HSM-A-Toyota-e-as-Redes-de-Aprendizado.pdf

download HSM-A-Toyota-e-as-Redes-de-Aprendizado.pdf

of 7

description

HSM-A-Toyota-e-as-Redes-de-Aprendizado

Transcript of HSM-A-Toyota-e-as-Redes-de-Aprendizado.pdf

  • 164 www.hsmmanagement.com.br HSM Management 47 novembro-dezembro 2004

    Para montar seus veculos nos EUA, a montadora de automveis japonesa Toyota compra mais de 70% das peas de fornecedores norte-americanos, utiliza praticamente os mesmos fornecedores sempre e adquire quantidades menores do que as das concorrentes nacionais. Como ela cria vantagem competitiva?

    Outro dado: de 1965 a 1992, a empresa japonesa e seus fornecedores aumentaram sua produtividade em cerca de 700%, enquanto, no mesmo perodo, as montadoras norte-americanas e seus fornecedores conseguiram aumentos de produtividade de 250% e menos de 50%, respectivamente. O que explica tamanha diferena?

    Segundo este estudo de caso, a Toyota promove ativamente a transferncia de conhecimento para seus fornecedores, em vez de tentar proteger o que sabe. Para isso, ela estimula a reunio de seus fornecedores em associaes chamadas kyohokai (veja quadro na pgina 166) e desenvolve a infra-estrutura e os processos interorganizacionais redes necessrios.

    ESTRATGIA

    SINOPSE

    Acompanhe este estudo de caso da empresa japonesa, que compartilha conhecimentos valiosos com seus fornecedores organizados em kyohokai e, assim, ganha uma vantagem competitiva sustentvel. Por Jeffrey H. Dyer e Nile W. Hatch

    Em 2003, a Toyota registrou lucros superiores aos lucros somados de suas trs maio-res concorrentes. Num mundo de concorrncia acirrada, como a montadora conseguiu esse feito? Quando procuram responder a essa pergunta, muitos especialis-tas e pesquisadores em gesto de empresas negligenciam ou no compreendem a importncia das redes de compartilhamento do co-nhecimento. No h dvida de que a gesto do conhecimento tornou-se um tema fundamental. Mas como exatamente as empresas aprendem e por que algumas o fazem mais r-pido do que outras? O conhecimento precisa ultrapassar as fronteiras da organizao?

    A Toyota e as redes de aprendizado

    Jeffrey H. Dyer professor de estratgia internacional da Marriott School, da Brigham Young University, de Provo, Utah, EUA.

    Nile W. Hatch professor de estratgia da Marriott School.

  • 165www.hsmmanagement.com.brHSM Management 47 novembro-dezembro 2004

    reduo de 25% nos estoques e queda de 50% no nmero de peas defeituosas. Tais avanos no apenas permitiram Toyota ganhar uma vantagem competitiva signicativa no mercado, como tambm cobrar preos mais altos em troca da maior qualidade de seus veculos.

    A Toyota no est sozinha. Cada vez mais as empresas admitem que sua vantagem competitiva resulta

    da maneira como trabalham com seus parceiros. Mesmo a poderosa Microsoft precisa de parceiros em todo o mundo para adaptar e traduzir seus produtos para mer-cados to diferentes quanto os da China, do Chile e da Repblica Tcheca. Em ltima anlise, tanto a velocidade com que a Microsoft consegue colocar seus produtos no mercado como a qualidade de suas ofertas nesses pases dependem da qualidade de seu trabalho e do com-partilhamento do conhecimento com seus parceiros.

    Outras empresas, como Boeing, Harley-Davidson e Xilinx (fabrican-

    Muitas companhias continuam a manter certa distncia de seus fornecedores e a zelar bastante pelo conhecimento interno que acumularam. De forma bem oposta, a Toyota faz questo de acolher seus fornecedores e estimula o compar-tilhamento do conhecimento com eles, criando redes que facilitam a troca de informaes.

    Essa forma de agir ajudou os fornecedores a racionalizar suas operaes. Os resultados destes tm sido fantsticos se comparados com os obtidos em transaes pelas concorrentes da Toyota: aumento de 14% na produo por funcionrio,

    Ilust

    ra

    es: S

    any

  • 166 www.hsmmanagement.com.br HSM Management 47 novembro-dezembro 2004

    te de semicondutores de San Jose, Califrnia), j perceberam como importante compartilhar o conheci-mento com os parceiros e procuram fortalecer esse processo. Como diz o vice-presidente da Xilinx, Evert Wolsheimer: Acredito que, ao longo do tempo, nossas parcerias evoluiro de forma semelhante alcanada pela Toyota.

    O aprendizadoPara entender o que aconteceu

    na Toyota, zemos um estudo apro-fundado da montadora e de seus fornecedores. Descobrimos que a empresa desenvolveu uma infra-estrutura e uma srie de processos interorganizacionais que facilitam a transferncia de conhecimentos explcitos e tcitos para sua rede de fornecedores.

    Os processos explcitos so aqueles que podem ser passados facilmente, como fatos e proposies axiomticas. Os tcitos, mais com-plicados de decodicar, costumam envolver o aprendizado na prtica, e so, portanto, mais complexos e difceis de imitar.

    Conduzidos pelo departamento de compras e pela diviso de con-

    Os detalhes do funcionamen-to da kyohokai revelam os vrios mecanismos utilizados para trocar informaes. A associao de for-necedores realiza reunies gerais (bimestrais) e especcas (mensais ou bimestrais). As reunies gerais permitem o compartilhamento em alto nvel do conhecimento relativo a planos de produo, polticas, ten-dncias de mercado etc., dentro da rede de fornecedores. As reunies especcas proporcionam interaes mais freqentes em quatro reas especcas custos, qualidade, se-gurana e atividades sociais.

    Para exemplicar, o comit de qualidade escolhe um tema para o ano e faz reunies cada dois meses para compartilhar o conhecimento a ele associado. Esse comit tambm se encarrega de diversas atividades, entre elas o treinamento bsico para mais de cem engenheiros todos os anos, visitas a fbricas reconhecidas por suas melhores prticas dentro e fora do setor automobilstico, reunio anual sobre gesto da qua-lidade para discutir com mais pro-fundidade os casos de melhorias da qualidade nos fornecedores sele-cionados por uma comisso criada para esse m. Essas iniciativas, ao lado das de outros comits, pro-porcionam um frum para o com-partilhamento de conhecimentos valiosos e ajudam a desenvolver os relacionamentos entre os fornece-dores participantes.

    Criao de grupos de consultoria e de soluo de problemas. J em meados dos anos 60, a Toyota do Japo comeou a usar consultores especializados para prestar assistn-cia a seus fornecedores. A empresa criou a diviso OMCD com o objeti-vo de adquirir, armazenar e difun-dir conhecimentos valiosos sobre produo. A OMCD formada por seis altos executivos bastante expe-rientes (cada um responsvel por duas fbricas e cerca de dez forne-cedores) e cerca de 50 consultores. Quinze a 20 desses consultores so membros permanentes da OMCD e os demais so prossionais mais

    sultoria em gesto de operaes da empresa (conhecida internamente como OMCD, sigla em ingls), trs processos so chave para a transfe-rncia de conhecimento: o estmulo associao de fornecedores, a criao de grupos de consultoria e a formao de equipes de aprendizado voluntrio (veja quadro abaixo).

    Estmulo associao de forne-cedores. Em 1989, a Toyota reuniu seus fornecedores norte-americanos em uma associao, a Bluegrass Au-tomotive Manufacturers Association (Bama), que seguia o modelo utili-zado no Japo (chamado kyohokai). O objetivo inicial era transformar a associao em um frum regular, no qual a Toyota compartilhasse informaes e obtivesse feedback de seus fornecedores. A liao Bama era voluntria, mas, gradualmente, espalhou-se pelo pas a idia de que era vantajoso associar-se. Segundo o gerente-geral de planejamento de compras da Toyota, Chris Nielsen: No sabamos se havia possibilidade de sucesso nos Estados Unidos... Antes da Bama, os executivos dos fornecedores e das montadoras no achavam muito natural trocar informaes, mas isso mudou.

    Como a Toyota facilita o aprendizado de seus fornecedores

    A Toyota utiliza trs processos interorganizacionais associao de forne-cedores, grupos de consultoria e equipes de aprendizado para facilitar a transferncia do conhecimento em sua rede de fornecedores.

    TOYOTA

    Associaes de fornecedores

    Compartilhamento de informaes gerais, inclusive as polticas da Toyota e as melhores prticas de ampla aplicao.

    Grupos de consultoria

    Assistncia intensiva no local por especialistas da Toyota.

    Workshops e seminrios.

    Equipes de aprendizado

    Compartilhamento de know-how no local usando grupos de 6 a 12 fornecedores.

  • 167www.hsmmanagement.com.brHSM Management 47 novembro-dezembro 2004

    jovens em busca do crescimento rpido na carreira.

    Esses jovens aprofundam seu conhecimento do Sistema Toyota de Produo (STP) durante os trs a cinco anos que permanecem na OMCD. A Toyota coloca esses espe-cialistas internos para trabalhar nos fornecedores, s vezes por meses a o, para ajudar as empresas a resolver os problemas durante a implementao do STP. Curiosamen-te, a Toyota no cobra pelo tempo de trabalho de seus consultores e coloca a OMCD como um recurso disposio de todos os funcionrios do grupo.

    Em 1992, a Toyota criou a ver-so norte-americana da OMCD. O grupo TSSC (antigo Toyota Supplier Support Center) tem mais de 20 consultores atualmente. Como a OMCD, o TSSC exige que os forne-cedores participantes compartilhem os resultados de seus projetos com outros fornecedores. Essa poltica permite que todos conheam os fornecedores com as melhores prticas que implementaram ele-mentos do STP com sucesso e os incentiva a abrir suas operaes aos demais participantes. Essa prtica crucial porque aumenta enor-memente as possibilidades de um fornecedor conseguir reproduzir com sucesso o know-how adquirido por outros fornecedores. As empre-sas podem, entretanto, proibir os visitantes de entrar em certas reas de suas fbricas para as quais a Toyota no prestou qualquer tipo de assistncia para proteger algum conhecimento j patenteado.

    At o momento, as transferncias de know-how do STP tm sido difceis e demoradas. Embora a meta seja implant-las em seis meses, nenhum projeto nos EUA foi concludo em menos de oito meses e muitos demo-raram at um ano e meio. Precisa-se

    de muito tempo e enorme grau de compromisso para implementar o Sistema Toyota de Produo, diz o gerente-geral do TSSC, Hajime Ohba. Em muitos casos, preciso uma mudana cultural e organiza-cional completa. Vrias empresas norte-americanas possuem sistemas de gesto que impedem as mudanas necessrias.

    Vejamos o caso da Summit Polymers, fabricante de peas plsticas para uso interno e uma das principais fbricas norte-america-nas a utilizar o TSSC. Na fase inicial, a Toyota enviou de dois a quatro consultores fbrica todos os dias durante o perodo de trs a quatro meses, e continuou a fornecer um suporte contnuo empresa por mais de cinco anos. Os resultados foram impressionantes. Na mdia, o TSSC ajudou a Summit a aumentar sua produtividade em 123% (em pro-duo por funcionrio) e a reduzir seu estoque em 74%.

    No caso da Continental Metal Specialty (CMS), fabricante de estampagens em metal, o processo de consultoria comeou quando a Toyota enviou seu pessoal para ensi-nar o STP aos funcionrios da CMS. Em seguida, as duas empresas avalia-ram juntas o processo de produo da CMS para identicar as etapas e sinalizar quais agregavam valor e

    quais no. Das 30 etapas, quatro agre-gavam: recorte, forjamento, solda e pintura. O sistema de produo da CMS foi ento recongurado para eliminar o maior nmero possvel de etapas que no agregavam valor. Com o tempo, a CMS eliminou 19 etapas que no agregavam valor e conseguiu diminuir o tempo de preparao das mquinas de duas horas para 12 minutos. Alm disso, os estoques de muitas peas foram reduzidos para praticamente um dcimo dos nveis anteriores.

    importante ressaltar que a Toyota no exige descontos ime-diatos de preo ou parte das eco-nomias resultantes das melhorias. Os fornecedores desfrutam todos os benefcios iniciais, ao contrrio da prtica comum da General Motors, que exige um desconto nos preos assim que presta assistncia a um fornecedor.

    claro que a Toyota acaba em-bolsando parte das economias como resultado das revises anuais de preos que faz em conjunto com os fornecedores. Entretanto, ela toma todas as medidas para manter as atividades que criam valor separadas daquelas que apropriam valor. Por exemplo, ela vem utilizando regu-larmente o sistema de preo-alvo, pelo qual informa aos fornecedores os preos que considera justos para determinadas peas durante a vigncia de um contrato. Isso motiva os fornecedores a reduzir continuamente os custos para ter lucros mais altos.

    Formao de equipes de aprendi-zado voluntrio. Em 1977, a OMCD reuniu mais de 50 de seus fornece-dores-chave no Japo em grupos voluntrios de estudo (chamados jishuken) para que trabalhassem juntos visando melhorar a produtivi-dade e a qualidade. Com a ajuda de um consultor da OMCD, as equipes deniram um tema e passaram trs meses analisando os problemas das fbricas de todos os fornece-dores. O jishuken um mecanismo moderno de compartilhamento do conhecimento. Seus membros

    A TOYOTA ENVIOU CONSULTORES FORNECEDORA SUMMIT POLYMERS TODOS OS DIAS POR QUATRO MESES E LHE DEU SUPORTE POR MAIS DE CINCO ANOS. A PRODUTIVIDADE SUBIU 123%

  • 168 www.hsmmanagement.com.br HSM Management 47 novembro-dezembro 2004

    Como prova disso, depois da visita do grupo de PDA a nossa fbrica, zemos mais de 70 mudanas em nossas clulas de produo.

    As transferncias do conhe-cimento tcito pelos grupos de PDA so ecazes porque implicam aprendizado dentro do contexto apropriado. O gerente da fbrica da Kojima Press Industry, fornecedora de peas para carrocerias, nos deu um exemplo: No ano passado, re-duzimos nossos custos de pintura em 30%. Isso foi possvel simplesmente porque, aproveitando uma sugesto, baixamos a presso da pistola de pintura e ajustamos a trajetria do borrifo, o que nos permitiu gastar menos tinta.

    A evoluo da rede de troca de conhecimento

    As estruturas bem-sucedidas e os relacionamentos de colaborao en-tre os trs processos de compartilha-mento do conhecimento citados no surgiram do nada. A Toyota criou essas instituies na mesma ordem no Japo e nos Estados Unidos. Sua inteno era, primeiramente, criar

    ligaes tnues e no-ameaado-ras que pudessem, mais tarde, ser transformadas em relacionamentos slidos e conveis. Com a evoluo dessas estruturas e o amadurecimen-to dos relacionamentos, os processos transformaram-se em veculos da identidade compartilhada para os fornecedores da Toyota.

    Na fase inicial da rede Toyota nos Estados Unidos (basicamente de 1989 a 1992), a estrutura da rede no passava de uma srie de ligaes entre duas partes, sendo que a Toyo-ta era responsvel pelos subsdios pesados s atividades (veja quadro abaixo). A ajuda da Toyota era feita de duas formas: nanceira (verbas para as reunies de planejamento e organizao) e conhecimentos.

    Era importante para a Toyota subsidiar as atividades de comparti-lhamento do conhecimento desde o incio, porque isso motivava os mem-bros da rede. A associao de forne-cedores foi o veculo que estabeleceu os vnculos com os fornecedores e transferiu o conhecimento explci-to. No estgio inicial, as conexes entre os fornecedores eram fracas e havia vrios gargalos, porque muitos fornecedores no tinham ligaes diretas entre si. As empresas eram incentivadas a participar da associa-o de fornecedores basicamente para demonstrar seu compromisso com a Toyota. Esperavam, tambm, ser recompensadas mais tarde com maior quantidade de pedidos. Nesse ponto, a rede estava apenas come-ando a desenvolver sua identidade, e os fornecedores ainda no haviam percebido claramente as vantagens dos objetivos compartilhados com os outros participantes.

    A Toyota comeou a fortalecer gradualmente o relacionamento bilateral com os fornecedores en-viando consultores que promoviam a transferncia do conhecimento ao menor custo possvel. A participao dos fornecedores na rede tornou-se mais ativa, no apenas para demonstrar seu compromisso, mas tambm para aprender. Enquanto a associao de fornecedores facilitava

    aprendem em grupo, explorando novas idias e outras aplicaes do STP. Na etapa seguinte, a equipe transfere todas as lies que valham a pena para a Toyota e sua rede de fornecedores.

    Em 1994, a Toyota introduziu o conceito de jishuken nos EUA esta-belecendo trs grupos de PDA (do ingls plant development activity, que signica atividade para desenvolvi-mento da fbrica) com funcionrios de 40 fornecedores. Como na asso-ciao de fornecedores, a liao ao grupo era voluntria. No primeiro ano, o principal tema foi a melho-ria da qualidade, porque, como disse Chris Nielsen, todo mundo acredita que capaz de melhorar a qualidade. Os membros das PDAs precisaram denir um espao na fbrica onde fariam experincias de implantao de determinados conceitos.

    Nossas entrevistas com gerentes de fbrica dos EUA revelaram o valor dos projetos de PDA. Segundo um deles: Aprendemos muito quando trazemos um novo olhar para a f-brica. Realizamos muitas melhorias.

    A evoluo da rede de compartilhamento do conhecimento da Toyota

    Durante os estgios iniciais da rede de compartilhamento do conhe-cimento, a Toyota estabelece relaes bilaterais com os fornecedores (esquerda). Nesse momento, a rede de fornecedores assemelha-se ao centro de uma roda (Toyota) com muitos raios. Mais tarde, os fornecedores comeam a formar ligaes entre si em sub-redes separadas (direita). Essas relaes multilaterais facilitam bastante o uxo do conhecimento, de forma que os participantes podem aprender com muito maior rapidez que os fornecedores rivais, no-participantes.

    TOYOTA

    Incio Maturidade

    TOYOTA

    Fornecedores Fornecedores

  • 169www.hsmmanagement.com.brHSM Management 47 novembro-dezembro 2004

    a transferncia do conhecimento explcito, as visitas dos consultores eram ecazes em promover a trans-ferncia do conhecimento tcito, cujo valor bem maior. Os consul-tores tambm tiveram o mrito de criar um clima de reciprocidade: os fornecedores comearam a se sentir em dvida com a Toyota pelo com-partilhamento de um conhecimento que melhorara signicativamente suas operaes.

    Na fase nal, as equipes de PDA desenvolveram e fortaleceram as ligaes multilaterais entre os for-necedores e facilitaram o compar-tilhamento do conhecimento tcito entre eles. Hoje os fornecedores tm duas motivaes bsicas para participar da rede.

    Em primeiro lugar, passaram a acreditar que importante para eles, como fornecedores da Toyota, manter o ritmo. Tm conscincia de que o potencial de gerao de lucro como resultado de aumento na pro-dutividade declina constantemente. Sabem tambm que competem com seus concorrentes na corrida pelo aprendizado, porque a Toyota escolhe seus fornecedores com base em suas melhorias de desempenho relativas. Isso estimula os fornecedo-res a aprender e melhorar o mais rapidamente possvel.

    Em segundo lugar, hoje os for-necedores se identicam profun-damente com a rede e se sentem obrigados a agir da mesma maneira no que tange troca de informaes para poder compartilhar o conheci-mento com os outros participantes mais livremente. Isso fortalece as ligaes multilaterais entre os for-necedores e cria sub-redes para o compartilhamento do conhecimento dentro do sistema mais amplo.

    Nesse estgio de maturidade, surgem vrios caminhos para trans-ferir o conhecimento, e o volume

    de conhecimento tcito transferido (em comparao com a fase inicial, em que praticamente no havia transferncia) substancial.

    As vantagens competitivasPara montar seus veculos nos

    EUA, hoje a Toyota compra mais de 70% das peas de empresas norte-americanas. O resultado que, dife-rentemente das montadoras locais, ela utiliza cada vez mais os mesmos fornecedores, o que levanta uma questo interessante: como a Toyota consegue uma vantagem competitiva usando esses fornecedores? A teoria econmica tradicional sugere que a nica maneira pagar o menor preo possvel por pea, e isso s possvel para quem dispe de poder de negociao relativamente maior. Nos EUA, entretanto, a Toyota com-pra em quantidades menores do que suas concorrentes nacionais, o que a coloca em desvantagem. Mas conseguiu superar essa decincia e conquistou vantagens competitivas ao transferir aos fornecedores nor-te-americanos o conhecimento e a tecnologia que levam ao aumento da produtividade nas operaes dedicadas a suas necessidades. O resultado de nossa anlise esclare-ceu os motivos para o sucesso da Toyota.

    Comparada com as trs gran-des montadoras norte-americanas (General Motors, Ford e Daim-lerChrysler), a Toyota se engajou em um nmero signicativamente maior de atividades de compartilha-mento do conhecimento com seus fornecedores. Os gerentes de fbrica entrevistados foram unnimes ao armar que a Toyota oferecia uma assistncia mais valiosa do que a dada por seus principais clientes norte-americanos, a despeito de seu volume de encomendas ser 50% mais baixo, na mdia.

    O nvel mais alto de comparti-lhamento do conhecimento teve um efeito substancial. Em relao s peas que os fornecedores produzi-ram para a Toyota de 1990 a 1996, a quantidade de peas defeituosas (por milho) caiu 84% em mdia, contra 46% das fabricadas para Ge-neral Motors, Ford e DaimlerChrys-ler. Igualmente, os fornecedores de mdio porte reduziram seus estoques (como porcentagem das vendas) em 35% em suas operaes dedicadas Toyota, contra apenas 6% das feitas com as trs montadoras norte-ameri-canas. Os fornecedores aumentaram a produtividade de sua mo-de-obra (vendas por funcionrio direto) em 36% nas operaes com a Toyota, contra apenas 1% das operaes com as trs norte-americanas.

    Continuando a comparao, em 1996, as clulas de produo dedicadas Toyota conseguiram aumentar sua produo por funcio-nrio em 10%, reduzir os estoques em 25% e baixar o nmero de peas defeituosas em 50%. Esses resultados impressionam ainda mais porque, na mesma poca, os fornecedores esta-vam produzindo peas semelhantes para um cliente norte-americano na mesma fbrica!

    Como sustentar as vantagensSe conseguiram alcanar essas

    melhorias to significativas por compartilhar o conhecimento com a Toyota, por que os fornecedores no utilizaram o know-how adquirido para atender outros clientes? Na verdade,

    A QUANTIDADE DE PEAS DEFEITUOSAS POR MILHO PRODUZIDAS PARA A TOYOTA CAIU 84% ENTRE 1990 E 1996, CONTRA 46% DAS FABRICADAS PARA GM, FORD E DAIMLERCHRYSLER

  • 170 www.hsmmanagement.com.br HSM Management 47 novembro-dezembro 2004

    dos fornecedores norte-americanos que entraram em nosso estudo, um tero informou que transferira o conhecimento adquirido s clu-las de produo dedicadas a seus maiores clientes nos EUA. Os dois teros restantes, todavia, no. Muitos gerentes de fbrica informaram que, mesmo que quisessem faz-lo, no conseguiriam porque havia dois tipos de barreira: restries das redes e processos internos rgidos.

    Restries das redes. Os gerentes de fbrica relataram que, em alguns casos, no conseguiram transferir o conhecimento em funo de deter-minadas polticas dos clientes ou de outras restries. Por exemplo, as trs montadoras locais solicitaram a um fornecedor que utilizasse conti-neres grandes, enquanto a Toyota trabalhava com contineres com menores. Isso impedia o fornecedor de reproduzir os processos apren-didos com a Toyota.

    Processos internos rgidos. Os fornecedores tinham muito me-nos oportunidade de transferir o conhecimento da Toyota para as trs grandes montadoras norte-americanas porque as clulas de produo utilizadas para atend-las tinham alto nvel de automao ou grande investimento de capital em equipamentos pesados. Essa rigidez

    nos processos internos aumentava os custos de transferncia do co-nhecimento.

    Outros fatores. H outros fatores que podem impedir a transferncia do conhecimento para as clulas de produo dedicadas s concorrentes da Toyota. Vrios gerentes de fbrica nem ousam solicitar uma grande mudana de um cliente norte-ameri-cano, porque sabem que o processo de aprovao demorado e difcil. Alm do mais, alteraes signica-tivas em uma clula de produo geralmente exigem paradas relati-vamente longas, o que no agrada aos clientes.

    Em resumo, aplicar o know-how adquirido de um cliente em outro pode ser extremamente difcil, principalmente porque o conhe-cimento depende basicamente do contexto.

    O resultadoOs benefcios em cascata do

    compartilhamento do conhecimento podem ser substanciais. Ao transferir seu know-how para os fornecedores, a Toyota os ajudou a melhorar signi-cativamente o desempenho deles e, por tabela, o seu prprio.

    Os preos dos veculos Toyota, em relao aos carros norte-ameri-canos da mesma classe, costumam

    ser em mdia 9,7% mais altos no caso de carros novos e 17,6% no dos usados. A melhor qualidade um dos principais motivos por que a Toyota pode cobrar mais: entre 1990 e 2000, os veculos da Toyota apresentavam 40% menos proble-mas (por cem veculos) do que os fabricados pelas montadoras dos EUA. O custo total das atividades de compartilhamento do conhecimento que contriburam para isso est na faixa de US$ 50 milhes a US$ 100 milhes, tanto nos EUA como no Japo. Essa quantia pode parecer muito alta, mas relativamente baixa para uma empresa que vale US$ 100 bilhes, e certamente um investimento vitorioso, que mais do que se pagou em lucros mais altos para a Toyota.

    A experincia da Toyota sugere que as vantagens competitivas po-dem ser criadas e sustentadas por meio dos processos superiores de compartilhamento do conhecimen-to em uma rede de fornecedores. Acreditamos que esses princpios tenham uma aplicao mais am-pla. Eles podem ser empregados, por exemplo, em outros tipos de redes de alianas, inclusive as que se formam entre parceiros de uma joint-venture.

    Na verdade, o estabelecimento de processos interorganizacionais ecazes de compartilhamento do conhecimento com fornecedores e parceiros pode ser crucial para qualquer empresa que pretenda se manter frente de suas con-correntes. Como observa um alto executivo da Toyota: No estamos preocupados se nosso conhecimento vazar para as concorrentes. Parte dele certamente vazar. Mas, quando isso acontecer, j estaremos em outra situao. Somos um alvo mvel.

    De fato, a capacidade de aprendi-zado dinmico da Toyota, possibili-tada pela rede de compartilhamento do conhecimento, pode vir a se tor-nar sua nica vantagem competitiva verdadeiramente sustentvel.

    MIT Sloan Management Review

    Saiba mais sobre esta pesquisa

    H muito a Toyota atingiu a excelncia na tarefa de transferir o conhecimento que faz crescer a produtividade de sua rede de forne-cedores. De 1965 a 1992, por exemplo, a montadora e seus fornecedores aumentaram sua produtividade em cerca de 700%. Por outro lado, durante esse mesmo perodo, as montadoras norte-americanas e os fornecedores destas conseguiram aumentos de produtividade de 250% e de menos de 50%, respectivamente.

    Para analisar os mecanismos que a Toyota e seus fornecedores utilizaram com tanto sucesso para compartilhar o conhecimento, os autores deste ar-

    tigo zeram um estudo abrangente. Gravaram mais de cem horas de en-trevistas com mais de 30 fornecedores da Toyota do Japo e dos Estados Unidos e entrevistaram dezenas de altos executivos.

    O estudo analisou como a Toyota transferia o conhecimento para seus fornecedores e a maneira pela qual ela conseguia explorar o potencial do conhecimento existente no ambiente externo. Foram avaliadas tambm as formas pelas quais esse sistema de compartilhamento do conhecimento criara uma vantagem competitiva e lucros superiores para a Toyota e para seus fornecedores.