HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA …...combate ao racismo e preconceitos no ambiente da...
Transcript of HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA …...combate ao racismo e preconceitos no ambiente da...
1
UNIVER
UNO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
LINHA DE PESQUISA EDUCAÇÃO, CURRÍCULO E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS
HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL
POTIGUASSU: RAÍZES E RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003
LUCÉLIA DA SILVA FELICIANO
Natal
2018
2
LUCÉLIA DA SILVA FELICIANO
HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL
POTIGUASSU: RAÍZES E RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Educação – PPGEd, do Centro de Educação, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como
exigência para conclusão do curso e obtenção do título de
Mestre em Educação (Linha de Pesquisa: Educação,
Currículo e Prática Pedagógica).
Orientadora: Profª Drª Crislane Barbosa de Azevedo
NATAL
2018
3
LUCÉLIA DA SILVA FELICIANO
HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL
POTIGUASSU: RAÍZES E RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Aprovada em: ______ de______________________ de 2018.
Banca Examinadora
_______________________________________________________________________
Profa. Dra. Crislane Barbosa de Azevedo – Orientadora/Presidente
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_______________________________________________________________________
Profa. Dra. Vândiner Ribeiro– Examinadora Titular Interna
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_______________________________________________________________________
Profa. Dra. Giovana Carla Cardoso Amorim – Examinadora Titular Externa
Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
_______________________________________________________________________
Prof. Dr. Alessandro Augusto Azevedo – Examinador Suplente Externo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
_______________________________________________________________________
Profa. Dra. Francinaide de Lima Silva Nascimento – Examinadora Suplente Externa
Instituto Federal do Rio Grande do Norte
4
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE
Feliciano, Lucelia da Silva.
História e relações étnico-raciais na Escola Estadual
Potiguassu: raízes e ramificações da Lei 10.639/2003 / Lucelia da Silva Feliciano. - Natal, 2018.
218f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Centro de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação. Natal, RN, 2018.
Orientadora: Drª Crislane Barbosa de Azevedo.
1. Currículo - dissertação. 2. Ensino de História -
dissertação. 3. Relações étnico-raciais - dissertação. I. Azevedo,
Crislane Barbosa de. II. Título.
RN/UF/BS-CE CDU 37.016:94
Elaborado por TIAGO LINCKA DE SOUSA - CRB-15/498
5
A Jorge Santos, meu marido, companheiro e grande incentivador.
Obrigada por estender sua mão para sustentar-me durante minha
trajetória, transmitindo-me paz, serenidade e resistência.
6
AGRADECIMENTOS
Longa e constante é a nossa caminhada, que passa a ser prazerosa quando
acompanhada de pessoas que admiramos e fortalecem nosso caminhar, quando já nos aparece
exaustivo. Palavras não são suficientes para expressar a gratidão que transborda do meu ser
para com todos que estiveram comigo nessa construção. Agradeço:
A Deus, por me conceder força e sabedoria na condução da minha vida.
Aos meus ancestrais e Orixás por me cercarem de luz e fortalecimento.
Aos meus pais, José Feliciano e Eliete Feliciano, pelo apoio, ensinamentos e
confiança. Por serem meus exemplos de vida, de ser humano e serem os MEUS PAIS.
A Jorge Santos, pela compreensão, incentivo e apoio. Por transformar minha vida mais
bela e feliz. Sem sua mão me amparando, o caminho seria árduo. Mais uma conquista para
comemorarmos juntos. Ela é nossa!
À Professora Doutora Crislane Azevedo, minha orientadora e referência de
profissional comprometido e dedicado com a Educação. Obrigada pela, acolhida, paciência,
compreensão, humanismo, rigor cientifico e confiança. Obrigada, não expressa a
grandiosidade da minha gratidão pelas oportunidades e ensinamentos, e acima de tudo, por ser
minha orientadora.
Às Professoras Doutoras Vândiner Ribeiro, Giovana Carla Cardoso Amorim,
Francinaide de Lima Silva Nascimento e ao Professor Doutor Alessandro Augusto de
Azevedo, pela leitura generosa desse trabalho, e pelas contribuições valiosas para sua
finalização.
Aos professores doutores da linha de Pesquisa Educação, Currículo e Práticas
Pedagógicas, pela colaboração para o aperfeiçoamento do trabalho.
À professora Marcelina pela disponibilidade em participar desta pesquisa,
possibilitando nossa integração ao seu ambiente de trabalho, além de nos promover a partilha
de conhecimentos.
Aos alunos do 5º ano da Escola Estadual Potiguassu, pela receptividade que me
proporcionou sentir-me parte do grupo.
7
A Escola Estadual Potiguassu, onde ocupo o lugar de docente, por aceitar participar da
pesquisa, colaborando grandiosamente para o sucesso do nosso trabalho.
Aos Gestores da Escola Municipal Vera Lúcia Soares Barros Wagner Domingos
Pereira, Maria Aparecida Confessor de Lima, Karina Valéria Lourenço do Nascimento e Enny
Pereira de Castro, pelo apoio e compreensão.
A minha amiga Andrielly Karolina, que mesmo entre seus afazeres científicos, sempre
estendia sua mão amiga e reconfortante para me ajudar.
Aos amigos Josenildo, Sandro Cordeiro e Ariane pelo apoio e incentivo para que até
aqui chegasse.
Às amigas Heloisa e Diana, solidárias e companheiras nos momentos difíceis.
8
RESUMO
A educação é o meio pelo qual é possível desenvolver ações que resultem no respeito a
diversidade, resgatando valores essenciais para a vida em sociedade, pois é a partir dela que o
ser humano se (re)constrói e evolui. A pesquisa de mestrado intitulada: História e relações
étnico-raciais na Escola Estadual Potiguassu: raízes e ramificações da Lei 10.639/2003 tem
como objetivo analisar as orientações curriculares que sustentam a aplicabilidade da Lei
10.639/2003, lei que determina a inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana nos currículos escolares, na Escola Estadual Potiguassu/RN, além de buscar
compreender como é efetivada a relação interativa entre currículo e práticas pedagógicas na
educação para as relações étnico-raciais. Iniciamos nosso trabalho com a realização das
pesquisas documental e bibliográfica baseadas nos eixos: ensino de História. currículo, prática
pedagógica e relações étnico-raciais. Nossa pesquisa seguiu os referenciais teórico-
metodológicos da pesquisa qualitativa, orientada pelas técnicas da metodologia etnográfica, à
luz das ideias de Marly André (1995, 2010), Bogdan e Biklen (1994) e Lüdke e André (2015).
Nossa motivação foi originada pela busca em vislumbrar através das lentes do sujeito da
pesquisa, como percebem, reconhecem, compreendem e representam seu universo, em
especial, como conduzem as relações étnico-raciais no universo educativo. Nesse aspecto,
consideramos como técnicas adequadas para que pudéssemos alcançar os resultados
pretendidos: entrevista semiestruturada, observação participante, registros em diário de campo
e descrição. A metodologia utilizada nos possibilitou compreender e interpretar, a partir da
integração ao ambiente de pesquisa, as concepções e formas de atuar e ver-se no mundo do
sujeito pesquisado. Diante das análises percebemos a necessidade de a Escola Estadual
Potiguassu fomentar o entrelace entre currículo e práticas pedagógicas na promoção de uma
educação baseada na igualdade étnico-racial no espaço escolar, elegendo o ensino de História
como base sustentável para sua implementação. Nossa pesquisa apontou que a ausência de um
currículo multicultural reflete diretamente na implementação de ações afirmativas para o
combate ao racismo e preconceitos no ambiente da sala de aula, nesse aspecto, identificamos
uma longa distância a ser percorrida entre o escrito na legislação e o realmente efetivado.
Nesse aspecto, deparamo-nos com alguns empecilhos que travam a introdução do ensino de
história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares, como necessidade de
ampliação de número de aulas semanais de aulas de História na prática de sala de aula.
Consideramos que a formação do educando na sua integralidade como um ser multicultural,
perpassa pela correspondência entre o currículo proposto e a prática pedagógica significativa,
que por sua vez, está intrinsecamente ligada a concepção de educação defendida pelo
professor.
Palavras-chave: Currículo, Ensino de História, relações étnico-raciais, práticas pedagógicas e
etnografia
9
ABSTRACT
Education is the means by which it is possible to develop actions that result in respect for
diversity, rescuing values essential for life in society, because it is from there that the human
being (re) builds and evolves. The master's research, entitled: History and Ethnic-Racial
Relations at the Potiguassu State School: roots and ramifications of Law 10.639 / 2003, aims
to analyze the curricular guidelines that support the applicability of Law 10.639 / 2003, a law
that includes the teaching of history and culture in the school curricula, at the State School
Potiguassu / RN, in addition to seeking to understand how the interactive relationship between
curriculum and pedagogical practices in education for ethnic-racial relations is made
effective. We started our work with documentary and bibliographic research based on the
axes: History teaching. curriculum, pedagogical practice and ethnic-racial relations. Our
research followed the theoretical-methodological references of the qualitative research,
guided by the techniques of ethnographic methodology, in the light of the ideas of Marly
André (1995, 2010), Bogdan and Biklen (1994) and Lüdke and André (2015). Our motivation
was originated by the search to glimpse through the lenses of the research subject, how they
perceive, recognize, understand and represent their universe, especially how they conduct
ethnic-racial relations in the educational universe. In this regard, we consider as adequate
techniques to achieve the desired results: semi-structured interview, participant observation,
field journal records and description. The methodology used allowed us to understand and
interpret, from the integration to the research environment, the conceptions and ways of acting
and seeing oneself in the world of the researched subject. In view of the analysis, we noticed
the need for the Potiguassu State School to foster the interplay between curriculum and
pedagogical practices in the promotion of an education based on ethnic-racial equality in the
school space, choosing the teaching of History as a sustainable basis for its implementation.
Our research pointed out that the absence of a multicultural curriculum directly reflects the
implementation of affirmative action to combat racism and prejudices in the classroom
environment, we identified a long distance to be traversed between the writing in the
legislation and the actual effect. In this aspect, we encounter some obstacles that impede the
introduction of Afro-Brazilian and African history and culture teaching in school curricula, as
a need to increase the number of weekly lessons of History classes in classroom practice. We
consider that the formation of the learner in its entirety as a multicultural being, runs through
the correspondence between the proposed curriculum and the significant pedagogical practice,
which in turn, is intrinsically linked to the conception of education defended by the teacher.
Keywords: Curriculum, History teaching, ethnic-racial relations, pedagogical practices and
ethnography
10
LISTA DE SIGLAS
CNNC - Convenção Nacional do Negro pela Constituinte
DCNERER - Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico- Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.
EC - Emenda Constitucional
EEP - Escola Estadual Potiguassu
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais
PEE/RN - Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Norte
PL - Projeto de Lei
PNE - Plano Nacional de Educação
PNLD - Programa Nacional do Livro Didático
PNIDCNERER,- Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais e
Relação Étnico-Racial e Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana
PPGED - Programa de Pós-graduação em Educação
PPP - Projeto Político Pedagógico
PPPEEP - Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual Potiguassu
PT - Partido dos Trabalhadores
OAERER - Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-raciais
SEEC - Secretaria Estadual de Educação e Cultura
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
11
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS
INTRODUÇÃO 13
1. BAOBÁ - A ÁRVORE DA SABEDORIA: ENCONTRO, DESCOBERTAS E
TRAJETÓRIA............................................................................................................................. 18
1.1 ENCONTRO COM A PESQUISA...................................................................................... 19
1.2 ESSÊNCIA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA PESQUISA ................................. 21
1.3 FONTE DA SABEDORIA..................................................................................................... 27
1.3.1 A pesquisa bibliográfica..................................................................................................... 27
1.3.2 Sentir, ver, ser: sensações da pesquisa etnográfica......................................................... 39
1.4 SEMEAR PARA COLHER – O CAMPO DE PESQUISA................................................... 62
1.4.1 Sujeitos da pesquisa.......................................................................................................... 65
2. RAÍZES DA RESISTÊNCIA E CONTINUIDADE.................................................... 68
2.1 CURRÍCULO E DIVERSIDADE 69
2.2 A RESISTÊNCIA DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA.............................. 77
2.3 LEI 10.639/2003: RAÍZES DA ESSÊNCIA AFRO-BRASILEIRA...................................... 101
3. MUKUA: O FRUTO DA ÁRVORE DA VIDA................................................................... 117
3.1 CULTIVO À SABEDORIA MILENAR: A ESCOLA ESTADUAL POTIGUASSU E
AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS......................................................................................... 118
3.2 O SEMEAR DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA ESCOLA
POTIGUASSU: UMA HISTÓRIA A SER CONSTRUÍDA.........................................................
145
4 .O DESABROCHAR DOS REFLEXOS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA . 160
4.1 PRÁTICA DOCENTE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL: PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS...........................................
159
4.2. PLANEJAMENTO: CAMINHOS PARA PRÁTICA PEDAGÓGICA
SIGNIFICATIVA...........................................................................................................................
174
4.3 RELIGIOSIDADE E RELAÇÕES INTERPESSOAIS: ENTRELACE NA
12
ABORDAGEM ÉTNICO-RACIAL........................................................................................... 182
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................... 199
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 205
APÊNDICES............................................................................................................................... 215
13
INTRODUÇÃO
A cultura afro-brasileira, ainda nos dias atuais, revela marcas resultantes dos cinco
séculos de escravidão e exclusão que deram início à trajetória histórica do povo negro nas
terras brasileiras. Suas consequências negativas são latentes, assim como as situações de
discriminação e preconceitos de que ainda são protagonistas. História de um povo que teve
suas raízes histórico-culturais subjugadas e silenciadas ao longo dos anos, sufocados pela
dominação da cultura europeia, impondo premissas e valores, historicamente instituídos como
superiores.
Nesse aspecto, faz-se necessária a proposição e a implementação de políticas públicas
que promovam vicissitudes atitudinais e comportamentais entre os indivíduos, considerando o
reconhecimento e o respeito como valores primordiais nas relações sociais. Consideramos o
potencial da educação escolarizada como uma das medidas que podem promover uma
mudança de mentalidade, através da qual é possível desenvolver ações que resultem no
respeito à diversidade étnico-racial, resgatando valores essenciais para a vida em sociedade,
na constituição do sujeito que se (re)constrói e evolui.
A escola nesse sentido pode caracterizar-se como ambiente transformador e promotor
de ações que suscitem o combate à discriminação e preconceitos, como também pode
caracterizar-se como ambiente fortalecedor das atitudes e ações discriminatórias. A mola
propulsora para o desenvolvimento da presente pesquisa está diretamente relacionada à
segunda proposição apesentada.
Nossa pesquisa parte da experiência enquanto professora efetiva de uma escola do
município do Natal-RN, em que presenciamos atitudes de negação por parte de um colega
professor, em desenvolver trabalhos referentes à história e cultura afro-brasileira e africana,
em complemento ao já iniciado pela professora, que lecionava em uma turma de 5º ano.
Diante do fato, questionamos sob quais princípios estava sendo considerada e trabalhada a
diversidade étnico-racial pelos professores e pela escola de modo geral. Tendo em vista que a
escola contava com diversas atitudes de preconceitos e discriminações proferidas pelos
alunos.
Partimos do princípio que é papel da escola direcionar ações que busquem estabelecer
relações dialéticas entre as mudanças de pensamentos e as práticas docentes nas instituições
de ensino frente ao novo paradigma curricular, pautada na cultura antirracista, livre de
14
preconceitos e conceitos estereotipados sobre a história e a cultura afro-brasileira, na busca da
formação do educando na sua integralidade como um ser multicultural, pontuando as reais
influências do povo africano na constituição da sociedade brasileira.
A partir do exposto, realizamos análises das orientações curriculares sobre a temática
educação para as relações étnico-raciais na promoção interativa entre currículo e práticas
pedagógicas na efetivação de uma educação baseada na igualdade ético-racial no espaço
escolar. Nosso objetivo é investigar quais orientações curriculares sustentam a aplicabilidade
da lei 10.639/2003, pelos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Escola
Estadual Potiguassu, pertencentes à rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Norte.
Além de buscar compreender como se estabelece a relação entre currículo e prática
pedagógica no universo da sala de aula na educação para relações étnico-raciais.
Tomamos como objeto de estudo a efetivação da Lei 10.639/2003, que regulamenta o
artigo 26 A, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996, tornando obrigatório o
ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em um estabelecimento de ensino de
Educação Básica na rede de ensino do Rio Grande do Norte. Nosso trabalho foi orientado pela
metodologia etnográfica, sendo iniciada pela pesquisa bibliográfica orientada pelos eixos:
ensino de História, prática pedagógica, relações étnico-raciais e currículo. E pela pesquisa
documental em que foram analisados os seguintes documentos: Constituição Brasileira
(1988), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), Parâmetros Curriculares
Nacionais (1997), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-
raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana(2004), Orientações e
Ações para a Educação para as Relações Étnico-raciais (2006), Plano Nacional de
Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações étnico-raciais
e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (2009), Plano Estadual de
Educação (2015) e Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual Potiguassu/ RN(2015) .
Seguida pelas técnicas: observação participante, registros em diário de campo, entrevista
semiestruturada e descrição.
O resultado da pesquisa encontra-se explicitado neste trabalho organizado em quatro
capítulos. Estes fazem alusão à árvore Baobá, conhecida como a árvore da vida. A maior
árvore do continente Africano, podendo atingir até 30 metros de altura e diâmetro entre 7 e 11
metros de circunferência, podem alcançar até seis mil anos de vida. Nas tradições históricas
africanas, a árvore representa a vida, a luta dos negros, sua força e resistência. Além de
representar a sabedoria, o Baobá apresenta diversas simbologias e crenças, todas relacionadas
ao misticismo africano. Nosso trabalho apresenta características semelhantes com as
15
enumeradas sobre o Baobá. Diante dessa identificação, relacionamos cada capítulo a uma
característica marcante da árvore.
No primeiro capítulo, apontamos os caminhos que nos levaram a definir a metodologia
da pesquisa, percorremos trilhas que nos levaram a efetivação da nossa pesquisa, nela
encontramos elementos que nos conduziram no processo de construção do trabalho científico,
o encontro com o nosso objeto de estudos, os autores que nos auxiliaram nas discussões
bibliográficas em torno do ensino de História, currículo, práticas pedagógicas e relações
étnico-raciais. Iniciamos pela apresentação do processo de construção do objeto de estudos,
seguida pela epistemologia da pesquisa, a qual nos forneceu subsídios para escolhermos como
metodologia da pesquisa: a pesquisa etnográfica. Com base nas análises bibliográficas e
documentais, detalhamos as técnicas utilizadas e seus objetivos na construção dos dados.
Finalizamos o capítulo apresentando o campo e os sujeitos da pesquisa.
No segundo capítulo, discutimos a concepção de currículo em momentos distintos e as
caraterísticas marcantes em cada época apresentada e adentramos na concepção de currículo
para a diversidade. Nesse sentido, nos concentramos em apresentar os caminhos trilhados por
projetos de leis, impulsionados pelas lutas e reivindicações dos movimentos negros desde a
década de 1970, na tentativa de legalizar a inserção da história e cultura africana nos
currículos escolares. Nossas análises deságuam na legitimação e implementação da Lei
10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana
nos estabelecimentos de ensino da Educação Básica. Continuamos com as análises dos
documentos oficiais nacionais e seus referencias à educação para as relações étnico-raciais,
assim como, as orientações curriculares que sustentam e orientam escolas e docentes para sua
aplicabilidade no âmbito escolar na construção de um novo enfoque para o ensino da história
e as relações étnico-raciais.
No terceiro capítulo, discorremos sobre como está sendo efetivada a Lei 10.639/2003
na Escola Estadual Potiguassu/RN, como a Escola visualiza as relações étnico-raciais na
promoção de uma educação voltada para a diversidade. Apresentamos as análises dos dados
empíricos construídos através da triangulação das técnicas da pesquisa etnográfica, na busca
pela identificação dos procedimentos adotados para a inclusão da educação para e na
diversidade étnico- racial, e como estavam sendo abordadas pelo currículo adotado na Escola.
No quarto capítulo, focalizamos nossas observações no processo teórico-metodológico
para o ensino de História assumido pela Professora Marcelina1, ressaltando por quais vias se
1 Nome fictício para identificação da professora sugerido por ela para esta pesquisa (Apêndice 1).
16
processa a abordagem étnico-racial no desenvolvimento do trabalho pedagógico da docente,
destacamos a religiosidade e as interpelações pessoais como direcionamentos. Ao mesmo
tempo em que analisamos como estavam sendo efetivados os planejamentos das aulas da
professora Marcelina, se revelavam o intuito de corresponder ao postulado sobre educação
defendido no currículo da Escola e como estavam sendo ministradas as aulas sobre o ensino
de História.
17
1. BAOBÁ - A ÁRVORE DA SABEDORIA: ENCONTRO,
DESCOBERTAS E TRAJETÓRIA
18
1. BAOBÁ - A ÁRVORE DA SABEDORIA: ENCONTRO, DESCOBERTAS E
TRAJETÓRIA
Ao analisarmos a sociedade brasileira percebemos, na sua faceta multicultural, um
conjunto de contributos oriundos, principalmente, das três matrizes étnicas – europeia,
africana e indígena – contribuindo para a constituição do povo brasileiro. Os dois últimos
grupos, em especial, travaram diversas lutas ao longo da história, com o intuito de serem
ouvidos e de terem seus valores e crenças respeitados.
O que observamos são tentativas incessantes em vencer obstáculos a fim de promover
a igualdade étnico-racial e a busca por caminhos que permitam a destituição do preconceito e
da discriminação arraigados no pensamento da sociedade, marca das lutas e resistência do
povo de origem afro-brasileira,“[...] tais movimentos lutavam contra a discriminação racial,
ou seja, o racismo difundido na sociedade civil. Além disso, buscava-se o direito à diferença,
reconhecimento e valorização da cultura afro-brasileira e indígena.” (AZEVEDO, 2010a,
p.143).
Lutas e reivindicações resultaram em leis e pareceres regulamentadores nos âmbitos
social e educacional a partir dos anos de 1990. Porém, vale salientar que a legitimidade e a
legalidade de documentos não asseguram sua implantação no currículo escolar,
consequentemente, sua aplicação em sala de aula.
Com base nisso, nosso desafio na pesquisa: História e relações étnico-raciais na
Escola Estadual Potiguassu/RN: raízes e ramificações da Lei 10.639/2003 problematiza:
como a referida lei está sendo efetivada em sala de aula nos anos iniciais do Ensino
Fundamental em uma escola pública da rede estadual de ensino em Natal/RN? A efetivação
da Lei 10.639/2003 é tomada como objeto de estudos e esta regulamenta o artigo 26 A, da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/1996 (LDBEN) que torna obrigatório o ensino da
história e cultura afro-brasileira e africana em estabelecimentos de ensino de Educação
Básica.
A partir deste problema, investigamos quais as orientações curriculares para educação
nas relações étnico-raciais sustentam a aplicabilidade da lei 10.639/2003, pelos professores
dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Escola Estadual Potiguassu, além de buscar
compreender como se concretiza a relação entre currículo e prática pedagógica na educação
para as relações étnico-raciais.
19
A pesquisa tem sua pertinência por estabelecer relações interativas entre o ensino da
história afro-brasileira e africana e a prática docente no combate ao preconceito e
discriminações, considerando o currículo do ensino de História e sua abordagem como
orientadores na prática pedagógica para a educação para as relações étnico-raciais. Nesse
aspecto o ensino de História configura-se como mola propulsora na formação do sujeito que
se identifica como ator no processo histórico, reconhecendo e valorizando suas origens étnicas
e as contribuições dos seus antepassados na constituição da sociedade em que vive
atualmente.
1.1 ENCONTRO COM A PESQUISA
No decorrer de 13 anos de docência no Ensino Fundamental e de vivências voltadas
para a cultura popular, questionamentos sobre práticas pedagógicas em História bem como no
que se referem às relações étnico-raciais, foram constantes. Dessa forma, pesquisamos fontes
documentais na busca por maiores informações sobre a lei 10.639/2003 com o intuito de
descobrir e implantar novas possibilidades para trabalharmos a história e cultura africana em
sala de aula, sustentadas por documentos e teorias que viessem modificar e lapidar a prática
pedagógica. O marco decisivo para que enveredássemos pelos caminhos de uma educação
para as relações étnico-raciais, surgiu frente a um episódio vivenciado na escola em que
trabalhamos, pertencente à rede pública municipal de Natal/RN.
Um dos projetos que desenvolvemos na turma de 5º ano do Ensino Fundamental da
escola municipal em que lecionávamos, fundamentava-se na valorização da cultura afro-
brasileira, suas expressões culturais, as situações econômicas na atualidade e a prática do
racismo a que ainda parte dos alunos é vítima até os dias atuais. Naquele momento, surgiu a
necessidade de realizar um estudo esclarecedor e mais aprofundado sobre as religiões de
matrizes africanas. Tendo em vista que a escola disponibilizava professor de religião com
horários definidos por turmas, solicitamos que o colega de trabalho colaborasse com o
projeto, abordando a temática na aula que ministraria para a turma. Para nossa triste surpresa,
o professor de religião recusou-se a dar continuidade ao trabalho do 5º ano com o estudo
sobre a religiosidade africana, alegando “ter medo” de abordar o tema e ser mal interpretado e
sofrer sanções por parte dos pais dos alunos.
Com essa atitude, o docente teria ferido o cumprimento à lei 10.639/2003 no que
concerne ao estudo da história e cultura afro-brasileira e africana em todo o currículo escolar,
20
além de estar adotando uma postura discriminatória por meio da violação dos “direitos das
pessoas com base em critérios injustificados e injustos, tais como a raça, o sexo, a idade, a
opção religiosa e outros” (SANT‟ANA, 2005, p.63).
A partir de então, surgiram questionamentos como: a escola não seria um espaço
promotor de situações que envolvem valorização e respeito à diversidade? Qual concepção de
educação era defendida pelo professor? Ele estava preparado para sobrepor os seus
(pré)conceitos individuais em favor de uma educação para as relações étnico-raciais, uma
educação para todos? As políticas de ações afirmativas para o povo de origem afro-brasileira
e africana estão sendo aplicadas ou, ao menos, discutidas? Tais questionamentos
impulsionaram nosso interesse em buscar leituras sobre o tema.
Diante do exposto, percebemos a necessidade de realizar um estudo que apontasse
elementos que conduzissem à reflexão e (re)ação diante de atitudes de preconceito e
discriminação revelados na sociedade. Para tentar responder nossas inquietações, elaboramos
um projeto de pesquisa para aprofundarmos nossos conhecimentos acerca do universo escolar
e compreendermos o conceito de currículo que é admitido pelo docente do Ensino
Fundamental no concernente à história afro-brasileira e o submetemos à apreciação da linha
de pesquisa Educação, Currículo e Práticas Pedagógicas, do Programa de Pós-Graduação
(PPGED) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), iniciando a pesquisa em
nível de mestrado no ano de 2016.
Defendemos a educação institucionalizada como marco inicial. Pressupomos que a
escola deve desenvolver o papel de mediadora e propulsora na realização da tríade conhecer,
refletir e transformar. Segundo Nascimento (2012, p. 40):
A escola é um dos espaços de socialização dos indivíduos. É através dela
que os alunos desenvolvem seu senso crítico e aprendem valores éticos e
morais que regem a sociedade. A escola tem como responsabilidade ampliar
os horizontes culturais e expectativas dos alunos numa perspectiva
multicultural. É na escola que aprendemos a conviver com as diferentes
formas de agir, pensar e se relacionar; portanto, ela deve refletir essa
diversidade.
Para tanto, é importante que haja a ruptura de estereótipos de cor, raça, sexo, religião,
arraigados no íntimo de parte dos profissionais da educação, desencadeando o processo de
(des)construção, transformação e (re)construção de pensamento. Sendo este possível através
da autorreflexão e análise do docente, do reconhecimento da sua própria identidade e do
reconhecer-se como sujeito de uma sociedade multicultural.
21
Os professores precisariam se reconhecer no que ensinam, conscientizando-
se da formação pluriétnica do povo brasileiro e aceitando suas próprias
origens, para que pudessem ensejar um processo educativo na escola mais
adaptado à realidade nacional, levando os alunos a também desenvolver uma
atitude afirmativa com relação à sua própria identidade. (MOURA, 2005, p.
80).
No entanto, há espaços escolares que se configuram como ambientes promotores de
ações discriminatórias e de inferiorização de alunos afro-brasileiros, sendo estas ocultas ou
camufladas, de caráter mais explícito ou mesmo apresentando um aspecto mais velado. Isso
reflete negativamente no desenvolvimento do indivíduo, fere sua autoestima, a segurança de
ser quem ele realmente é, abstendo-se de reconhecer, afirmar e aceitar orgulhosamente suas
raízes socioculturais.
A partir do questionamento e objetivos abordados nesta pesquisa de mestrado foi
possível o encontro entre o real e o ideal sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e
africana, ou seja, o que está posto nos documentos e o que está realmente sendo efetivado na
prática educacional, refletido no currículo e nas atitudes dos sujeitos da pesquisa.
Apresentaremos, em seguida, a concepção de pesquisa científica defendida nesta investigação
com base no nosso objeto de estudos.
1.2 A ESSÊNCIA DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA PESQUISA
Iniciamos nossa discussão acerca da epistemologia da pesquisa pela definição de
pesquisa científica construída à luz dos estudos dos autores: Gamboa (2007), Almeida (2012),
Bachelard (1996), Sheldrake (2014) e Kunh (1987). A pesquisa é oriunda do desejo de
mudança e transformações de informações já conhecidas, constituindo uma trajetória histórica
que vai sendo modificada com o surgimento de novos fenômenos a serem compreendidos e
explicados. Nesse aspecto, a epistemologia se caracteriza por promover a dialogicidade entre
conhecimento científico e os pressupostos filosóficos. Segundo Gamboa (2008, p. 50):
Quando nos referimos ao termo epistemologia da pesquisa educacional,
significa que tomamos como objeto a produção do conhecimento gerado
pela pesquisa científica na área de educação e analisamos à luz das
categorias filosóficas, utilizando para isso esquemas conceituais que
22
propiciam o estudo das articulações entre os elementos constitutivos da
investigação (técnicas, métodos, teorias, modelos de ciências e pressupostos
filosóficos).
O processo de construção do conhecimento sofre mutações no decorrer das
necessidades da pesquisa, transportam os muros da observação, demonstração, verificação,
experimentação na busca do saber mais, da compreensão do já existente, em consonância com
o novo. Nesse aspecto, podemos citar Almeida (2012, p. 104) ao afirmar que:
Como toda construção humana, entretanto, a concepção do que venha a ser
pesquisa vai mudando de acordo com o desenvolvimento histórico da
ciência, articulado ao surgimento de problemas e fenômenos que exibem
uma face nova, ou até então impossível de ser concebida.
Com base na reflexão dos escritos de Almeida (2012), o conhecimento científico está
baseado na relação teoria, regras e prática. O estudante não pode resolver nenhum problema
sem antes dominar a teoria e as regras de como aplicá-las, sustentado pelas resoluções
anteriores que referenciam novas resoluções de problemáticas similares, ou seja, o paradigma
em vigor. De acordo com Kunh (1987), paradigmas são princípios, valores e pensamentos
compartilhados por membros de uma determinada comunidade científica, ao mesmo tempo, o
termo refere-se às comunidades científicas constituídas por membros que partilham o mesmo
paradigma. Um paradigma orienta um grupo de estudiosos. Nesse sentido, o paradigma
apresenta-se como exemplo de pensar e fazer compartilhado, pois é utilizado como referência
para novas resoluções de problemáticas similares.
A nossa pesquisa busca responder como está sendo aplicada a lei 10.639/2003 em uma
escola da rede pública estadual de ensino no município de Natal-RN, e emerge da necessidade
em desconstruir os pré-conceitos e (re)construir conceitos acerca do ensino da história e
cultura afro-brasileira, no contexto escolar, para que seja possível a ressignificação
pedagógica, e possibilite o desenvolvimento de práticas educacionais democráticas e
construtivas, que descortinem a importância da cultura afro-brasileira na formação histórica e
sociocultural do indivíduo.
Com base no exposto, a proposta da pesquisa considera como ponto de partida, a
ruptura de antigos paradigmas curriculares educacionais, que até o fim da década de 1980,
conduziam o processo educativo institucionalizado à luz das tendências tecnicistas, o
currículo como representatividade de um conjunto de conteúdos e aprendizados desvinculados
23
da realidade e vivências educacionais dos sujeitos. Buscamos correlacionar mudanças
curriculares e práticas docentes nas instituições de ensino, frente ao novo paradigma
curricular. Paradigma este, baseado na elaboração e implementação do currículo crítico-
reflexivo promotor de ações que revelem os valores sociais, culturais, históricos, políticos e
econômicos de cada sociedade. Nesse aspecto, nos reportamos a Candau (2013) ao afirmar
que:
Não há educação que não esteja imersa nos processos culturais do contexto
em que se situa. Nesse sentido, não é possível conceber uma experiência
pedagógica „desculturizada‟ . isto é, desvinculada totalmente das questões
culturais da sociedade. Existe uma relação intrínseca entre educação e
cultura(s). Estes universos estão entrelaçados e não podem ser analisados a
não ser a partir de sua íntima articulação. (CANDAU, 2013, p. 13)
O modelo do currículo na perspectiva crítico-reflexiva conduz o processo de formação
do sujeito na sua integralidade respeitando a sua diversidade cultural e étnica, além de
pontuar, entre outros elementos que buscam o respeito às diferenças, as reais influências do
povo africano na constituição da sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que propõe a
afirmação identitária e reconhecimento do povo afro-brasileiro.
O entendimento dessas raízes favorece maior compreensão do presente para questionar
as ações praticadas no passado, e buscar as mudanças com base na trajetória histórica. Estas,
não se apresentam contínuas como uma sequência de fatos, mas, conduzidas através das ações
transformadoras do sujeito na sociedade em que está inserido, movidos pelo desejo de inovar
e responder aos constantes anseios e necessidades emergentes. Atribui-se ao sujeito lugar de
atuante, consciente da busca do seu papel nesse processo de transformação histórica.
Os elementos citados nos reportam a alguns pontos revelados na teoria do
conhecimento científico de Bachelard, por nos apresentar como bases de sustentação a
perspectiva histórica, racionalista e descontinuísta. Histórica, porque através do processo
histórico da Ciência em sua fundamentação, reverbera no presente a trajetória do passado, ao
mesmo tempo em que concebe a verdade como “correções” progressivas dos erros, este,
vislumbrado como uma “retificação” histórica, na identificação do erro do passado. Dessa
forma, “o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos
mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização”
(BACHELARD, 1996, p. 17). Racionalista, porque prima pelas epistemologias baseadas na
razão, desprendendo-se das amarras do empirismo, na busca pela dialogicidade entre razão e
empirismo. Subtrai o foco do ato de conhecer através da observação do objeto e transfere para
o lócus da experiência e do raciocínio, “é no eixo experiência-razão e no sentido da
24
racionalização que se encontram ao mesmo tempo o risco e o êxito.” (BACHELARD, 1996,
p. 22). E por fim, descontinuísta, pois defende a ruptura entre o conhecimento comum e o
conhecimento científico, por meio da recorrência histórica, o presente é a ponte para a
compreensão do passado, do racionalismo.
Sobre os obstáculos que permeiam a construção do conhecimento científico,
Bachelard aponta como um dos fatores principais o distanciamento do já conhecido, despir-se
das amarras das crenças, em busca da construção de novos conhecimentos. A ciência, nunca
se constrói com base na opinião. Diante de uma investigação, conceito constituído pelo
pesquisador influenciará diretamente nos resultados da pesquisa, nesse aspecto, o distanciar-
se reverbera as possibilidades e compreensões antes desconhecidas. “O espírito científico
proíbe que tenhamos uma opinião sobre questões que não compreendemos, sobre questões
que não sabemos formular com clareza. Em primeiro lugar, é preciso saber formular
problemas.” (BACHELARD, 1996, p. 18). A elaboração de um problema é subsídio para a
verdadeira pesquisa científica, pois não há pesquisa científica sem um problema a ser
investigado e respondido. Diante do problema, temos seus questionamentos, bases para a
construção do objeto de pesquisa. A partir da construção do objeto de pesquisa é definido o
método.
Nesse processo é necessária a ruptura entre senso comum e conhecimento científico
sobre da história e cultura afro-brasileira e africana. As representações do senso comum
atribuídas por grande parte dos docentes sobre a temática, ainda revelam aspectos que nos
reportam à construção histórica de conceitos e pensamentos depreciativos sobre a cultura
afro-brasileira e africana, um dos pontos relevantes para que haja a efetivação dos
pensamentos que embasam nossa pesquisa.
Indubitavelmente o campo educacional é o meio mais eficaz pelo qual as mudanças e
transformações são possíveis. Sobre esse aspecto, Freire (1979) afirma que o processo de
educação é delineado pelo reconhecimento do ser humano como inacabado, em busca do “ser
mais” constante. Essa busca é orientada pela educação. Sendo o homem “sujeito da sua
própria educação não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém.” (FREIRE,
1979, p. 28). Os seres humanos se educam em comunhão, em sociedade, no encontro do
outro. “Não há educação fora da sociedade humana e não há homem no vazio” (FREIRE,
2001, p. 43). Daí depreende-se que o homem, como ser de relações, não apenas está no
mundo, mas, com o mundo como sujeito das suas ações.
25
Nossa pesquisa prima pelo homem-sujeito, na busca da formação do ser humano
diverso e multicultural, promotor da sua história. O homem que se constrói na relação
dialógica com o outro, que percebe sua realidade e a transforma.
Definimos como intenção final, promover uma reflexão sobre a importância da
reestruturação curricular à luz da educação para as relações étnico-raciais, assim como levar a
escola e o profissional da educação a perceberem sua atuação como decisiva no processo de
valorização e respeito à diversidade.
A partir da construção do nosso objeto de pesquisa, a efetivação da Lei 10.639/2003,
que responderia de forma completa nossas inquietações sobre como se processa a
aplicabilidade da dita lei na sala de aula, definimos que a abordagem metodológica seria de
cunho qualitativo, como bem explicam Gondim e Lima (2006, p. 57) pelo fato de buscar “a
compreensão dos fenômenos por meio de instrumentos de natureza qualitativa”. Esse tipo de
pesquisa conduz o processo investigativo permitindo aproximação conceitual subjetiva do
fenômeno através da visão dos sujeitos da pesquisa.
A pesquisa qualitativa tem seus primeiros registros de produção de conhecimento no
final do século XIX quando cientistas sociais consideraram questionar se os métodos de
investigação adotados pelas ciências exatas, fundamentada na perspectiva positivista,
deveriam permanecer orientando as investigações sociais. Tendo em vista que os fenômenos
humanos e sociais não são estáticos, consequentemente impossibilita que sejam mensurados e
representados por generalizações, aspectos presentes nas concepções metafísicas.
Sobre a metafisica, Frigoto (1987, p. 81) revela que “orienta os métodos de
investigação de forma linear, aistórica, lógica e harmônica.” Compõem esta concepção
metodológica, as abordagens empiristas, positivistas, idealistas, ecléticas e estruturalistas. De
acordo com o autor (1987, p.81): “Esse pressuposto concretiza-se na pesquisa por uma
metodologia que reduz o objeto de estudo a unidades, individualidades, fatores ou variáveis
isoladas, autônomas e mensuráveis”. Características que impedem o processo de construção
do conhecimento científico nas ciências humanas em sua essência, pois o sujeito é um ser de
relações, ele não está no mundo e sim com o mundo, portanto, estabelece relações com o meio
em que convive, sendo suas ações resultado da compreensão que tem sobre o mundo, a partir
do contexto em que está inserido. Nessa perspectiva “o foco da investigação deve centrar-se
na compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas ações” (ANDRÉ, 1995, p.
17), para apreendermos esses significados, devemos partir do contexto em que os sujeitos
estão inseridos.
26
Diante desses pressupostos, verificamos a construção de um novo paradigma,
constituído pela ruptura das abordagens positivistas. Trata-se da abordagem naturalista ou
qualitativa.
Naturalista porque não envolve manipulação de variáveis, nem tratamento
experimental; é o estudo do fenômeno em seu acontecer natural. Qualitativa
porque se contrapõe ao esquema quantitativista de pesquisa (que divide a
realidade em unidades passíveis de mensuração, estudando-as isoladamente),
defendendo uma visão holística dos fenômenos, isto é, que leve em conta
todos os componentes de uma situação em suas interações e influências
recíprocas. (ANDRÉ, 1995, p. 17).
Na pesquisa qualitativa, o foco da atenção é o processo de construção dos resultados e
não os resultados em si mesmos. Ou seja, como se processaram as interações cotidianas, nas
atividades que desenvolvem. De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 49): “A abordagem
de investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é
trivial, que tudo tem seu potencial para construir uma pista que nos permita estabelecer uma
compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo”.
Ao utilizar esse tipo de abordagem o pesquisador busca o modo como os sujeitos
percebem o ambiente em que está inserido, como se relacionam com ele, como interpretam
suas vidas. De acordo com Castro (1994, p.59):
O processo de pesquisa, na perspectiva naturalística, inicia-se dentro do
ambiente natural, pois independente do nosso objeto de estudo, ele adquire
sentido e significado no seu contexto original de ocorrência. O pesquisador
deve, então, abarcar todos os fatores e influências do contexto, tornando a
tarefa da investigação bastante exigente e complexa, pois o objeto da
pesquisa será estudado em seu contexto natural de forma prolongada e
através da observação persistente.
Os investigadores qualitativos em educação estão continuamente a questionar os
sujeitos de investigação, com o objetivo de perceber “aquilo que eles experimentam, o modo
como eles interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo
social em que vivem” (PSATHAS, apud BOGBAN e BIKLEN, 1994, p. 51).
Nesse aspecto, definimos a etnografia como fundamentação metodológica para nossa
pesquisa. A pesquisa etnográfica tem como campo de pesquisa o ambiente natural dos
participantes, pois as ações são mais bem compreendidas pelo pesquisador, visto que este
deve introduzir-se no ambiente investigado na busca de integrá-lo. Os pesquisadores
27
“entendem que as ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu
ambiente habitual e ocorrência.” (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p. 48).
1.3 FONTE DA SABEDORIA
Para o início da pesquisa, precisamos nos banhar nas fontes bibliográficas na busca
por nos informar e formar acerca das temáticas, e adquirirmos seu domínio. Domínio este,
ainda frágil nos momentos iniciais da nossa pesquisa de mestrado. Após apropriarmo-nos dos
elementos relativos ao ensino de História, ao currículo, à prática pedagógica e à educação
para as relações étnico-raciais, pesquisamos os documentos que sustentariam nosso trabalho
estabelecendo relações com a bibliografia pesquisada.
As pesquisas bibliográfica e documental foram determinantes no processo de definição
da metodologia de pesquisa que nos daria condições de chegar às respostas dos
questionamentos que impulsionaram nosso trabalho. Nesse processo, foi essencial a mediação
da orientadora no que concerne ao domínio e conhecimento das temáticas, assim como da
metodologia de pesquisa selecionada. A partir da sua orientação, nos foram apresentadas
produções específicas, diversas metodologias de pesquisa para que adotássemos aquela que
melhor nos apontasse caminhos na construção das respostas aos nossos questionamentos.
Porém, a definição da metodologia apresentou-nos imbuídas de grande complexidade, pois as
dificuldades no trato com a metodologia surgiram desde o início, tendo em vista que era a
primeira vez que estávamos sendo apresentados à diversas metodologias e suas técnicas,
déficit adquirido na graduação, em que não nos foi possibilitado conhecimentos relativos à
pesquisa.
1.3.1 A pesquisa bibliográfica
Pesquisa bibliográfica consiste em estudos e análise de documentos de cunho
científico tais como: livros, artigos científicos, dissertações, teses e periódicos. Permite ao
pesquisador o estudo com obras publicadas sobre o tema em estudo. Vale salientar que, ao
realizar a pesquisa bibliográfica, devemos observar a confiabilidade das fontes e sua
relevância no contexto científico.
28
A pesquisa bibliográfica que subsidia nossa investigação, possibilitou-nos promover
reflexões e compreensões sobre a trajetória de lutas, desafios, mudanças e permanências
ocorridas no processo de busca por uma sociedade igualitária e sem preconceitos, à luz do
ensino de História. Tendo em vista que a pesquisa está pautada na Lei 10.639/03, foram
realizados estudos em torno das temáticas: ensino de História, educação para as relações
étnico-raciais, currículo e práticas pedagógicas. Permitiu-nos compreender e visualizar através
dos escritos pesquisados, as dificuldades em tornar efetivo o paradigma educacional que a
nossa sociedade necessita, pautado na cultura antirracista, livre de preconceitos e conceitos
estereotipados sobre o povo de origem africana, pautada na formação do educando na sua
integralidade como um ser multicultural, consciente das reais influências do povo de africano
(e indígena) na constituição da sociedade brasileira.
Em relação à temática “ensino de História”, buscamos referências sobre como se
processa o ensino e a aprendizagem deste ensino, sobretudo, nos anos iniciais do Ensino
Fundamental e que elementos são considerados para que se efetive a construção do saber
histórico. Para responder aos questionamentos, foram pesquisadas obras de: Abud (2012a,
2012b), Bernardo (2009), Bittencourt J. (2009), Tuma, Cainelli e Rosa (2010), Schmitt
(2011), Silva (2015), Teixeira (2011), Coelho (2011), Doroteio (2012), Siqueira e Quirino
(2012), Azevedo (2013), Bittencourt, C. (2009; 2005), Fonseca (1993, 2010) e Stamatto
(2009).
Os autores referenciados defendem a reestruturação das práticas do ensino de História,
substituindo a ação de transferência de conhecimentos, pela ação de construir conhecimentos,
através do processo dialógico entre passado, presente e futuro. Possibilitando dessa forma, a
compreensão do processo histórico, sua evolução e transformações pelos alunos.
A obra de Abud (2012a) permitiu-nos confirmar suposições elaboradas no decorrer
das nossas leituras, ao apresentar dados extraídos do estágio supervisionado, em que confirma
que o tempo disponibilizado para o ensino de História nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, é por muitas vezes suprimido pela administração das disciplinas consideradas
como prioritárias, como o caso das disciplinas de Português de Matemática. Nesse aspecto,
percebemos que as representações sobre o ensino de História pela maioria dos docentes, ainda
reproduzem os aspectos mecanicistas, baseados na repetição e memorização, perpetuando
dessa forma, concepções do passado. São características apregoadas durante décadas, em que
consiste subjugar o caráter formativo e científico da disciplina, corroborando com o
enraizamento desses conceitos e concepção até os dias atuais.
29
Já Abud (2012b), por sua vez, trata especialmente sobre a elaboração do conceito de
tempo histórico. A autora defende a elaboração do conceito histórico relacionando-o às
noções de tempo e espaço histórico, pois a referência a fatos passados permite compreender o
presente. Para compreensão de tempo histórico, a autora discorre sobre tempo físico, tempo
social até chegar ao conceito de tempo histórico. Etapas vivenciadas pelos alunos dos anos
iniciais do Ensino Fundamental na elaboração do conceito de tempo histórico. O texto da
autora colaborou na construção do conceito de tempo histórico, ponto que necessitávamos
maior compreensão como um dos elementos constitutivos para tornar efetivo o ensino de
História nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Tuma, Cainellei e Rosa (2010), por sua vez, apresentam o processo de construção do
conceito de tempo histórico a partir das referências teóricas e metodológicas construídas
através da observação e análise das atividades realizadas pelos alunos com idades entre nove e
dez anos. O resultado da pesquisa foi importante para o nosso trabalho por promover a
compreensão dos conceitos fundamentais para o ensino de História, tais como: tempo
histórico, duração, simultaneidade e temporalidade. Para tanto, as autoras revelaram cada
etapa da construção do conhecimento histórico interligando os conceitos ao processo
metodológico.
Ainda sobre tempo histórico, Schmitt (2011) aponta ser de ordem fundamental sua
compreensão pelos alunos, até mais do que os conteúdos que são trabalhados. O trabalho da
autora nos possibilitou maior reflexão sobre o processo teórico-metodológico representado
como “verdade” durante os tempos, e que possibilita ao aluno construir o conceito de
temporalidade, aplicando-o na sua vivência e percebendo-se como sujeito histórico.
A dissertação de Bernardo (2009) apresenta como se processa o ensino-aprendizagem
do saber histórico a partir dos usos das fontes históricas. A pesquisa tem como objetivo
investigar a compreensão dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, acerca das
fontes históricas e se são capazes de estabelecer relações com sua vivência na construção do
pensamento histórico. O estudo da produção acadêmica nos possibilitou uma maior reflexão
acerca da utilização das fontes históricas, no intuito de estimular a curiosidade e despertar o
interesse do aluno pelo ensino de História, na busca da reconfiguração da metodologia
aplicada.
Já a dissertação de mestrado de Jean Bittencourt (2009), busca identificar quais
aspectos são determinantes na seleção e organização dos conteúdos de História pelos
professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com base no currículo proposto pela
escola para o ensino da disciplina. Esta seleção é baseada na concepção de ensino-
30
aprendizagem construída pelo docente sobre o ensino da disciplina e influencia diretamente
na sua prática pedagógica. A leitura da obra nos possibilitou estabelecer as relações entre
currículo e prática pedagógica para o ensino de História de forma mais contundente além de
promover uma reflexão acerca da fragilidade do professor dos anos iniciais ao elaborar seus
planejamentos, quando estes não têm orientações teórico-metodológicas claras e objetivas no
currículo escolar.
O artigo de Silva (2015) colabora com nossa pesquisa no que concerne à relação entre
a concepção de ensino de História e prática pedagógica reflexiva, fios condutores na
construção do pensamento crítico e reflexivo da realidade do sujeito. Nesse aspecto, o autor
defende a construção dos conceitos históricos pelos alunos através da relação estabelecida
entre o presente e o passado como resultado da ação humana, de pessoas comuns que
construíram um futuro e um presente a partir de um passado. Sendo esta relação possível,
através da mediação docente, a quem é atribuído o papel de mediador através dos recursos
didáticos que incitem o aluno a formular suas concepções históricas.
Já a obra de Teixeira (2011) tem como objetivo analisar o currículo da disciplina de
História sugerido para os anos iniciais do Ensino Fundamental. A autora buscou referências
nos conteúdos apresentados nos livros didáticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD) publicados entre os anos de 1996 e 2012. A partir da discussão suscitada
sobre as características assumidas pelas estruturas curriculares, foi possível estabelecermos
relação entre as teorias crítica e pós-crítica do currículo. O estudo da obra nos possibilitou
ressaltar nossa concepção de que a escolha dos conteúdos, metodologia e avaliações,
representam o tipo de sujeito que se pretende formar, a visão de mundo e sociedade
defendidos pela escola, ao mesmo tempo em que absorve determinados indivíduos e exclui
outros, na defesa do “sujeito ideal”, colaborando diretamente com o universo da nossa
pesquisa, ao defendermos o currículo promotor da diversidade multicultural, na formação do
sujeito plural e diverso. Premissas reveladas na teoria pós-crítica.
O artigo de Coelho (2011) é um estudo voltado para a construção e análise do perfil
profissional e pessoal docentes, realizado através de entrevistas com 12 professoras da rede
pública municipal de Belo Horizonte/MG. A obra foi relevante para nossa pesquisa pelo fato
de nos permitir compreender as dificuldades encontradas pelos professores, ao deparar-se com
as questões curriculares específicas para o ensino de História, como estas influenciam na sua
prática pedagógica, tendo em vista que não dispunham de formação para o desenlace da
31
temática com seguridade, levando-os a reproduzir os aspectos metodológicos aos quais foram
submetidos na abordagem da disciplina.
Doroteio (2012) contribui para nossa pesquisa ao nos aproximar das questões que
conduziram o processo de transformação curricular em que o ensino de História foi
protagonista, a partir de 1990. Além disso, aponta as mudanças de pensamentos, que
correspondem ao repensar das práticas pedagógicas, conteúdos e temas. Constituímos o
pensamento de que ao mesmo tempo em que é abordado como formador da identidade social,
o ensino de História, busca reflexões acerca do processo histórico de construção da sociedade
brasileira, elementos transformadores e determinantes nas mudanças sociais e culturais.
Destaca a concepção de ensino como fundamental para o processo de seleção dos conteúdos e
a metodologia adotada, no entanto, revela sua insatisfação ao comprovar a desvalorização da
disciplina, mediante a carga horária reduzida.
Buscamos dialogar com Siqueira e Quirino (2012) sobre os aspectos que permeiam e
orientam a prática pedagógica para o ensino de História e nos revela que ao ministrar a
disciplina, deve-se construir uma ponte entre os acontecimentos passados e a atualidade, para
melhor compreensão do aluno, devem-se promover situações em que o aluno construa suas
concepções acerca dos fatos históricos e internalize o conhecimento de forma significativa.
Partimos do pressuposto de que tais ações são possíveis diante da reestruturação das posturas
adotadas pelo docente na abordagem do ensino da História.
Já o artigo de Azevedo (2013) permitiu-nos refletir sobre os diversos caminhos para a
composição do planejamento promotor de ações pedagógicas reflexivas e concretas no
processo de ensino aprendizagem do ensino de História. A autora apresenta modelos de
planejamento apontando suas principais características e funções. Enfatiza a necessidade de
identificação por parte do docente, sobre a definição de planejamento mais adequado à
abordagem do assunto, tendo em vista que neste, estão presentes os aspectos sociais, culturais,
econômicos e políticos, que direcionarão a constituição da prática pedagógica.
Já as obras de Circe Bittencourt (2005; 2009), colaboram com nossa pesquisa ao
promover uma discussão acerca da estrutura teórica e metodológica que permeia a abordagem
do ensino de História nos anos inicias do Ensino Fundamental, além de apresentar uma breve
trajetória sobre os aspectos históricos constitutivos da disciplina no Brasil e seu papel no
currículo escolar. Ao mesmo tempo apontam como principais problemas as permanências e
mudanças acerca dos elementos curriculares na abordagem da História no âmbito escolar,
32
definindo o lugar que pode ocupar na tentativa de colaborar no desenvolvimento social e
intelectual do sujeito.
Nesse aspecto, o estudo dos trabalhos de Fonseca (1993; 2010) foi importante para
nossa pesquisa por referendarem a trajetória das mudanças apresentadas pelo currículo para o
ensino de História através dos tempos, além de revelar como característica marcante para tais
mudanças, o processo político, social e econômico, vivenciado em cada época, por meio da
elaboração da breve trajetória de conceitos e concepções assumidas pelo ensino de História
através do tempo. Além disso, auxiliaram-nos na compreensão dos aspectos que
influenciaram as permanências e mudanças na trajetória do ensino de História na educação
brasileira.
Stamatto (2009) nos possibilitou compreender o processo de mudanças e
permanências do ensino de História através do tempo pelas lentes das reformas curriculares,
que considerando as teorias e significados atribuídos à disciplina de acordo com a época,
apresenta seus pressupostos conceituais. Ao mesmo tempo, em que realiza a análise dos livros
didáticos direcionados aos anos iniciais. Por sua vez, Santos (2010), especificamente, chama a
atenção para a reestruturação conceitual sobre educação e tipo de sujeito que se pretende
formar, assim como que conhecimentos são necessários para a efetivação do currículo em
consonância com a prática pedagógica. Além de promover uma discussão acerca da
resistência do docente em aceitar romper com premissas construídas e enraizadas no processo
metodológico. Ambos os autores contribuíram para o pensar sobre a complexidade inerente ao
ensino de História com foco, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
No âmbito da “educação para relações étnico-raciais”, pesquisamos trabalhos na
perspectiva da construção histórica das relações étnico-raciais. Nesse aspecto, analisamos as
obras de: Trindade (2013), Silva e Souza (2008), Costa (2013), Rocha e Silva (2013),
Azevedo (2010b) Flores, (2006), Silva P. (2007), Silva, (2011), Santos (2011), Nascimento
(2011) e Silva (2011), Gomes (2001; 2005a; 2005b; 2007; 2013), Pereira (2012), Cavalleiro
(2005), Sant‟Ana (2005).
Trindade (2013) faz uma breve trajetória histórica, pelos marcos propulsores de lutas e
conquistas políticas e educacionais alcançadas pelos movimentos negros. O trabalho da autora
ajuda-nos a estabelecer relações entre o processo histórico, os resultados e circunstâncias de
cada movimento, pois, apresenta de forma cronológica a sanção de leis e documentos que
regulamentam, no âmbito educacional, o combate às desigualdades sociais e raciais.
33
Silva e Souza (2008), ao enfatizar a busca pela descentralização eurocêntrica nas
escolas, diante da necessidade da adesão a uma democracia étnico-racial, concebem que um
ambiente escolar socializador e promotor das relações étnico-raciais, é papel dos sujeitos da
educação institucionalizada, principalmente do corpo docente. Nessa perspectiva, é necessário
descontruir paradigmas educacionais excludentes e reformular a concepção de mundo,
sociedade, aluno e educação defendida pela instituição, para que seja valorizada a diversidade.
Segundo os autores, o marco inicial é o reconhecimento da própria identidade, a definição do
“ser negro” no Brasil.
Ainda sobre o processo da construção histórica da luta contra o preconceito racial e as
conquistas educacionais, a dissertação de Costa (2013) apresenta-nos estudos mais
aprofundados acerca dos movimentos negros, expõe uma trajetória política e sócio
educacional relacionando à situação econômica brasileira da época. O trabalho da autora, foi
de suma importância, pois consubstanciou a compreensão dos processos políticos e históricos
para a efetivação da lei 10.639/2003, dialogando com a realidade social e econômica, em que
estavam sendo processadas.
Rocha e Silva (2013) possibilitaram-nos complementar nossos conhecimentos acerca
da trajetória educacional dos movimentos realizados até a promulgação da lei 10.639/2003,
além de levar-nos a questionar o papel da escola frente às mudanças educacionais, a adoção
do novo modelo de educação apresentado e ansiado pela sociedade, sustentado pela
multiculturalidade, na diversidade identitária e no combate ao preconceito e discriminação. É
necessária a incorporação das premissas que regem as leis e as diretrizes pelos sujeitos do
processo educacional, para que haja garantia de mudanças de paradigmas da educação. Nesse
sentido, pode-se tomar como base a reestruturação curricular, atrelada à função social da
escola e a prática docente, como marcos decisivos nessa constituição.
Azevedo (2010b), por sua vez, propõe a articulação do ensino de História com
educação para as relações étnico-raciais de acordo com cada segmento de aprendizagem.
Iniciando pela Educação Infantil, com o objetivo de promover o desenvolvimento integral da
criança, inclusive no que concerne a sua capacidade de reconhecer-se como um ser histórico,
participante e atuante em uma trajetória familiar e social. Com base no estudo do artigo,
refletimos sobre cada etapa de ensino, identificando a necessidade da formação do docente,
como principal ação para efetivação de uma educação plural nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
34
Flores (2006), por sua vez, critica a inércia do currículo universitário frente às
transformações sociais, caracteriza-o como europeu e conteudista. Enfatiza a importância da
formação docente, no processo de constituição curricular diante da implantação da
10.639/2003. Como parte desse processo, aponta a revisão curricular dos cursos de
licenciatura, em especial, de História, como fundamentais nesta formação docente. Nesse
sentido, a leitura desse artigo, fortaleceu nossos pensamentos de que as orientações
curriculares são a mola mestra de todo o processo de ensino aprendizagem e que esta perpassa
pela formação docente na instituição de ensino superior.
Silva (2011) nos ajuda a refletir sobre a importância do diálogo que deve ser
estabelecido entre a organização curricular e a cultura antirracista, na busca pela erradicação
das desigualdades sociais e culturais. Aponta, como marco inicial, as mudanças de
pensamento e práticas pedagógicas nas instituições de ensino, preponderando um novo
paradigma curricular, baseado na diversidade e multiculturalismo. Para tanto, coloca como
imprescindível, a atuação das instituições de ensino superior, tendo em vista que a partir da
formação docente, teremos o real combate ao racismo e preconceitos nas escolas básicas.
Nesse aspecto, a leitura do artigo de Silva (2007) colabora com a nossa pesquisa no
que concerne à reflexão acerca do papel desempenhado pela escola no processo desconstrução
e (re)construção de pensamentos e posturas diante das diferenças étnico-raciais, na busca por
uma educação igualitária, não excludente. Defende a abordagem das relações étnico-raciais
desde os anos iniciais de escolaridade, para que as atitudes de preconceitos e discriminações
não se disseminem e transformem-se em algo “incorrigível” nos anos posteriores.
O trabalho de Silva Júnior (2002), nos leva a refletir como a escola está administrando
as questões sobre discriminação raciais apresentadas no seu cotidiano, através da discussão
acerca das políticas públicas existentes e sua adesão pelas instituições educacionais,
apontando as causas da sua resistência à essa adesão, inclusive como a posição de omissão
podem influenciar nos resultados e consequências para o alunado na construção da sua
identidade.
Diante da necessidade em aprofundarmos nossos estudos acerca do currículo para as
relações étnico-raciais, realizamos o estudo do trabalho de Gomes (2001, 2003; 2005a; 2005b;
2007; 2013). Seus trabalhos apresentam uma reflexão sobre o currículo como centro dos
projetos políticos pedagógicos das escolas. Busca enfatizar a partir dos aspectos analisados
entre os docentes, a construção de uma concepção de currículo desvinculada a apenas seleção
de conteúdos. Aponta o currículo como resultante de uma realidade cultural, política, social e
35
intelectual. A leitura dos seus artigos nos possibilitou refletir acerca da posição adotada pelas
escolas, sobretudo, com a resistência em desenvolver trabalhos com as relações étnico-raciais,
assim como em efetivar as determinações da Lei 10.639/2003 através da sua implementação
no currículo escolar. Revela a importância do mediador no processo de combate e reprodução
dessas ações, pontuando incisivamente a ação da escola e do docente como promotores
fundamentais. Além disso, apresenta os resultados dos estudos realizados na conclusão do
doutorado em Antropologia em que realiza uma reflexão acerca dos estereótipos adotados em
relação às características físicas de pessoas de matrizes afro-brasileira, dentro e fora do
contexto escolar até os dias atuais. Chamou-nos atenção a discussão sobre a relação do afro-
brasileiro com seu corpo e seu cabelo, e como esta relação resiste à expressões de racismos e
preconceitos no ambiente escolar na construção da identidade do sujeito.
A construção histórica de termos como racismo, preconceito e discriminação são
discutidos no trabalho de Sant‟Ana (2005). Favoreceu nosso trabalho ao nos esclarecer a
trajetória da origem dos termos, revelando seu surgimento na Europa como meio para a
prática dominante, utilizada como justificativa, a fé cristã, pois quem não a professasse, era
considerado indigno e selvagem, concedendo ao europeu o direito de agir nas terras africanas,
asiáticas e americanas com violência.
Diante dos estudos realizados, percebemos a necessidade de compreendermos aspectos
relativos a “currículo” e “práticas pedagógicas”. Assim, tomamos como referência os escritos
de Azevedo (2010a), Sacristàn (1998, 2000, 1998), Lopes e Macedo (2011), Freire, (1996),
Anastasiou (2003), Libâneo (2013), Farias (2008), Moreira e Silva (2002), Doll Junior (1997),
Pereira e Cordeiro (2014), Gomes (2007), Pereira (2012), Silva e Souza (2008), Apple (2002)
Azevedo (2010a) contribui com a nossa pesquisa ao chamar a atenção para a estrutura
curricular do ensino de História, quando afirma que para sua elaboração é imprescindível
partir da concepção e objetivos da História, e só após tal elaboração de pensamento, serão
definidas as ações que respondam aos questionamentos “o que ensinar”, “por que ensinar” e
“como ensinar”, considerando aspectos sociais, culturais e econômicos dos alunos. A autora
defende a promoção do currículo multicultural, por apresentar proposta de ensino baseado na
conscientização dos diferentes grupos que compõem a sociedade brasileira, que permite ao
aluno construir sua identidade através das relações que estabelece entre o passado e o
presente. Essa proposta curricular, segundo a autora, requer desprendimento e inovação
pedagógica por parte do corpo docente, além de conhecimentos diversificados.
36
Através das obras de Sacristàn (2000; 2013) podemos refletir sobre o conceito de
currículo como orientador da prática pedagógica, representantes dos ambientes educacionais
para o quais é elaborado. De acordo com o autor, o currículo revela a função da escola diante
das mudanças sociais e históricas. Tem a função de estabelecer o diálogo entre conhecimento
e prática pedagógica com base na visão explicitada sobre a sociedade, educação e sujeitos.
Esse aspecto monocultural do currículo deve ser substituído pelo multicultural, atribuindo às
bases curriculares o processo de reestruturação educacional, necessária à formação do sujeito
na e para a diversidade.
Lopes e Macedo (2011) apresentam uma discussão em torno das teorias do currículo,
iniciada pela exposição da concepção de currículo e suas representações históricas. Aborda o
eficienticismo, o progressivismo e a teoria tayleriana como teorias pungentes na definição
curricular. Colaborou com nosso trabalho na construção compreensiva do processo de
transformações sobre a concepção de currículo, permitiu-nos elaborar assertivas críticas
acerca das atuais considerações sobre currículo no contexto escolar.
As obras de Freire (1979; 1987; 1996; 2001) nos permitiu refletir acerca da formação
docente para prática pedagógica libertadora e anti-bancária. Revela-nos o processo que deve
ser seguido em busca de uma prática pedagógica reflexiva e significativa, em que o seu
percurso e objetivo sejam o ensino e a aprendizagem significativa e dialógica. Além de
suscitar uma discussão acerca do papel de mediador desempenhado pelo docente nesse
processo. Apontando o processo de “ensinagem” pelo professor enquanto este também
assume o papel de aprendente.
Os estudos de Anatasiou (2003) colaboraram com nosso trabalho por promover uma
discussão reflexiva acerca da tríade: ensinar, aprender e apreender, em que nos permitiu
refletir acerca da compreensão do significado de cada elemento condutor da experiência
pedagógica significativa, a importância em superar antigos padrões de ensino.
A obra de Libâneo (2013), por sua vez, nos proporcionou a compreensão acerca dos
referenciais didáticos e pedagógicos no processo de ensino aprendizagem. A leitura da obra
foi importante para a nossa pesquisa por apresentar e discutir a estruturação do processo de
ensino aprendizagem baseada na integração entre os fatores que compõem a prática
pedagógica, tais como: objetivos (gerais e específicos), conteúdos, metodologia, avaliação.
Além disso, enfatiza a importância do planejamento escolar, de ensino e das aulas, pontos
abordados no nosso trabalho como essenciais para o sucesso do ensino da história e cultura
afro-brasileira e africana.
37
A obra de Farias (2008) permitiu-nos refletir sobre a função do planejamento e a sua
importância no desenvolvimento da prática pedagógica. Com base nos seus registros, foi
possível constatarmos que o planejamento é um ato social, histórico e político. Social e
histórico, por representar através da prática pedagógica, a visão de mundo, sociedade e
concepção de homem revelada em determinados momentos históricos.
Moreira e Silva (2002) colaboraram com a nossa pesquisa na elaboração cognitiva dos
aspectos sócio históricos do currículo. Realizam uma discussão acerca dos elementos
constituintes do currículo, o poder, a cultura e a ideologia relacionando com sua evolução e
características diante de diferentes momentos sociais. Nessa perspectiva os autores discorrem
sobre a historicidade do currículo e a relação que estabelece no tempo.
Na perspectiva estrutural da historização do currículo, Doll Junior (1997) colaborou
com a nossa pesquisa para compreensão do processo histórico das teorias do currículo na
educação e suas mudanças e permanências até os dias atuais. Além, de caracterizar as teorias
curriculares de cada época, pontuando os aspectos sociais, políticos e econômicos, nos
permitindo compreender como foram processadas as mudanças e ideologias curriculares.
Pereira e Cordeiro (2014) reforçam nossas concepções acerca da resistência
desprendida pelas escolas em aderir às determinações da Lei 10.639/2003. Os autores
pontuam a necessidade da elaboração curricular consolidar a formação identitária do
educando negro, na relação com o outro, perceber semelhanças e diferenças valorizando e
respeitando o outro diante das suas individualidades. Além disso, discutem o papel da escola
no combate ao racismo e preconceito, na promoção da igualdade racial na interface currículo
e prática pedagógica.
Por sua vez, Pereira (2012), concentra seus estudos na análise de uma abordagem
teórico-metodológica direcionada à reflexão e conhecimento pertinentes ao fortalecimento da
história e cultura africana. Nesse aspecto, apresenta a necessidade da formação docente para
abordagem crítica e reflexiva sobre a condução do trabalho com a educação para as relações
étnico-raciais. Temática que trazemos no corpo do nosso trabalho como mola propulsora no
combate às reproduções de atitudes discriminatórias e preconceituosas na sala ade aula.
Silva e Souza (2008) nos conduzem pelos caminhos da historicidade acerca das lutas e
resistência dos povos de matrizes africana e indígena, na busca pela igualdade sócio histórica.
Assim como nosso trabalho, aponta as políticas públicas como um dos meios pelos quais é
possível reduzir a distância entre o monoculturalismo e pluriculturalismo.
38
A partir da pesquisa bibliográfica, nos foi possível descontruir e reconstruir
concepções acerca das temáticas propostas, nos permitiu o exercício da autorreflexão, a qual
refletiu nossa condição de reprodutores de práticas descontextualizadas e estagnadas, além de
reprodutores de pensamentos já prontos e acabados, resultantes de falta de informação e
formação. Nesse aspecto, podemos pontuar nossas mudanças conceituais e procedimentais
para a prática pedagógica do ensino de História.
Enquanto graduados em Pedagogia, nossa formação no trato com a disciplina foi
limitada e a tendência a que fomos expostos foi de reprodução do vivenciado na nossa
formação. Diante dessa assertiva, nos descobrimos como a maioria dos professores
pedagogos, elegíamos para sala de aula do Ensino Fundamental para o ensino de História, um
currículo conteudista linear, despidos da real importância que deve ser atribuída ao ensino da
disciplina em detrimento às disciplinas como: Matemática e Português. Nossa abordagem
histórica primava pela tendência tecnicista, realizada pelas vias da identificação de nomes e
ações “heróicas” como pontos importantes a serem apreendidos pelo aluno.
Ao finalizar a pesquisa bibliográfica nos possibilitou construir novos caminhos para o
ensino da disciplina, conhecimentos de diferentes conceitos históricos que devem ser
considerados na formação do sujeito e que influenciam diretamente na sua construção, tais
como: tempo histórico, sujeitos históricos e a simultaneidade. Aspectos determinantes para
consolidação de uma educação voltada para diversidade étnico-racial, em que propõe o sujeito
como construtor e transformador da sociedade em que vive, mas que para isso, deve
conscientizar-se da sua identidade e perceber-se integrante de uma sociedade que possui
passado, presente e a partir de então, formulará o futuro.
Nosso olhar para o ensino de História, após a pesquisa bibliográfica, será direcionado
à formação histórica como orientadora no processo de formação do sujeito pluriétnico e
diverso, pois compreendemos que o seu domínio como a base da transformação da sociedade,
está no reconhecimento do aluno enquanto sujeito histórico.
Diante do exposto, compreendemos que as bases teórico-metodológicas do ensino de
História, sustentam as bases ideológicas para a abordagem da educação para as relações
étnico-raciais. Temática desconhecida amplamente, mas que diante dos estudos teóricos,
passamos a dominar. Ao mesmo tempo em que nos foi possível identificar como eixo central,
o currículo escolar. A organização, direcionamento teórico-metodológico, concepção de
educação configuram-se como pilares da formação do sujeito. E a partir da sua estruturação,
vislumbramos através das práticas pedagógicas, a sua implementação. Construímos a
39
concepção de que apenas o currículo voltado para a diversidade, atenderá as necessidades,
atualmente pungentes.
1.3.2 Sentir, ver e ser: elementos da pesquisa etnográfica
Com intuito de compreender, através do olhar dos sujeitos da pesquisa, como se
processa o ensino da História afro-brasileira e africana na escola, os significados atribuídos, as
concepções de sujeito elaboradas e expressas no cotidiano, definimos a etnografia como
metodologia da nossa pesquisa. “O pesquisador aproxima-se dela para poder descrevê-la, não
em sua própria ótica, mas na dinâmica da cultura experimentada por todos e cada um dos
sujeitos em relação no grupo.” (GHEDIN e FRANCO, 2011, p.180).
A etnografia, originária dos trabalhos de antropólogos, busca compreender os
significados das ações dos sujeitos pela sua própria ótica de participantes. Para tanto, é
necessário que o pesquisador se constitua como integrante do universo social do sujeito,
configurando-se como um dos integrantes da pesquisa. Utiliza como técnicas principais: a
entrevista, a observação participante com descrição e diário de campo.
Esse tipo de pesquisa conduz o processo investigativo através da aproximação
conceitual subjetiva do fenômeno e a visão do sujeito da pesquisa, “a fonte de dados é o
ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal” (BOGDAN e
BIKLEN, 1994, p. 47), elegendo como foco principal o processo do fenômeno estudado.
A pesquisa etnográfica apresenta como característica marcante a necessidade de um
longo período de convivência entre pesquisador e o sujeito pesquisado, necessários à
interpretação e apropriação dos significados construídos, a forma que se veem no mundo e
veem o outro, as regras que regem o grupo investigado. “A principal preocupação da
etnografia é com o significado que tem as ações para as pessoas ou os grupos estudados.
Alguns desses significados são diretamente expressos pela linguagem, outros são transmitidos
por meios de ações” (ANDRÉ, 1995, p. 19).
Nesse processo, o pesquisador desempenha papel determinante na construção e análise
os dados, sendo ele, o responsável por “apreender e retratar uma visão pessoal dos
participantes” (ANDRÉ, 1995, p. 29). A investigação busca respostas no ambiente natural
dos sujeitos da pesquisa, na relação que estabelece com seu meio natural, aluno-aluno, aluno-
professor e professor-instituição. Com base no exposto, o contato com a escola é determinante
para o desenvolvimento da pesquisa. Dessa maneira, fomos a busca do campo da
40
investigação, atentos aos aspectos relativos ao público dos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
O interesse do pesquisador ao selecionar uma determinada unidade é
compreendê-la como uma unidade. Isso não impede, no entanto, que ele
esteja atento ao seu contexto e as suas inter-relações como um todo orgânico,
e sua dinâmica como um processo, uma unidade em ação (ANDRÉ, 1995,
p.31).
A primeira escola com a qual tivemos contato foi a Escola Municipal Professora Vera
Lúcia Soares Barros pertencente à rede municipal de Natal/RN, selecionada pelo fato de
integrarmos o seu quadro de professores efetivos, além disso, os anos de trabalho no ambiente
nos possibilitou a percepção de contundentes expressões discriminatórias e preconceituosas
reproduzidas pelos alunos. Outro aspecto decisivo na escolha por esta escola se deu pelo fato
de termos presenciado a rejeição por parte dos docentes, em desenvolver trabalhos
envolvendo a cultura afro-brasileira e africana. Foram realizadas duas visitas, a primeira para
conversar com a direção acerca da pesquisa, esclarecendo as dúvidas, ao mesmo tempo em
que solicitamos a assinatura do Termo de Autorização, e a indicação do professor e da turma
que teria a possibilidade de aceitar participar da pesquisa, tendo em vista que a escola contava
com duas turmas de 5º ano. A segunda visita teve como meta apresentar, às professoras, o
projeto, detalhadamente, além de esclarecer a metodologia de pesquisa que seria adotada.
Após a exposição e eliminação das dúvidas, uma das professoras concordou em participar da
pesquisa, e assinou, em seguida, o Termo de Consentimento Livre, permitindo o início da
pesquisa no dia seguinte.
No entanto, ao retornarmos à escola no dia marcado para o início da investigação, qual
foi nossa surpresa, ao saber que a professora havia desistido, alegando não concordar com a
aplicação da metodologia de pesquisa adotada, etnográfica, tendo em vista que uma das
técnicas seria a observação participante que consistia em nossa presença diariamente na sua
sala de aula até o final do ano. A observação participante consiste no “contato direto e
prolongado do pesquisador com a situação e as pessoas ou grupo selecionados” (ANDRÉ,
2010, p. 42). Ao mesmo tempo, revelou-nos que não teríamos o que pesquisar, pois o
conteúdo sobre a cultura africana já havia sido aplicado, no momento em que realizou o
trabalho sobre a escravidão no mês de maio.
41
Diante do acontecido, percebemos o desconhecimento da professora sobre o ensino da
história e cultura africana, ao revelar que esta deveria ser trabalhada em um momento pontual,
além de resumi-la ao processo de escravidão.
Na segunda escola foram adotados os mesmos procedimentos, iniciando com o pedido
de autorização da direção (Apêndice 1), em seguida, a realização da conversa com a
professora. Esta se mostrou entusiasmada e aceitou participar da pesquisa, assinando
prontamente o Termo de Consentimento Livre (Apêndice 2). A pesquisa etnográfica foi
assim, iniciada no dia 15 de setembro do ano de 2016 na Escola Estadual Potiguassu, em uma
turma de 5º ano do Ensino Fundamental anos iniciais.
A pesquisa etnográfica é realizada através de técnicas como: observação participante,
entrevista e descrição e registro em diário de campo, definidas como as mais adequadas para
orientar a investigação. Diante do anseio em perceber como se processam os pensamentos da
docente acerca da aceitação e consequentemente, aplicabilidade das orientações sobre o
ensino da história afro-brasileira e africana, a metodologia de pesquisa escolhida, apresentou-
se ideal para a nossa reflexão. A pesquisa etnográfica possibilitou-nos compreender a origem
da resistência que encontramos em alguns docentes em adotar posturas educacionais
diferenciadas, a dificuldade que apresentam em romper paradigmas em detrimento de outros
ou novos.
As técnicas utilizadas transportam-nos ao universo do desconhecido, nos permite
compreender e visualizar o mundo pelas lentes do outro. Referências que, durante a prática da
pesquisa, vão sendo fundidas com nossa realidade e passam a integrar como comportamento
cotidiano. A essência da pesquisa etnográfica está na possibilidade que apresenta em nos
permitir o distanciamento de pré-conceitos e conceitos consolidados e das verdades que temos
construídas como única. Possibilita-nos o desprendimento de conceitos próprios e entender a
concepção de mundo pelas lentes, sentimentos e sensações do outro. O diálogo entre as
técnicas nos possibilita ser e ver a partir do campo de referência do outro, transformando o
pesquisador e o pesquisado.
O etnógrafo encontra-se, assim, diante de diferentes formas de interpretações
da vida, formas de compreensão do senso comum, significados variados
atribuídos pelos participantes às suas experiências e vivências e tenta
mostrar esses significados múltiplos ao leitor. (ANDRÉ, 1995, p.20).
Investigar o outro, através das lentes dele, representou-nos um desafio a ser superado.
Inicialmente, tivemos que despirmos dos pré-conceitos formulados sobre o sujeito
42
pesquisado, tendo em vista que a dificuldade maior apresentou-se no fato de trabalhar com a
professora Marcelina, e haver uma relação estabelecida, uma construção de imagem. Durante
a observação participante, precisamos manter distância das concepções formuladas. Além
disso, as visões e conhecimentos formulados durante nossa trajetória educacional, não
deveriam conduzir expectativas durante as nossas observações. Como uma das principais
técnicas da pesquisa etnográfica, o distanciamento das concepções formuladas a partir das
nossas vivências, deveria ser mantido, inclusive no que concerne a constituição de
expectativas que, diante dos conhecimentos adquiridos, deveriam ser controlados e
impedidos de influenciarem nossos pensamentos na compreensão das ações e atitudes
reveladas pela professora Marcelina.
Outro aspecto que se configurou como obstáculo a ser superado foi tentar
compreender as formas de pensar, sentir e agir como a professora, para poder interpretar suas
ações, tendo em vista que atreladas a isso estavam nossas próprias concepções, que não
deveriam interferir no processo de investigação. Superados os obstáculos, nos foi possível
compreender as atitudes adotadas pela professora.
As observações da pesquisa foram registradas de forma descritiva, no sentido atribuído
por Martins (2010), segundo o qual a descrição consiste em informação revelada a outro
sujeito que desconhece o assunto ou objeto em questão no todo ou em partes. Na descrição,
todos os elementos que circundam o objeto da pesquisa tem sua relevância. “Descrever algo
envolve uma ação que é dirigida a alguém” (MARTINS, 2010, p. 57).
Durante a construção dos dados e registro no diário de campo, temos o impulso de
anotar todos os acontecimentos, o que de fato, inicialmente, ocorreu com os nossos registros.
Porém, tendo em vista que a sala de aula é um universo dinâmico e que devemos estar atentos
a todo e qualquer movimento, dever-nos-íamos “policiar” para não perdermos o foco da
pesquisa, devendo relacionar apenas o que condizia com a nossa investigação. Tomamos
como base o que dizem Bogdan e Biken (1994, p. 207-208) quando afirma que “tem que se
disciplinar de não querer estudar tudo e precisar colocar alguns limites à sua mobilidade
física, porque, se assim não for, obterá dados demasiados difusos e inapropriados para aquilo
que se propôs a fazer.” Seguindo esse pensamento, nossos encontros de orientação, foram
determinantes para a delimitação do campo de observação, neles definimos os aspectos
pertinentes a serem observados, correspondentes aos objetivos da nossa pesquisa. O que
facilitou nossos registros e direcionou nosso foco de atenção para o que de fato era relevante
para a conclusão do nosso trabalho.
43
Foram aproximadamente 200 páginas, de registros escritos resultantes das 390 horas
de observações realizadas em sala de aula na Escola Estadual Potiguassu. Diante de tantas
anotações, nos deparamos com o desafio de selecionar apenas o que era relevante para o tema
da pesquisa. Esse processo apresentou-se imbuído de dificuldades, tendo em vista que
considerávamos todas as anotações relevantes. Os registros e informações se entrelaçavam e
se repetiam frequentemente. Nesse aspecto, consideramos a repetição como positiva, pois nos
revela a integração da pesquisadora ao ambiente analisado de tal forma, que proporcionou ao
pesquisado que conduzisse suas ações de forma natural, desconsiderando o fato de estar sendo
observado. Diante do exposto, com o auxílio da orientadora, conseguimos extrair das
descrições os dados pertinentes para análise.
De posse dos dados definitivos, realizamos análises da entrevista com a professora e
os registros do diário de campo, baseados nas pesquisas bibliográfica e documental realizada.
Seguindo o pensamento de André (2010, p. 43), esse movimento transitório revela “outro
aspecto peculiar aos estudos etnográficos: a existência de um esquema aberto de trabalho que
permite transitar entre observação e análise, entre teoria e empiria”. Após as intensivas
análises e reflexões dos trechos selecionados, realizamos uma nova seleção de trechos que
apresentavam proximidades temáticas para inserir de forma significativa na dissertação.
Análise documental
Importante etapa da pesquisa está representada pela técnica de análise documental,
sendo esta etapa efetivada através das análises dos documentos que complementaram e
afirmaram as informações adquiridas através de outras técnicas. A primeira decisão a ser
tomada foi com relação ao tipo de documento que utilizaríamos, ficando estabelecido que
fossem oficiais (leis, decretos e diretrizes) e técnicos (planejamentos, projetos).
É considerado documento qualquer registro que informe comportamento dos seres
humanos. Para a efetivação da nossa pesquisa, analisamos os referenciais educacionais
nacionais, estaduais e o Projeto Político Pedagógico da escola escolhida como campo de
pesquisa.
Os documentos constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser
retiradas evidências que fundamentem as afirmações e declarações do
pesquisador. Representam ainda uma fonte “natural” de informação. Não são
44
apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num
determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto.
(LÜDKE e ANDRÉ, 2015, p. 45).
A análise dos documentos oficiais que regulamentam o processo educacional
brasileiro para a educação das relações étnico-raciais é essencial para o processo de
investigação e conclusão da pesquisa, pois com base na análise, é possível estabelecer
relações entre as declarações dos sujeitos pesquisados e as definições apresentadas pelo
sistema educacional brasileiro, assim como os entraves para sua aplicabilidade.
Elegemos como questões norteadoras, para as análises dos documentos oficiais, quais
determinações educacional e social são reveladas no combate à promoção do preconceito,
racismo e discriminações nas instituições escolares? Quais determinações estão presentes em
relação à educação para as relações étnico-raciais e o ensino de história? Em consonância com
o que nos dizem em Lüdke e André (2015, p.45): “A análise documental busca identificar
informações factuais nos documentos a partir de questões ou hipóteses de interesse”.
Apresentaremos os principais documentos oficiais que foram sancionados até o ano de
2015, que regulamentam a promoção de uma educação perpetuada no respeito à diversidade
étnico-racial e ao combate ao racismo, preconceito e discriminação, ou que se aproximam em
termos curriculares a educação orientada especificamente na Escola Estadual Potiguassu.
Iniciamos pela Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 2017); seguida pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/1996 (BRASIL, 2008), continuando com os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,1997) especificamente História e Geografia
(BRASIL, 2001b) anos iniciais do Ensino fundamental além, do volume intitulado: Tema
transversal: Pluralidade Cultural e Orientação sexual (BRASIL, 2001c); a Lei 10.639/2003; as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação para as Relações Étnico-Raciais (BRASIL,
2004); Orientações e ações para a Educação das Relações Étnico- Raciais (BRASIL, 2006);
Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
(BRASIL, 2009); Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Norte / 2015-2024 (RIO
GRANDE DO NORTE, 2015) e, Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual Potiguassu
(ESCOLA, 2015).
A Constituição de 1988 foi precursora na publicação de leis. Encontramos nos artigos
5º, 205, 215, 242, referências à efetivação do reconhecimento e valorização à diversidade
ético-racial, incisivamente sobre a cultura afro-brasileira e africana, que buscam a erradicação
45
da discriminação e preconceito racial. No que confere às prerrogativas políticas e sociais, o
documento apresenta como ponto de partida:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a
propriedade, nos termos seguintes: (EC n. 45/2004)
[...]
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei; (BRASIL, 2017, p. 11).
Apesar de visualizarmos a sigla Emenda Constitucional, os escritos apontados acima
já integravam a Constituição desde a sua primeira versão, publicada no dia 05 de outubro de
1988. No que se refere ao âmbito educacional a Constituição apresenta o Art. 205 que define:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (BRASIL, 2017, p. 77).
Visualizamos três aspectos que devem conduzir o trabalho educacional na formação
do sujeito, “o pleno desenvolvimento da pessoa” (BRASIL, 2017, p. 77). Entendemos tratar-
se dos aspectos: físicos, intelectuais, sociais e psicológicos; seu “preparo para o exercício da
cidadania” (BRASIL, 2017, p. 77) e “qualificação para o trabalho” (BRASIL, 2017, p. 77). A
educação para promulgar-se direito de todos, direcionar-se a “todos”, independente de classe
social, deve estabelecer situações de oportunidades também em nível de igualdade. Nesse
sentido, alguns princípios para o ensino são definidos pelo Art. 206 da Constituição Brasileira
(2017), destacamos o “I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”
(BRASIL, 2017, p.77), por entender que a escola deve se configurar como espaço favorável
às interações e relações sociais diversas.
Além disso, define a responsabilidade dos estados e municípios no direcionamento
educacional, deixa livre sua organização, porém, declara como função da União a elaboração
de um plano nacional de educação, orientador das metas, objetivos e avaliação educacionais.
O artigo 214 (BRASIL, 2017) sofreu mudanças na sua redação original no ano de 2009,
ficando da seguinte forma:
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração
decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em
46
regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de
implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino
em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas
dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: (EC
nº 59/2009) I – erradicação do analfabetismo; II – universalização do
atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação
para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica do País;
VI – estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em
educação como proporção do produto interno bruto. (BRASIL, 2017, p.79)
Encontramos referências à diversidade étnico-racial na Seção II-Cultura da
Constituição Brasileira (2017), na qual identificamos a inclusão do § 3º no ano de 2005,
ficando sua redação da seguinte forma:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e
acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais. (EC n. 48/2005) § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e
afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo
civilizatório nacional.
§2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta
significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano nacional de Cultura, de duração plurianual,
visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do
poder público que conduzem à: I – defesa e valorização do patrimônio
cultural brasileiro; II – produção, promoção e difusão de bens culturais; III –
formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas
dimensões; IV – democratização do acesso aos bens de cultura; V –
valorização da diversidade étnica e regional. (BRASIL, 2017, p. 79).
Seguindo as orientações da Constituição Brasileira, em 1996 é publicada a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/1996, documento que estabelece as
diretrizes e bases para educação que devem ser seguidas em âmbito nacional. Elaborada com
base nos artigos 60, 205 e 214 da Constituição Federal, os quais definem encaminhamentos
legais para o processo educacional nacional, a LDBEN (BRASIL, 2008) regulamenta o
processo educacional brasileiro. Ao analisarmos o documento, elegemos como questões
orientadoras: quais concepções educacionais e sociais declara através das normas
apresentadas, assim como, que determinações estão presentes no documento para
implementação da educação para as relações étnico-raciais. Diante do exposto, identificamos
nos artigos 1º, 2º, 3º e 26 A, a concepção de educação que permeia a regulamentação do
trabalho com a diversidade no âmbito educacional.
47
Nossas análises fundamentaram-se inicialmente, pelo Artigo 1º, que baseado na
Constituição (BRASIL, 2017) nos revela os ambientes formadores do sujeito no âmbito social
e aponta qual deve ser os encaminhamentos adotados pela escola, seguindo a concepção de
educação que defende:
Art. 1º. A educação abrange processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino
e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
[...]
§2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática
social. (BRASIL, 2008, p. 29).
Enquanto no Artigo 2º, o documento determina as principais instituições formadoras
do sujeito delegando os caminhos ideológicos a serem seguidos: “Art. 2º. A educação, dever
da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 2008, p. 29).
Ambos os artigos, foram sustentados pelo determinado na Constituição, mais
precisamente o Art. 205, que como já exposto anteriormente, apresenta a concepção de
educação que está sendo representada nos Artigos de Lei.
A partir da definição de educação, o documento determina os princípios que nortearão
os aspectos teórico-metodológicos que subsidiarão a efetivação da coordenadas apresentadas.
O Art. 3º, já em consonância com o Art. 206 da Constituição (BRASIL, 2017). Tendo em
vista que nosso foco são as determinações referentes à educação para as relações étnico-
raciais, destacaremos apenas os incisos que correspondem à nossa pesquisa.
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
[...]
IV - Respeito à liberdade e apreço à tolerância;
[...]
VII - Valorização da experiência extraescolar. (BRASIL, 2008, p. 29).
O Art. 26 apresenta referências que devem ser absorvidas pelos currículos das escolas,
inclusive na determinação de que o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, devem seguir em
parte, uma base curricular nacional, sendo complementado pelas especificidades de cada
instituição de ensino associada às características do local. Nesse aspecto, define: “Art. 26 [...]
48
§4º. O ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e
etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africanas e
europeias.” (BRASIL, 2008, p. 38).
No entanto, no ano de 2003, foi sancionada a Lei 10.639/2003, e acrescenta à LDBEN
(BRASIL, 2008), com base na instituição do Conselho Nacional de Educação do ano de 2004,
o Art. 26-A que define:
Art.26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-
brasileira.
§1º O conteúdo programático a que se refere o caput desse artigo incluirá o
estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinente a História do Brasil.
Art. 79-B O calendário escolar deve incluir o dia 20 de novembro como o
“Dia da consciência negra” (BRASIL, 2008, p.38-39; 57).
A lei torna obrigatório o ensino da História e cultura afro-brasileira e africana no
currículo da Educação Básica. Porém, as leis apenas regulamentadas e publicadas não
garantem a sua aplicabilidade nos currículos escolares.
Na busca pela efetivação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(BRASIL, 2008), foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) no ano de
1997 (BRASIL, 2001) com o propósito de apresentar-se como proposta curricular nacional
das diversas áreas do conhecimento, estando em vigor até os dias atuais. A organização dos
PCN corresponde a cada segmento de ensino: Ensino Fundamental anos iniciais e anos finais
e Ensino Médio. O documento revela-se como orientador das práticas educativas escolares, e
busca o desenvolvimento do trabalho democrático, igualdade de oportunidades além de
defender a formação do sujeito, crítico, participativo, capaz de intervir significativamente na
sociedade em que vive.
A proposta curricular está organizada da seguinte forma: orientação teórica e
metodológica, objetivos gerais, conteúdos (organizados por eixos temáticos) que devem ser
selecionados com base nas características sociais, culturais, econômicas e políticas da
localidade (Secretarias e escolas), o trabalho com fontes documentais, orientações
pedagógicas e, por fim, avaliação. Vale salientar que cada eixo temático é introduzido por
uma discussão sobre a importância da temática, assim como os ganhos dos alunos com a sua
abordagem. Adaptando-o para que possa corresponder à necessidade do local em que será
desenvolvido, tendo em vista que um currículo universal não responderia às especificidades
49
dos alunos e da sua localidade de origem. O documento apresenta propostas, não conteúdos
pré-definidos e inflexíveis. Sua seleção ocorre de forma direcionada e particular, em resposta
às necessidades do aluno e visão de educação construída pela escola com base nas
características históricas, culturais e sociais do contexto em que será desenvolvido.
Configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais
e locais sobre currículos [...]. Não configuram, portanto, um modelo
curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência
político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das
diferentes regiões do País ou à autonomia de professores e equipes
pedagógicas (BRASIL, 2001a, 13).
Apesar de caracteriza-se como referência curricular nacional, o documento apresenta
como característica a não obrigatoriedade, além de ser flexível às necessidades educacionais
de cada localidade. Vale salientar que as discussões acerca da diversidade étnico-racial são
mais enfáticas nos volumes História e Geografia, especificamente na disciplina de História e
no volume referente ao tema transversal Pluralidade Cultural e Orientação Sexual, com
destaque para as discussões de pluralidade cultural.
Realizamos a análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais volume História e
Geografia (BRASIL, 2001b) voltada para os anos iniciais do Ensino Fundamental, documento
que orienta o ensino da disciplina de História, caracterizando-se como base curricular, ficando
a critério do docente sua interpretação e seleção de conteúdos como importantes para o ensino
da disciplina. Nosso interesse em analisá-lo está em compreendermos por quais vias
curriculares se processa o ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, além
de investigar como se apresenta o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana para
esta etapa da educação básica.
Os estudos inerentes à diversidade étnico-racial são encontrados no volume
“Pluralidade Cultural e Orientação Sexual” (BRASIL, 2001c), na condição de tema
transversal. O tema pluralidade cultural trata da importância da adoção de atitudes que
revelem o conhecimento e valorização das diferentes etnias que formam a sociedade
brasileira, na busca do combate ao preconceito, desigualdade e discriminações no âmbito
escolar, promovendo o movimento de desconstrução e reconstrução de significações acerca
das etnias que formam a sociedade brasileira. Além disso, configura-se como base de
orientação para elaboração do plano curricular a ser constituído e desenvolvido pelas escolas.
O tema transversal pluralidade cultural, assume posição essencial na compreensão
histórica da participação de diferentes grupos étnicos na formação da identidade brasileira.
50
Busca, dessa forma, a conscientização e promoção do reconhecimento e valorização das
culturas antes subjugadas.
Após a elaboração dos PCN, que ainda não corresponderam aos anseios dos grupos
étnicos, que buscavam a inclusão mais efetiva das relações étnico raciais no currículo escolar,
finalmente, temos a inclusão do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nos
currículos da disciplina de História, assim como nas artes e literatura. No ano de 2003, foi
sancionada a Lei 10.639/2003, que regulamenta os artigos 26 - A da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional 9.394/96, tornando obrigatório o ensino da História e cultura afro-
brasileira e africana no currículo da Educação básica.
Com base na Lei 10.639/2003 foram instituídos novos documentos na busca pela
efetivação da lei nos ambientes escolares. Dentre eles as “Diretrizes Curriculares Nacionais
para a educação das relações étnico-raciais e para o Ensino de História e cultura afro-
brasileira e africana” (BRASIL, 2004). Estas apontam alguns caminhos que podem ser
percorridos rumo à efetivação da referida lei, podendo ser adaptada de acordo com a realidade
de cada localidade. O documento configura-se como instrumento de reflexão e ação para os
agentes da educação.
Diante do questionamento: quais orientações curriculares, educacionais e
metodológicas estão presentes nas propostas referenciadas no documento para a efetivação do
ensino da história e cultura afro-brasileira e africana? Identificamos nas orientações
curriculares a descentralização etnocêntrica, substituída pela promoção da igualdade através
dos estudos de valores históricos baseados na diversidade. Referenciais curriculares que
buscam promover não os processos escravocratas, os quais foram incansavelmente
reproduzidos nos currículos escolares, mas o processo de valorização, reconhecimento e
reestruturação do pensamento dos descendentes afro-brasileiros. Renunciando a condição de
“descendente de escravo” pela “descendência africana”.
Percebemos que novos caminhos para o ensino de História e cultura afro-brasileira e
africana são traçados através das orientações curriculares propostas no documento. De forma
clara e objetiva, apontam as responsabilidades de cada órgão público na sua aplicabilidade,
inclusive o papel da escola. Esta se configurando como ambiente fundamental para a
efetivação das propostas curriculares apresentadas, mediadas pelo docente, agente
fundamental na sua efetivação.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais
(DCNERER) (BRASIL, 2004) designam como papel do Estado a promoção de políticas
51
públicas que permitam reparações dos danos causados à população afro-brasileira, perante
séculos de exclusão e discriminação. Situações que se estendem e propagam até os dias atuais
e que o Estado, diante da adoção de políticas públicas, tem tentado evitar e romper com a
continuidade de tais direcionamentos. Retomar a história com bases igualitárias para o estudo
das etnias indígenas, africanas e europeias, é uma das possibilidades de extinguir preconceitos
e discriminações a que o povo afro-brasileiro é protagonista diariamente.
O documento tem seu direcionamento político-social pautado na promoção da
igualdade racial e busca oferecer uma sociedade igualitária livre de preconceitos e
discriminações, novos caminhos em busca da valorização e respeito à diversidade étnico-
racial, pautada na tríade: reparação, reconhecimento e valorização.
Diante das dificuldades apresentadas para a efetivação dos DCNRER (BRASIL,
2004), foi elaborado o Plano Nacional de Implementação das “Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira” (BRASIL, 2009) que tem a função de:
Colaborar que todo sistema de ensino e as instituições educacionais
cumpram as determinações legais com vistas a enfrentar todas as formas de
preconceito e discriminação para garantir o direito de aprender e a equidade
educacional a fim de promover uma sociedade mais justa e solidária.
(BRASIL, 2009, p.27).
Além disso, o documento designa as responsabilidades de cada esfera pública
educacional, para o sucesso da implementação e efetivação das DCNERER (BRASIL, 2004).
Além de propor ações que fomentem a valorização da história e cultura africana, através de
investimentos em pesquisas e produção de materiais pedagógicos que valorizem a cultura
afro-brasileira e africana, e busca formas de acompanhamento, pelas instituições responsáveis,
da efetivação dos preceitos designados pelos documentos construídos para aplicabilidade da
lei 10.639/2003.
Como consequência das proposições dos documentos anteriores, é publicado o
documento: Orientações e ações para a educação das relações étnico-raciais (BRASIL, 2006).
Com o objetivo de ressignificar a prática pedagógica docente, sugerem e orientam sobre a
abordagem, paulatinamente, da temática das relações étnico-raciais em cada segmento de
ensino da Educação Básica, sendo estes: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino
Médio e Educação de Jovens e Adultos. Além de definir o papel da escola em consonância
52
com o papel do professor no desenvolvimento da proposta de uma educação para as relações
étnico-raciais.
O documento apresenta-se com uma proposta para transformar em ações o discurso
sobre a educação para as relações étnico-raciais, na busca pela promoção da igualdade e
respeito à diversidade no âmbito educacional. Ações conduzidas pelas vias da prática
pedagógica resultante do currículo educacional adotado pela escola, este desempenhando o
papel de mola propulsora na efetivação das ações que buscam a efetivação do
reconhecimento, valorização e reparação da história e cultura afro-brasileira e africana. De
acordo com o documento, Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais
(BRASIL, 2006, p. 55): o currículo “é a mola mestra para o processo de sensibilização de
alunos para o conhecimento e exercício de seus direitos e deveres como cidadãos”.
Vale salientar que o documento defende a inclusão dos princípios norteadores das
matrizes africanas paulatinamente, pelas vias dos segmentos de ensino e distribuídos pelo
currículo de acordo com cada etapa de ensino. Dessa forma, temos o fortalecimento de uma
proposta teórico-metodológica afirmativa no tratamento pedagógico das relações étnico-
raciais, concreta e significativa no processo de formação do sujeito pertencente a uma
sociedade pluriétnica, como a brasileira.
Ao reafirmar as responsabilidades governamentais no que tange a políticas de ações
afirmativas, no ano de 2009 foi publicado o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação das Relações étnico-raciais e para o ensino de história e
cultura afro-brasileira e africana, (PNIDCNERER). O documento tem como objetivo delinear
e orientar os sistemas educacionais e instituições no cumprimento da legislação na
implementação da educação para as relações étnico-raciais, no combate ao racismo,
preconceito e discriminação. São objetivos do Plano Nacional:
- Cumprir e institucionalizar a implementação das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da
História e Cultura Afro-brasileira e Africana, conjunto formado pelo texto da
lei 10.639/03, Resolução CNE/CP 31/2004 e Parecer CNE/CP 03/2004, e,
onde couber a Lei 11.645/08;
- Desenvolver ações estratégicas no âmbito da política de formação de
professores, a fim de proporcionar o conhecimento e a valorização da
história dos povos africanos e da cultura afro-brasileira e da diversidade na
construção histórica e cultural do país;
- Colaborar e construir com os sistemas de ensino, instituições, conselhos de
educação, coordenações pedagógicas, gestores educacionais; professores e
demais segmentos afins, políticas públicas e processos pedagógicos para a
implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08;
53
- Promover o desenvolvimento de pesquisa e produção de materiais didáticos
e paradidáticos que valorizem, nacional e regionalmente, a cultura afro-
brasileira e a diversidade;
- Colaborar na construção de indicadores que permitam o necessário
acompanhamento, pelos poderes públicos e pela sociedade civil, da efetiva
implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira
e Africana;
- Criar e consolidar agendas propositivas junto aos diversos atores do Plano
Nacional para disseminar as Leis 10.639/03 e 11.645/08, junto aos gestores e
técnicos, no âmbito federal e nas gestões educacionais estaduais e
municipais, garantindo condições adequadas para seu desenvolvimento
como política de Estado. (BRASIL, 2009, p. 27-28).
O Plano está organizado por eixos estratégicos com base nos objetivos propostos. O
eixo 1. “Fortalecimento do marco geral” (PNIDCNERER, 2009, p. 29) indica a urgência em
regulamentar a Lei 10.639/2003 nos âmbitos estaduais e municipais e sua inclusão no Plano
Nacional de Educação (PNE).
O eixo 2. “Política de formação inicial e continuada” (PNIDCNERER, 2009, p. 29)
busca implementar, por meio da Política Nacional de Formação Inicial e Continuada de
Profissionais da Educação, a Lei 10.639/03. A formação permite a reestruturação das
representações sociais e por meio desta a restruturação do ambiente escolar, configurando-o
como promotor das relações sociais positivas na diversidade, e combate ao preconceito e
discriminações étnico-raciais no ambiente escolar.
O eixo 3. “Política de materiais didáticos e paradidáticos”, (PNIDCNERER, 2009, p.
29) através do PNLD, há a seguridade de que os livros didáticos devem primar pela
valorização da imagem de afrodescendentes e da cultura afro-brasileira, enfatizar os valores
socioculturais e históricos. Nesse sentido, os livros do professor e dos alunos devem abordar
situações sociais referentes ao preconceito, discriminação e racismo, objetivando a formação
de um sociedade anti-racista e igualitária.
O eixo 4. “Gestão democrática e mecanismos de participação social”,
(PNIDCNERER, 2009, p. 29) reflete a necessidade da participação social na implementação
das Leis 10.639/03 e 11.645/2008, sendo esta fundamental para o processo de concretização
das políticas públicas proferidas pelo Estado.
O eixo 5. “Avaliação e monitoramento”, (PNIDCNERER, 2009, p. 30) refere-se a
implantação de sistema de monitoramento da implementação das Leis 10.639/2003 e
11.645/2008, pela União, estados e municípios. Ao mesmo tempo em que colaboram com a
54
avaliação visando a melhoria das políticas públicas das ações afirmativas de combate ao
racismo e ao preconceito.
O eixo 6. “Condições institucionais”, (PNIDCNERER, 2009, p. 30) afirma a
necessidade de instalação de secretarias específicas no trato com a temática étnico-racial e
diversidade nos estados e municípios. Além de disponibilizar recursos financeiros para a
implementação das leis.
Diante disso, analisamos quais são os direcionamentos no Plano Estadual de Educação
do Rio grande do Norte - PEE (2015-2025), no intuito de investigar quais orientações sociais,
educacionais e metodológicas sustentam o Plano de Educação, além de constatar se houve a
efetivação curricular para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana na educação
básica. Identificamos, a partir dos eixos pronunciados, que o Estado busca ações de
enfrentamento às desigualdades étnico-sociais e combate ao racismo. Porém, alguns eixos
encontram limites em seus propósitos, principalmente em algumas capitais e municípios em
que o processo de restruturação ainda não foi implantado.
O Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Norte (2015-2025) foi sancionado
pela lei estadual nº 10.049, de 27 de janeiro de 2016 com vigência de 10 anos. O Plano
apresenta sua proposta organizada em etapas, sendo elas: Educação Básica, constituída pelo
no Ensino Fundamental, Ensino Médio, integrando a Educação de Jovens e Adultos,
Educação Especial e Educação do Campo, Indígena e Quilombola, além da Educação
Superior. Na estrutura organizacional do plano, cada etapa está inserida em uma dimensão da
educação, e para cada dimensão são apresentadas metas e estratégias que orientarão sua
efetivação.
O PEE-RN (2015-2025) apresenta entre outras dimensões, a universalização da
educação básica de forma igualitária e democrática, melhorias da qualidade de ensino e
aprendizagem assim como na permanência do aluno no ambiente escolar.
Integrando o Plano de Educação, temos a Estrutura Curricular do Ensino Fundamental
(2015). Utilizaremos como referência o plano educacional do ano de 2015 por não haver do
ano de 2016, específico para o Ensino Fundamental anos iniciais. Os componentes
curriculares estão dispostos com carga horária definida, porém devem ser trabalhados de
forma interdisciplinar. Destaca como componentes essenciais a serem abordados e
desenvolvidos no currículo educacional, temas da atualidade, entre eles as relações étnico-
raciais e direitos humanos. Discorremos sobre o diurno, especificamente o turno vespertino,
por está relacionado à etapa do Ensino Fundamental anos iniciais.
55
Além disso, percebemos no componente curricular de História, as contribuições das
diferentes etnias que formam o povo brasileiro, nos aspectos sociais, culturais e econômicos,
com atenção especial às de matrizes africanas, indígenas e europeias. Complementando com o
ensino da história e cultura afro-brasileira e africana como obrigatórias no currículo escolar.
Identificamos nesse momento, no ano de 2015, a implementação da Lei 10.639/2003 na rede
pública estadual de ensino.
Orientados pelas análises das bases curriculares nacionais e estaduais, Constituição
Brasileira de 1988, (BRASIL, 2015); a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
9394/1996 (BRASIL, 2008); os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001);
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira (BRASIL, 2004); Orientações e ações para a
Educação das Relações Étnico-Raciais (BRASIL, 2010) e Plano Estadual de Educação /2015-
2024 (RIO GRANDE DO NORTE, 2015), analisamos o Projeto Político Pedagógico da
Escola Estadual Potiguassu (ESCOLA, 2015) norteados pelas questões: quais são as
referências curriculares utilizadas na construção do PPP? Que orientações sociais,
educacionais e metodológicas são apresentadas no documento? Analisamos em sua
representatividade como documento orientador do currículo e das ações pedagógicas
desenvolvidas pela escola, nosso campo de pesquisa.
A concepção de educação defendida no Projeto Político Pedagógico da Escola
Estadual Potiguassu - PPPEEP (2015) é sustentada pelos princípios sócio-interacionistas.
Apoia-se na interação sujeito e ambiente sócio histórico na construção do conhecimento. Para
tanto, o projeto propõe a formação de um currículo diverso e dinâmico com o intuito de
responder às necessidades do aluno ao mesmo tempo em que se adequa à faixa etária.
Estabelece como princípios norteadores da formação do indivíduo, seu desenvolvimento
integral, participação no contexto sócio cultural, atuando como sujeito das ações
transformadoras da sociedade em que vive, respeitando e valorizando a diversidade.
Educar partindo do princípio: relação teoria-prática, em busca da construção
de uma sociedade justa, igualitária, vivenciada de valores e conhecimentos
socialmente úteis, almejando o desenvolvimento integral do ser humano,
como sujeitos do contexto social e capaz de transformar o ambiente em que
vive. (ESCOLA, 2015, p. 10).
Participamos, como docente, da construção do Projeto Político Pedagógico da Escola
Estadual Potiguassu, realizada in loco com a participação do corpo docente e da gestão
escolar. Após reuniões que tinham duração de aproximadamente três horas com frequência
56
mensal, a coordenação pedagógica reunia as decisões e formulava o texto e em consequência
o documento. Sabemos que a escola, diante do processo democrático, necessita reunir os
diversos segmentos que compõem seu universo (pais, alunos, funcionários e professores) e
esses devem atuar ativamente no processo de elaboração do documento, porém essa dinâmica
não foi adotada no processo de construção curricular.
A pesquisa e a análise documental possibilitaram-nos a expansão do conhecimento e
apropriação no campo das orientações legais de ações que buscam o combate ao preconceito e
à discriminação na busca por uma educação igualitária pautada na diversidade étnico-racial..
Ao iniciarmos nossa pesquisa, detínhamos o domínio sobre poucos documentos que tratavam
sobre temática: história e cultura afro-brasileira e africana. Durante a pesquisa nossos
horizontes foram expandidos assim como, a construção do conhecimento da trajetória de lutas
e conquistas ao longo dos tempos. Esse pensamento nos levou à reflexão sobre quais são os
reais conhecimentos dos educadores acerca dos documentos nesta pesquisa “descobertos” e
analisados, e percebemos o quanto estamos distantes da efetivação da educação para as
relações étnico-raciais nos currículos escolares. As leis, diretrizes e orientações são, por
muitos educadores, desconhecidas e não representam a popularização educacional que
deveriam, ao contrário, são suprimidos e “guardados na gaveta”.
Observação participante
Iniciamos a pesquisa na Escola com a observação participante. Esta ocupa lugar de
maestria na condução da pesquisa pois, é através dela que o pesquisador busca compreender
as relações que os sujeitos estabelecem no seu ambiente, como percebem a si mesmos e ao
outros. A pesquisa foi desenvolvida no período de 22 de setembro a 22 de dezembro de 2016,
com observações diárias, sendo 30 horas por semana (carga horária da professora na escola
semanalmente), totalizando 390 horas de observações.
As observações da pesquisa foram registradas de forma descritiva. Tomamos como
base para a descrição, a proposição de Martins (2010), que a define como uma informação
revelada a outro sujeito, mas que este desconhece em parte ou no todo, o assunto ou objeto em
questão. Na descrição, todos os elementos que circundam o objeto da pesquisa têm sua
relevância, não há definições de certo ou errado.
A descrição atua no campo das objetividades, ou seja, devem de fato existir
substancialmente, porém ao reportamos para a subjetividade, não obteremos sucesso, pois
57
“um fato que seja domínio apenas do pensamento ou da imaginação dificilmente pode
constituir objeto de descrição, pode sim ser relatado, posto em proposições ou sentenças sem,
todavia, constituir uma descrição.” (MARTINS, 2010, p. 59). Nesse aspecto, a descrição tem
o propósito de construir no leitor a imagem do que desconhece, mas que passa a (re) conhecer
através da elaboração descritiva com elementos os relevantes.
Nesse aspecto, André (2015) afirma que: “Na medida em que o observador
acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de
mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias
ações”. Inicialmente o pesquisador permanece na posição de apenas observador, porém no
decorrer dos dias, as relações começam a ser estabelecidas e o pesquisador passa a interagir
no ambiente estudado.
Na segunda semana de observação, fomos solicitadas pela professora Marcelina à
participar da sua prática pedagógica, na condução de uma oficina de percussão para seus
alunos, tendo em vista nossa habilidade na execução de ritmos percussivos. Naquele
momento, tivemos a oportunidade de aproximar-nos dos alunos e conceber como se processa
a interação destes sob a orientação de outro ministrante, tendo em vista serem alunos
inquietos na sala de aula. Ao que nos surpreendeu, apresentaram-se ouvintes e participativos,
tendo em vista as inúmeras situações em a professora precisou interromper seus alunos na
busca pela atenção da sua turma. No entanto, na maior parte do tempo ocupamos o espaço de
observadores. Segundo André (1995), “a observação é chamada participante por possibilitar
um certo grau de interação entre pesquisador e a sujeito investigado, constituindo um
processo de mudança dialógico”.
Vale lembrarmos que, Bogdan e Biklen (1994), alertam-nos para o excesso de
participação interativa pelo pesquisador, pois, pode perder seu foco, suas intenções iniciais,
distanciando-se do seu objeto de estudo. Durante nossa pesquisa, diversas foram as tentativas
da professora em solicitar-nos a realização de atividades extracurriculares, tais como:
elaboração de trabalhos de informática, o qual a professora demonstrava limitações no
manuseio, solicitar que fosse a outros ambientes realizar compras de produtos para suas
atividades em sala de aula, nos obrigando a lembrá-la com frequência da nossa condição de
pesquisadores e observadores.
Vale salientar que o pesquisador deve, durante o processo investigativo, adotar a
postura de imparcialidade, destituindo-se de qualquer conceito ou pré-conceito, sair do seu
“eu”, para perceber o contexto o qual está investigando, a partir do “eu” do sujeito
58
investigado. Aspecto esse, desafiador, pois diante das leituras realizadas, reestruturamos nossa
visão de mundo, sociedade e educação. Em alguns momentos, a manutenção dessa
“imparcialidade” depreendeu esforços extremos. Durante as observações, presenciamos
momentos em que tivemos que “disfarçar” os reais sentimentos para que não fossem
denunciados pelas expressões faciais, diante de algumas atitudes veladas ou até mesmo
explícitas de preconceitos e discriminação raciais por parte da professora e dos alunos,
direcionados a uma aluna, que provocaram-nos desconfortos e angústia. Sobre esse aspecto
Ghedin e Franco (2011) revelam que
Todo processo investigativo dessa natureza, implica, de fato, disposição em
sair do seu próprio universo cultural, para mergulhar na cultura do outro,
pois somente com a construção de uma identidade comum, por mais
superficial que possa parecer, é que se está em condições de mergulhar nos
sentidos que cada grupo constrói para suas ações (GHEDIN e FRANCO,
2011, p. 196).
Antes de realizarmos a entrevista, solicitamos à professora o preenchimento de um
questionário com questões sobre idade, religião, escolas em que trabalhava, formação
acadêmica e profissional. O que nos possibilitou acessar os aspectos sociais e econômicos da
professora que subsidiaram a elaboração dos questionamentos que faríamos durante a
entrevista. A aplicação do questionário aconteceu na escola, durante o horário de expediente.
Porém, foi preciso aguardar o momento de disponibilidade da professora para que o
respondesse, além disso, foi necessário, lembrá-la de respondê-lo, pois diante das múltiplas
tarefas desenvolvidas e conflitos para resolver, foi aceitável seu esquecimento.
Com base nos resultados obtidos através da análise do questionário e da pesquisa
documental e bibliográfica realizada, o processo teve continuidade com a estruturação da
entrevista semiestruturada (anexo 3), esta direcionada a questões envolvendo a prática
pedagógica da professora, representações do currículo e sua utilização na organização das
suas aulas, além de aspectos relativos à Lei 10.639/2003 e abordagem de outros documentos
referentes à educação para as relações étnico-raciais. As perguntas foram elaboradas a partir
de estudos realizados sobre as temáticas e a percepção através da observação participante, das
escolhas teórico-metodológicas, ao ministrar o ensino de História.
A entrevista
59
A entrevista é uma das principais técnicas de construção de dados das pesquisas
qualitativas para aprofundar e esclarecer situações observadas. Além disso, permite ao
pesquisador perceber por meio das expressões corpóreas e reações do sujeito da pesquisa,
questões implícitas na oralidade. De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 134): “A
entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito,
permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os
sujeitos interpretam aspectos do mundo”.
Realizamos a pesquisa na segunda semana de observação participante, por
necessitarmos entender melhor a dinâmica de aulas da professora, para que pudéssemos
elaborar os questionamentos com clareza e objetividade.
O roteiro foi elaborado sob os aspectos da entrevista semiestruturada (anexo 3) com o
intuito de possibilitar-nos flexibilidade nos questionamentos e respostas subjetivas e
reflexivas do entrevistado, que conduzissem à externalização do pensamento e concepções
diante dos questionamentos, promovendo um diálogo entre pesquisador e entrevistado, além
de nos permitir reelaborar e esclarecer situações identificadas durante a observação
participante. De acordo com André e Lüdke (2015, p. 39): “Na entrevista a relação que se cria
é de interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem
responde”.
A entrevista foi realizada no espaço da sala de aula, no período em que os alunos
estavam no treino de futebol preparatório para os jogos internos, momento indicado pela
própria professora. Solicitamos autorização para que pudéssemos gravar o áudio da entrevista,
ao que foi prontamente concedido pela professora. A entrevista foi gravada com a utilização
do gravador de voz de um telefone celular com alta definição de áudio e transcrita logo em
seguida. Concordamos com André (2015, p. 43) quando relata: “A gravação tem a vantagem
de registrar todas as expressões orais, imediatamente, deixando o pesquisador livre para
prestar toda a sua atenção ao entrevistado”.
Iniciamos a entrevista com a nossa identificação, informação breve sobre o objetivo da
investigação e quais seriam os encaminhamentos da entrevista e dos dados construídos
durante a pesquisa. Ao iniciar a entrevista, percebemos que a professora demonstrava
tranquilidade, o que nos permitiu a experimentação de um ambiente dialógico. A professora
mostrava-se limitada a responder apenas dentro do contexto da pergunta, às vezes repetindo
uma informação já colocada. Buscamos criar um ambiente que estimulasse a liberdade de
expressão suscitando uma atmosfera de conversação, tendo em vista que havíamos
60
estabelecido vínculos profissionais há três anos, em decorrência, especificamente, de
trabalharmos na mesma Escola.
A primeira questão foi direcionada às características que atribuía à turma. Ao
respondê-la a professora necessitou que a ajudássemos, pois apresentou dúvidas de como
poderia adjetivá-la. Iniciamos por esse questionamento por entendermos que a compreensão
da questão posterior estava intrinsecamente ligada ao conceito que a professora havia
formulado sobre sua turma. Outra situação descortinada pelo questionamento refere-se ao
pressuposto construído a partir da observação participante, sobre as relações estabelecidas
entre professor x aluno e aluno x aluno, as quais nos foram possíveis comprovar a partir das
análises do questionamento inicial.
O segundo questionamento era necessário que a professora tivesse domínio do
PPPEEP ou, ao menos, seu conhecimento, pois, solicitava que discorresse acerca das suas
concepções sobre a formação do sujeito pretendido pela da escola. Naquele momento,
necessitamos reformular a pergunta, pois não compreendeu o que seria a formação do sujeito,
necessitando que reelaborássemos o formato do questionamento, fato que comprovamos ao
analisar sua declaração. De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 136), ao entrevistado
“podem, no entanto, ser ensinadas a responder de forma a satisfazer os interesses do
entrevistador em relação a pormenores. Precisam ser encorajadas a elaborarem”.
Ao nos reportarmos às questões relacionadas à educação para as relações étnico-
raciais, a professora apresentou fragilidade nas suas respostas, repetindo algumas declarações,
mesmo diante de questionamentos diferentes. Diante do exposto, sentimos necessidade em
adaptar algumas perguntas para maior compreensão pela professora. Geralmente, ao
responder as questões sobre as quais não dominava, a professora ilustrava com histórias por
ela vivenciadas, em alguns momentos sem relação com o tema inicialmente proposto.
Durante a entrevista, recorremos por diversas vezes à insistência através de outras
abordagens, para que obtivéssemos o que realmente nos interessava como resposta, porém,
em alguns momentos não atingimos nosso objetivo.
A organização dos questionamentos da entrevista partiu das leituras prévias realizadas
a documentos e literaturas acadêmicas sobre as relações étnico-raciais. Elaboramos de forma a
deixar a entrevistada livre para discorrer sobre seus pensamentos e concepções. Porém,
precisamos revelar que alguns questionamentos foram propositalmente explicitados na busca
por expressões de pensamentos mais elaborados e esclarecedores da professora. Para alguns
questionamentos foram necessários maiores esclarecimentos para que obtivéssemos as
61
respostas de acordo com o que foi perguntado. Alguns questionamentos foram respondidos de
forma descontextualizada desvirtuando-se do real significado. Em alguns momentos,
percebemos que a professora não detinha o domínio do assunto em pauta, nesses casos,
respondia com histórias que às vezes não correspondiam ao questionamento.
Abordamos a temática sobre ensino de História e a concepção de educação orientadora
da sua prática pedagógica, questionamos seus conhecimentos acerca das orientações
curriculares existentes para educação das relações étnico-raciais e seus conhecimentos sobre
da lei que determina o ensino de história e cultura afro-brasileira. Além disso, durante a
entrevista, buscamos esclarecer junto a professora Marcelina, qual seriam os obstáculos que
impediam a propagação da abordagem, em sala de aula, das temáticas relativas à história e
cultura africana e afro-brasileira.
Para efetivação da pesquisa foram necessárias diversas horas de dedicação, pois, a
transcrição pede veracidade nos seus registros. Nossa transcrição foi realizada no período de
oito horas consecutivas, pois necessitamos retroceder várias vezes algumas falas que não
ficaram inteligíveis, sendo necessária atenção especial. Para desenvolver a etapa da
transcrição da entrevista, nos baseamos nas leituras do Bogdan e Biklen (1994).
Podemos afirmar que a análise da entrevista se configurou como um dos momentos
mais complexos durante a realização do trabalho e nos exigiu maior desprendimento de
tempo, introspecção, ao mesmo tempo em que tivemos que nos distanciar dos nossos
pensamentos diante das afirmações para dar lugar aos pensamentos da professora ao proferir
as afirmações. Sua análise foi realizada com base nas pesquisas bibliográficas e documentais,
e em alguns momentos nos apoiamos nas descrições para compreender os seus pensamentos.
Nesses momentos, o seu discurso apresentou inconsistência e algumas contradições entre a
fala e a ação, por isso, a necessidade em recorrermos a outras técnicas da pesquisa
etnográfica, como a descrição, que nos permitisse construir nossas interpretações de forma
consistente. Cada posição assumida pela professora Marcelina, ao responder nossas questões,
foram relacionadas às atitudes que desenvolvia na sua sala de aula. Aspectos determinantes
para que pudéssemos compreender o processo que nem sempre o que está sendo proposto
teoricamente, é de fato realizado: relação direta entre currículo e prática pedagógica.
A entrevista com a professora nos possibilitou compreender ações desprendidas
durante as aulas em relação aos alunos e às práticas pedagógicas adotadas. Assim como,
juntamente com as demais técnicas da etnografia, responde a nosso questionamento.
62
1.4 . SEMEAR PARA COLHER: O CAMPO DA PESQUISA
A Escola Estadual Potiguassu (EEP) foi fundada no dia 30 de abril de 1942,
totalizando 75 anos desde a sua criação. Localiza-se na Praça São Vicente de Paula 77, bairro
Igapó, Natal-RN. A Escola oferece o Ensino Fundamental anos iniciais, nos turnos matutino e
vespertino e a modalidade Educação de Jovens e Adultos no noturno, níveis I e II.
Atende alunos com faixa etária entre seis e 64 anos, apresentando perfil
socioeconômico diversificado. A maior parte dos alunos encontra-se na faixa salarial de um
salário mínimo, e cerca de 70% dependem de programas sociais como o Bolsa Família. Vale
salientar que a escola possui alunos com necessidades especiais, no entanto, sua estrutura
física não corresponde completamente a essas necessidades.
A Escola conta com quatro salas de aula climatizadas, porém, pequenas suportando
aproximadamente 25 alunos. Apresentam decoração temática e um mural rotativo, no qual são
expostos os trabalhos dos alunos.
Durante a semana, para entrarem em sala de aula, as crianças organizam-se em filas
indianas e definidas por ano de escolaridade no pequeno pátio coberto, realizam a oração “Pai
nosso” e seguem para suas salas. Às quartas e quintas feiras essa rotina é modificada com a
introdução, na quarta–feira, do Hino do Rio Grande do Norte e às quintas-feiras, do Hino
Nacional. Nesses momentos são expostas as respectivas Bandeiras, para que cantem para sua
representação.
A Escola tem constituído o Conselho Escolar formado por um representante de cada
segmento: pais, estudantes, professores (por turno) e direção. Apresenta projetos em parcerias
com o posto de saúde da comunidade, através do Programa Saúde na Escola – PSE; com a
Polícia Militar, por meio do PROERD – Programa de Erradicação e Resistencia às drogas,
desenvolvido com os alunos do 5º ano. Outro projeto que contempla a Escola é o Projeto de
Educação Ambiental – Barco escola – Chama Maré, uma iniciativa governamental com apoio
da iniciativa privada, são aulas-passeio voltadas para uma reflexão crítica sobre a utilização
do Rio Potengi, em uma perspectiva multidisciplinar. Além desses projetos, desenvolve o
Projeto Alunos nota 10, visando incentivar o aluno a se dedicar mais às atividades escolares
através de uma premiação dedicada ao aluno destaque de cada sala de aula e, por fim, os
Jogos interclasses com o objetivo de estimular a cooperação e coletividade entre os alunos,
assim como o respeito, a lealdade, a amizade e a paz. (ESCOLA, 2015)
63
A Escola Potiguassu está situada no bairro Igapó, que era a antiga povoação de Aldeia
Velha, sede da taba dos índios Potiguares. Seu nome significa sítio abandonado, pântano,
banhado, alagado. Apresenta uma população aproximada de 29.000 habitantes. Os alunos, na
sua maioria, são oriundos deste bairro, mais especificamente da comunidade chamada Beira
Rio, comunidade ribeirinha às margens do Rio Potengi. Relatos da professora durante a
entrevista classificam a localidade como “perigosa”. “Crianças que às vezes se assusta que
todos os dias têm um relato de violência no setor onde mora, violência não só na família entre
si mas, violência de facções que tem no lugar onde eles moram”. (MARCELINA, 2016). Por
vezes, os alunos foram impedidos de frequentar a Escola diante das situações de violência
vivenciadas.
Selecionamos a Escola Estadual Potiguassu pelo seu contexto sociocultural e
econômico. Outo fator determinante para a seleção foi o fato de ser uma das escolas mais
antigas do bairro. Além disso, identificamos, como professora da instituição, atitudes
recorrentes de preconceitos e discriminação entre os alunos da Escola. Vale salientar que os
alunos são filhos de antigos alunos da escola.
A maioria dos alunos apresenta características afrodescendentes, no entanto,
percebemos, entre eles, atitudes de negação, preconceitos e discriminação. Atitudes que
revelam a necessidade de desenvolver um trabalho de identidade e pertencimento, por estarem
impregnadas no íntimo desses alunos, ações construídas na relação familiar e reproduzidas na
relação com outro em sala de aula. Porém, pouco ou quase nada é feito pela Escola em relação
ao combate a preconceito e discriminações, tão pungentes na convivência entre os alunos.
Temática, não contemplada no currículo escolar, apesar da obrigatoriedade legitimada e,
principalmente, a urgência na formação do sujeito.
O pátio da Escola, onde os alunos são recepcionados, conta com dois murais extensos,
no entanto, são utilizados apenas quando há eventos, situação que pouco aconteceu durante o
período da pesquisa. Em tais momentos há ornamentação do espaço. Podemos citar com
exemplo de um desses raros momentos, a comemoração do Aluno Nota 10, que acontecia
bimestralmente. O pátio é ornamentado com um “tapete” vermelho, no mural são
acrescentados desenhos de crianças brancas (um menino e uma menina) representando os
alunos Nota 10 e, a frente do mural são dispostas cadeiras para os alunos homenageados, um
aluno por turma, totalizando 4 alunos.
O espaço destinado à sala de leitura apresenta ornamentação com temas da literatura
infantil como o Sítio do Pica-Pau Amarelo, representações através de desenhos de crianças de
pele branca, mesas e cadeiras coloridas e diversidade de títulos de Literatura Infantil. No
64
acervo literário encontramos alguns títulos representantes da literatura africana e afro-
brasileira, porém, durante um minicurso ministrado para a formação do professor,
identificamos, que não são conhecidos pela maioria dos professores e nem solicitados pelos
alunos, representando novidade ao ser apresentado aos professores, visto que alguns já
demonstravam sinais de usos pelo manuseio.
A pesquisa foi desenvolvida na turma do 5º ano do Ensino Fundamental, no turno
vespertino na Escola Estadual Potiguassu. A turma é composta por 14 alunos com idades
entre 10 e 13 anos, sendo seis meninas e nove meninos. A maioria dos alunos é proveniente
da comunidade Beira Rio do Bairro Igapó, no mesmo bairro em que a Escola está localizada.
Duas alunas são diagnosticadas com deficiência. A primeira apresenta deficiências física e
intelectual; a segunda, apenas intelectual. Ambas ainda não alfabetizadas.
Durante as aulas, os meninos demonstraram comportamentos mais agitados que as
meninas, prevalecendo por quase sempre a opinião dos meninos, pois as meninas se calam
durante as tomadas de decisões. Atribuímos o comportamento reservado das meninas à
repressão exercida pelos meninos em relação às opiniões contrárias ao que eles determinam.
Ao mesmo tempo em que percebemos atitudes de menosprezo e desrespeito dos meninos com
as meninas e até mesmo com a professora. Frente a isso, é essencial a interferência da
professora através do trabalho de conscientização e respeito às diversidades.
Apresentam constantemente resistência em participar de atividades lúdicas, apesar de
serem pouco sugeridas pela professora. Há momentos, em que os alunos detém o domínio da
sala, recusam-se, inclusive, a realizar as tarefas cotidianas sugeridas. Isso exige da professora
que mude sua prática pedagógica e até mesmo o conteúdo e a matéria no momento.
Atribuímos essa postura docente à ausência do planejamento. Este, de suma necessidade para
a condução do processo de concretização de ensino aprendizagem, proporcionando maior
segurança e domínio da aula pelo professor. Além disso, o ato de planejar é fruto do currículo
escolar, documento também ausente no planejamento do docente. Outro fator que chamou
nossa atenção, foi a prática pedagógica adotada pela professora, orientada por atividades que
inexistiam a promoção ao desafio e a retirada dos alunos da zona de conforto para assim,
permitir-lhes a construção de novas aprendizagens, apresentando-lhe atividades desafiadoras.
Os alunos apresentam dificuldades em ouvir e expor seus pensamentos de forma
organizada e tranquila. Assumem em alguns momentos posturas agressivas no trato com a
professora, coordenação, direção e colegas de classe. Percebemos que atitudes de
permissividade apresentadas pela professora traduziam-se um desejo em estabelecer uma
65
relação afetuosa com seus alunos. Ou seja, buscava reconhecimento e aceitação através da
permissão de atividades que não correspondiam ao trato pedagógico, como por exemplo,
jogar futebol na sala de aula. Tais atitudes excediam a sala de aula estendendo aos demais
funcionários e colegas de escola.
1.4.1. Sujeitos da pesquisa
A pesquisadora
Concluímos nossa graduação em Pedagogia no ano de 2003, no ano seguinte
ingressamos como professora no Ensino Fundamental, anos iniciais, nas redes públicas de
ensino do município de Natal e, nove anos depois, na rede pública estadual de ensino do
estado do Rio Grande do Norte (RN). Nosso interesse em aprofundar estudos na perspectiva
da educação para as relações étnico-raciais foi despertado durante a realização do trabalho
monográfico acadêmico para conclusão do curso de Pedagogia, com o título: “Cultura, arte e
educação-caravanas culturais e PROEJA”. No qual foram abordados os conceitos de cultura
popular, influências culturais e suas contribuições no processo de alfabetização de jovens e
adultos nos municípios de São José de Campestre-RN e Monte das Gameleiras-RN. Durante o
trabalho de pesquisa foi possível percebermos a resistência dos alunos ao serem abordados os
princípios religiosos, sociais e culturais dos grupos étnicos: africano e indígena como
formadores da sociedade brasileira, sendo a rejeição mais pungente às referências da cultura
afro-brasileira. Contudo, a partir da observação, foi possível classificarmos a maioria dos
alunos como pertencente à etnia afro-brasileira. Fato que despertou nosso interesse
impulsionando-nos em direção à busca de elementos que descortinassem a constituição da
cultura Potiguar e seus aspectos socioculturais e as influências étnicas.
Desde a graduação, conduzimos nossos interesses pedagógicos em direção às
influências históricas e socioculturais da formação do sujeito, seja no âmbito da cultura
popular ou nas relações étnico-raciais. Essa busca não esmoreceu ao assumirmos as salas de
aula como professora. Ao contrário, foi intensificada, pois o ambiente escolar é o espaço
propício à construção, reflexão e mudança de pensamentos.
Diante disso, desenvolvemos práticas pedagógicas que suscitassem o respeito às
diferenças, ao mesmo tempo em que construímos junto aos educandos sua identidade étnico-
66
racial na relação com o outro. Cabe destacar que o trabalho pedagógico conduzido pelas vias
da diversidade ficou restrito por vezes, a trabalhos solitários, por focarmos temáticas às vezes
desconhecidas, às vezes ignoradas propositalmente pelos docentes nas escolas em que
atuamos.
Vale salientar que todas as atividades realizadas sobre a temática das relações étnico-
raciais foram intuitivas, pois, não havia direcionamento das escolas em que estávamos
vinculados e nem formações para este fim por parte das Secretarias de Educação. A busca por
formação e informação foi, sempre, particular.
Daí a necessidade em aperfeiçoarmos nossa prática pedagógica pelas vias da formação
acadêmica, o que nos levou a concluir duas especializações e iniciar a terceira, a primeira em
“Psicopedagogia”, a segunda em “Artes e Educação Física na Educação Infantil”, e a terceira
intitulada “Literatura na escola”, esta última possibilitou-nos vislumbrar novas abordagens na
busca por referenciais da cultura afro-brasileira. Em uma das aulas, foi apresentada a lei
10.639/2003 através da leitura compartilhada do livro “O presente de Ossanha”, pertencente à
literatura africana. Após a leitura do livro, foram levantados questionamentos acerca da
introdução da literatura africana na sala de aula. Como por exemplo: o aluno tem acesso a
esse tipo de literatura? Como introduzir a literatura africana no contexto da sala de aula? O
professor tem esse conhecimento? Diante de diferentes questionamentos e discussão, foi
abordada a lei 10.639/2003 e suas prerrogativas. Fato que chamou a atenção e despertou
nosso interesse, tendo em vista que já contabilizávamos 13 anos de docência e durante esse
tempo, nos ambientes educacionais que frequentávamos, não houve menção qualquer sobre o
documento.
A docente
A formação em Pedagogia foi concluída em 1995 no Instituto Presidente Kennedy. A
professora Marcelina tem 55 anos, professa a religião evangélica e é moradora do município
de São Gonçalo do Amarante-RN. É professora na Escola Estadual Potiguassu há 17 anos,
dos 25 que contabiliza no exercício da docência. Atualmente, está à frente de uma turma do 5º
ano do Ensino Fundamental. Leciona também em uma turma de 4º ano no turno matutino, na
Escola Municipal Genésio de Macedo, localizada no Município de São Gonçalo do Amarante-
RN desde o ano de 1993.
A professora Marcelina contabiliza 60 horas de magistério, trinta em cada vínculo
empregatício. As escolas são distantes, necessitando condução para deslocamento. A escola
67
em que leciona pelo turno matutino é próxima a sua casa e possibilita que retorne para
almoçar em sua residência. Para chegar até a Escola Potiguassu, a professora precisa do
transporte público ou, como na maioria das vezes, chega à Escola com seu filho, de moto.
Mesma situação vivida para regressar a sua residência.
Apesar de haver a lei da hora-atividade integrada ao exercício do magistério, os
planejamentos na Escola Potiguassu não estavam sendo realizados, pois diante da falta de
professores para assumir as turmas durante o período de planejamento do professor, a
Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte-RN, decidiu por converter as dez
horas que seriam destinadas ao planejamento no ambiente de trabalho, em retorno financeiro.
Diante disso, a professora permanece os cinco dias da semana na sua sala.
A relação professor x aluno, aluno x aluno, precisa ser conduzida pelo viés da
afetividade e respeito, sentimentos que a professora busca estabelecer entre seus alunos, mas,
que encontra resistência e até mesmo rejeição. Busca alcançar a conquista dos seus alunos
através da permissividade e flexibilidade extrema. Muitas vezes, confundida pelos alunos que
agiam com falta de respeito para com ela.
O fato de lecionar em duas escolas, em anos de escolaridade e localidades diferentes,
interfere, segundo a professora, na realização de atividades mais elaboradas e pontuais.
Inclusive, no “esquecimento” do caderno de planejamento, que por inúmeras vezes, deixava
na escola anterior. Nesse aspecto, percebemos as dificuldades apresentadas no exercício da
docência, como atividade que necessita de tempo para planejamento e pesquisa na preparação
do trabalho para sala de aula. Nesse aspecto, a dificuldade em organizar a sua prática
pedagógica com base nos preceitos organizacionais do planejamento, é pungente. Para que
acontecesse o planejamento, segundo a professora, era necessário disponibilizar o tempo que
teria para sua vida pessoal na elaboração das suas atividades profissionais. Vale salientar, que
a professora é polivalente, ou seja, deve lecionar todas as disciplinas do currículo e planejar
para cada uma.
68
2. RAÍZES DA RESISTÊNCIA E CONTINUIDADE
2. RAÍZES DA RESISTÊNCIA E CONTINUIDADE
69
2. RAÍZES DA RESISTÊNCIA E CONTINUIDADE
Símbolo das lutas dos africanos no Brasil, o Baobá, a árvore da vida, como é
conhecida pelo povo africano, representa neste capítulo a história de resistência e força na
trajetória pela implementação da história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos
escolares, resistindo ao tempo, às mudanças e permanências de uma sociedade sustentada
pelo eurocentrismo como referência na sua manutenção.
Neste capítulo apresentamos a concepção de currículo neste trabalho utilizado, e suas
mudanças conceituais diante das transformações sociais, culturais, políticas e econômicas
desde o início do século XX até os dias atuais. Nesta trajetória abordamos os principais
movimentos negros reivindicatórios que resultaram na constituição de leis e diretrizes para a
educação nas relações étnico-raciais. Finalizamos com a discussão em torno da
implementação da 10.639/2003 e os mecanismos de aplicabilidade adotados através das
diretrizes.
2.1 CURRÍCULO E DIVERSIDADE
Iniciamos este capítulo pelos seguintes questionamentos: o que é currículo e qual sua
função? À essa indagação aparentemente simples, temos respostas complexas e posturas
diversas de acordo com o contexto. Na nossa pesquisa, o contexto é o escolar, e com foco na
relação entre ensino de História e educação para as relações étnico-raciais.
Em parte dos espaços educacionais, o currículo é visualizado como listagem de
conteúdos organizados por disciplinas que devem ser contemplados de acordo com o
segmento de escolaridade, orientados pela metodologia e finalizado pela avaliação. O nosso
pensar corrobora com as palavras dos autores Moreira e Silva (2002, p. 32), ao afirmar:
A história do currículo tem sido importante na tarefa de questionar a
presente ordem curricular em um dos seus pontos centrais: a
disciplinaridade. Apesar de todas as transformações importantes ocorridas na
natureza e na produção do conhecimento, o currículo continua
fundamentalmente centrado em disciplinas tradicionais. Essa
disciplinaridade constitui, talvez, o núcleo que primeiro deva ser atacado em
uma estratégia de desconstrução da organização curricular existente.
A definição de currículo é resultado de um processo histórico social e cultural, seus
pressupostos são frutos dos contextos vivenciados em cada época. “[...] é uma opção
70
historicamente configurada, que se originou dentro de uma determinada trama cultural,
política, social e escolar está carregada de valores e pressupostos que é preciso decifrar”
(SACRISTAN, 2013, p. 17). Porém, sua representatividade pauta-se na delimitação dos
conteúdos que seriam ensinados pelo professor e aprendidos pelo aluno de forma impositiva.
De acordo com Sacristàn (2013, p. 17):
O conceito de currículo, e a utilização que fazemos dele aparecem desde os
primórdios relacionados à ideia de seleção de conteúdos e de ordem na
classificação dos conhecimentos que representam, que será a seleção daquilo
que será coberto pela ação de ensinar.
O currículo, na maioria das concepções do ambiente escolar, representa a sequência
didática e metodológica que gera o desenvolvimento educacional e cognitivo. Sendo essa
concepção perpetuada no tempo e reproduzida até os dias atuais.
A prática curricular teve sua consolidação a partir do início do século XX nos estados
americanos, com a expansão da industrialização nesse período, a escola começa a absorver as
referências econômicas, sociais e políticas apregoadas pela industrialização e seu modus
operandi. A produtividade baseava-se na economia de tempo e expansão do trabalho e
buscava-se a eficiência nos moldes da maior produtividade.
O comportamentalismo e os princípios do eficienticismo moldaram o currículo escolar
para a formação do sujeito apto a atuar na sociedade dominada pela industrialização. “Ainda
que o eficienticismo seja um movimento com várias nuanças, pode-se resumi-lo pela defesa
de um currículo científico, explicitamente associado à administração escolar e baseado em
conceito como eficácia, eficiência e economia” (LOPES e MACEDO, 2011, p. 22). A
ideologia da eficiência adentra no ambiente escolar como “gerenciamento científico
pedagógico” (DOLL JUNIOR, 1997). Busca a padronização de aprendizagens e
conhecimentos adquiridos em um menor tempo disponibilizado, delega ao professor a função
de “obedecer” as orientações definidas pelos administradores, o formulador dos currículos.
A incorporação do conceito de currículo se deu de acordo com os
pressupostos eficienticistas da educação escolar e da eficiência da sociedade
em geral. Com ela buscava introduzir uma ordem intermediária baseada no
estabelecimento de unidades de tempo menores dentro da escolaridade total
[...] (SACRISTAN, 2013, p. 18).
Nesse aspecto, o currículo baseado nos pressupostos eficienticista era organizado de
forma sequenciada, orientado pelo controle totalitário em que determinava conteúdos e
71
aspectos metodológicos que deveriam ser abordados pelo professor de acordo com cada ano
de escolaridade, devendo ser contemplado até a conclusão de cada ano. Os objetivos eram
definidos prioritariamente na busca da formação de “bons profissionais”/“bons alunos”, que
deveriam apresentar como adjetivos: “regularidade, pontualidade, silêncio e
diligência”(DOLL JÚNIOR, 1997, p.64). Diante da definição dos objetivos a serem
alcançados eram criados treinamentos que os efetivassem, destituídos de conteúdos.
Em confronto com o eficienticismo, temos o progressivismo, que ao contrário da
primeira corrente, prima pela igualdade social, justa e democrática, sendo a educação a via de
acesso às mudanças sociais e promotora da quebra do direcionamento industrial.
Na corrente progressivista, podemos citar as contribuições de Jonh Dewey, na década
de 1920, como decisivas na reelaboração conceitual do currículo, ao defender o currículo
como intercessão entre escola e interesse do aluno. A aprendizagem é vista pelas lentes do
continuísmo, fruto de um processo, não como uma formação determinista para o mercado de
trabalho. Apresenta a criança como sujeito da sua aprendizagem, através da proposição de
situações problemas no âmbito social, em que necessitem criar procedimentos próprios na sua
resolução de forma democrática.
Nos anos de 1950, Ralph Tyler “afirma que a seleção de objetivos não só é o primeiro
ato que deve ser realizado no planejamento do currículo, como também é a chave de todo o
processo” (DOLL JUNIOR, 1997, p. 69), nesse aspecto, produz uma proposta híbrida entre
eficienticismo e progressivismo, em que propõe a organização curricular baseada no processo
linear constituído pela sequencia: definição dos objetivos ou fins, seleção das experiências
que permitirão a efetivação dos objetivos e avaliação, esta última com a função de averiguar
se o currículo obteve sucesso na sua aplicabilidade, constatada através do processo avaliativo
no qual os alunos são submetidos, e é atribuído um valor referente ao seu desempenho. De
acordo com Coll (2006, p. 48) “o ponto de vista de Tyler sobre as fontes de objetivos
educativos é o de que as três proporcionam informações necessárias, mas nenhuma delas
sozinha é suficiente”. Nesse processo, as etapas são desconexas, não havendo relação
dialógica entre elas. Pensamento que perdurou durante 20 anos no Brasil e que até os dias
atuais ainda é possível identificá-lo na elaboração de algumas propostas curriculares
educacionais escolares, como por exemplo, os currículos seguidos por algumas escolas. Nesse
aspecto:
O conceito de currículo, desde seu uso inicial, representa a expressão e a
proposta da organização dos segmentos e fragmentos dos conteúdos que o
72
compõem; é uma espécie de ordenação ou partitura que articula os episódios
isolados das ações, sem a qual esses ficariam desordenados, isolados entre si
ou simplesmente justaposto, provocando uma aprendizagem fragmentada.
(SACRISTÀN, 2013, p. 17).
Nos anos de 1970 a escola e o currículo, caracterizados como controladores e
reprodutores sociais, recebem diversas críticas. Segundo o referencial do sistema capitalista,
os papéis e oportunidades atribuídas a cada indivíduo na sociedade, é determinado pela classe
social a que pertencem, reforça nesse aspecto, a segregação social e excludente, delegando ao
processo educacional o papel de promotor das diferenças de classes. A formação do sujeito
reflete sua condição econômica e social, garantindo à classe dominante a imposição dos seus
ideais, ao mesmo tempo em que reproduz e perpetua a desigualdade social existente. “A
elaboração curricular passa a ser pensada como um processo social, preso a determinações de
uma sociedade estratificada em classes, uma diferenciação social reproduzida por intermédio
do currículo.” (LOPES e MACEDO, 1997, p. 29).
Nesse contexto, o conceito de currículo e suas funções foram sendo questionados e
metamorfoseados. A função reprodutora da escola no concernente à divisão e perpetuação das
classes sociais promovidas pela elaboração curricular, à luz dos ideais das classes dominantes,
incomodaram estudiosos da época que buscaram nas premissas das teorias sociais o apoio na
disseminação dos ideais defendidos por eles, os autores, em combate às desigualdades e
injustiças sociais. Frente a essa inquietação e baseado no livro organizado por Michael
Young: Conhecimento e controle: novas direções para Sociologia em Educação, é constituído
o movimento Nova Sociologia da Educação (NSE), com o objetivo de entender como
acontece o processo de segmentação social promovido pelo currículo. Segundo Young (1980)
apud Sacristán (2000, p. 19):
A Nova Sociologia da Educação contribuiu de forma decisiva para
atualidade do tema, que centrou seu interesse em analisar como as funções
de seleção e de organização social da escola, que subjazem nos currículos, se
realizam através das condições nas quais seu desenvolvimento ocorre. Em
vez de ver o currículo como algo dado, explicando o sucesso e o fracasso
escolar como variável dependente, dentro de um esquema no qual a variável
independente são as condições sociais do individuo e dos grupos, é de se
levar em conta também os procedimentos de selecionar, organizar o
conhecimento, lecioná-lo e avaliá-lo são mecanismos socais que deverão ser
pesquisados.
73
O conceito de currículo como documento instrucional, prescrevendo o que e como
deve ser ensinado, sofreu diversas críticas. Teóricos da vertente fenomenológica defendem um
currículo promotor dos aspectos vivenciados pelo aluno. Nesse sentido, o currículo passa a
conduzir a formação do conhecimento, não apenas do aluno, a partir da seleção do que
realmente é pertinente no processo de escolarização. A escola deixa de ter como foco a
formação do aluno para o mercado de trabalho, envolta a um currículo que tinha como
preocupação única, responder às necessidades da produção e da economia. Mergulhamos
então, na perspectiva crítica do currículo.
Nessa vertente, buscaram-se respostas para os questionamentos: qual a importância da
seleção de determinados objetivos e conteúdos? Quais grupos sociais são representados, quais
não são? Quem será beneficiado com tais conteúdos? São definições que constroem o
conceito de educação, sociedade e sujeito que se quer formar. Nessa perspectiva, o currículo
deixa de representar a doutrinação das classes dominantes e tenta representar aspectos
imbricados na igualdade social. De acordo com Moreira e Silva (2002, p. 16): “Reitere-se a
preocupação maior do novo enfoque: entender a favor de quem o currículo trabalha e como
fazê-lo trabalhar a favor dos grupos e classes oprimidos." A orientação curricular expressa os
princípios de ideologia, poder e cultura.
O currículo assume características diversas, corresponde às particularidades dos
sistemas educativos, sua filosofia, concepção de sujeito, sociedade e educação, revela a
realidade em que está inserido. Nesse aspecto Gomes (2007, p. 9) define o currículo como
“uma construção e seleção de conhecimentos e práticas produzidas em contextos concretos e
em dinâmicas sociais, políticas e culturais, intelectuais e pedagógicas. Conhecimentos e
práticas expostos às novas dinâmicas e reinterpretados em cada contexto histórico.”.
O currículo é dinâmico estando em constante movimento e adaptações, deve estar
aberto às modificações e sofrer revisões, reelaborações, responder às perspectivas sociais e
culturais, que estão sempre em processo de transformação, sempre com a função de organizar
e implementar, significativamente, as ações docentes. Quando formulado sobre as bases
contextualizadas do ambiente escolar em que deverá interferir, apresenta-se significativo tanto
para o professor que desempenhará a função de mediador, como para o discente que percebe
na sua aplicabilidade significados para a aprendizagem.
Entendemos o currículo como projeto que preside as atividades educativas
escolares, define suas intenções e proporciona guias de ação adequadas e
úteis para os professores, que são diretamente responsáveis pela sua
74
execução. Para isso, o currículo proporciona informações concretas sobre
que ensinar, quando ensinar, como ensinar e que, como e quando avaliar.
(COLL, 2006, p. 45).
O currículo tem sua validade ao responder às necessidades provenientes dos
educandos, sua projeção deve refletir o contexto social, cultural, político e econômico em que
a escola está inserida configurando-se como ação consciente de interferência no processo de
escolarização. “O currículo deve levar em conta as condições reais nas quais o projeto vai ser
realizado, situando-se justamente entre as intenções, princípios e orientações gerais e a prática
pedagógica” (COLL, 2006, p.44). Esse processo só é possível quando elaborado na
coletividade, proporciona sua aplicabilidade respeitando a diversidade em cada ambiente,
exige do professor sua criatividade para que contemple todos sem desvirtuar das
especificidades de cada um. Nesse aspecto, ao elaborar o currículo é necessário direcioná-lo
sob as definições da sua relevância para o sujeito e para a sociedade. Sua constituição prevê a
articulação dos diversos segmentos constituintes do ambiente escolar em que suas propostas
são refletidas no coletivo. De acordo com Sacristàn (1998, p. 254), devemos:
Estimular o envolvimento de toda comunidade educativa, pois a autonomia e
o projeto da escola não são apenas dos professores/as. O currículo é a cultura
para uma comunidade e, embora se pressuponha nos professores/as um
domínio mais especializado destes temas, as decisões básicas são políticas e
sociais, daí que são responsabilidade de toda comunidade.
Como resultado desse processo, teremos a elaboração de um documento orientador das
ações pedagógicas que respondem às concepções de educação definidas pela comunidade
escolar de forma democrática e participativa, em que serão visto como a representatividade de
todos os segmentos.
Defendemos o currículo para a diversidade, em que seja prioridade a formação para as
relações humanas provenientes de contextos históricos, sociais e culturais distintos. Um
currículo para a inclusão, onde todos se sintam contemplados nos direcionamentos
apresentados. “Referir-se à diversidade significa constatar as várias diferenças sociais e
culturais existentes no interior da sociedade brasileira. Reconhecer que essa complexidade
envolve a problemática social, cultural e étnico-racial é o primeiro passo” (SILVA e SOUZA,
2008, p. 170). Para tanto, é necessário reestruturação curricular que perceba as práticas
pedagógicas como marco definitivo dessa concepção de ensino aprendizagem, um currículo
que priorize e seja baseado na diversidade cultural, nas diferentes matrizes históricas que
75
formam a sociedade brasileira, atribuindo igualdade de valores e importância a elas. A
definição de educação, defendida pela instituição será a mola propulsora para a definição do
modelo de currículo que será adotado.
O que se propõe, em contra partida, é o respeito às matrizes culturais a partir
das quais se constrói a identidade do aluno, com atenção voltada para tudo
aquilo que vá resgatar suas origens e sua historia (o que também significa
respeitar os direitos humanos), como condição de afirmação de sua
dignidade enquanto pessoa, e da especificidade da herança cultural que ele
carrega, como parte da infinita diversidade que constitui a riqueza do ser
humano. (MOURA, 2005, p. 76).
Nesse aspecto, tomaremos a discussão curricular sob a perspectiva multicultural por
corroborar com a definição de Azevedo (2010a, p. 153) ao revelar que “O multiculturalismo
nasce em sociedades cujos processos históricos foram marcados pela presença e pelo
confronto de povos culturalmente diferentes e representa uma reação ao etnocentrismo”.
Registramos significativas reestruturações curriculares no âmbito da legislação na busca pela
implementação de políticas curriculares que visem à igualdade de abordagem educacional dos
grupos étnicos: indígena, europeu e africano, na tentativa de descentralizar o foco europeu no
trato com a História brasileira, atribuindo valores iguais aos três grupos étnicos. Destituindo
“A forma de pensar o currículo no Brasil revela uma trajetória de legitimação de uma
educação monocultural que, além de ignorar as matrizes culturais africana e indígena, cumpre
o papel de desvalorização e reprodução de representações negativas desses repertórios
culturais.” (PEREIRA, 2012, p.46).
Porém, ainda são preconizadas ações curriculares dominadas por determinado grupo
étnico, reproduzindo o processo de exclusão, controle e poder sobre os demais. O conceito de
poder e controle que nos orientam são os defendidos por Sacristán (2013), segundo o qual, o
poder é a imposição da vontade de um grupo ou indivíduo independente da aprovação do
outro, superando as ações de resistência.
Logo, privilegiar alguns conhecimentos em detrimento de outros é escolher o
que deve e o que não deve ser discutido, o que é e o que não é importante na
história e cultura. Essa atitude engloba relações de poder, que por sua vez
englobam relações identitárias, pois escolher dentre as várias possibilidades
de identidade apenas uma para ser um modelo hegemônico e ideal, é uma
demonstração de poder. (SILVA, 2011, p. 201).
76
Daí depreendemos que as relações de poder e ideologias que orientam o currículo se
apresentam de forma velada, os elementos partícipes do currículo são direcionados a partir
das necessidades das classes dominantes, os objetivos correspondem aos interesses de um
grupo, seus pressupostos, crenças e valores são orientadores dos conteúdos a serem
abordados. Concordamos com Apple (2002, p. 42) quando afirma que:
Afinal, à decisão de se definir o conhecimento de alguns grupos como digno
de ser transmitido às gerações futuras, enquanto a história e a cultura de
outros grupos mal vêm a luz do dia, revela algo extremamente importante
acerca de quem detém o poder na sociedade.
Postura que presenciamos diante da elaboração dos currículos que ainda revelam
características impositivas eurocêntricas.
Não é raro, identificarmos a expressão desse domínio através da resistência por parte
das instituições em insistir na prática da invisibilidade de uma sociedade que busca a
abordagem curricular para a diversidade. O que presenciamos comumente, são premisssas
curriculares que privilegiam determinados grupos/identidade social, reforçando a
desigualdade social. Para explicar esse posicionamento da maioria dos currículos, recorremos
ao poder exercido pela classe dominante, que perpetua a prática da exclusão e marginalização
de elementos pertencentes a outros grupos sociais. “Os diferentes contextos históricos, sociais
e culturais, permeados por relações de poder e dominação, são acompanhados de uma maneira
tensa e, por vezes, ambígua de lidar com o diverso. Nessa tensão, a diversidade pode ser
tratada de maneira desigual e naturalizada.” (GOMES, 2007, p. 19)
A diversidade étnica é a base da sociedade brasileira, fruto do processo histórico e que
deve ser (re) conhecido e abordado de forma igualitária, porém, o processo de escolarização,
representado pelas instituições escolares, insiste em “fechar os olhos” enquanto permanece na
inércia de reproduzir através dos tempos os aspectos eurocêntricos que dominam até os dias
atuais o processo educativo. De acordo com Azevedo (2010a,p. 142) :“Embora dispuséssemos
de pluralidade étnico-cultural, a escola brasileira seguia marcada pelo seu caráter
homogeneizador e silenciador das diferenças, principalmente aquelas provenientes das
matrizes civilizatórias indígena e africana”.
Essa forma de pensar o processo institucionalizado educativo tem colaborado na
propagação e consolidação, em alguns ambientes educacionais, de ações e atitudes de
racismo, preconceitos e discriminação. Porém, o papel da escola, é buscar promover um
77
ambiente socializador livre de qualquer situação que propicie a exclusão. É no espaço escolar
que o sujeito estabelece relações com o diverso, possibilita a formação humana baseada na
relação com o outro. É o caminho pelo qual é possível construir e desenvolver ações e
pensamentos que resultem no respeito à diversidade, resgatando valores essenciais para a vida
em sociedade, pois é a partir dela que o ser humano se (re)constrói e evolui. Nesse sentido,
concordamos com o pensamento de Pereira e Cordeiro (2014, p. 12) quando afirmam que:
A escola não tem apenas o papel de garantir os conteúdos oficiais, tem por
obrigação formar e informar estudantes críticos, agentes do processo
histórico no qual se constituem, inclusive desmistificando o fato de o Brasil
ser o país de “democracia racial”, mito responsável pela forma velada como
o racismo contra negros e negras se opera o qual, é disseminado e tratado até
os dias de hoje.
Diante disso, destacamos as mobilizações e reivindicações promovidas pelo
Movimento Negro que, desde os anos de 1930, com intensificação a partir dos anos de 1970,
reivindicavam o combate ao preconceito e discriminação, igualdade social, valorização e
reconhecimento igualitário à história e cultura afro-brasileira e africana e indígena,
conduzidos através da educação institucionalizada. Ao que foi respondido nos anos
subsequentes, através da sanção de leis, diretrizes e parâmetros curriculares.
2.2 A RESISTÊNCIA DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA
A trajetória percorrida em busca da igualdade étnico-racial foi subsidiada por
movimentos marcantes e decisivos na história, como: Frente Negra Brasileira (1930); Teatro
Experimental do Negro (1940); Criação do Movimento Negro Unificado (1978); Centenário
da abolição e marchas de denúncia (1988); III Conferência Mundial contra o Racismo,
Discriminação racial, xenofobia e formas correlatas e persistência (BRASIL, 2006)
No âmbito das tentativas da legalidade, a partir do ano de 1983, o representante do
Movimento Negro, eleito Deputado Estadual (1983-1986), Abdias Nascimento, pelo Partido
Democrático Trabalhista no estado do Rio de Janeiro (PDT/RJ), apresentou o Projeto de Lei
1.332/1983, em que propunha ações de reparação à população negra nas áreas educacionais e
trabalhistas. No âmbito educacional, propôs inserir no curso de história brasileira “O ensino
das contribuições positivas dos africanos e de seus descendentes à civilização brasileira, e
78
também a importância de “incorporar o conteúdo dos cursos sobre História Geral o ensino das
contribuições positivas das civilizações africanas.” (ROCHA e SILVA, 2013, p. 62). O
projeto tramitou durante cinco anos e dez meses na Câmara dos Deputados, sempre aprovado
por unanimidade nas instâncias em que passou, porém jamais foi encaminhado à plenário para
votação decisiva, sendo arquivado em 1989.
Em 1987, podemos citar uma das reivindicações que surgiu em forma de documento
direcionado à Assembleia Nacional Constituinte-87 construído na “Convenção Nacional do
Negro pela Constituinte” (CNNC) evento realizado em Brasília no ano de 1987, com a
participação de 185 membros distribuídos entre entidades negras, sindicatos, partidos
políticos e grupos sociais de 16 estados. O documento expressava a indignação da exclusão
dos grupos e solicitava o atendimento às suas reivindicações.
Embora conscientes de que a “CONSTITUTINTE-87” não terá a
participação democrática do brasileiro, uma vez que o “Grupo” daqueles que
serão encarregados da nova Carta Magna, vem sendo formado através de
alianças entre elites que sempre dominaram e designaram, em consequência,
tanto cultural quanto economicamente, os destinos do Povo. Nós Negros,
entendemos que deveríamos no esforçar para conjuntamente, trazermos à
baila as nossas necessidades enquanto um segmento étnico-social,
politicamente definido dentro desse imenso Brasil multi-étnico.
(CONVENÇÃO NACIONAL DO NEGRO PELA CONSTITUINTE, 1986,
p. 1).
As reivindicações contemplaram diversos segmentos de cunho social, educacional e
pedagógico, no entanto, centraremos nossas observações nas direcionadas aos valores étnico-
sociais, pedagógicos, educacionais e culturais. Sobre os Direitos e Garantias individuais, o
documento dispõe que todos são iguais perante a Lei sem distinção de cor, raça, sexo,
religiosidade, havendo punição por pena de prisão sem direito à fiança, quando prática do ato
de racismo. No âmbito educacional, propunham ao ingresso obrigatório, nos currículos
escolares, do ensino da História da África e da história do povo negro no Brasil e a proibição
de publicações que tragam no seu bojo a incitação à violência, preconceitos raciais, religiosos
e sociais. No âmbito cultural, há a solicitação de implementação no calendário nacional do
feriado no dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, sendo veiculado a essa
data o Dia Nacional da Consciência Negra e, por fim, “Que seja efetivado o reconhecimento
expresso do caráter multi-racial da Cultura Brasileira”.(CNNC, 1986). Faremos a análise da
Constituição Brasileira (BRASIL, 2015), para averiguarmos quais aspectos foram
79
contemplados, assim como quais são os direcionamentos educacional e social defendidos no
documento.
Promulgada em 5 de outubro de 1988, por uma comissão formada através de alianças
políticas sem a participação popular democrática, inclusive na escolha dos representantes
governamentais, à Constituição adicionaram-se inúmeras Emendas constitucionais na busca
de responder às necessidades surgidas durante o final do século XX e primeiros anos do
século XXI. Tendo em vista que no período da sua elaboração, a realidade social, cultural e
econômica do país era outra, consequentemente, as necessidades e suas resoluções deveriam
corresponder (ou tentavam) ao que era reivindicado pela sociedade no momento. Vale
salientar que as determinações eram baseadas na visão dos seus elaboradores. Porém, algumas
questões ainda perduram até os dias atuais (2018), como por exemplo, o combate à
desigualdade racial e social.
A partir da análise da Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 2015), percebemos
que alguns aspectos foram considerados e implementados. No concernente ações legais
precursoras para a tentativa do rompimento do processo reprodutivo discriminatório tão
pungente no País, esta promulgação se configura como pioneira. O Artigo 5º promulgado na
Constituição, mas, que começou a ser amplamente divulgado e disseminado somente, alguns
anos depois.
Na seção Cultura foi reivindicado pela CNNC (1986) a implantação do feriado
nacional “Dia Nacional da Consciência Negra”, em homenagem ao líder quilombola Zumbi
dos Palmares, no dia 20 de novembro, o qual não foi atendido pela Constituinte na sua versão
primeira. O Art. 215 garante o exercício das práticas culturais, assim como as manifestações
das expressões populares nacionais dos grupos afro-brasileiros e indígenas e dos demais
grupos integrantes da formação brasileira, promulgado como Emenda Constitucional no ano
de 2005, após a sanção da Lei 10.639/2003 e posterior a DCNERER (2004).
A EC/48 revela a preocupação em conservar as manifestações culturais das diversas
etnias que compõem a cultura brasileira e promover a valorização destas pelo prisma
sociocultural. Favorece na prescrição da diversidade étnica como elemento constitutivo do
processo cultural, fundamental para a formação do sujeito pleno em uma sociedade
pluriétnica, além de expressar a importância do reconhecimento das diversas etnias para a
formação e seu lugar de maestria no contexto educacional na busca pela igualdade. Nesse
aspecto temos movimentos contrários, pois ao ser implementada a EC/48, a educação para as
relações étnico-raciais já dispunha de algumas publicações no âmbito da legalidade e
80
literatura. No entanto, algumas determinações presentes na Emenda ainda se encontram em
processo de absorção pelas escolas, como por exemplo, a definição de datas representativas
para as diversas etnias. O que vemos até os dias atuais, são datas eurocêntricas aderidas há
séculos, e que ainda perpetuam.
Ao analisarmos o Capítulo III- Da Educação, Da Cultura e Do Desporto, Seção I-
Educação, não identificamos referências à educação para as relações étnico-raciais ou para a
diversidade cultural, porém, identificamos menção ao papel que deve, obrigatoriamente, ser
desempenhado pelo Estado e pela família, assim como as definições das condições de acesso
e permanência no ambiente educacional, que deve apresentar-se de forma igualitária para
todos.
No Título IX - Das Disposições Constitucionais Gerais, encontramos referência à
introdução dos estudos dos diversos grupos étnicos que sustentam a formação da identidade
brasileira no currículo escolar. Disposto no “Art. 242.§ 1º O ensino da História do Brasil
levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo
brasileiro” (BRASIL, 2015, p. 132).
Apesar de estar registrada na Constituição de 1988, a inclusão da história e cultura
afro-brasileira e africana até então não havia sido efetivada no âmbito escolar, pois iniciativas
públicas e governamentais não foram suficientemente promovidas para que fossem
implementadas nas bases curriculares que orientam as instituições educativas de forma
efetiva. Por tratar-se das legislações constitucionais, a escrita é abrangente, no que concerne à
livre abordagem sobre as diferentes etnias no ensino da história do Brasil, tendo em vista
termos uma educação historicamente calcada no etnocentrismo no País. Dessa forma, no final
do século XX, as bases de diferentes etnias ainda assumiam o papel secundário e coadjuvante
na constituição da História do Brasil.
Porém, os anseios expressos no ano de 1986 pela CNNC sobre a obrigatoriedade do
ensino da História e cultura africana e afro-brasileira foram apenas parcialmente
contemplados com a promulgação do “Art. 242. § 1º O ensino da História do Brasil levará em
conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro.” (BRASIL,
2015, p. 233).
Os movimentos foram intensificados a partir do final da década de 1980, desse período
podemos destacar dois marcos definidores para as mudanças dos olhares para a diversidade
étnico-racial. O Centenário da Abolição da Escravatura em 1988, e, em seguida, a Marcha
Zumbi dos Palmares, em homenagem aos 300 anos de morte de Zumbi.
81
No Centenário da Abolição da Escravatura, o movimento negro teve expressiva
participação. Vários eventos foram promovidos no País, publicação de revistas e artigos com
resultados de pesquisas que apontaram as condições inferiores da população afro-brasileira
em relação à população branca, diante dos indicadores: educação, saúde, mercado de trabalho.
Com isso, é descortinado a igualdade racial e social a que a população acreditava existir no
Brasil. Diante disso, a educação passou a ser vista a partir de outras lentes. (DIAS, 2005).
Ainda no ano de 1988, o Deputado Federal Paulo Paim, eleito pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) (1987-1990), também apresentou um Projeto de Lei (PL) com o objetivo
de inserir o ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo escolar de forma
obrigatória. O projeto não foi aprovado, sendo logo em seguida, arquivado.
No ano de 1993, o deputado estadual Humberto Costa eleito pelo PT/PE, propôs um
projeto de Lei a Assembleia Legislativa, para que fosse incluído, no currículo da rede
estadual, a disciplina História e Cultura afro-brasileira, porém foi vetado, alegando
inconstitucionalidade ao estado de Pernambuco. Porém, no ano de 1995, foi eleito Deputado
Federal (1995-1998) reapresentando o projeto na Câmara dos Deputados (PL n. 859/1995)
“Com a proposta de uma educação antirracista a ser implantada em âmbito nacional”
(ROCHA e SILVA, 2013, p. 63), sendo aprovado dois anos após pela Comissão de Educação,
Cultura e Desporto e publicado no dia 30 de abril de 1997, no Diário do Senado. Porém com o
fim do mandato, foi arquivado, não sendo avaliada nas outras instâncias.
Entre os anos de 1994 e 1998, o Parlamento Federal contou com a participação da
então Senadora Benedita da Silva (1995-1998), eleita pelo PT do Rio de Janeiro. Membro do
Movimento Negro, Benedita submeteu duas propostas em defesa da implementação do
reconhecimento e valorização da história e cultura africana e afro-brasileira, sugerindo a
reformulação do ensino de História e a obrigatoriedade do ensino da História do povo negro
no currículo escolar. Ambas negadas e arquivadas por não haver maioria de votos para sua
aprovação.
O parecer negativo às propostas defendidas pela senadora Benedita da Silva
é apresentado, concomitantemente, à realização da Marcha Zumbi dos
Palmares 20, em Brasília, em que se enfatiza a cultura homogeneizadora e
eurocêntrica da educação brasileira e a necessidade de revisão dos conteúdos
curriculares, a fim de contemplar o respeito e o reconhecimento da
diversidade. Esse momento, anos 90, caracteriza-se por uma maior
aproximação do movimento negro com o Poder Público e um esforço para
pensar propostas de políticas públicas para a população negra.
(DORNELLES, 2010, p. 46).
82
Em 20 de novembro de 1995, aconteceu a “Marcha Zumbi dos Palmares pela vida e
contra todas as formas de discriminação”, concentrou aproximadamente 10 mil pessoas
negras em Brasília as quais realizaram uma passeata até o Planalto, onde entregaram ao
Presidente Fernando Henrique Cardoso, um documento em “que contia um diagnóstico da
situação social da população negra brasileira, bem como proposta de combate ao racismo e à
desigualdade racial.” (SILVA, TRIGO e MARÇAL, 2013, p. 567). Ao receber o documento,
o presidente foi “notificado” que não poderia mais continuar com a venda nos olhos e foi
obrigado a reconhecer o Brasil como um país racista e a admitir que havia um problema a ser
resolvido, sendo este uma responsabilidade do Estado, através da elaboração e implementação
de políticas públicas.
O documento “Marcha Zumbi dos Palmares”, é iniciado pela introdução em que é
revelada indignação do Movimento Negro Unificado sobre as condições desumanas que são
disponibilizadas ao povo afro-brasileiro, o descaso frente a inúmeras denúncias de racismo
das quais são vítimas, destacando o fim do mito da democracia racial, exigindo providências e
reparações para a atual situação. Em um segundo momento, apresenta um diagnóstico das
consagrações que foram obtidas como resultados da persistência e luta pela igualdade racial,
representada pelas conquistas constitucionais. Apresenta uma avaliação sobre como está
sendo processado o racismo nas diversas instâncias sociais, como: escola, mercado de
trabalho, saúde e segurança.
Diante do diagnóstico, o documento apresenta propostas nos segmentos apontados.
Com relação à educação são pontuados:
• Recuperação, fortalecimento e ampliação da escola pública, gratuita e de
boa qualidade;
• Implementação da Convenção Sobre Eliminação da Discriminação Racial
no Ensino;
• Monitoramento dos livros didáticos, manuais escolares e programas
educativos controlados pela União;
• Desenvolvimento de programas permanentes de treinamentos de
professores e educadores que os habilite a tratar adequadamente com
diversidade racial, identifique as práticas discriminatórias presentes na
escola e o impacto deste na evasão e repetência das crianças negras;
• Desenvolvimento de programas educacionais de emergências para a
eliminação do analfabetismo. Concessão de bolsas remuneradas para
adolescentes negros de baixa renda para o acesso e conclusão do primeiro e
segundo graus;
• Desenvolvimento de ações afirmativas para o acesso dos negros aos cursos
profissionalizantes, à universidade e às áreas de tecnologia de ponta.
(MARCHA ZUMBI DOS PALMARES, 1995, p.17)
83
O documento serviu de base para as transformações políticas e sociais brasileira na
promoção de um novo olhar para as desigualdades raciais. Em retorno às reivindicações, foi
constituído o Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) com o objetivo de elaborar políticas
públicas com vistas à valorização do povo negro e combate ao racismo e a discriminação
racial. Algumas reivindicações foram atendidas como a revisão dos livros didáticos através do
Programa Nacional do Livro Didático (PNDL) e a elaboração e implementação dos PCN
(1997), além disso, foi definido o dia 20 de novembro como “O dia da valorização da
Consciência Negra”. (DORNELLES, 2010)
A partir das determinações fomentadas na Constituição de 1988, reforçada pelas
reivindicações anteriores realizadas, foi promulgada em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394/1996, com o objetivo de regulamentar o sistema
brasileiro de educação. Analisaremos os direcionamentos sociais e educacionais propostos no
documento concernentes à educação para as relações étnico-raciais.
Iniciamos pela análise do Artigo 26, que torna imperativo que os currículos do Ensino
Fundamental e Médio devem ser elaborados à luz de uma base única de âmbito nacional, em
consonância com as particularidades sociais, culturais e econômicas de cada instituição
educacional. No interior do artigo, destacamos o parágrafo: “§4º. O ensino da História do
Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias da formação do povo
brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia.” (BRASIL, 2008, p.38).
Nesse aspecto, observamos a definição dos grupos étnicos que deveriam ser
contemplados na elaboração do currículo institucional, porém sem apontar quais seriam os
aspectos pelos quais as diferentes etnias deveriam ser abordadas, tendo em vista que o ensino
da História do Brasil na grande parte das instituições escolares, ainda é visualizado pelas
lentes eurocêntricas, contexto em que a cultura europeia é aclamada com fulgor e apreço,
deixando a desejar a abordagem da importância e a efetiva contribuição das etnias indígena e
afro-brasileira no processo de formação da cultura nacional.
O conceito de educação definido pelo documento abrange os aspectos formativos da
vivência social do sujeito, leva em consideração as relações extraescolares através de outras
intuições educativas como: família, igreja, comunidade etc... vislumbrando a formação da
criança nas bases escolares e extraescolares, ambas se complementando.
Art. 1º a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino
84
e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais. §1º Esta lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
§2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática
social. (BRASIL, 2008, p. 29).
Nesse sentido, a LDBEN/1996, define a educação institucionalizada como
predominante, sem deixar de reconhecer a influência de fatores externos representados pelas
práticas sociais e culturais, ponto de onde é possível identificar a concepção de mundo
construída pelos sujeitos escolares, possibilitando realizar a intervenção significativamente no
processo de ensino aprendizagem. Como promotor do processo educativo, o documento
utiliza os termos da Constituição em definir a responsabilidade do Estado e da família, a fim
de promover a formação plena do sujeito, preparando-o para o exercício da cidadania e para a
formação para trabalho, baseado nos princípios da solidariedade e integração entre os sujeitos.
O processo educacional encaminha-se na perspectiva da diversidade, do
reconhecimento e respeito à diversidade na formação humana. Diante disso, alguns princípios
foram elencados no Art. 3º da LDBEN (1996) entre eles destacamos:
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
[...]
X - valorização da experiência extraescolar;
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais;
XII - consideração com a diversidade étnico-racial. (BRASIL, 2008, p. 29).
Para o processo educativo promotor da igualdade sociocultural, os incisos acima, são
essenciais na orientação da elaboração curricular e sua implementação. Ao definir igualdade
de permanência, entendemos que o aluno deve sentir-se representado em todos os aspectos,
que as oportunidades sejam iguais diante da diversidade, a subjetividade seja respeitada e as
referências de mundo sejam consideradas no processo de ensino aprendizagem. Os eixos
formadores dessa diversidade, trabalho, educação escolar e prática social, se entrecruzam e
definem a formação do sujeito.
Sob as orientações da LDB/1996, é determinada que a base nacional comum deveria
orientar o processo de ensino, a complementação é baseada nos princípios formativos da
caracterização do local, representações sociais dos educandos, economia e cultura em que será
desenvolvido. Vale salientar que esta estruturação perpassa pelas concepções de educação dos
85
professores, elaboradas e perpetuadas nas bases históricas da sua experiência sociocultural,
por muitas vezes sustentada pelas orientações de uma concepção educacional nos moldes do
eurocentrismo, sendo reproduzidas no processo de ensino aprendizagem, consequentemente
submergindo o processo educacional pelas vias da diversidade étnico-racial.
Em consonância com o que estabelece a Constituição de 1988, em que a União é
declarada como sistematizadora do plano nacional de educação emerge a necessidade de
elaborar parâmetros que possam orientar as práticas educacionais no ensino obrigatório, ao
mesmo tempo em que deveriam ser consideradas as especificidades de cada localidade. Para
tanto, no ano de 1997 foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais, definidos
como:
O conjunto de proposições aqui expressas responde à necessidade de
referenciais a partir dos quais sistema educacional do País se organize, a fim
de garantir que, respeitadas as diversidades culturais, regionais, étnicas,
religiosas e políticas que atravessam uma sociedade múltipla estratificada e
complexa, a educação possa atuar, decisivamente, com processo de
construção de cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente
igualdade de direitos entre os cidadãos, baseado nos princípios democráticos.
Essa igualdade implica necessariamente o acesso à totalidade dos bens
públicos, entre as quais o conjunto dos conhecimentos socialmente
relevantes. (BRASIL, 2001a, p.13).
Como toda elaboração curricular, os Parâmetros Curriculares Nacionais/1997,
correspondem ao um momento histórico, social e econômico, seus elementos são passíveis de
reelaboração para atualização. O período sócio histórico é representado na disposição dos
objetivos e conteúdos. São constituídos por 10 volumes distribuídos entre as disciplinas
obrigatórias e os chamados temas transversais. Nesse aspecto, tomamos como assertiva, o que
nos revela a LDBEN/1997 com base na Constituição/1988, em que a educação busca a
formação integral do sujeito, ao que nos permite entender que serão contemplados os
aspectos: físico, cognitivos e sociais do sujeito de forma integrada, tendo em vista que não é
possível fragmentar essa relação estrutural.
Como proposta orientadora no processo de constituição curricular para o ensino
fundamental, os PCN configuram-se como referência na discussão e reflexão dos projetos
educativos escolares. Defendem o currículo para a diversidade, ao sugerirem a
interdisciplinaridade e os temas transversais.
86
No âmbito dos Parâmetros Nacionais, o desafio da implementação de uma
educação pautada na diversidade da população brasileira, nas relações
étnico-raciais encontra possibilidades de trabalho por meio do tema
transversal Pluralidade Cultural. Busca-se que os temas transversais
perpassem todas as disciplinas curriculares numa tentativa de
interdisciplinaridade. (AZEVEDO, 2010a, p. 145).
Com o desígnio de configurar-se como proposta orientadora da prática pedagógica
para o trabalho com a diversidade étnico-racial, os PCN apresentam a concepção do ensino de
História que defendem através da proposta de organização dos conteúdos por temas que
buscam a promoção de estudos inerentes às diversas etnias, contrapondo-se à abordagem
eurocêntrica adotada anteriormente. Desmistificam o ensino da História, sobrepondo o ensino
de uma sociedade plural a uma sociedade monocultural.
A expectativa de que os parâmetros iluminem os projetos pedagógicos e os
planos de aula, é indiscutivelmente louvável, mas insuficiente, se não for
combinada a outros esforços de sensibilização, informação, formação, acesso
e pesquisas atualizadas e propostas concretas para o tratamento de tema tão
delicado, como das relações raciais na sala de aula. (SILVA JR, 2002, p. 33)
Sobre o ensino da História e cultura afro-brasileira e africana, partimos do pressuposto
que deve estar presente na formação do sujeito desde a educação infantil, tendo em vista que é
nesse período que acontece a formação da identidade da criança, prosseguindo com o Ensino
Fundamental. Concordamos com Azevedo (2010b, p. 4) quando afirma que:
Parte-se do pressuposto de que a interface entre educação das relações
étnico-raciais e ensino de História possibilita meios para conscientização da
importância de grupos como os remanescentes de nações indígenas e afro-
brasileiros, por exemplo, na construção do Brasil, à medida que conteúdos e
saberes próprios e relativos às suas especificidades terão lugar nas atividades
escolares. A importância de tal conhecimento, tendo em vista a promoção de
uma sociedade democrática, cidadã e historicamente consciente faz-se
presente no estudo do tema.
Porém, tal abordagem no documento, só acontece a partir do segundo ciclo do ensino
fundamental e ainda de forma coadjuvante, ou seja, as relações étnico-raciais no primeiro
ciclo, apresentam estudos sobre a comunidade indígena, estabelecendo relações com a vida
cotidiana do aluno. Daí depreendemos que para desmistificar concepções negativas e
estereotipadas sobre os diversos grupos étnicos, é necessário que tais estudos circundem toda
87
a trajetória escolar do aluno desde os primeiros anos escolares até os finais, fatores decisivos
na tentativa de erradicação das atitudes e pensamentos preconceituosos e discriminatórios.
Buscamos durante a análise dos PCN, compreender as vias que conduzem o ensino da
cultura afro-brasileira e africana, e constatamos a orientação nos moldes de eixo temático, o
estudo acerca da origem dos povos africanos e sua cultura em consonância com sua chegada
nas terras brasileiras. Porém, as contribuições sociais, culturais e históricas da cultura africana
na constituição da sociedade brasileira ainda não aparecem de forma explícita na elaboração,
assim como nos explicita (OLIVA, 2009, p. 147): [...] “os PCNs, em vários trechos, ficam
caracterizados por indicações de abordagens superficiais, pouco especificas e insuficientes
sobre as temáticas e objetos que poderiam envolver os estudos da história africana.” O
documento apresenta como eixo temático as lutas e desafios vivenciados pelos diversos
grupos étnicos subjugados, explorados no passado e com refugos no presente, na busca do
reconhecimento e da igualdade social e racial. Porém, encontraremos a temática de forma
mais explícita no volume Pluralidade Cultural.
O eixo orientador da elaboração curricular é a definição da concepção de educação
assumida pela escola, que deve estar consolidado, para que assim possa refletir a sua imagem.
Na nossa pesquisa, investigamos como está sendo efetivada a educação para as relações
étnico-raciais baseada na lei 10.639/2003, fator que nos leva a observar o projeto educativo da
escola investigada pelas lentes da diversidade étnico-racial. Nesse sentido, a concepção de
educação que orienta o PPP da Escola, deixa implícito os aspectos inerentes à promoção da
educação para a educação das relações étnico-racial.
A concepção pedagógica da Escola Estadual Potiguassu tem como princípio
assegurar o seu alunado o domínio da escrita, da leitura e do cálculo,
instrumentos fundamentais sem os quais não se pode atuar eficazmente na
sociedade letrada. [...]. Outro princípio fundamental é o respeito ao universo
do aluno, no processo de introdução da criança no domínio do código oculto.
(ESCOLA, 2015, p. 10)
Percebemos a preocupação com o código culto, a exclusão e preconceitos com aqueles
que não o dominam. Porém os PCN definem educação não apenas pelas lentes do código
culto, mas, como formação do sujeito apto a atuar na sociedade de diversas formas e esferas
sociais. Que tem como responsabilidade desenvolver os aspectos cognitivos, sociais e
culturais do aluno, apoiando-o na construção dos elementos que possibilitarão sua
88
compreensão de mundo e formas de atuar e transformá-lo. Aspectos fundantes no processo de
formação do sujeito integral.
A sua proposta visa à melhoria no processo de planejamento, concentrando
esforços nas disciplinas constatadas como criticas que são Português e
Matemática melhorando assim o desempenho acadêmico dos alunos, e que o
estudante, aprenda, não repita o ano e também frequente as aulas com
assiduidade. (ESCOLA, 2015, p. 10)
O escrito acima se refere ao principal objetivo da proposta do PPPEEP (ESCOLA,
2015), o qual, percebemos, está relacionado à concepção de educação defendida pela escola.
Dai depreende-se que ao elaborar a proposta da Escola, os aspectos teóricos e metodológicos
dos PCN não foram consultados.
Sobre os aspectos da educação para as relações étnico-raciais, a disciplina de História
absolveu maiores influências e mudanças, além de estar intrinsecamente ligada ao tema
Pluralidade Cultural.
Analisamos os volumes: “História e Geografia” e “Pluralidade Cultural e Orientação
sexual”, ambos direcionados ao Ensino Fundamental anos iniciais, por estarem
intrinsecamente ligados aos objetivos do nosso trabalho e relacionaremos com o PPPEEP.
Frente ao exposto, vamos averiguar quais orientações tais documentos apresentam no que
concerne à elaboração curricular para o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira.
Os PCN do ensino de História e Geografia (BRASIL, 2001b) têm seu volume iniciado
com um breve histórico da trajetória da disciplina no Ensino Fundamental, a qual é
caracterizada como uma das disciplinas precursora na organização e implementação das bases
curriculares brasileiras, desde 1827 até os dias atuais, protagonizando várias mudanças de
conteúdo, objetivos, práticas pedagógica e conceitos.
A concepção de ensino de História sofreu transformações decorrentes de aspectos
políticos, sociais e econômicos ditados por cada época, sendo percebidos seus reflexos
diretamente no currículo e práticas pedagógicas adotados em cada período.
Sob o impacto das influências causadas pelas mudanças sociais, as concepções do
ensino e aprendizagem da História, ao longo dos anos, forma sendo modificadas. O ensino
aprendizagem pautados nos conteúdos e na repetição de datas e nomes históricos foram sendo
modificados e transformados. De acordo com os PCN de História e Geografia (BRASIL,
2001b, p. 49):
89
O ensino e aprendizagem da Historia estão voltados, inicialmente, para
atividades em que os alunos possam compreender as semelhanças e as
diferenças, as permanências e as transformações no modo de vida social,
cultural e econômico de sua localidade, no presente e no passado, mediante a
leitura de diferentes obras humanas.
Nesse aspecto, o aluno passa a elaborar seus conhecimentos acerca das suas origens e
história reconhecendo-se como sujeito participativo da sociedade em que está inserido. Nessa
construção, é considerada a participação e influência dos diversos grupos e classes que
constituem a sociedade brasileira, desligando-se dos referenciais europeus, como supremacia.
Dessa forma, o trabalho histórico, busca a formação da identidade social e cultural do aluno,
na relação com o outro, na construção conceitual de semelhanças e diferenças entre o “eu” e o
“outro”. O outro, como antepassado, sujeitos de épocas diferentes, que pode ou não pertencer
ao mesmo grupo social. “Apesar de termos uma clientela com condições sociais e econômicas
desfavoráveis, e que trazem consigo uma experiência de vida própria e de seus pais que
devem ser respeitadas e ampliadas.” (ESCOLA, 2015, p. 13).
Diante do exposto, verificamos que a escola apresenta-se sensível à temática
diversidade, em seu entorno, percebe a individualidade e que as histórias de vida são
diferentes, porém, não conseguimos vislumbrar a abordagem histórica e étnico-racial como
formadora da identidade, nem como promotora das relações para a diversidade.
A percepção sobre as mudanças e permanências, diferenças e semelhanças
da humanidade é o caminho propício para a percepção, reconhecimento e
respeito dos alunos à diversidade e consequente favorecimento à promoção
da autoestima dos discentes, uma vez que inseridos em um processo ensino-
aprendizagem valorizador das diferenças individuais. (AZEVEDO, 2010b, p.
10).
Tais premissas foram identificadas no PPPEEP como referência defendida sob a
concepção sócio interacionista, não como concepção de educação construída pela escola
diante da realidade em que está inserida, mas, como reprodução da forma de desenvolvimento
baseada na concepção interacionista “A partir da concepção sócio interacionista,
compreendemos a educação como construção coletiva permanente, baseada nos princípios de
convivência, solidariedade, justiça, respeito, valorização da vida na diversidade e na busca do
conhecimento. (ESCOLA, 2015, p. 13). No entanto, não há referência nos objetivos, à
promoção da diversidade cultural, social ou étnico-racial. Partirmos do princípio de que é
90
necessário que as concepções de educação e formação do sujeito atuem como orientadoras na
definição dos objetivos e estabeleçam uma relação dialógica e complementar. Corroboramos
com Sacristàn (2000, p. 21) quando afirma: “Se o currículo, evidentemente, é algo que se
constrói, seus conteúdos e suas formas últimas não podem ser diferentes dos contextos nos
quais se configura”.
Ao analisarmos os elementos orientadores educacionais propostos no primeiro ciclo
nos PCN, para o ensino de História identificamos no documento que a concepção de educação
e os objetivos dialogam entre si e circundam no âmbito temporal, na percepção das
transformações, definem o estudo acerca das diversas relações sociais e culturais que
constituem a sociedade brasileira, além de abordar as diferenças históricas locais e pessoais
do aluno. Vislumbramos diante da proposta do eixo temático “História local e do cotidiano”,
menção a elaboração curricular baseada na diversidade, em que as diferentes etnias e
formações familiares são abordadas, com o objetivo em ampliar os conhecimentos de
diferentes formas de ser e estar no mundo, considerando as semelhanças e diferenças dos seus
pares. Segundo os PCN (BRASIL, 2001b, p. 52):
Considerando o eixo temático “História local e do cotidiano, a proposta é a
de que, no primeiro ciclo, os alunos iniciem seus estudos históricos no
presente, mediante a identificação das diferenças e semelhanças existentes
entre eles, suas famílias e as pessoas que trabalham na escola. Com os dados
do presente, a proposta é de que desenvolvam estudos do passado,
identificando mudanças e permanências nas organizações familiares e
educacionais.
No segundo ciclo, há continuidade do processo de formação histórica na diversidade,
são levadas em consideração as relações sociais estabelecidas pelos alunos, assim como o
acesso às mídias de informação, na formação do pensamento e visão de mundo. Os objetivos
definidos nessa etapa de ensino fazem uma referência de forma mais contundente às relações
étnico-raciais: “Identificar as ascendências e descendências das pessoas que pertencem à sua
localidade, quanto à nacionalidade, etnia, língua, religião e costumes, contextualizando seus
deslocamentos e confrontos culturais e étnicos, em diversos momentos históricos nacionais”
(BRASIL, 2001b, p. 62). Percebemos, em um dos objetivos, referência à diversidade étnica, e
se analisado com maior atenção, especificamente às etnias indígena e afro-brasileira,
identificados com base na caracterização retratada.
91
No documento elaborado pela escola, identificamos a reprodução ipsis litteris de todos
os objetivos propostos pelos PCN, representando os objetivos do ensino de História a serem
alcançados pela escola no Ensino Fundamental. No entanto, foram contemplados apenas os
objetivos do primeiro ciclo, sendo suprimidos os objetivos para segundo ciclo. Nesse aspecto,
percebemos que de forma “acidental”- pois os objetivos e conteúdos devem ser selecionados
diante das particularidades de cada instituição - foi incluído os aspectos da diversidade
étnico-racial ao abranger o ponto: “ reconhecer algumas semelhanças e diferenças sociais,
culturais, econômicas de dimensão cotidiana, existentes no seu grupo de convívio escolar e na
sua localidade.” (BRASIL, 2001b, p. 50). Porém, a abordagem do ensino de História vai
muito além de reproduções de metodologias e conteúdos descontextualizados.
Ensinar história de forma contextualizada é com atenção e respeito à
diversidade dos alunos requer atividades didáticas que incentivem trabalhos
coletivos onde sejam valorizadas as trocas e ao mesmo tempo consideradas
as especificidades de cada um dos envolvidos. Estas, provenientes de
diferentes matrizes civilizatórias precisam encontrar lugar ao longo de todo o
ano escolar. (AZEVEDO, 2010b, p. 10).
De acordo com o documento, a problemática local, frente a outras localidades,
contribuem no processo de construção de tempo histórico pelo aluno, permite que realize
pontes entre o que vivencia na atualidade e as ações realizadas por sujeitos históricos em
tempos e espaços diferenciados e que foram determinantes na constituição da sociedade em
que vive. Resultantes das relações interpessoais, culturais e políticas. “[...] Somente no
alargamento de fronteiras temporais e espaciais que os sujeitos históricos podem dimensionar
a sua inserção e a sua identidade com os grupos sociais maiores, como no caso das classes
sociais, das etnias, dos gêneros, das culturas ou das nacionalidades” (BRASIL, 2001b, p. 64).
Dessa forma, a proposta é de elaboração temporal histórica não linear, em que permite
ao aluno elaborar suas concepções de temporalidade e espaço a partir da sua própria história.
De acordo com Abud (2012, p. 13):
A retomada do passado e sua ligação com o presente são relações a serem
estabelecidas pelo ensino de História nos anos iniciais, em seus
planejamentos e ações cotidianas, objetivando a construção do conceito de
tempo e lembrando que “construção é a própria maneira de se chegar a uma
realidade que não vem pronta através dos órgãos dos sentidos, que não jorra
de fontes inatas” (ADES, 1991: 6-14). A sistematização das noções de tempo
físico já desenvolvida pelo aluno é a primeira etapa na elaboração do
conceito de tempo histórico.
92
Relacionando-a com a da sociedade em que vive, possibilita a identificação das
mudanças e permanências, sobre as quais, estrutura pensamentos críticos e reflexivos,
revertidos em ações que possam transformar positivamente, o ambiente em que vive,
pensando no bem estar da coletividade.
O reconhecimento das suas raízes históricas orienta o aluno na elaboração da sua
identidade, a constituir-se como sujeito histórico pertencente a uma sociedade pluriétnica.
Esta, por sua vez, resultante de processos transformadores marcados em um tempo e espaço,
construída com a interação de diversos grupos e sujeitos históricos. Grupos mergulhados na
sua própria cultura, organização social, formas coletivas de ver e estar no mundo, diferentes
entre em si, mas, que integram na constituição da sociedade, sob forma de contribuição no
processo formativo da coletividade. Sob esse prisma o eixo temático para o segundo ciclo,
“História das organizações populacionais”, sugere como conteúdo, vistas para a diversidade
étnico-racial:
Levantamento de diferenças e semelhanças entre grupos étnicos e sociais,
que lutam e lutaram no passado por causas políticas, sociais, culturais,
étnicas ou econômicas. Movimento de âmbito local: trajetória do movimento
lutas travadas, conquistas e perdas, relações mantidas com grupos nacionais
e de outras regiões, meios de divulgação de ideias de lutas (movimentos
ambientalistas, feministas, de idosos, de indígenas, de classes sociais, de
liberdade de expressão, de direitos humanos, de organização religiosa, dos
negros, dos sem-terra, de construção de moradias ou saneamento básico, em
prol da saúde ou educação) (BRASIL, 2001b, p. 69).
Ao analisarmos as temáticas acima, vemos que necessitam que sejam conduzidas pelas
vias da reflexão e do pensamento crítico participativo ao serem abordadas, são temas
intrinsecamente ligados à realidade e vivência do aluno, e sobre eles, trazem consigo
elaboradas, prévia e socialmente, concepções construídas na relação com os grupos aos quais
pertence concomitantemente as suas próprias elaborações conceituais. No âmbito educacional,
essas temáticas devem ser refletidas na coletividade para que seja possível a desconstrução e
reconstrução da visão de mundo do aluno e produtividade sócio e culturalmente, a partir da
interação.
Partimos do princípio que as referências crítico-reflexivas necessárias à formação do
conhecimento histórico, considerando as propostas de objetivos e conteúdos elencados no
documento, só será possível frente a ressignificação da prática pedagógica. Fator determinante
para que o tipo da formação do sujeito pleiteada, no documento, seja legitimada.
93
Se por um lado existe o aparato da legalidade e das intenções, por outro, nos
deparamos com as dificuldades e despreparo de educadores para efetivar tais
propostas. “professores alegam não ter recebido qualquer tipo de orientação
pedagógica sobre a questão racial no Brasil por ocasião do seu curso de
formação profissional” e continuam tratando a questão racial e a diversidade
humana, como um conteúdo de história e de artes, de caráter efêmero, sem
assegurar uma abordagem continua e transversal. (SILVA JÚNIOR, 2002,
p. 33).
Nesse sentido, é necessária a (re)construção do pensamento sobre o ensino de História,
pautada na elaboração curricular, formação inicial e continuada do professor. Apesar de
contabilizarmos 20 anos da elaboração dos PCN, ainda são pungentes as referências
educacionais para ensino de História como uma disciplina pautada na repetição de datas e
reconhecimento de “heróis” da história, com foco principal nos feitos eurocêntricos;
conduzidas pelas vias metodológicas do processo memorizador e sem significado para o
aluno. Em muitos casos, essa recorrência advém em função do desconhecimento, por parte do
docente, do conteúdo e orientações presentes no documento, atrelada a sua limitação ou até
mesmo rejeição em direcionar aplicabilidade no contexto educacional, como nos firma
Dorotéio, (2012, p. 2) “Em relação aos anos iniciais, indicam a carência de estudos relativos a
essa fase de escolarização, principalmente no que se refere à relação com a historiografia
contemporânea na prática pedagógica dos professores que iniciam os alunos no saber
histórico escolar”.
Porém, os PCN, mesmo diante de 20 anos de vigência, construído no final do século
XX, ainda se configura como referência atual acerca das orientações educacionais. E ainda
continua, na maioria dos casos, à sombra da listagem de conteúdos sem significados.
Identificamos a urgência da elaboração curricular promotora da igualdade étnico-
racial, em que promova a igualdade de importância entre as diversas etnias que constituíram a
História do Brasil, sem delegar a nenhuma a posição de superioridade, porém esbarramos em
um muro, que é necessário sua transposição para que seja possível essa mudança de
paradigma: o preconceito. O preconceito a tudo que se diferencia do “normal”, incutido nos
currículos educacionais como “obrigatórios” e “corretos”, tudo que não preconize o
eurocentrismo. Corroboramos com Pereira e Cordeiro (2014, p. 10), quando afirmam:
Por enquanto, nota-se que existe semelhanças e não somente diferença no
outro e, o caminhar para a igualdade exige superação dos preconceitos, das
discriminações e dos racismos, principalmente numa sociedade brasileira
marcada pelas diferenças socioeconômicas e de mediações, padronizadas
94
culturalmente de modo a mascarar intelectualmente suas ambiguidades e
suas singularidades.
As necessidades são variáveis de acordo com a realidade social que se estabelece. E a
busca pela igualdade racial e social, acompanha o processo de mudança, sem muitos
resultados positivos no âmbito na implementação educacional.
Com o intuito da efetivação de uma educação igualitária e complementando os PCN
das disciplinas obrigatórias, vemos os temas transversais selecionados pelas temáticas:
Pluralidade Cultural, Ética, Meio Ambiente, Saúde e Orientação Sexual. O objetivo dos temas
transversais é estar presente de forma integrada aos conteúdos ministrados pelas disciplinas
“obrigatórias”, abordando temas de cunho social e problematizador nos contextos
educacionais diversos.
Concentraremos a análise no volume Pluralidade Cultural e Orientação Sexual,
especificamente sobre o primeiro tema, por estar ligado a nossa questão de interesse.
Seguindo a estrutura organizacional dos demais volumes, o documento apresenta os objetivos
que devem ser alcançados acompanhados da justificativa, os conteúdos elaborados por eixos
temáticos selecionados de acordo com alguns critérios tais como: a eficácia na construção de
valores para o exercício da cidadania; respeito e valorização à diversidade, finalizando com
as propostas de avaliação.
Retomemos nossa questão: quais os direcionamentos educacional e social estão
explícitos nos documentos e quais orientações curriculares para a educação das relações
étnico-raciais?
A temática Pluralidade Cultural aborda os conhecimentos e a valorização relativos às
diversas características étnicas e culturais que formam a sociedade brasileira, como podemos
perceber no trecho a seguir:
Este tema propõe uma concepção da sociedade brasileira que busca
explicitar a diversidade étnica e cultural que a compõem, compreender suas
relações, marcadas por desigualdades socioeconômicas, e apontar
transformações necessárias. [...] Pluralidade Cultural quer dizer a afirmação
da diversidade como traço fundamental na construção de uma identidade
nacional que se opõe e repõe permanentemente, e o fato de que a
humanidade de todos se manifesta em formas concretas e diversas de ser
humano.” (BRASIL, 2001c, p. 19).
95
Trabalhar a partir dessa temática, significa descentralizar o eurocentrismo e vislumbrar
a sociedade por um prisma de múltiplas faces com valores iguais. Significa reconhecer e
perceber-se pertencente a uma sociedade pluriétnica, com horizontes amplos, que devem ser
respeitados sem discriminações. E principalmente, busca a ressignificação de educação
consoante a prática pedagógica despidas de preconceitos e discriminações. “Mudar
mentalidades, superar o preconceito e combater atitudes discriminatórias são finalidades que
envolve lidar com valores de reconhecimento respeito mútuo, o que é tarefa da sociedade,
como um todo” (BRASIL, 2001c, p. 23).
A proposta é de urgente aplicabilidade, porém, necessita melhor formação do professor
para que corresponda aos objetivos. É uma temática presente no cotidiano do aluno que deve
ser abraçada e desenvolvida como prioritária. Arriscamos a concebê-la como orientadora das
disciplinas subjacentes, não de forma contrária. Pela característica de transversalidade, em
muitas situações escolares, não há referência ao tema Pluralidade Cultural, pois não é vista
como “disciplina obrigatória” pelos docentes, consequentemente, deixada em “repouso”
correndo o risco de em momento algum ser analisada. De acordo com Silva Jr. (2002, p. 33-
34)
Ao instituir parâmetros curriculares que se pautem por princípios
instrucionais, deixando valores e princípios humanos para serem repensados
enquanto temas que “atravessam” as disciplinas, os PCN possibilitam que as
escolas vejam estes temas como “alternativos” e não fundamentais, ou ainda
que escolham dentre as “diversidades” aquelas menos conflitivas para incluir
em suas propostas pedagógicas.
Em alguns projetos educacionais, o tema Pluralidade cultural aparece de forma
superficial, representados por expressões, na maioria das vezes artísticas, nos momentos de
culminância dos projetos temáticos desenvolvidos pelas escolas. Como é o caso do PPPEEP
(2015). As referências que encontramos nos aspectos da diversidade, encontram-se refletidas
na seguinte ação: “ [..] Realizar na escola uma vez por mês um dia cultural, professores e
alunos e todos que fazem a escola com declamação de poemas, dança, contribuindo para o
enriquecimento cultural. [...]” (ESCOLA, 2015, p. 15).
Partimos do pressuposto de que a educação não acontece em compartimentos, em
situações alheias à vivência do aluno, e sim de forma integrada. Para tanto, o currículo deve
apresentar-se protagonista e orientador na prática, principalmente quando entre a escola e a
realidade social do aluno, apresenta-se um muro invisível em que ao ultrapassá-lo o aluno
96
deve despir-se das suas concepções de vida, do seu “eu” real, negar suas origens e assumir
posturas superficiais para responder as exigências, por vezes desconexas de um currículo
escolar que não o representa.
O tema Pluralidade Cultural propõe a adoção de práticas que sejam orientadoras da
construção identitária do aluno, permitindo-lhe o acesso ao conhecimento das suas origens e
dos grupos socioculturais dos quais é participante. Destitui o pensamento de unicidade étnica,
reconhecendo a importância e contribuição das outras bases étnicas que sustentam a formação
do povo brasileiro.
As propostas apresentadas nos PCN Pluralidade Cultural nos remetem ao pensamento
de que do documento, pouco ou quase nada foi contemplado pelos currículos escolares,
arriscamos até mesmo mencionar a sua ausência nos currículos locais. Pois não infrequente
vemos em situações diversas, atitudes de preconceitos e discriminações nas escolas, enquanto
a preocupação dos docentes circunda em torno dos conteúdos que deveriam ou devem
trabalhar das disciplinas obrigatórias. Diante dessa situação, identificamos o hiato entre as
relações sociais do aluno e a escolarização, ambas não se integram em um currículo
formatado por disciplinas, em que está implícito diante da sua organização, as relações de
poder e exclusão.
Ao definir quais disciplinas e conteúdos escolares devem agir como propulsores da
escolarização, define-se o tipo de sujeito que é pretendido formar, e suas bases desconhecem a
formação plena para o exercício da cidadania e o respeito à diversidade. Na verdade o que
procede é a reprodução de atitudes de aceitação e acomodação diante da exclusão
sociocultural, descortinada através da omissão da formação do sujeito crítico reflexivo,
promotor de transformações sociais conscientes. Nesse sentido,
O que se coloca, portanto, é o desafio de a escola se constituir um espaço de
resistência, isto é, de criação de outras formas de relação social e
interpessoal mediante interação entre trabalho educativo escolar e as
questões sociais, posicionando-se crítica e responsavelmente perante elas.
(BRASIL, 2001c, p.52).
A escola assume um papel decisivo na formação do sujeito, através da concepção de
educação que defende são estabelecidos os objetivos, conteúdos e métodos que auxiliarão no
alcance da formação desejada. O currículo elaborado pela instituição escolar desempenha a
função de maestro na condução educacional. Como maestria de um currículo formador do
sujeito integral, é imprescindível à intercessão entre as relações sociais na diversidade e
97
conhecimento escolarizado, ambos intrinsecamente ligados. Diante disso, os conteúdos
propostos pelo volume Pluralidade Cultural, e/ou as temáticas pertinentes à realidade do
aluno, assumem o papel de ator no processo de elaboração curricular.
Com relação à diversidade étnico-racial, o documento refere-se de forma abrangente
no que concerne ao trabalho com a plurietnicidade, aborda como significativa a importância
em conhecer e valorizar suas contribuições na formação da sociedade brasileira,
configurando-se como um dos objetivos.
Vale salientar que os objetivos apontam para o reconhecimento e valorização da
diversidade étnico-cultural, ponte para o combate ao preconceito e discriminações. Entre eles
destacamos: Trajetória das etnias no Brasil e situação atual. Apresenta sugestões de conteúdos
que podem ser abordados, iniciando pela comunidade indígena, em seguida o grupo
afrodescendente. Chamou-nos atenção a abordagem relativa à cultura africana, o documento
traduz a etnia afrodescendente a situações conflituosas e escravistas, busca o reconhecimento
através da comoção como o próprio documento coloca como um dos objetivos gerais:
“Desenvolver uma atitude de empatia e solidariedade para com aqueles que sofrem
discriminação” (BRASIL, 2001c, p.59).
No segundo eixo, identificamos iniciativas referentes à valorização étnico-racial,
representadas pelos conteúdos atitudinais: conhecimento, valorização e respeito às
características dos diversos grupos étnicos, destacando o afrodescendente, e suas
contribuições. Repúdio ao qualquer ato discriminatório e preconceituoso. Porém, a abordagem
à cultura africana e afro-brasileira apresenta-se ainda de forma tímida, integrada ao um grupo
mais abrangente, etnia-cultural.
A temática Pluralidade Cultural apresenta pouca visibilidade entre os docentes não
sendo considerada como prioritária, haja vista que não se configura como disciplina
obrigatória, sua abordagem na constituição do currículo escolar, é ínfima, não raro seu
desconhecimento e abandono. Como exemplo do descaso para com o Volume, podemos
relatar sobre a nossa própria compreensão sobre o volume que foi consolidado apenas a partir
dos estudos realizados para esta pesquisa.
Diante dos documentos elaborados e implementados até o final dos anos de 1990,
verificamos a ausência da imperatividade no que concerne à abordagem do ensino e cultura
africana e afro-brasileira, reivindicação documentada desde o ano de 1987. Porém, podemos
contabilizar avanços, ao detectar referências à diversidade, o reconhecimento da necessidade
em valorizar e respeitar de forma igualitária as diversas etnias. O documento em pauta, ensaia
98
assumir a posição de referência para a prática pedagógica pautada no reconhecimento e
valorização da diversidade étnico-racial e cultural. Formando sujeitos imunes ao racismo e ao
preconceito e agentes no seu combate, juntamente com professores.
No ano de 1999, a Deputada Esther Grossi (PT/RS) e o Deputado Ben-Hur Ferreira
(PT/MS), apresentaram e aprovam o projeto de lei (PL) 259/99 que consiste na
obrigatoriedade do ensino e história da cultura afro-brasileira no currículo escolar, bem como
a inclusão do “Dia da Consciência Negra” no calendário escolar. Tal projeto foi reingressado,
pois já havia sido apresentado pelo Deputado Humberto Costa (PT/PE), no ano de 1995
através do PL 859/1995, sendo aprovado na Comissão de Educação, porém, arquivado com a
não reeleição do deputado na legislatura 1999-2002. Segundo Dornelles (2010, p. 72):
Na justificativa do projeto de lei, os deputados autores mencionam que o
projeto é originalmente de autoria do Deputado Humberto Costa (PT/PE), e
tem, como objetivo, criar condições para a implantação de um currículo na
rede oficial de ensino, que inclua o ensino de História da Cultura Afro-
Brasileira, visando à restauração da verdadeira contribuição do povo negro
no desenvolvimento do País, desmistificar o eurocentrismo e garantir a
educação como um dos principais instrumentos de cidadania.
Enquanto o acesso à implementação do ensino da história e cultura africana era
constantemente vetado no âmbito legislativo nacional, alguns estados e municípios brasileiros
já estavam implantando a temática, como determina a Constituição de 1988. Parlamentares,
ao elaborarem as constituições locais (estados e municípios), defendiam a revisão curricular,
propondo que deveriam ser incluídos conteúdos programáticos sobre a história da África e
cultura afro-brasileira. Nesse sentido, em 1989 já contavam com a temática as constituições
estaduais dos seguintes estados: Bahia, Rio de Janeiro e Alagoas seguidas pelas cidades
brasileiras: “Belo Horizonte/MG (1990); Porto Alegre/RS (1991); Belém/PA (1994);
Aracaju/SE (1994/1995); São Paulo/SP (1996) e Teresina/PI (1998)” (ROCHA e SILVA,
2013, p. 63).
Nos anos subsequentes, pelo fato de as desigualdades raciais e culturais tornarem-se
tão pungentes, o País passou a ser pressionado pelas nações exteriores para que adotassem
ações afirmativas para o combate à propagação das ações discriminatórias. De acordo com
Dornelles (2010, p. 47):
O fim do apartheid, na África do Sul, é um fator que contribui e pressiona
uma mudança de postura do Poder Público em relação ao reconhecimento da
existência de um problema étnico. Intensifica-se a cobrança racial sobre o
Brasil, pois as desigualdades raciais ficam mais visíveis.
99
Assim, foram organizadas reuniões municipais, estaduais, incluindo conferências
nacionais preparatórias para a participação do Brasil na III Conferência Mundial contra o
Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância ocorrida na África do Sul em
Durban, no ano de 2001.
O objetivo desta conferência foi produzir uma declaração que reconheça os
danos causados pelas expressões passadas de racismo e reflita uma nova
consciência, em nível mundial, das formas modernas de racismo e
xenofobia; chegar a acordo sobre um programa de ação forte e prático e
forjar uma aliança entre os governos e a sociedade civil para iniciar uma
renovada e vigorosa etapa na luta contra o racismo. (COSTA, 2013, p. 71).
As nações participantes da conferência assinaram a declaração de ações afirmativas
para o combate ao racismo, preconceitos, xenofobia e discriminações raciais. Nesse aspecto, o
Brasil passa a assumir o compromisso em promover políticas públicas que promovam o
combate à discriminação racial e preconceito.
A Declaração e Programa de Ação adotados na III Conferência Mundial de Combate
ao Racismo, Discriminação Racial, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata
(2001) elaborada em consonância com as nações presentes se configurou como um marco no
avanço ao reconhecimento e combate às expressões discriminatórias em todos os aspectos,
representadas na seguinte afirmação:
Reconhecemos e afirmamos que, no limiar do terceiro milênio, a luta global
contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e
todas as suas abomináveis formas e manifestações é uma questão de
prioridade para a comunidade internacional e que esta Conferência oferece
uma oportunidade ímpar e histórica para a avaliação e identificação de todas
as dimensões destes males devastadores da humanidade visando sua total
eliminação através da adoção de enfoques inovadores e holísticos, do
fortalecimento e da promoção de medidas práticas e efetivas em níveis
nacionais, regionais e internacionais. (DURBAN, 2001, p. 10).
Estava estabelecido e firmado o compromisso e reponsabilidade do Brasil em
combater a desigualdade racial e social, molas propulsoras nas ações de preconceitos,
discriminação, xenofobia e intolerância. Ao que pode ser largamente combatido com a
promoção da igualdade de oportunidades para todos. Oportunidades educacionais, de direitos
civis e exercício da cidadania, regidos por legislações que sejam de fato efetivadas, e norteiem
as implementações das ações afirmativas.
100
Vale salientar que o documento reconhece a educação como fator elementar no
processo de mudanças de comportamento. Nesse aspecto, revela que:
[...]
95. Reconhecemos que a educação em todos os níveis e em todas as idades,
inclusive dentro da família, em particular, a educação em direitos humanos,
é a chave para a mudança de atitudes e comportamentos baseados no
racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata e para a
promoção da tolerância e do respeito à diversidade nas sociedades. Ainda
afirmamos que tal tipo de educação é um fator determinante na promoção,
disseminação e proteção dos valores democráticos da justiça e da igualdade,
os quais são essenciais para prevenir e combater a difusão do racismo,
discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata. (DURBAN, 2001,
p. 29).
Com base na avaliação, é organizado um Programa de ação, possível aos estados como
medidas de urgência na sua aplicabilidade, contabilizando 219 ações. Dentre as medidas
destacamos a urgência na elaboração ou fortalecimento e efetivação de leis que se oponham
ao racismo e toda e qualquer forma de discriminação; a promoção de planos nacionais de
ações afirmativas para promoverem “a diversidade, igualdade, equidade, justiça social,
igualdade de oportunidades e participação para todos” (DURBAN, 2001, p.65) .
No âmbito educacional destacamos no item 10 a solicitação aos estados da inclusão no
currículo escolar da real história e contribuições dos africanos e afro-brasileiros:
[...]
118. Insta as Nações Unidas, outras organizações internacionais e regionais e
os Estados a compensarem a minimização da contribuição da África para a
história do mundo e da civilização através do desenvolvimento e
implementação de programas de pesquisa, educação e comunicação de
massa abrangentes e específicos para disseminarem de forma ampla uma
visão equilibrada e objetiva da importante e valiosa contribuição da África
para a humanidade. (DURBAN, 2001, p. 71).
Após a Conferência, o Governo Brasileiro, ainda sob a administração de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2003), buscou iniciativas no âmbito legislativo e executivo que
primassem pela efetivação de ações afirmativas no combate ao preconceito. Dentre elas,
podemos citar no ano de 2002 a reserva de vagas nas universidades públicas para alunos
pretos ou pardos.
101
No governo posterior, liderado por Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011), continuam
de forma contundente e expressiva, as políticas públicas para o combate ao racismo e
discriminação. Exemplo disso foi a promulgação da lei 10.639/2003, alterando a Lei de
Diretrizes e Bases Nacional 9394/96.
Realizamos essa breve volta ao passado construtor e transformador das relações
étnico-raciais, no intuito de contextualizarmos historicamente as ações anteriores de força e
resistência promovidas pelos movimentos sociais, que resultaram nas conquistas que
alcançamos durante os últimos 30 anos.
Falar da história e da cultura brasileira é falar da diversidade cultural, pois somos
frutos da intercessão entre as etnias: africana, indígena e europeia. Como sabemos, a etnia
europeia, sobrepôs às outras, tentando apagá-las, no entanto, as lutas e persistência dos grupos
étnicos afro-brasileiro e indígenas, perpetuaram na busca pela eliminação das desigualdades
étnico-raciais. Como resultado foi sancionada a Lei 10.639/2003, alterando a LDB 9394/96.
No entanto, até que sua promulgação fosse efetivada, muitas lutas foram travadas.
A partir da exposição da trajetória, percebemos que se passaram 20 anos até que fosse
atendida a reivindicação do Movimento Negro, que buscava as mudanças educacionais a
partir da valorização e reconhecimento da história e cultura africana e afro-brasileira.
2.3 LEI 10.639/2003: RAÍZES DA ESSÊNCIA AFRO-BRASILEIRA
Após quatro anos de tramitação no Congresso Nacional, no ano de 2003, aos nove dias
do mês de janeiro foi sancionada a Lei 10.639/03, alterando a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei 9.394/96. Resultado das reivindicações, persistência e lutas
representadas pelos movimentos sociais, em destaque para o Movimento Negro.
A promulgação da Lei, assim como todas as conquistas no âmbito das relações étnico-
raciais, é resultado dos movimentos sociais indigenistas e negros que reivindicavam igualdade
e valorização étnico-racial, o respeito às diferenças, exclusão de qualquer forma de
preconceito e discriminação.
A Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira
e africana, caracteriza-se como propulsora no combate ao preconceito e à discriminação,
tendo em vista que seu alvo são os ambientes escolares abarcando os diversos segmentos de
102
ensino básico. Objetiva promover a valorização da diversidade cultural através da educação
para relações étnico-raciais.
A lei 10.639/03 busca, através do conhecimento e da valorização da história
e das inúmeras contribuições dos africanos em nosso país, combater o
racismo e a desigualdade étnica vivenciada por seus descendentes em solo
brasileiro. Ou seja, ainda é necessário no Brasil se trabalhar a convivência
étnica racial levando em conta cada realidade étnica. (PEREIRA FILHO e
SILVA, 2013, p. 280).
Porém, o fato de ser lei sancionada não reflete sua aplicabilidade nem conhecimento.
Vale salientar que a lei já contabiliza 13 anos da sua implementação, e que anteriormente, já
contávamos com os PCN como possíveis orientadores dos currículos e ações para educação
das relações étnico-raciais. Podemos comprovar essa “liberdade” em aderi-la com quando
questionada sobre o conhecimento da lei a professora respondeu:
Pesquisadora: Você já ouviu falar da Lei 10.639/2003?
Professora: Não. Eu não lembro por número. Mas, se você disser do que
trata a lei ...
Pesquisadora: Trata sobre o ensino da história e cultura africana nas escolas
de ensino básico. Você já ouviu alguma coisa sobre essa lei? Você conhece
algo sobre dela?
Professora: Deveria, né? Porque a lei diz que é para o ensino básico, já era
para ter chegado para os professores. Num é?
Pesquisadora: Desde 2003 essa lei foi sancionada.
Pesquisadora: Então, você não tem nenhum conhecimento, nunca ouviu
falar, nada , ... [ interrompe a professora]
Professora: Eu... até hoje na televisão, não foi falado o número da lei, mas,
que tinha a lei . É assim, na televisão a gente ouve assim, não o que foi
ouvido, ouve-se uma coisa tão solta que não fica. Não assimilamos
exatamente. Mas, ao você falar agora, me vem aquela coisa bem vaga de que
já ouvi em algum momento na televisão.
Pesquisadora: A que você atribui essa não chegada da lei até você?
Professora: Aos nossos governantes
Pesquisadora: Em que sentido você acha que o governo poderia fazer alguma
coisa para que chegasse até você? O que poderia ser feito?
Professora: Chega pra gente muitos projetos de formação que até começam e
nem terminam, não tem conclusão. Tem um projeto que chegou que era
“Bola na rede”, eu imagino que esse projeto tenha sido um investimento
muito grande mas, esse Bola na rede não passou... era pra ser em três anos
não chegou nem a seis meses, não teve conclusão, não teve
acompanhamento. Então, no lugar disso, seria uma coisa pra ser com
seriedade. Não está na lei? Tem que ser cumprida. Eu digo que são as
pessoas. Também eu diria que a própria Secretaria de Educação que é
responsável. Olhe, porque quem tem o contato direto com os governantes?
As secretarias responsáveis pela educação. Se for em relação à educação, da
educação, se for da saúde, da saúde. Mas, eles é quem tem o contato direto.
103
Oh, tem isso aqui, tem que ser cumprido. E não se faz acontecer. E nós
também, professores que somos, muitas vezes ficamos alheios a
determinadas situações e somos culpados também.
Pesquisadora: Como você acha que o professor pode ser culpado?
Professora: Pode reivindicar o seu direito. Agora mesmo na quarta feira,
(05/10/2016), teve uma parada, nós reivindicamos e protestamos contra
atitudes que nós não concordamos. Nós poderíamos também incluir nas
nossas reivindicações isso aí. (MARCELINA, 2016).
É perceptível o não reconhecimento da Lei pela professora, suas considerações
explicitam que não havia estabelecido nenhum contato anterior com a referida. Demonstrou,
com suas palavras, desconforto e ao mesmo tempo embaraço em não identificá-la, tendo em
vista que era professora, e a lei foi sancionada para ser implementada na sala de aula. Ao
insistirmos em sabermos, ao que a professora Marcelina atribuía esse desconhecimento,
esperávamos que admitisse que faltaram na sua vivência enquanto docente, a prática da
informação, formação e pesquisa. Para nossa surpresa, inicialmente atribuiu aos meios de
comunicação que não eram muito esclarecedores, em seguida ao governo, que para a docente,
deveria promover formações continuadas sobre a temática. Nesse sentido, concordamos em
parte com a professora Marcelina, pois é papel da instituição mantenedora, a promoção de
formações e atualizações profissionais. Ao mesmo tempo, em que também temos
conhecimento que o fato de promover uma formação, não assegura sua aplicabilidade em sala
de aula, outros aspectos educacionais estão envolvidos, tais como: materiais didáticos,
referências bibliográficas, suporte pedagógico para sua implementação, e por fim e não menos
importante, o desprendimento do docente, a disponibilidade em desenvolver a temática junto
aos seus alunos.
Atrelado a isso, a professora, atribui à secretaria de Educação, o descaso em concluir
formações e projetos implantados nas escolas. Apenas ao finalizar admite de forma “tímida” a
sua responsabilidade em buscar novos conhecimentos, a qual não foi cumprida. No entanto,
direciona sua responsabilidade, assim como a de todos os docentes, a falta de “pressão”
exercida sobre os órgãos mantenedores para que promovam formações. Ou seja, volta a
desviar-se das suas próprias responsabilidades como pesquisadora no exercício da sua
profissão. De acordo com Fernandes (2005, p. 384):
Um dos gargalos do sistema educacional brasileiro reside na qualificação do
corpo docente, sobretudo os que exercem o magistério nas séries iniciais do
ensino fundamental. Esses professores, sua grande maioria de formação
polivalente e sem curso superior, precisam estar habilitados a trabalhar com
essa nova temática curricular. Sugere-se, para tanto, um reforço por parte
104
dos órgãos governamentais ligados à área de promoção da igualdade social,
no sentido de oferecer, em parceria com as instâncias educacionais, cursos
de extensão sobre a história da África e de cultura afro-brasileira, bem como
a publicação de matérias didáticos-pedagógicas que possam dar suporte
técnico a atuação desses docentes no desenvolvimento do processo ensino-
aprendizagem.
Há 15 anos a Lei 10.639/2003 foi promulgada, ainda contamos com 13 anos das
diretrizes, porém, temos uma grande parcela de professores que não tem seu conhecimento.
Podemos nos deleitar com as publicações gratuitas do Ministério da Educação e Cultura
disponíveis 24 horas no site, materiais didáticos, bibliografia, trabalhos acadêmicos sobre a
temática das relações étnico-raciais. Elementos formativos que ao buscarmos, teremos fácil
acesso. “Enquanto educadores comprometidos com estas questões precisamos de grande
poder de convencimento para demonstrar aos alunos, docentes, funcionários das instituições e
público em geral sobre o significado da abordagem dessa temática.” (ROCHA, 2013, p. 174).
E o estudo é o primeiro passo para isso.
Após ser sancionada a Lei 10.639/2003, na busca pela sua implementação de forma
praxiológica, o Conselho Nacional de Educação aprovou a Resolução nº 01, de 17 de marco
de 2004, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (DCNERER,
2004), com o intuito de orientar a aplicabilidade da referida Lei, além de encaminhamentos
propositivos para a elaboração curricular e a prática pedagógica escolarizadas. Santos (2010,
p. 47) conceitua a lei como:
A Lei é um currículo oficial e prescrito, portanto passível de adaptações e
negações, e traz consigo o caráter impositivo das políticas curriculares, que
como já dito antes não são o resultado de um prévio debate junto aos
educadores e a posteriori não primam por um diálogo explicativo e/ou uma
consistente formação continuada acerca daquilo que está sendo proposto.
O documento tem como objetivo aproximar-se de forma contundente das entidades
responsáveis pela manutenção educacional, instrumentalizando os agentes educativos no que
concerne à aplicabilidade da Lei de forma concreta e significativa. As “Diretrizes” tratam
enfaticamente do combate ao racismo e ao preconceito, difundidos ao mesmo tempo
silenciados nas escolas. Configura-se como elo entre as instituições de ensino e professores na
relação dialógica, “busca a inserir novos conteúdos, visando à correção histórica de um
105
currículo oficial que manteve silêncio sobre a cultura e as raízes ancestrais de parte
considerável da população brasileira” (SANTOS, 2010, p. 42).
O documento conjuga a educação como via pela qual é possível reescrever a história
do afro-brasileiro na sociedade, pois é através dela que novos pensamentos e conceitos serão
(re) construídos. Retomar a história com bases igualitárias para o estudo da história e cultura
afro-brasileira e africana pelas lentes da valorização e reconhecimento, é uma das
possibilidades de extinguir preconceitos e discriminações que protagonizam diariamente.
Nesse sentido, é papel do Estado promover políticas públicas que permitam o
reconhecimento e reparações dos danos causados à população afro-brasileira perante séculos
de exclusão e discriminação. Com esse objetivo, em 21 de março de 2003, o Governo criou
pela Lei n. 10.678/03, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR), referência no combate à difusão das expressões de preconceito e discriminação,
buscando a proposição de um ambiente social propagador das situações igualitárias e justas.
Já em julho de 2004, o Ministério da Educação cria a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD), assim nomeada na época, hoje, SEDABI, com o
objetivo de desenvolver e implementar políticas de ações inclusivas, assegurando o respeito e
valorização à diversidade diante dos contextos no qual se expressa.
O documento apresenta em sua proposta ações afirmativas no âmbito educacional
subsidiadas pela tríade: reconhecimento, valorização e reparação da cultura, história e
identidade do povo afro-brasileiro. Configura-se como orientador curricular educacional no
que competem às relações étnico-raciais, primando pelos referenciais histórico-sociais
brasileiro na reconstrução de pensamentos, atitudes e valores para formação do sujeito que se
reconhece diverso e orgulhoso em assumir suas origens étnico-raciais. Nesse aspecto,
corroboramos com o Pereira e Cordeiro (2014, p. 13) quando afirmam que:
Para se combater o racismo se faz necessário ressignificar os conteúdos das
diversas áreas do conhecimento, incluindo a matriz africana na constituição
do currículo, pois, por meio da educação, os sujeitos passam a reconhecer
sua identidade e reivindicar sua posição socioeconômica, política e cultural
negada durante esses longos anos de história brasileira.
As políticas de reparação devem oferecer ao aluno afro-brasileiro, possibilidades que
resultem na sua permanência e sucesso no ambiente escolar, o acesso à formação intelectual,
concluindo cada etapa de ensino com êxito sob condição de igualdade nas conquistas, e
direitos em todas as áreas permitindo seu crescimento enquanto ser humano e profissional.
106
Precisam promover sua representatividade através da valorização cultural, histórica e modos
de vida. Garantindo, assim, o sucesso educacional, profissional e social.
Ao abordar o reconhecimento à cultura de matrizes africanas, delegam-se diversas
maneiras de reconhecimento, ao mesmo tempo em que originam mudanças de atitudes,
pensamentos, concepções e formas de ver o outro, mais especificamente o afro-brasileiro.
De acordo com Silva (2007, p. 490):
O processo de educar as relações entre pessoas de diferentes grupos étnico-
raciais tem início com mudanças no modo de se dirigirem umas às outras, a
fim de que desde logo se rompam com sentimentos de inferioridade e
superioridade, se desconsiderem julgamentos fundamentados em
preconceitos, deixem de se aceitar posições hierárquicas forjadas em
desigualdades raciais e sociais.
Devemos além de reconhecer a história da cultura afro-brasileira, aplicar esse
reconhecer no cotidiano de forma natural, e globalizada. Reconhecer o direito à igualdade
social, cultural, econômica, política e histórica. Reconhecer os valores históricos culturais
imbricados nas lutas pela permanência e em defesa da sobrevivência das suas raízes culturais,
na construção histórica da sociedade brasileira.
O reconhecimento perpassa pela valorização das características físicas. Significa o
aluno não ser rejeitado pela religião que professa, pela cor da sua pele, pelo seu cabelo, enfim:
Reconhecimento implica justiça, e igualdade de direitos sociais, civis,
culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que
distingue os negros dos outros grupos que compõem a população brasileira.
E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas,
modo de tratar as pessoas negras. Requer também que se conheça a sua
história e cultura apresentadas, buscando-se especificamente descontruir o
mito da democracia racial na sociedade brasileira: mito este que difunde a
crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não
negros, é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as
desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos
para os negros. (BRASIL, 2004, p.11-12).
O documento deixa clara a condição autônoma das instituições de ensino na sua
elaboração curricular no fazer do cumprimento à lei. Para tanto, apresenta propostas de
conteúdos que podem ser absorvidas pelo currículo escolar, adaptando-as às particularidades
de cada instituição, sem deixar os aspectos fundantes que, baseados na garantia de direitos de
107
aprendizagem de forma igualitária a todos, forma cidadão atuantes, promotores de mudanças
a partir das relações sociais que estabelecem.
Para tanto, propõe ações a partir das bases curriculares educacionais que tomam como
princípios norteadores: a conscientização política e histórica da diversidade; o
reconhecimento e valorização identitária e o combate ao racismo e discriminações. Para o
alcance dos princípios elencados, o documento revela determinações que devem guiar o
processo de construção curricular da instituição educacional, pontuando os aspectos que
podem ser abordados em cada instância.
Apesar das DCNERER (BRASIL, 2004), direcionarem com maestria a aplicabilidade
da lei 10.639/2003 esta, não aconteceu de forma imediata em alguns estados, em especial no
Rio Grande do Norte, pois houve obstáculos a ser superados, tais como: fragilidade na
formação de professores no que se refere à temática; além da participação efetiva das
secretarias estaduais e municipais de educação juntos às escolas. No intuito de nos
informarmos sobre o processo adotado pela Escola Estadual Potiguassu para a inclusão das
determinações das DCNERER (2014) no currículo escolar, fizemos o seguinte
questionamento à professora:
Pesquisadora: Após a Lei tivemos as Diretrizes Curriculares Nacionais, que
implementam a Lei 10.639/2003. Você teve conhecimento dessas
Diretrizes?
Professora: Não participei de nenhum curso que me trouxesse. Porque as
Diretrizes a gente trabalha mais quando estamos fazendo um curso de pós-
graduação, de graduação, né? Trabalhamos mais as diretrizes, aí. E outros
cursos que eu fiz as diretrizes ultimamente eu não tenho estudado ela não,
viu, sinceramente. (MARCELINA, 2016).
Diante da colocação da professora, identificamos nitidamente seu desconhecimento do
significado de “diretrizes”, fato que colaborou para que também sua resposta não
correspondesse ao esperado acerca do que entenderia sobre as DCNERER (2004). De acordo
com Pereira e Cordeiro (2014, p.14):
Muito embora, processos de formação continuada foram e continuam
desencadeados para atender aos profissionais em serviço, porém poucos se
interessam pelos programas de extensão, cursos de especialização ofertados
pelas universidades com o intuito de preencher essa lacuna da formação
inicial e contemplar princípios contidos nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
108
Para alcançar o reconhecimento é preciso que se promova a ressignificação
educacional, representado pela prática pedagógica, no trato com a valorização étnico-racial,
no combate às desigualdades tão presentes ainda no âmbito escolar. Exige dos
estabelecimentos educacionais posturas condizentes com uma educação voltada para a
igualdade ao mesmo tempo em que esteja preparado a coibir expressões excludentes e
discriminatórias no ambiente escolar.
Logo, para a superação dos preconceitos, das discriminações, do
reconhecimento da identidade e até mesmo da formação autônoma e
reflexiva de educador e educadora é preciso conhecer e compreender as
matrizes históricas afro-brasileiras e africanas contribuintes de uma
diversidade social e racial da sociedade brasileira nos seus aspectos
socioeconômicos e culturais. (PEREIRA E CORDEIRO, 2014, p. 15).
Nesse aspecto, reconhecer é sustentado pela tríade: ambiente escolar, formação
docente e prática pedagógica. Pois a escola deve criar condições para que os estudantes afro-
brasileiros sintam-se contemplados em sua totalidade educacional, livres de qualquer atitude
de preconceito e discriminação. Que os docentes nas suas práticas pedagógicas, revelem ações
de respeito à diversidade e assim possa colaborar com a formação do sujeito na construção de
posturas e atitudes que revelem a rejeição ao preconceito e discriminação. Porém
corroboramos com Silva e Souza ( 2008, p.171) ao relatar que:
Tem-se, ainda hoje, uma sociedade extremamente preconceituosa e
discriminadora, que encontra na escola um dos maiores disseminadores
dessas atitudes, sendo as populações negras e indígenas as mais atingidas e
grandemente prejudicadas nesse processo, amplamente respaldado por
currículos e projetos pedagógicos que mascaram situações que fazem parte
integrante do dia-a-dia da sociedade e, por conseguinte, da escola.
O sucesso das políticas públicas promovidas pelo Estado só será possível diante da
valorização de cada segmento que compõem a educação, alunos e professores, além da
participação efetiva dos movimentos sociais, Estado e processos educativos escolares, na
promoção da (re) construção do pensamento na educação para a diversidade étnico-racial.
Segundo as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no
ano de 2010 o Brasil apresentou 191 milhões de habitantes, dentre estes, 15 milhões (7,6 %)
declaram-se pretos e 82 milhões (43,1%) declaram-se pardos, totalizando 97 milhões (50,7%)
de habitantes que não se declararam brancos, superando os índices dos nos 2000.
109
53,7
6,2
38,5
4,5
47,7
7,6
43,1
2,8
0
10
20
30
40
50
60
brancos pretos pardos Categoria 4
Distribuição da população residente, segundo a cor ou raça
Brasil 2000/2010
%
2000 2010
Fonte: IBGE, Censo demográfico 2000/2010.
De acordo com o IBGE (2010) aproximadamente 45% da população brasileira é
negra, no entanto, esse fato não impede a desvalorização da população afro-brasileira em
detrimento da supervalorização da cultura “branca”, desqualificando e ignorando as
características das outras culturas brasileiras. Nesse aspecto, Silva e Souza (2008, p.171)
revela que:
O predomínio de uma cultura europocêntrica, branca e urbanizada,
transplantada com a colonização ibérica por mais de três séculos, fez com
que as outras manifestações ficassem marginalizadas. Ao longo da história,
o Brasil passou por várias ondas de nacionalismo exacerbado que criaram
determinados mitos, tais como o da “democracia racial”, e essas falsas
verdades também se fizeram repercutir na educação.
O povo de origem afro – brasileira tem convivido com a negação dos seus princípios e
legados históricos, para que sejam aceitos pela sociedade pautada no eurocentrismo. Negando
a si mesmo, suas características, enfim, as tradições do seu povo.
Com base no exposto, um dos pontos abordados e essenciais nas DNCERER, (2004), é
o trabalho com a identidade cultural, nesse aspecto:
Entre os negros poderão oferecer conhecimento e segurança para
orgulharem-se de sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que
identifiquem influências, a contribuição, a participação e a importância
história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar
com as pessoas, notadamente as negras. (BRASIL, 2004, p. 16).
110
Diante de uma sociedade que sustenta o mito da democracia racial, os objetivos em
desenvolver o estudo sobre a história e cultura africana e afro-brasileira não se limita ao povo
afro-brasileiro, para o alcance do fortalecimento e conhecimento da sua cultura, a construção
desse conhecimento conduz por caminhos que possam fortalecer-se e orgulharem-se de suas
raízes. O direcionamento que deve ser tomado na formação do sujeito independentemente da
sua etnia, remete ao principal legado da educação para as relações étnico-raciais, educar para
a diversidade, ou seja, primar pela igualdade racial, sendo o objetivo mudar o centro do
etnocentrismo para multiculturalismo. Nesse aspecto, nos sustentam as ideias de Azevedo
(2010b, p. 156) quando afirma que:
Essa perspectiva multicultural viabiliza uma tomada de consciência da
contemporaneidade cultural de grupos como os afro-brasileiros, na medida
em que conteúdos e saberes próprios e relativos à pluralidade cultural
brasileira terão lugar nas atividades escolares. É impossível para o indivíduo
compreender seu tempo, se ignora todo o seu passado. Assim, para ser uma
pessoa contemporânea, além de conhecer o presente, é necessário também
ter consciência das suas heranças.
Partimos do principio de que a formação educacional é historicamente pautada no
eurocentrismo logo, os referenciais formativos orientadores da formação social, é
eurocêntrica. Seguindo esse pensamento, pessoas afrodescendentes, tem acesso a formação
pelas lentes da cultura dominante, portanto, desconhecem a essência das suas raízes histórias,
contribuições, organização social.
Nesse aspecto as Diretrizes propõem princípios organizados por temas, que devem
orientar a abordagem da temática pelas instituições escolares e docentes. Inicialmente são
apresentadas diretrizes no âmbito da consciência política e histórica da sociedade, que revela
como fio condutor o reconhecimento da diversidade étnico-racial na formação social,
primando pela igualdade de valorização entre elas.
Nesse sentido o documento aponta várias determinações para o ensino da história e
cultura afro-brasileira e africana, inclusive nas sugestões de conteúdos que são apresentados
explicitamente e devem ser contemplados na elaboração curricular da escola de acordo com a
realidade de cada público escolar, sendo inseridos nas disciplinas: Educação Artística,
Literatura e História do Brasil, não deixando de abarcar a interdisciplinaridade no currículo.
A abordagem da história da África deve primar pelas vias da positividade,
contrapondo-se ao anteriormente postulado nos currículos escolares do ensino de História, em
111
que eram abordados apenas os aspectos relativos à escravidão. Integram-se ao currículo as
histórias de ancestralidade e religiosidade africana.
Por fim, o documento apresenta os esforços que devem ser depreendidos pelos
profissionais da educação e entidades mantenedoras na busca pela implementação das
Diretrizes, sendo de responsabilidade das instituições governamentais orientar, promover, e
supervisionar sua aplicabilidade, inclusive no tocante a formação do professor.
Com base na Lei 10.639/2003, é publicado o documento Orientações e Ações para a
Educação das Relações Étnico-raciais (OAERER), resultante dos estudos realizados por
diversos profissionais da educação organizados em grupos de trabalhos constituídos em
Salvador-BA, Florianópolis-SC e Brasília-DF.
O documento por hora analisado defende a educação escolarizada como instrumento
significativo dessas mudanças. O papel da escola é promover a igualdade racial, intelectual e
emocional. Porém ainda em desenvolvimento a passos lentos na promoção da igualdade, não
raro depararmos com situações de preconceitos e discriminações preconizadas no ambiente
escolar e seus atores, consciente ou inconscientemente, na maioria das vezes ignoradas.
O silêncio da escola sobre as dinâmicas das relações raciais tem permitido
que seja transmitida aos(as) alunos(as) pretensa superioridade branca, sem
que haja questionamento desse problema por parte dos profissionais da
educação e envolvendo o cotidiano escolar em práticas prejudiciais ao grupo
negro. (BRASIL, 2006, p. 21).
Como negação à situação, é necessária a promoção de uma educação voltada para o
respeito à diversidade, o reconhecimento e valorização das diferenças. Elementos que já se
encontram elencados nos documentos anteriores desde os PCN/1996. Porém, não basta a
elaboração de políticas públicas, se estas não atingirem seu foco principal: a escola. É preciso
sua implementação para o início da transformação pela educação.
As Orientações curriculares apresentam propostas didático-pedagógicas em relação à
temática educação para as relações étnico-raciais por nível de escolaridade, sendo estes:
Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos,
Licenciaturas e Educação Quilombola. Focalizaremos nossas observações no que concerne ao
Ensino Fundamental, segmento de análise da pesquisa.
O objetivo maior do documento é promover ações que subsidiem o trabalho dos
agentes da educação na construção de uma prática pedagógica anti-racista e igualitária.
Inicialmente faz-necessário definir a concepção de escola e educação para que haja efetivação
112
significativa de um ambiente pautado na valorização reconhecimento da diversidade, ao
mesmo tempo em que busca interligar o que está exposto na escrita à ação efetiva. A
concepção de educação perpassa pela formação cidadã através do respeito à diversidade e
“peculiaridades da população brasileira em questão, que respeite e observe o repertório
cultural da população negra e o relacione com práticas educativas inclusivas existentes.”
(BRASIL, 2006, p.54).
Nesse aspecto, a escola deve configurar-se como um ambiente prazeroso e acolhedor,
promotor de interações. Tal configuração só é possível, frente um currículo escolar que
defenda como objetivo a formação do sujeito cidadão atuante na sociedade, conhecedor dos
seus direitos e deveres. Embasados pela participação efetiva do professor diante da
estruturação curricular, que seleciona e organiza temas que desenvolvam tais aspectos,
mediados pela prática pedagógica.
O processo teórico-metodológico no plano do combate ao racismo é conduzido pelas
vias da valorização e reconhecimento das matrizes africanas. Na busca da equidade da cultura
afro-brasileira faz-se necessária a reconstituição histórica da cultura africana, através das
lentes das contribuições e aspectos positivos. Caso contrário, as marcas pejorativas delegadas
aos afro-brasileiros tendem a se reproduzir e perpetuar como únicas representações da cultura
africana, “A sociedade democrática brasileira ainda tende de forma bastante sistemática a
colocar/situar negros e negras num lugar desigual ante os demais grupos étnico-raciais e
construtores da nossa brasilidade.” (BRASIL, 2006, p. 58).
Ao definir os aspectos educacionais que conduzirão o processo de ensino
aprendizagem, deve-se prioritariamente perceber o discente, suas características, o que pensa,
suas concepções de mundo, enfim, defini-lo como um sujeito único com pensamentos e
formas de ser e estar no mundo singulares. São seres humanos que precisam ser vistos e
respeitados pela instituição escolar.
Esta postura poderá significar avanços consideráveis no aprimoramento da
prática pedagógica diária, integrar saberes, incluir a dimensão da diversidade
étnico-cultural criticamente no cotidiano escolar, dentre outras ações, pode
criar possibilidades onde felicidades individuais e coletivas sejam
construídos. (BRASIL, 2006, p. 62).
O que se espera, no entanto, é uma revisão educacional, pautada no respeito à
diversidade e ao reconhecimento e valorização da cultura afro-brasileira de forma igualitária.
Nesse processo, o professor desempenha a função de promotor e mediador das
113
ressignificações das concepções do senso comum, elaboradas pelos alunos. Porém, a primeira
ressignificação deve ser protagonizada pelos docentes, pois diante das suas concepções, e
referencias educacionais é que se define o processo de continuidade ou de renovação. De
acordo com o documento OAERER(2006):
Se o educador se constituir como produtor consciente de conhecimento,
pesquisador de sua própria prática, sua própria ação educativa de saberes a
este respeito, isto pode se tornar altamente transformador. E é de suma
importância que o professor se veja como produtor de história, de
conhecimento de ações que podem transformar vida, ou seja, que é
potencialmente um indivíduo transformador, criativo. (BRASIL, 2006, p.
64).
Percebemos que as ações docentes são determinantes no processo de
implementação do novo paradigma educacional, pautado na diversidade étnico-racial.
Entendemos que a formação docente é pungente e urgente para sua efetivação para que novos
conceitos devam ser formulados e explicitados. Tem-se o currículo como orientador das ações
elaborado com base na realidade sociocultural da localidade em que será aplicado, assim
como deve representar a todos a quem se dirige, sem distinção. Para tanto, devemos superar o
ensino eurocêntrico e sustentar nas bases pluriétnicas na valorização e da diversidade em
repúdio ao preconceito e discriminação. Porém, para sua real efetivação, a prática docente
deve corresponder de forma integrada aos objetivos elencados pelo currículo ou se
transformariam em ações descontextualizadas.
Nessa perspectiva as OAERER, (BRASIL, 2006) apresentam pontos reflexivos que
devem ser contemplados para o trato pedagógico promotor da diversidade racial. E, ao final,
atividades práticas de acordo com cada segmento. O ensino Fundamental, as sugestões são
flexíveis e adaptam-se aos anos iniciais e finais. Os temas são: influência africana na língua
portuguesa; música, literatura e diversidade étnico-racial; trajetórias do povo negro no espaço;
arte e matemática; histórico da comunidade; arte e cultura negras. Além de indicações de
vídeos, filmes, musicas, jogos e obras de arte e história.
No segundo momento, o PNIDCNER (BRASIL, 2009) aponta as atribuições e
responsabilidade dos sistemas de ensino federal, estadual e municipal na implementação das
determinações das Leis 10.639/03 e 11.645/08.
É atribuição do Sistema de Ensino da Educação Brasileira: incorporar os conteúdos
previstos nas DCNERER (BRASIL, 2004) em todas as etapas e níveis da educação assim
como na revisão do Plano Nacional de Educação atual e conseguintes; fomentar a formação
114
inicial e continuada dos profissionais de educação e a produção de materiais didáticos e
paradidáticos que atendam ao disposto na DCNERER(BRASIL, 2004), realizar avaliação
diagnóstica acerca da aplicabilidade das Leis 10.639/03 e 11.645/08 na Educação Básica;
incentivar pesquisas no âmbito da temática.
O Governo Federal é responsável pela articulação com os sistemas de educação a
partir do PNE , auxílio financeiro e assistência técnica aos estados na implementação das Leis
10.639/03 e 11.645/08, em estabelecer em colaboração com os estados e municípios as
competências que nortearão a elaboração curricular na Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Ensino Médio. Além de normatizar os cursos de graduação e pós–graduação.
Este Plano deve ser compreendido como uma proposta estruturante para a
implementação da temática, do ponto de vista do sistema federal, na
sensibilização e informação dos ajustes e procedimentos necessários por
parte das instituições de ensino superior públicas e particulares devidamente
autorizadas pelo Ministério da Educação ou, quando for o caso pelo
Conselho Nacional de Educação” (BRASIL, 2009, p. 33).
Aos governos estaduais e municipais em consonância com as atribuições do governo
Federal, compete apoiar as escolas na implementação das Leis 10.639/03 e 11.645/08;
orientar as equipes das Secretarias de Educação acerca da implementação das referidas Leis;
promover formação continuada docente com a participação de órgãos que dominem a
temática; distribuir aos materiais didáticos e paradidáticos com vistas a valorização étnico-
racial; realizar monitoramentos nas escolas sobre a implementação das Leis 10.639/03 e
11.645/08; constituir na secretaria equipe técnica que oriente assuntos relacionados a
diversidade étnico-racial; participar de Fóruns de Educação e diversidade étnico-raciais;
Com base nas orientações dos sistemas governamentais federal, estadual e municipal,
as escolas elaboram seu Projeto Político Pedagógico com a participação da comunidade
escolar, elaborando o currículo com vistas à implantação ao que diz as Leis 10.639/03 e
11.645/08; estimular a formação continuada e estudos acerca da educação das relações étnico-
raciais e história e cultura africana e afro-brasileira; solicitar aos órgãos mantenedores da
instituição materiais didáticos e paradidáticos para o ensino da temática; identificar e coibir
através de medidas socioeducativas ações de racismo e preconceitos no ambiente escolar.
As orientações respondem às necessidades de implementação das relações étnico-
raciais no currículo escolar, porém, tais proposições esbarram no muro das oportunidades e
115
das ações concretas. A construção curricular da escola deve responder a um modelo de sujeito
construído de acordo com as mudanças e necessidades socioculturais, políticas e econômicas,
elementos nem sempre seguidos pelas concepções dos educadores. Partimos do princípio de
que para haver um novo enfoque educacional voltado para o reconhecimento e valorização da
diversidade, com destaque para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, com
abordagem positiva, a qual é definida pela Lei 10.639/03 e as DCNERER(2004), é necessária
a reestruturação do pensamento e da prática pedagógica. Tais mudanças terão sua efetivação
diante de ações que promovam de forma concreta, diante do acompanhamento didático-
pedagógico intencional. Não raro, percebemos Projetos Político Pedagógicos estruturalmente
bem elaborados, mas, que de fato não orientam as ações pedagógicas, ocupam apenas o
espaço de resposta a uma obrigatoriedade.
Sobre as atribuições do Ensino Fundamental, segundo o documento:
No Ensino Fundamental, o ato de educar implica uma estreita relação entre
as crianças, adolescentes e os adultos. Esta relação esta pautada em
tratamentos igualitários, considerando a singularidade de cada sujeito em
suas dimensões culturais, familiares e sociais. Nesse sentido, a educação das
relações étnico-raciais deve ser um dos elementos estruturantes do projeto
político pedagógico das escolas. (BRASIL, 2009, p. 41-42).
O Ensino Fundamental deve promover suas ações em consonância com as
proposições elencadas pela instituição mantenedora, tendo como ponto de referência o Plano
Municipal de Educação. É responsabilidade desse órgão, assegurar a formação inicial e
continuada do docente para a incorporação dos conceitos, concepções e conteúdos do ensino
de história e cultura afro-brasileira e africana; promover participação democrática de todos da
comunidade escolar na elaboração do PPP, inclusive dos pais dos alunos, na discussão sobre a
temática étnico-racial; abordar a temática como conteúdo interdisciplinar e multidisciplinar
em todo o ano letivo;
As proposições elencadas por todos os documentos analisados neste capítulo
representaram o começo de uma longa trajetória de desconstrução e reconstrução dos
pensamentos deturpados da cultura afro-brasileira e africana, há muito instaurada na
sociedade brasileira. As ações aqui discutidas terão legitimidade no momento em que forem
verdadeiramente absorvidas e apropriadas pelas instituições e seus multiplicadores
educacionais.
116
O ambiente escolar é um dos vários contextos interacionistas do sujeito. Sua relação
vai além de comunidade educacional. Isso nos leva a inferir que as políticas públicas de
afirmação direcionadas às instituições escolares devem abranger a todos que as fazem. Estes
devem ser diretamente atingidos pelas proposições do combate ao racismo e ao preconceito.
Partimos do princípio apontado na Constituição, de que a educação é dever do Estado, da
Família e da escola. O Estado está se organizando para mudança de paradigma educacional
pautada na valorização, respeito e reconhecimento da diversidade, a escola segue os principio
que estão elencados pelas instituições governamentais, e a família? O trabalho de
conscientização para as relações étnico-raciais e destruição do mito da igualdade racial, deve
ser estendido à família do aluno, dessa forma estaremos promovendo uma educação para a
formação plena do sujeito.
117
3. MUKUA:
O FRUTO DA RESISTÊNCIA AFRO-BRASILEIRA
118
3. MUKUA: O FRUTO DA ÁRVORE DA VIDA
O título deste capítulo estabelece uma relação de similaridade com o Mukua, fruto
originado do Baobá. Este, na sua composição, oferece valor nutricional rico e completo, todos
os elementos que o compõe são aproveitados para alimentação. As características aqui
elencadas nos reportam a pensar na aplicabilidade da Lei 10.639/2003 como o fruto da
resistência afro-brasileira, em que todos os seus aspectos são destinados à alimentação dos
valores humanos e práticas de convivência em sociedade que devem ser sustentadas pelo
respeito e valorização da história e cultura afro-brasileira e africana.
Outro aspecto importante na utilização do mukua está na medicina, mais precisamente
para a cura de diversas doenças, principalmente as que apresentam dores e marcas no corpo
como sintomas. Diante do exposto, percebemos as dores e as marcas provocadas pela “doença
social”, há séculos viralizadas pela sociedade eurocêntrica sobre povos de matrizes africanas,
como sintomas do racismo, preconceito, desigualdade e discriminação social. Como
“profilaxia e combate aos sintomas”, apontamos a escola, vista por esse estudo como
provedora da “cura dessa doença social”. Através da sua manipulação com a educação para as
relações étnico-raciais, pode promover o combate e a transmissão desta “doença
degenerativa”, se conduzida por práticas pedagógicas que revelem a educação pelas vias da
multietnicidade.
Nesse capítulo, buscamos uma reflexão no que concerne à função da escola na
educação para as relações étnico-raciais e como esta relação acontece na Escola Estadual
Potiguassu. Vislumbramos a Escola como espaço de construção da cidadania, de valores,
conceitos, onde o sujeito é formado respeitando as individualidades dentro de um contexto
pluriétnico, fatores que analisamos através das triangulações dos dados construídos através
das técnicas de investigação promovidas pela pesquisa etnográfica.
3.1 O CULTIVO DA SABEDORIA MILENAR: A ESCOLA ESTADUAL POTIGUASSU E
AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
A escola desempenha um papel fundamental no processo de formação do ser humano
plural e diverso, através dela é possível desenvolver ações que resultem no respeito à
diversidade, resgatando valores essenciais para a vida em sociedade. Tem como desafio
119
apresentar-se como ambiente favorável ao reconhecimento e valorização das múltiplas etnias,
representar e refletir seus aspectos ideológicos, sociais e culturais.
Nesse aspecto deve propiciar a interação entre os diferentes sujeitos de diferentes
etnias para que, dessa forma, possam refletir sobre suas origens e processo histórico social.
Além de configura-se como ambiente responsável pela formação identitária dos indivíduos
conscientes de suas potencialidades. Nesse contexto, Gadotti (2011, p. 2) afirma que:
A diversidade cultural é a riqueza da humanidade. Para cumprir sua tarefa
humanista, a escola precisa mostrar aos alunos que existem outras culturas
além da sua. (...) para isso, é preciso trabalhar com as diferenças, isto é, é
preciso conhecê-las, mas não camuflá-las, é aceitar que para me conhecer
preciso conhecer o outro.
Esperamos da instituição de ensino compromisso com todos que fazem a comunidade
escolar, desde a formação dos professores à formação dos cidadãos para atuarem em uma
sociedade multicultural que reconhece e respeita suas bases étnico-raciais, que percebe o
indivíduo em formação como integrante e sujeito transformador, detentor de concepções de
mundo próprias e particulares, construída com base nas relações diversas que estabelece com
o outro.
A revisão dos currículos, a construção de uma relação ética e respeitosa entre
professores/as e aluno/as, o entendimento do/a aluno/a como sujeito
sociocultural e não somente como sujeito cognitivo, a compreensão de que
os sujeitos presentes na escola vêm de diferentes contextos socioculturais e
possuem distintas visões de mundo são princípios de uma educação cidadã.
O reconhecimento de que esses cidadãos são homens e mulheres que
pertencem a uma nação cuja composição é diversa e a consideração de que
tal pertinência imprime marcas na construção da sua identidade racial são
princípios de uma educação cidadã que considera e inclui a questão racial.
(GOMES, 2001, p. 90).
Nesse sentido a escola se configura como espaço de construção da cidadania, de
valores, conceitos, enfim, onde o sujeito é formado respeitando suas individualidades dentro
de um contexto social. “Uma sociedade multicultural deve educar o ser humano
multicultural, capaz de ouvir, de prestar atenção ao diferente, respeitá-lo.” (GADOTTI, 2011,
p. 41).
No entanto, alguns espaços escolares apresentam-se como promotores de ações
discriminatórias e de inferiorização dos alunos de origem afro-brasileira. Em decorrência
desses fatores, presenciamos altos índices de evasão escolar e repetência. A escola,
120
surpreendentemente, desempenha um papel fundamental nesse processo, apesar das formas de
racismos, discriminações e preconceitos não terem sua origem nos estabelecimentos de
ensino, os conceitos e preconceitos construídos nas relações sociais fora da escola têm suas
manifestações nesse ambiente. Segundo Fernandes (2005, p. 381),
Pesquisas já realizadas pela Fundação Carlos Chagas (1987) têm
demonstrado o quanto nossa escola ainda não aprendeu a conviver com as
diversidade cultural e a lidar com crianças e adolescentes dos setores
subalternos da sociedade. Os dados revelam que a criança negra apresenta
índices de evasão e repetência maiores do que os apresentados pelas brancas.
A razão disso tudo, segundo a pesquisa, era devido aos seguintes fatores:
conteúdo eurocêntrico do currículo escolar e dos livros didáticos e
programas educativos, aliados ao comportamento diferenciado do corpo
docente das escolas de criança negra e brancas.
Nesse sentido, ao nos referirmos à Escola Estadual Potiguassu (EEP), tomamos como
referência o PPP, que assim como posto na citação acima, declara como um dos objetivos
educacionais a redução da evasão e repetência. Para tanto, a escola deve avaliar as condições
pedagógicas, políticas e psicopedagógicas que disponibiliza aos seus alunos na promoção de
uma educação para a diversidade étnico-racial, em que todos os alunos sintam-se
representados e valorizados.
Aspectos do cotidiano escolar como currículo, material didático e relações
interpessoais são hostis e limitadores de aprendizagem para os(as) alunos(as)
negros(as). Nesses espaços, as ocorrências de tratamentos diferenciados
podem conduzir, direta ou indiretamente, à exclusão deles(as) da escola, ou
ainda, para os(as) que lá permanecem, à construção de um sentimento de
inadequadação ao sistema escolar e inferioridade racial.(CAVALLEIRO,
2005, p. 69).
Em relação ao ambiente escolar da EEP, alguns aspectos chamam a nossa atenção e
merecem registro, uma vez que nos suscita reflexões sobre a presença e o respeito à
pluralidade étnico-racial.
121
Ao observarmos a ornamentação da Escola, percebemos que entre todas as imagens que
representam os alunos, não encontramos representação aos alunos de descendência afro-brasileira.
Destacamos as imagens utilizadas para ornamentação de um evento bimestral, intitulado “Aluno
nota 10”, este, aguardado ansiosamente, pois será premiado o aluno de maior destaque no bimestre
vigente que será sendo laureado diante da escola com o recebimento de um certificado, um brinde e
sua foto no mural da escola. O painel representativo desse momento apresenta duas crianças, um
menino e uma menina de peles brancas. Tendo em vista que a maioria dos alunos apresentam
características físicas afrodescendentes. (Diário de campo, 09/12/2016 )
Diante do exposto, entendemos que os alunos já não se veem contemplados e ao
mesmo tempo podem sentir-se desacreditados nas suas potencialidades cognitivas. Pois ao
fazermos referência ao Projeto “Aluno nota 10” e as figuras que o representa, nos permitimos
considerar que nesses momentos os alunos que não se enquadram nas categorias
simbolizadas, não poderão usufruir das mesmas oportunidades. Percebemos que a
ornamentação não é intencional, provocativa no sentido de revelar exclusões, no entanto, essa
imagem permite tal interpretação. De acordo com Pereira e Cordeiro (2014, p. 11):
Para tanto, refletir e debater diversidade étnico-racial no bojo do currículo
escolar é, de alguma forma, possibilitar a ressignificação da identidade, da
autoimagem e autoestima, do prestígio social e histórico dos estudantes
negros (pretos e pardos). É papel da escola por meio do currículo contribuir
para essa tarefa.
Essas representações, aos olhos da equipe escolar e do educador, podem não
representar aspectos determinantes para o desenvolvimento do aluno, porém o que não
percebem é que tais atitudes corroboram para que fique subentendido que apenas as crianças
brancas, podem alcançar o sucesso. Apesar das premissas educacionais da Escola, buscarem a
implementação de aspectos multiculturais, ou seja, respeitar e valorizar a diversidade cultural,
continua nas amarras da reprodução de uma educação monocultural. De acordo com Silva
(2007, p. 48) “Considerar a cultura de origem dos alunos/as consiste em acreditar na
capacidade do/a aluno/a, favorecer seu desempenho escolar a através da valorização da sua
cultura e estabelecer o diálogo com a cultura considerada erudita, transmitida pela escola.”
Para que de fato seja efetivada ações que levem em consideração a diversidade cultural dos
alunos, é imprescindível um currículo escolar igualmente diverso, multicultural. E ao mesmo
tempo, é imprescindível que sua efetivação seja reconhecida através das práticas pedagógicas.
Como destaca Gomes (2001, p. 90):
122
Sem dúvida, a existência de princípios democráticos e igualitários na lei
representa um avanço social e político e estes devem ser reconhecidos por
todos/as os/as educadores/as. Mas, a existência do texto legal só se
transformará em direito para toda comunidade escolar à medida que a escola
construir, no seu interior, práticas concretas e inclusivas que não
discriminem nem excluam nenhum grupo social, étnico ou religioso,
principalmente os que já trazem consigo um histórico de exclusão e
discriminação como o povo negro. (GOMES, 2001, p. 90).
A mola propulsora para a abordagem efetiva da educação para as relações étnico-
raciais nas escolas está na concepção de educação da qual se apropria. Esta apropriação é
refletida nas orientações curriculares adotadas e reveladas no PPP. Como já postulado no
capítulo anterior, a proposta deve representar e responder ao contexto social, cultural e
histórico na qual será desenvolvida. Para compreender o universo do aluno, é necessário
compreender o universo ao qual pertence, ou seja, as tradições, costumes, relações pessoais
valores, crenças as quais tem seu desenvolvimento sustentado, sendo estes diferentes entre os
indivíduos e que podem, não corresponder com os defendidos pela escola.
Diante disso, pedimos a Professora da Escola que nos esclarecesse o que a Escola
pensa diante da formação do sujeito:
Pesquisadora: Que tipo de sujeito você acha que a escola deveria formar?
Professora: Em primeiro lugar fazer com que eles tenham, uma expectativa
que podem conseguir, batalhando, estudando para valer, não desistindo, não
se deixando levar pelo grupo social onde eles vivem. Não tô querendo dizer
em família porque nem todas as famílias tem a violência, nem todos estão
envolvidos com a violência. Mas, eles terem, um objetivo, uma meta,
traçada. Eu sempre os oriento a traçarem metas, eu quero, eu posso. E, vai
ser difícil? Vai. Mas, eles vão chegar lá. Porque outro dia, não sei se você já
estava aqui, que teve um aluno, que ele. Eu estava nessa, olha tudo que nós
queremos, se traçarmos uma meta, e batalharmos por aquilo, nós vamos
conseguir. E eu tenho o início disso aí, pra vocês é o estudo. Que agora
parece até não significar nada, mas, futuramente você vai alcançar seus
objetivos. Então,o menino falou assim: eu quero um iate. E eu falei pra ele,
você pode, você não deixe de estudar. Você vai ter que estudar muito, mas,
vai. Porque um iate num vai sair barato, então, você vai ter que estudar o
máximo que você puder, não desista! Você quer isso? Trace a meta e estude
que você vai conseguir um emprego com um salário que é justo, vai dar para
você atingir essa meta. Talvez assim, eu não quis dizer assim, eu não quis
dizer: não, não vai conseguir. A gente sabe que um iate, também é uma coisa
muito... e não é tão necessário, mas, um barco bom, ele vai conseguir. [risos]
(MARCELINA, 2016).
123
A partir da fala da professora Marcelina, entendemos que o processo de educação é
vislumbrado pelas lentes da promoção econômica, voltada para formação do sujeito para o
mercado de trabalho. Nesse aspecto, partimos do principio de que o processo formativo
educacional acontece principalmente pelas bases do reconhecimento enquanto como cidadão
crítico reflexivo conhecedor dos seus direitos e deveres, capaz de opinar e tomar decisões a
partir das suas próprias concepções. Como nos dizem Pereira e Cordeiro (2014, p. 17) sobre
constituir-se como sujeito esclarecido e posicionar-se diante da sociedade: “Possibilitar ao
cidadão o esclarecimento é oferecer nada menos ou nada mais de que a condição da liberdade,
criando a possibilidade de reconhecer os fenômenos que o rodeiam e, a partir daí, refletir e, se
possível, interferir e transformar o processo histórico no qual vive”. Estamos nos referindo a
educação plena do sujeito, para a convivência em sociedade e na diversidade. Os aspectos
levantados na concepção de educação que pontua como sendo da Escola deixam a desejar os
aspectos cognitivos, sociais e culturais do aluno. Tendo em vista que na sua resposta ficou
implícito o real objetivo da escola.
Nesse sentido, a professora Marcelina relata incentivar seus alunos com o intuito de
“não se deixar levar pelo grupo social onde eles vivem” (MARCELINA, 2016). A conotação
que atribui a esta observação, é a de que o grupo social do aluno apresenta, em aspectos
gerais, negativos, deixa subentender que não se trata de ambiente favorável ao
desenvolvimento da criança. Porém, temos a compreensão que o grupo social refere-se “ao
meio sociocultural que nos dá bases para a nossa inserção no mundo. Ele é o lugar das nossas
as tradições, dos costumes, dos valores, das crenças que, na maioria das vezes, se chocam
com os valores da escola” (GOMES, 2001, p. 91). É a partir desse grupo social que o aluno
constrói sua concepção de mundo. Sua identidade é resultado de como esse grupo o ver e
como ele (o aluno) se ver neste grupo. Com a inserção a esse universo, o docente cria
condições de compreender as ações e reações dos seus alunos, o que proporciona ferramentas
para que possa, junto a esses eles, refletir e (re)construir o seu “estar no mundo e com o
mundo”. Tendo em vista que o objetivo da professora é instrumentaliza-los para que possam
atuar positivamente na sociedade em que vivem.
A concepção postulada pela professora Marcelina sobre a sociedade que construiu dos
seus alunos surge com base na imagem que formulou destes, nesse aspecto, identificamos
uma fragilidade pungente em relação às orientações a sua prática pedagógica. Esse
pensamento é maior evidenciado ao analisarmos sua resposta ao questionamento: Quem são
os alunos do 5º ano da Escola Estadual Potiguassu? O que diz a Profa. Marcelina sobre eles?
Em entrevista, quando questionada, a docente respondeu da seguinte forma:
124
Pesquisadora: Como você caracteriza a turma da Escola Potiguassu?
Professora: Eu vejo minha turma como crianças carentes que vem de baixa
renda. Crianças que muitas vezes os pais, trabalham e que ficam aos
cuidados de alguém, até as vezes eles mesmo tem que ter a responsabilidade
de vir para a escola, tem de observar o tempo de comer ou não comer, as
vezes alguns vem até mesmo sem se alimentar pra virem à escola. E também
são crianças vivenciam muita violência na comunidade onde eles moram.
São os meus alunos a característica deles são essa . Crianças que às vezes se
assusta que todos os dias têm um relato de violência no setor onde moram,
violência não só tanto na família entre si mas, violência é de facções que tem
no lugar onde eles moram. (MARCELINA, 2016).
Inicialmente a pergunta necessitou ser reformulada, pois a professora apresentou
dúvidas sobre quais aspectos poderiam estar caracterizando sua turma. Para tanto,
acrescentamos exemplos de aspectos vivenciais que poderiam ser contemplados na sua
resposta, porém percebemos que seu foco foi nas dificuldades apresentadas pelos alunos.
Sentimos a ausência da exposição dos pontos positivos que esses alunos apresentam, das suas
potencialidades. Fatores determinantes no processo de ensino aprendizagem. É imprescindível
que o professor conheça seus alunos, suas dificuldades e potencialidades para que se legitime
o processo de formação educacional.
Interpretamos que diante da origem sociocultural dos alunos, a professora tenha
construído pré-conceitos definidores das suas condições de ser e estarem no mundo, ao
mesmo tempo que nos deixou transparecer que mesmo que passe toda a aula proferindo a
frase: “ Vocês são capazes, eu confio em vocês” , suas atitudes revelam o oposto. Chamou-nos
atenção a ausência de afetividade, sentimento comum entre a maioria dos professores que
estão a frente de uma turma há dois anos, como é o caso dela, estando com os mesmos alunos
desde o ano anterior. Outro aspecto que percebemos foi a descredibilidade proferida ao
sucesso dos alunos, nas suas capacidades cognitivas.
Não se tem compromisso com aqueles que não se conhece. Ou seja, é preciso, mais
uma vez, reafirmar a importância de conhecer o público com o qual se trabalha. Azevedo C.
(2010b) chama a atenção para aspectos peculiares que envolvem o público escolar que
ingressa no Ensino Fundamental. Segundo a autora:
Ao ingressar no Ensino Fundamental, o aluno, ainda criança, entra em contato
com um universo disciplinar. Objetivos de aprendizagem, metodologias e
conteúdos diversificam-se. Nesse novo cenário escolar, espera-se que o
125
discente tenha aprofundados seus referenciais de tempo e espaço, necessários
à apropriação do conhecimento histórico. Este, tendo em vista o atendimento
das políticas públicas para a Educação Básica de modo geral e para o ensino
de História, especificamente, requer o trato com conteúdos que permitam,
entre outros fins, que o aluno compreenda as transformações pelas quais
passaram: as famílias; as territorialidades; os hábitos, as relações e os
significados acerca do corpo; jogos, brincadeiras e outras formas de interação
e comunicação, ao longo do tempo e em diferentes espaços. (AZEVEDO, C.,
2010b, p. 10).
Para que isso se torne uma realidade, é preciso considerar a relevância do
conhecimento histórico como base para a formação do sujeito bem como a frequência de
aulas de História no decorrer na semana de atividades na escola, algo que não foi possível
perceber na Escola Estadual Potiguassu.
A professora faz questão de passar a imagem de que acredita no seu aluno, na sua competência
cognitiva, através das afirmações: “vocês são capazes, eu acredito em vocês”. Porém suas ações
pedagógicas refletem o oposto, sua metodologia é baseada na repetição, desligadas da reflexão e
construção de conhecimentos. Este, já chega para o aluno pronto e acabado. Uma simples arrumação
de grupo, a própria professora arruma as cadeiras, divide os grupos e depois reorganiza a sala. As
atividades, não promovem a reflexão e mudanças de atitudes. E os alunos já acostumados a tal
prática, não se dispõem em realizar suas atividades por si mesmo, ficam aguardando e exigindo que
responda no quadro para assim, copiarem. (Diário de campo, 27/10/2016).
As palavras proferidas revelam o oposto das ações. Nesse aspecto, ficam registradas
como experiência para seus alunos, as ações e não as palavras. As atividades propostas não
buscam a elaboração do pensamento dos alunos, configuram-se como mais fáceis de serem
aplicada. Não pedem planejamento detalhado nem desprendem energia na mediação para
alcançar os resultados.
A professora ao fazer tudo em sala de aula, inclusive, responder aos questionários
simples transcritos no quadro, comporta-se como mãe super protetora, aquela que faz tudo
pelo filho, impedindo-o de experimentar, errar, rever ações, organizar-se, aprender em
diferentes sentidos. Sintomático para essa situação é o que afirma Tardif (2005) em seus
estudos sobre a escola primária e as ações da professora:
[...] de diversas maneiras, essas tarefas lembram as tarefas domésticas, os
preparativos da organização e da realização de coisas de casa, antes de as
crianças acordarem e de chegarem de volta. Existe como que uma
126
continuidade entre o trabalho doméstico tradicionalmente feminino e essas
pequenas tarefas efetuadas pela professora da escola primária (Carpentier-Roy
& Pharand, 1992). Com efeito, também elas têm um caráter cíclico, devendo
ser sempre retomadas e nunca concluídas; elas também são preparativos para
outra coisa, não tendo valor senão em função daquilo que vem em seguida;
enfim, muitas vezes, trata-se de coisas invisíveis – como o trabalho das mães
de família – que, na verdade, não contam na avaliação do ensino, que
constituem coisas à parte e pelas quais o empregador não tem particular
consideração, apenas espera que elas sejam realizadas, como habitualmente.
(TARDIF, 2005, p. 176).
Nas diferentes atividades falta o incentivo e a orientação para que os alunos
desenvolvam posturas de protagonistas da própria formação. São formados para a espera e
não para a liderança, capacidade de organização, cooperação. Suas ideias não são
consideradas e suas ações não são trabalhadas em prol do desenvolvimento. Logo, os saberes
dos alunos não são trabalhados de maneira científica. Freire (1996) lembra-nos que um dos
saberes fundamental à prática educativa é o que faz menção à promoção da “curiosidade
espontânea para a curiosidade epistemológica”. Mas, pelo que percebemos, nem mesmo a
curiosidade espontânea tem espaço, de forma constante e sistemática, em sala de aula.
Diante do exposto, podemos perceber que o conhecimento a cerca do tipo de sujeito
defendido pela escola, precisa ser dominado ou até mesmo, explicitado. Sabemos que a
prática pedagógica para configurar-se significativa perpassa pela orientação curricular que,
por sua vez, representa as bases ideológicas, teórico e metodológica defendidas pela escola, e
que em alguns casos, são desconsiderados durante a prática pedagógica.
De acordo com Gomes (2005a, p. 147):
Para que a escola consiga avançar na relação entre saberes
escolares/realidade social/diversidade étnico-cultural é preciso que os
educadores(as) compreendam que o processo educacional também é
formado por dimensões como a ética, as diferentes identidades, a
diversidade, a sexualidade, a cultura, as relações raciais, entre outras. E
trabalhar com essas dimensões não significa transformá-las em conteúdos
escolares ou temas transversais, mas ter a sensibilidade para perceber como
esses processos constituintes da nossa formação humana se manifestam na
nossa vida e no próprio cotidiano escolar.
Ao analisarmos o PPP da Escola Estadual Potiguassu, apreendemos que a concepção
de educação defendida é pautada nos princípios da justiça, igualdade e formação integral do
sujeito, instrumentalizando-o para ação transformadora e decisiva na sociedade em que está
inserido. “A partir da concepção sócio-interacionista, compreendemos a educação como
construção coletiva permanente, baseada nos princípios de convivência, solidariedade,
127
respeito, justiça, valorização da vida na diversidade e na busca do conhecimento”. (ESCOLA,
2015, p. 13). Percebemos a referência implícita da educação para as relações étnico-raciais, ao
identificarmos os termos igualdade, diversidade e justiça. Visto que a comunidade em que a
Escola está inserida, assim como a maioria dos alunos, representa o grupo afro-brasileiro.
Porém, ao analisarmos mais detalhadamente, percebemos que a abordagem sobre a temática
diversidade étnico-racial foi silenciada. Como podemos comprovar durante a entrevista com a
professora Marcelina:
Pesquisadora: No Projeto Político pedagógico da escola, como foram
discutidas e consideradas as ações voltadas para as relações étnico-raciais? Professora: Não teve uma discussão, dentro disso aí, não. Não teve. Pesquisadora: Você acha que deveria ter havido? Professora: É... porque nós vamos formar o cidadão que não serão como meu
avô era, em ver negro, mas, ver pessoas. (MARCELINA, 2016.).
A partir da fala da docente, percebemos que a ausência de abordagem da temática pelo
documento oficial da escola, influencia diretamente na sua aplicabilidade, pois os documentos
legais que trazem em seu bojo a imperatividade em desenvolver estudos sobre a história e
cultura afro-brasileira e africana, estão ausentes no PPP da Escola. O fato de não abordá-la,
apresenta-se como mais um obstáculo à introdução do corpo docente no universo da
diversidade étnico-racial. De acordo com Pereira e Cordeiro (2014, p. 11)
Refletir e debater diversidade étnico-racial no bojo do currículo escolar é, de
alguma forma, possibilitar a ressignificação da identidade, da autoimagem e
autoestima, do prestígio social e histórico dos estudantes negros (pretos e
pardos). É papel da escola por meio do currículo contribuir para essa tarefa.
Nesse aspecto, a escola deve incentivar o corpo docente a buscar formações e
informações.
O reconhecimento dos professores, em especial pela professora Marcelina, à
importância da introdução efetiva da educação para as relações étnico-raciais, abre caminhos
para uma nova abordagem relativas às diferenças, trilhados pelas vias do reconhecimento e
valorização. Porém, defendemos que a formação continuada deve ser o ponto centralizador do
docente, sempre em busca de atualizar-se e assim aprimorar sua prática pedagógica. O fato da
referência à diversidade étnico-racial durante a elaboração do currículo escolar estar omitida,
não inviabiliza a busca pela informação e formação pelo professor sobre à temática, através da
pesquisa e de estudos, tendo em vista que são ações inerentes à sua profissão.
128
Demanda uma renovação, um desenvolvimento de competências adquiridas
em formação inicial e, às vezes, a construção, senão de competências
inteiramente nova, pelo menos de competências que se tornam necessárias
na maior parte das instituições, ao passo que eram requeridas
excepcionalmente no passado. (PERRENOUD, 2000, p. 158).
Partimos do princípio de que o PPPEEP deve apresentar sustentabilidade nas
premissas apregoadas pelos documentos oficiais regulamentadores das orientações
curriculares educacionais. Nesse sentido, identificamos como mais próximo ao ambiente
escolar, o Plano de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, que deve ter sua elaboração
sustentada pelos eixos norteadores dos documentos curriculares nacionais, inclusive os de
referência à educação para relações étnico-raciais. O documento, como orientador das ações
curriculares e pedagógicas do Estado do RN, se consultado, apresentaria à equipe escolar as
premissas para a inclusão da diversidade étnico-racial, configurando o gatilho para a busca de
formações sobre a temática para sua inclusão no currículo da Escola, consequentemente sua
efetivação.
No entanto, confirmamos a partir da leitura do PPPEEP e suas referências
bibliográficas a exclusão do documento na sua elaboração, em especial no que se refere às
relações étnico-raciais, assim como a correlação entre as referências e o que de fato está sendo
realizado para corresponder ao postulado como conceito de educação. Diante da exclusão do
PEERN, a história e cultura africana em todos os aspectos foram suprimidas.
Durante a análise do Plano Estadual de Educação do Rio Grande do Norte (2015-
2025), verificamos a existência da “Dimensão 4 – Educação e diversidade: movimentos
sociais, inclusão e direitos humanos” (RN, 2015, p.89), nesta, encontramos o tema
diversidade étnico-racial, entre outros de cunho sociais e educacionais, de forma explícita e
objetiva, apontada como aspecto ontológico relacionado à estrutura histórica, política e social.
Emerge uma discussão acerca das desigualdades existentes sob a égide das ações
discriminatórias e excludentes, e combate a tais ações. Para tanto, o documento faz referência
à aplicabilidade das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que tratam das relações étnico-raciais.
Enfatiza o fato da obrigatoriedade da sua implementação nos currículos escolares. Diante do
exposto, apresenta as “Orientações para a distribuição de carga horária dos professores de 1º
ao 9º ano do Ensino Fundamental”, orienta o trabalho com os anos iniciais de forma
interdisciplinar e contextualizada, e aponta os aspectos que devem ser abordados, tais como a
129
abordagem da temática história e cultura afro-brasileira e africana, nos moldes da Lei
10.639/2003 na administração do ensino da História.
Identificamos que o documento orientador estadual cumpre com o postulado pelas leis,
ao citar as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, ativa o desconhecido, pois, mesmo com o
desconhecimento por parte dos docentes e equipe gestora, sobre a temática, sua identificação
no PEERN, acionaria a busca por maior compreensão por todos envolvidos. Concordamos
com Azevedo (2010a, p. 151) quando afirma que:
Dentro de um projeto de gestão participativa, diretores e coordenadores têm,
entre outras, a função de materializar cursos, palestras e mostras no âmbito
de sua instituição de ensino, além de “animar” professores à participação em
encontros de leitura e discussões. O racismo e a abordagem da questão racial
nos livros didáticos de História podem configurar como temas para
encontros e discussões entre os docentes.
O PEERN (2015), faz alusão à garantia da implementação do ensino da história e
cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares. Defendemos que essa orientação
deveria ser efetivada durante a avaliação para a provação do PPP das escolas, pois antes de
sua aplicabilidade na escola, o documento é submetido à aprovação da Secretaria Estadual de
Educação e Cultura (SEEC). Daí depreende-se de que o órgão mantenedor, ao avaliar o
documento da Escola, ao constatar a ausência da temática, deveria desenvolver sua função
orientadora e solicitar a inclusão do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no
currículo, visando tal garantia.
Dessa forma, a inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos
currículos da Educação Básica não significaria apenas uma mudança de
conteúdos na grade escolar. Deveria, no entanto, tratar-se de uma ação
política, com agudas implicações nas relações perpassadas no cotidiano
escolar, na formação dos professores, e, ainda na auto-estima dos alunos
afrodescendentes que se veriam representados na literatura, nas artes e na
história de forma positiva, caminhando no sentido de compensar
prejuízos/danos sedimentados em nossa história (SANTOS, 2011, p. 17).
É fato que o PPP, em algumas escolas, ocupa o espaço de documento regulamentador
apenas como resposta a uma exigência burocrática das secretarias a que são filiadas,
reduzindo os encaminhamentos do ensino aprendizagem à seleção de conteúdos dos livros
didáticos, distantes do que propõem os documentos regulamentadores educacionais, por vezes
como reflexo do desconhecimento do documento por parte dos docentes. “É importante
130
salientar que se considera o PPP um instrumento de trabalho de todos envolvidos com a
instituição de ensino e não um simples fruto da burocracia escolar. Para isso requer a
participação de todos na sua confecção, elaboração e reformulações necessárias” (AZEVEDO
C., 2011, p. 185).
Na Escola Estadual Potiguassu, os professores participaram da elaboração do PPP, de
forma coletiva, porém, o tempo disponibilizado para sua construção foi insuficiente para que
houvesse participação e estudos mais contundentes dos docentes. Os elementos constitutivos
do PPP eram sugeridos pela coordenadora, que a partir da sua exposição, conduzia discussões
acerca do que seria adotado pelo currículo. Por fim, reunia nossas falas e transformava-as em
elementos que integrariam o PPPEEP. Após a aprovação do documento pela SEEC, que se
deu no ano de 2015, os docentes passaram a acessá-lo como currículo orientador das suas
ações e buscam no material recebido, orientações para a elaboração do seu plano de ensino
anual e bimestral.
Apesar de participarmos (como docente da escola, estávamos presentes) da elaboração
do PPPEEP, sentimos a necessidade da escola retomar e deixar explícito ao docente, qual
direcionamento educacional seria preconizado, assim como que tipo de sujeito a escola busca,
de forma unívoca, formar. De acordo com Lopes (2005, p. 189)
A escola, como parte integrante dessa sociedade que se sabe preconceituosa
e discriminadora, mas que reconhece que é hora de mudar, está
comprometida com essa necessidade de mudança e precisa ser um espaço de
aprendizagem onde as transformações devem começar a ocorrer de modo
planejado e coletivamente por todos os envolvidos, de modo consciente.
Os elementos orientadores devem dialogar entre si conduzindo os docentes
apreenderem e explicitarem de forma coletiva o que seria o processo de educação para a
escola, refletindo diretamente no processo teórico-metodológico que adotará. Entendemos que
“É preciso ter clareza sobre a concepção de educação que nos orienta. Há uma relação estreita
entre o olhar e o trato pedagógico da diversidade e a concepção de educação que informa as
práticas educativas” (GOMES, 2007, p. 18).
Porém, o que de fato tem se presenciado, por muitas vezes, são ações de resistência e
encortinamento para as questões de cunho étnico-racial pela escola, promovendo “o mito da
igualdade racial”, fato que nos foi permitido comprovar durante nossa observação
participante:
131
Diante do fato relatado, percebemos, por parte da mãe, o desconhecimento e/ou
negação da sua raíz afro-brasileira, ao agir com preconceito com o outro igual. Concordarmos
com Santos (2008, p. 2) quando diz: “O oprimido se enxerga com o olhar do opressor, com o
qual quer parecer o máximo possível. A vergonha de si mesmo torna-se marca da sua
personalidade”. A posição assumida pela família faz parte da sua formação como ser
humano, construída nas bases da autonegação e que refletem tais pensamentos e conceitos na
criança. Testemunhamos os aspectos hereditários das expressões de racismo e preconceitos,
“que sobrevive aos tempos porque é transmitido através das gerações. E sendo o racismo um
fenômeno ideológico, ele se consolida através dos preconceitos, discriminações e
estereótipos” (SANT‟ANA, 2005, p. 43).
Partimos do princípio que ao desenvolver, de forma continuada, ações que promovam
a consciência multirracial, em especial ao que se refere à relação afro-brasileira, entre
professores, alunos e pais, a distância entre preconceito e respeito raciais, podem ser
minimizadas. E os laços entre reconhecimentos e respeito serão estreitados.
Se, por um lado, com as instituições de ensino podemos combater as atitudes
preconceituosas e discriminatórias, por outro, não podemos esquecer da
dimensão social que os problemas de preconceitos e discriminações
possuem. Em decorrência disso, torna-se necessário que a escola promova
uma abertura a novas formas de relações sociais e interpessoais que
envolvam manifestações da comunidade ou comunidade do entorno escolar.
(AZEVEDO C., 2010a, p. 151).
A Escola não pode eximir-se da sua função de promotora de um ambiente propício
as interações étnicas, culturais, sociais enfim, de ser “um espaço para a promoção da
igualdade e eliminação de toda a discriminação e racismo, por possibilitar em seu espaço
No momento da entrada dos alunos, a mãe de aluno pertencente ao 1 º ano vespertino adentrou na
escola muito alterada, relatando que um outro aluno da sala havia agredido seu filho, durante sua
fala proferiu a seguinte frase: “ ainda por cima foi aquele neguinho”. No mesmo momento a
professora da sala, repreendeu a mãe, inclusive alertando-a que racismo era crime, e não admitia
aquele tipo de atitude na sua presença.
No dia seguinte, o marido da senhora, compareceu à Escola. Este, apresentava características
contundentes como pertencentes à etnia afro-brasileira. Ao se dirigir ao diretor, iniciou sua fala
fazendo referencia à bíblia, visto que ele, assim como sua família, eram evangélicos. (Diário de
campo 17/11/2016)
132
físico a convivência de pessoas com diferentes origens étnicas, culturais e religiosas. Além
disso, sua atuação é intencional, sistemática, constante e obrigatória” (SANTOS, 2001,
p.105). Sabemos da impossibilidade da escola isoladamente, erradicar as expressões de
racismo e preconceitos, tendo em vista que o sujeito é um ser social que interage e convive
em dimensões sociais distintas, que podem corroborar com o fortalecimento e perpetuação da
permanência de uma cultura dominante e excludente. No entanto, concordamos com Pereira e
Cordeiro (2014, p. 8) quando afirmam:
A escola é o espaço de fusão de diversidades sociais, étnicas, raciais e
culturais, isto é, constitui-se como um espaço de reflexão e debate sobre
como estão sendo abordadas essas implicações sociais e culturais no
currículo escolar e possuem como objetivo fortalecer as ações humanas de
afirmação do ser.
Ao mesmo tempo, temos consciência, que diante de uma família que promove o
racismo, é mais longa a batalha de reestruturação do pensamento da criança. Nesse sentido, a
tríade: ação, reflexão e (re)ação, deve ser construída também em conjunto com a família.
Pois, só sobre as bases da parceria escola e família é possível o combate ao racismo e
preconceitos tão pungentes, mas, mascarados. Porém, percebemos tímidas quase
imperceptíveis ações programadas pelo PPPEEP, que envolvessem a família e escola, e
abordassem a temática diversidade. Visualizamos situações que se caracterizam como
culminâncias de projetos ou atividades de apresentações artísticas, momentos em que são
compartilhados com os pais.
Nesse aspecto, a identidade da escola, revelada através do currículo, não corresponde e
não responde à configuração de ambiente promotor das relações diversas. Para tanto, é
necessário que o ambiente represente os aspectos diversos, promova situações de
representatividades de forma igualitárias aos diferentes grupos étnico-raciais.
A escola enquanto instituição socializadora tem também o dever de propiciar
uma ampliação de seu horizonte de experiência com base em valores hoje,
inquestionáveis como o respeito após direitos humanos e os ideais
republicanos e democráticos, que orientam – ou devem orientar – o
desenvolvimento da sociedade brasileira. (MOURA, 2005, p.75).
Apesar de constatarmos a elaboração e publicação de documentos que orientam a
introdução do trabalho com as relações étnico-raciais, a EEP, se absteve de introduzi-los,
133
mesmo com sua abordagem nos planos educacionais constituídos pelas intuições
mantenedoras. Corroboramos com o que diz Santomé apud Silva (2007, p. 496):
A escola, embora concebida, nos termos dos textos legais e objetivos
pedagógicos, para garantir e divulgar princípios de justiça e igualdade, tem
divulgado e reforçado visão unitária e não plural da sociedade. Tem
propiciado a formulação de representações que desvalorizam os diferentes,
aqueles que não se encaixam nos padrões difundidos pela referida visão
unitária. Tem propiciado representações que geram, junto aos diferentes,
tidos como não iguais, percepção de inferioridade que lhes são nata e quase
incorrigível.
O que percebemos é a resistência e/ou desconhecimento, por parte de algumas
instituições de ensino em inserir conteúdos que direcionam o conhecimento, valorização,
reconhecimento e respeito às diferenças étnico-raciais. De acordo com Gomes (2013, p. 69),
esta resistência “está relacionada com a presença de um imaginário social peculiar sobre a
questão do negro no Brasil, alicerçado no mito da democracia racial”, influenciando
diretamente no desempenho educacional do aluno e na sua formação identitária, que não se vê
representado e, portanto, desperta-lhes sentimentos de autonegação, ao mesmo tempo em que
se sente excluído do ambiente no qual deveria sentir-se confortável e representado. Ainda
sobre as causas que levam as escolas em abster-se em abordar os conteúdos da temática
Santos (2010, p. 47) discorre:
Se na sociedade uma Lei precisa não apenas ser sancionada para ser
praticada, precisa ser tida como justa e legítima para ganhar aceitação, era de
se esperar que, para a instituição escolar, o simples ato de criação e
promulgação da Lei 10639 não bastasse para sua aceitação ampla e irrestrita.
Quanto a isso, estamos de acordo com Chervel (1990) que em seu trabalho
sobre a história das disciplinas, coloca-nos a questão de que uma lei por si só
não seria o suficiente para mudar ou inserir uma nova prática escolar, sendo
necessário algo mais.
A escola é o universo onde as relações diversas acontecem e se entrelaçam, porém,
sem a devida estruturação educacional voltada para tal fim, torna-se um ambiente propício à
perpetuação de situações preconceituosas, excludentes e discriminatórias. De acordo com
Santos (2001, p. 106) “A escola pode garantir e promover o conhecimento de si mesmo, no
encontro com o diferente. Conhecendo o outro, questiono meu modo de ser, coloco em
discussão os meus valores, dialogo.”
134
Em decorrência desses fatores, presenciamos um alto índice de evasão escolar e
repetência nas escolas, por não se identificarem com o modelo educacional proposto pelas
instituições de ensino que ainda permanecem em um modelo eurocêntrico, modelo de
exclusão.
Na verdade, na escola é negado ao estudante o conhecimento de uma história
que efetivamente incorporasse a contribuição dos diferentes estoques étnicos
à formação de nossa identidade, com o agravante de que a história parcial ali
apresentada como exclusiva é aquela dos vencedores, dos colonizadores ou,
para precisar a afirmativa, história celebratória das classes econômica e
politicamente mais bem sucedidas. (SANTOS, 2005, p. 78).
Diante do exposto, compreendemos que a escola deve criar condições para que os
estudantes afro-brasileiros sintam-se contemplados em sua totalidade educacional, livres de
qualquer atitude de preconceito e discriminação.
Evidenciamos que para além das aparentes oportunidades de acesso e
permanência garantidos a todo no direito à educação, o que existe realmente
são discriminações de classe e raça reproduzindo visões de mundo
dominante instituindo o fracasso escolar para aqueles que não se adequem
numa instituição de ensino cuja organização administrativa escolar, a relação
professor-aluno, etc. levam os discentes negros (as) a terem um rendimento
inferior ao dos brancos (as). (SANTOS, 2008, p. 1).
A Escola ainda está em processo de adaptação e absorção de uma educação para as
relações étnico-raciais. “É preciso considerar que a escola brasileira, com sua estrutura rígida,
encontra-se inadequada à população negra e pobre deste país. Nesse sentido, não há como
negar o quanto o seu caráter é excludente.” (GOMES, 2001p. 86). Podemos inclusive, revelar
que está em processo embrionário, identificado diante do questionamento:
Pesquisadora: Em quais contextos você percebe que a escola desenvolve
trabalho de conscientização e valorização da cultura afro-brasileira?
Professora: Quando, por exemplo: a semana da cultura, então a gente traz
muita coisas. Nós trabalhamos os tipos de comidas, trabalhamos assim,
lendas essas coisas, e também quando tem algum evento de música, de dança
também, nesses momentos que é trabalhado. (MARCELINA, 2016).
A partir da fala da professora Marcelina, identificamos que a Escola ensaia trabalhos
de cunho para abordagem da cultura afro-brasileira, orientados pela proposta identificada no
135
PPPEEP nas ações desenvolvidas em que relata: “Realizar na escola uma vez por mês um dia
cultural, professores e alunos e todos que fazem a escola com declamação de poemas, danças,
contribuindo para o enriquecimento cultural” (ESCOLA, 2015, p. 15). Segundo a professora,
alguns elementos constitutivos da cultura afro-brasileira são contemplados, porém,
identificamos pela sua fala, que são despidos das ideologias e significados para a cultura em
questão, tendo em vista que sua abordagem se dá de forma desassociada ao processo histórico
e contextualizado do ambiente natural. Suas expressões acontecem em forma de culminância,
como apresentações culturais. Corroboramos com Pereira e Cordeiro (2014, p. 10) quando
afirmam:
A escola pública demonstra um contingente muito grande de diversidade
cultural, política e religiosa, entretanto, as discussões ocorridas sobre as
culturas indígenas, africanas e afro-brasileiras são expressas sob a forma de
datas comemorativas ou com a folclorização destas, traduzidas em atividades
escolares as quais não discutem o processo histórico e com isso, professores,
alunos e gestores perdem a oportunidade de fazer da escola um espaço
acolhedor, agradável e de transformação do ser.
Não estamos com isso, expressando sentimentos de negação ao trabalho com a cultura
popular, ou folclore, estamos enfatizando a importância em abordarmos as nossas raízes
étnicas, através da historização, para a compreensão das nossas origens, da nossa história
como ser humano e social, pertencente a uma sociedade plural, que desconhece seu povo e
“assim, possibilitar o diálogo entre as várias culturas e visões de mundo, propiciar aos sujeitos
da educação a oportunidade de conhecer, encontrar, defrontar e se aproximar da riqueza
cultural existente nesse ambiente é construir uma educação cidadã”. (GOMES, 2001, p. 91).
Nesse sentido, pensamos que enquanto, a reestruturação ideológica e sócio
educacional não forem de fato efetivadas, a população que não corresponder aos padrões
ditados pela educação eurocêntrica será como, historicamente vivenciado, prejudicada. De
acordo com Fernandes (2005, p. 380) “quando se trata de abordar a cultura dessas minorias,
ela é vista de forma folclorizada e pitoresca, como legado deixado por índios e negros, mas
dando-se ao europeu a condição de portador de uma „cultura superior e civilizada‟”. São
vistas como ações individualizadas e grupos étnicos que não se relacionam. E não se
influenciam entre si. O trabalho folclórico, pode se configurar como um dos meios
propositivos de abordagem à diversidade étnica. As expressões culturais, prioritariamente
ressaltadas nesse período, têm origens e significados para o grupo étnico no qual pertence. Se
136
abrangermos o ponto de vista a história dessas manifestações, estaremos conscientizando e
valorizando além das raízes culturais as raízes históricas.
As ações pedagógicas estão, intrinsecamente, ligadas às orientações curriculares, nesse
momento, a prática desenvolvida pela professora corresponde ao postulado no PPPEEP, pois
trata-se de um evento comemorativo na Escola: o dia do folclore. Então ao ser questionada
sobre sua prática e a importância que atribui para o trabalho com a cultura afro-brasileira, a
professora voltou a enfatizar os aspectos culturais, e fez o seguinte relato:
Pesquisadora: Na sua prática, em quais momentos você aborda assuntos
referentes à cultura afro-brasileira e africana?
Professora: Só quando trabalho na semana da cultura que são os pratos, o
que foi trazido, o que ficou pra gente, e quando tem um tipo de dança, a
gente vai lá e ... essa dança é áfrica, afro-brasileira, nesses momentos. E
quando trabalho nossas riquezas de hoje: o que foi? Quem construiu cidades
aqui no Brasil? Quem foram os construtores da época? Cana do açúcar,
quem trabalhava antes? Porque foram os africanos que já trabalhavam lá. A
cana era uma coisa que os africanos já conhecia, como fazer o açúcar, não
foi de Portugal que trouxe, não. Foi, Brasil, mas isso já foi uma coisa
africana, os africanos já sabiam como trabalhar o açúcar. É nesses momentos
assim que eu trabalho que é muito importante eles saberem disso. E sabemos
também que os negros, as primeiras cidades teve um trabalho fundamental
dele. Não foram só os construtores brancos que trabalharam, não. Eles
orientaram como fazer e eles (os negros) foram lá, e fizeram. E muitos já
sabiam fazer também, né? Porque o ser humano é muito curioso, né?
(MARCELINA, 2016).
Nesse trecho, observamos que as vias pelas quais o trabalho com a história afro-
brasileira é abordado, reflete a imagem da época colonial. Sua importância é resumida a mão-
de-obra escrava, o discurso, representa o grupo reconhecido pelos serviços prestados aos
colonizadores no crescimento do país. Outra imagem atribuída é a de dependência intelectual,
a condição de incapaz de pensar por si mesmos, necessitando que pessoas “brancas”
devessem orientar como agir. “Nega-se ao negro a participação na construção da história e
cultura brasileiras, embora tenha sido ele a mão-de-obra predominante na produção da riqueza
nacional.” (FERNANDES, 2005, p. 380).
Tomamos como base a imagem formulada pela docente do povo africano e relata em
poucas palavras as heranças culturais, mas enfatiza o trabalho braçal, que sabemos era
trabalho escravo, “ têm-se o discurso do negro pacífico, cordial, um discurso que, dialogando
com o mito da democracia racial, desenha um negro incapaz intelectualmente, que aceitou
sem maiores questionamentos a escravidão, um ser infantil” (SLVA, 2011, p. 98). Nesse
137
momento poderiam ser levantados questionamentos tais como: se o povo africano trouxe todo
esse conhecimento enumerado, como foram construídos? Em algum momento, e/ou lugar
anteriormente? Esse lugar, onde foi? Como aprenderam? Quem são esses povos que
habitaram nossas terras e vieram realizar o trabalho braçal? Como viviam? Por que vieram
para cá? O povo de matriz africana construiu sua história de lutas e resistência, ações omitidas
pela maioria dos currículos escolares, sua história vai além da mão-de-obra, prova disso, são
as participações políticas nos movimentos até os dias atuais. Nesse aspecto, Rocha (2006, p.
75) afirma que:
Segundo os estudiosos da questão, no sistema escolar, o negro chega aos
currículos, não como um humano negro, mas sim como o objeto escravo,
como se ele não tivesse um passado, ou se tivesse participado de outras
relações sociais que não fossem a escravidão. As contribuições e as
tecnologias trazidas pelos negros para o país são omitidas. Aliás, o cultivo da
cana-de-açúcar, do algodão, a mineração, a tecnologia do ferro eram
originadas de onde? Do continente Europeu? A resistência dos negros à
escravidão parece não existir, com raríssimas exceções.
A imagem retratada pela docente revela a impregnação de conceitos há muito
construídos e repassados nos bancos escolares pelos docentes, que por sua vez, abstraíram e
confirmaram tais concepções na sua formação superior.
Partimos do princípio que o ensino superior configura-se como primordial no processo
de formação do docente para uma educação multicultural, pois, são nesses estabelecimentos
de ensino que o profissional da educação reúne atributos e formação para desempenhar seu
papel formador dentro de diversidade, histórica, cultural e étnica.
Na busca em redirecionar e, finalmente, reconhecer a história afro-brasileira pelas
lentes do povo afro-brasileiro, Silva (2011, p. 99) defende que: “é fundamental a instituição
de uma lei Federal que diz a importância em conhecer a história e cultura afro-brasileira e
africana como um dos pilares da constituição da história e cultura brasileira”. No entanto,
sabemos que apenas a promulgação de leis, não possibilitará mudanças de pensamentos e
posturas docentes. Tais leis devem ser efetivadas e implementadas nos currículos escolares,
seguidas pela formação continuada do professor. “isso é importante para que não sejam
encontradas práticas docentes permeadas pela interferência de estereótipos e preconceitos em
relação a personagens negras e com reflexos destrutíveis em relação à formação dos alunos”
(AZEVEDO, 2010b, p. 15).
138
Na situação a seguir, a professora Marcelina, tenta desenvolver uma reflexão sobre as
características físicas do aluno, no entanto, diante do seu desconhecimento, direcionou pela
temática a qual dominava: a religiosa. Como podemos verificar:
O aluno referiu-se ao outro como “cabelo de bucha”, porém a professora tentou realizar uma
discussão sobre respeito ao próximo. Conduziu a discussão pelas vias religiosas, dizendo que Jesus
tinha feito cada um do seu jeito para ser respeitado. Porém, a reação dos alunos, não colaborou para
a discussão. (Diário de campo, 06/10/2016).
Percebemos a fragilidade e superficialidade em conduzir as discussões sobre a
diversidade étnico-racial. Para defender e desenvolver a temática de forma construtiva e
consistente é necessário acreditar no que está defendendo. Nesse aspecto Santos (2001, p.105)
relata:
A falta de formação e habilidade dos educadores para lidar com as relações
do cotidiano escolar marcadas por discriminações os leva a medidas não
problematizadoras da diferença, apelando para convicções tais como: “Todos
merecem respeito porque são filhos de Deus” ou “ E daí, que você é negro, o
importante é que você tem saúde”...
Não é o caso exposto. A crença da professora baseada no evangelismo deixa a desejar
os aspectos organizacionais e físicos dos povos de cultura afro-brasileira. Diante disso,
presenciamos uma explicação religiosa, frágil e inconsistente. O combate às expressões de
preconceito e racismo deve ser prioridade na formação do sujeito, a prioridade nesse aspecto
revela-se nas bases religiosas cristãs. Identificamos que as bases para a justificativa dos
fenômenos adotadas pela Professora são sempre religiosas. Nesse momento, a abordagem às
origens étnico-raciais, as contribuições e história afro-brasileira, deveriam ser introduzidas na
condução da aula como discussão sobre as diferenças étnicas. Porém,
O discurso pedagógico proferido sobre o negro, mesmo sem referir-se
explicitamente ao corpo, aborda e expressa impressões e representações
sobre esse corpo. O cabelo tem sido um dos principais símbolos utilizados
nesse processo, pois desde a escravidão tem sido usado como um dos
elementos definidores do lugar do sujeito dentro do sistema de classificação
racial brasileiro.
Essa situação não se restringe ao discurso. Ela impregna as práticas
pedagógicas, as vivências escolares e socioculturais dos sujeitos negros e
brancos. É um processo complexo, tenso e conflituoso, e pode possibilitar
139
tanto a construção de experiências de discriminação racial quanto de
superação do racismo. (GOMES, 2005b, p. 232).
O direcionamento educacional pede enfatizar as diferenças étnicas e biológicas que
subsidiam nossa cultura, as quais definem nossos biótipos, revelam nossos aspectos
biologicamente diferentes, “no entanto, ao longo do processo histórico e cultural e no
contexto das relações de poder estabelecidas entre os diferentes grupos humanos, algumas
dessas variabilidades do gênero humano receberam leituras estereotipadas e preconceituosas,
passaram a ser exploradas e tratadas de forma desigual e discriminatória.” (GOMES, 2007,
p.20).
O que nos leva a perceber a lacuna criada e mantida no que se refere às diferenças e
semelhanças das identidades, assim como a despreocupação em desmistificar pensamentos
pejorativos construídos sócio e historicamente sobre o povo afro-brasileiro. O reconhecimento
e valorização dessas diferenças são conduzidos ao lugar de coadjuvante no processo
educativo. Concordamos com Nilma Lino Gomes (2005a, p. 231) quando afirma:
Parto do pressuposto de que a maneira como a escola, assim como a nossa
sociedade, vêem o negro e a negra e emitem opiniões sobre o seu corpo, o
seu cabelo e sua estética deixa marcas profundas na vida desses sujeitos.
Muitas vezes, só quando se distanciam da escola ou quando se deparam com
outros espaços sociais em que a questão racial é tratada de maneira positiva é
que esses sujeitos conseguem falar sobre essas experiências e emitir opiniões
sobre temas tão delicados que tocam a sua subjetividade.
Podemos atribuir esse descaso em desconstruir tais pensamentos a pouca formação e
informação da professora em abordar de forma consistente e significativa a temática das
relações étnico-raciais. Como podemos comprovar através da sua fala na entrevista quando
questionada sobre a importância em desenvolver trabalhos conscientizadores sobre as relações
étnico-raciais:
Pesquisador: É interessante para você, participar das formações referentes às
relações étnico-raciais? Você acha importante?
Professora: Acho importante.
Pesquisadora: Por que você acha importante?
Professora: Porque eu vou ter um embasamento melhor, maior pra trabalhar.
Muitas vezes eu me perco pela falta de informação. Tem coisas que é
necessário que a gente se aprofunde mais. (MARCELINA, 2016).
140
As ações reveladas pela sua prática pedagógica e posturas diante de situações de
racismos e preconceitos, nos comprovam, a fragilidade formativa no trato com a temática.
Reforça ao mesmo tempo em que autoriza, a reprodução dessas atitudes, de forma explícita ou
velada entre os alunos.
Na entrevista, percebemos que a professora reconhece que algumas atitudes por ela
tomadas, não representam o melhor caminho a ser seguido, que a formação e informação a
que dispunha, precisam de maiores embasamentos e atualizações. Considera que o fato de
formar-se representaria mudanças positivas na sua prática pedagógica. Diante da ausência de
práticas efetivas no combate às expressões preconceituosas reproduzidas pelos alunos, abre-se
o leque de possibilidades em haver repetições dessas atitudes. O que podemos constatar
conforme descrição a seguir:
Em outro episódio com a aluna G. o aluno A. a chamou de “cabelo de bucha”. Então, a professora
disse que Deus fez as pessoas como Ele achava bonita, que na casa do colega A., não havia pessoas
louras de cabelos lisos. E começou a caracterizar os cabelos com as seguintes fala: “cabelo cacheados
são mais finos, que cabelos lisos, e o cabelo dela é bonito”. (Diário de campo, 27/10/2016)
Novamente nos deparamos com a repetição de atitudes de preconceitos e
discriminação na sala, que diante de uma rápida visualização, pensamos ser o mesmo
episódio, no entanto, trata-se de uma repetição de ações. Como na ação apresentada
anteriormente, nenhum argumento que levasse a compreensão do aluno acerca da diversidade,
das diferenças, das suas origens e do respeito a elas, foi proferido. Mais uma vez, podemos
identificar como justificativa às diferenças físicas, os aspectos religiosos. A professora não
centrou sua atenção no apelido proferido a aluna G., ignorando este aspecto.
Apelidos expressam que o tipo de cabelo do negro é visto como símbolo de
inferioridade, sempre associado à artificialidade (esponja de bombril). [...]
Esses apelidos recebidos na escola marcam a história da vida dos negros.
São, talvez, as primeiras experiências publicas de rejeição do corpo vividas
na infância e na adolescência. A escola representa uma abertura para a vida
social mais ampla, em que o contato é muito diferente daquele estabelecido
na família, na vizinhança e no círculo de amigos mais íntimo. Uma coisa é
nascer criança negra, ter cabelo crespo e viver dentro da comunidade negra;
outra coisa é ser criança negra, ter cabelo crespo e estar entre brancos.
(GOMES, 2005b, p. 2035-236).
141
Percebemos sua tentativa, sem sucesso, em valorizar as características biológicas da
aluna. Porém, as comparou com as do aluno A, que apresenta características semelhantes à
aluna G. ficando subentendido que o aluno A. não deveria referir-se daquela forma à colega,
não por haver cometido uma agressão de cunho preconceituoso, mas, pelo fato de na família
do aluno não haver referência de pessoas com cabelos lisos e louros, tidos como ideais e
digno de admiração e ambição. De acordo com Mungana (2000, p. 23):
Cada indivíduo humano é único, e se distingue de todos os indivíduos
passados, presentes e futuro[...]. É absurdo pensar que os caracteres
adaptativos sejam absolutamente “melhores” ou “menos bons”, “superiores”
ou “inferiores” que outros. Uma sociedade que deseja maximizar as
vantagens da diversidade genética de seus membros deve ser igualitária, isto
é, oferecer aos diferentes indivíduos a possibilidade de escolher entre
caminhos, meios e modos de vida diversos, de acordo com as disposições
naturais de cada um. A igualdade supõe também o respeito do individuo
àquilo que tem de único, como a diversidade étnica e cultural e o
reconhecimento do direito que tem todas as pessoas e toda cultura de cultivar
sua especificidade, pois fazendo isso, elas contribuem para enriquecer a
diversidade cultural geral da humanidade.
No ambiente institucionalizado, o indivíduo tem a oportunidade de descontruir as
referências de imagem deturpada que construiu sobre os povos africanos. Libertar-se das
amarras do encortinamento das suas origens e raízes étnico-raciais, não mais pelas lentes
monocromática, mas, pelas lentes do sua própria etnia. Reconstruir sua imagem, fortalecendo
sua autoestima, e formas de ser ver e estar no mundo. Nesse aspecto, concordamos com
Moura (2005, p. 79) quando enfatiza “o descaso da escola pelo reconhecimento das múltiplas
„identidades‟ e pelas diferentes culturas dos diversos segmentos que historicamente
integraram a formação de nosso país, como tarefa indispensável para o exercício da
cidadania.” O processo educativo não pode acontecer apenas pelas vias de uma única
percepção de mundo em detrimento das demais, sob a pena de perpetuar a exclusão dos
demais.
A dominação do “branqueamento” social atinge diretamente todos os grupos étnico-
raciais que não respondem a esse dogmatismo, ficando à margem social, ao mesmo tempo em
que seus sujeitos são vítimas de preconceitos e discriminações, dificultando sua trajetória
escolar e social. Nesse sentido, o combate ao racismo, preconceito e discriminação é tarefa de
todos, educadores, escola e estado. “A manutenção de um currículo elaborado para um grupo
homogêneo, de elite, tornou-se fator de desigualdade e de fracasso para os/as alunos/as de
142
camadas populares. A cultura escolar histórica e tradicionalmente preparada para a educação
das elites, baseia-se em um currículo hegemônico” (SILVA, 2007, p. 29).
A escola deve se configurar como espaço propício à transformação de pensamentos e
atitudes. Nela há interação entre indivíduos de situações socioeconômicas e culturais
diferentes que aprendem a conviver em sociedade respeitando essas diferenças, além de serem
estimuladas a olhar–se no “espelho”, representado pelo olhar do outro, e perceberem-se como
diferentes. A instituição escolar enfatiza o processo de preconceito e discriminação, quando na
imposição de um currículo único, promove a “igualdade”, igualdade pelo referencial da
cultura dominante, a quem todos deveriam moldar-se, ignorando as vivências socioculturais
dos sujeitos. De acordo com Santos (2008, p. 1):
A escola na sociedade capitalista assume caráter homogeneizador,
prevalecendo um padrão estético e histórico vinculado à sociedade europeia,
o que estamos chamando de monoculturalismo e excluindo, por exemplo, a
referência negro-africana da formação da sociedade brasileira. A garantia de
acesso gratuito a todos os que querem entrar na escola não esconde
contraditoriamente o seu papel de reprodução das ideias e valores da classe
dominante.
É necessário um trabalho de desconstrução e reconstrução do processo educacional,
para a promoção da pluralidade cultural. Por muitos anos, o Brasil era coberto pelo falso
manto da igualdade cultural e racial, ainda nos dias atuais há quem repita essa expressão,
porém o que era/é vivenciado é o preconceito velado. O que havia de fato era a reprodução
das características do grupo dominante, em que todos “deveriam ser iguais”, premissa que
ocupa até os dias atuais, em algumas perspectivas educacionais.
A escola é um dos espaços de socialização dos indivíduos. É através dela
que os alunos desenvolvem o senso crítico e aprendem valores éticos e
morais que regem a sociedade. A escola tem como responsabilidade ampliar
os horizontes culturais e expectativas dos alunos numa perspectiva
multicultural. É na escola que aprendemos a conviver com as diferentes
formas de agir, pensar e se relacionar; portanto ele deve refletir essa
diversidade (NASCIMENTO, 2012, p.40).
Entendemos que para que a educação das relações étnico-raciais seja efetivada pela
equipe educacional, deve estar inserida no currículo da escola. Além disso, deve haver
conhecimento e domínio por parte dos docentes sobre o trato com a temática, elementos os
quais comprovamos, não foram mencionados no projeto da Escola Estadual Potiguassu diante
da ausência de conhecimento por parte da equipe educativa, assim como dos docentes, pois
143
não houve por parte destes, manifestações que direcionassem a sua introdução, nem ao menos
citação. Porém, um consulta ao PEERN, revelaria a abordagem da educação étnico-racial,
subsidiando uma busca mais aprofundada sobre a temática, a qual também teria acesso ao
consultar os PCN de volumes sobre: Temas transversais: Pluralidade Cultural. Mas, como
bem afirma Silva Júnior (2002, p. 33):
A expectativa de que os parâmetros iluminem os projetos pedagógicos e os
planos de aula, é indiscutivelmente louvável, mas insuficiente, senão for
combinada a outros esforços de sensibilização, informação, formação acesso
a pesquisas atualizadas e propostas concretas para o tratamento de tema tão
delicado, como as relações raciais em sala de aula, na vivência diária nas
escolas, os PCN podem oferecer importantes diretrizes político-educacionais
para as propostas curriculares a serem formuladas pelas Secretarias de
Educação e Unidades escolares, especialmente se os dirigentes educacionais
e educadores não se detiverem a uma leitura superficial e enviesada que
“relativiza as diferenças, tratando-as como pluralidade de experiências”, sem
analisar o modelo socioeconômico brasileiro, diferença é sinônimo de
desigualdade.
A configuração de escola como ambiente promotor da educação para as relações
étnico-raciais e de combate à desigualdade, discriminação e preconceitos, está sendo projetada
e sustentada desde a década de 1980, porém, o aspecto eurocêntrico continua orientando as
relações educacionais, mesmo após a obrigatoriedade da inclusão do estudo da história e
cultura afro-brasileira e africana e indígenas. Contudo, o que testemunhamos é que,
Tem sido negada amplamente a diversidade cultural, étnica e racial nos
currículos escolares, ainda que as culturas indígenas, culturas africanas e a
cultura afro-brasileira façam parte da construção da nação brasileira. Tal
negação é constituída por controles dos poderes estabelecidos por uma classe
social burguesa a qual não permite o reconhecimento verdadeiro de outros
grupos sociais por meio do currículo escolar. (PEREIRA, 2014, p. 8).
O sistema educacional, que deveria representar a fonte de combate ao preconceito,
desigualdade, reproduz o modelo educacional vigente há décadas atrás, baseado na relação de
poder e dominação. A quebra desse estigma está estreitamente vinculada às representações
adotadas pela escola, sobre a formação do sujeito e o conceito de educação, premissas que
orientam o trabalho pedagógico de forma significativa. Além disso, a escola deve despir-se da
concepção da falsa igualdade racial, agindo como se não houvesse a necessidade de olhar para
seus alunos através das lentes da diversidade, da individualidade. Entendemos que o trato com
educação para as relações étnico-raciais devem atingir as mais diversas parcelas da população,
144
vale ressaltar que os estudos de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e
africana não se direcionam apenas à população negra; ao contrário, deve fazer parte do
aprendizado de toda a população, com o propósito de se educar para a construção de uma
sociedade de perfil multicultural, pluriétnico e democrática. Nesse aspecto seguimos os
pensamentos de Santos (2011, p. 17) quando afirma que
Para a formação de uma sociedade mais justa, faz-se necessário desconstruir
o mito da democracia racial tão presente na sociedade brasileira, para que
perceba a complexa rede de influências de compõe a cultura brasileira e suas
significações. Dessa forma, a inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana nos currículos da Educação Básica não significaria apenas uma
mudança de conteúdos na grade escolar. Deveria, no entanto, tratar-se de
uma ação política, com agudas implicações nas relações perpassadas no
cotidiano escolar, na formação dos professores, e, ainda na auto-estima dos
alunos afrodescendentes que se veriam representados na literatura, nas artes
e na história de forma positiva, caminhando no sentido de compensar
prejuízos/danos sedimentados em nossa história.
As ações discriminatórias acontecem de forma velada e despretensiosa, através, por
exemplo, dos murais expostos em que retratam apenas desenhos de crianças não-negras, ao
decorar seus espaços para as datas comemorativas, ou mesmo diante de um ato
preconceituoso de um aluno para com o outro e o professor permanecer omisso.
“O que se coloca portanto, é o desafio de a escola se constituir em um espaço de
resistência, isto é, de interação entre o trabalho educativo escolar, e as questões sociais,
posicionando-se crítica e responsavelmente perante elas” (BRASIL, 2001c, p. 52). Para tanto,
a escola deve adotar ações orientadas por um currículo diverso e dinâmico, em que o aluno
afro-brasileiro perceba-se representado, sem resquícios de qualquer forma de preconceito.
Porém o maior desafio é o de reconhecimento, o reconhecimento pela escola em
perceber-se como ambiente propício à propagação da cultura do preconceito ao negar a sua
obrigatoriedade em educar partir da humanização, no respeito às diferenças. A escola deve
tomar para si as preposições: reconhecimento, valorização e fortalecimento no trato com a
diversidade étnico-racial. Dessa forma estaria provendo uma educação igualitária pois,
Tais desconstruções de negações são possíveis por meio do incentivo ao
exercício do debate, da reflexão, da ressignificação das fronteiras, do
reconhecimento da identidade, do fortalecimento da autoestima e
autoimagem, da solidariedade e do respeito às diferenças individuais pela
construção de uma cultura da paz, aspectos essenciais à tessitura do currículo
(PEREIRA e CORDEIRO, 2014, p. 8).
145
Nesse aspecto, apontamos a ressignificação do PPPEEP acerca das definições de
igualdade e diversidade que defende no documento. Entendemos que a construção do sujeito
social acontece pelas vias da interação com o outro, na referência ao diferente. Nesse
contexto, o sujeito constrói sua identidade subsidiada pelo reconhecimento, valorização e
respeito à diversidade étnico-racial. Abordagem que necessita ser contemplada no PPPEEP,
que apesar de defender uma educação pautada na história sócio-cultural do aluno, ainda omite
as discussões sobre as relações étnico-raciais que os formam.
3.2 O SEMEAR DA HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA NA ESCOLA
POTIGUASSU: UMA HISTÓRIA A SER CONSTRUÍDA
A História caracteriza-se como uma das disciplinas precursoras na organização
curricular brasileira, apresenta em sua trajetória várias mudanças de conteúdo, objetivos,
práticas pedagógicas e conceitos, em resposta aos interesses políticos e econômicos de cada
época. A partir das discussões mediadas por historiadores, as propostas curriculares sofreram
influências das diversas vertentes historiográficas, estas pontuando os aspectos sociais,
culturais e históricos como fundantes na formação de cidadãos conscientes do seu papel na
história da sociedade como agente transformador.
Por esse prisma, a História no Ensino Fundamental tem por objetivo
conduzir o aluno à reflexão e análise para uma melhor compreensão da
realidade que o cerca. Com o entendimento adquirido nas aulas de História,
os alunos serão capazes de agir por si próprios no meio em que atuam,
valendo-se de suas opiniões, indagações e pontos de vista. (SILVA, 2015, p.
73).
Seguindo tais mudanças, destacamos as incitadas pelas reivindicações dos povos de
matrizes africanas, na busca de renovações metodológicas e curriculares que correspondessem
aos anseios dos diversos grupos sociais de diferentes origens e com necessidades também
diferenciadas, que se constituía no espaço escolar.
Nesse aspecto, o ensino da História efetivado através da seriação de fatos e
acontecimentos cronologicamente organizados e estudados, retratado através das lentes
eurocêntricas não correspondiam às necessidades subjacentes à realidade dos alunos, pois, as
146
premissas que orientavam as atividades educacionais tradicionais no ensino de História eram
vistas como delimitadoras das capacidades cognitivas e intelectuais dos alunos, sendo preciso
sua reformulação para que fosse possível a conscientização do aluno como sujeito histórico.
O ensino de História a partir dos PCN (BRASIL, 2001), traz à luz o conhecimento
histórico instaurado nas bases da diversidade, substituindo os direcionamentos pautados no
eurocentrismo pelo multiculturalismo. Temos uma ruptura do domínio histórico pelas lentes
do colonizador, que desde então, promove o ensino de História de acordo com seus feitos e
suas verdades, de forma linear e inflexível, representando-se como centro da história
brasileira. Corroboramos com o que diz Borges (1989, p. 49), quando afirma que o processo
histórico:
Não é uma linha reta com tendência constante, inclui idas e vindas, desvios,
avanços e recuos, inversões, etc. Há mesmo transformações que podem ser
vistas como rupturas, pois alteram toda a forma de viver a sociedade. É,
porém, uma ruptura que foi lentamente preparada, que está sempre ligada
com algo que já existia, pois não se pode admitir o surgimento de uma
situação nova sem a ligação com as anteriores.
A partir dos objetivos educacionais elencados no seu PPP, a Escola Potiguassu
utilizou como referência para compor como programa de ensino de História, as orientações
dos PCN (BRASIL, 2001), postulados da seguinte forma:
Espera-se que ao final do Ensino Fundamental I, os alunos sejam capazes de:
- comparar acontecimentos no tempo, tendo como referencias anterioridade,
posterioridade e simultaneidade;
- reconhecer algumas semelhanças e diferenças sociais, econômicas e
culturais de dimensão cotidiana, existentes no seu grupo de convívio escolar
e na sua localidade;
- reconhecer algumas transformações sociais, econômicas e culturais nas
vivências cotidianas das famílias, da escola e da coletividade, no tempo, no
mesmo espaço de convivência;
- caracterizar modo de vida de uma coletividade indígena, que vive ou viveu
na região distinguindo suas dimensões econômicas, sociais, culturais,
artísticas e religiosas;
- identificar diferenças culturais entre o modo de vida de sua localidade e o
da comunidade indígena estudada;
- estabelecer relações entre o presente e o passado
- identificar alguns documentos históricos e fontes de informações
discernindo algumas das suas funções. (ESCOLA, 2015, p. 30).
Interpretamos como positiva a orientação da disciplina baseada nos PCN de História
(BRASIL, 2001) por apresentar orientações curriculares para o trabalho com a diversidade, e
147
mesmo sem explicitar o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, encaminham os
objetivos e fazem referência ao trabalho com os diversos grupos sociais. Ao apoiar-se nos
PCN do ensino de História, a Escola Estadual Potiguassu depara-se com diferentes
concepções e formatações para o ensino da disciplina, que a orienta no sentido de inovações
teóricas e metodológicas, norteando suas ações com base na diversidade sociocultural. Além
disso, busca promover um conhecimento significativo para o aluno, permitindo que estabeleça
relações com o passado e o que vivencia atualmente, além de possibilitar as projeções para o
futuro, que se reconheça como produtor e pertencente a uma sociedade diversa, além disso,
permite, segundo o autor:
Compreender as transformações sofridas pelas sociedades e também as
permanências culturais existentes em nosso tempo, permite planejar com
mais clareza nossas ações, assim como valorizar as diversidades étnicas e
sociais que vão se constituindo ao longo do tempo. (BERNARDO, 2009, p.
27-28).
No entanto, identificamos no documento que os objetivos a serem alcançados pelo
ensino de História, estão formatados, ipsis literis propostos pelos PCN de História para o
primeiro ciclo do Ensino Fundamental, o que limita a abordagem aos objetivos para o
segundo ciclo, segmento analisado pela nossa pesquisa, pois, como apresentado pelos PCN,
há uma progressão sistematizada no tocante a conteúdos e conhecimentos direcionados a cada
segmento educacional, o que deixa a desejar a continuidade do processo de formação
enquanto perspectiva histórica quando omitida as referências para o segundo ciclo. Diante do
exposto, buscamos conhecer quais eram as orientações curriculares que norteavam a
abordagem da disciplina, pela professora Marcelina.
Pesquisadora: Ao organizar suas aulas, quais são os referenciais curriculares
que utiliza como suporte para orientar os conteúdos e as práticas
pedagógicas que adotará no ensino de história?
Professora: Geralmente, eu uso o livro didático, porque agora não tem mais,
mas eu gostava de usar jornais, que gosta de vir sempre um conto de história.
Deixou de vir. Eu até tenho em casa uns jornais antigos que tem Nísia
Floresta, que foi uma das mulheres importantes. E outras coisas que tinha
sobre a violência da mulher. Eu vou me baseando em coisas assim. E muitas,
não tem um foco, só nisso aqui. Porque na história, eu começo com a história
da criança. Eu gosto de começar o ano com a história da criança, sua vida, de
onde vem, quem é, onde nasceu. Então faço pesquisa do tipo: de onde
vieram seus pais, sempre moraram aqui? E onde eles moravam? Mando a
pesquisa eles escrevem, eles trazem. Começo assim.
148
Pesquisadora: Esses conteúdos que você colocou agora, você se baseia em
que referenciais, para abordar ?
Professora: Nos livros didáticos, eles hoje são muito ricos nisso. Eu me
baseio nos livros didáticos. (MARCELINA, 2016)
Identificamos o desconhecimento da professora em relação às bases orientadoras
curriculares para o ensino de História para o segundo ciclo do Ensino Fundamental, que tem
como objetivo fundante, “levar o aluno a compreender as semelhanças e diferenças, as
transformações sociais, culturais e econômicas de sua localidade, fazendo um paralelo entre o
passado e o presente mediante a utilização de diferentes recursos, variando de acordo com a
clientela atendida.” (SIQUEIRA e QUIRINO, 2012, p.6). Ao mesmo tempo em que
identificamos na fala da professora Marcelina, sua tentativa em seguir por caminhos que
levam a reflexão sobre as origens étnica e histórica dos seus alunos, mesmo sem o domínio
das orientações curriculares documentais, busca conhecer de forma intuitiva, as raízes
históricas dos seus alunos.
O livro didático utilizado pela professora para a seleção de conteúdos é o manual do
professor, foi distribuído pelo Ministério da Educação, através do Programa Nacional do
Livro Didático, intitulado: “Projeto Buriti: História – 5º ano”, apresenta os conteúdos
organizados por tempos históricos (colonial, império, república e tempos atuais), apresentados
em uma perspectiva cronológica. Ao selecionar os conteúdos provenientes do livro, a
professora Marcelina, segue a ordem cronológica dos fatos, dessa forma, impede a
compreensão do aluno acerca da simultaneidade de fatos históricos, “de perceber que os fatos
históricos que acontecem ao seu redor decorrem de uma dinâmica de relações espaciais
próximas e distantes e se estabelecem numa multiplicidade temporal” (ABUD, 2012a, p. 11).
Com conteúdos elaborados e apresentados de forma estagnada, o processo de ensino-
aprendizagem acontece sem nenhuma relação com a vivência do aluno, inclusive na
elaboração dos conceitos de tempo e espaços históricos. Como podemos comprovar:
A segunda aula de História foi sobre o governo Getúlio Vargas, aula expositiva com o apoio do livro
didático para leitura e direcionamento de questões para responder. Sentimos falta de melhor
orientação e preparo por parte da professora na contextualização histórica dos principais
acontecimentos. Sendo logo substituída pela aula de matemática, sob a exigência dos alunos. (Diário
de campo, 17/10/2017).
149
O ensino de História se caracteriza como algo inflexível, pronto e acabado, sem
nenhum tipo de reflexão diante dos fatos e acontecimentos, desvinculados da realidade e da
formação histórica social. Apesar da exposição dos conteúdos dispostos de forma cronológica,
o livro, apresenta no capítulo destinado às orientações ao docente, textos complementares,
promovendo a transversalidade temática, destacamos o texto “Dia Nacional da consciência
negra na escola”, que traz na integra a Lei 10.639/2003.
Entendemos que a história da sociedade brasileira é fruto da interseção das culturas
africana, indígena e europeia, e que “o conhecimento das diversas culturas ocupa hoje um
lugar de suma importância para o avanço da cidadania e sua ideia central está baseada no
processo de formação das identidades das novas gerações e das finalidades do ensino de
História” (SIQUEIRA e QUIRINO, 2012, p. 10-11), no entanto, o que presenciamos é o
domínio da cultura europeia, diluídos em anos até os dias atuais. Em consequência, ouvimos o
silenciar das culturas africana e indígena.
De acordo com Santos (2011), a imagem reproduzida do afro-brasileiro na sociedade,
ainda está impregnada pela imagem da escravidão, da subserviência. Retratos de uma
sociedade absorvida pelos princípios eurocêntricos, reproduzidos e multiplicados ao longo de
décadas. O estigma acompanha a população afrodescendente até os dias atuais, que continuam
sofrendo com ações de preconceitos e discriminações.
Os estudos que relacionam o ensino da história e cultura africana nos auxiliaram na
compreensão das mudanças ocorridas na organização curricular, ao mesmo tempo em que nos
direcionaram ao encontro das respostas diante das dificuldades apresentadas para
aplicabilidade no currículo para o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira, no
contexto das escolas do Ensino Fundamental, anos iniciais, mais especificamente a Escola
Estadual Potiguassu. Seguimos o pensamento de Freire (1996, p. 39), quando afirma que: “ é
próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser
negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa do velho não é apenas
cronológico.”
Diante do exposto, percebemos que a relação estabelecida entre o ensino de História
como disciplina na Escola e o que delega a lei 10.639/2003, está ainda em fase de descoberta
e posterior implementação. Descoberta no sentido da Escola ainda não haver tomado
conhecimento, no direcionamento curricular, da introdução ao ensino da história e cultura
afro-brasileira e africana. “Não havendo, na concepção dos educadores, relevância suficiente
capaz de justificar uma mudança de paradigma, as políticas educacionais se diluem num
150
vazio, que se inicia e se finda em si mesmo.”(SANTOS, 2010, p.48). Essa ausência é sentida e
presenciada diariamente através das relações interpessoais dos alunos. Como descrito a
seguir:
Os alunos em questão são parentes de primeiro grau, apresentam traços físicos
semelhantes, ambos revelam características oriundas do povo de matriz africana. No entanto,
não se reconhecem como afro-brasileiros e negam suas origens, inclusive, divulgando-as
como forma de agressão entre eles. Fato que para a professora, tal forma de tratamento entre
eles, é normal, inclusive sua reprodução na escola. Justifica que como parentes, vivem e
convivem dessa forma.
A postura adotada pela professora reforça a condição de desconhecimento e,
consequentemente, a desvalorização dos alunos acerca das suas origens, desaguando na sua
autonegação. Naquele momento, a professora desperdiçou a oportunidade de suscitar uma
discussão reflexiva sobre as formas de relações existentes entre os alunos, o respeito ao outro
e a valorização do “eu”. É necessário que o professor esteja atento às situações e que possa
utilizá-las como referências concretas para o incentivo a mudanças comportamentais e
atitudinais. A formação da identidade possibilita o desencadear de reconhecimentos e
autovalorização. De acordo com Gomes (2005, p. 41) “representa um modo de ser no mundo
e com os outros”, representados pelo contexto sócio cultural, histórico de cada sociedade. A
construção da identidade se dar com a interação com outro, partir de como me vejo e como o
outro me ver.
A construção da identidade do aluno pertencente a grupo étnico afro-brasileiro, tem o
desafio em constituir uma autoimagem e identidade, positivas diante das amarras históricas da
negatividade direcionada a sua imagem, esta, deve ser constituída sobre as bases sociais
culturais, histórias e politicas, afirmando seu pertencimento a um grupo étnico-racial.
Segundo Pereira e Cordeiro (2014, p. 11):
Refletir e debater diversidade étnico-racial no bojo do currículo escolar é, de
alguma forma, possibilitar a ressignificação da identidade, da autoimagem e
autoestima, do prestígio social e histórico dos estudantes negros (pretos e
pardos). É papel da escola por meio do currículo contribuir para essa tarefa.
A aluna G. começou a dançar na sala em resposta ao colega E. que a chamava de “piolho” e
“piolhenta”. A professora viu e ouviu, e relatou que ambos eram primos e que ele a chamava assim
na comunidade, ou em casa. (Diário de campo, 07/10/2016).
151
Ao omitir-se em expressar desaprovação para com a atitude do aluno E., a professora
está corroborando com sua reprodução e multiplicação, não apenas com aluna G., mas,
projetando ao aluno E., uma forte tendência em repeti-las com outras pessoas, tendo em vista
que foi motivo de gracejo para os colegas e obteve a aprovação da docente, ou seja, a partir da
ótica do aluno, sua atitude repercutiu positivamente.
Ao omitir os conteúdos em relação à história do país, relacionados à
população negra, ao omitir contribuições do continente africano para o
desenvolvimento da humanidade e ao reforçar determinados estereótipos, a
escola contribui fortemente para a constituição de uma ideologia de
dominação étnico-racial. (ROCHA, 2006, p. 75).
Com a insuficiente abordagem dos aspectos históricos da formação social, as
repetições às depreciações do fenótipo afro-brasileiro é sustentada e vista como “normal”,
provocando nos alunos o total desconhecimento das suas origens.
Os meninos juntaram-se para iniciar uma provocação com o aluno E. dizendo que o cabelo dele não
molhava. (o cabelo do aluno é crespo.) mais uma vez, não houve reação por parte da professora.
(Diário de campo, 24/10/2016).
Nesse aspecto, o que mais nos chamou atenção, foi o fato de que os alunos, a grande
maioria, apresentam característica afro-brasileira e ainda assim, promovem ações
preconceituosas e discriminatórias.
Alunos que compartilham das semelhanças físicas, sociais e culturais não se
reconhecem como pertencentes à cultura afro-brasileira. “Cada um dos grupos que contribuiu
para a formação da sociedade brasileira tem histórias, saberes, culturas e, muitas vezes,
línguas diversas” (SILVA e SOUZA, 2008, p. 170). Os elementos constitutivos da nossa
sociedade são abordados de forma eurocêntrica nas escolas, até os dias atuais, ainda
vivenciamos a adaptação de um modelo educacional que não corresponde a realidade em que
vivemos. Em função disso, temos a perpetuação de práticas educacionais discriminatórias.
Quando falamos em discriminação étnico-racial nas escolas, certamente
estamos falando de práticas discriminatórias, preconceituosas, que envolvem
um universo composto de relações raciais pessoais entre os estudantes,
152
professores, direção da escola, mas também o forte racismo repassado
através dos livros didáticos. Não nos esquecendo, ainda, do racismo
institucional, refletido através das políticas educacionais que afetam
negativamente o negro” (SANT‟ANA, 2005, p. 50)
Porém, o que de fato ocorre é que elementos de cunho negativos para a formação da
identidade estavam sendo construídos, todos os alunos da turma estão em processo de
construção do ser, e atitudes como as reveladas por meio da observação participante,
fortalecem a autonegação do “eu”, o espelho deixa de transmitir sua imagem para refletir o
desejo de ser quem o outro quer que ela seja, para que seja aceita pela sociedade e não seja
mais o centro das atenções de forma pejorativa. Perdendo sua essência vital e transformando-
se em um produto de uma sociedade que modela seus integrantes a partir de uma “forma”
única. O diferente é visto como fora do normal. Mas, o que seria normal? Qual é a referência
de normalidade? Concordamos com Silva (2007, p. 496) quando ao afirmar que:
A escola, embora concebida, nos termos dos textos legais e objetivos
pedagógicos, para garantir e divulgar princípios de justiça e igualdade, tem
divulgado e reforçado visão unitária e não plural de sociedade. Tem
propiciado a formulação de representações que desvalorizam os diferentes,
aqueles que não se encaixam nos padrões difundidos pela referida visão
unitária. Tem propiciado representações que geram, junto aos diferentes,
tidos como não iguais, percepção de inferioridade que lhes seria inata e
quase sempre incorrigível.
A lei revela às escolas sua responsabilidade social no combate ao preconceito e
discriminações, através do reconhecimento e valorização da história e cultura afro-brasileira e
africana, exigindo dos estabelecimentos de ensino atuar como ambiente promotor da prática
para a diversidade. Nesse aspecto, procuramos, durante a entrevista, saber da professora
Marcelina qual importância atribuía ao trabalho com o ensino de história e a cultura afro-
brasileira, ao que nos revelou o seguinte pensamento:
Pesquisadora: Qual importância você atribui para o ensino da história e
cultura afro-brasileira e africana na sala de aula? Justifique. Que importância
você acha que tem de ser trabalhado e por quê?
Professora: É importante porque nossas crianças elas vão tá administrando
amanhã, e muitos deles vão ser chefes, muitos deles vão ser trabalhador e pra
eles saberem os direitos deles, para eles saberem reivindicar, pra eles
saberem valorizar o outro quando o outro tiver como empregado. Se ele for
um chefe, ele saber que independente da cor o tratamento que ele tem que
dá, é igual. Tem que ser igual ao que e fez com o outro. O tratamento como
153
pessoa e se ele for um trabalhador, e se sentir humilhado como trabalhador
ou como em qualquer ambiente como hospitais, e ele se sentir que esta sendo
menosprezado e perceber que foi pela cor, mas ele saber lutar e reivindicar o
seu direito e, se for ele que estiver do outro lado, ele saber tratar bem o outro
que está precisando do serviço dele. (MARCELINA, 2016)
A partir da fala da professora, entendemos que o ensino da história e cultura afro-
brasileira e africana para a professora, apresenta pouca representatividade na formação do
sujeito na sua autoafirmação enquanto indivíduo pertencente e atuante em uma sociedade
pluriétnica. Existe a necessidade em abranger os horizontes e ultrapassar as relações
trabalhistas, desmistificar o pensamento de que as únicas relações existentes nas relações
étnico-raciais são de trabalho. No seu discurso a professora discorre como acontecem as
expressões discriminatórias baseadas na cor da pele e no cargo que ocupa. Explicita situações
que, infelizmente, percebemos como cotidianas nas relações trabalhistas. E entende que tais
comportamentos serão combatidos apenas no ambiente de trabalho. O que a professora
precisa identificar, é que as atitudes de preconceito e discriminação se revelam não apenas na
fase adulta, mas é construída durante a trajetória de vida, continuamente explicitada. Como
exemplo disso, identificamos tais expressões forte e continuamente reproduzidas, na sua
própria sala de aula, entre seus alunos. São crianças em construção do ser, em formação
integral como sujeito, mas que já reproduzem em suas atitudes, expressões de preconceitos e
discriminações, que deveriam ser combatidas em sala de aula mediadas pela docente,
utilizando-se de práticas pedagógicas significativas e reflexivas. O que não aconteceu, ou seja,
futuramente, teremos adultos que reproduzirão essas atitudes, reveladas como “naturais”.
Nesse aspecto, corroboramos das ideias de Gomes (2013, p. 72) quando afirma que:
Maior conhecimento das nossas raízes africanas e da participação do povo
negro na construção da sociedade brasileira haverá de nos ajudar na
superação de mitos que discursam sobre a suposta indolência do africano
escravizado e a visão desse como selvagem e incivilizado. Essa revisão
histórica do nosso passado e o estudo da participação da população negra
brasileira poderão contribuir também na superação de preconceitos
arraigados em nosso imaginário social e que tendem a tratar a cultura negra e
africana como exótica e/ou fadadas ao sofrimento e à miséria.
Contradizendo o que está posto no PPPEEP (ESCOLA, 2015), em que aborda a
formação integral do sujeito, respeito à sua individualidade e contexto sociais e culturais.
Fica-nos evidente a ausência em abordar a educação para as relações de pertencimento,
reconhecimento e valorização étnico-raciais. De acordo com Azevedo (2011, p. 181):
154
A percepção sobre as mudanças e permanências, diferenças e semelhanças
no decorrer da história da humanidade é o caminho propício para a
recuperação, reconhecimento e respeito dos alunos à diversidade e
consequente favorecimento à promoção da auto-estima dos discentes, uma
vez que inseridos em um processo ensino-aprendizagem valorizador das
diferenças individuais.
Nesse aspecto, através do PPP a Escola Estadual Potiguassu teoriza o trabalho de
forma igualitária e socializadora, porém o que está sendo processado na prática, é a afirmação
do mito da igualdade racial. Em algumas situações, mesmo de forma não intencional, atitudes
assumidas pela docente, nos conduziu pelos caminhos da “escolha” por determinadas atitudes.
Como por exemplo, no episódio vivenciado durante nossas observações na sala de aula.
O aluno MI dirigiu-se ao colega A. como “menino pode” (podre), ao que imediatamente o aluno
A. reagiu, sendo em seguida repreendido pela professora, enquanto com o aluno MI, (provocador
da situação) em tom baixo, disse que não poderia chamar o colega pela expressão dita. Sem
maiores consequências. (Diário de campo, 19/10/2016) .
Os alunos que apresentam fenótipos com características afro-brasileiras foram
constantemente repreendidos. Preferimos pensar que eram ações realizadas pela professora de
forma inconsciente, porém foram determinantes no processo de construção identitária dos
alunos. Tais atitudes colaboram com a construção da autonegação e sentimentos de
inferioridade diante dos demais. Ao mesmo tempo em que desenvolve a sensação de
“impunidade”, diante das injustiças, pois os alunos “vitimados” já têm incutido a certeza de
que nada será feito em sua defesa, e adotam o silêncio como forma de “invisibilidade” e
assim, não sofrerem nenhum tipo de agressão por parte dos demais alunos.
Atitudes como silêncio diante das agressões verbais, nos revelam a afirmação de
preconceitos e discriminações reproduzidos e perpetuados na sala de aula desencadeiam nos
alunos vitimados, constrangimentos que os impedem de apresentar-se e posicionar-se frente
aos demais, optando pela introspecção e invisibilidade. Os alunos precisam perceber-se como
iguais, afirmando a função da educação institucionalizada que busca na interação com o outro
a construção do sujeito. Diante dessa postura a professora, fortalece a rejeição identitária dos
alunos ao mesmo tempo em que desenvolve e reforça pensamentos de inferioridade e
incapacidade diante de outros alunos, por ela “defendido”. Como nesse outro episódio em
que relata claramente que estaria na defesa de um dos alunos:
155
O aluno J. reclamou com a professora que MI o havia chamado de “macaco”, porém, não obteve
resposta da professora. O aluno J. continuou insistindo com a professora, na esperança que tomasse
alguma atitude. Quando finalmente direcionou a atenção para o aluno, a professora pediu que
deixasse de reclamar, que ele (J.) era que estava inventando histórias. Mas, sabemos e
testemunhamos que não eram fantasiosas as reclamações, o aluno MI, realmente havia lhe
provocado, e ainda estava com a postura de “ganhador”, com um leve sorriso no rosto. (Diário de
campo, 31/10/2016).
Nessa descrição encontramos mais um exemplo concreto em que, mesmo sendo
vitimados em algumas situações, os alunos que sempre são vistos como causadores dos
problemas preferem permanecer no silêncio ou agir “por conta própria” causando, em alguns
momentos, discussões e atitudes bruscas entre os mesmos. Sobre esse posicionamento
Kabenguele Munanga (2005, p. 15) afirma:
[...] alguns professores, por falta de preparo ou por preconceitos neles
introjetados, não sabem lançar mão das situações flagrantes de discriminação
no espaço escolar e na sala como momento pedagógico privilegiado para
discutir a diversidade e conscientizar seus alunos sobre a importância e a
riqueza que ela traz à nossa cultura e à nossa identidade nacional. Na maioria
dos casos, praticam a política de avestruz ou sentem pena dos “coitadinhos”,
em vez de uma atitude responsável que consistiria, por um lado, em mostrar
que a diversidade não constitui um fator de superioridade e inferioridade
entre os grupos humanos, mas sim, ao contrário, um fator de
complementaridade e de enriquecimento da humanidade em geral; e por
outro lado, em ajudar o aluno discriminado para que ele possa assumir com
orgulho e dignidade os atributos de sua diferença, sobretudo quando esta foi
negativamente introjetada em detrimento de sua própria natureza humana.
O tratamento igualitário deve conduzir as ações docentes, porém, em diversas
situações percebemos atitudes baseadas nas preferências pessoais docentes, inclusive, já
identificadas pelos alunos. São atitudes expressas de forma velada, mas, aberta
suficientemente para que os alunos sintam o trato diferenciado. Tanto, que o aluno A.,
conhecendo as reações da professora, preferiu arriscar-se em revidar o insulto sofrido, a
reclamar com a professora.
O aluno MI, por sua vez, percebendo a “proteção” a ele direcionada, age de forma
provocativa para com os colegas. Ao conduzir sua ações de forma separatista, a construção de
um ambiente de alteridade, solidariedade, cumplicidade e interação fica comprometida. A
tendência é a formação de um ambiente promotor de competividade, de busca pela atenção do
156
professor, influenciando negativamente no processo de construção da autoestima do aluno.
Sentimentos diversos são despertados entre os alunos, a partir das ações da professora.
Sentimentos como tristeza, abandono, competitividade e desrespeitos, são alguns que
percebemos aflorar. As atitudes protetivas de forma maternal com o aluno MI nos permitem
inferir que são provenientes da apresentação física do aluno, sendo este o único aluno de pele
clara na sala.
Devemos superar a visão mecanicista de percebera escola e a educação como
mero reprodutores da ideologia dominante e das condições de classes que
privilegia uma em detrimento das outras. A educação e a escola podem e
deve, ser utilizadas como instrumento de luta pelos setores oprimidos, pois
na medida em que reproduzem a dominação de classe, também reproduzem
suas contradições, permitindo dessa forma que as classes subalternas
vislumbrem a superação do domínio por meio das práticas dos que
trabalham na escola e da aquisição de conhecimentos universais necessários
à intervenção consciente no mundo. (SANTOS, 2008, p. 3).
Nesse aspecto, a Escola tem a urgência de perceber e responder aos “gritos
silenciosos” dos alunos vítimas de preconceitos e discriminações. Precisa retirar dos olhos a
venda da falsa igualdade racial e promover ações de combate a tais atitudes.
Durante nossas observações presenciamos diversas expressões discriminatórias no
ambiente escolar, com destaque para as expressões de preconceito e racismos proferida entre
os alunos da turma investigada. Dessa forma, ao abordar a temática étnico-racial, de forma
superficial apenas pela abordagem festiva, a escola e professor fortalecem as expressões
negativas identitárias.
A aluna G. apresenta características afro-brasileiras bem definidas, tais como cabelos crespos, cor da
pele negra. A aluna, é constantemente vitima de ataques preconceituosos em relação ao seu cabelo.
Os colegas referem-se a ela como “piolhenta”. Situação sobre a qual a professora se cala e não
revela reação alguma. Percebemos que a aluna, em alguns momentos assume atitudes agressivas no
intuito de defender-se, já que não pode contar com o apoio da professora.
Um episódio acontecido com a aluna, mexeu intensamente com nossos sentimentos, e nos promoveu
angústias e sentimento de impotência. Alguns meninos, estavam desenhando, identificado pela aluna
G. como sendo referência a sua imagem, tendo em vista que retratava uma menina com lábios
grossos e os cabelos com piolhos. Ao reclamar com a professora, ouviu da docente a seguinte
afirmação:
- Ela não é piolhenta não. Eu falei com a mãe dela e pedi que olhasse se ela tinha piolhos. A mãe
disse que, não. Então, quem tem piolho, não é ela, não, é quem esta falando. (Diário de campo,
17/11/2016)
157
A partir da observação participante, identificamos aprovação indireta da professora
diante das manifestações constantes de preconceitos e discriminação, além de colocar-se na
situação de fortalecedora das atitudes. Percebemos a necessidade de formação e informação
para que a professora trabalhe de forma construtiva a temática. Tendo em vista que essa não é
uma ação isolada na sala de aula, é fruto da integração da rede educacional da escola, desde
gestão a professores, passando por pais e funcionários. Pensamentos e ações dominadoras
continuam sendo processadas até os dias atuais. Ao reproduzir tais pensamentos, a professora
está reproduzindo e ao mesmo tempo fortalecendo atitudes de preconceitos e discriminações
no âmbito escolar.
A educação escolar deve ajudar professor e alunos a compreenderem que a
diferença entre as pessoas, povos e nações é saudável e enriquecedora; que é
preciso valorizá-la para garantir a democracia que, entre outros, significa
respeito pelas pessoas e nações tais como são, com suas características
próprias e individualizadoras; que busca soluções e fazê-las vigorar é uma
questão de direitos humanos e cidadania. (LOPES, 2005, p. 189).
Ao calar-se diante de situações como vivenciadas na sala de aula, descrita no decorrer
do nosso trabalho como ações proferidas entre os alunos, quando um aluno refere-se ao outro
como “macaco”, dada a cor da pele do colega, ou até mesmo em referência ao biotipo como
“cabelo de bucha”, expressões que não receberam nenhum tipo de reação por parte do
docente, este assume a posição de conivente. Como postulado nas DCNERER (BRASIL,
2004), a escola e o professor devem posicionar-se contra toda e qualquer expressão de
preconceito e racismo. Tais atitudes extremamente racistas e preconceituosas, proferidas na
sala de aula, marcam profundamente as crianças que sofreram as ações, provocando sequelas
irreparáveis na construção da sua identidade, enfraquecendo ou até mesmo se autonegando.
Partimos do pressuposto de que se há um trabalho voltado para as relações étnico-raciais na
escola, e acompanhado de forma colaborativa, a professora teria elementos para uma
discussão e reflexão, e tais atitudes seriam evitadas e combatidas. Nesse aspecto, Lopes
(2005, p. 189) revela que:
A escola, como parte integrante dessa sociedade que se sabe preconceituosa
e discriminadora, mas que reconhece que é hora de mudar, está
comprometida com essa necessidade de mudança e precisa ser um espaço de
aprendizagem onde as transformações devem começar a ocorrer de modo
planejado e realizado coletivamente por todos envolvidos, de modo
consciente.
158
Tomamos o ensino de História como palco para reflexão e reconhecimento do sujeito
como agente histórico e transformador consciente da sua pluralidade étnico-cultural. Sendo
este, a ponte que permite ao aluno constituir sua identidade como ser individual e ao mesmo
tempo coletivo, consciente da influência dos diferentes grupos étnicos. Permite descobrir-se
como sujeito promotor das transformações da sociedade em que vive, e que essa mesma
sociedade foi constituída a partir das mudanças e transformações a que foi submetida. Nesse
aspecto, estabelece relação direta com os grupos sociais, culturais e étnicos que constituem a
sociedade brasileira, e são determinantes na construção identitária do sujeito. Como nos
afirma Azevedo (2011, p. 181):
A percepção sobre as mudanças e permanências, diferenças e semelhanças
no decorrer da história da humanidade é o caminho propício para a
percepção, reconhecimento e respeito dos alunos à diversidade e
consequentemente favorecimento à promoção da autoestima dos discentes,
uma vez que inseridos em um processo ensino-aprendizagem valorizador das
diferenças individuais.
A escola tem a função de transformar a postura de discriminação diante do diferente,
que é datada desde o domínio português nas terras brasileiras, pelas vias da aculturação
promovida pelo eurocentrismo, com a comunidade indígena no seu ambiente e com o povo
africano, etnias subjugadas e inferiorizadas durante anos de história, que buscam através das
lutas e reivindicações reescrever suas histórias com suas próprias vivências sociais e culturais.
Compreendemos que a introdução das mudanças teórico-metodológicas devem ser
acompanhada pelas mudanças curriculares no ensino da História, caso contrário, o processo
metodológico continuará orientado pelas bases da descontextualização, repetição e
memorização de datas comemorativas e heróis europeus colonizadores no estudo histórico. A
ausência da introdução no currículo escolar referentes à diversidade étnico-racial, se configura
como um dos obstáculos na elaboração das ações pedagógicas, pois estas estão vinculadas a
um currículo que, na sua maioria, consiste em uma listagem de conteúdos conceituais, não
trazendo no seu corpo orientações procedimentais e atitudinais. Nesse aspecto, a escola e seus
agentes devem reconhecer o ensino na História como determinantes no processo de formação.
De acordo com Fonseca (2010, p. 2):
A História ocupa um lugar de estratégia, na „partitura‟ do currículo da
educação básica, pois como conhecimento e prática social, pressupõe
movimento, contradição, um processo de permanente re/construção, um
159
campo de lutas. Um currículo de História é sempre processo e produto de
concepções, visões, interpretações, escolhas de alguém ou de algum grupo
em determinados lugares, tempos, circunstâncias.
Para tanto, é imprescindível que a escola assuma sua função na quebra de preconceitos
e conceitos socialmente construídos ao longo da história da educação em relação à abordagem
étnico-racial, “contrariando” as premissas etnocêntricas de ensino, enraizadas e proliferadas
ao longo dos anos, pois esta deve apontar suas ações no direcionamento da não definição
monocultural.
Diante do exposto, compreendemos que a escola deve criar condições para que os
estudantes afro-brasileiros sintam-se contemplados em sua totalidade educacional, livres de
qualquer atitude de preconceito e discriminação. A frente desse processo, temos o professor,
ser social, constituído na relação com o outro, portador de concepções e pensamentos
próprios, adquiridos e formados ao longo da sua trajetória de vida. Um profissional que tem
como premissa a atualização educacional através da pesquisa e da formação continuada.
160
4. O DESABROCHAR DOS REFLEXOS DA PRÁTICA
PEDAGÓGICA
161
4. O DESABROCHAR DOS REFLEXOS DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA
DOCENTE
Neste capítulo apresentamos a análise da prática pedagógica adotada pela professora
Marcelina, através da triangulação dos dados baseada na entrevista semiestruturada,
observação participante e registro em diário de campo e descrição. Tomamos a referência da
prática pedagógica por promover a construção de diferentes concepções e visões de mundo,
plantadas, e cultivadas dia-a-dia pela docente, por isso, a denominação do capítulo fez
referência à flor do Baobá, pois, assim como a prática pedagógica, devem ser cultivadas para
que possamos florescer colher frutos positivos.
Definimos como categoria de análises: a prática pedagógica para o ensino de História
nos anos iniciais, planejamento e religiosidade além das relações interpessoais na educação
para as relações étnico-raciais.
4.1 A PRÁTICA DOCENTE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NOS ANOS INICIAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL: PERMANÊNCIAS E MUDANÇAS
“Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina
ensina alguma coisa a alguém” (FREIRE, 1996, p. 25). Partimos dessa máxima para pontuar
um aspecto importante no nosso pensar, o ato de ensinar é proveniente da concepção de
educação, atrelado a ele, temos o tipo de sujeito que estaremos formando, para assim
definirmos como formar. Assim, questionamos: quem são os sujeitos da EEP? Quais são suas
características sociais, econômicas e culturais? Como percebem o mundo e a sociedade em
que vivem? Sujeitos únicos e que precisam ser visto pela instituição de ensino sem pré-
conceitos, livres das amarras da reprodução igualitária, ou seja, sem a utilização da “forma”
para uma “modelagem” única. Buscamos uma educação pautada na diversidade no respeito às
diferentes visões de ser e estar no mundo. De acordo com Freire (1979, p. 31): “A educação
não é um processo de adaptação do indivíduo a sociedade. O homem deve transformar a
realidade para ser mais”.
Como percebe seus alunos, será a base para a prática pedagógica docente, em conjunto
com a concepção revelada pela escola enraizada nas suas ações. Diante do exposto, os
162
conteúdos, serão selecionados e abordados diante de uma prática pedagógica que assim como
os conteúdos, corresponderá ao que pensa a professora sobre os seus alunos, em relação às
capacidades cognitiva e intelectual. De acordo com Freire (1996, p. 39): “Faz parte
igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida de qualquer forma de discriminação. A
prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e
nega radicalmente a democracia”.
Compreendemos que ao adotarmos devidas ações pedagógicas é revelado o que
pensamos sobre educação, tipo de sujeito que queremos formar e o que pensamos sobre nosso
aluno. Com base nisso, selecionamos conteúdos que elegemos determinantes no processo que
orientará a formação do sujeito. De acordo com Sacristán (1998, p. 150): “O que se ensina, se
sugere ou se obriga a aprender, expressa os valores e funções que a escola difunde num
contexto social e histórico concreto”. Nesse sentido, entendemos que o currículo escolar, ao
definir-se como diverso, deve apresentar ligações intrínsecas entre os objetivos a serem
alcançados, os conteúdos que nortearão os caminhos para alcançá-lo e as práticas pedagógicas
devem corresponder ao que é posto.
A prática pedagógica significativa permite maior atuação no meio social,
transformando-o e adaptando-o às suas necessidades, porém para obtenção desses resultados a
prática deve ser pautada na reflexão. “Através da ação educativa o meio social exerce
influências sobre os indivíduos e estes, ao assimilarem e recriarem essas influências, tornam-
se capazes de estabelecer uma relação ativa e transformadora em relação ao meio social”
(LIBÂNEO, 1994, p. 17).
A partir do exposto, tomamos a concepção de educação defendida pelo PPPEEP
(2015), que prima por uma sociedade mais justa e igualitária. E busca na formação integral do
sujeito, além de desenvolver sua capacidade cognitiva, social e politica, a constituição de
agente transformador da sociedade em que está inserido. Diante do discurso da formação
integral do aluno, entendemos que as demais capacidades, sociais, intelectuais e cognitivas
devem ser consideradas e resolutas na preparação das ações educativas. Tais aspectos não
foram verificados na sala de aula da turma do 5º ano da EEP.
Os alunos não são incentivados a buscar a resolução dos problemas, a realizar as atividades de
forma independente. As atividades, na maioria das vezes, são registradas no quadro que, ao acabar
de copiar, a professora responde com os alunos, não lhes permitindo pensar e buscar a resposta.
Além disso, são atividades que não desafiam, nem promovem reflexões para a elaboração de novos
conhecimentos. (Diário de campo, 17/11/2017).
163
O ensino de História que toma por base “a descoberta” como defende Azevedo (2013)
não se vê em sala de aula.
A fim de possibilitar incentivos constantes à aprendizagem dos alunos, os
procedimentos de ensino selecionados precisam ser diversificados,
apresentar coerência em relação aos objetivos traçados, adequar-se às
necessidades dos alunos e por isso atender à contextualização dos conteúdos
e, servir de estímulo à participação do aluno no que se refere ao ensino de
História, ou seja, um ensino que tem por base a descoberta. (AZEVEDO,
2013, p, 22).
Os alunos são submetidos a momentos de cópia sem contextualização. A falta de
diversificação das atividades é um impedimento para o desenvolvimento de diferentes
habilidades dos alunos. Essas atividades, por sua vez, precisam estar de acordo com os
objetivos da aula. Não havendo clareza sobre estes e domínio de metodologia de ensino, todo
o processo torna-se comprometido. Como declara Azevedo (2013), é preciso buscar verificar
a aprendizagem dos alunos de forma ampla e plural.
Assim, em termos operacionais, no plano de aula o docente poderia operar a
avaliação por meio de diferentes recursos. Esses poderiam ser pensados tanto
para o momento de desenvolvimento das aulas quanto para outros contextos,
mediante a realização de atividades extraclasse, por exemplo, sempre
corrigidas em aulas seguintes. No planejamento da avaliação é importante
considerar a necessidade de: a) selecionar situações de avaliação
diversificadas e coerentes com os objetivos propostos; b) selecionar ou
produzir instrumentos de avaliação de acordo com a dinâmica impressa nas
aulas ao longo da unidade de ensino; c) definir critérios aos dados da
avaliação; e, d) interpretar os resultados da avaliação para poder considerá-los
como dados para a definição de ações nos planejamentos posteriores.
(AZEVEDO, 2013, p. 23).
Isso nos leva a pensar na importância da prática docente reflexiva, na importância de o
docente buscar rever constantemente as suas práticas em prol de melhorias. Do contrário, o
que verificaremos em nossas salas de aula e concluiremos no decorrer de nossas pesquisas é a
permanência de um ensino tradicional não mais condizente com a realidade do público escolar
atual, impeditivo do desenvolvimento dos alunos bem como do reconhecimento da História
como disciplina escolar necessária aos currículos desde os anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Quanto à permanência do tradicional no ensino de História, Abud (2012b) declara:
164
[...] mantém-se incólume a concepção de História que vem sendo construída
pelo ensino, desde as séries iniciais da escola fundamental: uma disciplina
baseada num conhecimento imutável que pouco desenvolve as capacidades
cognitivas das crianças. Menos ainda iniciam a aprendizagem do meio social,
temporalmente localizado. Apesar de ser apontada pelos professores e
especialistas em História como formadora da consciência crítica, a disciplina
não atinge esse aspecto da formação do indivíduo, ou melhor não inicia sua
trajetória formativa nos primeiros anos de escolarização, presa que está aos
aspectos factuais, considerados de mais fácil acesso para as crianças, por que
seria uma “informação concreta”. (ABUD, 2012b, p. 558).
O ensino considerado tradicional seria aquele baseado nas preleções docentes tendo
como foco da aprendizagem o desenvolvimento da capacidade de memorização. Saberia mais
quem decorasse mais. Como lembram Siqueira e Quirino (2012, p 1):
Durante muito tempo o Ensino de História nas escolas brasileiras foi
permeado por fatos políticos nos quais eram favorecidas as elites e as classes
dominantes. Por conta de seus interesses políticos escolhiam os conteúdos que
deveriam ser ensinados e na maioria das vezes esses conteúdos exaltavam as
lutas, os heróis e os feitos políticos da época.
Afirmamos, contudo, que é possível encontrarmos experiências em salas de aula em
que nem mesmo esse ensino tradicional com o trabalho a partir, unicamente, no factual se
concretiza, visto que o que ocorre é um quase completo esvaziamento do conteúdo histórico
seja ele tradicional ou não.
Apesar de tentativas de renovação, as permanências nesse tipo de ensino são fortes ao
ponto de encontrarmos aspectos como esses em práticas de professores ainda neste terceiro
milênio, materializados, por exemplo, na narração de grandes eventos, de sucessão de
batalhas ou de governantes, desconsiderando-se as representações, histórias e memórias dos
alunos.
Ao analisar a metodologia de professoras com atuação nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, no município de Parnaíba-PI, Siqueira e Quirino (2012, p. 6) afirmam:
[...] o que observamos na escola foi professores que acabaram de se formar
cometendo os mesmos erros dos quais possivelmente foram vítimas no
passado. Utilizam-se de metodologias inadequadas e obsoletas e o mais
incrível é que ainda atribuem a culpa de as aulas não terem o sucesso esperado
ao comportamento dos alunos.
165
Ao analisar a prática docente (planejamento e aulas ministradas) de professores dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, em uma escola pública da cidade de São Paulo-SP,
Neves (2004), por sua vez, afirma que:
A presença da datação-acontecimento é a referência mais constante e visível.
Os agentes sociais privilegiados são os Estados português, holandês, inglês,
francês e, em certos períodos, a Colônia brasileira, Império, a República.
Nesta relação, incluem-se alguns personagens, como presidentes. O povo, nos
períodos estudados, aparece de forma vaga, quase abstrata. (NEVES, 2004, p.
5)
A permanência do tradicional convive com o impacto das novas propostas e
orientações curriculares, entre elas os Parâmetros Curriculares Nacionais que, já na década de
1990, indicavam a introdução dos estudos históricos a partir dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Não se aceitava mais um ensino baseado no chamado Estudos Sociais,
responsáveis por esvaziar os conteúdos de cunho histórico nos anos iniciais da escolarização
obrigatória.
Sobre essa perspectiva de renovação, Dorotéio (2015, p. 5) afirma que: “O saber
histórico escolar, a partir da influência da historiografia contemporânea, objetiva então
estabelecer articulações constantes, nos diferentes níveis escolares, entre o local, o nacional e
o geral, utilizando, para tanto, as diferentes fontes históricas para a aquisição desse saber.”.
Mas, como avança esse processo de renovação? Em que medida atinge os anos iniciais do
Ensino Fundamental? Tem chegado às práticas docentes em salas de aula ou só estão
avançando em termos bibliográficos e de produção de material didático? Nesse sentido,
Coelho (2011, p. 108) afirma que:
A esse respeito, nossa pesquisa evidenciou que o movimento de renovação na
História Escolar não tem ido além da produção e distribuição de documentos –
entre os quais os livros didáticos de História, pensados como a principal fonte
de difusão dos avanços nesse campo. Vale destacar que esses, na maioria dos
casos, são apenas distribuídos gratuitamente, não havendo nenhum incentivo à
discussão de seu conteúdo com os sujeitos envolvidos, na escola, com a
aplicação desse conteúdo. Nesse sentido, não se leva em conta que as
professoras a quem se destinam não têm formação específica em História, já
que o maior contato que tiveram com essa disciplina foi como alunas do
Ensino Básico, fonte, em geral, de uma visão negativa da disciplina História
que trazem, a qual não se adequa à concepção que têm de conhecimento ou de
ciência, como verdade inquestionável, passível de comprovação.
166
Entendemos a preocupação da autora e a defesa da formação das docentes e
concordamos que há a necessidade de melhorias na formação dos docentes que atuam nos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Contudo, vale declararmos a importância da
continuidade permanente de estudos por parte dos docentes tomada como capacidade de
iniciativa para a adequada e contextualizada manutenção na carreira docente. Esperar,
prioritariamente, ou quase totalmente, pelo poder público, as iniciativas formativas,
certamente, só complicará a formação docente. É preciso ir além e isso começa pela
permanência nos estudos e tudo começa pela leitura e discussões que podem ser travadas no
próprio ambiente de trabalho. É importante considerar e defender a escola como palco da
formação docente e enxergarmos os professores como profissionais intelectuais. O
investimento da formação docente precisa ser permanente, sem dúvidas. Como defende
Moura (2005, p. 117): “É preciso investir na formação docente, inclusive na formação
continuada, para que os professores tenham condições de refletir sobre os significados das
teorias e dos métodos. Enfim, refletir sobre a realidade histórica e sociocultural”.
A professora nos pediu uma sugestão de filme, tendo em vista que era o seu dia para utilizar o
multimídia. Diante das atitudes de preconceitos que percebemos haver na sala, sugerimos o filme
CJ7 o Brinquedo mágico. Um filme que aborda as diferenças sociais, preconceitos, relações
interpessoais na escola, discriminação, família e mudança de comportamento. Aspectos relatados a
professora antes da exibição do filme, para que pudesse planejar sua aula e orienta-la. Porém, o que
vimos foi a ausência de discussões e reflexões sobre as ações apresentadas no filme, resultado da
não preparação antecipada da professora sobre o filme, que foi tão inédito para ela quanto para os
alunos. (Diário de campo, 10/10/2016).
Ao apontar o filme para exibição, nossa esperança era que houvesse um debate na sala,
sobre os aspectos sociais apresentados no filme, já que não havia menção ao trabalho com a
diversidade, aspecto, abordado no Projeto Politico Pedagógico da Escola Estadual Potiguassu.
Porém, na falta do conhecimento da essência do filme, a professora ficou impossibilitada de
conduzir uma discussão que ela mesma não havia se preparado para conduzir. O filme foi
utilizado apenas como diversão, algo que se busca evitar nesse tipo de trabalho. “Imagem ou
não da realidade, representação autêntica ou pura ficção, o filme é um registro da história,
retrata um determinado imaginário e demonstra a existência de uma cultura material; ainda
que no plano da invenção, ele é história, pois as invenções também são produtos humanos”.
167
(AZEVEDO e LIMA, 2011, p. 71). Assim, o filme precisa ser alvo de estudo e trabalho em
sala de aula e não simples entretenimento.
Muitas cenas retratam episódios praticados pelos alunos na sala com outros colegas,
mas, passaram despercebidos pela turma. Sabemos que é necessário maior domínio do
docente para a abordagem de forma concreta e significativa dos temas sociais que envolvem
seus alunos de forma contundente. Mas, no caso da professora Marcelina, houve a opção de
permanecer na obscuridade e omitir-se. Mudanças pedem formação e aplicação, pedem
dedicação, situações que dependem disponibilidade do professor em se propor a desenvolver.
Infelizmente, o que identificamos foi a indisponibilidade em buscar. No caso do filme,
entregamos com antecedência e sua missão era assistir e elaborar situações que levassem o
aluno a refletir suas ações e relações com o outro, mas, percebemos que não havia assistido ao
filme, sendo tão novidade para a professora Marcelina, quanto para seus alunos. É importante
nesse tipo de atividade:
[...] levar ao aluno reais possibilidades de interpretação da obra cinematográfica, ou
seja, tratar o filme como um documento. Em outros termos, não podemos
simplesmente ignorar o cinema nas aulas de História. Pelo contrário, é importante que
ele faça parte, analisado em suas especificidades e possíveis contribuições, da reflexão
acerca das sociedades. (AZEVEDO e LIMA, 2011, p. 71).
Mas, o que verificamos foi que se perdeu uma excelente oportunidade tanto de
aproximar-se mais dos alunos quanto de levá-los a uma aprendizagem significativa sobre uma
temática considerada relevante para a compreensão, a consciência e o desenvolvimento de
identidades.
A aula da saudade foi temática: anos 60. Para isso, a professora, mais uma vez, solicitou nossa
ajuda. Como sempre, todas as vezes que nos solicitou ajuda, sempre apresentávamos atividades com
abordagem étnico-racial, o que não foi diferente dessa vez. Como postado anteriormente, a
professora apresenta as atividades prontas e acabadas. O tema anos 60, surgiu com a turma do
matutino, que pediu a professora (no caso, a pesquisadora) que gostariam de uma festa com este
tema. Aderido pela professora H. sem consultar seus alunos. A rejeição ficou evidente quando a
professora lançou a ideia. O grupo “dominante” imediatamente recusou. Porém, ela insistiu e
permaneceu a temática, mesmo sem aprovação e conhecimento dos alunos. Então, respondendo ao
pedido da professora, levamos um filme que demonstra os anos 60, ao mesmo tempo as lutas contra
o preconceito racial na época. O filme “Hairprash: em busca da fama”. Havíamos indicado o filme
para a professora, para que tivesse o domínio do seu conteúdo, para assim poder discutir com seus
alunos, o que não aconteceu. A professora, apenas enfatizou a moda e as danças apresentadas no
filme. Esperávamos uma discussão acerca das orientações políticas, sociais e culturais. (Diário de
168
campo, 09/11/2016).
O filme, mais uma vez, desempenhou o papel de lazer. Porém, sua aplicabilidade tinha
como propósito, abordar o racismo nos anos 60. Como postura adotada, a professora,
continuou agindo como se não houvesse racismo e preconceitos. Não abordando a temática de
forma nenhuma. Inclusive, relata que seus alunos não agem dessa forma. Daí, percebemos a
venda que encobre os olhos da professora ou a tentativa de colocá-la na pesquisadora.
A observação das aulas buscava a compreensão da metodologia docente. Mas, a falta
de aulas de História constantes terminou por contribuir também para a compreensão de outros
aspectos, como a falta de ou precária formação docente.
É preciso leitura, estudo, discussão com pares e planejamento sobre a própria prática
docente. Contudo, compreendemos a existência de limites quanto à formação docente inicial
dos professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Como bem registra
Azevedo, P. (2010, p. 350): “[...] de fato os professores que atuam nesta etapa do ensino não
são formados para trabalhar nesta perspectiva e a Academia também dedica pouquíssimos
esforços à reflexão, problematização e viabilização de alternativas a tradição construída no
espaço da história ensinada nas séries inicial [sic]”.
Coelho (2011, p. 108), por sua vez, bem destaca como um complicador para a prática
docente, a falta de formação mais específica na área de História das professoras dos anos
iniciais alvo da sua pesquisa. Segundo a autora:
Entendemos como fator complicador a baixa incidência da formação
específica em História, na medida em que, como ficou evidente pelos dados
levantados, as professoras não tiveram acesso a discussões sobre as
renovações e as prescrições relativas ao ensino de História vindas do meio
acadêmico ou mesmo de órgãos oficiais, a não ser por algum esporádico
movimento surgido de preocupação, tempo e gosto pessoal ocasionais. (2011,
p. 108)
As dificuldades tornam-se ainda mais evidentes quando se trata da prática docente que
articula os conhecimentos das diferentes áreas com as relações étnico raciais. Nesse sentido,
Azevedo (2010b) declara:
Um dos desafios para os sistemas educacionais no país refere-se à
qualificação dos professores, principalmente daqueles que atuam nos
primeiros anos do Ensino Fundamental. Muitos destes com formação
polivalente e sem curso superior, precisam ser habilitados para o trabalho
com temáticas voltadas para questões de etnicidade. As ações formadoras
169
precisam envolver princípios, orientações e práticas para a desconstrução de
estereótipos de raça, etnia, sexo, religião etc. e para tanto são requeridos
conhecimentos para além de teorias historiográficas e correntes pedagógicas.
É necessário, sobretudo, sensibilidade para percebermos as diferentes
posturas e visões de mundo dentro de uma sala de aula. (AZEVEDO, 2010b,
p. 12-13)
Algo que pode contribuir para que o professor aproxime-se do universo da diversidade
é, simplesmente, voltar-se, de fato, para seus alunos e estudar sistematicamente para
realimentar o seu trabalho docente levando em consideração as próprias experiências
profissionais e, em relação específica com a História, buscar pensar refletidamente sobre a
própria historicidade pessoal e profissional e tentar fazer isso também com seus alunos. “[...].
A reflexão sobre o sentido do conhecimento histórico pode ser feita pelo educador a partir de
questionamentos direcionados às crianças sobre como seria difícil suas vidas sem a
compreensão do passado. [...]” (SIQUEIRA e QUIRINO, 2012, p. 5).
Além disso, é preciso termos em mente que ensinar e estudar História significa pensar
sobre o hoje, o nosso cotidiano, como bem registra Silva (2013), professor pedagogo com
atuação na Educação Infantil no município de Londrina. Segundo ele:
[...] a História enquanto disciplina vive entrelaçando fatos passados com
idéias, considerações e reflexos do tempo presente. É preciso notar que ensinar
história favorece a análise de experiências vividas no hoje, a partir da análise
de experiências dos nossos antepassados, ou seja, nada mais é do que uma
reflexão do passado que influi no nosso cotidiano. (SILVA, 2013, p. 77).
Nesse sentido, é preciso considerar o aluno como ponto de partida e de chegada do
processo de ensino-aprendizagem em História e isso requer estudos e planejamento, como
bem registra Silva (2013, p. 78): “Partindo da realidade do aluno como eixo para o trabalho na
sala de aula, o professor deve estar centrado naquilo que for discutir com seus alunos, com
preparação de materiais, documentos e planejamento adequado à realidade de cada um”.
Além disso,
Torna-se necessário, também, rever seus conceitos sobre a disciplina de
história, dando a ela mais importância para ser transmitida aos alunos e
acabando com a visão de que ensinar história representa simplesmente a volta
ao passado. Ainda, deve averiguar que ensinar história deve ser um processo
constante, onde professor e aluno constroem e compartilham diferentes
conhecimentos sobre determinado tema, em que a participação do aluno não
seja repreendida, mas incentivada constantemente, tornando o professor e o
aluno próximos e melhorando o ambiente escolar bem como a relação entre o
professor e aluno. (SILVA, 2013, p. 80-81).
170
Na aula de História, foram abordados os acontecimentos sobre a ditadura militar. A professora
relatava fatos que presenciou quando criança, apontou alguns elementos que não havia durante a
ditadura, como as eleições. Porém, da ditadura militar, enveredou pelo governo Collor, e o
impeachment dele. Buscando uma reflexão com os alunos acerca da situação política atual. Foi
visível a não preparação da professora para a aula, pois eram constantes suas dúvidas sobre os fatos
históricos e a temporalidade. Diante disso, os alunos começaram a exigir que substituísse a aula de
História pela de matemática, sendo acatada pela professora, ficando a aula restrita a
aproximadamente 30 minutos de duração. (Diário de campo, 28/11/2016).
Dois problemas graves saltavam aos olhos relativos: ao domínio das questões
temporais e ao curto espaço de tempo destinado às aulas de História. Em relação ao primeiro
aspecto, não temos como minimizar a dimensão das implicações negativas para a formação
dos alunos e não temos como deixar de registrar devido à dimensão que ocupa não apenas na
sala de aula da Professora Marcelina, mas em muitas das salas de aula dos anos iniciais do
Ensino Fundamental como bem demonstra a bibliografia da área.
O trabalho com aspectos temporais tem sido desvirtuado em algumas situações
escolares. Abud (2012, p. 11) deixa isso claro quando afirma que:
[...]. Tem sido uma prática corriqueira da escola considerar que basta datar
os acontecimentos para que se realize a localização temporal da criança.
Exige-se com frequência que o aluno decore datas correspondentes a
determinados fatos; a tradição escolar exige que as datas comemorativas
sejam incluídas entre os conteúdos dos componentes curriculares nos anos
iniciais da escolarização. [...]
É preciso consciência sobre o significado do que vem a ser o tempo histórico. Este vai
muito além da cronologia. Situar-se historicamente, “[...] é perceber que os fatos históricos
que acontecem ao seu redor decorrem de uma dinâmica de relações espaciais próximas e
distantes e se estabelecem numa multiplicidade temporal. [...]” (ABUD, 2012, p. 11).
Abud (2012) lembra-nos que “Ao alcançar a idade escolar aos seis ou sete anos, o
aluno já tem o conceito de tempo formulado, a partir de sua vivência e experiências e das
relações sociais estabelecidas ao longo de sua existência. Vários estudos indicam que os
alunos das séries iniciais pensam o tempo nas dimensões de sua cotidianidade”, afirma Abud
(2012, p. 11).
171
Tempo como expressão das suas experiências cotidianas, ou seja, como sendo similar
ao clima ou como projeção para futuro, lembrança de algo que marcou no passado e que ainda
é sentido no tempo vivido ou algo que ritma o dia a dia como bem demarcam expressões
como “às vezes”, “quase nunca”, “frequentemente”, podem nos dar noções sobre o que
compreendem como tempo sendo ele tanto vivido como algo percebido. Ou seja, as crianças
dos anos iniciais do Ensino Fundamental têm condições de apreender o conceito de tempo
histórico. O passado em si é percebido como algo da vivência da criança. Suas memórias são
vivas e vividas no pouco espaço de tempo de sua experiência humana de sete a dez anos
aproximadamente. E como relacionar o passado com o presente tendo em vista a compreensão
dos eventos humanos? Esse é o papel do ensino de História na vida dos alunos dos anos
iniciais do Ensino Fundamental. Abud (2012, p. 12) orienta-nos, nesse sentido, quando afirma
que:
[...]. A sistematização das noções de tempo físico já desenvolvida pelo aluno é
a primeira etapa na elaboração do conceito de tempo histórico. A compreensão
da passagem do tempo físico (o tempo do relógio, a diferença da paisagem de
acordo com a luminosidade, a mudança das chuvas e da temperatura durante o
ano), que, reduzido a medidas (horas, dias, semanas), torna-se o tempo social,
fundamenta a construção do conceito de tempo histórico pelos alunos –
conceito esse que permite a localização temporal, propiciada pela datação,
pela cronologia, pela periodização, necessárias à vida social.
Compreendemos que o domínio de aspectos temporais associado a conteúdos em sala
de aula não é algo tão simples nas salas de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em
nossas próprias experiências docentes chegamos a vivenciar dificuldades quanto a um ensino
que levasse em consideração os diferentes ritmos de tempo, por exemplo. O desenvolvimento
desta pesquisa em nível de mestrado, sem dúvida, contribuiu para o aprofundamento
conceitual em relação à História. A pesquisa bibliográfica além de informativa foi-nos
formativa nesse sentido. Dessa forma, a importância e a complexidade que envolve o conceito
de tempo histórico ficaram mais claras.
O conceito de tempo histórico é, com segurança, considerado por professores
e historiadores como o mais importante na construção do conhecimento
histórico. Por esse motivo seu estudo é introduzido logo no início do processo
de escolarização e é um dos conteúdos que infalivelmente faz parte dos
conteúdos dos materiais didáticos para o ensino. (ABUD, 2012, p. 563).
A aprendizagem em História envolvendo o domínio de seu arcabouço conceitual é
necessária para que os alunos não sofram também outro problema: o choque escolar quando
172
terminam os anos iniciais e iniciam o 6º ano do Ensino Fundamental. Choque esse bem
referido por Cainelli (2011) quando investiga sobre o ensino e a aprendizagem da História na
transição do quinto para o sexto ano do Ensino Fundamental em uma escola de rede pública.
Não é incomum que professores dos anos finais do Ensino Fundamental culpem os anos
iniciais pela falha na aprendizagem conceitual dos alunos do 6º ano, sobretudo, em relação ao
domínio de questões temporais.
Se nas aulas de História, além de dar conta de conteúdos específicos o professor
precisa lidar com abordagens e conceitos próprios, é preciso, sem dúvida, que haja
planejamento orientando a prática do docente e que esta tenha espaço no cronograma de
atividades. Contudo, o que percebemos foi uma ausência considerável de momentos de
História em sala de aula. Isso explica, em certa medida, os poucos registros referentes às
práticas docentes da professora Marcelina, apesar do tempo alargado dedicado à observação
das aulas no segundo semestre de 2016 na Escola Estadual Potiguassu.
Esse problema foi registrado em outras pesquisas. Dorotéio (2015), por exemplo, em
sua pesquisa sobre os processos de interação do professor dos anos iniciais do Ensino
Fundamental e o conhecimento histórico, afirma, como um problema, o pouco espaço que a
História tem nas atividades escolares ao longo da semana. Segundo a autora:
Fator de destaque em relação ao ensino de História se refere às poucas aulas
semanais destinadas à disciplina. Os questionários indicam que metade do
público consultado ministra de uma a duas aulas por semana, com uma
média de uma hora/aula. O restante indica três ou quatro aulas semanais. Os
dados do questionário vão ao encontro do que anunciam pesquisas recentes
sobre o ensino da disciplina nos anos iniciais. (DOROTÉIO, 2015, p. 7)
Infelizmente, não se percebe ou prefere-se não perceber, que esse menor tempo
destinado à História prejudica não apenas o desenvolvimento do conhecimento histórico dos
alunos. Mas, atrapalha, indiretamente, a aprendizagem também de outras disciplinas. Abud
(2012b, p. 556) também chama a atenção disso quando afirma que: “A restrição ao tempo
para se ensinar a disciplina [História] e a valorização da Língua Portuguesa e da Matemática
constituem-se em fatores primordiais para a exclusão das outras matérias”. Ou seja, tal
exclusão ou diminuição da História atrapalha, também, a aprendizagem das disciplinas
escolares que possuem mais tempo de trabalho junto aos alunos, “pois as [disciplinas]
excluídas significam portas abertas para desenvolver importantes capacidades intelectuais de
relatar, raciocinar, compreender, narrar, etc, fundamentais para desenvolvimento da escrita e
domínio da língua e do pensamento científico” (ABUD, 2012b, p. 556).
173
Bernardo (2009), ao se referir ao papel da escola na formação dos sujeitos, também
retrata a diferença no tratamento dispensado à disciplina História em relação ao lugar que
ocupa, por exemplo, a disciplina Língua Portuguesa nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
De acordo com a autora:
[...] quando se trata do conhecimento histórico este recebe um status inferior
na formação escolar, seja porque, como vimos em sua trajetória, ele foi
marcado por metodologias pouco dinâmicas e finalidade demasiadamente
patriótica. Seja porque os seus objetivos não parecem estar totalmente
elucidados aos agendes do ensino. É como se fosse possível formar uma auto-
identidade e vivenciar as experiências no tempo a partir do nada. Esquece-se
que a História é aquela que nos situa no processo do tempo, oferecendo
ferramentas intelectuais para a compreensão da historicidade da vida social,
auxiliando-nos na superação de visões imediatistas, fatalistas que naturalizam
o social. (BERNARDO, 2009, p. 40).
É fácil percebermos o alcance informativo e, sobretudo, formativo da História ao
observarmos o que diz Joaquim Prats (2006 apud BERNARDO, 2009, p. 47) ao justificar a
presença da História na educação de crianças e adolescentes, apontando as suas
potencialidades ao afirmar que a História deve servir para:
- Facilitar a compreensão do presente.
- Preparar os alunos para a vida adulta.
- Despertar o interesse pelo passado.
- Potencializar nas crianças e adolescentes um sentido de identidade.
- Ajudar os alunos na compreensão de suas próprias raízes culturais e da
herança comum.
- Contribuir para o conhecimento e a compreensão de outros países e culturas
do mundo atual.
- Contribuir para o desenvolvimento das faculdades mentais por meio de um
estudo disciplinado.
- Introduzir os alunos em um conhecimento e no domínio de uma metodologia
rigorosa própria dos historiadores.
- Enriquecer outras áreas do currículo.
Diante do exposto, podemos afirmar que a falta de acesso a conhecimentos históricos
significa uma falha muito grande na formação das novas gerações, pois as repercussões
poderão ser sentidas tanto no curto prazo, ao não contribuir para o desenvolvimento de
faculdades que ajudariam na aprendizagem também de outras disciplinas, quanto no longo
prazo, afetando a compreensão da historicidade do sujeito quando já adulto.
174
4.2 PLANEJAMENTO: CAMINHO PARA A PRÁTICA PEDAGÓGICA SIGNIFICATIVA
Com base no olhar que lança sobre seus alunos, a escola revelava através do PPP o
direcionamento teórico metodológico que conduzirá as ações docentes. Os aspectos
formativos orientarão as ações pedagógicas, e devem, além disso, responder aos seguintes
questionamentos: para que ensinar e para que educar? Como nos revela Sacristàn (1999, p.
33)
A segunda proposição da compreensão da ação para a educação provém,
pois, de seu entendimento como algo dotado de sentido, de significado e de
valor; algo que se empreende por alguma razão, que tem um fim. O sentido
da educação é essencial ao fato de que tenha um propósito, enquanto guiada
por um projeto explícito. As ações que se empreendem na educação, tanto
individuais como coletivas, não poderiam se entendidas se não se considera
a que conduzem, para que se realizam.
A ausência de consideração sobre as falas dos alunos pode gerar diretamente
momentos de indisciplina em sala de aula. Foram constantes esses momentos nas aulas da
professora Marcelina. A seguir, demonstramos um desses momentos:
Ao iniciar a aula, a professora pediu que pegasse os livros de matemática, a aluna G. negou a
possibilidade de orientar-se pelo livro que não fosse do professor. Tendo em vista que já tinha as
respostas. Com a recusa da professora a aluna, foi para baixo da mesa e iniciou seu protesto,
atrapalhando a aula. Nessa mesma aula, a professora tentou pedir aos alunos a realização da leitura
compartilhada, atividade que não concluiu diante da confusão que foi instaurada, a qual a
professora não conseguiu desfazer. Ao final, a professora desistiu da leitura compartilhada,
realizando ela mesma a leitura e já resolvendo o problema no quadro. Depois de duas atividades a
professora liberou os alunos para “descansarem” 20 minutos antes de o recreio iniciar. Enquanto
isso, a aluna G. pegou um pente na bolsa da professora e começou a pentear-lhe os cabelos.
(Diário de campo, 27/09/2016).
A metodologia adotada pela professora é tradicional de cunho mecanicista. A falta do
planejamento e orientações para sua elaboração resulta em aulas descontextualizadas
desprovidas de desafios e inovações na construção do conhecimento. Sabemos que planejar
corretamente, pede tempo e dedicação, e na maioria das vezes, o planejamento estava ausente
nas suas aulas. As atividades são sugeridas aleatoriamente, nesse caso, assim como a
professora, o aluno não consegue identificar o “para que” está realizando a atividade proposta.
A intencionalidade própria de um planejamento de ensino não aparece nas aulas. Algo que os
175
próprios alunos percebem e, a partir de então, interferem de todo o modo para controlar as
ações em sala.
Diferente de planejamentos desenvolvidos em outras áreas de conhecimento, o
planejamento no ensino possui aspectos que lhes são específicos visto que lida
com os sujeitos em processo de formação intelectual e humana. No que se
refere à História, especificamente, significa ainda considerar essa formação
em perspectiva, estabelecendo, junto aos alunos, laços culturais localizados
em diferentes tempos e, mesmo, espaços. Fica, assim, evidente que o ato de
planejar consiste em um ato intencional e no exercício docente em sala de aula
o professor precisa estar atento à concretização da sua intencionalidade para
redimensionar ações que se fizerem necessárias para a efetivação dos
objetivos da aula. (AZEVEDO, 2013, p. 5-6).
Sem plano claro, sem objetivos concretos traçados, sem uma intencionalidade
formativa definida, os alunos percebem a fragilidade das aulas, que não apresentam
propósitos, os conteúdos são aleatórios e a prática não corresponde aos anseios, os alunos se
concentram em outras atividades que lhes apresentam prazerosas e desafiadoras, mesmo que
não convencionais. Ou seja, as atividades propostas representam os pensamentos da
professora sobre seus alunos, e elas afirmam a descredibilidade intelectual, a descrença em
superar obstáculo, o incentivo à construção do pensamento.
Algo que nos chamou a atenção logo no início do período de observações: um suposto
distanciamento da professora em relação aos seus alunos, apesar das suas tentativas de
aproximação com a turma. O distanciamento era percebido pelas ações da docente que parecia
não olhar mas, não ver de fato para seus alunos. O olhar superficial para a turma é um grande
risco para o professor que, ao não conhecer, de fato, seus alunos, não consegue estabelecer um
dialogo mais direto, franco e eficaz com todos. O conhecer os seus próprios alunos é um dos
principais requisitos para um bom exercício de planejamento, pois implica em escolas mais
adequadas no que se refere a praticamente todos os requisitos de um planejamento, a exemplo
da definição dos conteúdos.
[...], mais do que a percepção do espaço e do tempo em que nosso aluno
vive, é necessário para uma boa escolha dos conteúdos a serem ministrados,
um comprometimento com a disciplina, a leitura e os estudos [sic] dos temas
a serem abordados. Além disso, muito compromisso com os alunos que são
o motivo deste processo. (BITTENCOURT, J. 2009, p. 44).
Quem são os alunos do 5º ano da Escola Estadual Potiguassu? O que diz a professora
Marcelina sobre eles? Em entrevista, quando questionada, a docente respondeu da seguinte
forma:
176
Pesquisadora: como você caracteriza a sua turma?
Professora: Eu vejo minha turma como crianças carentes que vem de baixa
renda. Crianças que muitas vezes os pais, trabalham e que ficam aos
cuidados de alguém, até as vezes eles mesmo tem que ter a responsabilidade
de vir para a escola, tem de observar o tempo de comer ou não comer, as
vezes alguns vem até mesmo sem se alimentar pra virem à escola. E também
são crianças vivenciam muita violência na comunidade onde eles moram.
São os meus alunos as características deles são essas Crianças que às vezes
se assusta que todos os dias têm um relato de violência no setor onde moram,
violência não só tanto na família entre si mas, violência é de facções que tem
no lugar onde eles moram. (MARCELINA, 2016)
Não se tem compromisso com aqueles que não se conhece profundamente. Ou seja, é
preciso, mais uma vez, reafirmar a importância de conhecer o público com o qual se trabalha.
Azevedo C. (2010b) chama a atenção para aspectos peculiares que envolvem o público
escolar que ingressa no Ensino Fundamental. Segundo a autora:
Ao ingressar no Ensino Fundamental, o aluno, ainda criança, entra em
contato com um universo disciplinar. Objetivos de aprendizagem,
metodologias e conteúdos diversificam-se. Nesse novo cenário escolar,
espera-se que o discente tenha aprofundados seus referenciais de tempo e
espaço, necessários à apropriação do conhecimento histórico. Este, tendo em
vista o atendimento das políticas públicas para a Educação Básica de modo
geral e para o ensino de História, especificamente, requer o trato com
conteúdos que permitam, entre outros fins, que o aluno compreenda as
transformações pelas quais passaram: as famílias; as territorialidades; os
hábitos, as relações e os significados acerca do corpo; jogos, brincadeiras e
outras formas de interação e comunicação, ao longo do tempo e em
diferentes espaços. (AZEVEDO, C., 2010b, p. 10).
Para que isso se torne uma realidade, é preciso considerar a relevância do
conhecimento histórico como base para a formação do sujeito bem como a frequência de
aulas de História no decorrer na semana de atividades na escola, algo que não foi possível
perceber na Escola Estadual Potiguassu.
Em uma das três aulas de história presenciadas, se desenvolveu em torno do cangaço. A professora
utilizou o livro História e Geografia do Nordeste. Porém, a reação dos alunos a sua sugestão, foi
reivindicatória, pois segundo os alunos, aquele horário (após o recreio) era a disciplina de ciências
que estava no cronograma de aulas semanais. A aula foi iniciada pela professora, com a proposta de
leitura compartilhada, porém sem uma introdução contextualizadora nem sondagem dos
conhecimentos prévios sobre o assunto que seria abordado. A cada parágrafo lido, a professora fazia
comentários esclarecedores, realizando paralelos com histórias, segundo a professora , contadas pelo
seu avô sobre o bando de Lampião. Diante da declaração, um aluno disse que era mentira da
professora, referência sobre a qual a professora não esboçou reação.
Durante a abordagem das histórias, os alunos mostravam-se atenciosos, mas, ao retornar a leitura,
177
iniciavam as conversas paralelas.
A professora relacionava as ações do bando de Lampião ao que estava acontecendo na atualidade,
focando principalmente aos fatos ocorridos na comunidade.
Ao reprovar uma relação de proximidade com bandidos, um aluno respondeu dizendo que era bom,
que ele mesmo estava rodeado de bandidos. Retomando a fala, a professora buscou refletir com os
alunos as posturas assumidas pelo bando de Lampião, ao que o mesmo aluno declarou: “matar é
bom”. Diante da insistência do aluno, a professora desiste e registra no quadro seis questões sobre o
texto. A cada pergunta, a professora apontou onde os alunos encontrariam as respostas, sem
aguardá-los na pesquisa e leitura. (Diário de campo, 27/09/2016).
O tema foi introduzido aleatoriamente, apenas porque estava no índice do livro. A
professora não realizou a contextualização histórica sobre o bando, suas ações, e
consequências para a história do Nordeste. Como, dessa forma, instigar a curiosidade dos
alunos para o tema em estudo? Se os alunos não percebem relação com a própria experiência
deles no tempo, se não conseguem redimensionar aspectos do conteúdo no tempo e no espaço,
não conseguirão ver sentido na aula. É preciso, como aspecto do planejamento docente, que o
professor busque contextualizar a aula conforme as características da sua turma.
Na elaboração do planejamento é preciso que o docente esteja atento à
contextualização do conteúdo. Essa consiste na explicitação da importância do
conteúdo relacionado à vida prática do aluno. Busca deixar evidente para
professor e, principalmente, para os alunos a relevância de se estudar
determinada matéria. A contextualização consiste na busca dos significados
das interpretações históricas passadas e presentes, no estabelecimento de
relações e comparações entre situações e problemáticas presentes e passadas.
Por meio da contextualização busca-se a compreensão dos significados dos
conhecimentos aprendidos na escola para o contexto da vida presente.
(AZEVEDO, 2013, p. 20).
Em outras palavras, é preciso trabalhar a historicidade dos eventos, é preciso
relacionar presente e passado. Diferente de uma perspectiva que trabalha a História como
conhecimento do passado pelo passado, as aulas de História quando relacionadas, de alguma
forma, ao dia a dia dos alunos ganha destaque e vida. No trabalho de observação de aulas de
História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, Neves (2004) demonstra isso ao declarar
que:
No cotidiano da sala de aula de História há alguns momentos “mágicos”, em
que toda a classe parece despertar do seu torpor, as alunas prestam atenção,
emitem suas opiniões, defendem seu ponto de vista. Esta “magia” ocorre
quando aparecem interligações com sua realidade mais próxima, vivenciada
no dia a dia, percebida como parte do seu presente e, no entanto, pouco
compreendida. Expressam o desejo de esmiuçá-la, nesse pulsar de vida que
178
rompe com a monotonia do desinteresse e da apatia, quase permanentes nas
aulas por mim observadas. (NEVES, 2004, p. 6)
Percebemos nas aulas da professora Marcelina que quando a aula sai da lousa, e
apresenta-se mais dinâmica, os alunos se concentram, participam e colaboram com suas
experiências. Porém, quando retorna à leitura dos textos, os alunos tentam o tempo todo
chamar a atenção da professora pelo “choque”, sempre tentando chocá-la com suas
declarações. Ao perceber que os alunos participam mais, interagem melhor e concentram-se
com mais facilidade nos momentos em que há relações entre diferentes temporalidades, a
professora Marcelina poderia aproveitar e aprofundar as aulas, envolvendo mais e melhor os
alunos na aprendizagem da História. Contudo, esses momentos são breves e logo
acompanhados de dispersão pela volta de práticas monótonas.
Contextualizar exige do professor atenção constante aos seus próprios conhecimentos
e aos seus alunos. É preciso ouvi-los para saber como melhor encaminhar a aula. Em uma
aula de História, pelas necessárias relações temporais que ela enseja, memórias diversas
afloram. Quando a professora busca que os alunos reflitam sobre as ações do bando de
Lampião e um aluno declara que “matar é bom”, isso significa que há memórias que precisam
ser trabalhadas em sala de aula. Desconsiderar a fala do aluno como objeto de estudo, desistir
da reflexão e ir registrar no quadro um questionário de seis perguntas não nos parece ser a
melhor opção.
Ao se referir ao ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, Azevedo,
P. (2010, p. 343) declara:
[...] o olhar histórico é desfocado e obscurecido para uma outra memória
específica, tornando pessoas comuns não presentes na historiografia escolar,
que quando presentes são colocadas em uma perspectiva marginal,
desbotada, produzindo uma amnésia, naturalizando uma memória oficial e
elevando-a a categoria de dogma – imutável, perene, eterno –, focando a
história nos dignos de memória, um culto a personalidades e vultos,
distanciando a história da vida e a vida da história.
Ou seja, segundo a autora, o ensino de História direciona o olhar dos alunos para um
determinado tipo de memória a qual tem uma função ideológica específica às vezes
escondida, às vezes camuflada. Isso termina por gerar uma amnésia nos alunos, pois a
memória que é trabalhada é, de modo geral, a memória dos dignos de rememoração, na qual,
muitas vezes, as vivências dos alunos não tem sequer proximidade. O resultado disso é que,
quando em uma aula sobre o cangaço no Nordeste, um aluno pronuncia-se dizendo que
179
“matar é bom”, demonstrando que possui vivências no âmbito da violência, isso é sequer
ouvido, quanto mais trabalhado.
Perde-se mais uma vez a oportunidade de trabalhar questões sociais, por si de cunho
interdisciplinar, e a partir da realidade do seu público escolar. Perde-se a oportunidade de dar
sentido as suas aulas ao colocar como objeto de discussão, a realidade social e histórica dos
alunos, suas memórias sobre a história vivida.
É preciso questionar o ensino de História quanto a essa construção de memória e
conhecimentos que excluem. A articulação entre ensino de História e educação para relações
étnico-raciais é uma possibilidade concreta para tanto e isso os próprios alunos encarregam-se
de dar indicativos quando externalizam suas experiências que nada se aproximam com os
“conteúdos” da aula. Exemplos disso são as narrativas de violência vista por eles na
comunidade. Sobre os quais, a professora não chega a esboçar reação. Os alunos dos anos
iniciais possuem história e memória e essas precisam ser consideradas e trabalhadas pelos
professores. Azevedo P. (2010, p. 349) bem relata os efeitos disso ao se referir ao partilhar
memórias:
A memória partilhada ganha contornos e cores novas, frutos da partilha. Não é
mais memória própria – propriedade individual – é memória nossa, com
elementos construídos na coletividade. Essa relação dinâmica da memória se
operacionaliza na linguagem, no ato de fala; corporificando a memória pela
fala, estamos revisitando e construindo uma nova representação do passado,
ou aprimorando ao já existente com fatos, cores, sons, cheiros e tantos
elementos que fazem do lembrado algo vivo e dinâmico. A memória é
dinâmica e em construção, pois quando a compartilhamos estamos
relembrando e refazendo o caminho de visita a sua origem. Todo caminhar
novo traz novos conhecimentos, novos achados e promove também alguns
apagamentos, próprios do dinamismo da memória. Cada passo refeito traz
consigo elementos do presente, modificando o olhar e proporcionando novas
impressões. (AZEVEDO, P., 2010, p. 349)
A história, mesmo com diferenças em relação à memória, é também uma
representação do passado. Para o trabalho adequado com ela em sala de aula, é preciso que o
docente saiba o que é história, conheça seu processo de constituição como área de
conhecimento, domine seus conceitos básicos orientadores e compreenda suas especificidades
teóricas e metodológicas.
Neste dia a professora disse haver esquecido o seu caderno de planejamento na escola que ministrou
aula pela manhã. Segundo ela, a aula seria de ciências, que estava com tudo planejado. Diante disso,
seria aula de matemática, porém, como não havia planejado, ficou na dúvida sobre qual página do
180
livro utilizaria e qual conteúdo seria abordado. Decidiu por um conteúdo que não havia estudado
nem em casa nem com os alunos, sendo revelada essa falta no momento da explicação. Nesse
aspecto, o aluno J. disse: “não sabe nem o que está fazendo” , enquanto a professora tentava resolver
um problema, sem sucesso. Diante da falta de domínio do conteúdo pela professora, os alunos
começaram a agitação. Diante do insucesso na resolução, pediu-nos ajuda para tentar resolver a
atividade que propunha. O que percebemos foi que era um conteúdo que os alunos não tinham
conhecimento das bases, assim como a professora. (Diário de campo, 29/09/2016).
Para lecionar, é imprescindível atualização, estudos e pesquisa por parte do docente.
Essas práticas se fortificam no ato de ensinar. Nesse relato, percebemos as consequências da
falta dos elementos compositores da profissão. A descredibilidade dita antes por parte da
professora para com seus alunos passa a ser reciproca. A partir do comentário do aluno J. nos
certificamos da imagem produzida pelos alunos sobre a educação promovida pela professora.
Ao nos pedir ajuda, confirmou a fragilidade em desenvolver seu ofício, diante dos alunos. Ao
nos pedir que explicasse aos alunos, preferimos explicar-lhes para que assim pudesse concluir
sua aula. Dessa forma, a conquista pelo respeito enquanto professora e educadora apresenta-se
comprometida, pois seus alunos passam a não confiar nas suas orientações. A inquietação da
turma, na maioria das vezes, é resultado da falta de domínio de conteúdo e de sala.
Esse exercício de esclarecimento, de contextualização aos alunos, sobre aquilo que se
faz em sala de aula proporciona à turma mais condições de apropriação das experiências
escolares. Tudo termina apontando para a importância do pensar sobre, do planejamento sobre
a prática e da reflexão relativa ao trabalho que se desenvolve. Em relação, especificamente,
aos conteúdos e ao seu processo de escolha e o como trabalhar em sala de aula vale à pena
pensarmos nas palavras de Bittencourt, J. (2009, p.43):
No momento da escolha dos conteúdos para as aulas, o professor deverá
pensar se o que ele pretende ensinar realmente vai contribuir para efetivar os
objetivos da disciplina e certamente, ter um olhar crítico sobre os conteúdos
das propostas curriculares que orientam seus trabalhos, que muitas vezes são
pouco claras no seu enunciado.
As aulas de História são raras e não apresentam frequência semanal. Para ministrar
aulas da disciplina é imprescindível a preparação pelo docente. As aulas de História que
presenciamos, revelava a falta desse estudo e dedicação por parte da professora. Visualizamos
a pouca importância atribuída à disciplina, assim como a descontextualização dos fatos
históricos. Mas, voltamos para o principal fator, a falta de planejamento e estudos. Sobre a
pouca quantidade de aulas de História discorremos mais adiante.
181
Ao se referir ao exercício do planejamento, Schmitt (2011, p. 1212) bem declara que
[...] deve buscar envolver os estudantes numa teia de assuntos, temas,
contextos que promovam o processo ensino aprendizagem, que seja tão
significativa quanto o permitam as possibilidades e necessidades dos
estudantes. Essa profusão de atividades no fazer docente, denota que a
importância depositada no planejamento [...].
Ou seja, o exercício do planejamento requer que se pense nos alunos e nos
conhecimentos a que estes devem ter acesso e a partir disso, buscar estabelecer as devidas
relações de sentido entre ambas as instâncias. Imprescindível é que todo e qualquer docente
tenha o planejamento como algo inerente ao exercício da sua profissão.
[...]. O ato de planejar está presente em vários setores da vida social. Do
ponto de vista educacional, podemos afirmar que o planejamento é um ato
político-pedagógico posto que é detentor de intenções. Tal intencionalidade
expõe o que desejamos realizar e o que pretendemos atingir. Ao pensarmos
no trabalho escolar executado a partir da disciplina História, essa intenção
torna-se mais específica e explícita no que se refere à formação de um tipo
de homem e de sociedade. (AZEVEDO, C. 2013, p. 5).
Uma boa atuação docente, nesse sentido, requer conhecimento da área, base da qual
partem os conteúdos escolares, mas também, criticidade sobre a educação e o processo de
ensino-aprendizagem e que o docente leve em consideração os alunos, que os tome como
ponto de partida e de chegada do processo pedagógico.
Schmitt (2011) ao analisar planejamentos de aula de História elaborados por
professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no município de São José-SC (anos de
1990 a 2010), aponta a “pouca discussão sobre a importância de se trabalhar com as noções e
conceitos históricos nas séries iniciais”. Dado revelador da necessidade de melhor formação
docente e planejamento das práticas pedagógicas. Ensinar História significa ir além da
reprodução de conteúdos presentes em livros didáticos. Ensinar e aprender História requer
reflexão sobre a experiência humana em sociedade e isso necessita de domínio sobre questões
temporais.
Mais importante do que abordar “conteúdos” de história é construir uma
compreensão de tempo; em primeiro lugar, para desnaturalizar as
convenções que são colocadas como naturais; em segundo, para que se pense
a respeito do tempo esquadrinhado a que somos submetidos na escola e fora
dela, principalmente para que, construindo conceitos sobre temporalidade,
os/as alunos/as possam utiliza-los como ferramentas para intervir
182
objetivamente nesse tempo histórico, sentindo-se parte desse tempo e dessa
história (SCHMITT, 2011, p. 1214).
4.3 RELIGIOSIDADE E RELAÇÕES INTERPESSOAIS: ENTRELACE NA
ABORDAGEM ÀS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
É preciso que compreendamos quem são os professores que ensinam História em
turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Para isso, precisamos de pesquisas
empíricas que deem luz sobre suas percepções, práticas pedagógicas, condições de trabalho,
dúvidas e anseios pessoais e profissionais entre outros aspectos. Isso, em última instância,
certamente, contribuirá para melhorias (ou ao menos a sua busca) de políticas curriculares e
de formação profissional para aqueles que atuam no Ensino Fundamental. Durante o período
de observação da prática pedagógica da professora Marcelina, diferentes aspectos chamaram-
nos atenção. Um que se destaca é insistência na demonstração de princípios religiosos de uma
única matriz.
A religiosidade cristã, é presente no dia-a-dia da sala. Os problemas são resolvidos com base na
oração e proteção de Jesus. No dia anterior, houve um enfrentamento entre as facções que dizem
dominar a comunidade Beira Rio. Naquele dia, o pai de um dos alunos foi assassinado.
Ao chegar a sala, os alunos trouxeram muitos depoimentos envoltos a necessidade de contar o
acontecido. Percebemos nas falas dos alunos, a satisfação nos relatos de violência que presenciaram.
Porém, o que percebemos foi a tentativa em chocar a professora.
A professora, por sua vez, faz referência a versículos da bíblia e sugere sua leitura para proteção.
Um dos alunos grita “aleluia”, ironicamente. (Diário de campo, 27/09/2016).
A religiosidade está fortemente presente nas ações da escola, em especial da
professora, que coloca a evangelização como promotora das suas ações. Nesse momento, os
alunos, queriam ser ouvidos e relatar os momentos de apreensão do qual foram testemunhas,
porém, tudo que a professora poderia lhes oferecer, de acordo com suas ações, eram orações.
Porém, os acontecimentos nada tinham de religiosos, as causas eram humanas, provenientes
da violência urbana, insegurança, desigualdade social, enfim, frutos das ações sociais. E que
para que haja mudança, é necessário mudanças de pensamentos e atitudes. Situações que as
crianças são vítimas direta ou indiretamente, quando estas atingem sua família.
183
Em termos escolares a Professora Marcelina perdia a oportunidade de trabalhar
questões sociais vivenciadas pela comunidade onde a Escola Estadual Potiguassu estava
inserida. Sobretudo pelo fato de tais questões estarem relacionadas a processos de exclusão
social, é que se tornavam necessárias de serem tomadas como objeto de discussão. Se não
nesta aula específica, por uma falta de preparo pontual talvez, mas em aulas seguintes, para as
quais a professora Marcelina buscaria formação. Contudo, o que vimos foi a desconsideração
daquela realidade como digna de ser tomada como objeto, ao menos, de uma discussão.
Além disso, havia de se considerar a laicidade do ensino na escola pública brasileira
garantida desde o período de constituição da República no Brasil que garantia liberdade de
conteúdo para a temática. Além disso, a aula da professora Marcelina data de 27/09/2016, um
ano antes da mudança estabelecida pelo atual Supremo Tribunal Federal do Brasil, que, em
27/09/2017, passou a garantir o ensino religioso nas escolas públicas, inclusive, podendo ser
considerado a partir de uma única religião. Nesse aspecto Silva (2005 p. 124) enfatiza a
função da escola na abordagem à religiosidade, enfatizando a laicidade da escola:
O ensino público deve ater-se às suas funções no que diz respeito ao trato
com as populações, as quais apresentam diversidades de toda ordem,
inclusive religiosa. Pensando o ensino público e suas atribuições, devemos
investir na instrução abolindo a doutrinação religiosa, porque a escola laica é
uma das mais importantes conquistas sociais baseadas nos princípios
democráticos.
Seguindo os valores religiosos revelados pela professora, os alunos assumem posturas
semelhantes, percebemos uma forte inclinação para o trabalho com o cristianismo
(catolicismo e evangelismo). Ao iniciar cada aula a oração do “Pai Nosso” é feita
coletivamente, como se todos os alunos professassem da mesma religião. Na sala de aula, as
expressões religiosas utilizadas pela professora, em que toma a religiosidade, a sua fé, como
solução e explicação para fatos ocorridos, sendo fortalecidas e diariamente repetidas.
Os alunos utilizam sempre as expressões religiosas, como: “sangue de Jesus tem poder”, “amém”.
Utilizadas também pela professora. Nesse contexto, o aluno A. disse a professora que estava com
dores de cabeça a mesma respondeu: “ Jesus lhe curou. Ele morreu na cruz para acabar com as
doenças”. (Diário de campo, 27/09/2016)
184
A escola apresenta características de ambiente evangelizador, expressão religiosas que
não correspondem aos aspectos adotados como padrões, são desconsiderados. É pungente o
aspecto negativo atribuído às religiões de matrizes africanas, solidificadas através dos anos
em que ao assumir a identidade afro-brasileira, significa assumir e corroborar com os aspectos
negativos atribuídos à religião, a falta de informação e conhecimento por parte do docente,
fortalece a ações de racismo e preconceitos. Quanto ao postulado, Silva (2005) afirma que é
possível a abordagem a religiosidade mitológica africana destituída da doutrinação religiosa.
Sendo tratada ao nível de informação, formatação de abordagem que deveria ser reproduzida
pelo ensino aprendizagem de todas as religiões.
[...] É possível tratar do assunto dentro de um processo cognitivo que não
ponha em risco o caráter laico da escola pública. Isso significa dizer que
defendemos a idéia de um programa educacional que ao tratar de cultura
negra, em uma perspectiva absolutamente informativa e não doutrinária,
contemple as mitologias e filosofias religiosas oriundas dos vários grupos
étnicos africanos que compõem a sociedade brasileira, mesmo porque não
existe cultura negra sem dimensão espiritual. (SILVA, 2005, p. 124)
Diante do desconhecimento das premissas das diversas religiões, em especial, as de
matrizes africanas, temos como consequências, referências à religiosidade africana, de forma
pejorativa e deturpada esboçadas pelos alunos. Expressões de origens africanas são utilizadas
como forma de agressão de um aluno para com o outro, sendo tais atitudes comuns entre eles.
Como podemos observar na situação ocorrida no dia 07/10/2016.
Em uma discussão entre dois alunos o aluno MI referiu-se ao colega como “imacumbado”, porém, a
professora não esboçou nenhuma reação. Inferimos que o fato de fingir não ouvir, é resultado da
proteção que a professora direciona ao aluno MI. (Diário de campo, 07/10/2016)
Os alunos repetem o que ouvem na sua família e comunidade, sem orientação e
fundamentação. A escola, como promotora de uma educação para as relações sociais e
diversas, deve através do professor, destituir tais pensamentos, informando e formando
cidadãos que convivam em sociedade respeitando a pluralidade cultural, étnica e religiosa. A
reprodução do preconceito representada pela omissão nos deixa evidente o compartilhamento
entre docente e aluno, dos pensamentos produzidos e reproduzidos, comprovado a partir da
negação em desfazer e reestruturar a concepção do aluno acerca da religião de matrizes
africanas.
185
Um aluno disse que os colegas estavam fazendo macumba, ao que a professora perguntou-lhe o que
seria. Ele respondeu através de gestos simulando a realização de magias. A professora então, disse
que não sabia o que era macumba. (Diário de campo,17/10/2016).
A fragilidade na formação docente na ministração das aulas de ensino religioso em
consonância com a resistência em abordar os princípios da religião de matriz africana,
conduzem ao desconhecimento consequentemente a perpetuação das concepções criadas na
época colonial sobre a cultura africana.
Um dos desafios para os sistemas educacionais no país refere-se à
qualificação dos professores, principalmente daqueles que atuam nos
primeiros anos do Ensino Fundamental. Muitos desses com formação
polivalente e sem curso superior, precisam ser habilitados para o trabalho
com temáticas voltadas para questões de etnicidade. As ações formadoras
precisam envolver princípios, orientações e práticas para a desconstrução de
estereótipos de raça, etnia, sexo, religião, etc. E para tanto são requeridos
conhecimentos para além das teorias historiográficas e correntes
pedagógicas. É necessário, sobretudo, sensibilidade para percebermos as
diferentes posturas e visões de mundo dentro de uma sala de aula.
(AZEVEDO, 2011, p. 183)
O conhecimento acerca dos elementos fundantes da história e cultura africana e afro-
brasileira, ainda está impregnado pelas marcas do passado, e ainda apregoado como
“proibido”. “Na verdade não há diferenças substantivas entre a conduta de ideólogos e
religiosos católicos e protestantes na defesa de conceitos que fortalecessem o racismo no
passado, propiciando a sua presença hoje, ainda forte, no imaginário popular.” (SAN‟ANA,
2005, p.48).
Ao focar os princípios religiosos únicos, aos alunos é negada a possibilidade de
construir suas próprias concepções acerca das diversas expressões religiosas, fortalecendo os
olhares preconceituosos e discriminatórios construídos histórica e hereditariamente.
Ao considerar ainda as singularidades dos alunos que se remetem à cultura
indígena e africana, é importante que o docente reconheça a relação entre
aprendizagem, corpo e emoção. A integração do corpo com a natureza e com
o sagrado tem significados que transcendem o espaço da sala de aula e
influenciam no processo cognitivo. Visões de mundo abertas para o outro,
vivências em rituais plurais e crenças em verdades múltiplas, diferentes do
padrão civilizatório ocidental preponderante nas instituições de ensino
186
formal, requerem do professor, em sala de aula, domínio teórico-
metodológico da sua área de conhecimento e sensibilidade frente à escola e
seus alunos. (AZEVEDO, 2011, p. 183).
A professora Marcelina, desempenha o papel determinante na educação
institucionalizada, porém, ainda não percebeu a importância que tem no processo de
erradicação das diversas formas de preconceitos que a turma tem apresentado. Ao mesmo
tempo, que ainda não se deu conta que seu silêncio fortalece a repetição e transmissão de tal
prática.
Construímos nossas proposições, e percebemos que as atividades encaminhadas pela
escola levam-nos a pontuar a doutrinação cristã, como por exemplo, ao realizar, junto aos
alunos, a oração “Pai Nosso” todos os dias, durante a recepção dos alunos à Escola. Contudo,
ao nos reportarmos às proposições para o ensino religioso, identificamos a referência à
diversidade religiosa, esta, silenciada pelas práticas educativas. “Princípios, representações e
festividades de orientações cristãs são toleradas frequentemente em instituições educacionais,
não ocorrendo o mesmo com as relacionadas às matrizes africanas e indígenas” (AZEVEDO,
2011, p. 179).
Tal comportamento é presenciado no momento em que, por exemplo, notamos intensa
movimentação nas datas cristãs como o Natal e nenhuma referência ao dia da Consciência
Negra. Vale salientar que a data, 20 de novembro, está definida como obrigatória no
calendário educacional, promulgada pela Lei 10.639/2003 Art. 79 - B. Durante a nossa
pesquisa, EEP não realizou atividades para sua menção ou reflexão. O que nos leva a retornar
ao currículo, que não determina tal data como comemorativa no seu calendário letivo. Dessa
forma, a escola revela claramente, diante das características explicitadas que tipo de sujeito
defende. Pois, ao mesmo tempo em que absorve determinadas maneiras de pensar, exclui
outras, na defesa e sustentação do tipo de sujeito que escolheu formar. “A escola funciona
claramente, como uma instituição transmissora de ideias e, principalmente, das classes
dominantes na medida em que seleciona, e consequentemente, exclui.” (TEIXEIRA, 2011, p.
14). A imposição religiosa reflete diretamente no reconhecimento e identificação identitária,
conduzindo o aluno a proferir a mesma religião, negando-lhe o direito de conhecer outras,
inclusive as de matrizes africanas.
O PPP da Escola, que corresponde ao orientado pelo Plano Curricular Estadual em que
coloca o Ensino Religioso como disciplina a ser contemplada semanalmente, orienta
abordagem à disciplina de forma democrática, e enfatiza o seu estudo sob as bases da
187
diversidade e liberdade religiosas. Defende a construção do conhecimento da fé no contexto
de cada religião, sem definir nenhuma como centralizadora. (ESCOLA, 2015). No entanto,
como identificado durante a observação participante, a escola define a região cristã
centralizadora dos seus atos religiosos, desconsiderando os fundamentos das demais religiões.
Esta é mais uma forma velada de expressar preconceitos, pois, estes se apresentam por
diversas vias, dentre elas o religioso ou até mesmo socioeconômico.
Ao recorrermos ao PPPEEP entendemos que as condições socioeconômicas, para a
escola, assim como para professora, é um dos aspectos definidores para a orientação
educacional adotada, assim como a constituição dos objetivos e as alegações acerca do
sucesso ou não do aluno, e essa condição também define o nível de importância atribuída às
experiências dos alunos. Vejamos uma situação vivenciada pela aluna MI, dentre outras de
cunho constrangedor.
Ao divulgar os resultados dos aprovados sem recuperação, a professora revelou o nome da aluna MA,
porém, no mesmo instante, disse a aluna que achava que não deveria ser aprovada direto, pois achava
que ela ainda não dominava um certo conteúdo de matemática, no entanto, a aluna havia conquistado
a nota para ser aprovada. (Diário de campo, 12/12/2016)
Diante dessa atitude, a professora deixou claro sua posição diante das aparências, a
aluna em questão, é moradora da Comunidade Beira Rio, pertencente a uma família que na
comunidade é menosprezada e desvalorizada, filha de pais analfabetos, afro-brasileira.
Durante nossas observações, a aluna mostrou-se dedicada, sendo uma das poucas que
realizava as atividades de forma independente, sem esperar pela professora que ao término
das suas atividades se voluntariava a ajudar outros alunos com aparente dificuldade. Porém,
sempre se mostrou introspectiva, pois diante de tantas ações de preconceito reveladas, a aluna
preferia não ser notada. Ao adotar essa atitude, a professora deixa claro sua desvalorização e
descredibilidade pela aluna, duvida da sua capacidade cognitiva. Tal direcionamento tem sua
sustentabilidade na ideologia defendida pela professora, na concepção de educação que
acredita, assim como que relação estabelece com seu aluno, como o percebe.
Identificamos no PPPEEP orientações fortemente relacionadas às questões cognitivas,
quando afirma: “Tem como função assegurar ao seu alunado o domínio da escrita, da leitura e
do cálculo, instrumentos fundamentais, sem os quais não se pode atuar eficazmente na
sociedade letrada” (ESCOLA, 2015, p. 10). Porém, nos objetivos declara a busca pela
formação integral do aluno. Diante da desconsideração dos aspectos formativos culturais e
sociais do sujeito, essa condição é inviabilizada. Geralmente, quando pensamos em
188
conteúdos, nos reportamos aos conteúdos exclusivos de disciplinas, o que não se configura
como suficiente na construção do sujeito integral. Segundo Zabala (1994, p. 30) “Devemos
nos desprender desta leitura restrita do termo conteúdo e entendê-lo como tudo quanto se tem
que aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades
cognitivas, como também incluem as demais capacidades”. Estamos nos referindo às
competências conceituais, procedimentais ou atitudinais, a primeira nos permite refletir sobre
o que deve ser aprendido, a segunda o que se deve fazer e por último, porém não menos
importante, como deve ser. Serão abordados todos os elementos que incidirem sobre o
desenvolvimento das capacidades diversas do aluno.
São constantes as expressões de desrespeito à professora, ao mesmo tempo em que percebemos a
busca incessante da professora em conquistar credibilidade e afetividade dos seus alunos. A “tática”
adotada pela professora é permitir que façam o que desejam. Como por exemplo, jogar bola dentro
da sala ao final da atividade, sendo fragilmente direcionada. (Diário de campo, 27/10/2016).
A afetividade é elemento essencial na relação interpessoal, inclusive na relação
professor e aluno, aluno-aluno. Esta relação só é efetivada no dia-a-dia, diante de ações de
cumplicidade e trocas de afetividade. Quando nos reportamos à cumplicidade, não estamos no
referindo à permissividade. Outros fatores essenciais para a construção da afetividade são a
credibilidade e confiabilidade entre as partes, elementos em falta na relação entre a professora
e seus alunos. A afetividade passa pelo respeito e vice-versa, sem este dueto, não há relação
saudável entre ambos. Percebemos tentativas incessantes da professora em aproximar-se dos
alunos, porém as vias pelas quais ela trafega, delegam aos alunos a posição de dominantes,
deixando-a “refém” dos seus caprichos, por vezes perdendo a autoridade de docente. A busca
pelo respeito e afetividade pela professora é um dos pontos que destacamos na nossa pesquisa,
pois, ao mesmo tempo em que essa permissividade nos leva a entender que é uma tentativa de
aproximação dos alunos, leva-nos a pensar que a professora percebe seus alunos como
“coitadinhos”, que merecem um pouco de diversão. Por outro lado, é uma forma de se abster
do compromisso de formação do sujeito complexo e completo. Deixando-os agir por conta
própria.
Percebemos uma confusão entre liberdade e permissividade nas aulas da professora
Marcelina. Esse conflito já foi bem registrado por Freire (1996, p. 61) quando faz referência à
necessidade de o professor ter bom senso no desenvolvimento do seu trabalho:
189
[...]. É o meu bom senso que me adverte de que exercer a minha autoridade
de professor na classe, tomando decisões, orientando atividades,
estabelecendo tarefas, cobrando a produção individual e coletiva do grupo
não é sinal de autoritarismo de minha parte. É a minha autoridade cumprindo
o seu dever. Não resolvemos bem, ainda, entre nós, a tensão que a
contradição autoridade-liberdade nos coloca e confundimos quase sempre
autoridade com autoritarismo, licença com liberdade.
Obviamente, não podemos deixar de considerar a positividade que representa a
tentativa da professora Marcelina em se aproximar dos alunos. Contudo, até esse aspecto
precisa ser alvo de planejamento docente. A partir do momento em que se identifica que
determinada ação não está atingindo os seus propósitos, ela precisa ser repensada,
reestruturada, do contrário, os objetivos serão invertidos e quem mais perderá com isso, serão
os alunos. A autoridade a que se refere Freire (1996) requer atenção docente, tempo e
dedicação, persistência e muito trabalho. Respeito não é algo que se estabelece por portaria ou
que se constitui de forma instantânea, sobretudo, em sala de aula na qual se encontram alunos
com histórico de exclusão e violências.
A falta de respeito entre meninos e meninas em sala de aula é evidente e saltava aos
nossos olhos, sobretudo, em decorrência da temática da nossa pesquisa. A falta de respeito
entre os membros de uma mesma coletividade é uma falta quando falamos em respeito à
diversidade. Bem declara Teixeira (2011, p. 26) quando afirma que:
Ações simples como, por exemplo, incentivar e permitir que meninos e
meninas realizem as mesmas tarefas na sala de aula, propor tarefas tidas
como do sexo oposto, trabalhar com a promoção de discussões e a escuta às
falas e angústias das crianças, organizar grupos mistos e trazer atividades
que explorem diferentes linguagens são esperadas de um bom educador e,
certamente, estimulam a igualdade entre os sexos.
Contudo, esse tipo de atividade não foi verificada em sala de aula, faltam discussões e
ações que promovam a convivência com a diversidade. Em algumas ocasiões presenciamos,
inclusive, posturas distantes disso. Ao demonstrar certa proteção a determinado aluno, por
exemplo, a professora Marcelina reforça posturas de desrespeito entre os alunos.
O fato de a professora aceitar a interferência e influência de alguns meninos que detém o “poder” de
manipulação, contribui para a introspecção dos alunos que apresentam dificuldades de
aprendizagem. A professora deixa-se dominar pelas vontades desse grupo de alunos, sempre
respondendo de forma positiva ao que o grupo determina. Mesmo diante de agressões verbais,
proferidas por esses alunos, a professora ainda apresenta postura de submissão e absorve como dela,
a culpa. (Diário de campo, 27/10/2016).
190
Esses fatores fazem parte da tentativa de aproximação da professora com seus alunos,
sempre realizando a vontade do grupo, mesmo que não seja o desejo da maioria. Como
percebe seus alunos pelas lentes das capacidades limitadas, não lhes atribui a credibilidade.
Durante as aulas, os alunos constantemente referem-se uns aos outros com palavras pejorativas tais
como: cabeção, piolhenta, ladrão, guaxinim das trevas, burro. Porém, não identificamos nenhuma
reação da professora. Muitas vezes esses tratamentos eram ditos à própria professora, que fingia não
ouvir. (Diário de campo, 27/06/2016).
A professora adota a postura da omissão diante das expressões preconceituosas e
discriminatórias reveladas pelos alunos. Apesar de definir-se como antirracista, a atitude de
omitir-se diante desse fato, configura-se como apoio. Essa atitude revela pensamentos
afirmativos, porém, velados. O que percebemos é que para a professora, tais referências, não
são importantes, pois são os modos de tratamentos entre os alunos na comunidade. Diante da
postura adotada pela professora, identificamos o fortalecimento das expressões de racismo, ao
invés do seu combate. Ao mesmo tempo, atribuímos essa postura a falta de informação e
formação no trato com a diversidade.
O silêncio muito diz, principalmente, em situações de ensino e aprendizagem e em que
está em tela cenas de desrespeito.
Em uma das situações em que houve trocas de apelidos, os alunos começaram a discutir sobre os
formatos das cabeças, a professora imediatamente saiu em defesa do aluno MI, dizendo que a
cabeça dele era bem feita, “parece até de carioca”, dizemos que nordestino que tem a cabeça chata,
então aponta o aluno A como exemplo de cabeça chata. (Diário de campo, 17/10/2016).
Diante do exposto reforçamos a afirmação, o sujeito, só defende aquilo que acredita.
Para melhor entendermos essa colocação, o aluno MI, é o único aluno de pele clara da sala, o
aluno que sabe ser “protegido” pela professora. O aluno do qual ela fala da cabeça chata é
negro. Daí, compreendemos a escolha em omitir-se diante das ações e atitudes
preconceituosas, pois adota ações semelhantes, e deixa subentendido sua defesa da
supremacia branca. Como dizer que há produção ou condições de conhecimento histórico em
um ambiente organizado ou vivido nesses moldes?
191
Não há como estudar História e não perceber a diversidade característica da sociedade
brasileira desde o seu processo de constituição. É imprescindível para a compreensão do
presente. Logo, é necessário estudo para que o planejamento docente seja adequado à
contemporaneidade dos alunos. Dessa forma é que concordamos com Bernardo (2009, p. 27-
28) quando ela afirma que: “Compreender as transformações sofridas pelas sociedades e
também as permanências culturais existentes em nosso tempo, permite planejar com mais
clareza nossas ações, assim como valorizar as diversidades culturais étnicas e sociais que vão
se constituindo ao longo do tempo”.
As ações práticas assim como a linguagem, denunciam aspectos curriculares, uma vez
que afetam os alunos, de alguma maneira, em seu desenvolvimento. Como bem afirma
Teixeira (2011) linguagem e discurso fazem parte do currículo, pois também ensinam, são
algo social e culturalmente construídos. Os Estudos Culturais, baseados na perspectiva pós-
estruturalista, são esclarecedores no sentido de deixar clara a relação entre significados e
identidades nas experiências curriculares e as relações de poder que integram a experiência de
vivenciar o currículo na educação escolarizada. Compreendemos, a partir disso, que aquilo
que é selecionado como “conteúdo a ser ensinado” é, na verdade, uma construção social e
sujeita a interpretação. Por isso, determinados “conteúdos escolares” são incluídos e outros
são desconsiderados por algumas escolas ou por alguns professores por razões bem
específicas visto que sujeita à própria interpretação. A “diversidade cultural”, como um
conteúdo, é claramente desconsiderada pela professora Marcelina. Dessa forma,
[...] o currículo ser pensando na perspectiva da diversidade e, portanto, da
construção de processos identitários que, por sua vez, ocorrem na
convivência e negociação com o outro, com aquele que é diferente de nós.
Incluir as questões étnico-raciais no currículo é reconhecer a diferença, mais
que isso, reconhecer que somos nós quem fabricamos identidades e
diferenças no contexto de relações culturais e sociais. (SILVA, 2011, p.
102).
Mais uma vez, o aluno A. gesticulou representando que a aluna G. tinha piolhos. Pela primeira vez
desde o inicio das observações, a professora reagiu e conversou com o aluno A. dizendo que não era
para chamar a colega de piolhenta. Porém, a aluna G. disse que não era a primeira vez e que se
repetia na escola e fora dela. A professora então, retirou o direito ao recreio do aluno A., no entanto,
exigiu que pedisse desculpas a aluna e diante da aceitação de desculpas por parte da aluna, ele seria
liberado, o que realmente aconteceu.
A perseguição à aluna G. é constante, por parte dos alunos, inclusive na prática ao menosprezo na
área cognitiva, tanto que, a aluna na maioria das vezes se abstém de tirar dúvidas com receio em
chamar atenção e ser centro de piadas pejorativas. Situações que a professora nada faz para combater
e transformar.
192
A aluna é obrigada a ouvir declarações como: “ninguém gosta de você, não” ou estórias contadas por
alguns meninos, por vezes fantasiosas, mas que são levadas em verdade pela professora,
repreendendo-a sem buscar certificar-se da veracidade das informações. (Diário de campo,
17/10/2016)
As relações interpessoais promovidas no ambiente educacional são determinantes na
construção da identidade, é necessário que o aluno sinta-se seguro, respeitado e representado
no ambiente em que pertence para que assim possa se desenvolver plenamente e constituir-se
como sujeito das suas ações, livre de olhares e atitudes reprovadoras por ser quem ele é.
São deturpações que não estão estritamente vinculadas às escolas, mas
constam no bojo de uma série de enganos que se reproduzem em vários
espaços. Afinal, tudo isso tem a ver ou de alguma forma se conecta com os
problemas alusivos à diversidade, na medida em que estamos falando de
confusões resultantes da desinformação que se multiplica e transita entre
vários espaços de convivência. Não se deve imaginar ingenuamente que a
superação do racismo obedeça a uma lógica modesta. É muito importante
que estudantes também entendam isso, para que possam interagir
respeitosamente com as pessoas negras e suas heranças culturais, sem
pieguismos que possibilitem interpretá-las como coitadas. (SILVA, 2005, p.
129).
O professor, por sua vez, desempenha papel determinante nesse processo como
mediador, torna-se responsável pela atmosfera que constituirá nas suas aulas. Precisa está
atento às expressões negativas ao crescimento humano dos seus alunos e configurar-se como
alavanca para o crescimento positivo enquanto sujeito.
Ainda encontramos muitos (as) educadores (as) que pensam que discutir
sobre relações étnico-raciais não é tarefa da educação; é um dever dos
militantes políticos, dos sociólogos e antropólogos. Tal argumento
demonstra uma total incompreensão sobre a formação histórica e cultural da
sociedade brasileira. E, ainda mais, essa afirmação traz de maneira implícita
a ideia de que não é competência da escola discutir sobre temáticas que
fazem parte do nosso complexo processo de formação humana. Demonstra,
também, a crença de que a função da escola está reduzida a transmissão de
conteúdos historicamente acumulados, como se estes pudessem ser
trabalhados de maneira desvinculada da realidade social brasileira.
(GOMES, 2005, p. 146).
As expressões de racismo e preconceitos constantes na sala de aula representam o
oposto do crescimento humano e altruísta. Sabemos que é um processo longo e constante,
193
porém necessita de um começo, ou continuaremos presenciando a perpetuação do racismo nas
escolas. As marcas deixadas pelas ações sofridas pela aluna G. serão levadas por toda sua
formação. “É uma questão fundamental a possibilidade de fragilização da criança perante os
preconceitos e a discriminação, e tudo deve ser invertido para eliminá-los do cotidiano
escolar” (PEREIRA, 2005, p. 45).
Diante das inúmeras situações de cunho pejorativo e desrespeito entre os alunos,
presenciados durante nossa pesquisa, questionamos a professora que importância atribui ao
trabalho coma as relações étnico-raciais:
Pesquisadora; Enquanto professora, que importância você atribui ao trabalho
com as relações étnico-raciais e história de cultura africana em sala de aula?
Professora: Eu dou uma importância grande. Porque, imagine quantas coisas
boas os africanos trouxeram pra gente. Danças maravilhosas, assim, gostoso
dançar, né? A música, ouvir o ritmo da música africana é muito bom.
Comidas, tem comidas mais gostosas, do que os nossos africanos trouxeram
para nós? Nós, porque agora eles são da gente, né? Nos somos um grupo,
né? Trouxeram comidas, assim, um tempero gostoso. E acho que vale a pena
trabalhar a cultura dos africanos aqui pra gente que ficou no Brasil. Que num
é mais nem cultura africana, é a nossa cultura, né, agora? É nossa cultura.
(MARCELINA, 2016).
A partir da sua fala, percebemos que para a professora, os elementos constituivos da
História africana são limitados aos aspectos culturais, quando não apontam para o trabalho
escravo. O que precisa ser enfatizado, é que cada elemento citado, vislumbrado como
expressões unicamente artísticas, estão envoltos da representatividade e simbologias,
representa aspectos da ancestralidade e da identidade que fundamentam a história e cultura
africana e afro-brasileira. As expressões culturais trazem sua visão de mundo, registram e
fortalecem sua identidade cultural. Dessa forma, podemos dizer que a cultura do povo de
matriz africana é compreendida através da sua história. Na busca pela autoafirmação,
valorização, reconhecimento e pertencimento, é necessário a abordagem histórica de lutas,
conquistas, resistência e continuidade, para que os alunos sintam-se orgulhosos de afirmarem
sua descendência afro-brasileira. Corroboramos com Siqueira e Quirino (2012, p. 10) quando
relatam que:
Há uma necessidade de os docentes refletirem e pensarem sua forma de
ministrar aulas, haja vista que os mesmos ainda estão muito presos a
metodologias tradicionais e dessa forma suas aulas distanciam-se dos
interesses dos alunos, fazendo assim com que os mesmo se mostrem
desinteressados, desmotivados e na maioria das vezes tornando-se
indisciplinados mediante os conteúdos abordados na disciplina.
194
É imprescindível que a professora avalie sua prática pedagógica e invista mais em
pesquisas e estudos sobre a história e cultura afro-brasileira e africana. Ao abordar as
contribuições do povo de matriz africana, na constituição da história da sociedade brasileira,
pelas lentes do povo afro-brasileiro, permitirá aos seus alunos o reconhecimento e valorização
da cultura afro-brasileira, apresentando as transformações, lutas e conquistas. Estamos diante
de contexto que vai além da apresentação dos elementos culturais, estamos nos projetando no
universo de conscientização e rupturas de estigmas. Para tanto, a Lei 10.639/2003
acompanhada das Diretrizes, atuam como políticas de ação afirmativa. “Estas têm como
objetivo central a correção de desigualdades, a construção de oportunidade iguais para grupos
sociais e étnico-raciais com um comprovado histórico de exclusão e primam pelo
reconhecimento e valorização da história, da cultura e da identidade desses segmentos.”
(GOMES, 2013, p. 79). Promove a valorização e conscientização, ao mesmo tempo em que
desenvolve no aluno postura de pertencimento. Vale salientar que o estudo da temática deve
ser desenvolvido de forma conscientizadora, desvinculada do caráter de listagem conteudista.
Vale salientar que metodologias pautadas na leitura e escritas mecanizadas não
sugerem ao aluno desenvolver seu pensamento critico reflexivo. É imprescindível, que ao
abordar novas temáticas, a Professora busque estimular a curiosidade e interesse dos alunos,
para tanto, é necessário aprofundamento por parte da Professora sobre a temática que será
abordada.
Durante a semana da criança, cada turma realiza oficinas com seis alunos, então, a professora
solicitou-nos a realização de uma oficina de artesanato com seus alunos. Sugerimos a confecção de
ganzás, instrumento afro-indígena, com materiais reciclados. Cada aluno construiu e decorou o seu
ganzá, ao final, iniciamos o seu manuseio. O aluno J. começou a cantar e tocar um samba. A
professora na tentativa de integra-se ao grupo, começou a cantar a musica “trem das onze”, nesse
momento o aluno MI, disse que era “macumba”.
Completando a oficina, ensinamos os alunos a executarem o ritmo afro-potiguar, o “ coco de
bambelô”, utilizando os tambores da escola. Atividade desenvolvida com todos os alunos da turma
juntamente com os alunos do 4º ano. (Diário de campo, 11/10/2016).
Aproveitamos essa abertura, para introduzir aos poucos a história da cultura africana e
seu legado através dos instrumentos musicais. Naquele momento, trouxemos à luz a
identidade afro-brasileira e os elementos conhecidos e utilizados inconscientemente pelos
alunos. No início, eles se retraíram, porém, aos poucos fomos conquistando a confiança dos
195
alunos, como resultado tivemos a confecção de ganzás meio pelo qual, promovemos que se
divertissem através da exceção do ritmo proposto.
Nessas atividades conseguimos implantar um ambiente de cooperação, respeito e
interação entre os alunos. Comprovando-nos que ao perceberem dedicação e preocupação
com o seu aprendizado, os alunos retribuem com a demonstração de interesse e participação.
Compartilhamos dos pensamentos de Lima (2012, p. 36) quando afirma: “O resgate da
autoestima do jovem negro passa pelo fortalecimento do seu autocontrole assim, é
fundamental que o jovem retome a confiança na sua capacidade intelectual”.
Os alunos viram-se representados e logo se libertaram e começaram a cantar um
samba, ritmo afro-brasileiro, para nosso deleite, o qual a professora também se integrou e
começou a cantar. Porém, o aluno que não se envolveu tanto na atividade e percebeu que não
era o centro das atenções, sentiu a necessidade em proferir palavras que sabia, era de cunho
preconceituoso. Os alunos foram conduzidos pelo mundo da musicalidade da cultura afro-
brasileira potiguar, independente de religião, crença. E detectamos a satisfação em estarem
manuseando os instrumentos produzidos por eles.
Partimos do princípio de que as concepções construídas acerca da cultura afro-
brasileira e africana, pela professora, são resultantes do processo de formação histórica e
social construídas na sua trajetória educacional. Diante de uma formação frágil no trato com
a diversidade, a docente tende a transmitir ao aluno, sua vivência educacional. Nesse aspecto,
indagamos a professora sobre suas experiências bibliográficas, com a temática:
Pesquisadora: Você pode indicar alguma referência bibliográfica sobre a
Cultura afro-brasileira e relações étnico-raciais?
Pesquisadora: Qualquer referência bibliográfica que você tenha tido contato.
Que você saiba que trazem a cultura afro-brasileira e as relações étnico-
raciais. Podem ser teóricas, fique a vontade. Se você tem algum
conhecimento.
Professora: Tem... É... Castro Alves, não é? (apresentou dúvidas sobre o real
conhecimento das referências bibliográficas). Aquele que era negro, não é?
E ele se apaixonou por uma branca, o filho deles foi morto, né? E também a
escrava Isaura. Que eu... uma coisa que ficou na história. Eu já li um livro
também que o nome o livro era “A negrinha”. Mas, eu já... eu li o livro que
não era meu, eu já procurei o livro, porque... eu já tive vontade de montar,
assim, um peça com alunos meus com essa historia “ A negrinha”, que eu só
me lembro de partes que era muito jovem quando li esse livro. Eu gostaria
muito de ler de novo esse livro, “A negrinha” era maravilhoso. Mas, não
lembro toda a história. Eu lembro que a mãe da menina foi morta e ela ficou
sendo criada pelo fazendeiro, a menina era filha do fazendeiro e enquanto ela
tinha avó e o pai, era tratada como uma rainha, igual como a menina da casa,
quando o pai morreu. Igual com menina da casa, entre aspas, ela podia ir
para a escola.. ela não podia ir para escola ele tinha uma professora em casa,
196
ela brincava com a menina, não fazia nenhum serviço, e quando ele morreu,
ela passou a fazer todas as tarefas de um adulto e não brincava mais com a
menina e tomaram dela todos os brinquedos. Isso ai, acho que isso ai fez
com que eu cada vez mais eu não visse negro, mas, ser humano.
(MARCELINA, 2016)
Ao responder a Professora deteve sua resposta na literatura, não a bibliografia
científica, porém, aceitamos a resposta por ora, por não termos explicitado a qual bibliografia
estávamos nos reportando.
Logo, para a superação dos preconceitos, das discriminações, do
reconhecimento da identidade e até mesmo da formação autônoma e
reflexiva de educador e educadora é preciso conhecer e compreender as
matrizes históricas afro-brasileiras e africanas contribuintes de uma
diversidade social e racial da sociedade brasileira nos seus aspectos
socioeconômicos e culturais. (PEREIRA e CORDEIRO, 2014, P. 15)
No entanto, como descrito, a professora Marcelina nos contou a história de um livro o
qual havia lido, há muitos anos atrás. Daí se depreende o fato de haver contado a história com
algumas trocas de situações, que não correspondem à verdadeira. Mesmo, direcionando para
os aspectos literários, a professora Marcelina deixou de citar os títulos que compõem a
biblioteca da EPP, oriundas da cultura africana, podemos citar alguns exemplos das muitas
obras que lá existem: As panquecas de Mama Panya, Menina bonita do laço de fita, Bruna e a
Galinha d‟ Angola e Xica da Silva. Todos títulos a disposição dos alunos e professores na
biblioteca da escola, que pelo discurso da professora, não tinha conhecimento.
Porém, nosso objetivo com esse questionamento era identificar leituras científicas
sobre a temática. Então, persistimos na pergunta, a qual nos respondeu negativamente.
Entendemos que atrelado a esse fator, temos a formação acadêmica da docente, se acordo com
Silva(2011),
[...] a elas compete formar profissionais que estarão dentro das salas de
aulas, profissionais que devem estar habilitados/as a discutir as proposições
mobilizadas pela lei. Inclusive, as próprias Diretrizes para a implementação
da Lei 10.639/03 destacam a necessidade do envolvimento das instituições
de ensino superior com a lei (disciplinas, cursos de extensão, atividades
complementares, pesquisas, etc), para combater o racismo. A atenção das
Diretrizes às instituições de ensino superior diz, sobretudo, da
responsabilidade delas de formar professores/as que desmistifiquem o
imaginário social que animaliza, dociliza, marginaliza o negro, como
denunciou Lélia Gonzalez (1982), para que (nós professores/as formados/as)
sejamos capazes de rasurar a história e cultura africana e afro-brasileira,
contada por um viés eurocêntrico e reescrevê-la evidenciando negros e
negras como atores sociais e a cultura negra como um dos constructos para a
formação econômica, social e cultural do nosso país. (SILVA, 2011, p. 103).
197
Nesse aspecto, consideramos o desconhecimento da professora no tocante as bases
orientadoras para o trabalho com a educação para as relações étnico-raciais, tendo em vista
que o documento que poderia apresentar-lhe a temática, o PPP, também a omite. Porém, a
professora conta com o auxílio do livro didático na elaboração das suas aulas de História,
fonte de pesquisa para seu planejamento como bibliografia a ser consultada. Ao analisarmos
com melhor detalhamento, o livro didático da disciplina de História, encontramos um
capítulo, direcionado ao professor com o intuito de abranger seus conhecimentos sobre as
temáticas, assim, como orientar as práticas pedagógicas que poderá adotar em cada conteúdo.
Diante disso, encontramos na íntegra a Lei 10.639/2003 acompanhada de textos
suplementares para melhor domínio do professor sobre suas alegações. Um dos elementos
fundamentais no processo de ensino é a pesquisa (Freire, 1996) para conhecer e reconhecer,
reestruturar concepções e pensamentos, para assim orientar melhor a formação. Nesse
aspecto, entendemos que ao ler seu material de apoio, como o livro didático, já teria
elementos para acionar sua busca pelo conhecimento e pesquisa de novos caminhos para
abordagem da história e cultura afro-brasileira e africana.
Para tanto, as escolas contam com leis e diretrizes que apoiam e encaminham de forma
contextualizada e conscientizadora, as ações para a promoção do ensino e história e cultura
afro-brasileira e africana na sala de aula. Porém, os conhecimentos dessas leis e diretrizes não
chegaram até o professor ou o professor não chegou até elas. Nesse aspecto concordamos com
Fonseca (2010, p. 11) ao afirmar que: “A construção de uma prática de ensino de história que
de fato objetive a formação de cidadãos críticos, requer a valorização permanente das vozes
dos diferentes, bem como o combate às desigualdades e o exercício da cidadania e todos os
espaços.”
A proposta pedagógica, fundamentada no currículo multicultural, que segundo
Azevedo (2010a, p. 153) “[..] nasce em sociedades cujos processos históricos foram marcados
pela presença e pelo confronto de povos culturalmente diferentes e representa uma reação ao
etnocentrismo”. Assim como também afirma Candau (2013, p. 17) :
Nossa formação histórica está marcada pela eliminação física do „outro‟ ou
por sua escravização, que também, é uma forma violenta de negação da sua
alteridade [...]. A problemática multicultural nos coloca de modo
privilegiado diante dos sujeitos históricos que foram massacrados, que
souberam resistir e continuam hoje afirmando suas identidades e lutando por
seus direitos de cidadania plena na sociedade, enfrentando relações de poder
assimétricas, de subordinação e exclusão.
198
Buscam a repressão às atitudes discriminatórias e racistas através da abordagem
igualitária da diversidade étnico-racial e cultural no currículo “Cabe ao professor selecionar
e retirar do projeto pedagógico em desenvolvimento na escola, objetivos que digam respeito à
cidadania e à democracia e permitam ao aluno um trabalho continuado contra o racismo, o
preconceito e a discriminação” (LOPES, 2005, p. 192). No entanto, o currículo escolar, é
flexível e adaptável, o docente pode inserir ou excluir elementos que determina como
fundamentais na sua prática.
A presença de um currículo escrito ou pré-ativo, seja concebido por novas leis ou já há
muito presente nos livro didático, não implica na execução total e irrestrita do mesmo, e,
ainda que essa execução ocorra, ela normalmente se faz de forma parcial, adaptada e
ressignificada, pois uma gama variada de manipulações e arranjos acontece no intuito de
adaptá-lo às diferentes realidades e idiossincrasias.
O professor precisa buscar novos conhecimentos, sair da sua inércia, para que assim
possa orientar suas aulas com de forma igualitária, ao mesmo tempo em que é preciso que se
conscientize da “particularidade da condição racial dos alunos/as e assim dê um passo para
promover a igualdade racial. É preciso compreender que a exclusão escolar é o início da
exclusão social das crianças negras. (SILVA, 2001, p.66).
Diante de problemas que identificamos, na prática, no ensino de História ministrado
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, bem como, na educação na educação para as
relações étnico-raciais, localizamos nos nossos estudos bibliográficos, a urgência com que
deve ser pensado esse ensino em tal segmento da Educação Básica. As alternativas precisam
levar em consideração dois aspectos principais: as características próprias do público escolar
(crianças) e os aspectos formativos dos docentes que atuam nos anos iniciais do Ensino
Fundamental nos quais, em grande medida, estão ausentes os estudos que partem dos
pressupostos teóricos e metodológicos da História. Dar aula a crianças é um processo que se
difere completamente daquele direcionado a jovens e adultos. As particularidades de tal
público precisam ser consideradas tanto no processo formativo dos docentes quanto na
execução das práticas pedagógicas em sala de aula na escola básica.
199
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A educação é a mais poderosa arma que se pode mudar o mundo”
Nelson Mandela
Iniciamos nossas considerações por essa frase, por ser a mola propulsora na realização
deste trabalho. Acreditamos veementemente que apenas pela educação podemos reconstruir
um mundo melhor para todos. Quando nos referimos ao mundo melhor, nos reportamos a um
mundo onde todos são vistos de forma igualitária, livres de preconceitos e discriminações.
Diante de tantas expressões de racismo e preconceitos projetadas no ambiente escolar,
identificamos neste, a responsabilidade de ser e promover a mudança do que considera como
referência de educação, e assim configurar-se como ambiente transformador e formador de
seres humanos capazes de respeitar e valorizar o outro com suas semelhanças e diferenças.
Pelo fato de sentir de forma contundente a ausência do elemento primordial, o
respeito, para as relações humanas, é o que buscamos através desta pesquisa. Chamar atenção
para o papel determinante da escola e de seus profissionais na erradicação de atitudes que
revelem desrespeitos à diversidade, em especial, a étnico-racial. O ponto de partida está
diretamente vinculado à experiência vivenciada no ambiente escolar, no exercício da
docência, onde foram observadas negações explicitadas por determinados docentes à
abordagem da história e cultura afro-brasileira baseadas no preconceito e discriminação
perpetuados na história do povo afro-brasileiro.
Nesse aspecto, a partir da problemática identificada, tomamos como base para nossa
pesquisa a Lei 10.639/2003, e buscamos os alicerces curriculares que auxiliam na sua
aplicabilidade em sala de aula, assim como compreender como a dita lei está sendo efetivada
na escola. Nosso desafio era tentar compreender como mesmo diante de leis, diretrizes, planos
curriculares e materiais didáticos, ainda eram ausentes referências à educação para as relações
étnico-raciais, e ainda serem vistas como um tabu a ser superado.
Para tanto, nosso trabalho foi iniciado pela mudança interior, ou seja, fomos à busca
de elementos que colaborassem com a nossa própria organização intelectual acerca da
temática. Verificamos que tínhamos a necessidade de conhecer e dominar os documentos
oficiais que promulgavam o trato com a igualdade étnico-racial, pois detínhamos domínio
limitado. E para o sucesso da pesquisa, os nossos horizontes intelectuais necessitavam maior
abrangência. Encontramos nossas fontes na pesquisa documental e bibliográfica. Descobrimos
200
nesse universo fontes, fundamentais e de fácil acesso sobre as relações étnico-raciais, sobre as
quais não tínhamos conhecimentos. Dessa descoberta, nos questionamos como professores
que somos, há 13 anos em exercício, não conhecíamos tais publicações? O que nos levou a
pensar na nossa semelhança com Marcelina e na existência de outras, que no exercício da
profissão desconheciam ou desconhecem orientações pedagógicas curriculares e
bibliográficas que buscam a inserção de práticas legitimamente igualitária. É com o
pensamento nas “Marcelinas” que realizamos este trabalho, com o intuito que chegue até os
bancos escolares e possa contribuir na formação profissional, pessoal e coletiva nas escolas.
Optamos pela pesquisa etnográfica por permitir a construção de dados que nos
levaram a compreender pelas lentes do outro, ações, atitudes e conceitos formulados e
expressados no cotidiano escolar. Além disso, a etnografia nos permite compreender o outro
no seu espaço natural, nele as relações estabelecidas são verdadeiras e nos proporcionam
maior interpretação dos significados das ações adotadas pelos integrantes. Para tanto,
necessitamos integrar o ambiente escolar, mais, especificamente, uma sala de aula e vivenciar
sua rotina na íntegra. Nosso desafio era sermos vistos não mais como observadores, mas
como integrantes do grupo. Para essa conquista, foram necessárias presenças diárias na sala
de aula, até atingirmos nosso objetivo.
A pesquisa etnográfica pede distanciamento do pesquisador diante dos acontecimentos
na sala, esse aspecto, configurou como um dos maiores desafios para a nossa pesquisa, tendo
em vista que necessitamos praticar tal posição em alguns momentos durante nossas
observações na sala de aula, principalmente naqueles em que percebíamos uma oportunidade
em abordar de forma significativa e construtiva a temática referente às relações étnico-raciais,
mas, o momento não foi aproveitado. Assim como em momentos que mexeram com nossas
emoções enquanto presenciávamos expressões contundentes de racismos e discriminações
sofridas repetidas vezes, por uma aluna. Nossas emoções, como pede a pesquisa etnográfica,
foram omitidas e desconsideradas. Mas, por vezes saímos indignados com algumas posturas
expressadas entre alunos x alunos e professora x alunos.
Diante do exposto, conscientes que somos impregnados de conceitos e pré-conceitos
que formamos a partir das relações que estabelecemos com o meio e com o outro, tivemos que
desconsiderar todas as formulações e pensamentos formatados no nosso íntimo enquanto
pesquisadores. Outro fato considerável para a dificuldade em distanciarmos, foi o de sermos
membro da escola pesquisada e havermos construído algumas imagens diante de situações
vivenciadas anteriormente no ambiente.
201
Ao elaborar nosso trabalho, baseamo-nos nas características da árvore símbolo
africana: o Baobá. Trazemos para a denominação dos nossos capítulos a expressividade
simbólica da árvore da vida, definição atribuída pelos povos de origem africana. Diante da sua
representatividade, elegemos no âmbito educacional: vida, sabedoria, resistência, persistência
e memória. A partir das suas simbologias, representamos através das suas raízes a resistência
da história e cultura africana no Brasil.
No primeiro capítulo elegemos a sabedoria como fio condutor da nossa escrita. Ao nos
apropriarmos dos conhecimentos em torno das temáticas: ensino de História, relações étnico-
raciais, currículo e práticas pedagógicas, e seus fundamentos, passamos a conceber o ensino
de História como promotor da construção identitária e temporal do sujeito, preconizado como
base para a formação do sujeito pluriétnico. Para que a consciência seja modelada, o sujeito
precisa conhecer, reconhecer-se e valorizar suas raízes. A partir da formação histórica o
sujeito instrumentaliza-se para atuar e transformar de forma significativa a sociedade em que
vive. A reflexão sobre como se processa o ensino de História nos anos iniciais, com base nos
estudos teóricos, nos confirmou a necessidade de que o professor busque lapidar seus
conhecimentos, pois a partir dos estudos realizados concebemos uma nova visão para a
abordagem da disciplina, mas, tal percepção só foi possível, porque absorvemos às novas
abordagens para o ensino de História.
No segundo capítulo, atribuímos às raízes do Baobá atributos da força, resistência,
continuidade pelo fato de estarmos discutindo a formação do currículo, tentativas em legalizar
a implementação do ensino da História e cultura afro-brasileira e africana nos currículos
escolares até e promulgação da lei 10.639/2003 e suas políticas de implementação. Neste
capítulo, ao historicizarmos a trajetória percorrida pelas políticas afirmativas para a educação
das relações étnico-raciais, e como estavam sendo vinculadas aos currículos educacionais,
comprovamos o que tomávamos como hipótese, a imensurável distância entre aquilo que está
postulado nos documentos e o que está sendo efetivado nas escolas. Há contradições
substanciais entre a elaboração curricular e sua efetivação na sala de aula. Ainda
presenciamos uma abordagem sobre a história afro-brasileira de forma superficial e
estigmatizada. As publicações devem sair do papel e integrar o dia-a-dia escolar, iniciando
essa mudança desde a concepção de currículo, passando pela formação docente.
O terceiro capítulo é representado pelo fruto da árvore, que frutifica apenas uma vez
por ano, mas é totalmente aproveitado. Ao analisarmos os dados construídos com a nossa
pesquisa etnográfica no ambiente escolar, percebemos a necessidade da estruturação
curricular corresponder à educação para a diversidade e está explicita no PPP da Escola
202
Estadual Potiguassu, além de um acompanhamento contundente. No quarto capítulo,
representamos as flores da árvore, porém, verificamos os produzidos pela prática pedagógica
para o ensino de História nos anos iniciais do Ensino Fundamental, que diante das análises
realizada nos trouxeram elementos significativos no concernente à motivação para a
integração da história e cultura africana no currículo escolar. Chamou-nos atenção
inicialmente a ausência do ensino de História como disciplina no currículo e,
consequentemente, na prática pedagógica. Ao mesmo tempo em que nos foi comprovada o
quanto é determinante a influência exercida pelas escolhas pessoais na abordagem
educacional. Podemos exemplificar da seguinte forma: defendemos escolas laicas, no entanto,
a doutrina religiosa escolhida pela escola e/ou professores dita quais outras religiões poderão
ser abordadas naquele ambiente educacional.
A disciplina é vista e abordada como complemento curricular. Diante de uma
educação pautada na plurietnicidade, é essencial o trabalho com as relações de passado,
presente e o futuro, para que haja compreensão das suas origens pelos alunos. Se tomarmos o
ensino de História como apenas reprodução de datas e fatos históricos, descontextualizados,
não estaremos fortalecendo a formação identitária do aluno, sendo ele afro-brasileiro ou não.
Identificamos no currículo da escola, e consequentemente na abordagem na sala de
aula da professora Marcelina, a fragilidade no trato com o ensino de História e nas práticas
para a educação das relações étnico-raciais no decorrer das suas aulas. Sendo essa fragilidade
desde o currículo instituído, com reflexos na abordagem da disciplina na sala de aula.
Partimos do princípio de que as práticas pedagógicas desenvolvidas pelo docente
devem ser orientadas pelo que preconiza o currículo da escola, ou seja, entendemos que o
currículo para uma abordagem metodológica diversa, deve igualmente ser diverso, buscar
como ponto central, a educação para a diversidade. Porém, o que presenciamos foram práticas
solitárias, que a nosso ver, se fossem planejadas e compartilhadas entre os docentes sob a
orientação da equipe pedagógica, resultariam em conquistas educativas semelhantes, diante da
diversidade. Mas o que de fato presenciamos foram explicitações curriculares, destituídas de
uma abordagem clara e estudos aprofundados pelo coletivo, vimos um currículo que ensaia a
promoção da educação para as relações diversas, transformar-se em listas de conteúdos.
A pesquisa nos apontou que apesar de contarmos com políticas públicas afirmativas
para o combate ao preconceito e discriminações dos povos de origem afro-brasileira, ainda
não estão consistentemente efetivadas, deparamo-nos com alguns empecilhos que travam a
introdução do ensino da História e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares e
na sala de aula. Um dos maiores empecilhos que identificamos, está com o próprio ser
203
humano que, no âmbito educacional, no exercício de formação do outro, prioriza suas
próprias concepções. Pois, só defendemos aquilo que conhecemos e consideramos essencial.
Nesse aspecto, se para o docente o trabalho com a educação para as relações étnico-raciais
não é relevante, o trabalho não será realizado, nem haverá busca pela formação.
Vivemos em uma sociedade que defende o mito da democracia racial, e ao fecharmos
os olhos para as expressões de racismos e preconceitos nas escolas e em sala de aula, estamos
corroborando com sua perpetuação. Durante nossa pesquisa, esse foi um dos elementos que
nos chamou a atenção: a explicitação de atitudes preconceituosa entre os alunos e a omissão
docente. Queremos acreditar que a desinformação da professora Marcelina, com o trato com
situações de racismos e preconceitos na sala, foi o motivo da sua inércia, em todas as vezes
que ocorreu. Porém, temos a convicção de que aqueles alunos foram negativamente afetados
em sua formação identitária e suas relações pessoais. Em que momento esses alunos
descontruirão essa imagem deturpada que foi construída durante os episódios vividos em sala
de aula?
Com vistas a combater as expressões racismo no ambiente escolar, foi sancionada a
Lei 10639/2003, que busca: a reparação, o reconhecimento e a valorização da cultura afro-
brasileira e africana, desde os currículos escolares da Educação Infantil, porém, o que
constatamos é sua lenta absorção pelas escolas, em especial a Escola Estadual Potiguassu.
Enquanto isso não acontece, vivenciamos e presenciamos crianças afro-brasileiras se
constituírem em uma sociedade educacional que não a representa, e ainda as discrimina por
não “estarem nos padrões” exigidos para que sejam respeitadas. E vemos uma busca
incessante dessas crianças em serem aceitas, não do jeito que são, mas, tentando ser o que a
sociedade etnocêntrica lhes impõe que seja.
Nesse aspecto, identificamos relações interpessoais desenvolvidas na sala de aula,
sustentadas pela opressão exercida pelas atitudes discriminatórias, que contradizem a conduta
que deve assumir um ambiente promotor das relações diversas. A nossa pesquisa nos revelou
que as crianças, que presenciamos sofrerem com as ações de racismo e preconceitos
direcionadas a elas no ambiente da sala de aula, apresentavam maiores dificuldades em
relacionar-se com o outro, e apresentavam baixo índice de aprovação pelo fato de omitir-se
diante das dificuldades para não chamar atenção. E algumas apresentaram agressividade como
escudo protetor.
A reprodução de práticas pedagógicas desvinculadas de ideologias, fundamentação
teórico-metodológica, conduz o processo de ensino e aprendizagem pelas vias do vazio, vazio
204
de conteúdos significativos para a formação do sujeito, vazio de reflexões e aprendizagem
significativa. Para presenciarmos uma educação que se preocupa com a formação integral do
sujeito na diversidade, é necessário que o docente se identifique como agente transformador e
mediador deste processo, e busque abranger seus conhecimentos pela pesquisa e estudos.
Caso contrário, continuaremos a presenciar em sala de aula expressões de racismo,
preconceitos e discriminação sem que nada seja feito para o seu combate.
Pensando na valorização e reconhecimento da história e cultura afro-brasileira, por
pertencermos a essa matriz étnica, e ter sentido na pele o que significa o preconceito,
introduzimos nossas expectativas em sala de aula através de práticas pedagógicas que
correspondiam ao nosso postulado do que seria o trabalho com as relações étnico-raciais.
Mas, a partir do desenvolvimento da pesquisa, nos foi possível conceber uma nova visão da
educação para as relações étnico-raciais. As relações educacionais devem estar entrelaçadas
para que haja sucesso e consistência na formação para a diversidade étnico-racial. Projeto
Politico Pedagógico, formação docente e práticas pedagógicas devem configurar a tríade
educacional e ser realmente efetivada.
É possível, a partir da pesquisa realizada, pensarmos em outras possibilidades de
investigação, a exemplo de investigar os efeitos de práticas discriminatórias no processo de
aprendizagem nos alunos ou no processo e interação social, ou pessoal dos alunos. Além
disso, vemos possibilidade em desenvolver uma pesquisa orientada pelas vias da pesquisa
colaborativa, realizando um trabalho formativo com docentes que não dominam as
concepções e abordagem metodológica no que concerne ao trabalho com a diversidade. E por
fim, analisar as contribuições do ensino superior na formação docente para a abordagem da
educação para as relações étnico-raciais no Ensino Fundamental nos anos iniciais.
Porém, permanecemos com uma percepção que foi solidificada com os estudos do
referencial teórico: o professor deve respeitar e acreditar no trabalho com a diversidade
étnico-racial, é dele a iniciativa de valorização e reconhecimento das origens históricas e
culturais dos seus alunos, valorizando-os como sujeitos da sua aprendizagem e formação.
Enquanto as escolas e professores, não se conscientizarem da necessidade gritante em
adotar concepções de educação e formação de sujeito baseados no multiculturalismo em uma
sociedade diversa, o preconceito e discriminação será uma constante nas relações escolares.
As causas dessa postura profissional são atribuídas a formação inicial do profissional da
educação. Vale salientar que é parte do oficio docente a pesquisa e formação constantes.
205
REFERÊNCIAS
ABREU, Martha; MATTOS, Hebe. Em torno das “Diretrizes curriculares nacionais para a
educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana”: uma conversa com historiadores. Estudos Históricos. v. 21, n. 47, jan-jun. Rio de
Janeiro. 2008.
ABUD, Kátia Maria. Tempo: a elaboração do conceito nos anos iniciais de escolarização.
História, Rio Grande 3: 9-17,2012a.
_______ O ensino da história nos anos iniciais: como se pensa, como se faz. Revista Antítese,
n. 10, v. 5, p. 555-565, jul/dez, 2012b.
ALMEIDA, Maria da Conceição de. Cultura e pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina,
2012.
ANASTASIOU, Lea das Graças Camargo; ALVES, Leonir Pessates. Processos de ensino
aprendizagem na universidade: pressupostos para as estratégias de trabalho em aula.
Joinville: UNIVILLE, 2003.
ANDRÉ, Marli Eliza D. A. Etnografia da prática escolar. 2 ed. São Paulo: Papirus, 1995.
______A pesquisa no cotidiano escolar. In: FAZENDA, Ivani (org). Metodologia da pesquisa
educacional. 12ed. São Paulo: Cortez, 2010.
APPLE, Michael W. Repensando ideologia e currículo. In: MOREIRA, Antônio Flavio;
SILVA, Tomaz Tadeu da (Org). Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Cortez, 2002.
AZEVEDO, Crislane Barbosa. Planejamento docente na aula de história: princípios e
procedimentos teórico-metodológico. Revista Metáfora Educacional – versão on-line, n. 14
(jan. – jun. 2013), Feira de Santana, jun./2013. p. 3-28.
______. Desafio e perspectivas de um currículo de história promotor das relações étnico-
raciais no Brasil. Caderno do CEOM, Ano 23, n.32, p. 141-162, jun, 2010a.
______. Interface entre Educação e Relações Étnico-Raciais e Ensino de História nos
diferentes níveis da educação básica. Revista Fórum Identidade, Itabaiana, ano. 4, vol. 7, p. 3-
21, jan/jun, 2010b.
206
_______. Educação para as relações étnico-raciais e ensino de história na educação básica.
Saberes, Natal-RN v. 2, n. esp. Jun. 2011.
AZEVEDO, Patrícia. Atos de pesquisa em educação - PPGE/ME FURB ISSN 1809-0354 v.
5, n. 3, p. 338-355, set./dez. 2010
BACHELARD, Gaston, A formação do espírito cientifico: contribuição para uma psicanálise
do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996
BERNARDO, Suzana Barbosa Ribeiro. O ensino de História nos primeiros anos do ensino
fundamental: O uso das fontes. 2009. 159 f. Dissertação (Mestrado em História Social) –
Universidade Estadual de Londrina, Londrina.
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3 ed.
São Paulo: Cortez, 2009.
______. Identidade Nacional e ensino de História no Brasil. In: Karnal, Leandro (org).
História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 3 ed. São Paulo: Contexto, 2005+
BITTENCOURT, Jean Carlos. Seleção e organização de conteúdos para o ensino de História
nos anos iniciais do ensino fundamental. 2009. 112 f. Dissertação ( Mestrado em Educação)
Universidade do Vale do Itajaí, Santa Catarina.
BOGDAN, Robert. BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação. Ed. Porto Editora.
Portugal. 1994.
BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. 14ºed. Editora Brasiliense: SP, 1989.
BRASIL. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de Historia e Cultura Afro-Brasileira
e Africana. Brasilia: MEC, 2009.
______Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil 43ª. Ed. Brasília:
Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2017.
______Constituição da República Federativa do Brasil 1ª. Ed. Brasília: Câmara dos
Deputados,. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm rban.pdf/view
207
______ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Brasilia: Secretaria de Politicas de
Promoção da Igualdade Racial, 2004.
______Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei 9.394/1996, Rio de Janeiro:
Lamparina, 2008.
______Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução. 3 ed. Brasilia: A Secretaria. 2001a.
______Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia. 3 ed. Brasilia: A Secretaria.
2001b.
______Parâmetros curriculares Nacionais: Pluralidade Cultural: Orientação sexual e
pluralidade cultural. 3 ed. Brasilia: A Secretaria. 2001c.
______Orientações, e ações para a Educação das Relações Étnico- Raciais. Brasilia:
Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2006.
CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In:
CANDAU, Vera Maria, MOREIRA, Antonio Flávio (Orgs). Multiculturalismo: Diferenças
culturais e Práticas pedagógicas. 10 ed.Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
CASTRO. Marta Luz Sisson de. Metodologia da pesquisa qualitativa: Revendo as ideias de
Egon Guba. In: ENGERS, Maria Emilia Amaral (org). Paradigmas e Metodologias de
Pesquisa em Educação: Notas para reflexão. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1994.
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Discriminação racial e pluralismo em escolas públicas da
cidade de São Paulo. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº
10.639/03. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, Brasília:
Ministério da Educação, 2005.
COELHO, Araci Rodrigues. Ensino de História nas séries iniciais: uma realidade
supostamente conhecida. Cadernos de História, Belo Horizonte, v 12, n. 17, 2011.
COSTA, Elenice Rosa. As questões étnico-raciais e o ensino da cultura e história afro -
brasileira e africana no contexto de escolas municipais da cidade de Viçosa/MG. 2013,
146, Dissertação (Mestrado em educação), Universidade Federal de Ouro Preto. Minas
Gerais, 2013.
Declaração E Programa De Ação Adotados Na III Conferência Mundial De Combate Ao
Racismo, Discriminação Racial, Discriminação Racial, Xenofobia E Intolerância Correlata.
Durban, 2001. Disponivel em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/declaracao_durban.pdf.
Declaração de Durban, 2001.
208
DIAS, Lucimar Rosa. Quantos passos já foram dados? A questão de raça nas Leis
educacionais – da LDB à Lei 10.639 de 2003. In: ROMÃO, Josué (Org.). História da
educação do negro e outras histórias. Brasília: Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2005. (Coleção Educação para todos).
DOLL JUNIOR, William E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artes
Medicas, 1997.
DORNELLES, Ana Paula. A tramitação da lei 10.639 de 2003: a construção de uma política
pública educacional no Brasil no Congresso Nacional e no Conselho Nacional de Educação.
Dissertação. (Mestrado em Educação). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Belo Horizonte, 2010.
DOROTEIO, Patrícia Karla Soares Santos. O professor pedagogo e o ensino de história para
crianças: métodos, conteúdos e concepções. IX Simpósio de Pesquisa em Educação. Anais,
PUC. Minas. 2012.
FARIAS, Isabel M. Didática e docência: aprendendo a profissão. Fortaleza: Liber livros,
2008.
FERNANDES, José Ricardo Oriá. Ensino de História e Diversidade Cultural: desafios e
possibilidades. Caderno Cedes, n. 65, v. 5, p. 378-388, set/dez, 2005.
FILHO, Ednaldo Pereira, SILVA, Ádria Paulino de. A Lei 10.639/03 na compreensão de
professores de educação física: estudo de caso da Escola Municipal de São Leopoldo/RS.
Identidade. São Leopoldo, v.18, n. 3, p. 279-290, dez. 2013.
FLORES, Elio Chaves. Etnicidade e ensino de História: a matriz cultural africana. Revista
Tempo. n. 21, v. 1, p. 65-81, 2007
FONSECA, Selva Guimarães. A história na educação básica: conteúdos, abordagens e
metodologias. Anais do I Seminário Nacional: Currículo em movimento – Perspectivas
atuais, novembro. 2010.
______. Caminhos da História ensinada. Campinas: São Paulo: Papirus, 1993.
FONSECA, Thais Nívea de Lima e. História & Ensino da História. 2 ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.
209
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade: e outros escritos. 9 ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2001.
________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz
e Terra: 1996.
________. Pedagogia do oprimido. 35 ed. São Paulo: Paz e Terra. 1987
________. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1979.
FRIGOTO. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In: In:
FAZENDA, Ivani. (Org.). Metodologia da Pesquisa educacional, 12ed, São Paulo: Cortez,
2010.
GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
GAMBOA, Silvio Sànchez. Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. Chapecó:
Argos, 2007.
GHEDIN, Evandro; FRANCO, Maria Amélia Santoro. Questões de método na construção da
pesquisa em educação. 2. ed. São Paulo: Cortez . 2011.
GOMES, Nilma Lino. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo–Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.
______. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma
breve discussão. In: BRASIL. Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº
10.639/03. Brasília: Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
Ministério da Educação, 2005. (Coleção Educação para todos)
______. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico da diversidade. In:
CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São
Paulo: Selo Negro, 2001.
______. Educação e relações étnico-raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação.
In: Superando o Racismo na escola. Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2 ed. Brasilia. 2005a.
210
______. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou
ressignificação cultural? In: Educação como exercício de diversidade. Brasília: UNESCO,
MEC, ANPEd, 2005b.
______. A questão racial na escola: desafios colocados pela implementação da Lei
10.639/2003. In: CANDAU, Vera M.; MOREIRA, Antonio F. (Org). Multiculturalismo:
diferenças culturais e práticas pedagógicas. 10 ed. Petropolis: Vozes, 2013.
GONDIN, Linda M. P.; LIMA, Jacob Carlos. A pesquisa como artesanato intelectual.
EDUFISCAR: 2007.
JUNIOR DOLL, William, E. Currículo: Uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997.
JUNIOR SILVA, Délio. Discriminação racial nas escolas: entre a lei e as práticas sociais.
Brasília: UNESCO, 2002.
KUHN, T. S. A Estrutura das revoluções cientificas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1997.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 2 ed. São Paulo: Cortez. 2013
LOPES, A. R. C. Bacherlad, o filósofo da desilusão. Cad. Cat. Ens. Fis. v. 13, n3: p 148-273,
dez. 1996.
LOPES, Neusa Vera. Racismo, discriminação. In: MUNGANA, Kabengele (org). Superando
o Racismo na escola. 2 ed. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens qualitativas. 2
ed. Rio de Janeiro: E. P. U. 2015.
MARCHA ZUMBI DOS PALMARES, http://memorialdademocracia.com.br/card/marcha-
zumbi-reune-30-mil-em-brasilia/docset/910
MACEDO, Elizabethe F. Parâmetros Curriculares Nacionais: A falácia de seus temas
transversais. In: MOREIRA, Antônio F. B. (Org). Currículo: políticas e práticas. Campinas:
Papirus, 1999.
MARTINS. Joel. A pesquisa qualitativa. In: FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da
Pesquisa educacional. 12 ed. São Paulo: Cortez, 2010.
211
MASINI, Elcie F. Salzano. Enfoque fenomenológico de pesquisa em educação. In:
FAZENDA, Ivani. (Org.). Metodologia da Pesquisa educacional, 12 ed, São Paulo: Cortez,
2010.
MOREIRA, Antonio F.; SILVA, Tomaz Tadeu da. Sociologia e Teoria Crítica do Currículo:
uma introdução. In: _______. Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Cortez, 2002.
MOURA, Glória. O direito à diferença. In: MUNANGA, Kabengele. Superando o Racismo
na escola. 2 ed. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2005.
MUNANGA, Kabengele. (Org) Superando o Racismo na escola. 2 ed. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
______. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In:
Programa de Educação sobre o negro na Sociedade brasileira. Rio de Janeiro: EDUFF,
2000.
NASCIMENTO, Valdecir Pedreira. Pressupostos básicos da formação de professores no
Projeto Escola Plural: A diversidade esta na sala. In: Escola Plural: a diversidade está na sala:
Formação de professores/as em História e Cultura afro-brasileira e africana. 3 ed. São Paulo:
Cortez, 2012
NEVES, Vilma F. Práticas educativas: o ensino de história e a formação do professor das
séries iniciais. Disponível em: http://www.sepq.org.br/IIsipeq/anais/pdf/gt4/02.pdf
PEREIRA, Amauri Mendes. Escola – espaço privilegiado para a construção da cultura da
consciência negra. In: História da Educação do negro e outras histórias. Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília: Ministério da Educação.
PEREIRA, Gilmar Ribeiro; CORDEIRO, Maria José de Jesus. A diversidade das relações
etnico-raciais e o currículo escolar: algumas reflexões. Interfaces da Educação, Parnaíba. V.5
n. 14, p. 7-22, 2014.
PEREIRA, Isabelle Sanches. Currículo e construção teórico-metodológica: uma ação para a
desconstrução do racismo na escola. In: Escola Plural: a diversidade está na sala: Formação
de professores/as em História e Cultura afro-brasileira e africana. 3ªed. São Paulo: Cortez.
2012.
212
ESCOLA, Estadual Potiguassu. Projeto Politico Pedagógico da Escola Estadual Potiguassu:.
Por uma concepção sócio-interacionista. Rio Grande do Norte: Secretaria Estadual de
Educação do Rio Grande do Norte, 2015, 51p.
PERRENOUD, Philippe. Dez novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 2000.
OLIVA, Anderson Ribeiro. A história africana nas escolas brasileiras. Entre o prescrito e o
vivido, da legislação educacional aos olhares dos especialistas (1995-2006). História. São
Paulo, v. 28, n. 2, 2009.
RIO GRANDE DO NORTE. Diagnóstico da educação básica e superior (2009-2014): Plano
estadual de educação (2015-2024). Natal: Secretaria Estadual de Educação e Cultura, 2015,
117p.
ROCHA. Luiz Carlos Paixão da. Políticas afirmativas e educação: a lei 10639/03 no contexto
das políticas Educacionais no brasil contemporâneo. Dissertação de Mestrado. Universidade
Federal do Paraná. 2006.
ROCHA, Solange; SILVA, José Antônio Novaes da. À luz da Lei 10.369/03, avanços e
desafios: movimentos sociais negos, legislação educacional e experiências pedagógicas.
Revista ABPN, n.11, v.5, p. 55-82 jul-out, 2013.
SACRISTAN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3 ed. Porto Alegre:
ArtMed. 2000.
______(org) Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto Alegre: Penso, 2013.
______Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: Artes, 1999.
SANT‟ANA, Antônio Olímpio de. História e conceitos básicos sobre o racismo e seus
derivados. In: Superando o Racismo na escola. Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2ª ed. Brasilia. 2005.
SANTOS, Jeane de Cassia Nascimento. Questões etnicorraciais na formação continuada.
Revista Fórum de Identidades. Itabaiana. Ano5, v. 9, p. 13-25, jan-jun. 2011.
213
SANTOS, Rosenverck Estrela. Educação e relações étnico-raciais no Brasil:
monoculturalismo e a construção da identidade negra. Revista Espaço Acadêmico, nº 9, dez,
2008.
SANTOS, Rosimeire dos. A lei nº 10639/03: entre práticas e políticas curriculares, História &
Ensino, Londrina, v. 16, n. 1, p. 41-59, 2010.
SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei 10639/2003 como fruto da luta anti-racista do
Movimento Negro. IN: BRASIL, Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal
nº 10.639/2003. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, Brasília:
MEC, 2005.
SÁ-SILVA, Jackson Ronie ; ALMEIDA, Cristóvão Domingues de; Guindani, Joel Felipe.
Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História &
Ciências Sociais. Ano I, n.1, julho, 2009.
SHMITT, Jaqueline A. M. O ensino de História nas série iniciais: interfaces entre curriculo, o
saber e o fazer docente. Anais do I Seminário Internacional História do tempo presente.
Florianópollis: UDESC, 2011.
SILVA, Giovani José da; SOUZA, José Luiz de. Educar para a diversidade étnico-racial e
cultural: desafios da educação inclusiva no Brasil. Inter-Ação. Revista Faculdade Educação.
UFG, n. 33, p. 169-192, jan/jun. 2008
SILVA JÚNIOR, Hédio. Discriminação social nas escolas: entre a lei e as práticas sociais.
Brasilia: UNESCO, 2002.
SILVA, Kátia Regina. Diversidade cultural em sala de aula: Representações docentes sobre
os saberes e experiências de alunos. Dissertação de Mestrado. Universidade Católica de
Brasília, Brasília. 2007.
SILVA, Maria Aparecida da. Formação de educadores/as para o combate ao racismo: mais
uma tarefa essencial. In: CAVALLEIRO, Eliane. Racismo e anti-racismo na educação:
repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001.
SILVA, Nelson Fernando Inocêncio. Africanidade e religiosidade: uma possibilidade de
abordagem sobre as sagradas matrizes africanas na escola. In: BRASIL. Educação anti-
racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade. Ministério da Educação, 2005. (Coleção Educação
para todos)
214
SILVA, Paulo Vinicius Batista; TRIGO, Rosa Amália Espejo, MARÇAL, José Antonio.
Movimentos negros e direitos humanos. Revista Diálogo Educacional, v.13, n.39, 2013.
SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves E. Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil.
Educação. Porto Alegre. Ano 20, n. 3, p. 489-506, set/dez, 2007.
SILVA, Rafael Nascimento da. A abordagem da disciplina de Historia nas series iniciais.
Revista Urutágua - acadêmica Multidisciplinar, n. 32, mai/nov., p. 72-80, 2015.
SILVA, Tássia Fernanda de Oliveira. Questões étnico-raciais e currículo: uma abordagem
reflexiva. Revista Fórum Identidade. Itabaiana, ano 5, v. 9, p. 95- 106, jan-jun. 2011.
SIQUEIRA, Araújo Roque; QUIRINO, Ana Cristina da Silva. O ensino de História nas séries
iniciais do Ensino Fundamental: metodologias e práticas pedagógicas. In: Fórum
Internacional de Pedagogia. Paraíba: Realize, p. 1-12, 2012.
SOUZA, Eliene Almeida de. A lei 10.639/2003 na formação de professores e o pertencimento
étino-racial em escolas publicas em Porto Alegre/ RS. 2009, 140 f. Dissertação de Mestrado.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2009.
STAMATTO, Maria Inês. S. Livros didáticos de história: o passado sempre presente. História
& Ensino, Londrina, V. 15, p. 131 – 158. Agosto. 2009.
TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da
docência como profissão de interações humanas. Tradução de João Batista Kreuch.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
TEIXEIRA, Michele. Currículo de história nos anos iniciais: da diversidade à diferença.
Porto Alegre. 2011
TRINDADE, Azoilda, Uma trajetória até a Lei 10.639/2003, Salto para o futuro, edição
especial, ano 23, novembro 2013.
TUMA, Magda Madalena; CAINELLI, Marlene Rosa; OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira
de. Os deslocamentos temporais e a aprendizagem da história nos anos iniciais do ensino
fundamental. Cad. Cedes, vol. 30, n. 82, p. 355-367, Campinas, 2010.
215
APÊNDICE 1
AUTORIZAÇÃO
Eu,________________________________________________portador do RG, nº
________________________, na qualidade de diretor da Escola Estadual Potiguassu,
autorizo a pesquisa de mestrado de Lucélia da Silva Feliciano “HISTÓRIA E RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL POTIGUASSU: RAÍZES E
RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003”, do Programa de Pós Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a ser realizada em nossas dependências com
professores desta escola.
Natal, __________________de ____________ de 2016.
216
APÊNDICE 2
Termo de consentimento Livre e Esclarecido
Prezado (a) professor (a)
Você está sendo convidado (a) a participar da pesquisa “HISTÓRIA E RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL POTIGUASSU: RAÍZES E
RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003”, que será realizada com professores da rede pública
da cidade do Natal, Rio Grande do Norte.
Esta pesquisa foi constituída a partir de algumas inquietações sobre a relação que
estava sendo estabelecida entre o universo escolar e a educação para as relações étnico-
raciais. Diante do exposto, desenvolveu-se o projeto de pesquisa para o Curso de Mestrado
em Educação na linha de pesquisa Educação, Currículo e Práticas pedagógicas, orientado pela
Profª Drª Crislane Barbosa de Azevedo do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com a finalidade de compreender as bases
curriculares em que se apoiam os professores do ensino básico, anos iniciais da rede pública,
na formulação das suas concepções e práticas pedagógicas para o ensino da historia cultura
afro-brasileira e africana.
A pesquisa será qualitativa etnográfica, na modalidade estudo de caso. A coleta de
dados será iniciada em setembro de 2016, finalizando em dezembro de 2016, sendo realizada
através de observações, registro em diário de campo, descrição e entrevistas semi-
estruturadas. Solicitaremos sua autorização para a gravação das entrevistas, assim como
filmagens para efeitos de transcrição. A entrevista poderá ser realizada no local e horário a
sua escolha.
Você será esclarecido(a) sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar, estando
livre para recusar-se a participar, retirar seu consentimento ou interromper a participação a
qualquer momento. A sua participação é voluntária e a recusa em participar não irá acarretar
qualquer penalidade ou perda de benefícios.
Trataremos sua identidade com padrões profissionais de sigilo. Seu nome ou o
material que indique a sua participação não será liberado sem a sua permissão. Você não será
identificado(a) em nenhuma publicação que possa resultar deste estudo. Com isso, queremos
217
informar que zelaremos para evitar qualquer dano ou prejuízo causados por constrangimento
que a reflexão sobre a temática possa causar em sua vida pessoal e profissional.
Os resultados da pesquisa serão enviados para você e permanecerão confidenciais.
Uma cópia deste consentimento será arquivada e outra será fornecida a você.
Qualquer dúvida a respeito da pesquisa, você poderá entrar em contato com:
Pesquisadora : Lucélia da S. Feliciano
Endereço: Av: Barragem Armando Ribeiro Nº 102- Bairro Pajuçara – Natal –
CEP: 59133-300
E-mail: [email protected]
Telefones: 98704-6684/ 99655-5343
Orientadora: Prof. Dra. Crislane Barbosa de Azevedo
E-mail: [email protected]
Telefones : 98842-7069/ 9926-6100
NATAL,_______de setembro de 2016
_____________________________________________________________________
Assinatura do pesquisador
Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de
Consentimento Livre e Esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas
dúvidas.
____________________________________________________________
Participante da pesquisa
218
APÊNDICE 3
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
PESQUISA MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Pesquisadora responsável: Lucélia da Silva Feliciano
Esta entrevista tem como objetivo a coleta de dados para a pesquisa de Mestrado
“HISTÓRIA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA ESTADUAL
POTIGUASSU: RAÍZES E RAMIFICAÇÕES DA LEI 10.639/2003”, que está sendo
desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
Solicito sua colaboração voluntária com respostas que possam contribuir para o
objetivo desta investigação, que é produzir subsídios para a compreensão das bases
curriculares em se apoiam os professores da ensino básico, anos iniciais, para a
implementação da lei 10.639/03, assim como a formulação das concepções e praticas
pedagógicas para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana.
A fim de evitar constrangimentos, além de assegurar a confidencialidade dos dados
que ficarão sob minha guarda e responsabilidade, também atribuirei um nome fictício para
você, visando manter seu anonimato.
Obrigada por sua participação.
ROTEIRO DE ENTREVISTA – VIDEO
Nome: Data de nascimento – idade – Escola em que trabalha: Ano de escolaridade e turno
1) Como você caracteriza sua turma?
2) Quais são as suas concepções em relação a formação do sujeito?
3) O que você diria sobre o desenvolvimento de trabalhos voltados para a história e cultura africana e na educação para as relações étnico-raciais?
4) Em quais contextos você percebe que a escola desenvolve trabalho de conscientização e valorização da cultura afro-brasileira?
5) No Projeto Politico Pedagógico da Escola, como foi discutida e considerada as ações voltadas para as relações étnico-raciais?
6) Ao organizar suas aulas, quais são os referenciais curriculares que utiliza como suporte para orientar os conteúdos e as práticas pedagógicas que adotará no ensino de história?
219
7) Na sua prática, em quais momentos você aborda assuntos referentes a cultura afro-brasileira e africana?
8) Qual importância você atribui para o ensino da História e cultura afro-brasileira e africana na sala de aula? Justifique
9) Em quais aspectos da formação do sujeito o trabalho com a educação para as relações étnico-raciais, pode contribuir?
10) Você pode indicar alguma referência bibliográfica sobre a Cultura afro-brasileira e relações étnico-raciais?
11) O você sabe sobre a lei 10.639/03?
12) Qual a sua concepção sobre a aplicabilidade das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações étnico-racionais e para o Ensino de Historia e Cultura afro-brasileira e africana?