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Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possível imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site da Associação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito. História Geral da Arte I Apontamentos de: Alda Oliveira Delicado E-mail: [email protected] Data: 30/10/06 Livro: Nota:

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Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas.O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretendesubstituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão.

A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendopossível imputar-lhe quaisquer responsabilidades.

Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site daAssociação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito.

História Geral da Arte I

Apontamentos de: Alda Oliveira DelicadoE-mail: [email protected]: 30/10/06

Livro:

Nota:

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HISTÓRIA DA ARTE I

I – O MUNDO ANTIGO

1 – A magia e o rito – a arte do homem pré-histórico

1 A Idade da Pedra Lascada

- a origem da arte é um questão complexa – embora saibamos que os nossos antepassadoscomeçaram a servir-se dos pés há mais de 4 milhões de anos, não sabemos quandocomeçaram efectivamente a usar as mãos- há dois milhões de anos encontramos os primeiros utensílios produzidos pelo homem- a associação entre forma e função levou ao desenvolvimento destes utensílios- os primeiros utensílios de que temos registo são de pedra e por isso a primeira fase dodesenvolvimento humano ficou conhecida por Paleolítico ou Idade da Pedra Lascada

1 A Arte das Cavernas

- no Paleolítico Final que começou há 35 mil anos surgiram as primeiras obras de arte masacreditamos que tenham sido fruto de um lento amadurecimento- no final do último período glaciário na Europa o clima das regiões entre os Alpes e aEscandinávia era semelhante ao actual da Sibéria – manadas de renas e grandes herbívorospercorriam os vales e planícies atacados pelos antepassados dos tigres e leões actuais- os homens também eram atacados por estas feras e por isso procuravam protecção ehabitação em caverna rochosas das quais sobraram muitos exemplares no Norte deEspanha e Sul de França- os instrumentos e outros achados possuíam diferenças significativas entre as várias regiõeslevando a que fossem criadas designações diferentes para os utensílios criados em cadauma dela – os principais conhecidos são os Aurinhacenses (de Aurignac) e os Madalenenses(de La Madeleine)- as obras mais impressionantes da arte paleolítica são figuras de animais pintadas, gravadasou esculpidas nas cavernas - Gruta de Altamira – Bisão Ferido - Lascaux (Dordogne – França) – bisões, cavalos, veados e touros- a conservação desta arte intacta deveu-se a as pinturas serem realizadas nos recants maisprofundos das cavernas longe das entradas- estas pinturas terão sido executadas para a elaboração de ritos mágicos destinados aassegurar o sucesso na caça, o que é apontado pelas suas características - a situação oculta dentro das cavernas - linhas apontadas para os animais presentes nas imagens (dardos e azagaias) - forma desordenada de sobrepor as figuras- o homem paleolítico não estabelecia grandes diferenças entre imagem e realidade – aomatar os animais das imagens estava a matar o seu sopro de vida- estas práticas mágicas poderiam dar mais coragem aos caçadores para enfrentaremanimais perigosos com armas tão simples- a pintura madalenense foi o epílogo da magia com o objectivo de conseguir uma boa caça- o clima da Europa foi aquecendo e os animais começaram a escassear – os ritos podiamagora representar a criação de manadas e não a sua destruição- surgem ainda imagens de plantas nestas pinturas que fazem pensar que os ritos podiamainda tratar-se de ritos de fertilidade

a origem destas pinturas é discutida deveria ter sido sugerida pelas formas das rochasnas cavernas salientadas por traços a carvão e mais tarde pinturas:

Mulher Nua de Madeleine – raro caso de representação humana em que as pernas eo tronco foram talhados nas saliências da rocha e a cabeça e braço direitopraticamente não aparecemDança ritual em Addaura (Palermo) – traços rápidos e finos mostrm figuras humanase animais dançando e em várias camadas de imagens

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1.1.2 Objectos esculpidos e objectos pintados

os homens do Paleolítico faziam também pequenas gravuras e esculturas em osso,chifre ou pedra talhados com o auxílio de ferramentas de sílexas mais antigas encontradas até hoje são estatuetas de marfim de mamute encontradasnuma caverna no Sudoeste da Alemanha datadas de há 30 mil anos – imagem de cavalofinamente esculpidaVénus de Willendorf na Áustria – estatueta feminina da fecundidade com as formasarredondadas e bulbosas como um seixoBisão feito haste de rena deve as suas formas em parte ao pedaço de chifre onde foitalhadoa arte do Paleolítico estava moldada ao período em que surgiu – com o fim da EraGlaciária teve que evoluir e transformar-se

1.2 Da caça à agricultura: a Idade da Pedra Polida

a Idade da Pedra Lascada finalizou com a Revolução Neolítica que teve o seu início noMédio Oriente cerca 8.000 aC – homem levou a cabo as primeiras tentativas bemsucedidas de domesticação de animais e cultivo de alguns cereaisdurante o Paleolítico a sua sobrevivência dependia da caça mas agora podia assegurar asua alimentação com o seu próprio trabalho, coexistindo não em comunidades nómadasmas sim em aldeiasa nível de utensílios continua a ser utilizada a pedra como matéria-primaantes do aparecimento dos metais começam a surgir um conjunto de novas actividadesartesanais: a cerâmica, a fiação, a tecelagem e a arquitectura em madeira, tijolo e pedraos restos dos povoados neolíticos dão-nos indicações sobre a sua população mas nãosobre a sua evolução espiritual: surgiram instrumentos de pedra cada vez maisaperfeiçoados e vasos de barro com decoração geométrica, mas nada semelhante àpintura ou escultura paleolítica.

1.2.1 Jericó

povoação de Jericó foi escavada recentemente tendo sido encontradas cabeçasmodeladas de cerca de 7.000 aC – caveiras humanas com as caras reconstruídas emgesso colorido e pedaços de conchas nos olhosestas cabeças antecipam a arte mesopotâmica e os retratos do período romanoapresentando fisionomias específicasestas cabeças têm sido interpretadas como os antepassados dos habitantes da cidade oque indica que o homem neolítico acreditava num espírito ou alma localizado no crânioque sobrevivia à morte e que devia ser honrado e apaziguadoJericó era constituída por casas de pedra com pavimentos de gesso dentro de umacidade fortificada protegida por muralhas e torres de alvenariaa comunidade de Jericó apesar destas demonstrações de evolução não conhecia acerâmica

1.2.2 Çatal Hüyük

Çatal Hüyük situada na Anatólia foi uma cidade neolítica importante 1.000 anos maisrecente que Jericóos seus habitantes viviam em casas de adobe agrupadas em torno de pátios abertos nãoexistindo ruas já que as casas não tinham portas sendo a entrada feita pelos telhadosforam encontrados ainda santuários com paredes estucadas e pinturas parietais decenas de caça que lembram as imagens do Paleolítico mas noutro contexto já que ascaçadas são rituais em honra da divindadeos animais estão em repouso e apenas os caçadores estão em movimento sendo que osanimais que representam divindades femininas têm ainda uma rigidez maiora pintura mural mais surpreendente é a da própria cidade com crateras de vulcão emactividade – as casas são vistas de cima mas a montanha é apresentada de perfila irrupção do vulcão deve ter marcado a vida da comunidade levando a estarepresentação religiosa do acontecimento

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1.2.3 A Europa Neolítica

o Próximo Oriente seria o berço das primeiras civilização enquanto na Europa aRevolução neolítica progredia mais devagar chegando às costas setentrionais doMediterrâneo cerca de 5.000 aCpequenas estatuetas em terracota encontradas em Cernavoda na Roménia lembramoutras obras da Ásia Menor – simplificação dos traços mantendo os traços essenciais docorpo femininoa Norte dos Alpes a influência do Próximo Oriente chegou mais tarde – as pequenaspovoações tribais mantiveram as suas formas de vida mesmo na época do bronze e doferro nunca atingindo o nível de organização social que deu origem a Jericó e CatalHüyükno entanto encontramos na Europa monumentos chamados megalíticos por seremconstituídos por grandes lajes de pedra erguidos e sobreposto sem argamassatinham cunho religioso e não político já que só a autoridade de uma crença religiosapoderia inspirar o tipo de esforço necessário para a sua construçãoexistiam vários tipos de monumentos:

dólmenes – túmulos de paredes constituídas por grandes lajes sobre as quaisassentava outra a servir de telhadocromeleques – recintos destinados a cerimónias religiosas sendo um dos maisfamosos Stonehenge no Sul de Inglaterra – círculo de pedras erguidas a intervalosregulares que sustentam traves horizontais rodeando dois círculos e no interior domais central está um bloco semelhante a uma ara – o conjunto está orientado para oponto do horizonte onde nasce o sol no dia do solstício de Verão, uma indicação dasua função religiosa

este tipo de construções podem ser incluídas na arquitectura pois apesar de construídasa céu aberto, já queé a arte de conformar o esaço às necessidades e aspiraçõeshumanas – a raíz da palavra indica que a arquitectura é uma edificação superior às quepossuíam simplesmente um carácter prático e comum pela sua escala, ordem,permanência e solenidade

1.2.4 A América Neolítica

os índios da América do Norte desenvolveram a chamada “arte da terra” que construíramcolinas com diferentes formasas elevações variam muito em formato e em data indo desde 2000 aC até à chegada dosprimeiros europeusas mais interessantes são as colinas em forma de animais que se supõe terem sidototens como a Colina da Grande Serpente no Ohio – uma cobra com 460 metros decomprimento que ondula ao longo de uma colina – o ponto mais alto está na cabeça dacobra onde existia também um altar

1.3 A Arte primitiva

algumas populações actuais ainda mantêm as formas de vida Paleolíticas mas há aindamais representantes de uma influência neolítica – primitivos da África tropical, dasAméricas e das ilhas do sul do Pacíficoas sociedades primitivas são de natureza predominantemente rural autónomas sendo assuas unidades políticas a aldeia e a tribosão fortemente isolacionistas e hostis a estranhos mantendo um equilíbrio estável masprecário entre o Homem e o ambiente local não estando preparadas para o contacto comcivilizações urbanasas semelhanças entre estas comunidades e as antigas levaram-nos a conhecer melhoros hábitos de povos já desaparecidos – por exemplo no rio Sepik na Nova Guinépersisteu até tarde o hábito de construção de crânios gessados semelhantes aosencontrados em Jericóoutras esculturas representam o culto dos antepassados como um pássaro de asasabertas do rio Sepik que representa o espírito vitalo culto dos antepassados é o traço mais persistente das sociedades primitivas e a suaforça de coesão embora as formas de culto sejam muito diversificadas

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na Ilha da Páscoa as figuras ancestrais são representadas por grandes blocos de pedratalhados na rocha vulcânica e alinhadas em plataformas artificiaisas tribos do Gabão têm por hábito acumular as caveiras dos antepassados em depósitosprotegidos por uma estatueta de um guardião dos quais sobreviveram vários exemplares:

um exemplar notável pela sua abstracção geométrica é o de um guardião compostopor formas geométricas no qual impera a harmonia e disciplina mas também aserenidade – a abstracção da arte primitiva poderá representar o mundo anímico queterá de ser diferente do mundo realo segundo espécime é muito semelhante na estrutura geométrica mas o rosto temum maior realismo e foi construída para inspirar terror bastante adequada à suafunção

a arte primitiva e a arte neolítica possuem uma característica de abstracção porendogamia em que a abstracção é obtida pelo cruzamento de formas aparentadasa endogamia pode ser alterada de duas formas: por cruzamento de migração ouconquista ou por se terem verificado condições favoráveis ao desenvolvimento dorealismo como por exemplo em certas regiões africanas em que se formaram reinosembora de curta duraçãoos vestígios mais interessantes desses reinos são as cabeças de Ife, autênticos retratosem bronze construídos com a técnica da cera perdida importada do Mediterrâneo –realismo subtil e firme dos rostos com traços perfeitamente individuais – século XIIno reino do Benim para além destes retratos surgiram ainda estatuetas com o objectivode glorificar o chefe tribalas crenças primitivas são animistas porque assentam na suposta existência de espíritosem todas as coisas vivas o que levavam a complexos rituais em diversas circunstânciasque terão levado ao surgimento de esculturas como a da mulher ajoelhada do Congo cujaposição sugere tratar-se de um ritual mágicona relação com o mundo dos espíritos, o homem necessitava de exteriorizar a relaçãocom esse mundo através de rituais e cerimónias em que ele desempenhava o papel deespírito encarnado graças à utilização de uma máscaraas máscaras que sobreviveram dão dos mais variados tipos mas as africanasdistinguem-se pela sua simetria e pela precisão e firmeza do trabalhooutras obras como o capacete do Alasca impressiona pelo seu realismo e ferocidadeo papel da pintura nas sociedades primitivas foi sempre secundário embora a sua técnicafosse largamente conhecida – surge individualizada apenas em determinados contextosrituais como na decoração parietal das casas dos índios Nootka em Vancouver a pintura na areia desenvolveu-se no Sudoeste dos Estados Unidos e a sua técnicaconsistia em deitar pó de pedra ou de terra de várias cores sobre um plano de areiaas composições na areia são como receitas passadas pelo curandeiro destinadas apráticas curativasa associação entre o sacerdote, o médico e o artista representa a necessidade dohomem de sujeitar a Natureza às suas necessidades sendo considerados aspectosdiferentes de um mesmo processo.

2 – A arte egípcia

a revolução neolítica persistiu em alguns locais mas noutros o equilíbrio alcançado comas novas técnicas foi colocado em xeque pelos homensas muralhas de Jericó apontam para as rivalidades entre comunidades queeventualmente disputariam os recursos e melhores regiões de cultivo – o sucesso doperíodo neolítico levou a um crescimento populacional que a produção de alimentos nãopodia comportaros conflitos que surgiram no vale do Nilo, do Tigre e do Eufrates geraram tensões queprovocaram o surgimento de um novo tipo de sociedadecom o desenvolvimento da escrita surgiu a possibilidade de registo dos grandesacontecimentos da História e dos seus protagonistas de uma forma sem precedentes

2.1 A monarquia antiga

a sociedade egípcia é considerada uma das mais rígidas e conservadoras por termantido os meus príncipes e características num período de quase 3.000 anos

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apesar destas observações, a arte nesse período nunca foi estática e as suas realizaçõesexerceram uma influência decisiva na arte grega e romanaa história egípcia está dividida em dinastias tendo a primeira surgido em cerca de 3.000aC depois do período pré-dinástico – a monarquia antiga inaugurada com a primeiradinastia terminou em cerca de 2.155 aC com o fim da sexta dinastiaesta forma de contabilização do tempo revela a importância do faraó que além de ser ummonarca soberano era ainda um deusdesconhecemos o processo que levou ao surgimento do faraó mas conhecemos os feitosque fizeram dele uma personagem fundamental: a união dos dois reinos desde a primeiracatarata (Assuão) até ao Delta e a melhoria da fertilidade do solo através daregularização das cheias com barragens e canaisdas vastas obras dos faraós praticamente nada sobrou e por isso o nosso conhecimentoda civilização egípcia baseia-se essencialmente nos seus túmulos e espólioa importância do além túmulo entre os egípcios tinha um carácter diferente do queacontecia com as sociedades neolíticas uma vez que o temor inspirado pelosantepassados é substituído pela crença numa vida feliz além túmulo assegurado pelaexistência de um local onde o ka de cada pessoa vivia num receptáculo geralmente umaestátua presente no túmulocomo o ka continuaria a gozar dos mesmos prazeres da vida, o túmulo era decorado comcenas da via quotidiana e o espólio presente era constituído por muitos dos objectos dodia-a-dia do defuntoo medo da morte só surge entre os egípcios quando é introduzido um julgamento após amorte que avalia os feitos de cada vida e decide se o morto tem direito a penetrar nosCampos Elísios ou se deverá permanecer no limbouma pintura mural de um túmulo pré-dinástico em Hierakonpolis é de caráctermarcadamente primitivo mas aponta para uma direcção interessante: as imagensestilizam-se cada vez mais como se estivessem em pleno movimento de conversão emhieroglifos

2.1.1 O estilo egípcio e a paleta do rei Narmer

na época pré-dinástica o Egipto estava a começar a utilizar o bronze e era governado porvários soberanos locaisa rivalidade entre os dois principais reinos, os do Baixo e Alto Egipto terminou quando orei Narmer conquistou o Baixo Egipto unindo todo o vale do Nilo, acontecimentocelebrado numa famosa paleta que apesar de ter surgido em Hierakonpolis mostra jáuma grande evolução face à pintura muralesta é a mais antiga obra de arte histórica descrevendo de um lado a vitória de Narmerque segura um inimigo pelos cabelos rodeado dos símbolos da supremacia do AltoEgipto enquanto do outro lado surge uma procissão solene – esta paleta é importantepelo traçado ordenado e racional do conjuntoo estilo é uma forma de escolher e combinar as formas que permite ao historiador de artesaber quem executou a obra de arte e determinar as razões da sua elaboraçãoa paleta de Narmer apresenta muitas das características do estilo egípcio:

acentuado sentido de ordem – superfície dividida em bandas horizontais e cadafigura colocada um local específico com a excepção dos hieróglifos, do elementoornamental e dos inimigos mortosos inimigos são retratados de cima enquanto as outras figuras aparecem de perfil – oartista procurou o aspecto mais revelador de cada um dos elementosexistem apenas 3 pontos de vista: frontal, de perfil e vertical numa perspectivarigorosamente cúbicao corpo humano para ser retratado com mais clareza apresenta mais do que umaperspectiva: os olhos e ombros de frente e a cabeça e as pernas de perfil – estaforma de representação rígida é adequada à natureza divina do faraó que nãoexecuta nenhum movimento mas que se limita a existira representação de outras figuras que executam vários movimentos é mais simplesapenas de perfil

2.1.2 A terceira dinastia

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a beleza da paleta de Narmer só será compreendida alguns anos mais tarde no reinadode Djoser, a maior figura da 3ª dinastiaum exemplo é o relevo de madeira do túmulo de Hesy-ra um dos grandes dignitários dofaraó representado da mesma forma que Narmer mas com algumas diferenças: asproporções são mais equilibradas e harmoniosas e o recorte dos pormenores mostrauma aguda observação e uma delicadeza de elaboraçãoos sepulcros dos grandes funcionários situam-se à volta dos monumentos funerários dosfaraósa forma típica dos túmulos particulares era a mastaba – um montículo de formaquadrangular ou de pirâmide truncada coberto de tijolos ou pedra erguido por cima deuma câmara funerária profunda – dentro da mastaba há ainda uma capela funerária e umcubículo para a estátua do defuntoas mastabas reais caracterizavam-se pelas suas dimensões e na 3ª dinastiatransformaram-se em pirâmides de degraus – a mais conhecida é a do rei Djoser eembora mantenha a estrutura da mastaba tem proporções muito superioresas pirâmides faziam parte de vastas necrópoles com templos e outros edifícios onde serealizavam grandes celebrações religiosas durante a vida e depois da morte do faraó – asconstruções junto da pirâmide de Djoser para além do próprio monumento devem-se aImhotep, o primeiro artista registado na históriaa arquitectura egípcia começou por ser constituída por edifícios de adobe de terra,madeira, canas e outros materiais ligeiros – Imhotep utilizou pela primeira vez cantariamas o seu reportório ainda reflecte os antigos materiaisencontramos colunas de várias espécies mas sempre embebidas nas paredes que sãoréplicas de feixes de juncos e de esteios de madeira – estas colunas não têm apenas afunção de suporte das estruturas mas têm também um carácter expressivo transmitindosentimentos de força e solidez mas também as alianças políticas já que as colunas deedifícios no Baixo Egipto aparecem num formato papiriforme, a planta típica dessa região

2.1.3 A quarta dinastia

as pirâmides atingem o seu apogeu na 4ª dinastia com as 3 pirâmides de Gizé queapesar de ligeiras diferenças apresentam a mesma estrutura

a câmara sepulcral está perto do centro da construçãopequenas construções e mastabas à volta para membros da família real e altosdignitáriosdo lado oriental de cada pirâmide fica um templo funerário do qual desce umacalçada até a um segundo templo no vale do Nilo

junto ao templo da pirâmide de Quefren surge a Esfinge, uma personificação da realezadivina com 20 metros de alturaeste tipo de empreendimentos marcaram o zénite do poder faraónico – as pirâmidescontinuaram a ser construídas mas nunca com esta dimensãopara além dos monumentos fúnebres a arte egípcia caracterizou-se pelas estátuasretratos

Quefren em diorite, pedra negra de extrema dureza que mostra o rei sentado numtrono com o falcão de Hórus a rodear-lhe a cabeça – exemplo típico da visão cúbicada forma humana – o corpo bem proporcionado e robusto é totalmente impessoal eapenas o rosto apresenta traços individuaisa estátua de Miquerinos e da sua mulher de pé com a perna esquerda avançada éoutro exemplo impressionante especialmente pelo modelamento do corpo da rainhasob as suas roupasprincipie Rahotep e sua mulher Nofret – este conjunto tem um grande realismosdevido à coloração viva das estátuas, com o corpo masculino mais escuro do que ofeminino, um condicionalismo da arte egípcia

as figuras de pé ou sentadas eram os retratos utilizados nos períodos mais antigos mas apartir do final da quarta dinastia surge uma nova posição, a do escriba acocorado como aestátua encontrada em Sacará no túmulo de um alto funcionáriooutra criação da monarquia antiga foi o busto retrato embora o seu propósito sejadesconhecido e tenham sobrado poucos exemplaresa pintura egípcia presente nas paredes dos túmulos retratava essencialmente cenas davida quotidiana como as pinturas do túmulo de Ti:

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A Caçada ao Hipopótamo tem um especial interesse devido ao tratamento dapaisagem e ao realismo da acção; o defunto ocupava sempre um papel estático esuperior na imagemBovinos a assar o rio a vau – um dos pastores leva um vitelo às costas e o animalassustado vira a cabeça para a mãe que está atrás – é uma representação plena desimpatia e emoção inesperada neste período

as imagens dos túmulos não correspondem aos passatempos favoritos dos defuntosmas sim a um ordenamento que obedece às estações do ano numa espécie decalendário das actividades humanas para que o espírito do defunto as recorde ao longodos anos

2.2 A monarquia média

no final da sexta dinastia o poder faraónico cai e o Egipto entra num período deperturbações que dura cerca de 700 anosa autoridade efectiva estava nas mãos de senhores locais que fizeram reviver a antigarivalidade entre Norte e Sul – sucederam-se várias dinastias de curta duração até seentrar num período de relativa estabilidade durante a 11ª e a 12ªno final desta última dinastia, o pís foi conquistado pelos Hicsos, um povo da ÁsiaOcidental que se apoderou do Delta e governou por 150 anos até ser expulso pelospríncipes e Tebaso espírito inquieto desse tempo está bem expresso nos retratos como o de Sesóstris IIIque possui uma nítida expressão sombria e perturbada que denuncia a novaauto-consciência e que constitui uma evolução no sentido do realismona pintura também se assistiu a um afrouxamento das regras estabelecidas por exemplonas decorações do túmulo dos príncipes de Beni Hasan – fresco Alimentando os Órix dotúmulo de Khnum-hotep – segundo as regras antigas, as figuras deviam estar no mesmoplano ou o segundo órix e o seu tratador acima dos primeiros – o pintor introduziu em vezdisso uma segunda linha de fundo um pouco mais elevada mas que associa os doisgrupos de uma forma mais realista

2.3 A monarquia nova

os 500 anos depois da expulsão dos Hicsos correspondentes às dinastias 18ª, 19ª e 20ªconstituem a terceira idade de ouro do Egiptoo país unificado conseguiu alargar as suas fronteiras até à Palestina e Síriadurante esse período foram construídos edifícios e monumentos sem precedentes nanova capital de Tebas em especialmente ao nível dos sepulcros reaisa realeza divina dos faraós assentava agora na associação com o deus Amon cujaidentidade se fundira com a do deus sol Rá tornando-se a divindade supremaesta reestruturação religiosa levou a um crescimento do poder dos sacerdotes de Amonque confirmavam mesmo a realeza aprovando a eleição dos faraósAmenófis ou Amenhotep IV decidiu afrontar os sacerdotes proclamando a sua fé no deusúnico Aton, mudando o seu nome para Akhenaton e transferindo a capital para o centrodo Egipto para Tel-el-Amarnaa tentativa de mudar o culto religioso foi gorada e o poder dos sacerdotes de Amon voltoudepois da morte de Akhenaton e manteve-se no Egipto até à conquista grega e posteriorconquista romana do territórioa arte deste período é muito variada e inclui tanto obras do mais rígido conservadorismocomo da mais brilhante inovação

2.3.1 A arquitectura

o templo funerário da rainha Hatshepsut é uma das obras mais importantes do período,de cerca de 1480 aC tendo sido construído nas falésias de Deir el-Bahari e dedicado aAmon e outras divindadeso santuário é uma pequena câmara rasgada na rocha ao qual se acede depois de passarpor 3 pátios unidos por rampas ladeadas por colunataseste santuário é particularmente interessante por ter utilizado a envolvente natural dandouma aparência de grande monumentalidade

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os monarcas seguintes continuaram a construir grandes templos funerários masconsagraram os seus esforços aos templos imperiais de Amono templo de Luxor construído na margem do Nilo oposta a Tebas pr Amenhotep III temuma planta característica do modelo geral dos templos egípcios tardios:

duas paredes maciças de faces inclinadas enquadram a porta - pilãoo primeiro pátio é um paralelogramo porque Ramsés II ao acrescentá-lo teve quetomar em consideração a inclinação da margem do riosegue-se uma grande sala de colunas, hipóstila e a segui o segundo pátio ao fundoda qual se encontra outra sala colunadadepois começa o templo com várias salas e capelas dispostas simetricamente

todo o conjunto ficava rodeado de altos muros que o isolavam do exterior – este edifíciofoi projectado para ser visto do interior – os fiéis ficavam confinados aos pátios onde seencontravam as colunas muito juntas e grossas para suportarem o peso dos lintéispara além da construção em pedra geralmente reservada para edifícios que se queriameternos, os egípcios utilizavam também os adobes cozidos ao sol um material maisconveniente e económicosobraram poucos edifícios construídos com esta técnica mas os armazéns do templofunerário de Ramsés II atestam bem a mestria das técnicas de construção como asabóbadas de berço com um vão de 4 metros

2.3.2 Akhenaton

raros são os vestígios das construções de Akhenaton mas nos seus gostos artísticoscertamente é revelado o novo estilo e o novo ideal de belezao novo estilo marca vincadamente a individualidade dos rostos com traços ondulantes erealistaso busto da rainha Nefertiti destaca-se não só pelo maior realismo mas também pelo novosentido da forma que quebra a rigidez da imobilidade tradicional com um formato maisflexível e descontraído anti-geométricosa pintura mural que representa as filhas de Akhenaton também demonstra este estilocom os seus gestos joviais e a naturalidade das suas atitudesapesar da velha ordem ter sido restaurada após a morte de Akhenaton, o gosto dorealismo e da flexibilidade manteve os seus ecos na arte egípcia como no fresco dotúmulo de Horemheb em Sacará onde está representada uma imagem de operáriostransportando uma trave que possui uma grande expressão e liberdade

2.3.3 Tutankhamon

Tutankhamon é o único faraó cujo túmulo permaneceu intacto até ser descoberto nosanos 20 do século XX deixando-nos um exemplo marcante do que seria um túmulo realo que mais impressiona na sua máscara funerária é o requinte do jogo de incrustaçõesde cores variadas sobre a superfície de ouro polidoa arca proveniente do seu túmulo é também única pela pintura do rei caçando numapaisagem que evolui e se transforma à sua frente com um nível de detalheimpressionante e com várias representações de animais e plantas realísticasesta imagem tem uma nítida semelhança com as miniaturas islâmicas executadas 2 milanos depois

3 – O Próximo Oriente Antigo

3.1 A arte suméria

enquanto a civilização egípcia florescia no vale do Nilo, entre o Tigre e o Eufrates, naMesopotâmia desenvolvia-se também uma nova civilizaçãoapesar de manterem contactos as duas civilizações mantiveram caracteres muitodiferentes embora as pressões que as forçaram possam ter sido as mesmasas diferenças começam logo na geografia pois em vez de uma estreita faixa fértil nasmargens do rio protegida por desertos de ambos os lados, encontramos uma bacia largae pouco profunda com raras defesas naturais e facilmente acessível de todos os lados

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a unificação política só surge na Mesopotâmia depois de mil anos terem passado osurgimento da civilização e mesmo assim durante breves períodos e mantidas por umespírito guerreiroa história política da Mesopotâmia foi por isso pautada pelas rivalidades locais, incursõesestrangeiras e pelo repentino aparecimento do poder militar que durava apenas algunsanosapesar deste fundo agitado as tradições culturais e artísticas registaram uma notóriacontinuidade e essa herança comum deve-se aos pioneiros dessa civilização, ossumérios, habitantes da região perto da confluência entre os dois riosa origem dos sumérios permanece obscura já que a sua língua não está aparentada commais nenhuma conhecida – um pouco antes do quarto milénio aC chegaram àMesopotâmia vindos da Pérsia e nos mil anos seguintes fundaram várias cidades-estadoe desenvolveram uma escrita cuneiforme gravada em tabuletas de barro – esta fase écorrespondente ao período pré-dinástico egípcio e é designada por protoliterárioos vestígios da civilização suméria são mais escassos do que os da civilização egípciapois a sua arquitectura era exclusivamente de adobe e madeiras e a sua preocupaçãopelo além túmulo era bem menor, embora tenham sobrevivido alguns túmulosabobadados em Uro que sabemos sobre a Suméria provém dos vestígios arqueológicos nomeadamentetextos gravados em placas de argilacada cidade-estado tinha um deus local considerado seu rei e senhor mas possuíatambém um chefe humano para a governar, o intendente do soberano divino – o deus eraproprietário do território da cidade e do trabalho e produção dos habitantes – socialismoteocrático – uma sociedade planificada cujo centro era o temploo templo ficava responsável por assegurar os recursos e a mão-de-obra necessários paraas grandes obras públicas como os diques e vales de irrigação e guardava nos seusarmazéns as colheitas para garantir a sua distribuiçãopara manter este sistema era necessária a escrita o que explica que quase todos ostextos que sobreviveram foram de índole económica e administrativaas plantas das cidades representavam esta importância do templo uma vez que as casasse aglomeravam em torno da área sagrada, um vasto conjunto que incluia templos,oficinas, armazéns e residencias dos escribasa meio sobre um terraço alto ficava o templo do deus – estes terraços, os zigurates,foram crescendo em altura atingindo alturas comparáveis com colinas e lembrando aspirâmides egípcias pelo esforço exigido para a sua construção e pela suamonumentalidadea mítica Torre de Babel foi o mais conhecido mas subsiste outro construído em 3.000 aCmais antigo erguido em Warka na cidade de Uruk com rampas conduzindo ao TemploBranco, assim chamado pelas suas fachadas de tijolo caiado – a entrada do templo nãoera na fachada fronteira à escadaria de acesso mas sim a sudoeste criando uma viasacra em espiral angulosa – acesso de eixo quebrado é típico da arquitectura religiosamesopotâmicaos zigurates foram crescendo em altura e em cerca de 2.500 aC foi mandado construirum templo pelo rei Urnammu de Ur com 3 pisos só tendo sobrevivido o inferior com 16metros de alturaesta construção em altura é explicada pela crença que nas montanhas residem osdeuses, uma ideia da mitologia gregaa imagem do deus a quem foi dedicado o Templo Branco perdeu-se mas sobraramoutros exemplares da escultura em pedraa Cabeça Feminina de mármore encontrada em Uruk deve ter pertencido a uma estátuareligiosa e os lhos e sobrancelhas eram cobertas com materiais preciosos e a cabeçaseria coberta com uma cabeleira de ouro ou cobreesta cabeça lembra a escultura egípcia da Monarquia Antiga com a suavidade das faces,a delicada curva dos lábios e a fixidez dos olhos a contribuir para lhe dar uma expressãosensual e severaa evolução da escultura sumério levou a uma permanência dos elementos geométricos enão os elementos expressivos – um conjunto de estátuas recuperadas em Tell Asmarpossuem um carácter geométrico com as suas roupagens cilindricas e os seus enormesolhos redondos – este conjunto deveria estar na cella do templo de Abu representandodois deuses e um grupo de sacerdotes e fiéis

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os corpos e as cabeças são totalmente esquemáticos sem preocupação com qualquertipo de semelhança com o objectivo de manter a atenção de fiéis nos olhos das imagens,consideradas as janelas da almase na escultura egípcia era o cubo que predominava, na Suméria era o colindro o cone oselementos fundamentais da esculturao estilo da escultura em bronze era mais flexível e realista – este tipo de esculturasutilizava não uma técnica de desbaste como a pedra mas sim de acrescentamento deelementosalgumas peças características desta técnica foram encontradas em túmulos em Ur comoo suporte de oferendas em forma de bode de pé que possuí uma expressão quaseconsiderada demoníacaa associação entre animais e divindades vinha dos tempos pré-históricos mas o quedistingue a presença dos animais na mitologia suméria é a parte activa quedesempenhavam como na caixa a harpa onde se encontram um lobo e um leão atransportar comida ou um urso um burro e um cervo a tocar músicao artista que esboçou estes desenhos estava pouco preso às convenções egípcias nãoreceando a sobreposição das figuras nem o escorço dos ombros – a presença deanimais nas imagens teve algum historial como por exemplo nas fábulas de La Fontaine

3.1.1 Os Acadianos

no final do período dinástico arcaico em 2.340 aC o socialismo teocrático entra emruptura e os intendentes tornam-se monarcas de facto procurando alargar as fronteirasdos seus domínios as populações semíticas da Mesopotâmia setentrional caminham para o Sul e em algunslugares começam a ganhar ascendente sobre os sumérioso semita Sargão da Acádia os seus sucessores foram os primeiros chefesmesopotâmicos que se proclamaram reisa arte suméria adaptou-se então á nova função de glorificação do soberano

cabeça de bronze encontrada em Ninive com uma comovedora humanidade apesardo seu ar majestoso – a barba e o cabelo foram traçados com realismo e pormenorrevelando um domínio quase perfeito das técnicas da fundição e da cinzelagemo neto de Sargão, Naram-Sin imortalizou os seus feitos no baixo-relevo de umaestela que chegou até nós – não há linhas rígidas de horizonte com as tropas deNaram-Sin a subirem uma montanha e acima delas encontra-se o monarca que só ésuplantado pelas estrelas e que possui na cabeça a coroa de chifres exclusiva dosdeuses

3.1.2 Ur

as tribos do Nordeste colocaram fim ao domínio dos reis da Acádia tendo sido expulsasapenas em 2.125 aC pelos reis de Ur que estabeleceram um monarquia unificadadurante cerca de 100 anosno período de ocupação estrangeira, uma das cidades-estado menores, Lagashconseguiu manter a sua independência e o seu chefe Gudea manteve o cuidado depreservar o título de rei para o deus local e não para siapesar disto são inúmeras as estátuas que conhecemos deste governante colocadas nossantuários da cidade e todas do mesmo tipo:

realizadas em diorite a pedra rígida preferida pelos egípcioso seu rosto aparece muito menos individualizado do que o do chefe acadiano masainda assim também afastado da simplicidade geométrica das esculturas deTell-Asmara pedra foi trabalhada para garantir um jogo de luz subtil sobre os traços dafisionomiaa estátua sentada exibe Gudea com um mapa de um templo muito parecido com oTemplo Branco no coloos ângulos da estátua foram arredondados para acentuar a propriedade cilíndrica dasformasos braços e ombros estão em tensão em contraste com a posição descontraída dosbraços das esculturas egípcias

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3.1.3 A Babilónia

o segundo milénio foi um período de agitação quase permanente na Mesopotâmia sótendo estado sob domínio indígena entre 170 e 1600 aC quando a Babilónia assumiu opapel preponderanteHamurabi foi fundador da dinastia babilónica e assumiu o papel de protector do passadosumério com a missão de fazer reinar a justiça a partir da sua principal cidade, aBabilóniaa mais notável realização de Hamurabi foi o seu célebre código famoso por ter sido aprimeira unificação de um corpo de leis de concepção racional e humana - a estela ondeestá gravado tem uma imagem que representa a apresentação do código à divindade etem algumas semelhanças com as estátuas de Gudea:

relevos são tão salientes que parecem estátuas cortadas ao meioreprodução dos olhos em relevo levando a que as duas estátuas se encaremdirectamente e com grande intensidade

3.2 A arte assíria

na primeira metade do segundo milénio a Ásia Menor foi invadida por povos de línguaindo-europeia: os mitanianos na Síria e na Mesopotâmia Setentrional incluindo Assur e ohititas no Norte no planalto da Anatólia em Bogazköyem cerca de 1.360 aC os hititas atacaram os mitinianos levando Assur a reconquistar asua independência, alastrando gradualmente a sua soberania sobre a Mesopotâmiaatingindo no auge do seu poder (de 1000 a 612 aC) uma região desde a península doSinai à Arménia

3.2.1 Os palácios e a sua decoração

a civilização assíria inspirou-se nas realizações sumérias e dando-lhes carácter próprio –construíram templos e zigurates inspirados nos modelos sumérios mas os palácios reaisatingiram dimensões e magnitude sem precedenteso palácio de Sargão II Dur Sharrukin foi um dos mais impressionantes construído nasegunda metade do século VIII aC:

isolado do centro urbano numa cidadela de muralhas torreadas apenas com 2 portasutilizavam o tijolo como os sumérios mas revestiam as passagens e a parte inferiordas paredes com grandes placas de pedra onde esculpiam baixos-relevosnas entradas estavam os típicos demónios guardiões que se destinavam aimpressionar os visitantes e representavam o poder e majestade reaisdentro do palácio a impressão de majestade era reforçada com longas séries derelevos ilustrando as conquistas militares – estas imagens não têm drama nemheroísmo representando apenas a inexorabilidade da vitória assíria e tornando-se umpouco monótonas mas representam também a primeira tentativa de narrativaplástica de grandes dimensões

em Ninive no palácio de Asurbanípal há também alguns relevos de destaque como osaque da cidade elamita de Hamanu nos quais os soldados assírios destroem asfortificações depois da cidade ser pasto das chamas enquanto um grupo de soldados seafasta da cidade – a forma como a perspectiva foi tratada nestes dois planos de umaforma diferentea glorificação pessoal do monarca nestes relevos não aparece nas descrições dasvitórias mas sim nas caçadas aos leões que são representadas como combatescerimoniaisnestas imagens os artistas demonstraram a sua mestria representando os leões como overdadeiro herói com toda a nobreza e coragem que está ausente das descrições dasvitórias – os corpos transmitem uma maior sensação de peso e volume graças àsgradações da superfície

3.2.2 Os Neobabilónios

o império assirio terminou com a queda de Ninive face á ofensiva dos Medos e dos Citasvindos do Oriente

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o comandante do exército assírio na Mesopotâmia Meridional anunciou-se como rei daBabilónia levando a um período de florescimento da cidade entre 612 e 539 aC até serconquistada pelos persaso mais célebre dos seus monarcas foi Nabucodonosor o construtor da torre de Babel quefazia parte de um enorme conjunto arquitectural comparável à cidadela de Sargão IIos Neobabilónios, sem pedreiras por perto recorreram aos tijolos cozidos e vidrados jáconhecidos na Assíria mas utilizados agora para decorar superfícies e como relevosarquitecturaiso efeito desta técnica está patente na porta de Ishtar no recinto sagrado deNabucodonosor – a procissão de touros, dragões e outros animais dispostos em bandashorizontais de cores vivas tem uma graça e leveza completamente distintas dos pesadosmonstros guardiões assírios

3.3 A arte persa

a Pérsia recebeu o nome do povo que ocupou a Babilónia em 539 aC e que se tornouherdeiro do império assírio – era uma região de confluência das tribos migratórias dasestepes asiáticas e da Índia que influenciaram a arte praticada na regiãoos vestígios desta comunidade nómada são limitados uma vez que se limitam ao espóliodos túmulos e que eram artefactos de madeira, osso ou de metal: fivelas, arreios decavalos, fíbulas, outros artigos de adereço, taças e vasosestes vestígios tinham em comum o estilo animalista, ou seja os elementos decorativossão animais com uma forma abstracta e imaginativa

num vaso de cerâmica pré-histórica encontrado no Irão aparece um cabrito estilizadocom os chifres enrolados em volta de um desenho geométrico – na borda do vaso oque parece à primeira vista meros traços verticais são na realidade aves pernaltasoutro exemplo encontra-se num par de bronzes do Luristão, um ornamento de umavara que representa dois bodes com as patas erguidas – este exemplar faz lembraros trabalhos de metal das estepes asiáticascervo de ouro com um aspecto mais realista mas os chifres são representados comoum complexo ornamento abstracto

3.3.1 Os Aqueménidas

Ciro o Grande conquistou a Babilónia em 539 aC assumindo o título de rei da Babilónia eas ambições dos monarcas assírioso império fundado por ele continuou a expandir-se com os seus sucessores sendoapenas derrotado por Alexandre Magno em 331 aCnuma única geração os persas dominaram o maquinismo da administração imperial edesenvolveram uma arte monumental de grande originalidadeos persas mantiveram-se fiéis às suas crenças religiosas tradicionais baseadas nodualismo do bem e do mal, incarnados em Ahuramazda (Luz) e Ahrima (Trevas) eporque o culto se fazia em altares ao ar livre não construíram templos mas os seuspalácios eram edifícios enormes e impressionanteso palácio de Persepólis foi começado por Dário I em 518 aC – o seu traçado geral lembraos grandes palácios assírios mas possui elementos de outras culturas

as colunas são usadas em grande escala para suportar uma altura impressionantecomo na sala do trono de Dário com 12 metros de altura – esta acumulação decolunas e a sua decoração das bases e capitéis é um eco egípciosem qualquer precedente é o topo das colunas onde assentam as traves compostopelas partes frontais de dois bovídeos de origem assíria mas com um formato pertodos bronzes do Luristãoa escadaria de acesso à sala do trono está decorada com relevos d elongas filas depersonagens em solene marcha

o estilo das esculturas parece um eco da tradição mesopotâmica mas tem tambémalgumas inovações como a sobreposição de roupagens e o jogo de pragueadosfinamente enroladosa arte aqueménida é uma síntese de elementos diversos mas sem capacidade para osdesenvolver e um dos motivos dessa falta de evolução pode ser a preocupação com osefeitos decorativos sem ter em conta a escala – os mesmos elementos podem seraplicados numa coluna ou numa peça de joalharia

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3.3.2 Os Sassânidas

a tradição da arte móvel sobreviveu ao domínio romano reafirmando-se quando a Pérsiaganhou a sua independência e isso foi devido à dinastia SassânidaShapur I comemorou as suas vitórias com um relevo na necrópole de Naksh-i-Rustam deuma procissão que lembra os triunfos romanos mas o fraco relevos dos personagens e aelaboração das roupagens lembra as obras persaso palácio de Shapur em Ctesifonte revela esta influência dupla: as arcadas cegas dafachada revelam a importância do aspecto decorativo das paredesa arte monumental mais uma vez não evoluiu ao contrário das artes do metal e dostêxteisa glória da arte sassânida vem das sedas tecidas que foram exportadas paraConstantinopla e para o Ocidente cristão onde exerceram influência decisiva na artemedieval com a sua riqueza de cores e padrões

4 – A arte Egeia

à volta do mar Egeu desenvolveram-se 3 civilizações ligadas mas diferentes:a de Creta designada por minóica segundo o nome do lendário rei Minosa das Ciclades, um grupo de pequenas ilhas dispersasa Heládica que se desenvolveu no continente grego

cada um destas civilizações foi dividida em 3 fases: arcaica, média e final quecorrespondem de uma maneira geral às 3 monarquias egípciasos achados mais importantes reportam-se à última parte da fase média e a toda a finalcerca de 2.000 aC desenvolveu-se em Creta um sistema de escrita sendo a sua formatardia conhecida por Linear B em uso 600 anos mais tarde em Creta e na Grécia – é umgrego primitivo diferente das inscrições minóicas anteriores ao século XV aCos textos de Linear B são essencialmente inventários de palácios e documentosadministrativos que pouco revelam destas civilizaçõesos elementos destas civilizações não são apenas uma etapa entre a arte egípcia e a artegrega mas possuem elementos originais e únicos

4.1 A arte cicládica

do povo que habitou as ilhas Cíclades entre 2.600 e 1.100 aC sobraram apenas os seussimples túmulos em pedra e os seus espóliosapareceram inúmeros ídolos de mármore semelhantes: representam uma mulher nua depé e com os braços cruzados com as qualidades abstractas e angulosas da arteprimitiva: o corpo aplanado e cuneiforme, o forte pescoço em forma de coluna e o rostooval cujos traços se limitam a um longo nariz aquilinoestas obras possuem uma elegância e sofisticação apesar da sua simplicidade pelascurvas que sugerem os contornos e as concavidades dos joelhos e do ventre

4.2 A arte minóica

a civilização cretense é a mais rica e a mais estranha do mundo Egeuo que a distingue é a sua falta de continuidade entre épocas – as obras aparecem edesaparecem tão repentinamente que esses movimentos só podem ser explicados porforças externas que exerceram violentas mudanças – no entanto, o carácter alegre ejocoso desta arte não faz adivinhar estas convulsões

4.2.1 A arquitectura

a primeira das mudanças bruscas aconteceu em 2.000 aC – até lá, durante o períodominóico arcaico os cretenses pouco tinham evoluído para além da aldeia neolíticafoi criado nesse momento um sistema próprio de escrita e uma civilização representadapor impressionantes palácios em Cnossos, Festos e Malia, mas todos foram destruídosem cerca de 1.700 aC

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cem anos mais tarde outros edifícios surgiram tendo sido destruídos em 1.500 aC e osvestígios desses palácios chegaram até nós especialmente o famoso Palácio de Minosque cobria uma vasta área e que ficou conhecido como o Labirinto do Minotauroo aspecto exterior dos palácios era completamente diferente dos edifícios assírios epersas já que não revelam qualquer preocupação monumental com tectos baixos epoucos ornamentos embora com um aspecto aberto e arejadoos construtores destes palácios não eram guerreiros já que não possuem fortificações eos temas militares estão praticamente ausentesos numerosos armazéns, oficinas e escritórios indicam que o palácio era um grandecentro administrativo e comercial e com os complexos portos somos levados a concluirque se trataria de uma aristocracia mercantil

4.2.2 A escultura

a vida religiosa destas comunidades ainda é mais fácil de definir já que as divindadeseram cultuadas em lugares sacros como as grutas ou bosquesa divindade principal era feminina aparentada com as deusas da fertilidade ematernidadenão surgiram estátuas de culto de grande porte mas duas estatuetas de terracotaparecem representar a divindade: uma delas tem 3 serpentes a envolver-lhe os braços, otronco e o toucadosó o estilo da estatueta faz admitir uma possível fonte estrangeira com a sua formaacentuadamente cónica, os olhos enormes e as espessas sobrancelhas sugerem umparentesco com as esculturas da arte mesopotâmica

4.2.3 A pintura, a cerâmica e os baixos relevos

na época dos palácios antigos (2.000 a 1.700 aC), Creta desenvolveu um tipo decerâmica célebre pela sua perfeição técnica e pelos motivos decorativos em espiralnos novos palácios surgiram pinturas murais naturalistas que apareceram semprecedentes e dos quais sobram apenas alguns restosmuitas pinturas representam cenas da natureza, aves e outros animais com umavegetação luxuriante ou seres marinhosas formas planas destacadas em silhueta recordam a pintura do Egipto assim como aaguda observação das plantas e animaisem lugar da paixão pelo hieratismo egípcia, nas pinturas minóicas está patente omovimento rítmico e ondulatório e as figuras parecem flutuar num mundo sem gravidadea vida marinha era um dos temas favoritos e a sua influência sente-se em todas as obraso Fresco do Toureiro é um dos mais famosos retratando um jogo ritual em que o atletadá um salto mortal por cima do tourona cerâmica pintada os antigos temas geométricos deram lugar a um repertório baseadona vida animal muito perto do estilo dos frescosVaso dos Ceifeiros – procissão de homens musculosos de tronco nú com instrumentos eo relevo é único pelo esforço muscular, pela irrequieta e ruidosa alegria e pela finaobservação

4.3 A arte micénica

ao longo da costa sudoeste da Grécia no período heládico final (1.600 a 1.100 aC) surgiuum conjunto de núcleos populacionais semelhantes aos cretensesos habitantes eram os Micénios, nome derivado do centro mais importante em Micenasmas não derivaram de qualquer influência minóica mas sim das tribos gregas queentraram na região em 2.000 aCdurante mais de 4 séculos os micénicos levaram uma existência simples e pastoril o queficou demonstrado pelos seus simples túmulosem 1.600 aC surgiram fundos poços sepulcrais e mais tarde câmaras cónicasconhecidos como túmulos de cortiço que atingiram o seu apogeu em 1.300 aCo Tesouro de Atreu é uma das mais impressionantes pela sua complexa estrutura defiadas concêntricas de blocos talhados de pedra embora tenha sido encontrada já sem oseu espólio

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outros túmulos foram descobertos intactos e junto dos cadáveres reais formaencontradas máscaras de ouro o prata para além de outros vasos e peças de joalhariacom grande valor expressivosTaças de Vaphio – duas taças de ouro produzidas em cerca de 1.500 aC com relevosexteriores que lembravam a cerâmica cretense em especial no vaso dos ceifeirosn século XVI aC surge assim um quadro singular: a influência egípcia das tradiçõesfunerárias vem juntar-se a um forte influxo artístico de Creta num período de riquezamaterialparece existir uma ligação entre as 3 regiões mas continuamos apenas a especular sobreelasas relações entre Micenas e Creta persistiram por muito tempo e o poder de Micenascresceu à medida que declinava o dos cretenses já que os grandes monumentosmicénicos foram construídos entre 1.400 e 1.200 aCcom a excepção da forma das colunas e de alguns motivos decorativos, a arquitectura deMicenas pouco deve à tradição minóicaos palácios do continente eram erigidos sobre colinas e rodeados de muralhasdefensivas sobrevivendo ainda o Portal dos Leões – duas feras ladeando uma colunacretense simbólica com a majestade severa e heráldica dos rhytons em forma de cabeçade leão – a função de guardioes da porta, os seus corpos tensos e musculados e asimetria do traçado remetem-nos para o Próximo Orienteo centro do palácio em Micenas era a sala de audiências ou megaron, uma sala granderectangular com uma lareira ao centro e quatro colunas à sua volta que suportavam otectonão há qualquer vestígio de arquitectura religiosa em Micenas devendo os seus ritospossuir elementos micénicos, gregos e asiáticossobreviveram algumas peças como a pequena escultura de marfim que representa duasmulheres e uma criança e embora não exista nenhum exemplo anterior que possa terservido de influência, obras posteriores cristãs utilizam este tipo de enquadramentoesta estatueta tem uma maior proximidade e uma visão íntima e familiar dos seresdivinos que se afasta da deusa minóica das serpentes

5 – A arte grega

a arte grega é mais próxima da nossa realidade o que náo significa que seja mais fácilestudá-laa história da arte grega é feita com 3 tipos de fontes:

os próprios monumentos que sobreviveram ao passar dos tempos mas que podemser insuficientes para entender as tendênciasas várias cópias feitas na época romana mas cuja fidelidade ao modelo é discutívelpodendo não representar perfeitamente os originaisfontes literárias – os gregos foram os primeiros a redigir extensos textos sobreartistas que foram mais tarde copiados pelos romanos e dessa forma preservados

as tribos fe fala helénica penetraram na península pelo norte em cerca de 1.100 aCdominando a população e expandido-se depois pelas ilhas do mar Egeunão sabemos muito sobre essas tribos, mas apenas que existiram dois gruposimportantes:

Dórios que se estabeleceram essencialmente no continenteJónios disseminados pelas ilhas e pela costa da Ásia Menor em contacto com ascivilizações do Próximo Oriente

alguns séculos mais tarde os gregos também se encaminharam para o ocidente ondefundaram cidades importantes na Sicília e na Itália do Sulapesar de uma forte proximidade cultural reforçada pela língua comum, os gregossempre se mantiveram separados em muitas cidades-estado independentes, sendo essasituação devido às raízes tribais, às heranças micénicas ou então à topografia da Gréciacom vastas cadeias montanhosas, vales apertados e costas recortadasas rivalidades entre as várias cidades-estado levaram a Grécia a pagar um alto preçodado que a região dificilmente conseguiu recuperar da Guerra do Peloponeso entreAtenas e Esparta

5.1.1 O Estilo Geométrico

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o período formativo do território grego durou de 1.100 a 700 aC e mas dos primeiros 200anos há poucas informaçõesapenas a partir de 776 aC, ano da instituição dos Jogos Olímpicos que ficou marcadocomo o ponto de partida da cronologia gregaé deste período o mais antigo estilo caracteristicamente grego, o estilo geométricoconhecido apenas pela cerâmica pintada e pela pequena esculturade início a decoração cerâmica era de traçado abstracto mas por volta do ano 800 aCcomeçam a aparecer figuras humanas e animais inseridas no traçado geométricoo vaso de Dyplon pertende a um conjunto de grandes vasos que serviam de urnasfunerárias – no corpo do vaso vemos o defunto em câmara ardente ladeado decarpideiras e a procissão do enterro com guerreiros de pé e no carronestas cenas é de realçar a ausência de qualquer alusão a uma via além-túmulo já que aintenção das obras é simplesmente comemorativa – apesar disto os gregos cuidavamdas sepulturas e nelas faziam libações por piedosa lembrançao estilo geométrico não foi um prolongamento da tradição micénica mas sim um ponto departida para um estilo completamente novoapesar do repertório limitado, o artista conseguiu alguns efeitos interessantes como arelação entre as imagens e o formato do vaso o que faz das representações merosornamentosna cena o naufrágio de outro vaso deste período há um enorme contraste com a vidamarinha minóica pois os elementos pouco mais parecem que ornamentos e apenas obarco virado ao contrário e o corpo do homem indicam a cena da tragédia marítimaa cerâmica geométrica tem aparecido não apenas na Grécia mas também na Itália e nopróximo oriente, uma clara indicação da sua exportação e as inscrições presentes nasobras utilizando o alfabeto fenício dizem-nos que já era regularmente utilizado nesteperíodono século VIII aC foram produzidas as obras-primas da literatura grega, a Ilíada e aOdisseia o que nos leva a pensar que esta sociedade seria mais sofisticada do que estasobras nos fazem pensar e que não nos surpreende a rápida evolução que sofreram coma criação de um novo estilo, o orientalizante

5.1.2 O estilo orientalizante

o novo estilo reflecte fortes influências do Egipto e do Próximo Oriente avivadas pelo fortecomércio com estas regiõesentre 725 e 650 aC a arte grega absorve ideias e temas orientais como está marcado naânfora de Eleusisa ornamentação geométrica não desapareceu totalmente mas foi relegada para o pé, asasas e o rebordo aparecendo também novos elementos decorativos como as espirais, asbandas entrelaçadas, as palmetas e as rosetasas superfícies maiores são agora dedicadas à narrativa baseada em lendas e mitosgregos que representam a mistura de divindades e heróis dóricos com os deuses doOlimpo e as sagas de Homeroos gregos viam os acontecimentos como o destinados e não como acidentes históricosacreditando nos heróis míticos e nas suas tarefas o que explicava a atracção quesentiam pelos leões e monstros orientais sempre presentes nessa mitologianestas pinturas o interesse pela representação das acções está patente nos gestos eexpressões das figuras que servem mais do que simples propósitos decorativosa ânfora de Eleusis faz parte o grupo proto-ático percursor da grande actividade depintura de vasos que se iria desenvolver na região Ática à volta de Atenasexistia ainda uma segunda família de vasilhas orientalizantes chamada proto-coríntia quese caracterizavam pelos vivos temas animalísticos como o frasco de perfume em formade coruja de um realismos e naturalidade espantosos

5.2 A pintura cerâmica arcaica

a fase orientalizante foi um período de experimentação e transição que deu origem aoestilo arcaico que imperou entre os finais do século VII até 480 aC, altura das vitóriasgregas sobre os Persas

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neste período assistimos ao desenvolvimento das técnicas artísticas gregas na intura devasos e na arquitectura monumental e embora não possua equilíbrio e sentido daperfeição do estilo clássico, possuí já uma grande frescura e inovaçãoa arquitectura e a escultura deviam existir antes deste período mas como seriam demadeira pouco sobrou – o período orientalizante introduziu as preocupações com adurabilidade que deram origem à utilização de materiais mais duradouros o que levou auma mudança de estilo, o que não aconteceu com a pintura de vasos que demonstroubastante continuidadeas peças arcaicas parecem ter sido obras individuais longe de padrões e séries masdados os restos que chegaram até nós é impossível comprovar essa teoriaas cenas de mitologia e da vida quotidiana representadas têm uma grande variedade e aqualidade artística de alguns exemplares é muito elevadaa apreciação dos gregos por este tipo de arte é demonstrada pela decoração de um vasona qual Atena coloca coroas de louro num pintor que teria ganho um concursoa partir de meados do século VI os melhores vasos ostentava a assinatura do artista queos tinha elaborado indício do orgulho dos artistas pelas suas obrassobreviveram séries de obras assinadas pelo mesmo artista o que nos permitiu detectara sua evoluçãosabemos que existiu também pintura mural mas não sobraram quaisquer vestígios,pensando-se que seria semelhante à pintura em vasoscom a descoberta do modelado e da profundidade espacial a pintura mural evoluiu mas apintura de vasos estagnou por o suporte não lhe permitir esse tipo de evoluçãono estilo orientalizante, mas figuras são representadas como silhuetas maciças comsimples contornos – no período arcaico esta simplificação foi resolvida com a adopção doestilo de figuras negras traçadas sobre o barro avermelhado – os pormenores internoseram riscados com um estilete sobre a tinta lisa podendo ainda aplicar-se outras corescomo o branco e roxo para realçar certas zonasum bom exemplo do novo tipo de pintura é o kylix pintado por Exéquias com a imagemde Dioniso reclinado no seu barco que apesar da sua evolução mantém ainda algumespírito da olaria geométricao vaso de Psíax que representa Hércules matando o leão está mais próximo do estiloorientalizante mostrando o horror e violência da cena – as linhas gravadas e as coressubsidiárias foram usadas com a máxima sobriedade para não interromper a extensafaixa negra mas as figuras possuem uma extraordinária tridimensionalidadea técnica das figuras negras tinha no entanto algumas dificuldades ao desenho dosescorços o que levou ao aparecimento de uma técnica nova em cerca de 500 aC, queera basicamente o inverso: pintava o fundo de negro deixando à vista a superfícieavermelhada do barro reservada para as figurasas vantagens desta nova técnica eram notórias já que as figuras eram desenhadas apincel em vez de gravadas o que libertava o artista da sujeição à perspectiva lateral –permitia então ousados escorços, sobreposição de membros, minuciosos pormenores notrajo e expressões faciaisno Eos e Memnon de Douris a deusa da aurora segura o corpo do filho morto e semarmadura – esta comovedora expressão de dor lembra a Pietà cristã sendo tambémnotável a liberdade expressiva do desenho com linhas flexíveis e contraste vincadosentre os perfis vigorosos e dinâmicos e toques mais finos e delicados – este vaso possuiainda uma inscrição curiosa com as assinaturas do pintor e do oleiro e uma dedicatória

5.3 A escultura arcaica

os novos temas que distinguem o estilo orientalizante, as lutas de animais, os monstrosalados e as cenas de combate, entraram na Grécia através de de relevos de marfim e detrabalhos de metal importados da Fenícia e Síria onde se reflectiam as influências daMesopotâmia e o Egiptoestes objectos encontrados em solo grego não contribuem para explicar surgimento daescultura monumental que vai buscar muita da sua inspiração a obras egípcias

5.3.1 Kouroi e Korai

as duas estátuas gregas mais antigas datam de cerca de 650-625 aC (a feminina) e decerca de 600 aC (a masculina) e têm flagrantes semelhantes com as esculturas egípcias:

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carácter maciço e cúbico das estátuassilhueta delgada de ombros largospunhos cerradosa perna esquerda adiantadaa rótula acentuadatratamento formalista do cabelo como se fosse uma cabeleira postiçavestido cingido ao corpo e braço erguido

apesar destas semelhanças estas estátuas parecem primitivas, rígidas, simplificadas epouco naturais se comparadas com algumas das mais belas obras egípciasno entanto estas estátuas têm também as suas características particulares – são as maisantigas estátuas de vulto redondo em tamanho natural e em pedra, realizadas de pé esem qualquer apoio ao contrário das figuras egípcias nunca totalmente libertas do blocoque as constituia libertação das estátuas gregas dotou-as de um novo espírito revelando tensão eespírito interioras estátuas femininas são designadas de Kore (ou no plural koroi) e estão sempretotalmente vestidas e as masculinas são Kouros (ou no plural Kouroi) e estão nuasestas estátuas foram produzidas em grandes quantidades no período arcaico existindomuito poucas diferenças entre elas sendo difícil identificar se se trata de homens, deusesou heróisexistiu no entanto evolução neste tipo de esculturas como se pode observar na estátuafunerária de Kroisos – os planos abstractos e os contornos pontiagudos dão origem acurvas pronunciadas revelando uma preocupação pelos volumes e uma novaelasticidadeoutras estátuas do século VI aC maram esta transição:

Moscophoro ou o Homem com o Vitelo com as formas vigorosas e compactasdissimuladas e reveladas pela capa que o envolve, mas mais importante, as suasfeições suavizam-se e os seus lábios abrem-se num sorriso que irá caracterizartodas as esculturas gregas até 500 aCcabeça de Rampin – nota-se uma evolução na representação do cabelo e barbaparecendo um rico bordado de pérolas e salientando os planos do rosto

os estilos de Korai são um pouco mais variados e têm que vencer um desafio diferente: asobreposição das roupas sobre o corpo reflectindo no entanto a evolução dos trajes

Hera de Samos – parece uma coluna que ganhou vida humana – em vez da cinturaestrangulada encontramos um contínuo fluir de linhas a unir o tronco e as roupagensenvolvem o corpo e revelam as suas formas em vez de o esconderemKore com Peplos Dórico – aproxima-se mais de um bloco com a sua cintura muitoacentuada mas a simplicidade do vestuário é nova e sofisticada e a posição dosbraços com a mão esquerda estendida aparece agora com uma nova dimensão – oscabelos são também tratados de uma forma mais orgânica que caem sobre osombros em madeixas suaves – o seu rosto é cheio e o seu sorriso mais natural edoce do que os das suas acntecessorasKore de Chios – esta representação aproxima-se da Hera de Samos mas tem umamaior grandiosidade aparecendo um jogo complexo de pregas e dobras nas suasroupagens complexificando a obra – a cor desta obra é também de destaquecontribuindo para a impressão geral de luxo e excesso

5.3.2 A escultura arquitectural

quando os gregos começaram a erigir os seus edifícios em pedra herdaram também atradição da escultura monumental egípcia, assíria, babilónica e persa dos baixos relevosde talhe pouco saliente que não interrompiam a continuidade da superfície muralno próximo oriente antigo existia ainda outro tipo de escultura monumental: os monstrosguardiões que emolduravam as portas dos palácios e fortalezas como na porta dosLeões em Micenas – há no entanto um aspecto particular dessas obras: sempre foramtalhadas em pedras mais leves e delgadas do que os blocos pesados que constituíam amuralhaas esculturas do velho templo arcaico de Artemisa na ilha de Corfu erigido em cerca de600 aC são descendentes dos leões de Micenas – a escultura está confinada a uma zonaemoldurada por elementos estruturais mas que se destina apenas a proteger otravejamento contra a chuva, através de finas placas de pedra onde foram colocadas as

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imagens em alto-relevo embora os corpos estejam fortemente recortados para sedestacarem do fundo – as imagens representam uma Górgona e dois leões cuja função éproteger o templo e a deusa das forças do mal e mais algumas pequenas figurasnarrativas – esta composição revela duas preocupações: a narrativa e a heráldicapara além do frontão não havia muitos locais para a colocação de estátuas nos templossurgindo por vezes nos ângulos do telhado em terracotanos templos dóricos o friso era constituído por tríglifos e metópas, placas rectuangularescom relevosnos templo jónicos os triglifos foram suprimidos e o friso tornou-se uma banda contínuade decoração pintada ou esculpidao tesouro de Siphos em Delfos foi reconstruído recentemente a partir dos vestígios quechegaram até nós – o frontão possui uma decoração que representa a batalha dosdeuses contra os gigantes – o escultor soube utilizar melhor o espaço surgindo aspersonagens com mais profundidade no primeiro plano e no segundo e terceiro vão-seesbatendo na superfície formando um espaço limitao e concentrado onde se nota bem arelação dramática entre as personagensno templo de Égina os altos-relevos foram abandonados nos tímpanos e foramesculpidas estátuas justapostas em posições dramáticas que se integravam no espaçotriangular com Atena no centro e os combatentes nos seus lados em posições com alturacada vez menoro traçado é equilibrado e ordenado por estas figuras com uma expressão extraordináriacomo o guerreiro moribundo ou o Hércules ajoelhado que demonstram bem a suanobreza de espírito na posição de quem morre e de quem mata

5.4 A arquitectura

5.4.1 As ordens e as plantas

a arquitectura grega caracteriza-se pela existência de 3 ordens:a dórica é a ordem fundamental criada no território continentala jónica desenvolvida nas ilhas do Egeu e na costa asiáticaa coríntia que é uma simples variação da jónica

no traçado dos templos dóricos encontramos 3 partes principais:o envasamento ou plataforma escalonadaas colunas compostas pelo fuste e pelo capitel formado pelo coxim, pelo éqeuino epelo ábacoo entablamento que compreende a arquitrave, o friso, cm os tríglifos e as metopas ea cornija

todo o edifício é construído em blocos de pedra justapostos sem argamassa mascolocados com extrema precisão e ligados por cavilhas de metalas colunas eram formadas por segmentos designados de tambores e o telhado eraconstituído por uma armação de madeira e por uma cobertura com telhas de barroas plantas embora possam variar com as dimensões e preferências regionais são muitoparecidas:

o núcleo é a cella ou naos local onde está a estátua da divindade e o pórtico comduas colunas ladeadas por pilastraspor vezes acrescenta-se um segundo pórtico por detrás da cella para dar maissimetria ao conjuntoeste espaço é envolvido por uma colunata chamada peristilo e o edifício diz-seperíptero

5.4.2 Os templos dóricos

os primeiros construtores de edifícios na Grécia inspiraram-se em 3 estilos:Micenas – o corpo central do templo deriva claramente do megaron, a decoração dosfrontões deriva dos altos relevos como o da porta dos leões e o capitel saliente emforma de almofadão está muito próximo da coluna dóricaEgipto – as colunas dóricas na sua robustez fazem lembrar as colunas de Sacaráembebidas nas paredes mas há outras influências desta região: o emprego da pedracomo material de construção, as técnicas de cantaria, a ornamentação arquitecturale os conhecimentos de geometria – a estrutura do templo em si é o oposto do

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egipcio, em vez de ser feito par ser visto por dentro, estes templos são feitos para serapreciados exteriormenteinfluência da arquitectura grega pré-arcaica de madeira – alguns elementosarquitectónicos poderiam ter derivado de uma função específica como os triglifos queserviriam para esconder as terminações do travejamento do tecto ou como ascaneluras das colunas que lembrariam os troncos de madeira - esses elementossurgiram por se tratarem de edifícios religiosos em que todos os detalhes tinham umsignificado

o templo dórico mais bem conservado encontra-se em Paestum na Itália Meridional, échamado de a Basílica e encontra-se em frente ao templo de Poseidon cem anos maisrecente – a basílica parece baixa e achaparrada enquanto o templo de Poseidon seapresenta alto e compacto – este efeito surge pela diferença nas colunas mais afuniladase com capitéis mais largos no segundo casoo templo de Poseidon é um dos santuários dóricos mais bem conservados começado em475 aC reflectindo a planta do templo de Égina – os suportes interiores do tecto exigiramduas alçadas de colunas uma das quais mais pequena em cima para aguentarem umaaltura cada vez maior da cellaem 480 aC os persas destruiriam os templos e as estátuas da Acrópole de Atenas e asua reconstrução foi um dos mais ambiciosos planos arquitectónicos da antiguidadeo maior dos templos construídos foi o Parthenon consagrado a Atena a padroeira dacidade – de mármore branco e reluzente ocupava o ponto mais alto da Acrópole e fidesenhado pelos arquitecto Ictinos e Calícratesapesar de ser muito maior do que o templo de Poseidon tem um aspecto muito mais levee dá uma impressão de harmonia e equilíbrio dentro dos limites austeros da ordem que édado por o entablamento ter descido em relação à largura e altura das colunas que sãomais finas e com a entasis menos pronunciada, os capitéis diminuíram de tamanho, acornija ficou menos saliente e o espaço entre colunas foi alargado o estilóbato e o entablamento não são rectos mas sim curvos e as colunas inclinam-separa dentro e o entrecolúnio diminui nos ângulos da colunataquando o Parthenon ficou concluído Péricles encomendou outra obra: a entrada daAcrópole ou Propileus pelo arquitecto Mnesicles – o mais admirável desta obra foi aadaptação das normas dóricas a um terreno irregular e abrupto; no pórtico ocidentalexistiam duas alas e a do norte possuía a primeira galeria de pintura da história – aolongo do caminho central há duas filas de colunas que parecem mais jónicas que dóricase que representam a evolução para esse estilo.

5.4.3 Os templos jónicos

Atenas apenas sentiu a atracção do estilo arquitectónico das ilhas do mar Egeu a partirde meados do século V aC por isso os monumentos mais belos desta ordem situam-sena Acrópoleo repertório de formas foi bastante fluido registando influências do Próximo Orienteo seu elemento principal é a coluna: o fuste assenta numa base emoldurada de perfilalternadamente convexo e côncavo, é mais delgado, tem menor entasis e no capitel háum elemento novo, as volutas que se projectam para fora dos dois lados como um roloduplo – é mais delicada e esbelta lembrando uma planta a crescerna época pré-clássica os únicos edifícios jónicos na Grécia continental eram os tesourosconstruídos em Delfos o que levou a que a ordem jónica ofsse utilizada apenas paratemplos de pequena dimensão como o de Atena Nikemais vasto e complexo é o Erectheion erigido de 421 a 405 aC talvez por Mnesicles etinha várias funções religiosas – possui 2 pórtico no Norte e no Sul, este último viradopara o Parthenon é o célebre Pórtico ou Varandim das Cariátides cujo tlhado assenta em6 colunas com a forma de mulheres – a nível de decoração escultórica, ea limitava-se aofriso tendo o tímpano sido deixado vazioa importância dada à parte ornamental parece ter sido característica do final do século VaC quando foi inventado o capitel coríntio, uma versão mais decorativa do jónico em queo capitel tem a forma de sino invertido e está coberto de rebentos e folhas de acanto –utilizado inicialmente para a decoração de interiores, só um século mais tarde aparecema decorar o exterior dos edifícios como no Monumento a Lisícrates de 334 aC, umapequena construção cilindrica assente num ato envasamento e cm as colunasemebebidas nas paredes para tornar o monumento mais compacto

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desde o fim da Guerra do Peloponeso até à conquista romana, a arquitectura gregamantém-se estacionário com a excepção das cidades da Ásia Menor que desenvolveramobras como o Mausoléu de Halicarnasso ou o Altar de Zeus em Pergamoos planos urbanísticos ganham no entanto grande importância com o desenvolvimentodos pórticos municipais (stoa) que delimitavam as praças de mercado, centro da vidacívida e comercial das cidades gregastambém as casas de habitação se tornam maiores e mais sumptuosaso repertório formal só ganhou com um novo tipo de edifício, o teatro ao ar livre deixou deser representado em encostas onde eram colocados bancos de pedra – a vertente foiescava em hemiciclo e dotadas de filas concêntricas de bancadas e coxias a intervalosregulares – no centro estava a orquestra onde decorria a representação e por detrás delauma sala que servia de pano de fundo e suporte do cenário

5.4.4 As limitações

o imobilismo arquitectónico grego parece particularmente estranho tendo em conta que avida intelectual e a escultura continuaram a produzir obras de grande qualidadeas potencialidades do templo dórico encontravam-se esgotadas o que levava a que osarquitectos perdem-se cada vez mais esforços com decorações dispendiosasa arquitectura não evoluiu porque o modelo era excessivamente rígido assim como osmateriais de construção – a flexibilidade do tijolo e do cimento seriam aplicados muitomais tarde

5.5 A escultura clássica

Efebo de Kritios – é a primeira estátua que está verdadeiramente de pé pois encontra-senuma posição que sugere movimento com o peso do corpo repartido pelas duas pernaseste efeito foi conseguido através de uma assimetria claculada: o joelho esquerdo estámais alto que o direito, a anca direita projecta-se para baixo e para dentro enquanto aesquerda parece projectada para cima e para foraa estátua está de pé numa pose descontraída de equilibrada assimetria – contrapposto –a perna onde cai o maior peso do corpo designa-se perna apoiada e a outra é a pernalivreo sorriso arcaico desapareceu nesta obra e foi substituído por uma expressão séria epensativa característica da primeira fase da escultura clássica conhecido por estiloseverona época de Pericles o novo estilo do contrapposto atinge o seu apogeu numa estátuaque foi considerada o novo canon: o Doríforo de Policleto que só é conhecida pelascópias romanasoutra obra deste período inicial é o Auriga de Delfos, uma estátua de bronze que deveráser um ex-voto erigido para agradecer a vitória numa corrida de carros – apesar dasimplicidade do traje, as pregas são suaves e flexíveis – o rosto tem a característicaexpressão pensativa mas os olhos coloridos e os lábio entreabertos dão uma nova vida àestátuao maior conjunto escultórico do estilo severo encontra-se nos dois tímpanos do templo deZeus em Olímpia esculpidos em 460 aC - vitória dos Lápidas sobre os centaurosobservada por Apolo – as esculturas exprimem uma violência que agora não se limitaaos gestos mas que surge nas emoções estampadas nos rostostodas as estátuas até esta fase tinham sido construídas unicamente para serem vistas defrente e num espaço limitado – com o contrapposto surge também o movimento naestatuária monumentalo melhor exemplo desta técnica é a estátua de bronze de Poseidon ou Zeus numaposição de lançador de dardo – o que impressiona na estátua não é o movimento mas aexpressão do poder do deus que representaalguns anos depois Míron criou a sua famosa estátua de bronze, o Discóbolo, do qualapenas sobreviveram cópias em mármore romanas e que condensa todo um ciclo demovimentos numa única posição sem a tornar rígida, o que é difícil devido à violentatorsão do tronco para colocar o movimento dos braços e das pernas no mesmo planoo desenvolvimento do movimento nas estátuas de vulto redondo veio libertar também asesculturas monumentais como aconteceu com a Nióbida Moribunda , o mais antigo núfeminino, uma estátua tão tridimensional que poderia ter sido construída não para um

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tímpano mas para ser apresentada sozinha – no rosto da estátua vemos uma exibição dedor tã eloquente como a transmitida por todo o corpo – a Nióbida transmite pathossofrimento que é suportado com dignidade e estoicismoos restos da decoração do Parthenon formam o mais belo conjunto de escultura clássica– os tímpanos possuem esculturas de divindades reclinadas assistindo ao nascimento deAtena – amplitude e naturalidade do movimento destas estátuaso friso do Parthenon é uma faixa com 160 metros de comprimento que mostra aprocissão das Grandes Panateneias, uma festa em honra de Atena – a sua pricipalqualidade é a graça rítmica do traçado particularmente impressionante no movimento doscavaleirosa mais famosa estátua do Parthenon era a estátua de Atena atribuída a Fídias tensoapenas sobrevivido algumas cópias de reduzidas dimensões – a admiração que causoudeve ter sido em parte pela suas dimensões e pelos materiais de que era feitaa expressão estilo de Fídias que serve para descrever o estilo das esculturas doParthenon é uma designação genérica já que um trabalho da dimensão do Parthenonexigiu certamente muitos artistas cada um com o seu cunho próprioapesar disto o estilo de Fídias dominou a escultura grega até ao final do século V emboraas obras produzidas tivessem sido muito menosuma das últimas esculturas monumentais foi o parapeito do templo de Atena Nike querepresentava uma procissão mas de vitórias aladas – as pregas das roupagens sãoimpressionantes aderindo ao corpo das vitórias como se estivessem molhadasoutra obra fidiana é a Estela Funerária de Hegeso que representa uma senhora com asua criada que lhe estende um colar para o qual olha com melancolia – a delicadeza dotrabalho pode ver-se nos detalhes que estão num plano mais afastado que se diluem nofundo que deixa de ter uma aparência sólida para ganhar um pouco da transparência doespaço vazio

5.6 A pintura clássica

não sobreviveram pinturas murais nem painéis que exemplifiquem a criação de imagenscom profundidadeo entanto sobreviveram pequenos vasos para azeite usados para oferendas, os lekythoique possuíam um revestimento branco onde os melhores artistas como o Pintor deAquiles podiam dar largas às novas técnicas fazendo emergir as figuraso tema da estela de Hegeso aparece num destes vasos com uma qulidade magistral –com poucos traços seguros, vivos e fluídos o pintor criou uma figura a 3 dimensões erevela o corpo da mulher sob o vestidoa partir de meados do século V aC a pintura monumental transformou a pintura de vasosnuma arte satélite que procurava reproduzir em pequenas dimensões os mesmos temasmas o resultado foi na maioria dos casos uma acumulação de figuras mal definidasno vaso do Pintor da Aurora de cerca de 400 aC mostra Tétis prestes a ser raptada porPeleus – para sugerir o quadro espacial da imagem, colocou 3 das figuras numa encostarochosa e uma quarta suspensa no ar – devido ao fundo negro o efeito é no entanto desilhueta não dado a noção de profundidade devido à ausência de sombreados emodeladosum século mais tarde a pintura de vasos desaparecia totalmente

5.7 A escultura do século IV aC

a terceira fase da arte grega não tem qualquer designação e durou de 400 aC até aoséculo I aC sendo usualmente dividido no Clássico Final ou Tardio até Alexandre Magnoe a partir daí Helenísticoa história política nem sempre seguiu a história da arte e neste período não existiu umaquebra decisiva na tradição no final do século IV aCo monumento mais impressionante do período foi o túmulo de Mausolo em Halicarnassona Ásia Menor – o edifício foi completamente destruído mas persistem as descriçõespormenorizadas e alguns fragmentosnuma base rectangular elevada assentava um pórtico de colunas jónicas com 12 metrosde altura – por cima erguia-se uma pirâmide rematada por um carro comas estátuas dosdois cônjuges - as esculturas decoravam um friso com o dobro do friso do Parthenon e

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também se encontravam numa fila de leões sentinelas e um número desconhecido deestátuasas dimensões do sepulcro derivavam do antigo Egipto e implicam a exaltaçãosobre-humana do soberano e para marcar o seu parentesco com os deusessegundo as fontes antigas cada um dos quatro lados do monumento foi esculpido por umartista diferente sendo que a fachada principal foi esculpida por Escopas – para além datradição do Parthenon manifesta-se uma violência física e emocional na tensão dosmovimentos e nas expressões faciais – a fluidez, continuidade e harmonia foramsacrificados para que cada imagem tenha mais espaço para expressar as suasactividadesna estátua de Mausolo o cariz pré-helenístico é ainda mais marcado por ser um retratoindividual que reflecte a personalidade do soberano e por as suas formas maciças seremainda acentuadas pelos pragueados de arestas vivas e de firme textura que parecemencerrar o corpoestátua de Deméter do Templo de Cnido – obra posterior mas cujos panejamentosparecem também transmitir um volume próprio, os olhos muito fundos lembram Escopasmas o modelado suave da cabeça apontam para Praxítelesa estátua mais célebre de Praxíteles foi Afrodito também para um templo em Cnido ealcançou tal fama que é citada na literatura antiga como um sinónimo de perfeiçãooutro exemplo deste tipo de beleza é a estátua de Hermes com Dioniso meninocaracterístico pelas suas formas esbeltas, pela sinuosa curva do torso e pela atitudeserenamente descontraídaidênticas qualidades se encontram em muitas cópias romanas como no Apolo Belvedereconsiderada pelos historiadores no século XVIII e XIX como perfeito exemplo da belezaclássicana escultura pré-helenística há ainda outro nome importante – Lísipo – as obras antigaslouvavam-no por ter substituído o canon de Policleto por outro de menores proporçõescom um corpo mais esbelto e uma cabeça mais pequena mais próximo da realidadeApoxiomenos é a estátua mais ligada a Lísipo representando um jovem a limpar-se apóso exercício – a sua principal distinção é ter os braços estendidos para a frente criando umnovo horizonte espacial e um movimento tridimensional – o realismo está ainda patentenos cabelos emaranhados reflectindo espontaneidade

5.8 A escultura helenística

sabemos pouco dos primeiros anos deste novo estilo mas sobraram algumas obrascomo o grupo de bronzes dedicados por Átalo I de Pérgamo à sua vitória sobre osgauleses – os romanos reproduziram estas obras em mármore existindo algumas delaso Gaulês Moribundo é uma das mais impressionantes pelo seu realismo ao exprimir aagonia do gaulês perfeitamente identificado pelo seu cabelo hirsuto e pelo torques quelhe enfeita o pescoçoa morte do inimigo é retratada com toda a veracidade e como um processo físico que seexprime em todo o seu corpono Fauno Barberini encontramos mais um corpo que se exprime com naturalidade –representa um sátiro bêbado adormecido num torpor que o coloca numa posição agitadacerca de 180 aC o filho e sucessor de Átalo I fez erigir um grande altar numa colina paracomemorar as vitórias do seu pai – o altar ocupa o centro de um pátio rectangularenvolvido por uma colunata jónica que se eleva sobre uma base altao aspecto mais ousado é o friso com 120 metros de comprimento e 2 metros de alturatalhado em relevo tão alto que as figuras parecem desligadas – o seu tema é a luta entreos gigantes e os deuses, um tema jónico tradicional que associa Átalo aos deuseso grande monumento triunfal dos primeiros anos o século II aC é a Vitória de Samotráciano qual a deusa está com as asas abertas e semi-sustentada pelo vento que modela assuas roupas estabelecendo uma interdependência entre a figura e o espaço que elaocupa o grupo que representa a morte de Lacoonte e dos seus dois filhos era a obra maisadmirada deste período mas o pathos do grupo parece ser um pouco rebuscado eretórico inspirando-se no altar de Pérgamoos retratos continuaram a florescer n época helenística e entre os poucos originais quechegaram até nós inclui-se um busto de bronze encontrado em Delos datada do século IaC mas que possuí uma clara individualidade: o modelado fluido das feições um tanto

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flácidas, a boca indecisa e queixosa e os olhos tristes sob as sobrancelhas carregadasrevelam um individuo carregado de dúvidas e ansiedades com uma personalidadehumana sem heroísmo um outro aspecto da escultura tardia grega são as estatuetas que eram produzidas emgrande número para coleccionadores e que representavam para além das figuras damitologia personalidades do dia a dia como mendigos, camponeses, saltimbancos,jovens eleganteso grotesco, o humorístico e o pitoresco representam nestas estatuetas um papelpreponderante nas quais a liberdade de concepção é patente

5.9 As moedas

as moedas gregas são consideradas obras de arte não só pela sua antiguidade mastambém pelo seu desenvolvimento e variedade, motivados pela organização política doterritório dividido em cidades-estado independentesa procura constante de novos desenhos levou à especialização de artificies quechegaram a assinar as suas obrasos melhores exemplos da Grécia arcaica e clássica foram cunhados pelas cidades daperiferia e não pelos estados mais poderososanálise de seis exemplares:

Peparethus – cunho quadrado profundamente impresso numa placa quase informesemelhante à marca de um sinete no lacre – o deus alado com a torsão do corpoadaptada à moldura envolvente é um exemplo perfeito da arte arcaica não faltando otípico sorrisoNaxos – um sileno a beber que se adapta ao ao círculo é uma figura monumentalapesar do tamanho que apresenta a articulação e a vitalidade do estilo severoCatânia – assinada por Herakleidas representa uma cabeça vista de frente e embaixo-relevo típica do estilo clássicoAlexandre foi o primeiro monarca a parecer retratado em moedas aparecendo comsímbolos que o associam aos deuses e com uma expressão inspirada característicada emotividade helenística – imagem idealizada do conquistador e não parecida coma fisionomia de AlexandreBactriana – moeda de Antímaco tem os traços mais expressivos do soberano, umhomem de inteligência e espírito e sem desejos de glorificação pessoal – este retratoé um percursos da cabeça encontrada em Delos que surgiu um século mais tarde

6 – A arte etrusca

a península itálica tardou a entrar na história – a Idade do Bronze só terminou em VIII aCquando os gregos instalavam as suas colónias no Sulos Etruscos já tinham chegado ao território vindos da Lídia na Ásia Menor eestabeleceram-se na região entre Florença e Roma chamada Toscanaos etruscos recorreram ao alfabeto grego para formar o seu mas a sua língua não temparentesco com nenhuma conhecida embora estivessem ligados à Ásia Menor e aoPróximo oriente cultural e artisticamenteos únicos documentos escritos que deixaram são curtas inscrições funerárias e algunstextos mais longos sobre os seus ritos religiosos mas os autores romanos referem-se àliteratura etruscao que conhecemos dos etruscos deve-se em grande medida aos cuidados jazigos que osromanos não danificaram nem destruiriam quando reconstruíram as cidades etruscasas sepulturas italianas da Idade do Bronze eram modestas com os restos mortaisencerrados num vaso ou urna e depositados numa cova com outro espólio simples:armas para os homens e jóias ou utensílios domésticos para as mulherescerca de 700 aC as sepulturas etruscas começaram a imitar os interiores em pedra dascasas e cobertos com montículos cónicos de terra – as urnas funerárias por seu ladocomeçaram a assumir formas humanas: a tampa converte-se em cabeça e algunspormenores anatómicos começaram a ser modelados no bojo da urna por vezescolocada num pedestal pra simbolizar o estatuto socialjuntos destas urnas começaram a surgir artefactos cada vez mais ricos com peças deourivesaria que utilizavam os motivos orientalizantes então em voga na Grécia

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os séculos VII e VI aC viram os etruscos no auge do seu poder e as suas cidadesrivalizavam com as gregas, a sua esquadra dominava uma parte do Mediterrânicoprotegendo as rotas comerciais Roma foi governada por reis etruscos durante cerca de um século até à implantação darepública em 510 aC sendo responsáveis por feitos como a primeira muralha defensiva eo primeiro templo no Capitólioos etruscos nunca foram uma nação unificada apenas construindo confederaçõesinstáveis de cidades-estadodurante os séculos V e IV aC as cidades-estado foram caindo uma a uma nas mãos dosromanos e no final do século III aC todas tinham perdido a independência emboraalgumas continuassem prósperas

6.1 Os túmulos e sua decoração

foi no século VI e princípios do século V que a arte etrusca atingiu o seu apogeu – ainfluência grega afastou as tendências orientalizantes mas os artistas etruscos não selimitaram a imitaras sepulturas e os seus interiores são cada vez mais esmerados até que os defuntos sãorepresentados em tamanho natural e com o típico sorriso arcaico em cima dossarcófagos que agora apresenta a forma de um leito – as obras eram de terractoa epintadas de cores vivasas efígies representam os defuntos como vivos e felizes sugerindo que o sepulcro erauma morada para o corpo e para a alma - só isso justificava as pinturas murais quepoderiam ser inspiradas nas gregas das quais não restou qualquer vestígioa mais surpreendente é a panorâmica marinha no Túmulo da Caça e da Pesca quereproduz uma cena em que as figuras humanas são acessórias aos animais que circulamlivremente lembrando a pintura minóicauma obra mais tardia representa um par de bailarinos e a energia dos seus movimentosparece mais etrusca do que grega – a roupagem transparente da mulher deixa o corpo àvista, uma tendência que apareceu na Grécia no final do período arcaicodurante o século V aC a concepção etrusca do Além tornou-se mais complicada e menosfestiva - diferença nota-se no sarcófago que tem um conjunto de figuras mas desta vez amulher está sentada no fundo do leito e tem duas asas o que indica tratar-se do demónioda morte e o rolo que tem na mão indica o destino do falecido – o ar pensativo emelancólico revela a influência do estilo grego clássicoem túmulos posteriores os demónios são ainda mais assustadores batendo-se por vezespela alma do defunto com génios bem-fazejos

6.2 Os templos e a sua decoração

dos templos etruscos apenas ficaram os alicerces de pedra porque os edifícios eram demadeira embora fossem mestres da alvenaria rejeitaram a pedra por motivos religiososo traçado tem grandes semelhanças com os templos gregos:

alto envasamento não superior à cella com degraus apenas no lado Sulpórtico profundo sustentado por duas filas de quatro colunas que dá acesso à cellaa cella é dividida em 3 compartimentos destinados a uma tríade de deusesantecessores dos romanos Juno, Júpiter e Minervaa de coração plástica era cnstituída por placas de terracota revestindo a rquitrave eos beirais do telhadoo Templo de Apolo em Veios era um templo típico com 4 estátuas de terracota detamanho natural no espigão do telhado formando um conjunto narrativo semelhanteaos encontrados nos tímpanos dos templos gregos a estátua mais bem conservada éuma de Apolo com uma força expressiva muito superior a qualquer estátua gregaVeios era um centro escultórico etrusco como o demonstra a imagem da Loba queamamentou Rómulo e Remo e que ainda existe e que marca ainda os visitantes coma ferocidade do seu rosto, com o vigor latente no seu corpo e que tem a mesmaqualidade impressionante do Apolo de Veios

6.3 O retrato e o trabalho do metal

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as feições das imagens funerárias eram inteiramente impessoais e foi apenas em 300 aCsob a influência grega que começou a aparecer o retrato na arte etrusca como ocomprova o retrato e um rapaza fundição e o acabamento que dão fama aos etruscos era totalmente merecido pois ariqueza dos etruscos derivava desde cedo da exploração dos jazigos de ferro e cobrea partir do século VI aC surgiram grandes quantidades de estatuetas de bronze, espelhose outros exemplos tanto para exportação como para consumo internoa adivinhação, a consulta dos augures e a interpretação dos presságios era uma práticacorrente entre os etruscos embora viesse dá dos mesopotâmiosa prática divinatória mais usada era a análise do fígado de animais sacrificados que eraconsiderado um microcosmos dividido em secções que correspondiam a regiões do céu

6.4 As cidades

segundo as fontes romanas, os etruscos foram mestres da engenharia arquitectónica, dourbanismo e topografiao atrium, o pátio fundamental em todas as casas romanas teve origem na Etrúriaa Toscana era demasiado acidentada para cidades geométricas mas as terras chãs aosul de Roma eram ideais para esse tipo de cidades: intersecção de duas vias principais, ocardo de Norte para Sul e o decumanus (de Leste para Oeste) – esta estrutura aplicadapelos romanos mais tarde pode ter derivado dos acampamentos militares etruscosos etruscos ensinaram os romanos a construir fortificações, pontes, sistemas dedrenagem e aquedutosa única obra arquitectónica etrusca que sobreviveu ao tempo foi a Porta Augusta dePerúgia, uma entrada fortificada do século II aC encaixada entre duas torres maciçasos arcos são verdadeiros, construídos de blocos talhados em cunha ao contrário dosfalsos arcos em tijolo ou lajes de pedra horizontaiso arco autêntico e a abóbada de berço já tinham sido descobertos no Egipto mas estesusaram estas técnicas para a construção subterrânea e nunca nos edifícios de carácterutilitário nem nos temploa Porta Augusta é o mais antigo exemplo em que o arco verdadeiro se encontra inseridonuma construção que utiliza as ordens gregas

7 – A arte romana

a história romana pode ser acompanhada com um elevado grau de pormenores devido àvasta herança literária que nos deixaram e aos abundantes monumentos em todos osterritórios ocupados pelo seu impérioa definição de arte romana é mais problemática já que os romanos admiraram a culturagrega copiando todo o tipo de estátuas desse país em prejuízo da criação de novas obrasas obras originais romanas inspiravam-se nas fontes gregas e os próprios artistas eramna sua maioria de origem gregacomo os romanos nunca cultivaram uma literatura consagrada à história da arte aocontrário do que tinha acontecido com os gregos não temos informações como os nomese tendências dos principais artistasos romanos consideravam a arte do seu tempo decadente em relação ao passado gregoa sociedade romana foi sempre muito tolerante face às tradições das populações queconquistou só tendo imposto a lei, a ordem e o respeito pelos símbolos do poder romanoe aceitando os seus deuses e sábios com toda a facilidadeassim a arte romana apesar de ter uma marcante influência grega, também contou comelementos inspirados por outras regiões como o Egipto ou o Próximo Orientea sociedade romana era complexa, aberta e simultâneamente homogénea e diversao desenvolvimento da arte romana fez-se com a harmonização de tendências divergentessusceptíveis de coexistir até num mesmo monumento sem que nenhuma sobressaia eeclipse as outras

7.1 A arquitectura

o desenvolvimento da arquitectura romana reflecte um modo de vida público e particularespecificamente romano que os elementos etruscos e gregos nunca conseguiramesconder

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os vínculos com outras culturas e com o passado estão mais marcadas nos templosedificados no período republicano (510-60 aC)

7.1.1 A arquitectura religiosa

o templo da Fortuna Virilis é o mais antigo exemplar da sua espécie bem conservado:construído durante os últimos anos do século II aCelegantes colunas jónicas e entablamento são elementos gregoso alto podium, o profundo pórtico e a larga cella onde estão embebidas as colunas doperistilo são elementos etruscosa cella única é uma evolução face aos templos etruscos mas também umanecessidade já que os romanos utilizavam os templos para as estátuas da divindademas também para guardar tesouros e troféus dos povos conquistados

este templo representa um novo tipo de edifício religioso delineado de acordo com asexigências romanas e não apenas um arranjo fortuito de elemetnos mais antigos tendoservido como modelo para vários exemplares em Itália e nas provínciaso templo da Sibila erigido em Tivoli já representa um tipo diferente:

o seu antecessor foi um edifício no centro da cidade de Roma onde se mantinha achama sagrada da cidade e que assumiu as configurações das cabanas tradicionaisdos camponeses do Lácioencontramos novamente o podium elevado etrusco e um gracioso exterior deinspiração gregana cella as vergas, ombreiras, soleiras e peitoris das portas e janelas são de pedratalhada mas as paredes foram construídas com um novo material, o betão, comnítidas vantagens: resistência, economia e flexibilidadepara melhorar o aspecto externo deste material eram colocadas placas de calcárioou mármore ou estuque mas hoje em dia o revestimento desapareceu da maioria dosedifícios que não têm a imponência das obras gregas

o mais antigo santuário onde as potencialidades deste tipo de construção estão maispatentes é o santuário da Fortuna Primigenia em Palestrina

o santuário romano data do século I aCuma série de rampas e terraços conduzia a um grande pátio ladeado de pórticossubindo até à colunata que coroa o edifícioos arcos das aberturas enquadradas por colunas adossadas e entablamentosdesempenham um importante papel no traçado assim como os recessos queostentam abóbadas de berço a imponência do santuário deve-se aos elementos arquitectónicos e dimensão mastambém à forma como foi adaptado ao local modelando-se à colinao santuário data da ditadura de Sila que marcou a transição para o governo de JúlioCésar e dos imperadores que lhe seguiramJúlio César comemorou o seu novo cargo com a construção de um edifício marcanteno centro de Roma, o Fórum, ampla praça enquadrada por edifícios monumentaisperto do Templo de Vénus Genitrix, antepassada mística de Júlio César – patente afusão entre o culto dos deuses e a glória pessoaleste fórum serviu de inspiração para todos os outros da época imperial ligados entresi por um eixo comum e formando um magnífico conjunto arquitectural hoje emruínas

7.1.2 A arquitectura secular

o arco e a abóbada que encontrámos no santuário de Palestrina foram utilizados noutrosprojectos como nos esgotos, pontes e aquedutosas primeiras obras deste género foram construídas para servir Roma no final do século IVaC e pouco sobra delas – no entanto sobreviveram muitos exemplos nas provínciascomo o aqueduto e Nîmes conhecido como Pont du Gardas mesmas qualidades de solidez, ordem e permanência inspiraram um dos mais bemconservados exemplos da arquitectura secular em Roma: o Coliseu

acabado em 80 aC tem capacidade para 50 mil espectadoresé uma obra-prima de engenharia pela capacidade de escoar a enorme correntehumana que frequentava os espectáculos

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aparece ao lado da abóbada de berço a abóbada de aresta formada pela intersecçãoem ângulo recto de duas abóbadas de berço com a mesma alturao exterior reflecte a articulação interior da estrutura reforçando-a com o revestimentode cantariaas três ordens clássicas estão representadas de baixo par cima: no rés-do-chão asevera ordem dórica, a jónica no primeiro andar e no segundo a coríntia

7.1.3 Os interiores

os arcos, as abóbadas e o betão permitiram a construção de grandes espaços interiorescomo nas termas, importantes centros da vida social romanao mais surpreendente exemplo deste processo evolutivo é o Panteão:

vasto templo redondo construído no século II dC cujo interior é impressionantea cella do Pantheon é um tambor cilíndrico sem decoração fechado por uma cúpulasuavemente encurvadarealçando a entrada está um pórtico profundo semelhante ao que se encontranoutros templos romanoso interior da cella é intimidante e harmonioso em contraste com o severo aspectoexterior – um abertura ao centro dá passagem a um jorro de luz que cria um efeitoetéreono interior encontramos ainda sete nichos que nos indicam que o peso da cúpula nãose distribui uniformemente pelas paredes mas que se apoia em 8 colunas as colunas, o revestimento parietal colorido e o pavimento permanecem semelhantesao que eram no tempo romano assim como os caixotões da cúpula embora odourado celestial tenha desaparecido

a basílica de Constantino do primeiro quartel do século IV dC também é um exemplointeressante de interior:

a sua configuração deriva das salas principais das termas públicas de Caracala eDiocleciano, vastas áreas cobertas3 imensas abóbadas de berço e a nave central coberta com uma abóbada de arestaainda mais alta permitindo largas janelas nas paredes tornando o interior da Basílicaamplamente iluminado e arejadoas basílicas eram grandes salas para vários usos cívicos que vinham já dos temposgregos e sob os romanos tornaram-se obrigatórias em qualquer cidadeas mais bem conservadas encontram-se nas províncias em especial a de LeptisMagna no Norte de Áfricaos tectos eram geralmente de armação de madeira e não de alvenaria mais porcomodidade e tradição do que por necessidade técnicaas basílicas cristãs vêm seguir o estilo de madeiramento tradicional e só 700 anosmais tarde é que se voltam a construir abóbadas de pedra

7.1.4 A arquitectura civil

a arquitectura civil possui exemplares desde os palácios imperiais até às mais simplesresidências privadasa domus é uma casa independente para uma só família cuja planta obedece à velhatradição itálica sendo o seu traço mais comum o atrium, uma sala central quadrada ouoblonga iluminada por uma abertura no tectoforam encontradas muitas residências deste tipo em Herculano e Pompeiana Casa das Bodas de Prata o atrium é imponente com as suas 4 colunas coríntias quesuportam a abertura do atriumao fundo do atrium existia uma outra dependência importante, o tablinum e por detrásdele o jardim ladeado por uma colunata, o peristiloo edifício ficava totalmente isolado do exterior por paredes sem janelasmenos elegante e mais urbana era a insula, blocos habitacionais encontradosessencialmente em Roma e Óstia e é a antepassada do moderno bloco de apartamentos– grande edifício de betão e tijolo com um pátio central – lojas e casas de pastoabriam-se para a rua no rés-do-chão e nos andares superiores encontravam-se ashabitações com varandas a partir do segundo andar

7.5 A arquitectura tardo-romana

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apesar das inovações romanas, os arquitectos conservaram-se sempre fiéis às regrasclássicas do pilar e do lintela partir do século dC começam a surgir cada vez mais edifícios que não respeitam tãoprofundamente estas regras em especial nas províncias africanas e asiáticasPorta do Mercado de Mileto de 160 dC – a sua fachada com elementos recuados eoutros adiantados deriva das paredes dos fundos dos teatros romanos – este ritmoapanhou o próprio frontão que se divide em 3 parteso pequeno templo de Vénus em Baalbek construído provavelmente no século II dCapresenta características curvas compensadas pelos nichos côncavos e peloencurvamento da base e do entablamentono peristilo do Palácio de Diocleciano em Split a arquitrave encurva-se no centro entre asduas colunas como que reflectindo o arco da porta e possui ainda outro elemento maisrevolucionário: arcos repousando directamente sobre colunas

7.2 A escultura

a reputação dos romanos como imitadores parece confirmada pelas grandesquantidades de obras que são adaptações ou variantes de modelos gregos ou mesmoegípciosmas não há dúvida que alguns géneros de escultura tiveram sérias e importantesfunções na Roma Antiga, nomeadamente o retrato e o baixo-relevo narrativo ou histórico

7.2.1 O período republicano

pelas fontes literárias sabemos que a glorificação dos chefes políticos e militares eraprática comum através de estátuas comemorativasas origens desta prática têm raízes na Grécia onde os atletas vencedores eramcelebrados com estátuas em Delfos e Olímpiainfelizmente deste primeiro período sobraram muito poucos retratos e nenhum dos quaismais antigo do que o século I aCa mais antiga é a estátua de bronze do orador que veio da Etrúria Meridional e que temuma inscrição etrusca onde aparece o nome de Aule Metele, provavelmente o indivíduorepresentado – a execução é etrusca mas o gesto de saudação ou de discurso étipicamente romano e encontramo-lo em muitas estátuas posteriores, assim como o trajeé um tipo antigo de togao que é mais notável nesta obra é o requite dos detalhes que vão ao pormenor derepresentar os atilhos das sandáliasos bustos romanos de cerca de 75 aC também revelam este carácter de detalhe epormenor da topografia do rosto mas sem mostrar a psicologia do modelo talcomoacontecia nos retratos helenísticos tardiosos detalhes do rosto do romano desconhecido revelam-nos um pater familias de terrívelautoridade e os pormenores do rosto minuciosamente observados são como dadosbiográficos inconfundíveisos bustos dos ancestrais eram preservados e exibidos nos cortejos fúnebres pararecordar a nobre estirpe do falecido e é por isso que sobreviveram até aos nossos diasoutra escultura de corpo inteiro representa um nobre romano com os bustos do pai e doavô paterno e nela sente-se a monumentalidade e o carácter de permanência dasimagens que existiu apenas quando os bustos se fizeram de mármore dado que osantigos eram de cera, um material facilmente perecível

7.2.2 O período imperial

no reinado de Augusto assistimos a uma nova tendência na arte do retrato que culminanas estátuas do imperador, por exemplo a de Primaportapela primeira vez surge um retrato que pretende representar simultaneamente umhomem e um deusapesar da estátua possuir o corpo idealizado de um herói, o carácter romano estápatente no gesto semelhante ao da estátua do orador e no trajo que é composto por umacouraça decorada com elementos alegóricos e cuja precisão e detalhe dá a impressão dese tratar de tecido, couro e metal e não de mármore

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a cabeça aparece também helenizada, com a supressão de pequenos detalhesfisionómicos e realce dado aos olhos para lhe dar uma expressão inspiradao rosto apesar disso está perfeitamente individualizado para que qualquer cidadãofacilmente reconhecesse o seu retrato – as estátuas do imperador cedo ganharam aqualidade de emblemas nacionais sendo erigidas por todo o impérioos imperadores também comemoraram os fetos mais notáveis em baixos relevonarrativos em altares monumentais, arcos de triunfo e colunasestes relevos eram utilizados no Próximo Oriente mas não na Grécia que preferia utilizartemas da mitologia para simbolizar vitórias actuaisos pintores gregos, pelo contrário tinham começado a elaborar frescos querepresentavam narrativas reais como a batalha de Salamina ou a batalha de Issus quedeu origem ao famoso mosaico de Pompeiaem Roma os acontecimentos também eram representados em painéis pintados queeram transportados em cortejos triunfais ou expostos em lugares públicosAugusto preferiu sempre ser considerado o Príncipe da Paz e não o general vitorioso –assim decidiu erigir a Ara Pacis da qual existe hoje em dia uma cópia que deve ser muitoparecida com o original lembrando ainda o Altar de Pergamona parede que abriga o altar está representada uma procissão solene dirigida eloimperador – lembra a decoração do Parthenon mas a diferença reside essencialmentenos detalhes retratados já que se pretendia que os membros da família imperial fossemfacilmente identificáveis mas também no melhor senso de profundidade presente nosvários planos apresentadosa Ara Pacis possui ainda outras representações como o painel com a Deusa-Mãe Terracomo personificação da fecundidade humana e da fertilidade animal e vegetal ladeadapor duas personificações de ventos – nota-se o carácter helenístico das personificaçõesmas a ornamentação de acanto sobre as pilastras e na parte inferior da parece não temequivalente na arte grega e estabelece um nítido contraste com a parte da representaçãoque adquire uma profundidade espacial acentuadaa profundidade espacial também se regista por exemplo na decoração parietal de casasda época de Augusto – o modelado é delicado e ligeiro mas as superfícies lisas queservem de fundo têm um papel que varia conforme as partes da decoração – nas partesmais ornamentais a profundidade é evitada e nas partes de representação de cenas opaisagens ela é explorada para permitir um maior realismoas qualidades da Ara Pacis atingiram o seu desenvolvimento em dois grandes relevos doarco de triunfo erigido em 81 dC para comemorar as vitórias de Tito

cortejo depois da conquista de Jerusalém representa o espólio trazido da cidade eapresenta uma noção de profundidade bem conseguida já que a fila de soldados nolado direito se afasta para passar sob um arco de triunfo colocado obliquamente faceao pano de fundo par fazer sobressair as figuras mais próximaso outro relevo apresenta uma o mesmo cortejo mas estático em que o imperador écoroado pela Vitória – este artifício foi usado para dar mais destaque a esta cena –as próprias figuras encontram-se de frente e não de perfil como deveriam estar pararespeitar o movimento do cortejo

a Coluna de Trajano foi erigida entre 106 e 113 dC para comemorar a vitória doimperador sobre os Dácios – esta coluna tem paralelo em alguns monumentos erigidosno Egipto mas distingue-se pela sua altura de 37,5 metros e também pela faixa contínuaem espiral de baixos relevos que lhe revestem a superfíciea coluna era coroada por uma estátua do imperador destruída na Idade Média e a suabase servia de receptáculo das suas cinzasa coluna estava colocada numa praça rodeada por edifícios públicos que não nos indicaa quem seria destinada esta obra que teve um êxito assinalável já que serviu de modelopara outros monumentos semelhantesas cenas representadas na coluna são também interessantes pois em mais de 150cenas, poucas representam combates sendo a maioria destinada a apresentar a logísticae os aspectos geográficos e políticos da campanhaenquadramento novo para o relevo histórico adaptado a algumas limitações: a descriçãovisual tinha de ser explicita já que não havia inscrições, a continuidade da narrativa tinhaque ser mantida sem destruir a coerência de cada cena e a profundidade do talhe tinhaque ser limitada já que relevos mais profundos dificultariam a visibilidade das cenassuperiores

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o artista conseguiu solucionar quase todos os problemas mas à custa da profundidadeespacial que tínhamos encontrado em obras anteriores deixando a arquitectura e apaisagem como meros cenários, lembrando os relevos assírios e deixando de lado atradição helenística da perspectivaa produção de retratos continuou a desenvolver-se na época imperial e a sua produçãoabundante e a diversidade de estilos e tipos reflecte o carácter cada vez mais complexoda sociedade romana

a cabeça do imperador Vespasiano, o primeiro dos Flávios representa com totalrealismo a sua origem humilde e gostos simples assim como o seu cepticismo sobreo seu papel de deus – no entanto a qualidade do talhe e o destaque dado á texturada pele e do cabelo fazem lembras as mais belas obras de Praxítelesno retrato de uma senhora da nobreza romana encontramos a mesma beleza esuavidade da escultura, mas a graciosa inclinação da cabeça e os grandes olhosrevelam ainda uma certa melancolia – os cabelos encaracolados fazem ressaltar asedosa macieza da pele e dos lábios a cabeça de Trajano de cerca de 100 dC tem traços firmes e arredondados e umolhar imperioso emoldurado pelas grossas sobrancelhas fazendo lembrar os retratosde Augusto – o rosto irradia uma estranha intensidade emocional, uma espécie depathos grego transformado em nobreza romanaa Estátua Equestre de Marco Aurélio em bronze é a única sobrevivente deste tipo demonumentos e esteve sempre à vista durante todo o período medieval – o caráctermarcial está representado pelo cavalo que possui extraordinária fogosidade mas oimperador em si sem armas nem armadura apresenta-se mais como um mensageiroda paz e não como um herói militarno século III dC assiste-se à crise e os imperadores seguiam-se uns aos outrosrapidamente assumindo o poder pela força – a estátua de Filipe o árabe demonstrabem este período em que ao realismo das figuras se junta uma intenção deexpressão nova: o medo, a suspeita, a violência e a crueldade surgem com umagrande franqueza; esses sentimentos são transmitidos com uma concentração daexpressão no olhar, com o contorno cinzelado da íris e as pupilas escavadas queajudam a fixar a direcção do olhar mas também pelo cabelo que deixa o realismoclássico para se assemelhar a um gorro informe e a barba substituída por um efeitode barba por fazer marcado a cinzelo retrato provável do filósofo Plotino vem aprofundar ainda mais esta tendênciaapresentando o pensamento abstracto, especulativo e fortemente místico que ocaracterizava nas feições ascéticas, na fronte alta e no olhar intensoo retrato de Constantino o grande, o primeiro imperador cristão vai ainda mais longenesta representação espiritual aparecendo com os seus grandes olhos brilhantes, asfeições carregadas e imóveis mais como o cargo que representava do que com ohomem em si

O arco de Constantino erigido entre 312 e 315 dC também nos mostra a concepção dasua missão – uma parte dos relevos escultóricos monumentais que exibe não foramcriados na altura mas sim reaproveitados de outras obras de Marco Aurélio, Trajano eAdriano sendo o rosto dos imperadores representados transformados em rostos deConsantinoo arco contém ainda algumas esculturas originais que demonstram o novo estilo:

ausência dos artifícios para criar profundidade espacialapenas existe uma sugestão de movimentoas figuras têm a aparência de marionetas com cabeças demasiado grandes e corposatarracados e desprovidos de articulaçãoa cena preenche toda a superfície mas a acção está limitada à moldura que envolvea cena não sugerindo a sua continuaçãoo artista deu ainda uma ordem abstracta ao mundo aparente organizando as figurasde uma forma simétrica para dar mais realce ao papel do imperador que é únicafigura que aparece de frente e maior que todas as outras – este seria um efietoamplamente desenvolvido pela arte cristã

7.3 A pintura

as obras de pintura mural são das poucas obras deste género que sobreviveram àAntiguidade para além das representações nos túmulos etruscos

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sobreviveram essencialmente em Pompeia e Herculano sepultadas na erupção doVesúvio e só conhecidas e exploradas a partir do século XVIIIno entanto, a circunstância da sua conservação levaram a que conhecessemos apenas apintura de um curto período de tempo, desde o final do século I aC até ao final do século idCcomo não conhecemos nenhuma obra do período helenístico é difícil encontrar oselementos gregos na pintura romana

7.3.1 As fontes gregas

o mosaico da batalha de Issus encontrado em Pompeia é certamente uma cópia de umapintura grega mas a falta de dados não nos permite saber o período em que foi realizadamas representa um grau de desenvolvimento assinalável dado pela aglomeração dasfiguras, a atmosfera de excitação quase frenética, pela formas poderosamentemodeladas e escorçadas e as sombras nítidaso outro exemplo que possuímos de uma provável pintura grega é um painel de mármorede Herculano num estilo linear delicado que representa um grupo de 5 mulheres, duasdelas a jogar cucarne – uma inscrição atribui a sua autoria a Alexandros de Atenas e oestilo lembra o lekythos do século V aC mas a sua execução é fraca o que pode apontartratar-se de uma cópia de uma obra tardia grega

7.3.2 Os efeitos ilusionísticos romanos

a primeira fase da pintura mural romana conhecida por alguns exemplos do século II aCdemonstra uma clara influência helenísticacerca de 100 aC o primeiro estilo caracterizado para essa influência foi dando lugar a umoutro mais ambicioso e trabalhado que procurava abrir a superfície plana da paredeatravés de perspectivas arquitecturais e pelos efeitos de janela distinguindo-se 3 estilos(o segundo, terceiro e quarto)o quarto estilo em voga em Pompeia aquando da erupção do Vesúvio, e era o maiscomplexo – imitações de apainelados de mármore, cenas mitológicas emolduradas eperspectivas arquitectónicas de paisagensé uma arquitectura irreal e pitoresca que se aproxima das paredes dos fundos dosteatros antecipando obras como a da Porta do Mercado de Miletoas panorâmicas arquitectónicas do segundo estilo têm mais substância revelando amestria no modelado e no tratamento das superfícies – apesar disso não domina deforma sistemática a profundidade espacial e a perspectiva não tem coerência internaPaisagens da Odisseia – série contínua de paisagens divididas em 8 compartimentos porenquadramentos de pilastras e cada secção representa um episódio das aventuras deUlisses – as tonalidades etéreas, azuladas criam um efeito de espaço atmosféricoluminoso que envolve todas as formas mas a ilusão de coerência é frágilnuma das salas da casa de Lívia em Primaporta surge um outro conceito deinterpretação da Natureza – a parede parece estar aberta para um delicioso jardim edepois da vedação no primeiro plano há uma estreita faixa de relva e um pequeno muroantes de entrarmos no jardim sem que no entanto haja possibilidade de entrar nele já queas árvores e flores formam uma massa opaca de verdura que tapa a vista – estalimitação da profundidade espacial dá coerência à pinturaeste efeito também acontece em algumas naturezas mortas que são regra geral nichosou armários fingidos possuindo um rigor de pormenores cortado por uma falta decoerência entre os elementos já que as sombras projectadas por cada um dos elementosnão coincidem na direcção umas com as outras – apesar do seu realismo, falta umelemento unificador básicoembora esta pintura deva muita da sua vivacidade e atenção ao pormenor dos pintoresgregos, perspectiva e os efeitos iusionísticos são tipicamente romanosexiste no entanto um monumento cuja ousadia e grandiosidade de traçado e coerênciaestilística fazem dele um caso isolado na pintura romana: o grande friso de uma das alasda Vila dos Mistérios nos arredores de Pompeia que exibe muita da profundidade econtinuidade rítmica da pintura da casa de Líviaas figuras encontram-se sobre uma estreita faixa verde contra painéis de fundo vermelhoseparadas por bandas negras numa espécie de palco continuo onde se desenrola a

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acção – apesar de manter alguns mistérios, a cena representa vários aspectos dosmistérios dionisíacos, um culto semi-secreto importado da Gréciaas figuras possuem a dignidade de porte e de expressão dos clássicos mas o artistadotou-os de uma nova vidaa arte do retrato pintado era segundo Plínio importante na sociedade romana como formade culto dos antepassados assim como os bustoso único conjunto homogéneo de retratos pintados foi recuperado em Faium no Egito e osmais antigos aprecem datar do século II dC e devem-se ao costume egípcio derepresentar o rosto do falecido junto do seu corpo mumificadoa frescura das cores deve-se à técnica utilizada de encáustica na qual os pigmentos decor são misturados com cera derretida dando uma mistura opaca e espessa como napintura a óleo ou translúcida e fluída – plica-se a quente sendo de grande duraçãoos exemplares que sobraram têm muitos elementos comuns como acentuação dosolhos, a distribuição das sombras e das luzes e o ângulo de pose, certamente derivadosda produção em massa que era efectuada – o individualismo das figuras torna-se muitoacentuada em algumas obras fazendo lembrar o retrato de Filipe o árabe

7.3.3 As religiões orientais

no século III dC a crise do império romano deu lugar a uma mudança de espírito religiosocom a proliferação dos cultos orientais de origem egípcia, persa ou semitaapesar dos diferentes nomes, todas essas religiões tinham elementos em comum comoa importância da verdade revelada, a esperança da salvação, a existência de um profeta,a dicotomia do bem e do mal, ritos de purificação ou iniciação e o dever de procurarconverter os infiéisapesar de não conhecermos bem a proliferação destas regiões, sabemos que elascriaram um estilo artístico próprio embora os artificies responsáveis por esse novo estiloeram provincianos, de ambições modestas e que adaptaram uma profusão de elementosdiferentes adaptando-os às suas necessidadesos exemplos mais eloquentes deste novo estilo encontram-se na pequena cidade deDura-Europos, uma praça fronteiriça romana junto ao Eufrates abandonada depois dacoqnuista pelos persas e que nas suas ruínas possui vários templos com decoraçãoparietalos restos mais bem conservados encontram-se numa sinagoga e forma pintadas emcerca de 250 dCa Consagração do Tabernáculo é um produto característico dessa fusão de culturas:

inscrições das pinturas são em gregonão há acção nem narrativa e apenas uma acumulação de figuraso artista tinha que representar um acontecimento histórico e dotá-lo de uma naturezaintemporalo tabernáculo parece um templo clássico e não como a descrição bíblica o referecomo uma tenda de estacas e peles de cabrao acólito e a bezerra vermelha deriva de cenas romanas de sacrifícios o que justificaos restos de escorço que não se encontram nas outras figurasa vista de perspectiva do altar também é um eco romano assim como algunsmodelados e em algumas sombras projectadas pelas figuraso tamanho dos objectos e das figuras é dada não pela sua posição na cena mas simpela sua importância na narrativao traje de Araão está representado em pormenor e o seu corpo desaparece atrásdele num rigidismo que as outros personagens não apresentamas roupagens dos acólitos ainda possuem alguma tridimensionalidade e as suasroupagens são persas

esta imagem combina uma considerável variedade de elementos tendo como únicodenominador comum a mensagem religiosa do conjunto

8 – A arte paleocristã e a arte bizantina

em 323 dC Constantino mudou a capital do império para Bizâncio que a partir daí sepassou a chamar Constantinoplaa nova capital simbolizava a nova base cristão d Estado romano porque se encontrava nocoração das regiões mais cristianizadas do império

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a deslocação da capital provocou a cisão do império pressionado pelas tribos germânicasque conquistaram os territórios do ocidente – nos fins do século VI já tinam desaparecidoos últimos traços do poder centralizadoo império do oriente ou bizantino sobreviveu e Justiniano fundou mais uma época deprosperidade e forçao avanço do Islão foi ameaçando as possessões do império embora a capital tenharesistido até 1453 quando os Turcos conquistaram finalmente Constantinoplaa divisão do império levou também a um cisma religioso com diferenças profundas entreas duas igrejas:

o catolicismo romano manteve a sua independência do poder politico, internacionalou outro tornando-se uma instituição internacionala Igreja Ortodoxa fundava-se na união dos poderes espiritual e secular a pessoa doimperador – adaptação cristã de uma herança de realeza divina do Egipto e doPróximo Oriente – com a queda de Constantinopla Moscovo tornou-se a capital destaIgreja e a Igreja Ortodoxa Russa ficou ligada ao seu governo

é a separação religiosa mais do que a política que leva a uma arte significativamentediferente e a uma divisão entre paleocristão e bizantinoPaleocristão designa qualquer obra de arte executada por ou para cristãos durante aépoca que precedeu o cisma religiosos (primeiros 5 séculos)arte bizantina refere-se às obras produzidas no império romano do oriente mascaracteriza também um estilo que estava muito próximo do paleocristãoas influências que moldaram as duas correntes artísticas são diferentes:

na Europa Ocidental os povos celtas e germânicos tornaram-se os herdeiros datradição tardo-romana e transformaram-na na arte da Idade Médiano oriente não houve qualquer ruptura e a antiguidade final persistiu embora oselementos gregos e orientais tornaram-se cada vez mais importantes à medida que aherança romana diminuia

8.1 A arte paleocristã

ainda estão em disputa a datação dos primeiros artefactos paleocristãos, mas nenhumaobra até agora encontrada é anterior ao ano 200 dCaté ao reinado de Constantino não temos muitas informações sobre arte paleocristã coma excepção das decorações parietais das catacumbas, os cemitérios subterrâneoscristãosantes de Constantino Roma não era o centro da fé cristã existindo comunidades maiorese mais antigas nas grandes cidades do Norte de África e do Próximo Oriente – aspinturas de Dura-Europos fazem crer que existiriam outras obras do mesmo períodonestas cidades

8.1.1 A catacumbas

O ritual funerário e a protecção das sepulturas eram de fundamental importância para oscristãos primitivos cuja fé assentava na esperança de uma vida eternaa iconografia as catacumbas exprime claramente essa perspectiva embora as formascontinuem a ser muito semelhantes às da decoração parietal pré-cristã.Por exemplo a divisão das pinturas do tecto da catacumba de SS é um eco tardio dosmotivos arquitectónicos em trompe-l'oeil de Pompeia presente também nos modeladosdas figuras e nas cenas paisagísticas; no entanto os vários elementos como a própriadisposição das molduras evoca a cruz e a cúpula celeste – as imagens retratam ahistória de Jesus e a composição apesar de pequena e mal executada possui umacoerência e clareza que a distinguem das suas predecessoras pagãs e das pinturas deDura-Europos

8.1.2 A arquitectura

a decisão de Constantino de promulgar o Édito de Milão em 313 concedendo a liberdadedo culto aos cristãos teve profundas consequências na arquitecturaas cerimónias deixaram de ser realizadas às escondidas nas casas dos fiéis e novostemplos foram construídos

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Constantino dedicou muitos recursos a esse empreendimento e rapidamente surgiraminúmeras igrejas tanto em Constantinopla como em Romaeram edifícios de um tipo novo que se designa actualmente de basílica paleocristã e quese tornou o modelo base em toda a Europaa igreja de S. Pedro em Roma teria originalmente este formato que foi replicado na Igrejade S. Paulo Extramuros mas tardia mas com a mesma estrutura:

é uma síntese de uma sala e audiências de templo e de casa particulara nave central é flanqueada por duas naves laterais e iluminada pelas janelas dosclerestórioa abside e o travejamento de madeira vinham já das basílicas romanasaliava um interior espaçoso à grandiosidade que advinha da situação privilegiada doCristianismo como religião oficial do estadoa expressão da igreja como a casa de Deus levou a que fosse criado um novo pontode convergência, o altar colocado à frente da abside no extremo oriental da naveficando as entradas no lado ocidental e todo o edifício seguia um eixo longitudinalcom reminiscências na planta dos templos egípciosa igreja era precedida por um pátio ladeado de pórticos, o atrium cujo lado orientalligado á igreja formava o narthexo ritmo uniforme das arcadas da nave impele-nos para o grande arco do fundo queserve de moldura à abside e ao altar

contraste entre o interior e o exterior presente por exemplo na igreja de San Apollinare inClasse em Ravena construída no século VI e que conserva a maioria dos seus traçosoriginais:

o exterior de tijolo simples foi deixado sem ornatos, o oposto do templo clássicono interior temos a mais extrema riqueza um resplandecente domínio de cor e luzcom os mármores e mosaicos coloridos a evocar o esplendor do reino de deus

surgem ainda ouro tipo de edifícios neste período: os edifícios de planta redonda oupoligonal e cúpula já desenvolvidos na época romana por exemplo nas termas ou nofamoso Panteãono século IV dC surgem os primeiros baptistérios e capelas funerárias ligadas a igrejasbasilicais de planta centradaum bom exemplo é o mausoléu da filha de Constantino e que hoje é conhecido como StaConstanza:

clara articulação do espaço interior num núcleo cilíndrico fechado por uma cúpula eiluminado por janelas (clerestório)possui um deambulatório anelar coberto por uma abóbada de berçoa decoração à base de mosaicos tem um papel importante na criação do ambienteinterior

8.1.3 A pintura e o mosaico

o rápido desenvolvimento da arquitectura cristã colocou um problema devido ànecessidade de decoração de vastos espaços parietaisos humildes artistas que tinham decorado as catacumbas terão de ser substituídos porgrandes artistas que trazem a arte do passado e a adaptam para a nova religião e paraos novos efeitos de monumentalidadeo mosaico parietal paleocristão substitui a técnica mais antiga e barata da pinturaos mosaicos já tinham sido utilizados pelos sumérios em paredes, colunas e pilares – osgregos helenísticos e os romanos aperfeiçoaram a técnica mas utilizaram-naessencialmente em pavimentos e com poucas cores já que utilizavam apenas a gama demármores coloridosos artistas paleocristãos utilizam um novo material: as tesselas de pasta de vidro de cor –permitiam tonalidades mais variadas e intensas que os mármores mas faltavam osmatizes delicados que existiam nas pinturasas faces irregulares das tesselas de vidro actuavam como minúsculos refractores da luzo que dava um efeito de conjunto de uma cintilante tela imaterial em vez de umasuperfícies sólida e contínuaestas qualidades faziam do mosaico o complemento ideal dos templos paleocristãoso princípio chave da arquitectura greco-romana era a expressão do equilíbrio de formascontrárias mas a arquitectura paleocristã assume um carácter completamente diferentequase anti-monumental e inexpressivo

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o mosaico cristão também negou a parede lisa mas com o intuito de realizar uma ilusãode irrealidade, um reino luminoso povoado por seres e símbolos celestiaisa influência romana continua a surgir mas o efeito é completamente diferente pois emvez de dar uma ilusão da realidade a construção já não parece física e a estrutura dosedifícios utilizam a mesma cor do fundo confundindo-se ambos os planosnas cenas narrativas podemos também ver como a tradição ilusionistica foi transformadacom o novo conceito: longas sequências bíblicas ornavam as paredes das basílicas atarefa dos artistas consistia em condensar acções complexas numa forma visual quepermita a sua leitura à distância, utilizando muitos dos artifícios da coluna de Trajanoos mosaicos de Santa Maria Maggiore contam a história da redenção contada nasSagradas Escrituras que é uma realidade presente e não um acontecimento históricoo artista necessitava de representar os pormenores da narrativa mas os olhares e osgestos tornaram-se mais importantes do que o movimento dramático ou atridimensionalidadea composição simétrica torna evidente o significado da imagem da separação de Lot eAbraão e a sorte dos dois irmãos está marcada pela sua separação assim como o papelposterior dos seus filhos

8.1.4 Os rolos, os livros e as iluminuras

os modelos dos mosaicos poderão ter sido as pinturas das catacumbas mas os modelosmais importantes deverão ter sido as iluminuras de manuscritosa Igreja primitiva fomentou a reprodução do texto sagrado em grande escala e cadaexemplar era tratado com muito respeitoos primeiros exemplares devem ter sido realizados em papiro e algumas ilustraçõestraem essa origem já que são feitos para serem vistos na horizontal como um rolo que sedesenrola na época helenística surgiu um novo suporte, o pergaminho feito de pele branqueada ecurtida que era muito mais duradoura do que o papiro e que permitia fazer livrosencadernados e brochados que possuíam o nome técnico de codexentre os séculos I e IV dC o pergaminho substitui o papiro e as iluminuras podem sermais coloridas e ricas com a utilização de ourohá poucas dúvidas de que as antigas iluminuras foram executadas num estiloinfluenciado pelo ilusionismo pompeianoum dos documentos mais antigos é o Virgílio da Vaticana e reflecte essa tradição emboraa sua qualidade deixe a desejar: a pintura está separada do resto da página por umamoldura e na paisagem nota-se a tentativa de obter profundidade e os jogos de sombra eluza obra principal do período é o Génesis de Viena escrito com tinta de prata empergaminho púrpura e ilustrado com miniaturas brilhantemente coloridas lembrando osmosaicos das basílicasa iluminura da História de Jacob mostra uma narrativa continuada, uma indicação de quese trataria da cópia de um documento mais antigo num rolo mas também porque ométodo contínuo tinha a vantagem de poupar espaço

8.1.5 A escultura

a escultura teve um papel secundário na arte paleocristã porque se entendia que aproibição das estátuas se estendia às imagens de culto dos templos pagãosa escultura cristão, para fugir às acusações de idolatria deixou de produzir imagenshumanas de tamanho naturalos primeiros trabalhos de escultura paleocristão foram os sarcófago de mármoreexecutados a partir do século III para membros proeminentes da Igrejao sarcófago de Junius Bassus é um bom exemplo:

na face anterior dividida em 10 espaços rectangulares por duas colunatassobrepostas misturam-se cenas do Velho e do Novo Testamentoas imagens representam as cenas discretamente e sem violênciao sarcófago parece estar muito mais perto do classicismo do que o arco deConstantino – as figuras nos seus nichos profundos denuncia o esforço pararecuperar a dignidade da tradição grega – apesar disto encontramos o mesmo tipode figuras de grandes cabeças e corpos atarracados

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o classicismo parece ser recorrente na escultura paleocristã desde os meados do séculoIV até ao início do século VI – as causas deste movimento foram explicadas peloconservadorismo face aos valores do passado e à aproximação entre os chefes da Igrejacom a Antiguidade Clássicao classicismo foi particularmente importante nas placas de marfim e outros relevos depequenas dimensões em metais preciososestas pequenas obras eram destinadas a coleccionadores que tinham uma sensibilidadeestética superior à dos oficiais da Igrejaum díptico representando uma sacerdotisa de Baco e um bom exemplo pelo tema pagãoassim como pelo estilo que volta à beleza e perfeição do período de Augusto masalgumas incongruências espaciais como o pé que sai fora da moldura que estamosperante uma cópia cujo sentido se perdeu há algum tempooutro pequeno marfim surge já como um veículo cristão com a imagem do Arcanjo S.Miguel que surge como um descendente das vitórias aladas gregas até na riqueza dospragueados – é a qualidade incorpórea transmitida pela harmonia clássica das formasque lhe dá a sua imponênciaa protecção do estado aos retratos levou a que perdurassem durante mais algum temponomeadamente através de estátuas de imperadores, cônsules e altos funcionáriosa partir do ano 450 a semelhança externa dos retratos dá lugar à imagem de um idealespiritual por vezes intensamente expressivo mas cada vez mais impessoalesta evolução encontra-se na cabeça de Eutropios de Efeso que faz lembrar as feiçõesde Plotino e na cabeça de Constantino mas que parece mais um espectro do que umhomem de carne e osso e as suas feições estão marcadas por leves rugas ou linhassuperficialmente gravadas acentuando o carácter abstracto e ultraterreno

8.2 A arte bizantina

não há uma fronteira nítida entre a arte paleocristã e a bizantina já que ambas as regiõesdo império foram contribuindo para o desenvolvimento do estilo paleocristãocom o reinado de Justiniano Constantinopla reforçou o seu papel de capital do império etornou-se a capital artística – o imperador foium grande protector das artes patrocinandoou promovendo obras com uma grandeza imperial que levaram a que o seu reinadofosse considerado uma Idade de Ouro

8.2.1 A primeira Idade de Ouro: a arquitectura e as artes decorativas

o mais rico conjunto de edifícios deste período não se encontra em Constantinopla massim em Ravena, capital dos imperadores do ocidente em 402 e no fina do século deTeodorico, rei dos Ostrogodosa principal igreja desse período é San Vitale construída entre 526 e 547:

planta octogonal com o corpo central coberto por uma cúpula, deriva de StaConstanzabastante maior e com um efeito espacial mais ricoabaixo das janelas altas a parede da nave octogonal abre-se em nichos semicirculara colateral recebeu um segundo andar o das tribunas reservado às mulheresabóbadas mais leves favorecem a multiplicação de janelas que inundam de luz ointerioro eixo longitudinal ficou reduzido á capela-mot com abóbada de aresta e ábside e nolado oposto a um narthex

as igrejas de planta centrada e cúpula iriam dominar o mundo cristão ortodoxo a partir deJustinianoS. Vitale possuía ainda dois mosaicos que ladeavam o altar-mor cujo traçado vemdirectamente da oficina imperial – representam o imperador e a imperatriz Teodoraacompanhados pelos dignitários, elementos do clero e damas de honornestes painéis encontramos um ideal de beleza muito diferente das figuras atarracadas ede grandes cabeças da arte dos séculos IV e V as figuras são altas e delgadas de pés pequenos, rostos ovais com olhos imensos efixos e corpos que parecem apenas capazes de gestos cerimoniais e de ostentarsumptuosos trajestoa a sugestão de movimento é evitada e as dimensões de espaço e tempo dão lugar aum eterno presente na transparência do Céu

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união da autoridade política e espiritual reflecte a realeza divina do imperadorrepresentada pelo bordado nas vestes de Teodora onde aparecem os reis Magos e peloscompanheiros do imperador, 12 como os apóstolos no espaço exterior da igreja encontramos a mesma leveza imaterial e sublime que dá àsfiguras o seu ar de exaltaçãoentre os monumentos mais impressionantes do reinado de Justiniano encontra-se aigreja de Santa Sofia edificada entre 532 e 537 pelos arquitectos Anthemius de Tralles eIsidorus de Mileto

o traçado de Santa Sofia inclui uma cmbinação única de elementos: tem o eixolongitudinal de uma basílica paleocristã, mas a nave forma ao centro um quadriláterocoroado por uma imensa cúpula apoiada nos extremos em semi-cúpulasligados às semi-cúpulas há nichos semi-circulares com arcadas abertas semelhantesàs de S. Vitalea cúpula assenta em 4 arcos que que transmitem o empuxo aos grandes pilares doquadrilátero central levando a que as paredes sob os arcos não têm funções desuportea transição do quadrado formado por estes arcos para o arco circular é realizada portriângulos esféricos, os pendentes – o emprego deste elemento permite cúpulas maisleves e mais altasa planta, o escoramento dos pilares e as enormes dimensões lembram a basílica deConstantino

Santa Sofia une numa síntese impressionante o ocidente e o oriente, o passado e ofuturono interior a noção de peso desaparece abrindo-se um espaço amplo iluminado por umanel de janelas que dá a ideia que a cúpula flutua no aro cintilar dos mosaicos devia reforçar esta ideia de ilusão de irrealidadea nova estética nota-se até nos pormenores ornamentais: os motivos derivam daescultura clássica mas o seu efeito é totalmente diferente: em vez de amortecerem acarga os capitéis tornam-se um espécie de cesto rendilhado cuja superfície lavradadissimula a força e solidez da pedra

8.2.2 A segunda idade de ouro: a arquitectura e as artes decorativas

as igrejas da segunda Idade de Ouro (desde o final do século IX até ao século XI) eramde modestas dimensões e de espírito monástico mais do que imperiala planta é geralmente de cruz grega inserida num quadrado com narthex a um lado eábside no outro – ao centro ergue-se a cúpula sobre base quadrada por vezes sobre oresto do edifício com nas duas igrejas do mosteiro de Hosios Loukas na Gréciaestas igrejas apresentam ainda duas tendências da arquitectura bizantina: fachadas maisornamentadas e uma preferência pelas proporções alongadas – o pleno impacto daverticalidade só se sente no entanto no interior quando se olha para a cúpulana igreja de Daphnê também na Grécia, a pintura da cúpula está em melhor estadorepresentando um Cristo Pantocrator sobre um fundo de ouroa maior e mais sumptuosa igreja deste período é a S. Marcos em Veneza começada em1063 – a influência bizantina está patente em vários aspectos:

planta de cruz grega inscrita num quadrilátero mas cada braço da cruz possuí aindauma cúpula própriaas cúpulas foram encaixadas em calotes bulbosas de madeira forradas a folha decobre dourado e rematadas com lanternins decorativos para as tornar mais visíveis àdistância

a arquitectura bizantina também se propagou pela Rússia acompanhando a doutrinaortodoxa – o mais célebre exemplo é a catedral de S. Basílio junto do Kremlin emMoscovo: as cúpulas profusamente multiplicadas transformaram-se numa espécie detorres fantásticas cujos telhados parecem cogumelos e bagas ou turbantes orientaiso desenvolvimento as pinturas e esculturas bizantinas foram perturbadas pela questãoinconoclasta que começou com o édito imperial de 726 que proibia as imagens religiosase que foi interpretado de forma diferente pelas várias facções:

os iconoclastas chefiados pelo imperador e apoiados pelas províncias orientaisinterpretavam à letra a proibição pretendendo reduzir as decorações a símbolosabstractos ou a signos vegetais e animais

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os iconófilos representados pelos monges e concentrados nas províncias ocidentaisdefendiam o uso de imagens religiosas e nunca cumpriram o édito

as lutas entre as duas facções simbolizavam a luta de poder entre estado e Igreja e levoua uma grande redução das obras religiosas até 843 quando os iconófilos venceram aquestãoassistiu-se durante este período a um ressurgimento dos motivos clássicos como emalgumas iluminuras que possuem elementos do período tardo-romano como por exemplovárias imagens no Saltério de Parisoutro reflexo destas fontes antigas encontra-se no mosaico do Génesis em S. Marcos deVeneza com cenas que poderão ter sido adaptadas de um manuscrito – as imagensatarracadas e Cristo representado como um jovem filósofo são típicas das obras doséculo IVestas obras demonstram um interesse de arqueólogo pela antiguidade já que as obrasmais belas da segunda Idade de Ouro mostram um classicismo harmoniosamentecombinado com o ideal espiritual de beleza característico do reinado de Justinianoo mosaico da crucificação de Daphnê tem particular fama que possui uma clareza esimetria clássicas assim como a dignidade majestosa das figuras que parecem graciosase orgânicas e o suave pathos emanado nos gestos e expressões fisionómicas emsofrimento contido e cheio de nobrezao sentimento de compaixão presente nas obras da Segunda Idade do Ouro foi uma dassuas maiores conquistas embora só se tenha desenvolvido plenamente no ocidentemedievalCristo foi representado não com severidade mas sim com doce melancolia, junto a umasubtileza do modelado de cor

8.2.3 A pintura bizantina final

em 1204 Bizâncio sofreu uma derrota quase fatal quando os exércitos do Cruzadossaquearam Constantinoplaem 1261 recuperou a soberania e o século XIV assistiu a um ressurgir da intura bizantinaantes da conquista turcadevido ao empobrecimento do império, a pintura mural começou a ocupar o lugar dosmosaicos como na decoração da capela funerária contigua a Kariye Cmii –representação da Anastasis que impressiona com a sua força dramática ausente damaioria das obras bizantinas e prova de que a capacidade criadora permaneceuum dos principais argumentos a favor das imagens religiosas durante a questãoiconoclástica era que Cristo teria dado autorização a S. Lucas para o representar criandoum conjunto de imagens sacras verdadeiras e originais que depois foram usadas comofonte de inspiraçãoestas imagens ou ícones foram elaboradas segundo os retratos greco-romanos demadeirao mais importante dos encontrados até agora foi o da Madonna de Sta francescaRomana e o seu parentesco com a pintura romana é evidente não apenas pelo empregoda técnica na encáustica mas também pelas finas gradações de luz e sombra – noentanto as formas do rosto reflectem um ideal de beleza humana espiritualizada como apresente nos mosaicos de S. Vitale mas com mais tridimensionalidadeos ícones tinham que obedecer a estritas regas formais com padrões fixos repetidosincessantementea virgem no trono reflecte um tipo vários séculos anterior: as reminiscências doclassicismo abundam na atitude graciosa, no rico jogo das pregas do tecido, na docemelancolia do rosto e na cuidada perspectiva arquitectural do trono – mas esteselementos são estranhamente abstractosem vez de ter uma aparência espacial a imagem tem uma transparência dada pela formacomo foi pintada sobre uma superfície brilhante que ressalva os pontos luminososresultando num esplendor celestialestes painéis são representações em miniatura de mosaicosa pintura de ícones alastrou por toda a zona dos Balcãs e Rússia – o melhor pintor russoe ícones foi Andrei Rublev – Trindade do Velho Testamento – a pintura revela umharmoniosa beleza de traçado e uma profundidade de sentimentos que rivaliza com asproduções clássicas da segunda Idade de Ouroo elemento mais pessoal e mais russo da composição é a escala cromática maisbrilhante, mais complexa e de um registo diferente de qualquer obra bizantina

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8.2.4 A escultura

a estatuária monumental desapareceu com os últimos retratos imperiaisa escultura de pedra ficou praticamente limitada à escultura monumental mas ospequenos relevos de marfim e metais preciosos continuaram a ser produzidosos exemplos que chegaram até nós têm uma extraordinária variedade de temas, estilo eintenção:

o tríptico de Harbaville tem motivos religiosos e o requinte das imagens lembra acrucificação de Daphnêo Sacrifício de Ifigénia é já uma obra diferente pertencendo a uma arqueta decasamento e com temas da mitologia grega e embora sem a emoção trágica, asfiguras roliças lembram as obras clássicas permitindo que a herança greco-romanapermanecesse

II - A Idade Média

as obras mais emblemáticas da Idade Média são as catedrais góticas – embora existamvários exemplos impressionantes, todas elas se situam acima dos Alpes embora emterritório do império romanoo centro de gravidade da civilização europeia deslocou-se para as fronteiras setentrionaisdo império substituindo as zonas mediterrânicasas tribos germânicas instaladas na metade ocidental do império adoptaram o quadro dacivilização cristã tardo-romanaa recuperação das províncias ocidentais foi sempre acarinhada pelos imperadores emConstantinopla mas o crescimento do poderio islâmico deitou por terra definitivamenteessas ambiçõeso império teve que concentrar as suas forças para travar o avanço do Islão no orientepermitindo a sua expansão pelos territórios ocidentaisa Europa Ocidental teve que encontrar os seus próprios recursos para resistir ao invasore o papa procurou o apoio do reino dos francos que com Carlos Magno iniciaram umafase de predomínio na região confirmada elo chefe religioso ao coroar o imperadorCarlos Magno construiu a sua capital em Aix-la-Chapelle, ponto de encontro da frança,Alemanha e Holanda na actualidadeo Islão foi criando uma nova civilização que se estendia até à Península Ibérica e at+Z+éao Vale do Indo com capital em Bagdada arte, o saber e o artesanato islâmicos iriam ter uma influência determinante na IdadeMédia europeia desde a ornamentação de arabescos, a fabricação do papel e osalgarismos árabes até à transmissão da filosofia e da ciência gregas

1 – Arte muçulmana

em duas gerações apenas a nova fé islâmica conquistou um território mais vasto e umnúmero de crentes maior que o Cristianismo em 3 séculosesta rápida expansão pode ser explicada pelas condições favoráveis que encontrarammas o que começou com uma vitória da força terminou como uma vitória espiritual dadosos milhões de convertidos que conquistarama nova religião parece ter ido ao encontro dos anseios da grande multidão apesar dosseus mandamentos éticos serem semelhantes aos do Cristianismo e do Judaísmo, mastambém há diferenças assinaláveis:

os ritos não exigem o sacerdócio, qualquer muçulmano tem igual acesso a deusas obrigações religiosas são simples: a oração a certas horas do dia, a esmola, ojejum e uma peregrinação a Mecatodos os verdadeiros crentes são irmãos membros de uma verdadeira comunidade

Maomé legou uma crença que formou um novo tipo de sociedade deixando o costume dachefia religiosa e militar nas mãos dos califasa característica ímpar do Islão é a fusão de elementos étnicos e universais – aberto atodos os homens acentuando a fraternidade dos crentes perante deus sem distinção deraças ou culturas

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apesar disso era uma religião muito marcada pelo seu centro na Arábia já que todos osmuçulmanos tinham que conhecer a língua arábe para lerem o Corão mas também parse integrarem no quadro social, jurídico e político da comunidade islâmica

1.1 A arquitectura

na arte herdaram o estilo paleocristão bizantino com as reminiscências gregas, romanase da Pérsiaa contribuição da Arábia limitou-se à bela escrita ornamental já que estas tribos nómadasnão tinham tradições arquitectónicas e a s imagens esculpidas dos deuses eraminterditas pela proibição da idolatrianos primeiros tempos qualquer local servia para organizar o culto religioso desde quepossuísse a marcação da qibla ou seja a direcção de Meca para onde os orantes sedevem dirigir enquanto rezamno final do século VII os soberanos islamitas firmemente estabelecidos nas terrasconquistadas começaram a erigir mesquitas e palácios em grande escala como símbolosdo seu poderesses primeiros monumentos revelam mais das influências dos artistas que as realizaramdo que um estilo islâmico próprio que só se desenvolveu no século VIII

1.1.1 A arte muçulmana do Oriente

a grande mesquita de Damasco foi construída de 706 a 715 e tinha as paredes cobertaspor mosaicos de vidro de origem bizantinao se estilo reflecte o ilusionismo de Pompeia confirmando que as tradições mais antigasse mantiveram nas províncias do Próximo Orienteo califa al-Walid aceitou bem os motivos helenísticos por serem tão diferentes doconteúdo simbólicos e narrativo dos mosaicos cristãosa data d construção do palácio de Mshatta tem sido muito disputada pela variedade deelementos que possui:

o estilo da decoração da fachada insira-se em fontes pré-islâmicasa decoração rendilhada e os motivos vegetais recordam a ornamentaçãoarquitectural bizantinahá também a influência persa nos leões alados e outros animais míticos semelhantesà ourivesaria e tapeçaria sassanidao enquadramento geométrico de ziguezagues e rosetas repetido uniformemente nafachada sugere um gosto pelos motivos abstractos simétricos característicos da arteislâmica

a mesquita de Samarra é m dos exemplos mais impressionantes do novo estilo:a planta é um rectângulo com o eixo principal orientado a Meca encerrando um pátiorodeado por naves ou galerias laterais que conduzem à qibla cujo centro estámarcado por um pequeno nicho, o mihrabdo lado oposto encontra-se o minarete onde o muezzin chamava os fiéis à oraçãoa superfície ultrapassa os 38 mil metros quadrados e mais de metade desta áreaestava coberta por um telhado de madeirao mais espectacular do conjunto é o inarete ligado à mesquita por uma rampa ereminiscente dos zigurates da Mesopotâmia

1.1.2 A arte hispano-mourisca

a mesquita de Córdova foi começada em 286a sua planta inicialmente era semelhante à de Samarra mas mais pequena e comnaves apenas do lado da qiblamais tarde a mesquita seria acrescentada pelo alongamento das naves e construçãode outras novas a Leste porque a Sul o rio impedia o crescimento do edifícioestes acrescentamentos sucessivos demonstram a flexibilidade deste tipo de plantasna entrada encontramos uma floresta de colunas e só a direcção das naves nos guiaaté à qiblao santuário era coberto por um telhado de madeira assentado sobre arcadas duplascom os arcos inferiores em ferradura uma forma que aparece em edifíciospré-islâmicos mas que foram adoptados pela arte muçulmana

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uma elaboração mais tardia do mesmo dispositivo de arcos surgiu na Capela deVillaviciosa, uma câmara abobadada a Norte do mihrab – encontramos aqui arcoslobulados em três filas sobrepostas, entrecruzados de modo a formar grilhagens oubandeiras ornamentais complexasa abóbada possui 8 arcos ou nervuras que se cruzam em várias direcções formandouma rede de alvéolos no espaço quadrado

o máximo requinte do estilo mourisco é atingido na Alhambra de Granada parte mais rica é o Pátio dos Leões e os aposentos em redoras colunas tornaram-se esguias como caules de flores suportando arcos deconfiguração complexa em paredes que parecem reduzidas a uma trama ornamentalsemelhante a uma teia de aranhanas superfícies interiores encontramos a mesma renda de arabescos decorativosrealizada em estuque ou em azulejosa abóbada mourisca também se tornou mais complexa desaparecendo as nervuraspor detrás de favos formados por um sem número de alvéolos emoldurados porarcos minúsculos que pendem do tecto como estalactites

1.1.3 A arte turca

a partir do século X os turcos seldjúcidas avançaram pelo Médio Oriente onde seconvertem ao islamismo dominando grande parte da Pérsia, Mesopotâmia, Síria e TerraSantaforam seguidos no século XIII pelos mongóis de Genghis Khan e pelos turcos otomanosestes últimos tornaram-se a maior potência do mundo islâmico influenciando a arte dessaregião e períodosurge um novo tipo de mesquita, a madrasah criada na Pérsia no século XIum dos exemplares mais importantes é a Madrasah do sultão Hasan no Cairo – a suaprincipal característica é um pátio quadrado com uma fonte ao centro e a cada lado dopátio abre-se uma sala servindo a da qibla como santuárioa escala monumental do recinto parece reflectir a arquitectura palaciana da Pérsiasassanida enquanto a clareza geométrica do traçado acentuada pelas severassuperfícies murais é uma contribuição turcacontígua à qibla da mesquita encontra-se o mausoléu do sultão, um grande edifíciocúbico coroado por uma cúpula de ascendência bizantina o Taj Mahal em Agra é o mais famoso mausoléu da arquitectura islâmica erguido por umdos mais famosos soberanos muçulmanos da Índia em memória da sua mulher – osoberano pertencia à dinastia mongol vinda da Pérsia e por isso a semelhança com omausoléu do sultão Hasan não é surpreendenteo aspecto maciço do mausoléu do Cairo de cornija saliente e cúpula solidamenteimplantada deu lugar a uma elegância imponderável que faz lembrar a Alhambra – asparedes de mármore branco quebradas por fundas reentrâncias como nicho de sombralembram folhas de papel quase translúcidas e o edifício dá aimpressão de mal tocar osolo parecendo suspensa da cúpulaos turcos otomanos quando se estabeleceram na Ásia Menor elaboraram um terceiro tipode mesquita pelo cruzamento do modelo da madrasah seldjúcida com a igreja bizantinade cúpula – uma dos primeiros exemplares é a cúpula de madeira da mesquita Ulu emErzurumao chegarem a Constantinopla a beleza de Santa Sofia levou a que servisse deinspiração a outras mesquitas construídas em Istambul e noutras partes como a dosultão Ahmed I que adaptou a planta de Santa Sofia num quadrado com a cúpula centralescorada por 4 meias-cúpulas e quatro cúpulas menores próximo dos minaretes doscantos

1.2 Representação figurativa

a atitude islâmica perante as representações figurativas era um pouco ambígua: Maomécondenou a idolatria mas em relação à pintura era bem mais tolerante dizendo-se queembora tenha mandado destruir as pinturas religiosas numa igreja manteve uma imagemda Virgem com o Meninonão existindo nenhuma tradição pictural árabe, a pintura religiosa inspirou-se em fontesestrangeiras

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rejeitaram todas as estátuas mas paisagens helenísticas decoram as suas mesquitas eos animais sassânidas aparecem em várias decorações d fachada da Mshattasó a partir de cerca de 800 é que aparecem condenações explícitas à figuração já que aorepresentar seres vivos o artista usurpa um acto criador reservado a deusas imagens de animais ou humanas eram em princípio proibidas mas desenvolveu-se aconvicção que a proibição não se aplicava a obras que não projectassem sombras, depequenas dimensões ou reproduzidas em artefactos de uso correntea tendência para elaborar objectos portáteis ricamente decorados vinha dos árabes,turcos, persas e mongóis, herança do seu passado nómadasobraram alguns exemplos sumptuosos destas representações:

o manto bordado de Coroação dos Imperadores Germânicos apresenta umadecoração com animais simétricos é um motivo que remonta ao Próximo Orientequeimador de incenso na figura de uma estranha criatura de bronze com quase ummetro de altura e de vulto redondo

quanto à pintura islâmica sobraram apenas alguns exemplares em especial emilustrações de textos científicos como o livro De Materia Medica de Dioscóridesos escribas foram desenvolvendo a arte da iluminação que ficou restringida aoscalígrafos mais hábeis já que não poderiam existir pintoresmesmo a literatura árabe profana exibe representações desenhadas como no Maqamatde Hariri

1.2.1 A Pérsia

os comerciantes árabes tinham estado em contacto com o Extremo Oriente antes doadvento do Islão e algumas alusões a pintores chineses indicam um conhecimento daarte da Chinamas foi só após a invasão mongol do século XIII que a influência chinesa penetrou maisprofundamente na arte islâmica como por exemplo na Paisagem de Verão onde seencontram os temas típicos chineses: montanhas envolvidas em brumas e torrentescaudalosas representando a Natureza selvagemoutro resultado da influência do Extremo Oriente foi a aparição de temas religiosos emminiaturas persas que seguiam a tradição das representações budistaso resultado dessa influência foram obras que misturavam elementos frequentemente malassimilados como na Ascensão de Maomé:

a gravura representa Maomé montado num animal com uma cabeça humana queprovém dos monstros alados da Mesopotâmia antigaos elementos etremo-orientais revelam-se na visão poética da cena – nos halosdourados chamejantes r na estilização ondulada das vestes, das nuvens e nos tiposfisionómicos dos anjoso movimento agitado dos anjos lembram fortemente a arte cristãa cara do profeta está em branco por se entender que não poderá ser representado,um traço islâmico

o Corão não foi decorado devido ao seu carácter religioso mas os caligrafistaselaboraram caracteres árabes cada vez mais ornamentais surgindo combinaçõesgeométricas e curvilíneas cada vez mais complexas

2 – A arte da Alta Idade Média

2.1 A Idade das Trevas

a ideia do obscurantismo medieval foi-se tornando cada vez mais limitada com o passardos tempos, sendo apenas reservada para os primeiros anos desse períodohoje em dia é apenas considerado o período entre a morte de Justiniano e o reinado deCarlos Magno

2.1.1 O estilo celto-germânico

as tribos germânicas que tinham penetrado na Europa durante os anos de declínio doimpério romano traziam consigo a tradição do estilo animalista de que são exemplos osbronzes do Luristão e os adornos citas de ouro

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este estilo combina formas abstractas e orgânicas com disciplina formal e liberdadeimaginativa e tornou-se um elemento fundamental da arte celto-germânica da Alta IdadeMédiaum tampo de bolsa encontrado em Sutton Hoo possui uma decoração típica destainspiração: 4 pares de motivos distribuídos simetricamente pela superfície cada um comum carácter próprio apontando uma origem diversificada;

o homem de pé entre dois animais tem as suas raízes na Sumériaas águias lançando-se sobre a sua presa fazem lembrar os bronzes do Luristãoo desenho central superior de animais em luta aparece nas obras paleocristãs eromanas

os trabalhos de metal foram os principais veículos desta arte muitas vezes de execuçãorequintadaas obras de madeira apenas subsistiram em pequenas quantidades e na Escandináviadevido ao clima mais húmido – a cabeça de animal é o remate de um barco viking doinício do século IX e denota um carácter particularmente compósito – a cabeça é departicular realismo acentuado em alguns pormenores mas a superfície parece bordadade entrlaços e outros padrões que denunciam a a sua origem no trabalho do metal

2.1.2 O estilo hibérnico-saxão

o período entre 600 e 800 foi a Idade de Ouro da Irlanda – nunca tendo sido dominadospelos romanos, receberam bem o Cristianismo e ao entrar em contacto com a Europasem ter sido romanizada a Irlanda adaptou com espírito de independência as influênciasque recebeuos irlandeses preferiram segui o exemplo dos santos eremitas do Egipto e do PróximoOriente já que a igreja era adaptada às regiões urbanas e a vida irlandesa eraessencialmente ruralno século V foram fundados os primeiros mosteiros na Irlanda que rapidamente setornaram centros de cultura e criação artísticanesses mosteiros cresceu o fervor missionário que levou os seus monges a pregar aospagãos e a fundar conventos no norte das ilhas Britânicas e no continenteas fundações conventuais entre os séculos VII e VIII foram beneditinas mas a influênciairlandesa fez-se sentirpara a difusão do Evangelho foram executadas numerosas cópias da Bíblia realizadasem scriptoria que se tornaram centros de produção artística já que o manuscrito com a apalavra de Deus é um objecto agrado cuja beleza deve reflectir a importância doconteúdoapesar de conhecerem os manuscritos paleocristãos, surgiu uma nova forma deiluminação mais preocupada com o embelezamento decorativoo mais belo destes documentos é o Evangelho de Lindisfarne – a página da cruz é umadas páginas mais interessantes já que o artista com a precisão de um joalheiro inseriunos compartimentos do seu esquema geométrico um entrelaçado zoomórfico riquíssimomas de movimentos disciplinados, seguindo regras muito rígidas de separaçã das formasorgânicas e geométricas mas também quanto à simetria e às repetições de formas ecoresdas imagens figurativas dos manuscritos paleocristãos, permaneceram apenas ossímblos dos 4 evangelistas transpostos facilmente para o seu idioma ornamental – porexemplo no leão de S. Marcos dos Evangelhos de Echternacha figura humana esteve longo tempo fora do alcance dos artistas célticos ou germânicos– a placa de bronze sobre o Calvário mostra a incapacidade de conceber o corpohumano como uma unidade orgânica sendo os vários elementos do corpo de Cristodesincarnados existindo um grande fosso entre as tradições céltico-germânicas que oartista desta obra não conseguiu transporuma situação análoga existiu por toda a Europa Ocidental e até entre os Lombardos doNorte de Itália – o escultor germânico que talhou o baixo relevo do baptistério da catedralde Cividale teve os mesmo problemas com a representação da figura humana – ossímbolos dos 4 evangelistas são estranhos – parecem ter patas de aranha e os corposficaram reduzidos à cabeça, às asas e à cauda em espiral – apesar desta falta derealismo, a obra denota bem o seu carácter decorativo lembrando um pano bordado

2.2 A arte carolíngia

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o império de Carlos Magno não durou muito já que os seus netos dividiram-no em 3partes e não conseguiram governá-lo passando o poder para as mãos da nobreza localas realizações culturais do reinado de Carlos Magno foram no entanto, mais duradourascomo o demonstra a adopção dos caracteres ditos romanos mas na realidade carolíngios– a designação de romanos provém da cópia de muitas das obras da literatura romanaque permitiram que chegassem até nóso cuidado na preservação dos clássicos vinha do desejo de restaurar a antiga civilizaçãoromana juntamente com o título imperialo renascimento carolíngio é uma primeira fase de uma fusão genuína da mentalidadecelto-germânica com o espírito do mundo mediterrâneo

2.2.1 A arquitectura

as belas artes desempenharam um papel fundamental no programa cultural de CarlosMagnoao entrar em contacto com os monumentos do tempo de Constantino em Roma e dotempo de Justiniano em Ravena decidiu edificar obras tão imponentes na sua capital deAix-la-Chapellea Capela Palatina foi inspirada em S. Vitale e as dificuldades foram várias já que ascolunas e as grades de bronze tiveram de ser transportadas desde a Itáliao plano de Otão Metz, o arquitecto da capela não era uma simples cópia de S.Vitale massim uma vigorosa reinterpretação com pilares e abóbadas de maciço carácter romano euma clareza das unidades espaciais diferente do espaço fluído da igreja de Ravenao exterior também é diferente com a fachada a formar um conjunto alto e compacto noprolongamento do eixo da capela – a frontaria monumental a Ocidente (Westwerk) deque temos aqui um dos primeiros exemplos é o embrião das frontarias de duas torres tãocomuns em igrejas medievais posterioresSt Riquier era uma westwerk ainda mais trabalhada e foi completamente destruída masconhecemos bem os seus traçados através de desenhos e descrições:

a entrada conduz a um narthex abobadado que é o transepto ocidentalo cruzeiro estava coroado por uma torre assim como no cruzeiro oriental onde seencontram duas torres redondas de escadas interioresa ábside está separada do transepto por um espaço rectangular, o coro

a importância dos mosteiros deste período está demonstrada numa planta que chegouaté aos nossos dias conservada na casa do capítulo em St. Gall na Suíça que se tratariade um modelo geral que seria adaptado às necessidades e circunstâncias de cada regiãoo mosteiro é um conjunto complexo, autónomo, a via prncipal de acesso a Ocidentepassa pelos estábulos e uma hospedaria e leva a um portão que dá para um pátio comcolunatas e duas torres lateraisas entradas são numerosas a Norte e a Sul e duas do lado da ábside ocidental, o quereflectia as necessidades da comunidade monásticacontíguo à igreja a sul encontramos um claustro de arcadas em torno dos quais foramagrupados o dormitório, o refeitório, a cozinha e a adegaos 3 grandes edifícios a Norte da igreja são uma hospedaria, uma escola e a casa doabadea leste ficavam a enfermaria, uma capela e os alojamentos para os noviços, o cemitério eum jardim

2.2.2 Os manuscritos e as encadernações

as igrejas carolíngias continham pinturas murais e baixos relevos mas hoje em dia todosdesapareceramapesar disso conservam-se alguns manuscritos iluminados, marfins e peças deourivesaria que confirmam a produção artística deste períodoo antigo tesouro de Viena possui um evangeliário supostamente encomendado porCarlos Magno que parece ligado à capela palatina – uma das imagens de s.Mateus fazlembrar vivamente as pinturas murais de Pompeia desde os detalhes da figura até àmoldura que o envolve – só mesmo o halo que ostenta é típico da iconografia cristãnoutra iluminura realizada para o Evangelário do Arcebispo Ebbo de Reims o modeloclássico já está traduzido em linguagem carolíngia: a pintura parece animada de umaenergia vibrante que põe tudo em movimento e S.Marcos não se encontra numa reflexiva

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atitude de pensamento mas sim de recepção dos ensinamentos sagrados através dainspiração divinao mais extraordinário dos manuscritos carolíngios é o Saltério de Utrecht já que toda aobra é ilustrada por desenhos à pena: existem indicações de um modelo mais antigo naspaisagens e nas arquitecturas mas o artista imbuiu os seus desenhos de uma qualidaderítmica que dá às imagens uma coesão emocionalo estilo da escola de Reims transparece nos relevos da capa dos Evangelhos de Lindauque mostra como a arte da ourivesaria se adaptou ao renascimento carolíngio comalguns detalhes no engaste das pedras preciosas que permite a sua iluminação porbaixo; por outro lado a expressão de Cristo é de calma e solenidade e não de sofrimento,mas essa representação é um escolha do artista já que as pequenas figuras queassistem à crucificação expressam o seu desgosto mostrando que o artista era capaz derepresentar esses sentimentos

2.3 A arte otoniana

em 870 os restos do império de Carlos Magno eram governados pelos seus netossobreviventes: Carlos o Calvo rei dos francos e Luís o Germânicoo poder dos seus reinos tinha enfraquecido e agora tinham de enfrentar não só o avançodo Islão ao Sul como também dos eslavos e magiares do leste e dos Vikings no Norte eOesteos nórdicos que vinham assolando as costas das ilhas britânicas conquistam tambémuma região de França à qual se deu o nome de Normandia – converteram-se aocatolicismo e adoptaram a civilização carolíngiana Alemanha o poder politico deslocara-se para a Saxónia a Norte e os reis saxõesnomeadamente Otão I estabeleceram um poder efectivo atingindo também a maior parteda Itália através de um pacto de casamentoo monarca foi coroado imperador pelo papa em 962 tornando-se o império uma instituiãogermânica a partir de então

2.3.1 A escultura

durante o período otoniano a Alemanha tornou-s a nação mais influente da Europa querpolitica quer artisticamenteas realizações otonianas foram marcadas pela herança carolíngia mas rapidamenteganharam caracteres originaisno crucifixo de Gedeão encontramos uma nova imagem do Salvador: escalamonumental, talhada em formas avultadas e com um profundo sentimento pelosofrimento de Cristo – a posição do corpo torna insuportavelmente real a violentadistensão dos ombros e dos braços e a cara transformou-se numa máscara de agoniasem vidaesta obra sugere uma influência da arte bizantina mas em vez do suave pathosencontramos um expressivo realismo que passou a ser a imagem de marca da artegermânica

2.3.2 A arquitectura

a cidade de Colónia possuía estreitas relações com a casa imperial que foramconcretizadas em numerosas igrejas edificadas pelo arcebispo Bruno, irmão de Otãoa abadia beneditina de S. Pantaleão é um bom exemplo embora só a westwerk se tenhamantido – possui no entanto o carácter maciço das fachadas carolíngiaso mais ambicioso patrono da arquitectura do período foi Bernardo bispo de Hildesheim eo principal monumento que erigiu foi a igreja de S.Miguel

a planta com as suas cabeceiras e entradas laterais lembra St. Gall mas aqui asimetria é levada mais longeo interior com a sua grande superfície parietal, conserva o majestoso sentidoespacial do seu traçado primitivoa reconstrução levou a que fosse elaborada uma capela semi-subterrânea dedicadaa S.Miguel

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a cripta estava coberta por abóbadas de aresta assentes em filas de colunas e assuas paredes tinham como abertura arcos de volta perfeita que a ligavam a umcorredor em forma de U como um deambulatório

2.3.3 O trabalho do metal

as portas de bronze do bispo Bernardo provavelmente par as entradas do deambulatóriosão um bom exemplo do requinte alcançadoa inspiração terá vindo das portas de bronze romanas mas as diferenças existem nadivisão em largas bandas horizontais em vez dos painéis verticais com uma cena bíblicaem cada uma das áreasa composição deve ter-se inspirado num manuscrito iluminado já que os troncos torcidose estilizados lembram os elementos decorativos irlandeses – nota-se no entanto umadiferença na força expressiva da forma como a história é contada

2.3.4 Os manuscritos

mesma intensidade de olhar e gesto regista-se na pintura de manuscritos no períodootoniano onde se combinam elementos carolíngios e bizantinoso centro mais importante de produção foi o mosteiro de Reichenau numa ilha do lagoConstança e a sua mais bela realização é o Evangeliário de Otão IIIencontramos reminiscências da pintura antiga nos suaves matizados azuis que lembrama pintura ilusionistica greco-romana e na moldura arquitectural onde se insere a figura deCristoas figuras passam da importância do físico para o espiritualo artista otoniano iluminou o sentido dos ensinamentos traduzindo-os em termos visíveis,claros e evocadores

3 – A arte românica

a utilização da expressão românico deveu-se a muitos dos elementos utilizados emespecial na arquitectura do período (arcos de volta perfeita e construções sólidas epesadas) serem muito próximas do estilo romano antigoalguns eruditos chamam pré-românica à arte antes de Carlos Magno e proto-românica ouromânica primitiva à arte dos períodos carolíngio e otonianoexiste uma significativa diferença entre essas correntes já que a arte carolíngia assimcomo a otoniana foram promovidas pelos imperadores ficando limitadas às suas regiõesenquanto a arte românica surgiu por toda a Europaapesar disso muitos são os elementos que a arte românica foi buscar às artes de corteassim como a influências mais antigaso que juntou estas tendências numa só corrente artística foi a força única da religiãocristã tendo-se assistido a um crescente entusiasmo que foi concretizado nasperegrinações e nas cruzadastambém o desenvolvimento económico das cidades permitiu o surgimento de novasobras realizadas e promovidas pelos artífices e mercadores das grandes cidades

3.1 A arquitectura

a arquitectura românica distingue-se das séculos anteriores pelo grande número deedificações realizadasestes edifícios não foram apenas mais numerosos mas também maiores, de estruturmais complexa e mais romanas dado que as naves eram cobertas com abóbadas em vezde vigamentos de madeira e as suas fachadas ostentavam decoração arquitectónica eaté esculturasos edifícios românicos apresentam-se distribuídos por todo o mundo católico desde oNorte de Espanha até à Renânia e deste a fronteira anglo-escocesa até à Itália Centralno entanto, a maior variedade de tipos regionais e de conceções mais audaciosasencontram-se em França

3.3.1 A França do Sudoeste

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Saint-Sernin de Toulose pertence a um conjunto de igrejas de peregrinação assimchamadas porque foram construídas ao longo das estradas que se dirigiam a Santiagode Compostelaa planta salta logo à vista pela sua maior complexidade :

forma uma cruz latina com o centro de gravidade na cabeceirafoi delineada em grandes dimensões não apenas para receber uma comunidademonástica mas também uma multidão de fiéisa cada lado da nave encontram-se as duas colaterais e as interiores prolongam-sepelo transepto e pela ábside formando um deamblatório o charola em torno doaltar-mora charola fora um elemento utilizado nas criptas mas que aparece agora acima dosolo e enriquecida com capelas absidais que parecem irradia da ábside (capelasradiantes)as colaterais de St Sernin têm abóbadas de aresta o que impõe um grande grau deregularidade ao conjunto pois são compostas por tramos quadrados que servem deunidade para outras áreas da plantano exterior temos ainda os vários níveis dos telhados, os contrafortes de apoio àsparedes, a molduragem decorativa das janelas e a grande torre lanternaa nave é impressionante pelas suas altas proporções , pela elaboração arquitecturaldas paredes e pela obscuridade da iluminação indirectaa sintaxe da arquitectura antiga romana (abóbadas, arcos, colunas embebidas epilastras fortemente ligadas) reaparece com todo o vigor, no entanto as forças pordetrás desta obras já não são físicas mas sim espirituaisabobadar o tecto da igreja não era apenas uma questão prática para evitar asconsequências dos incêndios mas era também uma forma de dar grandeza emajestade à casa do Senhor a altura e o peso da abóbada levaram a que o clerestório fosse sacrifica esubstituído por uma tribuna sobre as colaterais para anular o impulso lateral daabóbada das naves

3.1.2 A Borgonha e a França Ocidental

na Catedral de Autun temos uma forma mais elegante de resolver o problema do peso daabóbada: as tribunas foram substituídas por uma arcada cega (chamada trifório pelas 3aberturas por tramo) e janelas altas – surge assim um alçado com 3 parteso que tornou possível esta construção foi a abóbada de berço quebrado que produzia umempuxo mais para baixo do que para forapor uma questão de harmonia o arco quebrado aparece também nas arcadas da naveem Autun os limites do possível também foram atingidos dado que a parede da navemostra uma ligeira inclinação para o exterior sob o impulso da abóbada como umaadvertência contra as tentativas de aumentar a alturauma terceira solução aparece no Oeste de França em igrejas como St.Savin-sur-Gartempe nas quais a abóbada não tem arcos torais para que oferecesse umasuperfíeice lisa para pinturas a fresco o que leva a que o peso recaia sobre arcadas demajestosas colunas – a nave está muito bem iluminada graças às colaterais que seabrem quase à sua altura e possuem janelas largasas 3 naves estão cobertas por um telhado único e a fachada principal a Ocidente éenriquecida com relevos e estátuas como a de Notre-Dame-l-Grande em Poitiers com asarcaduras orladas abrigando grandes estátuas

3.1.3 A Normandia e a Inglaterra

na Normandia a fachada ocidental evoluiu de uma forma completamente diferentereduzindo a decoração ao mínimo como em St Étienne de Caen, e com 4 enormescontrafortes que dividem a frontaria em 3 secções prosseguindo o impulso vertical emduas esplêndidas torresa catedral de Durham começada em 1093 é a realização mais ambiciosa da arquitecturaanglo-normanda do século XI

de planta mais simples a largura da nave excede St Sernin e o comprimento totalcoloca-a entre as mais compridas do período medieval

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a abóbada da nave representa a primeira utilização sistemática de abóbadas dearesta com nervuras em naves de 3 andaresos tramos das colaterais são quase quadrados com abóbada de arestaos tramos oblongos da nave separados por fortes arcos torais apoiados em nervurasdesenham um duplo X dividindo os tramos em 7 secções em vez das quatrohabituaiscomo os tramos da nave são duas vezes mais longos que os das colaterais, os arcostorais caem nos pilares ímpares das arcadas que são maiores e de tipo compostoalternando com pilares menores de tipo cilíndricoas nervuras tornaram-se necessárias para dar uma armação sólida à abóbada dearestas para que as superfícies curvas pudessem ser preenchidas com alvenariacom uma espessura pequena para lhe diminuir o pesoa robustez dos pilares alternados faz um contraste interessante com os panos dasabóbadas que parecem velas de barco enfunadas numa iluminação a claro-escuro

voltando ao interior da igreja de St Etienne em Caen, parece que a nave foi projectadainicialmente com tribunas, clerestório e travejamento de madeira mas depois daexperiência de Durham a estrutura foi adaptada para receber as abóbadasos tramos da nave são quadrados fazendo ogivas em X único com uma nervurasuplementar transversal a produzir uma abóbada nervurada com 6 panosestas abóbadas sexpartidas já não exigem arcos torais tão espessos economizando nopeso da estrutura e permitindo uma maior continuidade com os pilaresa graciosidade desta composição começa a fazer lembrar as catedrais etéreas do gótico

3.1.4 A Lombardia

na Lombardia as cidades tinham adquirido grandeza e prosperidade e procuravamresolver os mesmos problemas das abóbadas de arestas nervadas mas agora tambémcom o contributo dos monumentos paleocristãos de Ravenaem S. Ambrogio de Milão encontramos estes elementos:

as fachadas de tijolo recordam a simplicidade geométrica das fachadas das igrejasde Ravenano atrium deparamos com a bela severidade das arcadas profundas da frontaria elogo atrás as duas torres sineiras construções independentes mas adossadas àsparedes da igrejaa maioria dos campaniles que aparecerão nas igrejas posteriores vão ser quadradosmantendo a tradição da torre sineira afastada da estrutura da igrejaa nave baixa e larga é formada por 4 tramos separados por grossos arcos toraisnão há transepto mas o último tramo da nave suporta uma torre lanternacomo em Caen ou Durham volta a ser usado o artifício dos pilares alternados mas asabóbadas são muito diferentes, feitas de tijolo e pedra miúda são muito maispesadas- as nervuras diagonais formam semicircunferências e a abóbada sobemuito acima dos arcos torais produzindo o efeito de uma cúpulao arquitecto poderia ter aberto um clerstório em vez da tribuna mas ao fazê-lo revelouuma preferência pelos espaços mais amplos dos templos paleocristãos em vez depreferir maior altura e iluminaçãona Lombardia a abóbada de aresta nervada manteve-se dentro da tradição nãochegando à fase proto-gótica

3.1.5 A Germânia

a arquitectura germânica mostrou-se igualmente conservadora mostrando a persistênciadas influências carolíngio-otonianasa catedral imperial de Espira tem uma westwerke e uma cabeceira monumental onde seintegram a torre-lanterna, a abside e duas torresos seus pormenores arquitectónicos provêm da Lombardia mas a sua altura é nórdica; anave mais alta e larga que a de Durham tem um amplo clerestório pois fora planeadapara uma cobertura de madeira mas no início do século XII foi dividida em tramosquadrados e coberta com pesadas abóbadas de aresta simplesa imponente cabeceira da catedral de Espira foi imitada em numerosas igrejas do Valedo Reno e dos Países Baixos

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na catedral de Tournai aparece em duplicado nos dois extremos do transepto compondoa maior concentração de torres do românico o que era já um traço constante das igrejasmedievais a norte dos Alpes desde a época de Carlos Magnoas torres tinham um valor não só decorativo e funcional mas também simbólicorepresentando o prestígio da igreja e da cidade

3.1.6 A Toscana

a mais famosa das torres deve o seu nome a um acidente por defeito do terreno em quefoi implantada ou dos alicerces: a torre inclinada de Pisaa torre pertencia a um conjunto que incluía a catedral e um baptistério redondo e decúpulaa Toscana manteve a plena consciência da sua herança clássica e por isso a planta dacatedral de Pisa assemelha-se às basílicas paleocristãs transformada em cruz latina peloacrescentamento de dois braços do transepto que parecem basílicas menores com assuas absides própriaso cruzeiro está marcado por uma torre lanterna de cúpula e o resto da igreja temvigamento de madeira com a excepção das colaterais que possuem abóbadas de arestao interior é um pouco mais elevado do que o das basílicas paleocristãs porque hátribunas e um clerestórioas esplêndidas colunas clássicas suportando as arcadas da nave evocam os edifíciosromanosa catedral de Pisa e os outros edifícios do conjunto estão cobertos de mármore brancocom embutidos de mármore verde-escuro formando bandas horizontais e motivosdecorativoso revestimento foi combinado com arcadas cegas e galerias que dá um efeito rico detextura e corem Florença a maior realização do românico foi o Baptistério fronteiro à catedral – é umimponente prisma octogonal de cúpula em pirâmide com as fachadas revestidas deplacas de mármore em severas linhas geométricas e arcadas cegas clássicas naproporção e nos pormenorestodo o edifício tem uma aparência tão romana que chegou a pensar-se que teria derivadode um templo de Marte

3.2 A escultura

o ressurgimento da escultura de pedra é mais assombroso que todas as inovaçõesarquitectónicas do românico porque os estilos carolíngio e otoniano não dão qualquerindicação nesse sentidoas estátuas de vulto redondo tinham desaparecido completamente no século V e osbaixos relevos perduraram apenas como ornamentos arquitecturais com a profundidadedo talhe reduzida a um mínimoa única tradução escultórica que permaneceu foi a da pequena escultura em reduzidosrelevos ou estatuetas de metal ou marfim

3.2.1 O sudoeste da França

no século XI a escultura de pedra monumental voltou a surgir em local desconhecidomas muito provavelmente no Sul de França ou Norte de Espanha, o que se relacionacom as peregrinações já que as esculturas eram muito mais dirigidas aos peregrinantesque aos membros das comunidades monásticaso rápido crescimento da escultura em pedra reflecte o aumento do fervor religioso masdécadas antes da primeira cruzadaSt Sernin tem vários exemplos importantes deste renascimento em especial na imagemdo Apóstolo

a figura foi feita para ser vista de longe como o confirma o seu volumesurge como uma figura representada a 3 dimensões com maior realismo que forammuito criticadas por S. Bernardo de Claravala solidez das formas dá-lhe um aspecto clássicoa solene frontalidade da figura e a sua colocação numa moldura arquitecturalleva-nos a considerar uma raíz bizantina

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outro centro importante da escultura românica foi Moissac ao norte de Toulouse emespecial o portal Sul da igreja ricamente trabalhado – as formas humanas e animais sãotratadas com incrível flexibilidade e a imagem do profeta revela ainda uma liberdade detratamento patente nas pernas cruzadas e na cabeça inclinada acentuadamente para ointerior da igrejanos fustes das colunas encontramos ainda outro tipo de iconografia com leõesentrançados que lembra a arte decorativa irlandesa ou os trabalhos persas de metal –estes elementos pretendiam no entanto representar as forças demoníacas que assimficam presaso portal é antecedido por um profundo narthex de paredes profusamente esculpidascujas figuras variam em proporções consoante o contexto arquitectónico determinandoque a maior importância é dada à vivacidade da narrativa e não há coerência dotratamento

3.2.2 A Borgonha

no tímpano da catedral de Autun encontra-se uma composição com o Cristo emmajestade coroando uma visão do Apocalipse ou do Juízo final, a cena mais aterradorada arte cristão tema foi tratado com singular força expressiva no tímpano de Autun procurando inspirara contrição aos fiéis que entravam na igrejao mais belo dos tímpanos românicos é talvez o de Ste Madeleine em Vézelay onde érepresentado o tema da Missão dos Apóstolos que tinha particular significado numperíodo de cruzadas visto que proclamava o dever de todo o cristão de levar o Evangelhoa todo o mundopara além das figuras que representam a cena encontramos também os representantesdo mundo pagão na arquivolta os signos do Zodíaco que simbolizavam aintemporalidade da fé cristã

3.2.3 O Românico Pleno na Provença e na Itália

a escultura dos portais de Moissac, Autun e Vézelay tem numerosas qualidade semcomum:

intensa expressãofantasia desenfreadanervosa agilidade de forma que deve mais às iluminuras e aos trabalhos de metal doque à tradição escultórica da Antiguidade

a influência dos monumentos clássicos é especialmente forte na Provença assim comona Itáliana igreja de St Gilles-du-Gard encontramos no portal central uma das obras-primas daescultura românica caracteristicamente clássico pela moldura arquitectónica com a ssuascolunas, e os acantos dos capitéisas duas grandes estátuas enquadradas talhadas em quase vulto redondo têm peso evolume e apresentam a mesma riqueza de pormenorestas duas estátuas aparentam-se com a do rei David na fachada da Catedral de Fidenzana Lombardia de Benedetto Antelami com uma forte personalidade que marca m estilopessoalo David encontra-se fisicamente livre dando indicações de que se procurou readquirir ocontrapposto clássico embora a moldura arquitectural seja imprescindível para oequilíbrio da figura, ela aparece sem a disciplina de uma série surgindo como umaimagem claramente autónoma

3.2.4 O vale do Mosa

o ressurgimento da individualidade artística não ficou limitado a Itália tendo aparecidotambém numa região do Norte, no vale do Mosasurge também associada à influência da arte antiga apesar de não ter dado origem aesculturas monumentais mas sim a um desenvolvimento d trabalho do metala esplêndida pia baptismal de Liège é a obra mais antiga do artista da região, Renier deHuy – repousa sobre 12 bois que representam os apóstolos e em vez da rude forçaexpressiva das portas de Bernardo características da arte otoniana, encontramos um

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harmonioso equilíbrio de traçado um domínio das superfícies esculpidas e umacompreensão da estrutura orgânica que numa linguagem medieval sãoextraordinariamente clássicos

3.2.5 A Germânia

a única estátua autónoma românica conhecida é a de um leão de bronze do DuqueHenrique da Saxónia que foi colocado em frente ao seu palácio de Brunsvique em 1166a fera lembra-nos a loba capitolina e os gomis de bronze com a forma de leões e outrosanimais que se começaram a usar na Missa a partir do século XII para o ritual dalavagem das mãos que por sua vez eram de inspiração oriental

3.3 A pintura

ao contrário da arquitectura e da escultura, a pintura românica não teve umdesenvolvimento súbito e revolucionárionos século XI e XII a pintura era uma arte importante mas demonstrava uma grandecontinuidade sobretudo nas iluminuras dos manuscritos

3.3.1 A França

a partir do no ano 1000 surge um novo estilo de pintura que tem as suas raízes nosdesenvolvimentos da escultura monumentala nova concepção é clara no Evangeliário de Corbie no Norte de França numa imagemde S. Marcos – o movimento rodopiante e retorcido das linhas que atinge a figura doevangelista e do leão alado lembram as iluminuras carolíngias da escola de Reimsno manuscrito de Corbie desapareceram todos os vestígios do ilusionismo clássico e emvez do modelado aparecem contornos firmes com cores densas e brilhantes reduzindoos aspectos tridimensionais a uma sequência de planos lisosa iluminura de Corbie pode ser facilmente transposta para uma parede, um vitral umatapeçaria ou um painel em relevo sem perder nenhuma das suas qualidades essenciaisa Tapeçaria de Bayeux é um outro exemplo da mesma forma de composição desta veznarrando a invasão da Inglaterra por Guilherme o Conquistador com o mesmo traço erealismo da iluminura de Corbie mas também juntando elementos decorativos comelementos da narração numa estrutura coerente e harmoniosaa nova pintura mural também apresenta a mesma característica de contornos firmes e deum poderoso sentido das formasna abóbada da nave de St Savin-sur-Gartempe aparece uma imagem da construção datorre de Babel que é uma composição intensamente dramática e cheia de vigor – oscontornos espessos e negros e a ênfase dos gestos tornam a pintura bem legível delonge

3.3.2 A região do canal

as mais belas composições da pintura românica surgiram nos scriptoria monásticos donorte da França, da Bélgica e da Inglaterra Meridionala iluminura de S. João do Evangeliário do Abade Wendricus é tanto atribuindo a Cambraicomo a Cantuária e para além dos traços lineares abstractos de Corbie, nota-se umainfluência bizantina sem perder o seu ritmo próprio assim como a fonte celto-germânicaas pregas da roupagem, os ramalhetes florais da moldura possuem uma vivacidadeimpulsiva e disciplinada que é um eco dos monstros entrelaçados do estilo animalistaenquanto a folhagem de acanto deriva dos elementos clássicos e as figuras humanas sebaseiam em modelos carolíngios e bizantinosnos meados do século XII teve origem uma importante mudança de estilo da pinturaromânica em ambos os lados da Mancha:

em vez de motivos abstractos encontramos linhas que recuperaram a capacidade dedescrever a tridimensionlidadeos panejamentos já não possuem uma feição ornamental ma sugerem o volumearredondado do corpo reaparecendo o interesse pelo escorço

a origem deste novo estilo poderá estar no trabalho dos metais já que tem um cunho masescultórico que pictural

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o seu principal especialista doi Nicholas de Verdun em cuja obra o estilo do desenhoclassicizante e tridimensional chega à lena maturidadea humanidade da arte de Verdun teve por fundo o interesse pelo homem e pelo mundonatural que despertara na Europa do Noroesteeste aspecto reflecte-se na poesia lírica que canta a alegria de viver assim como osCarmina Burana compostos no final do século XII e conservados num manuscritoiluminado do século XIIIé uma colecção dedicada aos deleites da natureza, do amor e da bebida iluminada comimagens inovadoras: num poema dedicado à Primavera encontramos uma paisagem queapesar dos elementos naturais serem abstractos estão dotados de uma estranhavivacidade que faz recordar os aspects essenciais da realidade

4 – A arte gótica

a arte gótica teve durações diferentes em regiões diferentes:em cerca de 1150 só existia na Ile-de-France junto a Parisum século depois já se tinha expandido à maior parte da Europa da Sicília à Islândiae mesmo no Próximo Oriente levado pelos cruzadosem 1450 a área do Gótico começa a diminuir em especial na Itáliaem meados do século XVI o gótico estava reduzido a quase nada

a arte gótica teve assim uma duração máxima de cerca de 400 anos em algumas regiõesenquanto noutras imperou apenas por cerca de 150 anosa nova arte começou pela arquitectura através das grandes catedrais mantendo o seulugar dominante; a escultura começou por ser apenas decorativa e isolou-se apenasentre 1220 e 1420; a pintura atingiu o seu apogeu entre 1300 e 1350na Itália Central e apartir de 1400 a norte dos Alpesinicialmente o gótico desenvolveu-se como um estilo único e dominante que eradesignado por opus modernum ou francigenum (trabalho moderno ou francês) mas nodecurso do século XIII começam a surgir as variantes regionais até 1400 quando surgeum Gótico Internacional extraordinariamente homogéneo mas rapidamente vaidesaparecer para dar lugar a um proto-renascentista em Itália

4.1 A arquitectura

4.1.1 A França

o estilo gótico nasceu sob a influência do Abade Suger entre 1137 e 1144 nareconstrução da abadia real de St Denisa autoridade do rei francês era constantemente minada pelos nobres e foi só com Luís VIque a monarquia francesa se começou a imporo abade Suger era consultor do monarca e com o objectivo de conferir à monarquia umadignidade régia preparou os planos para a reconstrução de St Denis que tinha um duplosignificado: era o santuário do Apóstolo da França e era o principal monumentocomemorativo da dinastia CarolíngiaSuger quis fazer da abadia o centro espiritual de França, uma abadia de peregrinaçãoque ofuscasse o esplendor de todas as outras e fosse o centro de todo o fervor religiosona planta encontramos elementos conhecidos de outras igrejas de peregrinação: acapela mor abisdial, com arcadas abertas para um deambulatório e capelas radiantesmas esses elementos forma integrados de uma forma nova, deixando as capelas dacharola de ser independentes e fundindo-se num segundo deambulatórioo conjunto foi coberto com abóbadas de nervuras quebradasa dupla charola não aparece como uma série de compartimentos mas sim como umespaço contínuo cuja configuração é sublinhada pela rede de esbeltos arcos, nervuras ecolunaso que distingue este interior é a leveza das formas arquitectónicas se comparadas com asolidez do românico e as janelas foram ampliadas para ocuparem toda a superfícieparietalo impulso das abóbadas é contido por pesados contrafortes no exterior salientes entre ascapelas deixando a impressão de leveza para interior e a sensação de robustez para oexterior

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nenhum dos elementos do traçado da igreja de St Denis é radicalmente novo: a planta dacabeceira de peregrinação, o arco quebrado, a abóbada de arestas com nervuras jáexistiam em várias escolas do Românico francês e anglo-normandohá dois aspectos que caracterizam o novo espírito presente em St Denis: a importânciadada ao traçado rigorosamente geométrico e a busca da luminosidade – interpretaçãosimbólica da luz e da harmonia numéricao desenvolvimento da arquitectura gótica também é considerado o resultado dosprogressos técnicos da engenharia que tornaram possível a construção de abóbadasmais eficientes e a concentração dos seus impulsos nalguns pontos críticos cabeceira de St Denis está projectada e construída mais racionalmente que qualquerdas igrejas precedenteso arco quebrado pode ser esticado a qualquer altura e tornou-se uma parte integrante daabóbada de nervuras que já não ficam limitadas aos tramos quadrados ganhando umaflexibilidade que lhes permite cobrir qualquer tipo de superfície poligonalo arquitecto responsável por St Denis tinha que ser simultaneamente um artistacompetente e sensível às ideias e instruções do Abade Sugero futuro da arquitectura gótica não estava nas construções monásticas apesar do seuinício mas sim nas igrejas das cidadeso vigoroso ressurgimento urbano do século XI evou a um aumento da importância doclero citadino passando as universidades e escolas catedrais a ocupar o lugar dosmosteiros como centros do sabera planta de eixo longitudinal bem acentuado é compacta e de forte unidade, a charola dacabeceira prolonga-se pelas colaterais e o curo transepto mal excede a largura dafachadaas grandes janelas do clerestório e a leveza das formas adelgaçadas criam uminconfundível estilo góticoem Notre-Dame de Paris os botaréus e os contrafortes não são visíveis de dentro daigreja aparecendo na planta como blocos de cantaria ladeando o edifício como fiadas dedentesa fachada de maior monumentalidade da igreja é a do Ocidente na qual notamos apersistência de alguns elementos: os contrafortes que reforçam os cunhais das torres edividem a fachada em 3 áreas, a colocação dos portais e o alçado de 3 andaresa fachad tem no entanto alguns pontos diferentes: nota-se a preocupação pela simetriatambém evidente na escultura não permitindo o crescimento espontâneo característicodo românico, arcadas rendilhadas, grandes portais e janelões dissolvem a continuidadedas paredes em cerca de 1145 o bispo de Chartres deu início à reconstrução da sua catedral sbo osmesmos princípios de Suger representando a primeira obra-prima do estilo gótico namaturidadeas tribunas foram reduzidas a uma estreita passagem aberta na espessura da paredeescondida pela arcada do trifório; as arcadas da nave são mais altas e estreitas emeias-colunas foram embebidas nas colunas de suportea magia do seu espaço interior deve-se em grande parte aos seus vitrais quesobreviveram até aos nossos dias que funcionam como filtros difusores modificando aqualidade da luz diurnao estilo gótico pleno culmina no interior da Catedral de Amiens onde a altura foi elevadaaté aos limites – a lógica interna do sistema afirma-se com vigor na configuração dasabóbadas tensas e delgadas como membranas e no alargamento da superfície ocupadapelas janelas altas nas quais ficou incluído o trifórioa mesma preocupação pela veticalidade e transparência nota-se na evolução da fachadada Catedral de Reims – os portais são projectados para fora, como alpendres coroadospor gabletes, com janelões acima das portas em vez de tímpanos; a galeria das estátuasrégias foi elevada até se fundir com a arcada superior e todos os detalhes se elevam eadelgaçam – uma floresta de pináculos acentua esse movimento para o altoas catedrais francesas góticas foram monumentos verdadeiramente nacionais queimplicaram grandes gastos de recursos e energias – à medida que nos vamosaproximando da segunda metade do século XIII sentimos um rrefecimento noentusiasmo construtivoem St Urbain de Troyes o fim do período gótico aproxima-se com a preocupação pelorequinte dos pormenores e pouca importância dada à monumentalidade

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a última fase do gótico arqitectónico é conhecido como gótico flamejante qu derica dosmotivos ondulantes, de curvas e contracurvas que predominam nos lavores da pedracomo em St Maclou de Ruãoalém destes edifícios religiosos as construções seculares reflectem as mesmastendências gerais mas sofrem desvios consoante as exigências dos trabalhos que vãodesde pontes e fortificações até palácios, celeiros e edifícios das comunas ou municípiosgeralmente o período de aproveitamento destes edifícios é menor assim como a suaduração sendo por isso muito limitado o número de edifícios seculares góticos quesobreviveram e os que se mantiveram são do final desse eríodo durante os século XIV eXVo Louvre em Paris é um exemplo eloquente: erigido em cerca de 1200 obedecia àsregras rígidas dos castelos da altura, sndo essencialmente uma robusta torre rodeadapor muralhas; em 1360 o rei Carlos V decidiu convertê-lo numa sumptuosa residênciareal disposta simetricamente em torno de um pátio quadrado tinha salas confortáveis ericamente decoradaso exterior do Louvre ainda possui algumas das características ameaçadoras de umafortaleza as fachadas viradas par ao pátio ostentava uma grande riqueza ornamental eescultóricao mesmo efeito acontece na casa de Jacques Coeur em Bruges construída na década de1440 – o pátio ladeado pelo conjunto dos telhados pontiagudos, pináculos e esculturasdecorativas lembra as formas da arquitectura religiosa flamejante

4.1.2 A Inglaterra

a arte gótica teve um acolhimento entusiástico em todo o Ocidente adaptando-se a umagrande variedade de condições locais e sendo adoptado mesmo como um estilo nacionalde cada uma das regiõesa rápida progressão do gótico deveu-se a um conjunto de factores:

a perícia dos arquitectos e escultores franceseso enorme prestígio intelectual dos centros franceses de ensino superiorinfluência da ordem monástica de Cister de S. Bernardo de Claraval

as igrejas das abadias cistercienses eram de um tipo diferente, severo e com umacabeceira rectangular em vez da dupla charolaapesar destes elementos diferentes foi dada muita importância à harmonia deproporçõesa Inglaterra mostrou-se particularmente receptiva ao novo estilo mas recebendo asinfluências directamente da Ile-de-France e do gótico de Cistera catedral de Salisbúria é muito diferente das suas homologas francesas: em vez dasólida aparência compacta e da verticalidade encontramos uma construção longa baixa edilatadaa fachada principal converteu-se numa parede rendilhada, grelha rendilhada maior doque o corpo da igreja e estratificada em bandas horizontais carregadas de ornamentaçãoe estatuáriaoutra característica peculiar é o encurvamento da abóbada da nave parecendo as janelasaltas encaixadas entre as abóbadaso gótico inglês não evoluiu no sentida da verticalidade como mostra a capela-mora daCatedral de Gloucester que se insere no chamado estilo perpendicular – a repetição dospequenos painéis rendilhados lembram as bandas de escultura de Salisbúriaas nervuras assumiram um papel totalmente novo multiplicando-se até formarem umreticulado ornamental que dissimula as separações dos tramos dando à abóbada aimpressão de uma superfície contínuao cúmulo do gótico flamejante foi atingido na abóbada de estalactites da capela deHenrique VII na abadia de Westminster construída no século XVI

4.1.3 A Alemanha

na Alemanha a arquitectura gótica alastrou mais devagar do que em Inglaterra e atémeados do século XIII ainda se notavam os persistentes traços otonianosa catedral de Colónia foi uma tentativa de evolução do sistema francês mas ficouicompleta até ao século XIX e não fez escola

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mais características da arquitectura gótica alemã foram as igrejas salão, as Hallenkirche– com a nave central e as colaterais à mesma altura – a capela de St Sebald deNuremberga é um dos melhores exemplos

4.1.4 A Itália

a arquitectura gótica em Itália evoluiu de uma forma totalmente diferente juntandoelementos mediterrânico e góticos embora a influência mais profunda tenha sido dasabadias cisterciensesuma das mais belas abadias é a de Fossanova consagrada em 1208 – a plantaassemelha-se a uma variação simplificada da de Salisbúria e o interior é semelhante atodas as abadias cistercienses da épocaas igrejas como a de Fossanova causaram grande impressão nos franciscanos uma novaordem que se desenvolvia em Itália e que assumiu o estilo de arquitectura cistercienseSanta Croce de Florença é uma das principais obras franciscanas embora tenha um tectod emadeira em vez das características abóbadas pra evocar a simplicidade das basílicaspaelocristãs – só tem traços góticos na capela-mor com abóbada de nervuras e nasparedes da nave com a leveza e a transparência das igrejas do Nortea Catedral de Florença foi elaborada com objectivos de monumentalidade que se reflectiamesmo na planta original de Arnolfo di Cambio com a sua cúpula octogonal contrafortadapor meias cúpulas, um sistema de origem tardo-romanaalém dos portais e janelas nada tem de gótico e as robustas paredes com embutidosgeométricos de mármore condizem com o baptistério em frentea abóbada de ogivas repousa directamente sobre as enormes arcadas fazendo realçar alargura em vez da altura e os pormenores arquitectónicos possuem uma solidez maciçade carácter mais românico que góticoa Catedral de Orvieto foi desenhada por Lorenzo Maitani e tem muitos elementosderivados das fachadas francesas e a sua leveza também é inconfundivelmente góticaos traços foram apostos numa fachada de tipo basilical como a do Duomo de Florençadando ao conjunto a impressão de ser de dimensões em menores do que o seu tamanhoreal – na fachada não existe um elemento dominante, antes todos se articulam para fazerum conjunto equilibrado que nos dá a vaga ideia de uma estrutura desmontávela maior igreja gótica de Itália é a Catedral de Milão iniciada em 1386 e apresenta-secomo um compromisso entre as tradições meridionais e setentrionais com umadecoração tardo-gótica excessiva e heterógeneaa arquitectura secular gótica é tão diferente das restantes como a religiosa como oPalazzo Vechion em Florença – edifícios como este semelhante a uma fortificaçãorevelam a constante luta de facções características das cidades-estado italianas e a altatorre não é apenas um símbolo de soberania mas também um posto de observaçãoVeneza era já uma cidade muito mais pacífica devido à próspera aristocracia mercantilque compunha sua elite – os palazzi venezianos livres das necessidades de defesa eramedifícios graciosos e com rica ornamentação como o Ca' d'Oro onde se regista um toquedo requinte oriental

4.2 A escultura

4.2.1 A França

apesar de se referir pouco à decoração, certamente que o abade Suger deu bastanteimportância a elaos 3 portais da fachada eram maiores e mais ricos de escultura do que os portais dasfachadas românicas mas infelizmente estão demasiado destruídos para seremanalisadosos portais da fachada de Chartres representa o mais antigo exemplo do Gótico inicial eimpressiona-nos com o seu sentido de ordenação – o amontoamento denso e omovimento frenético da escultura românica dão lugar a uma acentuada simetria e clarezao novo tratamento das ombreiras é particularmente revelador com altas estátuasadossadas nas colunas – primeiro passo para o ressurgimento das esculturas de vultoredondoas cabeças das estátuas já possuem a humana suavidade prenúncio da tendênciarealista da escultura gótica

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o gótico parece ser uma reacção contra os aspectos demoníacos do românicoas estátuas das ombreiras aparecem numa sequência contínua ligando os 3 portais erepresentando profetas, reis e rainhas da BíbliaCristo aparece entronizado sobre o portal principal como juíz e soberano universalladeado pelos símbolos dos 4 evangelistas quando catedral de Chartres foi reconstruída em 1195 os portais reais da fachadaocidental devem ter parecido pequenos e antiquados o que pode ter dado origem às duasnovas fachadas nos transeptos nas quais as colunas são eclipsadas pelas figuras comdosséis salientes e com socos primorosamente lavradosS. Teorodo já aparece à vontade numa posição que lembra o contrapposto clássico ecom um conjunto de detalhes cuidadosamente observados – a mais interessantequalidade não é o seu realismo mas sim a imagem serena e equilibrada – esta estátuaencerra em si as tradições do Vale do Mosao que dá um cunho gótico a estas esculturas é a ternura que impregna toda a cenao apogeu do classicismo gótco foi atingido em algumas estátuas da catedral de Reimssendo as mais famosas as do grupo da Visitação , embora as vastas obras tenhamlevado a utilização de artífices variados que elaboraram estátuas diferentemeio século depois todos os vestígios de classicismo tinham desaparecido da estatuáriagótica e a própria forma humana se torna estranhamente abstracta – Virgem de Paris daNotre Dame – recuo do realismoo realismo gótico nunca foi sistemático mas sim de pormenores concentrado em obras depequeno vulto como os Trabalhos dos Meses da fachada da catedral de Amiens

4.2.2 A Inglaterra

a difusão da escultura par além de França só tece lugar de pois de 1200 mas progrediuespantosamente depressa por exemplo em Inglaterraa maioria das obras foram destruídas mas sobrou o exemplo de um sarcófago quemostra o defunto não em plácido repouso mas na violência da acção – é o herói tombadoque se bate até ao último fôlego

4.2.3 A Alemanha

na Alemanha a evolução da escultura gótica é mais fácil de seguir mas mesmo a partir demeados do século XIII a Alemanha não conseguia rivalizar com a França – apesar dissoconseguiram dar uma maior liberdade de expressão e individualidade às suas obraso mestre de Naumburg foi um famoso artista cuja obra mais conhecida é a série debaixos relevos e estátuas que esculpiu na catedral de Naumburgo sofrimento de Cristo no Calvário é uma realidade humana devido ao acentuar do peso evolume do corpo – Maria e João apelam par ao contemplador transmitindo a sua dor comeloquênciaadossadas aos colunelos interiores da capela-mor encontramos as estátuas dos nobresque contribuíram para a construção da catedral – embora essas mulheres não fossem doseu tempo o artista deu a cada uma delas uma personalidade tão individual e marcadacomo se as tivesse retratado em vidano final do século XIII surgiram obras de devoção privada conhecidas como Andachtsbilde o seu tipo mais característico foi a Mater Dolorosa ou Pietà – o exemplo que temos éfeito em madeira e pintada com cores coloridaso realismo tornou-se um veículo de expressão com os rostos angustiados a feridasrasgadas, coágulos de sangue, corpos e membros esquálidos como bonecos

4.2.4 O estilo Internacional (Norte)

o apogeu desta corrente deu-se em cerca de 1400o seu representante máximo foi Claus Sluter um escultor de origem neerlandesatrabalhando par ao Duque de Borgonha em Dijono portal da Cartuxa de Champmol faz recordar a estatuária monumental mas as figurastornaram-se tão grandes que apagam o quadro arquitecturalas esculturas foram justapostas às pilastras e colunelos e não criada a partir delesas outras obras de Sluter são essencialmente alfaias litúrgicas associando a grandeescultura a elementos arquitecturais de escala reduzida

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a realização mais impressionante é o Poço de Moisés, um poço simbólico rodeado deestátuas incluindo a de Moisés que condensa as mesmas qualidades da Cartuxa:roupagens flexíveis envolvem o corpo como uma concha e as formas entumescidasparecem estender-se para o espaço circundante na estátua de Isaías o que ressalta são os pormenores e a individualidade da cabeçaque nos aparece como se fosse um retratoSluter deixou-nos ainda dois trabalhos representando as cabeças do duque e da duqesano portal da Cartuxa

4.2.5 Itália

as obras mais antigas foram provavelmente executadas nas regiões meridionais naApúlia e na Sicília pelas ordens do imperador germânico Frederico IIhá provas que preferia um estilo clássicoNicola Pisano veio da Itália Meridional para a Toscana e em 1260 terminou púlpito emármore do baptistério da Catedral de Pisa – a composição é tão clássica que apenas osarcos, os capitéis e as figuras de pé nos cantos indicam tratar-se de uma obra do períodogóticopassado meio século, o seu filho Giovanni Pisano também elaborou um púlpito muitosemelhante ao do seu pai – as figuras esbeltas lembram agora a arte da corte de Parisque se torna norma no gótico do século XIIIno Sul encontramos tendências escultóricas muito diferentes do Norte onde asdecorações se encontram nas estátuas das ombreiras e nos tímpanos – no Sulsobreviveram as tradições romanas das estátuas em nichos ou os pequenos baixosrelevos revestindo as paredesno campo do mobiliário eclesiástico a escultura italiana distinguiu-e como nos púlpitos,cancelas, relicários e sepulcrosmonumento a Can Grande della Scala o senhor de Verona – baldaquino abobadado sobo qual se encontra o sarcófago coroado por uma pirâmide truncada que é o pedestal deuma estátua equestre do defunto enverga armadura completa de espada na mão e comum rasgado sorriso de auto-confiança – franca glorificação do poder

4.2.6 O estilo Internacional (Sul)

no final do século XIV a Itália mostrou-se particularmente receptiva às influências de alémdos Alpes – tendência para um realismo mais acentuado e o interesse renovado pelopeso e volumeum dos mais ilustres representantes desta corrente é Lorenzo Ghiberti que na suajuventude deve ter estado em estreito contacto com Françaencontramo-lo em 1401 quando ganhou um concurso para realizar uma porta de bronzepara o baptistério de Florença e distinguiu-se pela perfeição do trabalho que reflecte asua prática como ourivesapesar da influência francesa nota-se no seu trabalho uma admiração pelas obrasclássicas mas também um novo sentido da proporção e da perspectiva

4.3 A pintura

4.3.1 A França

a pintura gótica desenvolveu-se com lentidão e essencialmente através dos vitrais queiluminavam o interior das igrejas com uma luz difusa e coloridao vitral ocupou por isso o lugar da iluminura em termos da pintura góticacomo as oficinas estavam ligadas às grandes catedrais, a influência da escultura foi cadavez maioro majestoso Habacuc da catedral de Burges está aparentado com as estátuas dosportais de Chartres e de Reimsa janela não é composta de grandes vidraças mas sim por centenas de pequenospedaços de vidro coloridos unidos através de tiras de chumbo – o artista pintava com ovidro deixando apenas os pormenores finos como os olhos, os cabelos ou os pragueadosda roupa pintados sobre o vidro

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para além das exigências da pintura sobre o vidro os artífices tiveram ainda que resolveroutro problema, o da escla já que por exemplo o janelão de Habacuc tem mais de 4metros de alturao traçado arquitectural gótico obedece a um sistema de relações geométricas e asmesmas regas podiam ser utilizadas para traçar uma composição num vitral ou até emfiguras isoladasos desenhos do arquitecto Villard de Honnecourt representam essa relação numa sériede esboços que utilizando círculos e triângulos representam as várias partes de cadaimagemo período de 1200 a 1250 pode ser considerado a Idade de Ouro do vitral e depois desseperíodo as encomendas de vitrais tornaram-se mais raras e a iluminura voltou a ganhar asua importânciaa mudança de estilo das iluminuras é evidente: sob um fundo bidimensional as figurasdestacam-se reveladas por um modelado discreto e hábil – as figuras apresentam aindatodos os indícios do estilo elegante criado na corte real com gestos graciosos, posiçõessinuosas, rostos sorridentes e cabelos cuidadosamente onduladosaté ao século XIII a produção de manuscritos estivera confinada aos scriptoria mas apouco e pouco vai-se transferindo para as oficinas urbanas organizadas por artistassecularesalguns membros desta arte são conhecidos como Honoré de Paris que pintou asilustrações do Livro de Horas de Filipe com o estilo a derivar do Saltério de S. Luís ms amoldura já não domina a composição, o modelado acentuou-se e as figuras tornam-semaiores o que cria um efeito de perspectiva espacial

4.3.2 A Itália

a pintura italiana no final do século XIII teve uma explosão de energia criativa tãoimportante como as catedrais francesasa Itália medieval foi profundamente influenciada pela civilização bizantina que manteveviva a tradição da pintura sobre madeira, do mosaico e da pintura a frescoesse estilo neo-bizantino era chamado de maniera greca e foi da sua combinação com oselementos góticos que surgiu o estilo revolucionário do qual Giotto foi o maior expoenteentre os pintores da maniera greca, Cimabue gozou de especial fama totalmentejustificada já que a Virgem no trono está ao nível dos melhores ícones bizantinosdistinguindo-se especialmente o rigor de traçado e expressão bem adaptados ao seutamanho enormeoutra Virgem no Trono pintada por Duccio de Siena demonstra o estilo regional já quetemos a doçura de Siena em destaque mas também a rapidez de evolução do estiloos panejamentos rígidos, angulosos deram origem a uma suavidade ondulante e oscorpos, faces e mãos começam a ganhar volume e tridimensionalidadeDuccio conseguiu ainda outra mudança revolucionária – no painel da Anunciaçãomostra-nos duas figuras dentro de um espaço arquitectónico, um efeito inédito já que osartistas anteriores tinham conseguido apenas colocar as decorações arquitecturais atrásdas figuras parecendo que se encontravam num teatro ao ar livreGiotto é um artista de tempera acentuadamente audaz e emotivainicialmente mostrou-se menos próximo da maneira grega herdando o sentido de escalamonumental de Cimabue o que fez dele mais um pintor de frescos do que de painéisDuccio e Giotto elaboraram o mesmo tipo de representação de Cristo entrando emJerusalém mas com efeitos diferentes:

Duccio enriqueceu o esquema tradicional com pormenores descritivos e criando umespaço específicoGiotto sujeitou o mesmo tema a uma ampliação radical com a acção adesenvolver-se paralelamente ao plano do quadro sendo que as cores suavesacentua a austeridade da obra de Giottoo quadro de Giotto faz-nos sentir mais perto da acção porque transmite a impressãode tomar parte no acontecimento e não só de observá-loisto deveu-se ao ponto de vista criado por Giotto que nos faz olhar para as figurascomo se estivéssemos ao mesmo nível enquanto na obra de Duccio estamos numplano superiorGiotto criou assim uma relação espacial entre o contemplador e o quadro

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a qualidade táctil de Giotto deve ter parecido aos seus contemporâneos um milagre e porisso o louvaram como igual aos pintores da Antiguidadeoutras obras de Giotto acentuam as suas qualidades como a Lamentção pela Morte deCristo:

o centro de gravidade está muito baixoas figuras dobradas transmitem o ambiente sombriooposição entre a rigidez das figuras e movimento agitado dos anjosa intensidade do drama é ainda realçada pela austera simplicidade do cenárioa árvore nua e desolada simboliza a Natureza que se associa à morte de Cristo

a arte de Giotto é tão original que as suas fontes são muito difíceis de determinar masencontramos dados que apontam para a pintura bizantina e par a escultura clássica masa maior influência é a de Nicola e Giovanni Pisanoa Virgem em Majestade também tem alguns elementos interessantes: a austeridadearquitectónica vem de Cimabue mas as figuras possuem o mesmo peso e volume dosfrescos da capela de Arena e o espaço pictural é convincente; nesta imagem nota-seainda o reaparecimento de imitações de pedras em tromp l'oeil que eram característicosda pintura Antiga a grandeza de Giotto inspirou uma nova geração de pintores como Simone Martini umdiscípulo de Duccioo apego à vida quotidiana surge também na obra dos irmãos Pietro e AmbrogioLorenzetti mas numa escala de maior monumentalidade – a superfície pictural adquire aqualidade de uma janela transparente através da qual temosa percepção do espaço daexperiência quotidianaos primeiros 40 anos do século XIV foram um período de estabilidade política eexpansão económica mas na década de 1340 Florença e Siena sofreram uma série decatástrofes como más colheitas, falências e a Peste Negraa reacção popular a esses acontecimentos foi variada pois enquanto muita gente osencarou como sinais da cólera divina, outros pensaram que o receio da morte os deviafazer gozar melhor a vidao fresco de Francesco Traini revelou quando foi recuperado os desenhos a vermelho queprecediam o trabalho de pintura chamados sinopie

4.3.3 O Gótico Setentrional

a influência da pintura italiana fez-se sentir a Norte dos Alpes durante a última metade doséculo XIVJean Pucelle adaptou o novo espaço pictural ao carácter especial da página que sepresta menos do que uma parede a assemelhar-se a uma janelasurgiram também droleries, fantasiosas composições marginais que foram um traçocaracterístico da iluminura gótica setentrionalo seu repertório abrange uma vasta gama de motivos como a fantasia, a fácula, o humorgrotesco e cenas da vida quotidiana misturam-se com temas religiososem meados do século XIV a influência italiana torna-se mais importante e em algunscasos foi transmitida por artistas italianos a trabalhar no Norte como Simone Martini

4.3.4 O Estilo Internacional

por volta de 1400 a fusão das tradições góticas e italiana fez surgir um estilodominanteem toda a Europa Ocidental e embora estes estilo não tivesse surgido apenas na pinturaos pintores desempenharam um papel decisivo na evolução estilísticaentre os artistas mais importantes encontra-se Melchior Broederlam um flamengo quetrabalhou na corte do duque de Borgonha em Dijon o painel que exemplifica o seu estilo possui duas pinturas causando uma sensaçãod eprofundidade muito forte devido ao subtil modelado com as formas suavementearredondadas, as sombras acentuadas e aveludadas criando uma atmosfera luminosa eaérea que compensa os defeitos de escala e perspectivaoutros artistas famosos do período são os irmãos Limbourg cuja obra mais importantesão as iluminuras das Très Riches Heures du Duc de Berryas páginas mais notáveis são as do calendário com representações minuciosas da vidado homem e da Natureza através das estações do ano

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alguns exemplos são as páginas de Fevereiro que representa a primeira paisagem deneve enquanto a página de Outubro representa o trabalho das sementeiras com umariqueza de pormenores em que se insere o contraste entre o pobre camponês e o castelodo seu senhorpor fim a página de Janeiro é uma das poucas cenas interiores que mostra o Duque deBerry num banquete sendo este perfeitamente reconhecível embora os seuscompanheiros careçam de personalidade pois apresentam-se como manequinsaristocráticos cuja beleza lembra a beleza dos modeloso maior pintor italiano do estilo Internacional foi Gentile da Fabriano e uma das suasobras mais importantes é o Nascimento de Jesusé uma obra notável pelo pormenor dos animais e dos rostos dos reis Magos querepresentam a sua procedência orientalesta obra tem ainda um tratamento da luz muito interessante já que orienta e domina oquadroa poética intimidade desta cena nocturna abre um mundo inteiro de novas possibilidadesartísticas