relatados a

professora antes da exibição do filme, para que pudesse planejar sua aula e orienta-la. Porém, o que

vimos foi a ausência de discussões e reflexões sobre as ações apresentadas no filme, resultado da

não preparação antecipada da professora sobre o filme, que foi tão inédito para ela quanto para os

alunos. (Diário de campo, 10/10/2016).

Ao apontar o filme para exibição, nossa esperança era que houvesse um debate na sala,

sobre os aspectos sociais apresentados no filme, já que não havia menção ao trabalho com a

diversidade, aspecto, abordado no Projeto Politico Pedagógico da Escola Estadual Potiguassu.

Porém, na falta do conhecimento da essência do filme, a professora ficou impossibilitada de

conduzir uma discussão que ela mesma não havia se preparado para conduzir. O filme foi

utilizado apenas como diversão, algo que se busca evitar nesse tipo de trabalho. “Imagem ou

não da realidade, representação autêntica ou pura ficção, o filme é um registro da história,

retrata um determinado imaginário e demonstra a existência de uma cultura material; ainda

que no plano da invenção, ele é história, pois as invenções também são produtos humanos”.

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(AZEVEDO e LIMA, 2011, p. 71). Assim, o filme precisa ser alvo de estudo e trabalho em

sala de aula e não simples entretenimento.

Muitas cenas retratam episódios praticados pelos alunos na sala com outros colegas,

mas, passaram despercebidos pela turma. Sabemos que é necessário maior domínio do

docente para a abordagem de forma concreta e significativa dos temas sociais que envolvem

seus alunos de forma contundente. Mas, no caso da professora Marcelina, houve a opção de

permanecer na obscuridade e omitir-se. Mudanças pedem formação e aplicação, pedem

dedicação, situações que dependem disponibilidade do professor em se propor a desenvolver.

Infelizmente, o que identificamos foi a indisponibilidade em buscar. No caso do filme,

entregamos com antecedência e sua missão era assistir e elaborar situações que levassem o

aluno a refletir suas ações e relações com o outro, mas, percebemos que não havia assistido ao

filme, sendo tão novidade para a professora Marcelina, quanto para seus alunos. É importante

nesse tipo de atividade:

[...] levar ao aluno reais possibilidades de interpretação da obra cinematográfica, ou

seja, tratar o filme como um documento. Em outros termos, não podemos

simplesmente ignorar o cinema nas aulas de História. Pelo contrário, é importante que

ele faça parte, analisado em suas especificidades e possíveis contribuições, da reflexão

acerca das sociedades. (AZEVEDO e LIMA, 2011, p. 71).

Mas, o que verificamos foi que se perdeu uma excelente oportunidade tanto de

aproximar-se mais dos alunos quanto de levá-los a uma aprendizagem significativa sobre uma

temática considerada relevante para a compreensão, a consciência e o desenvolvimento de

identidades.

A aula da saudade foi temática: anos 60. Para isso, a professora, mais uma vez, solicitou nossa

ajuda. Como sempre, todas as vezes que nos solicitou ajuda, sempre apresentávamos atividades com

abordagem étnico-racial, o que não foi diferente dessa vez. Como postado anteriormente, a

professora apresenta as atividades prontas e acabadas. O tema anos 60, surgiu com a turma do

matutino, que pediu a professora (no caso, a pesquisadora) que gostariam de uma festa com este

tema. Aderido pela professora H. sem consultar seus alunos. A rejeição ficou evidente quando a

professora lançou a ideia. O grupo “dominante” imediatamente recusou. Porém, ela insistiu e

permaneceu a temática, mesmo sem aprovação e conhecimento dos alunos. Então, respondendo ao

pedido da professora, levamos um filme que demonstra os anos 60, ao mesmo tempo as lutas contra

o preconceito racial na época. O filme “Hairprash: em busca da fama”. Havíamos indicado o filme

para a professora, para que tivesse o domínio do seu conteúdo, para assim poder discutir com seus

alunos, o que não aconteceu. A professora, apenas enfatizou a moda e as danças apresentadas no

filme. Esperávamos uma discussão acerca das orientações políticas, sociais e culturais. (Diário de

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campo, 09/11/2016).

O filme, mais uma vez, desempenhou o papel de lazer. Porém, sua aplicabilidade tinha

como propósito, abordar o racismo nos anos 60. Como postura adotada, a professora,

continuou agindo como se não houvesse racismo e preconceitos. Não abordando a temática de

forma nenhuma. Inclusive, relata que seus alunos não agem dessa forma. Daí, percebemos a

venda que encobre os olhos da professora ou a tentativa de colocá-la na pesquisadora.

A observação das aulas buscava a compreensão da metodologia docente. Mas, a falta

de aulas de História constantes terminou por contribuir também para a compreensão de outros

aspectos, como a falta de ou precária formação docente.

É preciso leitura, estudo, discussão com pares e planejamento sobre a própria prática

docente. Contudo, compreendemos a existência de limites quanto à formação docente inicial

dos professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Como bem registra

Azevedo, P. (2010, p. 350): “[...] de fato os professores que atuam nesta etapa do ensino não

são formados para trabalhar nesta perspectiva e a Academia também dedica pouquíssimos

esforços à reflexão, problematização e viabilização de alternativas a tradição construída no

espaço da história ensinada nas séries inicial [sic]”.

Coelho (2011, p. 108), por sua vez, bem destaca como um complicador para a prática

docente, a falta de formação mais específica na área de História das professoras dos anos

iniciais alvo da sua pesquisa. Segundo a autora:

Entendemos como fator complicador a baixa incidência da formação

específica em História, na medida em que, como ficou evidente pelos dados

levantados, as professoras não tiveram acesso a discussões sobre as

renovações e as prescrições relativas ao ensino de História vindas do meio

acadêmico ou mesmo de órgãos oficiais, a não ser por algum esporádico

movimento surgido de preocupação, tempo e gosto pessoal ocasionais. (2011,

p. 108)

As dificuldades tornam-se ainda mais evidentes quando se trata da prática docente que

articula os conhecimentos das diferentes áreas com as relações étnico raciais. Nesse sentido,

Azevedo (2010b) declara:

Um dos desafios para os sistemas educacionais no país refere-se à

qualificação dos professores, principalmente daqueles que atuam nos

primeiros anos do Ensino Fundamental. Muitos destes com formação

polivalente e sem curso superior, precisam ser habilitados para o trabalho

com temáticas voltadas para questões de etnicidade. As ações formadoras

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precisam envolver princípios, orientações e práticas para a desconstrução de

estereótipos de raça, etnia, sexo, religião etc. e para tanto são requeridos

conhecimentos para além de teorias historiográficas e correntes pedagógicas.

É necessário, sobretudo, sensibilidade para percebermos as diferentes

posturas e visões de mundo dentro de uma sala de aula. (AZEVEDO, 2010b,

p. 12-13)

Algo que pode contribuir para que o professor aproxime-se do universo da diversidade

é, simplesmente, voltar-se, de fato, para seus alunos e estudar sistematicamente para

realimentar o seu trabalho docente levando em consideração as próprias experiências

profissionais e, em relação específica com a História, buscar pensar refletidamente sobre a

própria historicidade pessoal e profissional e tentar fazer isso também com seus alunos. “[...].

A reflexão sobre o sentido do conhecimento histórico pode ser feita pelo educador a partir de

questionamentos direcionados às crianças sobre como seria difícil suas vidas sem a

compreensão do passado. [...]” (SIQUEIRA e QUIRINO, 2012, p. 5).

Além disso, é preciso termos em mente que ensinar e estudar História significa pensar

sobre o hoje, o nosso cotidiano, como bem registra Silva (2013), professor pedagogo com

atuação na Educação Infantil no município de Londrina. Segundo ele:

[...] a História enquanto disciplina vive entrelaçando fatos passados com

idéias, considerações e reflexos do tempo presente. É preciso notar que ensinar

história favorece a análise de experiências vividas no hoje, a partir da análise

de experiências dos nossos antepassados, ou seja, nada mais é do que uma

reflexão do passado que influi no nosso cotidiano. (SILVA, 2013, p. 77).

Nesse sentido, é preciso considerar o aluno como ponto de partida e de chegada do

processo de ensino-aprendizagem em História e isso requer estudos e planejamento, como

bem registra Silva (2013, p. 78): “Partindo da realidade do aluno como eixo para o trabalho na

sala de aula, o professor deve estar centrado naquilo que for discutir com seus alunos, com

preparação de materiais, documentos e planejamento adequado à realidade de cada um”.

Além disso,

Torna-se necessário, também, rever seus conceitos sobre a disciplina de

história, dando a ela mais importância para ser transmitida aos alunos e

acabando com a visão de que ensinar história representa simplesmente a volta

ao passado. Ainda, deve averiguar que ensinar história deve ser um processo

constante, onde professor e aluno constroem e compartilham diferentes

conhecimentos sobre determinado tema, em que a participação do aluno não

seja repreendida, mas incentivada constantemente, tornando o professor e o

aluno próximos e melhorando o ambiente escolar bem como a relação entre o

professor e aluno. (SILVA, 2013, p. 80-81).

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Na aula de História, foram abordados os acontecimentos sobre a ditadura militar. A professora

relatava fatos que presenciou quando criança, apontou alguns elementos que não havia durante a

ditadura, como as eleições. Porém, da ditadura militar, enveredou pelo governo Collor, e o

impeachment dele. Buscando uma reflexão com os alunos acerca da situação política atual. Foi

visível a não preparação da professora para a aula, pois eram constantes suas dúvidas sobre os fatos

históricos e a temporalidade. Diante disso, os alunos começaram a exigir que substituísse a aula de

História pela de matemática, sendo acatada pela professora, ficando a aula restrita a

aproximadamente 30 minutos de duração. (Diário de campo, 28/11/2016).

Dois problemas graves saltavam aos olhos relativos: ao domínio das questões

temporais e ao curto espaço de tempo destinado às aulas de História. Em relação ao primeiro

aspecto, não temos como minimizar a dimensão das implicações negativas para a formação

dos alunos e não temos como deixar de registrar devido à dimensão que ocupa não apenas na

sala de aula da Professora Marcelina, mas em muitas das salas de aula dos anos iniciais do

Ensino Fundamental como bem demonstra a bibliografia da área.

O trabalho com aspectos temporais tem sido desvirtuado em algumas situações

escolares. Abud (2012, p. 11) deixa isso claro quando afirma que:

[...]. Tem sido uma prática corriqueira da escola considerar que basta datar

os acontecimentos para que se realize a localização temporal da criança.

Exige-se com frequência que o aluno decore datas correspondentes a

determinados fatos; a tradição escolar exige que as datas comemorativas

sejam incluídas entre os conteúdos dos componentes curriculares nos anos

iniciais da escolarização. [...]

É preciso consciência sobre o significado do que vem a ser o tempo histórico. Este vai

muito além da cronologia. Situar-se historicamente, “[...] é perceber que os fatos históricos

que acontecem ao seu redor decorrem de uma dinâmica de relações espaciais próximas e

distantes e se estabelecem numa multiplicidade temporal. [...]” (ABUD, 2012, p. 11).

Abud (2012) lembra-nos que “Ao alcançar a idade escolar aos seis ou sete anos, o

aluno já tem o conceito de tempo formulado, a partir de sua vivência e experiências e das

relações sociais estabelecidas ao longo de sua existência. Vários estudos indicam que os

alunos das séries iniciais pensam o tempo nas dimensões de sua cotidianidade”, afirma Abud

(2012, p. 11).

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Tempo como expressão das suas experiências cotidianas, ou seja, como sendo similar

ao clima ou como projeção para futuro, lembrança de algo que marcou no passado e que ainda

é sentido no tempo vivido ou algo que ritma o dia a dia como bem demarcam expressões

como “às vezes”, “quase nunca”, “frequentemente”, podem nos dar noções sobre o que

compreendem como tempo sendo ele tanto vivido como algo percebido. Ou seja, as crianças

dos anos iniciais do Ensino Fundamental têm condições de apreender o conceito de tempo

histórico. O passado em si é percebido como algo da vivência da criança. Suas memórias são

vivas e vividas no pouco espaço de tempo de sua experiência humana de sete a dez anos

aproximadamente. E como relacionar o passado com o presente tendo em vista a compreensão

dos eventos humanos? Esse é o papel do ensino de História na vida dos alunos dos anos

iniciais do Ensino Fundamental. Abud (2012, p. 12) orienta-nos, nesse sentido, quando afirma

que:

[...]. A sistematização das noções de tempo físico já desenvolvida pelo aluno é

a primeira etapa na elaboração do conceito de tempo histórico. A compreensão

da passagem do tempo físico (o tempo do relógio, a diferença da paisagem de

acordo com a luminosidade, a mudança das chuvas e da temperatura durante o

ano), que, reduzido a medidas (horas, dias, semanas), torna-se o tempo social,

fundamenta a construção do conceito de tempo histórico pelos alunos –

conceito esse que permite a localização temporal, propiciada pela datação,

pela cronologia, pela periodização, necessárias à vida social.

Compreendemos que o domínio de aspectos temporais associado a conteúdos em sala

de aula não é algo tão simples nas salas de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em

nossas próprias experiências docentes chegamos a vivenciar dificuldades quanto a um ensino

que levasse em consideração os diferentes ritmos de tempo, por exemplo. O desenvolvimento

desta pesquisa em nível de mestrado, sem dúvida, contribuiu para o aprofundamento

conceitual em relação à História. A pesquisa bibliográfica além de informativa foi-nos

formativa nesse sentido. Dessa forma, a importância e a complexidade que envolve o conceito

de tempo histórico ficaram mais claras.

O conceito de tempo histórico é, com segurança, considerado por professores

e historiadores como o mais importante na construção do conhecimento

histórico. Por esse motivo seu estudo é introduzido logo no início do processo

de escolarização e é um dos conteúdos que infalivelmente faz parte dos

conteúdos dos materiais didáticos para o ensino. (ABUD, 2012, p. 563).

A aprendizagem em História envolvendo o domínio de seu arcabouço conceitual é

necessária para que os alunos não sofram também outro problema: o choque escolar quando

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terminam os anos iniciais e iniciam o 6º ano do Ensino Fundamental. Choque esse bem

referido por Cainelli (2011) quando investiga sobre o ensino e a aprendizagem da História na

transição do quinto para o sexto ano do Ensino Fundamental em uma escola de rede pública.

Não é incomum que professores dos anos finais do Ensino Fundamental culpem os anos

iniciais pela falha na aprendizagem conceitual dos alunos do 6º ano, sobretudo, em relação ao

domínio de questões temporais.

Se nas aulas de História, além de dar conta de conteúdos específicos o professor

precisa lidar com abordagens e conceitos próprios, é preciso, sem dúvida, que haja

planejamento orientando a prática do docente e que esta tenha espaço no cronograma de

atividades. Contudo, o que percebemos foi uma ausência considerável de momentos de

História em sala de aula. Isso explica, em certa medida, os poucos registros referentes às

práticas docentes da professora Marcelina, apesar do tempo alargado dedicado à observação

das aulas no segundo semestre de 2016 na Escola Estadual Potiguassu.

Esse problema foi registrado em outras pesquisas. Dorotéio (2015), por exemplo, em

sua pesquisa sobre os processos de interação do professor dos anos iniciais do Ensino

Fundamental e o conhecimento histórico, afirma, como um problema, o pouco espaço que a

História tem nas atividades escolares ao longo da semana. Segundo a autora:

Fator de destaque em relação ao ensino de História se refere às poucas aulas

semanais destinadas à disciplina. Os questionários indicam que metade do

público consultado ministra de uma a duas aulas por semana, com uma

média de uma hora/aula. O restante indica três ou quatro aulas semanais. Os

dados do questionário vão ao encontro do que anunciam pesquisas recentes

sobre o ensino da disciplina nos anos iniciais. (DOROTÉIO, 2015, p. 7)

Infelizmente, não se percebe ou prefere-se não perceber, que esse menor tempo

destinado à História prejudica não apenas o desenvolvimento do conhecimento histórico dos

alunos. Mas, atrapalha, indiretamente, a aprendizagem também de outras disciplinas. Abud

(2012b, p. 556) também chama a atenção disso quando afirma que: “A restrição ao tempo

para se ensinar a disciplina [História] e a valorização da Língua Portuguesa e da Matemática

constituem-se em fatores primordiais para a exclusão das outras matérias”. Ou seja, tal

exclusão ou diminuição da História atrapalha, também, a aprendizagem das disciplinas

escolares que possuem mais tempo de trabalho junto aos alunos, “pois as [disciplinas]

excluídas significam portas abertas para desenvolver importantes capacidades intelectuais de

relatar, raciocinar, compreender, narrar, etc, fundamentais para desenvolvimento da escrita e

domínio da língua e do pensamento científico” (ABUD, 2012b, p. 556).

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Bernardo (2009), ao se referir ao papel da escola na formação dos sujeitos, também

retrata a diferença no tratamento dispensado à disciplina História em relação ao lugar que

ocupa, por exemplo, a disciplina Língua Portuguesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

De acordo com a autora:

[...] quando se trata do conhecimento histórico este recebe um status inferior

na formação escolar, seja porque, como vimos em sua trajetória, ele foi

marcado por metodologias pouco dinâmicas e finalidade demasiadamente

patriótica. Seja porque os seus objetivos não parecem estar totalmente

elucidados aos agendes do ensino. É como se fosse possível formar uma auto-

identidade e vivenciar as experiências no tempo a partir do nada. Esquece-se

que a História é aquela que nos situa no processo do tempo, oferecendo

ferramentas intelectuais para a compreensão da historicidade da vida social,

auxiliando-nos na superação de visões imediatistas, fatalistas que naturalizam

o social. (BERNARDO, 2009, p. 40).

É fácil percebermos o alcance informativo e, sobretudo, formativo da História ao

observarmos o que diz Joaquim Prats (2006 apud BERNARDO, 2009, p. 47) ao justificar a

presença da História na educação de crianças e adolescentes, apontando as suas

potencialidades ao afirmar que a História deve servir para:

- Facilitar a compreensão do presente.

- Preparar os alunos para a vida adulta.

- Despertar o interesse pelo passado.

- Potencializar nas crianças e adolescentes um sentido de identidade.

- Ajudar os alunos na compreensão de suas próprias raízes culturais e da

herança comum.

- Contribuir para o conhecimento e a compreensão de outros países e culturas

do mundo atual.

- Contribuir para o desenvolvimento das faculdades mentais por meio de um

estudo disciplinado.

- Introduzir os alunos em um conhecimento e no domínio de uma metodologia

rigorosa própria dos historiadores.

- Enriquecer outras áreas do currículo.

Diante do exposto, podemos afirmar que a falta de acesso a conhecimentos históricos

significa uma falha muito grande na formação das novas gerações, pois as repercussões

poderão ser sentidas tanto no curto prazo, ao não contribuir para o desenvolvimento de

faculdades que ajudariam na aprendizagem também de outras disciplinas, quanto no longo

prazo, afetando a compreensão da historicidade do sujeito quando já adulto.

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4.2 PLANEJAMENTO: CAMINHO PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA SIGNIFICATIVA

Com base no olhar que lança sobre seus alunos, a escola revelava através do PPP o

direcionamento teórico metodológico que conduzirá as ações docentes. Os aspectos

formativos orientarão as ações pedagógicas, e devem, além disso, responder aos seguintes

questionamentos: para que ensinar e para que educar? Como nos revela Sacristàn (1999, p.

33)

A segunda proposição da compreensão da ação para a educação provém,

pois, de seu entendimento como algo dotado de sentido, de significado e de

valor; algo que se empreende por alguma razão, que tem um fim. O sentido

da educação é essencial ao fato de que tenha um propósito, enquanto guiada

por um projeto explícito. As ações que se empreendem na educação, tanto

individuais como coletivas, não poderiam se entendidas se não se considera

a que conduzem, para que se realizam.

A ausência de consideração sobre as falas dos alunos pode gerar diretamente

momentos de indisciplina em sala de aula. Foram constantes esses momentos nas aulas da

professora Marcelina. A seguir, demonstramos um desses momentos:

Ao iniciar a aula, a professora pediu que pegasse os livros de matemática, a aluna G. negou a

possibilidade de orientar-se pelo livro que não fosse do professor. Tendo em vista que já tinha as

respostas. Com a recusa da professora a aluna, foi para baixo da mesa e iniciou seu protesto,

atrapalhando a aula. Nessa mesma aula, a professora tentou pedir aos alunos a realização da leitura

compartilhada, atividade que não concluiu diante da confusão que foi instaurada, a qual a

professora não conseguiu desfazer. Ao final, a professora desistiu da leitura compartilhada,

realizando ela mesma a leitura e já resolvendo o problema no quadro. Depois de duas atividades a

professora liberou os alunos para “descansarem” 20 minutos antes de o recreio iniciar. Enquanto

isso, a aluna G. pegou um pente na bolsa da professora e começou a pentear-lhe os cabelos.

(Diário de campo, 27/09/2016).

A metodologia adotada pela professora é tradicional de cunho mecanicista. A falta do

planejamento e orientações para sua elaboração resulta em aulas descontextualizadas

desprovidas de desafios e inovações na construção do conhecimento. Sabemos que planejar

corretamente, pede tempo e dedicação, e na maioria das vezes, o planejamento estava ausente

nas suas aulas. As atividades são sugeridas aleatoriamente, nesse caso, assim como a

professora, o aluno não consegue identificar o “para que” está realizando a atividade proposta.

A intencionalidade própria de um planejamento de ensino não aparece nas aulas. Algo que os

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próprios alunos percebem e, a partir de então, interferem de todo o modo para controlar as

ações em sala.

Diferente de planejamentos desenvolvidos em outras áreas de conhecimento, o

planejamento no ensino possui aspectos que lhes são específicos visto que lida

com os sujeitos em processo de formação intelectual e humana. No que se

refere à História, especificamente, significa ainda considerar essa formação

em perspectiva, estabelecendo, junto aos alunos, laços culturais localizados

em diferentes tempos e, mesmo, espaços. Fica, assim, evidente que o ato de

planejar consiste em um ato intencional e no exercício docente em sala de aula

o professor precisa estar atento à concretização da sua intencionalidade para

redimensionar ações que se fizerem necessárias para a efetivação dos

objetivos da aula. (AZEVEDO, 2013, p. 5-6).

Sem plano claro, sem objetivos concretos traçados, sem uma intencionalidade

formativa definida, os alunos percebem a fragilidade das aulas, que não apresentam

propósitos, os conteúdos são aleatórios e a prática não corresponde aos anseios, os alunos se

concentram em outras atividades que lhes apresentam prazerosas e desafiadoras, mesmo que

não convencionais. Ou seja, as atividades propostas representam os pensamentos da

professora sobre seus alunos, e elas afirmam a descredibilidade intelectual, a descrença em

superar obstáculo, o incentivo à construção do pensamento.

Algo que nos chamou a atenção logo no início do período de observações: um suposto

distanciamento da professora em relação aos seus alunos, apesar das suas tentativas de

aproximação com a turma. O distanciamento era percebido pelas ações da docente que parecia

não olhar mas, não ver de fato para seus alunos. O olhar superficial para a turma é um grande

risco para o professor que, ao não conhecer, de fato, seus alunos, não consegue estabelecer um

dialogo mais direto, franco e eficaz com todos. O conhecer os seus próprios alunos é um dos

principais requisitos para um bom exercício de planejamento, pois implica em escolas mais

adequadas no que se refere a praticamente todos os requisitos de um planejamento, a exemplo

da definição dos conteúdos.

[...], mais do que a percepção do espaço e do tempo em que nosso aluno

vive, é necessário para uma boa escolha dos conteúdos a serem ministrados,

um comprometimento com a disciplina, a leitura e os estudos [sic] dos temas

a serem abordados. Além disso, muito compromisso com os alunos que são

o motivo deste processo. (BITTENCOURT, J. 2009, p. 44).

Quem são os alunos do 5º ano da Escola Estadual Potiguassu? O que diz a professora

Marcelina sobre eles? Em entrevista, quando questionada, a docente respondeu da seguinte

forma:

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Pesquisadora: como você caracteriza a sua turma?

Professora: Eu vejo minha turma como crianças carentes que vem de baixa

renda. Crianças que muitas vezes os pais, trabalham e que ficam aos

cuidados de alguém, até as vezes eles mesmo tem que ter a responsabilidade

de vir para a escola, tem de observar o tempo de comer ou não comer, as

vezes alguns vem até mesmo sem se alimentar pra virem à escola. E também

são crianças vivenciam muita violência na comunidade onde eles moram.

São os meus alunos as características deles são essas Crianças que às vezes

se assusta que todos os dias têm um relato de violência no setor onde moram,

violência não só tanto na família entre si mas, violência é de facções que tem

no lugar onde eles moram. (MARCELINA, 2016)

Não se tem compromisso com aqueles que não se conhece profundamente. Ou seja, é

preciso, mais uma vez, reafirmar a importância de conhecer o público com o qual se trabalha.

Azevedo C. (2010b) chama a atenção para aspectos peculiares que envolvem o público

escolar que ingressa no Ensino Fundamental. Segundo a autora:

Ao ingressar no Ensino Fundamental, o aluno, ainda criança, entra em

contato com um universo disciplinar. Objetivos de aprendizagem,

metodologias e conteúdos diversificam-se. Nesse novo cenário escolar,

espera-se que o discente tenha aprofundados seus referenciais de tempo e

espaço, necessários à apropriação do conhecimento histórico. Este, tendo em

vista o atendimento das políticas públicas para a Educação Básica de modo

geral e para o ensino de História, especificamente, requer o trato com

conteúdos que permitam, entre outros fins, que o aluno compreenda as

transformações pelas quais passaram: as famílias; as territorialidades; os

hábitos, as relações e os significados acerca do corpo; jogos, brincadeiras e

outras formas de interação e comunicação, ao longo do tempo e em

diferentes espaços. (AZEVEDO, C., 2010b, p. 10).

Para que isso se torne uma realidade, é preciso considerar a relevância do

conhecimento histórico como base para a formação do sujeito bem como a frequência de

aulas de História no decorrer na semana de atividades na escola, algo que não foi possível

perceber na Escola Estadual Potiguassu.

Em uma das três aulas de história presenciadas, se desenvolveu em torno do cangaço. A professora

utilizou o livro História e Geografia do Nordeste. Porém, a reação dos alunos a sua sugestão, foi

reivindicatória, pois segundo os alunos, aquele horário (após o recreio) era a disciplina de ciências

que estava no cronograma de aulas semanais. A aula foi iniciada pela professora, com a proposta de

leitura compartilhada, porém sem uma introdução contextualizadora nem sondagem dos

conhecimentos prévios sobre o assunto que seria abordado. A cada parágrafo lido, a professora fazia

comentários esclarecedores, realizando paralelos com histórias, segundo a professora , contadas pelo

seu avô sobre o bando de Lampião. Diante da declaração, um aluno disse que era mentira da

professora, referência sobre a qual a professora não esboçou reação.

Durante a abordagem das histórias, os alunos mostravam-se atenciosos, mas, ao retornar a leitura,

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iniciavam as conversas paralelas.

A professora relacionava as ações do bando de Lampião ao que estava acontecendo na atualidade,

focando principalmente aos fatos ocorridos na comunidade.

Ao reprovar uma relação de proximidade com bandidos, um aluno respondeu dizendo que era bom,

que ele mesmo estava rodeado de bandidos. Retomando a fala, a professora buscou refletir com os

alunos as posturas assumidas pelo bando de Lampião, ao que o mesmo aluno declarou: “matar é

bom”. Diante da insistência do aluno, a professora desiste e registra no quadro seis questões sobre o

texto. A cada pergunta, a professora apontou onde os alunos encontrariam as respostas, sem

aguardá-los na pesquisa e leitura. (Diário de campo, 27/09/2016).

O tema foi introduzido aleatoriamente, apenas porque estava no índice do livro. A

professora não realizou a contextualização histórica sobre o bando, suas ações, e

consequências para a história do Nordeste. Como, dessa forma, instigar a curiosidade dos

alunos para o tema em estudo? Se os alunos não percebem relação com a própria experiência

deles no tempo, se não conseguem redimensionar aspectos do conteúdo no tempo e no espaço,

não conseguirão ver sentido na aula. É preciso, como aspecto do planejamento docente, que o

professor busque contextualizar a aula conforme as características da sua turma.

Na elaboração do planejamento é preciso que o docente esteja atento à

contextualização do conteúdo. Essa consiste na explicitação da importância do

conteúdo relacionado à vida prática do aluno. Busca deixar evidente para

professor e, principalmente, para os alunos a relevância de se estudar

determinada matéria. A contextualização consiste na busca dos significados

das interpretações históricas passadas e presentes, no estabelecimento de

relações e comparações entre situações e problemáticas presentes e passadas.

Por meio da contextualização busca-se a compreensão dos significados dos

conhecimentos aprendidos na escola para o contexto da vida presente.

(AZEVEDO, 2013, p. 20).

Em outras palavras, é preciso trabalhar a historicidade dos eventos, é preciso

relacionar presente e passado. Diferente de uma perspectiva que trabalha a História como

conhecimento do passado pelo passado, as aulas de História quando relacionadas, de alguma

forma, ao dia a dia dos alunos ganha destaque e vida. No trabalho de observação de aulas de

História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, Neves (2004) demonstra isso ao declarar

que:

No cotidiano da sala de aula de História há alguns momentos “mágicos”, em

que toda a classe parece despertar do seu torpor, as alunas prestam atenção,

emitem suas opiniões, defendem seu ponto de vista. Esta “magia” ocorre

quando aparecem interligações com sua realidade mais próxima, vivenciada

no dia a dia, percebida como parte do seu presente e, no entanto, pouco

compreendida. Expressam o desejo de esmiuçá-la, nesse pulsar de vida que

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rompe com a monotonia do desinteresse e da apatia, quase permanentes nas

aulas por mim observadas. (NEVES, 2004, p. 6)

Percebemos nas aulas da professora Marcelina que quando a aula sai da lousa, e

apresenta-se mais dinâmica, os alunos se concentram, participam e colaboram com suas

experiências. Porém, quando retorna à leitura dos textos, os alunos tentam o tempo todo

chamar a atenção da professora pelo “choque”, sempre tentando chocá-la com suas

declarações. Ao perceber que os alunos participam mais, interagem melhor e concentram-se

com mais facilidade nos momentos em que há relações entre diferentes temporalidades, a

professora Marcelina poderia aproveitar e aprofundar as aulas, envolvendo mais e melhor os

alunos na aprendizagem da História. Contudo, esses momentos são breves e logo

acompanhados de dispersão pela volta de práticas monótonas.

Contextualizar exige do professor atenção constante aos seus próprios conhecimentos

e aos seus alunos. É preciso ouvi-los para saber como melhor encaminhar a aula. Em uma

aula de História, pelas necessárias relações temporais que ela enseja, memórias diversas

afloram. Quando a professora busca que os alunos reflitam sobre as ações do bando de

Lampião e um aluno declara que “matar é bom”, isso significa que há memórias que precisam

ser trabalhadas em sala de aula. Desconsiderar a fala do aluno como objeto de estudo, desistir

da reflexão e ir registrar no quadro um questionário de seis perguntas não nos parece ser a

melhor opção.

Ao se referir ao ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, Azevedo,

P. (2010, p. 343) declara:

[...] o olhar histórico é desfocado e obscurecido para uma outra memória

específica, tornando pessoas comuns não presentes na historiografia escolar,

que quando presentes são colocadas em uma perspectiva marginal,

desbotada, produzindo uma amnésia, naturalizando uma memória oficial e

elevando-a a categoria de dogma – imutável, perene, eterno –, focando a

história nos dignos de memória, um culto a personalidades e vultos,

distanciando a história da vida e a vida da história.

Ou seja, segundo a autora, o ensino de História direciona o olhar dos alunos para um

determinado tipo de memória a qual tem uma função ideológica específica às vezes

escondida, às vezes camuflada. Isso termina por gerar uma amnésia nos alunos, pois a

memória que é trabalhada é, de modo geral, a memória dos dignos de rememoração, na qual,

muitas vezes, as vivências dos alunos não tem sequer proximidade. O resultado disso é que,

quando em uma aula sobre o cangaço no Nordeste, um aluno pronuncia-se dizendo que

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“matar é bom”, demonstrando que possui vivências no âmbito da violência, isso é sequer

ouvido, quanto mais trabalhado.

Perde-se mais uma vez a oportunidade de trabalhar questões sociais, por si de cunho

interdisciplinar, e a partir da realidade do seu público escolar. Perde-se a oportunidade de dar

sentido as suas aulas ao colocar como objeto de discussão, a realidade social e histórica dos

alunos, suas memórias sobre a história vivida.

É preciso questionar o ensino de História quanto a essa construção de memória e

conhecimentos que excluem. A articulação entre ensino de História e educação para relações

étnico-raciais é uma possibilidade concreta para tanto e isso os próprios alunos encarregam-se

de dar indicativos quando externalizam suas experiências que nada se aproximam com os

“conteúdos” da aula. Exemplos disso são as narrativas de violência vista por eles na

comunidade. Sobre os quais, a professora não chega a esboçar reação. Os alunos dos anos

iniciais possuem história e memória e essas precisam ser consideradas e trabalhadas pelos

professores. Azevedo P. (2010, p. 349) bem relata os efeitos disso ao se referir ao partilhar

memórias:

A memória partilhada ganha contornos e cores novas, frutos da partilha. Não é

mais memória própria – propriedade individual – é memória nossa, com

elementos construídos na coletividade. Essa relação dinâmica da memória se

operacionaliza na linguagem, no ato de fala; corporificando a memória pela

fala, estamos revisitando e construindo uma nova representação do passado,

ou aprimorando ao já existente com fatos, cores, sons, cheiros e tantos

elementos que fazem do lembrado algo vivo e dinâmico. A memória é

dinâmica e em construção, pois quando a compartilhamos estamos

relembrando e refazendo o caminho de visita a sua origem. Todo caminhar

novo traz novos conhecimentos, novos achados e promove também alguns

apagamentos, próprios do dinamismo da memória. Cada passo refeito traz

consigo elementos do presente, modificando o olhar e proporcionando novas

impressões. (AZEVEDO, P., 2010, p. 349)

A história, mesmo com diferenças em relação à memória, é também uma

representação do passado. Para o trabalho adequado com ela em sala de aula, é preciso que o

docente saiba o que é história, conheça seu processo de constituição como área de

conhecimento, domine seus conceitos básicos orientadores e compreenda suas especificidades

teóricas e metodológicas.

Neste dia a professora disse haver esquecido o seu caderno de planejamento na escola que ministrou

aula pela manhã. Segundo ela, a aula seria de ciências, que estava com tudo planejado. Diante disso,

seria aula de matemática, porém, como não havia planejado, ficou na dúvida sobre qual página do

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livro utilizaria e qual conteúdo seria abordado. Decidiu por um conteúdo que não havia estudado

nem em casa nem com os alunos, sendo revelada essa falta no momento da explicação. Nesse

aspecto, o aluno J. disse: “não sabe nem o que está fazendo” , enquanto a professora tentava resolver

um problema, sem sucesso. Diante da falta de domínio do conteúdo pela professora, os alunos

começaram a agitação. Diante do insucesso na resolução, pediu-nos ajuda para tentar resolver a

atividade que propunha. O que percebemos foi que era um conteúdo que os alunos não tinham

conhecimento das bases, assim como a professora. (Diário de campo, 29/09/2016).

Para lecionar, é imprescindível atualização, estudos e pesquisa por parte do docente.

Essas práticas se fortificam no ato de ensinar. Nesse relato, percebemos as consequências da

falta dos elementos compositores da profissão. A descredibilidade dita antes por parte da

professora para com seus alunos passa a ser reciproca. A partir do comentário do aluno J. nos

certificamos da imagem produzida pelos alunos sobre a educação promovida pela professora.

Ao nos pedir ajuda, confirmou a fragilidade em desenvolver seu ofício, diante dos alunos. Ao

nos pedir que explicasse aos alunos, preferimos explicar-lhes para que assim pudesse concluir

sua aula. Dessa forma, a conquista pelo respeito enquanto professora e educadora apresenta-se

comprometida, pois seus alunos passam a não confiar nas suas orientações. A inquietação da

turma, na maioria das vezes, é resultado da falta de domínio de conteúdo e de sala.

Esse exercício de esclarecimento, de contextualização aos alunos, sobre aquilo que se

faz em sala de aula proporciona à turma mais condições de apropriação das experiências

escolares. Tudo termina apontando para a importância do pensar sobre, do planejamento sobre

a prática e da reflexão relativa ao trabalho que se desenvolve. Em relação, especificamente,

aos conteúdos e ao seu processo de escolha e o como trabalhar em sala de aula vale à pena

pensarmos nas palavras de Bittencourt, J. (2009, p.43):

No momento da escolha dos conteúdos para as aulas, o professor deverá

pensar se o que ele pretende ensinar realmente vai contribuir para efetivar os

objetivos da disciplina e certamente, ter um olhar crítico sobre os conteúdos

das propostas curriculares que orientam seus trabalhos, que muitas vezes são

pouco claras no seu enunciado.

As aulas de História são raras e não apresentam frequência semanal. Para ministrar

aulas da disciplina é imprescindível a preparação pelo docente. As aulas de História que

presenciamos, revelava a falta desse estudo e dedicação por parte da professora. Visualizamos

a pouca importância atribuída à disciplina, assim como a descontextualização dos fatos

históricos. Mas, voltamos para o principal fator, a falta de planejamento e estudos. Sobre a

pouca quantidade de aulas de História discorremos mais adiante.

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Ao se referir ao exercício do planejamento, Schmitt (2011, p. 1212) bem declara que

[...] deve buscar envolver os estudantes numa teia de assuntos, temas,

contextos que promovam o processo ensino aprendizagem, que seja tão

significativa quanto o permitam as possibilidades e necessidades dos

estudantes. Essa profusão de atividades no fazer docente, denota que a

importância depositada no planejamento [...].

Ou seja, o exercício do planejamento requer que se pense nos alunos e nos

conhecimentos a que estes devem ter acesso e a partir disso, buscar estabelecer as devidas

relações de sentido entre ambas as instâncias. Imprescindível é que todo e qualquer docente

tenha o planejamento como algo inerente ao exercício da sua profissão.

[...]. O ato de planejar está presente em vários setores da vida social. Do

ponto de vista educacional, podemos afirmar que o planejamento é um ato

político-pedagógico posto que é detentor de intenções. Tal intencionalidade

expõe o que desejamos realizar e o que pretendemos atingir. Ao pensarmos

no trabalho escolar executado a partir da disciplina História, essa intenção

torna-se mais específica e explícita no que se refere à formação de um tipo

de homem e de sociedade. (AZEVEDO, C. 2013, p. 5).

Uma boa atuação docente, nesse sentido, requer conhecimento da área, base da qual

partem os conteúdos escolares, mas também, criticidade sobre a educação e o processo de

ensino-aprendizagem e que o docente leve em consideração os alunos, que os tome como

ponto de partida e de chegada do processo pedagógico.

Schmitt (2011) ao analisar planejamentos de aula de História elaborados por

professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no município de São José-SC (anos de

1990 a 2010), aponta a “pouca discussão sobre a importância de se trabalhar com as noções e

conceitos históricos nas séries iniciais”. Dado revelador da necessidade de melhor formação

docente e planejamento das práticas pedagógicas. Ensinar História significa ir além da

reprodução de conteúdos presentes em livros didáticos. Ensinar e aprender História requer

reflexão sobre a experiência humana em sociedade e isso necessita de domínio sobre questões

temporais.

Mais importante do que abordar “conteúdos” de história é construir uma

compreensão de tempo; em primeiro lugar, para desnaturalizar as

convenções que são colocadas como naturais; em segundo, para que se pense

a respeito do tempo esquadrinhado a que somos submetidos na escola e fora

dela, principalmente para que, construindo conceitos sobre temporalidade,

os/as alunos/as possam utiliza-los como ferramentas para intervir

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objetivamente nesse tempo histórico, sentindo-se parte desse tempo e dessa

história (SCHMITT, 2011, p. 1214).

4.3 RELIGIOSIDADE E RELAÇÕES INTERPESSOAIS: ENTRELACE NA

ABORDAGEM ÀS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

É preciso que compreendamos quem são os professores que ensinam História em

turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para isso, precisamos de pesquisas

empíricas que deem luz sobre suas percepções, práticas pedagógicas, condições de trabalho,

dúvidas e anseios pessoais e profissionais entre outros aspectos. Isso, em última instância,

certamente, contribuirá para melhorias (ou ao menos a sua busca) de políticas curriculares e

de formação profissional para aqueles que atuam no Ensino Fundamental. Durante o período

de observação da prática pedagógica da professora Marcelina, diferentes aspectos chamaram-

nos atenção. Um que se destaca é insistência na demonstração de princípios religiosos de uma

única matriz.

A religiosidade cristã, é presente no dia-a-dia da sala. Os problemas são resolvidos com base na

oração e proteção de Jesus. No dia anterior, houve um enfrentamento entre as facções que dizem

dominar a comunidade Beira Rio. Naquele dia, o pai de um dos alunos foi assassinado.

Ao chegar a sala, os alunos trouxeram muitos depoimentos envoltos a necessidade de contar o

acontecido. Percebemos nas falas dos alunos, a satisfação nos relatos de violência que presenciaram.

Porém, o que percebemos foi a tentativa em chocar a professora.

A professora, por sua vez, faz referência a versículos da bíblia e sugere sua leitura para proteção.

Um dos alunos grita “aleluia”, ironicamente. (Diário de campo, 27/09/2016).

A religiosidade está fortemente presente nas ações da escola, em especial da

professora, que coloca a evangelização como promotora das suas ações. Nesse momento, os

alunos, queriam ser ouvidos e relatar os momentos de apreensão do qual foram testemunhas,

porém, tudo que a professora poderia lhes oferecer, de acordo com suas ações, eram orações.

Porém, os acontecimentos nada tinham de religiosos, as causas eram humanas, provenientes

da violência urbana, insegurança, desigualdade social, enfim, frutos das ações sociais. E que

para que haja mudança, é necessário mudanças de pensamentos e atitudes. Situações que as

crianças são vítimas direta ou indiretamente, quando estas atingem sua família.

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Em termos escolares a Professora Marcelina perdia a oportunidade de trabalhar

questões sociais vivenciadas pela comunidade onde a Escola Estadual Potiguassu estava

inserida. Sobretudo pelo fato de tais questões estarem relacionadas a processos de exclusão

social, é que se tornavam necessárias de serem tomadas como objeto de discussão. Se não

nesta aula específica, por uma falta de preparo pontual talvez, mas em aulas seguintes, para as

quais a professora Marcelina buscaria formação. Contudo, o que vimos foi a desconsideração

daquela realidade como digna de ser tomada como objeto, ao menos, de uma discussão.

Além disso, havia de se considerar a laicidade do ensino na escola pública brasileira

garantida desde o período de constituição da República no Brasil que garantia liberdade de

conteúdo para a temática. Além disso, a aula da professora Marcelina data de 27/09/2016, um

ano antes da mudança estabelecida pelo atual Supremo Tribunal Federal do Brasil, que, em

27/09/2017, passou a garantir o ensino religioso nas escolas públicas, inclusive, podendo ser

considerado a partir de uma única religião. Nesse aspecto Silva (2005 p. 124) enfatiza a

função da escola na abordagem à religiosidade, enfatizando a laicidade da escola:

O ensino público deve ater-se às suas funções no que diz respeito ao trato

com as populações, as quais apresentam diversidades de toda ordem,

inclusive religiosa. Pensando o ensino público e suas atribuições, devemos

investir na instrução abolindo a doutrinação religiosa, porque a escola laica é

uma das mais importantes conquistas sociais baseadas nos princípios

democráticos.

Seguindo os valores religiosos revelados pela professora, os alunos assumem posturas

semelhantes, percebemos uma forte inclinação para o trabalho com o cristianismo

(catolicismo e evangelismo). Ao iniciar cada aula a oração do “Pai Nosso” é feita

coletivamente, como se todos os alunos professassem da mesma religião. Na sala de aula, as

expressões religiosas utilizadas pela professora, em que toma a religiosidade, a sua fé, como

solução e explicação para fatos ocorridos, sendo fortalecidas e diariamente repetidas.

Os alunos utilizam sempre as expressões religiosas, como: “sangue de Jesus tem poder”, “amém”.

Utilizadas também pela professora. Nesse contexto, o aluno A. disse a professora que estava com

dores de cabeça a mesma respondeu: “ Jesus lhe curou. Ele morreu na cruz para acabar com as

doenças”. (Diário de campo, 27/09/2016)

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A escola apresenta características de ambiente evangelizador, expressão religiosas que

não correspondem aos aspectos adotados como padrões, são desconsiderados. É pungente o

aspecto negativo atribuído às religiões de matrizes africanas, solidificadas através dos anos

em que ao assumir a identidade afro-brasileira, significa assumir e corroborar com os aspectos

negativos atribuídos à religião, a falta de informação e conhecimento por parte do docente,

fortalece a ações de racismo e preconceitos. Quanto ao postulado, Silva (2005) afirma que é

possível a abordagem a religiosidade mitológica africana destituída da doutrinação religiosa.

Sendo tratada ao nível de informação, formatação de abordagem que deveria ser reproduzida

pelo ensino aprendizagem de todas as religiões.

[...] É possível tratar do assunto dentro de um processo cognitivo que não

ponha em risco o caráter laico da escola pública. Isso significa dizer que

defendemos a idéia de um programa educacional que ao tratar de cultura

negra, em uma perspectiva absolutamente informativa e não doutrinária,

contemple as mitologias e filosofias religiosas oriundas dos vários grupos

étnicos africanos que compõem a sociedade brasileira, mesmo porque não

existe cultura negra sem dimensão espiritual. (SILVA, 2005, p. 124)

Diante do desconhecimento das premissas das diversas religiões, em especial, as de

matrizes africanas, temos como consequências, referências à religiosidade africana, de forma

pejorativa e deturpada esboçadas pelos alunos. Expressões de origens africanas são utilizadas

como forma de agressão de um aluno para com o outro, sendo tais atitudes comuns entre eles.

Como podemos observar na situação ocorrida no dia 07/10/2016.

Em uma discussão entre dois alunos o aluno MI referiu-se ao colega como “imacumbado”, porém, a

professora não esboçou nenhuma reação. Inferimos que o fato de fingir não ouvir, é resultado da

proteção que a professora direciona ao aluno MI. (Diário de campo, 07/10/2016)

Os alunos repetem o que ouvem na sua família e comunidade, sem orientação e

fundamentação. A escola, como promotora de uma educação para as relações sociais e

diversas, deve através do professor, destituir tais pensamentos, informando e formando

cidadãos que convivam em sociedade respeitando a pluralidade cultural, étnica e religiosa. A

reprodução do preconceito representada pela omissão nos deixa evidente o compartilhamento

entre docente e aluno, dos pensamentos produzidos e reproduzidos, comprovado a partir da

negação em desfazer e reestruturar a concepção do aluno acerca da religião de matrizes

africanas.

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Um aluno disse que os colegas estavam fazendo macumba, ao que a professora perguntou-lhe o que

seria. Ele respondeu através de gestos simulando a realização de magias. A professora então, disse

que não sabia o que era macumba. (Diário de campo,17/10/2016).

A fragilidade na formação docente na ministração das aulas de ensino religioso em

consonância com a resistência em abordar os princípios da religião de matriz africana,

conduzem ao desconhecimento consequentemente a perpetuação das concepções criadas na

época colonial sobre a cultura africana.

Um dos desafios para os sistemas educacionais no país refere-se à

qualificação dos professores, principalmente daqueles que atuam nos

primeiros anos do Ensino Fundamental. Muitos desses com formação

polivalente e sem curso superior, precisam ser habilitados para o trabalho

com temáticas voltadas para questões de etnicidade. As ações formadoras

precisam envolver princípios, orientações e práticas para a desconstrução de

estereótipos de raça, etnia, sexo, religião, etc. E para tanto são requeridos

conhecimentos para além das teorias historiográficas e correntes

pedagógicas. É necessário, sobretudo, sensibilidade para percebermos as

diferentes posturas e visões de mundo dentro de uma sala de aula.

(AZEVEDO, 2011, p. 183)

O conhecimento acerca dos elementos fundantes da história e cultura africana e afro-

brasileira, ainda está impregnado pelas marcas do passado, e ainda apregoado como

“proibido”. “Na verdade não há diferenças substantivas entre a conduta de ideólogos e

religiosos católicos e protestantes na defesa de conceitos que fortalecessem o racismo no

passado, propiciando a sua presença hoje, ainda forte, no imaginário popular.” (SAN‟ANA,

2005, p.48).

Ao focar os princípios religiosos únicos, aos alunos é negada a possibilidade de

construir suas próprias concepções acerca das diversas expressões religiosas, fortalecendo os

olhares preconceituosos e discriminatórios construídos histórica e hereditariamente.

Ao considerar ainda as singularidades dos alunos que se remetem à cultura

indígena e africana, é importante que o docente reconheça a relação entre

aprendizagem, corpo e emoção. A integração do corpo com a natureza e com

o sagrado tem significados que transcendem o espaço da sala de aula e

influenciam no processo cognitivo. Visões de mundo abertas para o outro,

vivências em rituais plurais e crenças em verdades múltiplas, diferentes do

padrão civilizatório ocidental preponderante nas instituições de ensino

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formal, requerem do professor, em sala de aula, domínio teórico-

metodológico da sua área de conhecimento e sensibilidade frente à escola e

seus alunos. (AZEVEDO, 2011, p. 183).

A professora Marcelina, desempenha o papel determinante na educação

institucionalizada, porém, ainda não percebeu a importância que tem no processo de

erradicação das diversas formas de preconceitos que a turma tem apresentado. Ao mesmo

tempo, que ainda não se deu conta que seu silêncio fortalece a repetição e transmissão de tal

prática.

Construímos nossas proposições, e percebemos que as atividades encaminhadas pela

escola levam-nos a pontuar a doutrinação cristã, como por exemplo, ao realizar, junto aos

alunos, a oração “Pai Nosso” todos os dias, durante a recepção dos alunos à Escola. Contudo,

ao nos reportarmos às proposições para o ensino religioso, identificamos a referência à

diversidade religiosa, esta, silenciada pelas práticas educativas. “Princípios, representações e

festividades de orientações cristãs são toleradas frequentemente em instituições educacionais,

não ocorrendo o mesmo com as relacionadas às matrizes africanas e indígenas” (AZEVEDO,

2011, p. 179).

Tal comportamento é presenciado no momento em que, por exemplo, notamos intensa

movimentação nas datas cristãs como o Natal e nenhuma referência ao dia da Consciência

Negra. Vale salientar que a data, 20 de novembro, está definida como obrigatória no

calendário educacional, promulgada pela Lei 10.639/2003 Art. 79 - B. Durante a nossa

pesquisa, EEP não realizou atividades para sua menção ou reflexão. O que nos leva a retornar

ao currículo, que não determina tal data como comemorativa no seu calendário letivo. Dessa

forma, a escola revela claramente, diante das características explicitadas que tipo de sujeito

defende. Pois, ao mesmo tempo em que absorve determinadas maneiras de pensar, exclui

outras, na defesa e sustentação do tipo de sujeito que escolheu formar. “A escola funciona

claramente, como uma instituição transmissora de ideias e, principalmente, das classes

dominantes na medida em que seleciona, e consequentemente, exclui.” (TEIXEIRA, 2011, p.

14). A imposição religiosa reflete diretamente no reconhecimento e identificação identitária,

conduzindo o aluno a proferir a mesma religião, negando-lhe o direito de conhecer outras,

inclusive as de matrizes africanas.

O PPP da Escola, que corresponde ao orientado pelo Plano Curricular Estadual em que

coloca o Ensino Religioso como disciplina a ser contemplada semanalmente, orienta

abordagem à disciplina de forma democrática, e enfatiza o seu estudo sob as bases da

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diversidade e liberdade religiosas. Defende a construção do conhecimento da fé no contexto

de cada religião, sem definir nenhuma como centralizadora. (ESCOLA, 2015). No entanto,

como identificado durante a observação participante, a escola define a região cristã

centralizadora dos seus atos religiosos, desconsiderando os fundamentos das demais religiões.

Esta é mais uma forma velada de expressar preconceitos, pois, estes se apresentam por

diversas vias, dentre elas o religioso ou até mesmo socioeconômico.

Ao recorrermos ao PPPEEP entendemos que as condições socioeconômicas, para a

escola, assim como para professora, é um dos aspectos definidores para a orientação

educacional adotada, assim como a constituição dos objetivos e as alegações acerca do

sucesso ou não do aluno, e essa condição também define o nível de importância atribuída às

experiências dos alunos. Vejamos uma situação vivenciada pela aluna MI, dentre outras de

cunho constrangedor.

Ao divulgar os resultados dos aprovados sem recuperação, a professora revelou o nome da aluna MA,

porém, no mesmo instante, disse a aluna que achava que não deveria ser aprovada direto, pois achava

que ela ainda não dominava um certo conteúdo de matemática, no entanto, a aluna havia conquistado

a nota para ser aprovada. (Diário de campo, 12/12/2016)

Diante dessa atitude, a professora deixou claro sua posição diante das aparências, a

aluna em questão, é moradora da Comunidade Beira Rio, pertencente a uma família que na

comunidade é menosprezada e desvalorizada, filha de pais analfabetos, afro-brasileira.

Durante nossas observações, a aluna mostrou-se dedicada, sendo uma das poucas que

realizava as atividades de forma independente, sem esperar pela professora que ao término

das suas atividades se voluntariava a ajudar outros alunos com aparente dificuldade. Porém,

sempre se mostrou introspectiva, pois diante de tantas ações de preconceito reveladas, a aluna

preferia não ser notada. Ao adotar essa atitude, a professora deixa claro sua desvalorização e

descredibilidade pela aluna, duvida da sua capacidade cognitiva. Tal direcionamento tem sua

sustentabilidade na ideologia defendida pela professora, na concepção de educação que

acredita, assim como que relação estabelece com seu aluno, como o percebe.

Identificamos no PPPEEP orientações fortemente relacionadas às questões cognitivas,

quando afirma: “Tem como função assegurar ao seu alunado o domínio da escrita, da leitura e

do cálculo, instrumentos fundamentais, sem os quais não se pode atuar eficazmente na

sociedade letrada” (ESCOLA, 2015, p. 10). Porém, nos objetivos declara a busca pela

formação integral do aluno. Diante da desconsideração dos aspectos formativos culturais e

sociais do sujeito, essa condição é inviabilizada. Geralmente, quando pensamos em

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conteúdos, nos reportamos aos conteúdos exclusivos de disciplinas, o que não se configura

como suficiente na construção do sujeito integral. Segundo Zabala (1994, p. 30) “Devemos

nos desprender desta leitura restrita do termo conteúdo e entendê-lo como tudo quanto se tem

que aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades

cognitivas, como também incluem as demais capacidades”. Estamos nos referindo às

competências conceituais, procedimentais ou atitudinais, a primeira nos permite refletir sobre

o que deve ser aprendido, a segunda o que se deve fazer e por último, porém não menos

importante, como deve ser. Serão abordados todos os elementos que incidirem sobre o

desenvolvimento das capacidades diversas do aluno.

São constantes as expressões de desrespeito à professora, ao mesmo tempo em que percebemos a

busca incessante da professora em conquistar credibilidade e afetividade dos seus alunos. A “tática”

adotada pela professora é permitir que façam o que desejam. Como por exemplo, jogar bola dentro

da sala ao final da atividade, sendo fragilmente direcionada. (Diário de campo, 27/10/2016).

A afetividade é elemento essencial na relação interpessoal, inclusive na relação

professor e aluno, aluno-aluno. Esta relação só é efetivada no dia-a-dia, diante de ações de

cumplicidade e trocas de afetividade. Quando nos reportamos à cumplicidade, não estamos no

referindo à permissividade. Outros fatores essenciais para a construção da afetividade são a

credibilidade e confiabilidade entre as partes, elementos em falta na relação entre a professora

e seus alunos. A afetividade passa pelo respeito e vice-versa, sem este dueto, não há relação

saudável entre ambos. Percebemos tentativas incessantes da professora em aproximar-se dos

alunos, porém as vias pelas quais ela trafega, delegam aos alunos a posição de dominantes,

deixando-a “refém” dos seus caprichos, por vezes perdendo a autoridade de docente. A busca

pelo respeito e afetividade pela professora é um dos pontos que destacamos na nossa pesquisa,

pois, ao mesmo tempo em que essa permissividade nos leva a entender que é uma tentativa de

aproximação dos alunos, leva-nos a pensar que a professora percebe seus alunos como

“coitadinhos”, que merecem um pouco de diversão. Por outro lado, é uma forma de se abster

do compromisso de formação do sujeito complexo e completo. Deixando-os agir por conta

própria.

Percebemos uma confusão entre liberdade e permissividade nas aulas da professora

Marcelina. Esse conflito já foi bem registrado por Freire (1996, p. 61) quando faz referência à

necessidade de o professor ter bom senso no desenvolvimento do seu trabalho:

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[...]. É o meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade

de professor na classe, tomando decisões, orientando atividades,

estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo

não é sinal de autoritarismo de minha parte. É a minha autoridade cumprindo

o seu dever. Não resolvemos bem, ainda, entre nós, a tensão que a

contradição autoridade-liberdade nos coloca e confundimos quase sempre

autoridade com autoritarismo, licença com liberdade.

Obviamente, não podemos deixar de considerar a positividade que representa a

tentativa da professora Marcelina em se aproximar dos alunos. Contudo, até esse aspecto

precisa ser alvo de planejamento docente. A partir do momento em que se identifica que

determinada ação não está atingindo os seus propósitos, ela precisa ser repensada,

reestruturada, do contrário, os objetivos serão invertidos e quem mais perderá com isso, serão

os alunos. A autoridade a que se refere Freire (1996) requer atenção docente, tempo e

dedicação, persistência e muito trabalho. Respeito não é algo que se estabelece por portaria ou

que se constitui de forma instantânea, sobretudo, em sala de aula na qual se encontram alunos

com histórico de exclusão e violências.

A falta de respeito entre meninos e meninas em sala de aula é evidente e saltava aos

nossos olhos, sobretudo, em decorrência da temática da nossa pesquisa. A falta de respeito

entre os membros de uma mesma coletividade é uma falta quando falamos em respeito à

diversidade. Bem declara Teixeira (2011, p. 26) quando afirma que:

Ações simples como, por exemplo, incentivar e permitir que meninos e

meninas realizem as mesmas tarefas na sala de aula, propor tarefas tidas

como do sexo oposto, trabalhar com a promoção de discussões e a escuta às

falas e angústias das crianças, organizar grupos mistos e trazer atividades

que explorem diferentes linguagens são esperadas de um bom educador e,

certamente, estimulam a igualdade entre os sexos.

Contudo, esse tipo de atividade não foi verificada em sala de aula, faltam discussões e

ações que promovam a convivência com a diversidade. Em algumas ocasiões presenciamos,

inclusive, posturas distantes disso. Ao demonstrar certa proteção a determinado aluno, por

exemplo, a professora Marcelina reforça posturas de desrespeito entre os alunos.

O fato de a professora aceitar a interferência e influência de alguns meninos que detém o “poder” de

manipulação, contribui para a introspecção dos alunos que apresentam dificuldades de

aprendizagem. A professora deixa-se dominar pelas vontades desse grupo de alunos, sempre

respondendo de forma positiva ao que o grupo determina. Mesmo diante de agressões verbais,

proferidas por esses alunos, a professora ainda apresenta postura de submissão e absorve como dela,

a culpa. (Diário de campo, 27/10/2016).

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Esses fatores fazem parte da tentativa de aproximação da professora com seus alunos,

sempre realizando a vontade do grupo, mesmo que não seja o desejo da maioria. Como

percebe seus alunos pelas lentes das capacidades limitadas, não lhes atribui a credibilidade.

Durante as aulas, os alunos constantemente referem-se uns aos outros com palavras pejorativas tais

como: cabeção, piolhenta, ladrão, guaxinim das trevas, burro. Porém, não identificamos nenhuma

reação da professora. Muitas vezes esses tratamentos eram ditos à própria professora, que fingia não

ouvir. (Diário de campo, 27/06/2016).

A professora adota a postura da omissão diante das expressões preconceituosas e

discriminatórias reveladas pelos alunos. Apesar de definir-se como antirracista, a atitude de

omitir-se diante desse fato, configura-se como apoio. Essa atitude revela pensamentos

afirmativos, porém, velados. O que percebemos é que para a professora, tais referências, não

são importantes, pois são os modos de tratamentos entre os alunos na comunidade. Diante da

postura adotada pela professora, identificamos o fortalecimento das expressões de racismo, ao

invés do seu combate. Ao mesmo tempo, atribuímos essa postura a falta de informação e

formação no trato com a diversidade.

O silêncio muito diz, principalmente, em situações de ensino e aprendizagem e em que

está em tela cenas de desrespeito.

Em uma das situações em que houve trocas de apelidos, os alunos começaram a discutir sobre os

formatos das cabeças, a professora imediatamente saiu em defesa do aluno MI, dizendo que a

cabeça dele era bem feita, “parece até de carioca”, dizemos que nordestino que tem a cabeça chata,

então aponta o aluno A como exemplo de cabeça chata. (Diário de campo, 17/10/2016).

Diante do exposto reforçamos a afirmação, o sujeito, só defende aquilo que acredita.

Para melhor entendermos essa colocação, o aluno MI, é o único aluno de pele clara da sala, o

aluno que sabe ser “protegido” pela professora. O aluno do qual ela fala da cabeça chata é

negro. Daí, compreendemos a escolha em omitir-se diante das ações e atitudes

preconceituosas, pois adota ações semelhantes, e deixa subentendido sua defesa da

supremacia branca. Como dizer que há produção ou condições de conhecimento histórico em

um ambiente organizado ou vivido nesses moldes?

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Não há como estudar História e não perceber a diversidade característica da sociedade

brasileira desde o seu processo de constituição. É imprescindível para a compreensão do

presente. Logo, é necessário estudo para que o planejamento docente seja adequado à

contemporaneidade dos alunos. Dessa forma é que concordamos com Bernardo (2009, p. 27-

28) quando ela afirma que: “Compreender as transformações sofridas pelas sociedades e

também as permanências culturais existentes em nosso tempo, permite planejar com mais

clareza nossas ações, assim como valorizar as diversidades culturais étnicas e sociais que vão

se constituindo ao longo do tempo”.

As ações práticas assim como a linguagem, denunciam aspectos curriculares, uma vez

que afetam os alunos, de alguma maneira, em seu desenvolvimento. Como bem afirma

Teixeira (2011) linguagem e discurso fazem parte do currículo, pois também ensinam, são

algo social e culturalmente construídos. Os Estudos Culturais, baseados na perspectiva pós-

estruturalista, são esclarecedores no sentido de deixar clara a relação entre significados e

identidades nas experiências curriculares e as relações de poder que integram a experiência de

vivenciar o currículo na educação escolarizada. Compreendemos, a partir disso, que aquilo

que é selecionado como “conteúdo a ser ensinado” é, na verdade, uma construção social e

sujeita a interpretação. Por isso, determinados “conteúdos escolares” são incluídos e outros

são desconsiderados por algumas escolas ou por alguns professores por razões bem

específicas visto que sujeita à própria interpretação. A “diversidade cultural”, como um

conteúdo, é claramente desconsiderada pela professora Marcelina. Dessa forma,

[...] o currículo ser pensando na perspectiva da diversidade e, portanto, da

construção de processos identitários que, por sua vez, ocorrem na

convivência e negociação com o outro, com aquele que é diferente de nós.

Incluir as questões étnico-raciais no currículo é reconhecer a diferença, mais

que isso, reconhecer que somos nós quem fabricamos identidades e

diferenças no contexto de relações culturais e sociais. (SILVA, 2011, p.

102).

Mais uma vez, o aluno A. gesticulou representando que a aluna G. tinha piolhos. Pela primeira vez

desde o inicio das observações, a professora reagiu e conversou com o aluno A. dizendo que não era

para chamar a colega de piolhenta. Porém, a aluna G. disse que não era a primeira vez e que se

repetia na escola e fora dela. A professora então, retirou o direito ao recreio do aluno A., no entanto,

exigiu que pedisse desculpas a aluna e diante da aceitação de desculpas por parte da aluna, ele seria

liberado, o que realmente aconteceu.

A perseguição à aluna G. é constante, por parte dos alunos, inclusive na prática ao menosprezo na

área cognitiva, tanto que, a aluna na maioria das vezes se abstém de tirar dúvidas com receio em

chamar atenção e ser centro de piadas pejorativas. Situações que a professora nada faz para combater

e transformar.

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A aluna é obrigada a ouvir declarações como: “ninguém gosta de você, não” ou estórias contadas por

alguns meninos, por vezes fantasiosas, mas que são levadas em verdade pela professora,

repreendendo-a sem buscar certificar-se da veracidade das informações. (Diário de campo,

17/10/2016)

As relações interpessoais promovidas no ambiente educacional são determinantes na

construção da identidade, é necessário que o aluno sinta-se seguro, respeitado e representado

no ambiente em que pertence para que assim possa se desenvolver plenamente e constituir-se

como sujeito das suas ações, livre de olhares e atitudes reprovadoras por ser quem ele é.

São deturpações que não estão estritamente vinculadas às escolas, mas

constam no bojo de uma série de enganos que se reproduzem em vários

espaços. Afinal, tudo isso tem a ver ou de alguma forma se conecta com os

problemas alusivos à diversidade, na medida em que estamos falando de

confusões resultantes da desinformação que se multiplica e transita entre

vários espaços de convivência. Não se deve imaginar ingenuamente que a

superação do racismo obedeça a uma lógica modesta. É muito importante

que estudantes também entendam isso, para que possam interagir

respeitosamente com as pessoas negras e suas heranças culturais, sem

pieguismos que possibilitem interpretá-las como coitadas. (SILVA, 2005, p.

129).

O professor, por sua vez, desempenha papel determinante nesse processo como

mediador, torna-se responsável pela atmosfera que constituirá nas suas aulas. Precisa está

atento às expressões negativas ao crescimento humano dos seus alunos e configurar-se como

alavanca para o crescimento positivo enquanto sujeito.

Ainda encontramos muitos (as) educadores (as) que pensam que discutir

sobre relações étnico-raciais não é tarefa da educação; é um dever dos

militantes políticos, dos sociólogos e antropólogos. Tal argumento

demonstra uma total incompreensão sobre a formação histórica e cultural da

sociedade brasileira. E, ainda mais, essa afirmação traz de maneira implícita

a ideia de que não é competência da escola discutir sobre temáticas que

fazem parte do nosso complexo processo de formação humana. Demonstra,

também, a crença de que a função da escola está reduzida a transmissão de

conteúdos historicamente acumulados, como se estes pudessem ser

trabalhados de maneira desvinculada da realidade social brasileira.

(GOMES, 2005, p. 146).

As expressões de racismo e preconceitos constantes na sala de aula representam o

oposto do crescimento humano e altruísta. Sabemos que é um processo longo e constante,

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porém necessita de um começo, ou continuaremos presenciando a perpetuação do racismo nas

escolas. As marcas deixadas pelas ações sofridas pela aluna G. serão levadas por toda sua

formação. “É uma questão fundamental a possibilidade de fragilização da criança perante os

preconceitos e a discriminação, e tudo deve ser invertido para eliminá-los do cotidiano

escolar” (PEREIRA, 2005, p. 45).

Diante das inúmeras situações de cunho pejorativo e desrespeito entre os alunos,

presenciados durante nossa pesquisa, questionamos a professora que importância atribui ao

trabalho coma as relações étnico-raciais:

Pesquisadora; Enquanto professora, que importância você atribui ao trabalho

com as relações étnico-raciais e história de cultura africana em sala de aula?

Professora: Eu dou uma importância grande. Porque, imagine quantas coisas

boas os africanos trouxeram pra gente. Danças maravilhosas, assim, gostoso

dançar, né? A música, ouvir o ritmo da música africana é muito bom.

Comidas, tem comidas mais gostosas, do que os nossos africanos trouxeram

para nós? Nós, porque agora eles são da gente, né? Nos somos um grupo,

né? Trouxeram comidas, assim, um tempero gostoso. E acho que vale a pena

trabalhar a cultura dos africanos aqui pra gente que ficou no Brasil. Que num

é mais nem cultura africana, é a nossa cultura, né, agora? É nossa cultura.

(MARCELINA, 2016).

A partir da sua fala, percebemos que para a professora, os elementos constituivos da

História africana são limitados aos aspectos culturais, quando não apontam para o trabalho

escravo. O que precisa ser enfatizado, é que cada elemento citado, vislumbrado como

expressões unicamente artísticas, estão envoltos da representatividade e simbologias,

representa aspectos da ancestralidade e da identidade que fundamentam a história e cultura

africana e afro-brasileira. As expressões culturais trazem sua visão de mundo, registram e

fortalecem sua identidade cultural. Dessa forma, podemos dizer que a cultura do povo de

matriz africana é compreendida através da sua história. Na busca pela autoafirmação,

valorização, reconhecimento e pertencimento, é necessário a abordagem histórica de lutas,

conquistas, resistência e continuidade, para que os alunos sintam-se orgulhosos de afirmarem

sua descendência afro-brasileira. Corroboramos com Siqueira e Quirino (2012, p. 10) quando

relatam que:

Há uma necessidade de os docentes refletirem e pensarem sua forma de

ministrar aulas, haja vista que os mesmos ainda estão muito presos a

metodologias tradicionais e dessa forma suas aulas distanciam-se dos

interesses dos alunos, fazendo assim com que os mesmo se mostrem

desinteressados, desmotivados e na maioria das vezes tornando-se

indisciplinados mediante os conteúdos abordados na disciplina.

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É imprescindível que a professora avalie sua prática pedagógica e invista mais em

pesquisas e estudos sobre a história e cultura afro-brasileira e africana. Ao abordar as

contribuições do povo de matriz africana, na constituição da história da sociedade brasileira,

pelas lentes do povo afro-brasileiro, permitirá aos seus alunos o reconhecimento e valorização

da cultura afro-brasileira, apresentando as transformações, lutas e conquistas. Estamos diante

de contexto que vai além da apresentação dos elementos culturais, estamos nos projetando no

universo de conscientização e rupturas de estigmas. Para tanto, a Lei 10.639/2003

acompanhada das Diretrizes, atuam como políticas de ação afirmativa. “Estas têm como

objetivo central a correção de desigualdades, a construção de oportunidade iguais para grupos

sociais e étnico-raciais com um comprovado histórico de exclusão e primam pelo

reconhecimento e valorização da história, da cultura e da identidade desses segmentos.”

(GOMES, 2013, p. 79). Promove a valorização e conscientização, ao mesmo tempo em que

desenvolve no aluno postura de pertencimento. Vale salientar que o estudo da temática deve

ser desenvolvido de forma conscientizadora, desvinculada do caráter de listagem conteudista.

Vale salientar que metodologias pautadas na leitura e escritas mecanizadas não

sugerem ao aluno desenvolver seu pensamento critico reflexivo. É imprescindível, que ao

abordar novas temáticas, a Professora busque estimular a curiosidade e interesse dos alunos,

para tanto, é necessário aprofundamento por parte da Professora sobre a temática que será

abordada.

Durante a semana da criança, cada turma realiza oficinas com seis alunos, então, a professora

solicitou-nos a realização de uma oficina de artesanato com seus alunos. Sugerimos a confecção de

ganzás, instrumento afro-indígena, com materiais reciclados. Cada aluno construiu e decorou o seu

ganzá, ao final, iniciamos o seu manuseio. O aluno J. começou a cantar e tocar um samba. A

professora na tentativa de integra-se ao grupo, começou a cantar a musica “trem das onze”, nesse

momento o aluno MI, disse que era “macumba”.

Completando a oficina, ensinamos os alunos a executarem o ritmo afro-potiguar, o “ coco de

bambelô”, utilizando os tambores da escola. Atividade desenvolvida com todos os alunos da turma

juntamente com os alunos do 4º ano. (Diário de campo, 11/10/2016).

Aproveitamos essa abertura, para introduzir aos poucos a história da cultura africana e

seu legado através dos instrumentos musicais. Naquele momento, trouxemos à luz a

identidade afro-brasileira e os elementos conhecidos e utilizados inconscientemente pelos

alunos. No início, eles se retraíram, porém, aos poucos fomos conquistando a confiança dos

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alunos, como resultado tivemos a confecção de ganzás meio pelo qual, promovemos que se

divertissem através da exceção do ritmo proposto.

Nessas atividades conseguimos implantar um ambiente de cooperação, respeito e

interação entre os alunos. Comprovando-nos que ao perceberem dedicação e preocupação

com o seu aprendizado, os alunos retribuem com a demonstração de interesse e participação.

Compartilhamos dos pensamentos de Lima (2012, p. 36) quando afirma: “O resgate da

autoestima do jovem negro passa pelo fortalecimento do seu autocontrole assim, é

fundamental que o jovem retome a confiança na sua capacidade intelectual”.

Os alunos viram-se representados e logo se libertaram e começaram a cantar um

samba, ritmo afro-brasileiro, para nosso deleite, o qual a professora também se integrou e

começou a cantar. Porém, o aluno que não se envolveu tanto na atividade e percebeu que não

era o centro das atenções, sentiu a necessidade em proferir palavras que sabia, era de cunho

preconceituoso. Os alunos foram conduzidos pelo mundo da musicalidade da cultura afro-

brasileira potiguar, independente de religião, crença. E detectamos a satisfação em estarem

manuseando os instrumentos produzidos por eles.

Partimos do princípio de que as concepções construídas acerca da cultura afro-

brasileira e africana, pela professora, são resultantes do processo de formação histórica e

social construídas na sua trajetória educacional. Diante de uma formação frágil no trato com

a diversidade, a docente tende a transmitir ao aluno, sua vivência educacional. Nesse aspecto,

indagamos a professora sobre suas experiências bibliográficas, com a temática:

Pesquisadora: Você pode indicar alguma referência bibliográfica sobre a

Cultura afro-brasileira e relações étnico-raciais?

Pesquisadora: Qualquer referência bibliográfica que você tenha tido contato.

Que você saiba que trazem a cultura afro-brasileira e as relações étnico-

raciais. Podem ser teóricas, fique a vontade. Se você tem algum

conhecimento.

Professora: Tem... É... Castro Alves, não é? (apresentou dúvidas sobre o real

conhecimento das referências bibliográficas). Aquele que era negro, não é?

E ele se apaixonou por uma branca, o filho deles foi morto, né? E também a

escrava Isaura. Que eu... uma coisa que ficou na história. Eu já li um livro

também que o nome o livro era “A negrinha”. Mas, eu já... eu li o livro que

não era meu, eu já procurei o livro, porque... eu já tive vontade de montar,

assim, um peça com alunos meus com essa historia “ A negrinha”, que eu só

me lembro de partes que era muito jovem quando li esse livro. Eu gostaria

muito de ler de novo esse livro, “A negrinha” era maravilhoso. Mas, não

lembro toda a história. Eu lembro que a mãe da menina foi morta e ela ficou

sendo criada pelo fazendeiro, a menina era filha do fazendeiro e enquanto ela

tinha avó e o pai, era tratada como uma rainha, igual como a menina da casa,

quando o pai morreu. Igual com menina da casa, entre aspas, ela podia ir

para a escola.. ela não podia ir para escola ele tinha uma professora em casa,

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ela brincava com a menina, não fazia nenhum serviço, e quando ele morreu,

ela passou a fazer todas as tarefas de um adulto e não brincava mais com a

menina e tomaram dela todos os brinquedos. Isso ai, acho que isso ai fez

com que eu cada vez mais eu não visse negro, mas, ser humano.

(MARCELINA, 2016)

Ao responder a Professora deteve sua resposta na literatura, não a bibliografia

científica, porém, aceitamos a resposta por ora, por não termos explicitado a qual bibliografia

estávamos nos reportando.

Logo, para a superação dos preconceitos, das discriminações, do

reconhecimento da identidade e até mesmo da formação autônoma e

reflexiva de educador e educadora é preciso conhecer e compreender as

matrizes históricas afro-brasileiras e africanas contribuintes de uma

diversidade social e racial da sociedade brasileira nos seus aspectos

socioeconômicos e culturais. (PEREIRA e CORDEIRO, 2014, P. 15)

No entanto, como descrito, a professora Marcelina nos contou a história de um livro o

qual havia lido, há muitos anos atrás. Daí se depreende o fato de haver contado a história com

algumas trocas de situações, que não correspondem à verdadeira. Mesmo, direcionando para

os aspectos literários, a professora Marcelina deixou de citar os títulos que compõem a

biblioteca da EPP, oriundas da cultura africana, podemos citar alguns exemplos das muitas

obras que lá existem: As panquecas de Mama Panya, Menina bonita do laço de fita, Bruna e a

Galinha d‟ Angola e Xica da Silva. Todos títulos a disposição dos alunos e professores na

biblioteca da escola, que pelo discurso da professora, não tinha conhecimento.

Porém, nosso objetivo com esse questionamento era identificar leituras científicas

sobre a temática. Então, persistimos na pergunta, a qual nos respondeu negativamente.

Entendemos que atrelado a esse fator, temos a formação acadêmica da docente, se acordo com

Silva(2011),

[...] a elas compete formar profissionais que estarão dentro das salas de

aulas, profissionais que devem estar habilitados/as a discutir as proposições

mobilizadas pela lei. Inclusive, as próprias Diretrizes para a implementação

da Lei 10.639/03 destacam a necessidade do envolvimento das instituições

de ensino superior com a lei (disciplinas, cursos de extensão, atividades

complementares, pesquisas, etc), para combater o racismo. A atenção das

Diretrizes às instituições de ensino superior diz, sobretudo, da

responsabilidade delas de formar professores/as que desmistifiquem o

imaginário social que animaliza, dociliza, marginaliza o negro, como

denunciou Lélia Gonzalez (1982), para que (nós professores/as formados/as)

sejamos capazes de rasurar a história e cultura africana e afro-brasileira,

contada por um viés eurocêntrico e reescrevê-la evidenciando negros e

negras como atores sociais e a cultura negra como um dos constructos para a

formação econômica, social e cultural do nosso país. (SILVA, 2011, p. 103).

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Nesse aspecto, consideramos o desconhecimento da professora no tocante as bases

orientadoras para o trabalho com a educação para as relações étnico-raciais, tendo em vista

que o documento que poderia apresentar-lhe a temática, o PPP, também a omite. Porém, a

professora conta com o auxílio do livro didático na elaboração das suas aulas de História,

fonte de pesquisa para seu planejamento como bibliografia a ser consultada. Ao analisarmos

com melhor detalhamento, o livro didático da disciplina de História, encontramos um

capítulo, direcionado ao professor com o intuito de abranger seus conhecimentos sobre as

temáticas, assim, como orientar as práticas pedagógicas que poderá adotar em cada conteúdo.

Diante disso, encontramos na íntegra a Lei 10.639/2003 acompanhada de textos

suplementares para melhor domínio do professor sobre suas alegações. Um dos elementos

fundamentais no processo de ensino é a pesquisa (Freire, 1996) para conhecer e reconhecer,

reestruturar concepções e pensamentos, para assim orientar melhor a formação. Nesse

aspecto, entendemos que ao ler seu material de apoio, como o livro didático, já teria

elementos para acionar sua busca pelo conhecimento e pesquisa de novos caminhos para

abordagem da história e cultura afro-brasileira e africana.

Para tanto, as escolas contam com leis e diretrizes que apoiam e encaminham de forma

contextualizada e conscientizadora, as ações para a promoção do ensino e história e cultura

afro-brasileira e africana na sala de aula. Porém, os conhecimentos dessas leis e diretrizes não

chegaram até o professor ou o professor não chegou até elas. Nesse aspecto concordamos com

Fonseca (2010, p. 11) ao afirmar que: “A construção de uma prática de ensino de história que

de fato objetive a formação de cidadãos críticos, requer a valorização permanente das vozes

dos diferentes, bem como o combate às desigualdades e o exercício da cidadania e todos os

espaços.”

A proposta pedagógica, fundamentada no currículo multicultural, que segundo

Azevedo (2010a, p. 153) “[..] nasce em sociedades cujos processos históricos foram marcados

pela presença e pelo confronto de povos culturalmente diferentes e representa uma reação ao

etnocentrismo”. Assim como também afirma Candau (2013, p. 17) :

Nossa formação histórica está marcada pela eliminação física do „outro‟ ou

por sua escravização, que também, é uma forma violenta de negação da sua

alteridade [...]. A problemática multicultural nos coloca de modo

privilegiado diante dos sujeitos históricos que foram massacrados, que

souberam resistir e continuam hoje afirmando suas identidades e lutando por

seus direitos de cidadania plena na sociedade, enfrentando relações de poder

assimétricas, de subordinação e exclusão.

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Buscam a repressão às atitudes discriminatórias e racistas através da abordagem

igualitária da diversidade étnico-racial e cultural no currículo “Cabe ao professor selecionar

e retirar do projeto pedagógico em desenvolvimento na escola, objetivos que digam respeito à

cidadania e à democracia e permitam ao aluno um trabalho continuado contra o racismo, o

preconceito e a discriminação” (LOPES, 2005, p. 192). No entanto, o currículo escolar, é

flexível e adaptável, o docente pode inserir ou excluir elementos que determina como

fundamentais na sua prática.

A presença de um currículo escrito ou pré-ativo, seja concebido por novas leis ou já há

muito presente nos livro didático, não implica na execução total e irrestrita do mesmo, e,

ainda que essa execução ocorra, ela normalmente se faz de forma parcial, adaptada e

ressignificada, pois uma gama variada de manipulações e arranjos acontece no intuito de

adaptá-lo às diferentes realidades e idiossincrasias.

O professor precisa buscar novos conhecimentos, sair da sua inércia, para que assim

possa orientar suas aulas com de forma igualitária, ao mesmo tempo em que é preciso que se

conscientize da “particularidade da condição racial dos alunos/as e assim dê um passo para

promover a igualdade racial. É preciso compreender que a exclusão escolar é o início da

exclusão social das crianças negras. (SILVA, 2001, p.66).

Diante de problemas que identificamos, na prática, no ensino de História ministrado

nos anos iniciais do Ensino Fundamental, bem como, na educação na educação para as

relações étnico-raciais, localizamos nos nossos estudos bibliográficos, a urgência com que

deve ser pensado esse ensino em tal segmento da Educação Básica. As alternativas precisam

levar em consideração dois aspectos principais: as características próprias do público escolar

(crianças) e os aspectos formativos dos docentes que atuam nos anos iniciais do Ensino

Fundamental nos quais, em grande medida, estão ausentes os estudos que partem dos

pressupostos teóricos e metodológicos da História. Dar aula a crianças é um processo que se

difere completamente daquele direcionado a jovens e adultos. As particularidades de tal

público precisam ser consideradas tanto no processo formativo dos docentes quanto na

execução das práticas pedagógicas em sala de aula na escola básica.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A educação é a mais poderosa arma que se pode mudar o mundo”

Nelson Mandela

Iniciamos nossas considerações por essa frase, por ser a mola propulsora na realização

deste trabalho. Acreditamos veementemente que apenas pela educação podemos reconstruir

um mundo melhor para todos. Quando nos referimos ao mundo melhor, nos reportamos a um

mundo onde todos são vistos de forma igualitária, livres de preconceitos e discriminações.

Diante de tantas expressões de racismo e preconceitos projetadas no ambiente escolar,

identificamos neste, a responsabilidade de ser e promover a mudança do que considera como

referência de educação, e assim configurar-se como ambiente transformador e formador de

seres humanos capazes de respeitar e valorizar o outro com suas semelhanças e diferenças.

Pelo fato de sentir de forma contundente a ausência do elemento primordial, o

respeito, para as relações humanas, é o que buscamos através desta pesquisa. Chamar atenção

para o papel determinante da escola e de seus profissionais na erradicação de atitudes que

revelem desrespeitos à diversidade, em especial, a étnico-racial. O ponto de partida está

diretamente vinculado à experiência vivenciada no ambiente escolar, no exercício da

docência, onde foram observadas negações explicitadas por determinados docentes à

abordagem da história e cultura afro-brasileira baseadas no preconceito e discriminação

perpetuados na história do povo afro-brasileiro.

Nesse aspecto, a partir da problemática identificada, tomamos como base para nossa

pesquisa a Lei 10.639/2003, e buscamos os alicerces curriculares que auxiliam na sua

aplicabilidade em sala de aula, assim como compreender como a dita lei está sendo efetivada

na escola. Nosso desafio era tentar compreender como mesmo diante de leis, diretrizes, planos

curriculares e materiais didáticos, ainda eram ausentes referências à educação para as relações

étnico-raciais, e ainda serem vistas como um tabu a ser superado.

Para tanto, nosso trabalho foi iniciado pela mudança interior, ou seja, fomos à busca

de elementos que colaborassem com a nossa própria organização intelectual acerca da

temática. Verificamos que tínhamos a necessidade de conhecer e dominar os documentos

oficiais que promulgavam o trato com a igualdade étnico-racial, pois detínhamos domínio

limitado. E para o sucesso da pesquisa, os nossos horizontes intelectuais necessitavam maior

abrangência. Encontramos nossas fontes na pesquisa documental e bibliográfica. Descobrimos

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nesse universo fontes, fundamentais e de fácil acesso sobre as relações étnico-raciais, sobre as

quais não tínhamos conhecimentos. Dessa descoberta, nos questionamos como professores

que somos, há 13 anos em exercício, não conhecíamos tais publicações? O que nos levou a

pensar na nossa semelhança com Marcelina e na existência de outras, que no exercício da

profissão desconheciam ou desconhecem orientações pedagógicas curriculares e

bibliográficas que buscam a inserção de práticas legitimamente igualitária. É com o

pensamento nas “Marcelinas” que realizamos este trabalho, com o intuito que chegue até os

bancos escolares e possa contribuir na formação profissional, pessoal e coletiva nas escolas.

Optamos pela pesquisa etnográfica por permitir a construção de dados que nos

levaram a compreender pelas lentes do outro, ações, atitudes e conceitos formulados e

expressados no cotidiano escolar. Além disso, a etnografia nos permite compreender o outro

no seu espaço natural, nele as relações estabelecidas são verdadeiras e nos proporcionam

maior interpretação dos significados das ações adotadas pelos integrantes. Para tanto,

necessitamos integrar o ambiente escolar, mais, especificamente, uma sala de aula e vivenciar

sua rotina na íntegra. Nosso desafio era sermos vistos não mais como observadores, mas

como integrantes do grupo. Para essa conquista, foram necessárias presenças diárias na sala

de aula, até atingirmos nosso objetivo.

A pesquisa etnográfica pede distanciamento do pesquisador diante dos acontecimentos

na sala, esse aspecto, configurou como um dos maiores desafios para a nossa pesquisa, tendo

em vista que necessitamos praticar tal posição em alguns momentos durante nossas

observações na sala de aula, principalmente naqueles em que percebíamos uma oportunidade

em abordar de forma significativa e construtiva a temática referente às relações étnico-raciais,

mas, o momento não foi aproveitado. Assim como em momentos que mexeram com nossas

emoções enquanto presenciávamos expressões contundentes de racismos e discriminações

sofridas repetidas vezes, por uma aluna. Nossas emoções, como pede a pesquisa etnográfica,

foram omitidas e desconsideradas. Mas, por vezes saímos indignados com algumas posturas

expressadas entre alunos x alunos e professora x alunos.

Diante do exposto, conscientes que somos impregnados de conceitos e pré-conceitos

que formamos a partir das relações que estabelecemos com o meio e com o outro, tivemos que

desconsiderar todas as formulações e pensamentos formatados no nosso íntimo enquanto

pesquisadores. Outro fato considerável para a dificuldade em distanciarmos, foi o de sermos

membro da escola pesquisada e havermos construído algumas imagens diante de situações

vivenciadas anteriormente no ambiente.

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Ao elaborar nosso trabalho, baseamo-nos nas características da árvore símbolo

africana: o Baobá. Trazemos para a denominação dos nossos capítulos a expressividade

simbólica da árvore da vida, definição atribuída pelos povos de origem africana. Diante da sua

representatividade, elegemos no âmbito educacional: vida, sabedoria, resistência, persistência

e memória. A partir das suas simbologias, representamos através das suas raízes a resistência

da história e cultura africana no Brasil.

No primeiro capítulo elegemos a sabedoria como fio condutor da nossa escrita. Ao nos

apropriarmos dos conhecimentos em torno das temáticas: ensino de História, relações étnico-

raciais, currículo e práticas pedagógicas, e seus fundamentos, passamos a conceber o ensino

de História como promotor da construção identitária e temporal do sujeito, preconizado como

base para a formação do sujeito pluriétnico. Para que a consciência seja modelada, o sujeito

precisa conhecer, reconhecer-se e valorizar suas raízes. A partir da formação histórica o

sujeito instrumentaliza-se para atuar e transformar de forma significativa a sociedade em que

vive. A reflexão sobre como se processa o ensino de História nos anos iniciais, com base nos

estudos teóricos, nos confirmou a necessidade de que o professor busque lapidar seus

conhecimentos, pois a partir dos estudos realizados concebemos uma nova visão para a

abordagem da disciplina, mas, tal percepção só foi possível, porque absorvemos às novas

abordagens para o ensino de História.

No segundo capítulo, atribuímos às raízes do Baobá atributos da força, resistência,

continuidade pelo fato de estarmos discutindo a formação do currículo, tentativas em legalizar

a implementação do ensino da História e cultura afro-brasileira e africana nos currículos

escolares até e promulgação da lei 10.639/2003 e suas políticas de implementação. Neste

capítulo, ao historicizarmos a trajetória percorrida pelas políticas afirmativas para a educação

das relações étnico-raciais, e como estavam sendo vinculadas aos currículos educacionais,

comprovamos o que tomávamos como hipótese, a imensurável distância entre aquilo que está

postulado nos documentos e o que está sendo efetivado nas escolas. Há contradições

substanciais entre a elaboração curricular e sua efetivação na sala de aula. Ainda

presenciamos uma abordagem sobre a história afro-brasileira de forma superficial e

estigmatizada. As publicações devem sair do papel e integrar o dia-a-dia escolar, iniciando

essa mudança desde a concepção de currículo, passando pela formação docente.

O terceiro capítulo é representado pelo fruto da árvore, que frutifica apenas uma vez

por ano, mas é totalmente aproveitado. Ao analisarmos os dados construídos com a nossa

pesquisa etnográfica no ambiente escolar, percebemos a necessidade da estruturação

curricular corresponder à educação para a diversidade e está explicita no PPP da Escola

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Estadual Potiguassu, além de um acompanhamento contundente. No quarto capítulo,

representamos as flores da árvore, porém, verificamos os produzidos pela prática pedagógica

para o ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, que diante das análises

realizada nos trouxeram elementos significativos no concernente à motivação para a

integração da história e cultura africana no currículo escolar. Chamou-nos atenção

inicialmente a ausência do ensino de História como disciplina no currículo e,

consequentemente, na prática pedagógica. Ao mesmo tempo em que nos foi comprovada o

quanto é determinante a influência exercida pelas escolhas pessoais na abordagem

educacional. Podemos exemplificar da seguinte forma: defendemos escolas laicas, no entanto,

a doutrina religiosa escolhida pela escola e/ou professores dita quais outras religiões poderão

ser abordadas naquele ambiente educacional.

A disciplina é vista e abordada como complemento curricular. Diante de uma

educação pautada na plurietnicidade, é essencial o trabalho com as relações de passado,

presente e o futuro, para que haja compreensão das suas origens pelos alunos. Se tomarmos o

ensino de História como apenas reprodução de datas e fatos históricos, descontextualizados,

não estaremos fortalecendo a formação identitária do aluno, sendo ele afro-brasileiro ou não.

Identificamos no currículo da escola, e consequentemente na abordagem na sala de

aula da professora Marcelina, a fragilidade no trato com o ensino de História e nas práticas

para a educação das relações étnico-raciais no decorrer das suas aulas. Sendo essa fragilidade

desde o currículo instituído, com reflexos na abordagem da disciplina na sala de aula.

Partimos do princípio de que as práticas pedagógicas desenvolvidas pelo docente

devem ser orientadas pelo que preconiza o currículo da escola, ou seja, entendemos que o

currículo para uma abordagem metodológica diversa, deve igualmente ser diverso, buscar

como ponto central, a educação para a diversidade. Porém, o que presenciamos foram práticas

solitárias, que a nosso ver, se fossem planejadas e compartilhadas entre os docentes sob a

orientação da equipe pedagógica, resultariam em conquistas educativas semelhantes, diante da

diversidade. Mas o que de fato presenciamos foram explicitações curriculares, destituídas de

uma abordagem clara e estudos aprofundados pelo coletivo, vimos um currículo que ensaia a

promoção da educação para as relações diversas, transformar-se em listas de conteúdos.

A pesquisa nos apontou que apesar de contarmos com políticas públicas afirmativas

para o combate ao preconceito e discriminações dos povos de origem afro-brasileira, ainda

não estão consistentemente efetivadas, deparamo-nos com alguns empecilhos que travam a

introdução do ensino da História e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares e

na sala de aula. Um dos maiores empecilhos que identificamos, está com o próprio ser

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humano que, no âmbito educacional, no exercício de formação do outro, prioriza suas

próprias concepções. Pois, só defendemos aquilo que conhecemos e consideramos essencial.

Nesse aspecto, se para o docente o trabalho com a educação para as relações étnico-raciais

não é relevante, o trabalho não será realizado, nem haverá busca pela formação.

Vivemos em uma sociedade que defende o mito da democracia racial, e ao fecharmos

os olhos para as expressões de racismos e preconceitos nas escolas e em sala de aula, estamos

corroborando com sua perpetuação. Durante nossa pesquisa, esse foi um dos elementos que

nos chamou a atenção: a explicitação de atitudes preconceituosa entre os alunos e a omissão

docente. Queremos acreditar que a desinformação da professora Marcelina, com o trato com

situações de racismos e preconceitos na sala, foi o motivo da sua inércia, em todas as vezes

que ocorreu. Porém, temos a convicção de que aqueles alunos foram negativamente afetados

em sua formação identitária e suas relações pessoais. Em que momento esses alunos

descontruirão essa imagem deturpada que foi construída durante os episódios vividos em sala

de aula?

Com vistas a combater as expressões racismo no ambiente escolar, foi sancionada a

Lei 10639/2003, que busca: a reparação, o reconhecimento e a valorização da cultura afro-

brasileira e africana, desde os currículos escolares da Educação Infantil, porém, o que

constatamos é sua lenta absorção pelas escolas, em especial a Escola Estadual Potiguassu.

Enquanto isso não acontece, vivenciamos e presenciamos crianças afro-brasileiras se

constituírem em uma sociedade educacional que não a representa, e ainda as discrimina por

não “estarem nos padrões” exigidos para que sejam respeitadas. E vemos uma busca

incessante dessas crianças em serem aceitas, não do jeito que são, mas, tentando ser o que a

sociedade etnocêntrica lhes impõe que seja.

Nesse aspecto, identificamos relações interpessoais desenvolvidas na sala de aula,

sustentadas pela opressão exercida pelas atitudes discriminatórias, que contradizem a conduta

que deve assumir um ambiente promotor das relações diversas. A nossa pesquisa nos revelou

que as crianças, que presenciamos sofrerem com as ações de racismo e preconceitos

direcionadas a elas no ambiente da sala de aula, apresentavam maiores dificuldades em

relacionar-se com o outro, e apresentavam baixo índice de aprovação pelo fato de omitir-se

diante das dificuldades para não chamar atenção. E algumas apresentaram agressividade como

escudo protetor.

A reprodução de práticas pedagógicas desvinculadas de ideologias, fundamentação

teórico-metodológica, conduz o processo de ensino e aprendizagem pelas vias do vazio, vazio

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de conteúdos significativos para a formação do sujeito, vazio de reflexões e aprendizagem

significativa. Para presenciarmos uma educação que se preocupa com a formação integral do

sujeito na diversidade, é necessário que o docente se identifique como agente transformador e

mediador deste processo, e busque abranger seus conhecimentos pela pesquisa e estudos.

Caso contrário, continuaremos a presenciar em sala de aula expressões de racismo,

preconceitos e discriminação sem que nada seja feito para o seu combate.

Pensando na valorização e reconhecimento da história e cultura afro-brasileira, por

pertencermos a essa matriz étnica, e ter sentido na pele o que significa o preconceito,

introduzimos nossas expectativas em sala de aula através de práticas pedagógicas que

correspondiam ao nosso postulado do que seria o trabalho com as relações étnico-raciais.

Mas, a partir do desenvolvimento da pesquisa, nos foi possível conceber uma nova visão da

educação para as relações étnico-raciais. As relações educacionais devem estar entrelaçadas

para que haja sucesso e consistência na formação para a diversidade étnico-racial. Projeto

Politico Pedagógico, formação docente e práticas pedagógicas devem configurar a tríade

educacional e ser realmente efetivada.

É possível, a partir da pesquisa realizada, pensarmos em outras possibilidades de

investigação, a exemplo de investigar os efeitos de práticas discriminatórias no processo de

aprendizagem nos alunos ou no processo e interação social, ou pessoal dos alunos. Além

disso, vemos possibilidade em desenvolver uma pesquisa orientada pelas vias da pesquisa

colaborativa, realizando um trabalho formativo com docentes que não dominam as

concepções e abordagem metodológica no que concerne ao trabalho com a diversidade. E por

fim, analisar as contribuições do ensino superior na formação docente para a abordagem da

educação para as relações étnico-raciais no Ensino Fundamental nos anos iniciais.

Porém, permanecemos com uma percepção que foi solidificada com os estudos do

referencial teórico: o professor deve respeitar e acreditar no trabalho com a diversidade

étnico-racial, é dele a iniciativa de valorização e reconhecimento das origens históricas e

culturais dos seus alunos, valorizando-os como sujeitos da sua aprendizagem e formação.

Enquanto as escolas e professores, não se conscientizarem da necessidade gritante em

adotar concepções de educação e formação de sujeito baseados no multiculturalismo em uma

sociedade diversa, o preconceito e discriminação será uma constante nas relações escolares.

As causas dessa postura profissional são atribuídas a formação inicial do profissional da

educação. Vale salientar que é parte do oficio docente a pesquisa e formação constantes.

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215

APÊNDICE 1

AUTORIZAÇÃO

Eu,________________________________________________portador do RG, nº

________________________, na qualidade de diretor da Escola Estadual Potiguassu,

autorizo a pesquisa de mestrado de Lucélia da Silva Feliciano “HISTÓRIA E RELAÇÕES

ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL POTIGUASSU: RAÍZES E

RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003”, do Programa de Pós Graduação em Educação da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a ser realizada em nossas dependências com

professores desta escola.

Natal, __________________de ____________ de 2016.

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APÊNDICE 2

Termo de consentimento Livre e Esclarecido

Prezado (a) professor (a)

Você está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “HISTÓRIA E RELAÇÕES

ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL POTIGUASSU: RAÍZES E

RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003”, que será realizada com professores da rede pública

da cidade do Natal, Rio Grande do Norte.

Esta pesquisa foi constituída a partir de algumas inquietações sobre a relação que

estava sendo estabelecida entre o universo escolar e a educação para as relações étnico-

raciais. Diante do exposto, desenvolveu-se o projeto de pesquisa para o Curso de Mestrado

em Educação na linha de pesquisa Educação, Currículo e Práticas pedagógicas, orientado pela

Profª Drª Crislane Barbosa de Azevedo do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com a finalidade de compreender as bases

curriculares em que se apoiam os professores do ensino básico, anos iniciais da rede pública,

na formulação das suas concepções e práticas pedagógicas para o ensino da historia cultura

afro-brasileira e africana.

A pesquisa será qualitativa etnográfica, na modalidade estudo de caso. A coleta de

dados será iniciada em setembro de 2016, finalizando em dezembro de 2016, sendo realizada

através de observações, registro em diário de campo, descrição e entrevistas semi-

estruturadas. Solicitaremos sua autorização para a gravação das entrevistas, assim como

filmagens para efeitos de transcrição. A entrevista poderá ser realizada no local e horário a

sua escolha.

Você será esclarecido(a) sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar, estando

livre para recusar-se a participar, retirar seu consentimento ou interromper a participação a

qualquer momento. A sua participação é voluntária e a recusa em participar não irá acarretar

qualquer penalidade ou perda de benefícios.

Trataremos sua identidade com padrões profissionais de sigilo. Seu nome ou o

material que indique a sua participação não será liberado sem a sua permissão. Você não será

identificado(a) em nenhuma publicação que possa resultar deste estudo. Com isso, queremos

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informar que zelaremos para evitar qualquer dano ou prejuízo causados por constrangimento

que a reflexão sobre a temática possa causar em sua vida pessoal e profissional.

Os resultados da pesquisa serão enviados para você e permanecerão confidenciais.

Uma cópia deste consentimento será arquivada e outra será fornecida a você.

Qualquer dúvida a respeito da pesquisa, você poderá entrar em contato com:

Pesquisadora : Lucélia da S. Feliciano

Endereço: Av: Barragem Armando Ribeiro Nº 102- Bairro Pajuçara – Natal –

CEP: 59133-300

E-mail: [email protected]

Telefones: 98704-6684/ 99655-5343

Orientadora: Prof. Dra. Crislane Barbosa de Azevedo

E-mail: [email protected]

Telefones : 98842-7069/ 9926-6100

NATAL,_______de setembro de 2016

_____________________________________________________________________

Assinatura do pesquisador

Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de

Consentimento Livre e Esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas

dúvidas.

____________________________________________________________

Participante da pesquisa

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APÊNDICE 3

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PESQUISA MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Pesquisadora responsável: Lucélia da Silva Feliciano

Esta entrevista tem como objetivo a coleta de dados para a pesquisa de Mestrado

“HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL

POTIGUASSU: RAÍZES E RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003”, que está sendo

desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte.

Solicito sua colaboração voluntária com respostas que possam contribuir para o

objetivo desta investigação, que é produzir subsídios para a compreensão das bases

curriculares em se apoiam os professores da ensino básico, anos iniciais, para a

implementação da lei 10.639/03, assim como a formulação das concepções e praticas

pedagógicas para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana.

A fim de evitar constrangimentos, além de assegurar a confidencialidade dos dados

que ficarão sob minha guarda e responsabilidade, também atribuirei um nome fictício para

você, visando manter seu anonimato.

Obrigada por sua participação.

ROTEIRO DE ENTREVISTA – VIDEO

Nome: Data de nascimento – idade – Escola em que trabalha: Ano de escolaridade e turno

1) Como você caracteriza sua turma?

2) Quais são as suas concepções em relação a formação do sujeito?

3) O que você diria sobre o desenvolvimento de trabalhos voltados para a história e cultura africana e na educação para as relações étnico-raciais?

4) Em quais contextos você percebe que a escola desenvolve trabalho de conscientização e valorização da cultura afro-brasileira?

5) No Projeto Politico Pedagógico da Escola, como foi discutida e considerada as ações voltadas para as relações étnico-raciais?

6) Ao organizar suas aulas, quais são os referenciais curriculares que utiliza como suporte para orientar os conteúdos e as práticas pedagógicas que adotará no ensino de história?

Page 219: HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA …...combate ao racismo e preconceitos no ambiente da sala de aula, nesse aspecto, identificamos uma longa distância a ser percorrida entre

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7) Na sua prática, em quais momentos você aborda assuntos referentes a cultura afro-brasileira e africana?

8) Qual importância você atribui para o ensino da História e cultura afro-brasileira e africana na sala de aula? Justifique

9) Em quais aspectos da formação do sujeito o trabalho com a educação para as relações étnico-raciais, pode contribuir?

10) Você pode indicar alguma referência bibliográfica sobre a Cultura afro-brasileira e relações étnico-raciais?

11) O você sabe sobre a lei 10.639/03?

12) Qual a sua concepção sobre a aplicabilidade das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação das Relações étnico-racionais e para o Ensino de Historia e Cultura afro-brasileira e africana?