Humberto Ávila - Segurança Juridica - Entre permanênca, mudança e realização no direito...

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  • 666 SEGURANA JURDICA

    A compreenso do Direito como um objeto previamente dado, e cuja existncia totalmente independente das atividades concernentes sua aplicao, conduziu ao exame da segurana jurdica pelo vis quase exclusivo da exigncia da determinao das hipteses nonnativas, da qual consectria a idolatria do assim denominado princpio da tipicida-de fechada no Direito Tributrio. Tal entendimento, no entanto, restrin-giu a discusso da segurana jurdica a fatores sem dvida importantes, mas unicamente ligados estrutura da linguagem, dos quais decorreram no apenas interminveis discusses a respeito da sua determinao, como tambm, de modo refletido, incansveis debates sobre a sua inca-pacidade de fornec-la.

    Essa percepo da segurana jurdica, centrada na determinao normativa, deve, assim, ceder passo a um entendimento fundado na controlabilidade semntico-argumentativa. Nesse modo de compreen-der, ela deixa de ser propriedade do Direito, para ser algo a ser buscado no Direito, mediante processos de legitimao, de determinao, de argumentao e de fundamentao normativas, capazes de enfrentar os problemas ontologicamente inerentes ao Direito - problemas de prova, de qualificao, de interpretao e de relevncia. Mais do que um Di-reito seguro, tem-se um direito segurana jurdica, no como algo presenteado pelos dispositivos normativos - como se fora unicamente um objeto a ser meramente desvelado por meio de mtodo discursivo circunscrito descrio da linguagem -, mas como algo a ser buscado por meio de um mtodo metadiscursivo destinado organizao e estruturao da experincia concernente ao uso da linguagem. A segu-rana jurdica, nessa perspectiva, deixa de ser garantia de contedo a ser encontrada por meio de fatores exclusivamente lingsticos para se transformar em garantia de respeito a ser construda por intermdio de elementos semntico-argumentativos.

    precisamente nessa novel significao que a segurana jurdica revela-se, com mais clareza, como instrumento de realizao dos valores de liberdade, de igualdade e de dignidade: de liberdade, porque quanto maior for o acesso material e intelectual do cidado-contribuinte relati-vamente s nonnas a que deve obedecer, e quanto maior for a sua estabi-lidade, tanto maiores sero as suas condies de conceber o seu presente e de planejar o seu fturo; de igualdade, porque quanto mais gerais e abstratas forem as nomrns, e mais unifonnemente elas forem aplicadas, tanto maior ser o tratamento isonmico do cidado-contribuinte; de dignidade, porque quanto mais acessveis e estveis forem as normas, e mais justificadamente elas forem aplicadas, com tanto mais intensidade

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    se estar tratando o cidado-contribuinte como um ser capaz de se au-todefinir autonomamente, quer pelo respeito presente da sua autonomia exercida no passado, quer pela considerao futura da sua autonomia praticada no presente. No mbito do Direito Tributrio, tal compreenso evidencia a segurana jurdica como instrumento imprescindvel de rea-lizao dos princpios de liberdade, especialmente de liberdade de exer-ccio de atividade econmica, assim como de igualdade e de dignidade humana. O princpio da segurana jurdica , desse modo, o princpio da respeitabilidade do contribuinte como cidado.

    A segurana jurdica, nessa ressignificao, no se consuma, em linha reta, em um ponto, mas, obliquamente, em um espectro de gradual realizao. Essa gradualidade, contudo, no uniforme, nem unidire-cional: o ideal maior (segurana jurdica) a soma de ideais parciais ( cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade normativas). Esses ideais parciais podem interagir na mesma direo bem como em direes diversas, de tal modo que, por exemplo, a proteo da segurana sob um vis (como busca de confiabilidade por meio da estabilidade dos atos nonnativos) provoque perda de segurana sob outra perspectiva (como busca de calculabilidade por meio da vinculatividade dos atos normati-vos). Cada um dos ideais parciais, preciso dizer, pode ser analisado sob diferentes perspectivas. Por exemplo, pode-se analisar a inteligibilidade do ordenamento jurdico para a sociedade em geral ou para os opera-dores do Direito; relativamente ao passado, ao presente ou ao futuro; e assim sucessivamente. Nesse sentido, cada ideal parcial precisa de uma anlise mdia dos subelementos que internamente se relacionam.

    A segurana jurdica, consequentemente, sempre o resultado de uma anlise de vrios fatores, sob mais de uma perspectiva. No se trata, por assim dizer, de um princpio que determine a realizao de um esta-do uniforme, mas, sim, no-uniforme, cabendo ao intrprete, primeiro, dissecar esses elementos e, segundo, dimension-los para, por fim, veri-ficar a promoo ou no do seu conjunto, em maior medida. A falta des-sa investigao facilmente permite que, em nome da segurana jurdica, seja causado o seu oposto: a insegurana jurdica. Da se ter afirmado, do incio ao fim deste estudo, e reafirmar-se agora, que a segurana jurdica ou inteira, ou no segurana: cabe ao aplicador, primeiro, examinar cada um dos elementos das suas vrias dimenses para, depois, verificar se eles esto sendo mais promovidos do que restringidos.

    Essas consideraes evidenciam que o princpio da segurana jur-dica s superficialmente mero princpio formal, em sentido pejorativo, desatrelado de princpios materiais fundamentais. Na verdade, ele

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    pressuposto normativo para a eficcia da ordem de princpios, especial-mente daqueles que dizem respeito ao desenvolvimento do ser humano como ser autnomo e racional. O princpio da segurana jurdicafimda a validade e instrumentaliza a eficcia das outras normas jurdicas. Ele , por essa razo, a norma das normas - a sua condio estrutural. Essas funes, de fundamento e de instrumentalizao, todavia, no apenas fazem referncia a aspectos estticos das normas, mas tambm a aspec-tos dinmicos, esses relativos tanto transio do passado ao presente, e do presente ao futuro, quanto - e isto decisivo - transio do nvel abstrato ao nvel concreto de aplicao do Direito.

    Na sua exigncia de cognoscibilidade, o princpio da segurana jur-dica visa a servir de instrumento de orientao do contribuinte, de modo a impedir que este, pautando a sua ao no Direito, venha a enganar-se com relao ao que faz. No seu ideal de confiabilidade, ele se destina a garantir a estabilidade do Direito e das suas concretizaes, preservando o passado no presente e evitando que o contribuinte seja.frustrado com referncia ao que fez. E no seu objetivo de calculabilidade, ele favorece a continuidade do Direito, resguardando o futuro no presente, e impedin-do que o contribuinte seja surpreendido com relao ao que est fazen-do. O princpio da segurana jurdica, portanto, ao se destinar a arredar o engano, a frustrao e a surpresa, corporifica o ideal de respeitabilidade do contribuinte. Esse ideal, no entanto, s se realiza com inteligibilidade, lealdade e suavidade da atuao estatal. O conjunto desses ideais mate-rializa, a seu turno, um ideal maior de moderao estatal. O princpio da segurana jurdica exige, consequentemente, a respeitabilidade da ao do contribuinte por meio da moderao estatal.

    No basta, contudo, que o contribuinte seja respeitado: preciso que ele possa ver-se sendo respeitado e atuar argumentativamente nessa respeitabilidade. Nesse aspecto, o princpio da segurana jurdica ultra-passa a sua funo essencial de garantir respeito pela ao individual para, pari passu, revelar-se como instrumento da respeitabilidade da argumentao utilizada pelo cidado para enfrentar problemas de prova, de qualificao, de interpretao e de relevncia dos elementos relativos sua ao. Desse modo, fica claro que o princpio da segurana jurdico--tributria o princpio da respeitabilidade da ao e da argumentao do cidado-contribuinte. Ele exige, assim, a transparente respeitabilida-de da ao do contribuinte, e da argumentao que lhe concernente, por meio da moderao estatal. Essa moderao, por sua vez, requer o tratamento do contribuinte como um ser humano racional, livre e aut-nomo. Isso demanda, pois, que o contribuinte seja tratado como cidado.

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    S assim ele poder, juridicamente orientado, conceber o seu presente e plasmar o seu futuro. O princpio da segurana jurdica , por assim dizer, a face jurdica da dignidade humana, que, ao exigir a visibilidade da respeitosa transio do passado ao presente, e do presente ao futuro, impede que o Direito se volte contra quem nele confiou e que com a sua contribuio agiu. Ele estabelece, assim, as condies, temporais e aplicativas, de funcionamento do Direito, sem as quais este ltimo no respeita o contribuinte como ser humano e como cidado e, por isso, deixa de ser instrumento de civilidade no trato e de decncia na atuao. Pode-se afirmar, por consequncia, que o princpio da segurana jurdi-ca fixa as condies aplicativo-temporais do funcionamento humano e civilmente comprometido do Direito Tributrio.

    Conjugando-se as consideraes anteriores, pode-se definir, sinteti-camente, o princpio da segurana jurdica como o princpio que, sobre fundar a validade e instrumentalizar a eficcia das normas jurdicas, exige a transparente respeitabilidade da ao do cidado-contribuinte, e da argumentao que lhe concernente, por meio da moderao estatal.

    Esta obra chegou a vrias concluses capazes de demonstrar as funes, no-ombreadas por outros princpios, que a segurana jurdico--tributria desempenha no ordenamento jurdico. Especific-las todas, uma a uma, seria uma injustificvel demasia. Por isso s cabe, neste momento, sumarizar algumas concluses gerais, cuja importncia trans-cende os meros aspectos pontuais j especificados ao longo deste texto.

    1.1 A segurana jurdica, na sua acepo nonnativa preponderante, norma-princpio, pois estabelece um estado de coisas que deve ser buscado mediante a adoo de condutas que produzam efeitos que con-tribuam para a sua promoo gradual. A sua aplicao exige o cotejo de uma norma (princpio da segurana jurdica) com outra norma (n01ma legal, administrativa ou judicial), residindo o seu carter distintivo na interposio de uma norma entre a norma superior e a realidade ftica: ao contrrio de um princpio material, que exige a correlao entre os efeitos de um comportamento e o estado de coisas que ele determina realizar, o princpio da segurana jurdica exige a correlao entre os efeitos de uma norma e o estado de coisas cuja realizao ele estabe-lece.

    1.2 A acepo nmmativa prevalente da segurana jurdica, aqui sa-lientada, no exclui a existncia de outras dimenses normativas, porta-doras de diversas funes eficaciais. Nesse sentido, a segurana jurdica, alm de um princpio jurdico, pode manifestar-se como um princpio

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    concretizado legislativamente em regra, como o caso tanto da regra que probe a retroatividade tributria quanto da regra que protege o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada; um principio concretizado jurisprudencialmente em regra, de que so exemplos as normas individuais editadas por decises judiciais que versam sobre a proteo da confiana legtima ou sobre a intangibilidade de situaes individuais em razo do longo transcurso do tempo; uma metanorma de interpretao e aplicao de outras normas, como o caso da regra que probe a aplicao de analogia no mbito do Direito Tributrio; um direito subjetivo decorrente da aplicao reflexiva do prprio principio da segurana jurdica, como so os direitos individuais garantidos pelo Poder Judicirio com base no denominado princpio da proteo da confiana.

    2.1 O contedo do princpio da segurana jurdica no tem como ser analisado seno por meio ele uma perspectiva analitica capaz de reduzir a ambiguidade e a vagueza dos seus elementos constitutivos e ele indicar os seus vrios aspectos: o material (segurana jurdica em que sentido?), o objetivo (segurana jurdica do qu?), o subjetivo (segurana jurdica para quem, na viso de quem e por quem?), o temporal (segurana jur-dica quando?), o quantitativo (segurana jurdica em que medida?) e o justificativo (segurana jurdica para que e por qu?). Cada um desses aspectos carece, internamente, de uma srie de questionamentos, cujo conjunto, ao final, ir indicar quais so os sentidos possveis de segu-rana j ur

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    3.2 O exame do ordenamento jurdico indispensvel no apenas para demonstrar que a segurana jurdica no possui idntico contedo em todos os pases, como tambm para evidenciar que, no mbito do Direito Tributrio, ela tem uma densidade igualmente diversa - mais protetiva do contribuinte e garantidora do respeito pelo exerccio dos seus direitos fundamentais, como ressaltam as normas constitucionais que instituem "limitaes ao poder de tributar" ou preveem "garantias asseguradas aos contribuintes".

    4.1 A anlise da superestrutura constitucional revela que a CF/88 no apenas uma Constituio que protege a segurana jurdica mas tambm uma Constituio que consubstancia a prpria segurana jurdi-ca: por ser mais uma Constituio regulatria do que principiolgica, ela insiste em estabelecer quais so as autoridades competentes, quais so os atos a serem editados, quais so os contedos a serem regulados, quais so os procedimentos a serem seguidos, quais so as matrias a serem tratadas, favorecendo, com essas prescries, os ideais de cognoscibili-dade, de confiabilidade e de calculabilidade normativas.

    4.2 Tais ideais se revelam ainda com maior nitidez e protetividade no Sistema Tributrio Nacional, que engloba um conjunto de nonnas destinado a prever quais so os tributos que podem ser institudos (im-postos, taxas, contribuies de melhoria, emprstimos compulsrios, contribuies sociais, de interveno e de fiscalizao profissional), como devem ser cobrados (por meio de lei e com previso em leis com-plementares dos elementos essenciais dos impostos constitucionalmente discriminados), quando podem ser exigidos (a pa1iir do exerccio se-guinte ou de noventa dias aps a edio da lei instituidora, sempre sobre fatos ocorridos aps essa edio) e em que medida podem restringir os direitos fundamentais dos contribuintes (nunca aqum nem alm do ne-cessrio sua eficcia).

    5.1 O exame da estrutura constitucional demonstra que a segurana jurdica princpio positivo inequvoco da CF/88, j que esta ltima a protege diretamente, ao "assegurar a segurana" como "direito" e como "valor" ou ao regrar a sua eficcia reflexiva por meio da proteo do direito adquirido, do ato jurdico perfeito e da coisa julgada, e, indire-tamente, ao prever comportamentos cuja adoo promove os ideais de calculabi!idade e de confiabilidade que compem a segurana jurdica ou ao estabelecer ideais, amplos, restritos ou especficos, cuja realizao pressupe ou implica a existncia desses mesmos ideais; revela que a

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    CF/88 no apenas garante a segurana jurdica, como ainda a protege em vrias das suas dimenses, isto , como segurana do Direito, pelo Direito, frente ao Direito, dos direitos e como um direito; indica que a CF /88 no s protege a segurana jurdica em todas as suas manifesta-es como tambm o faz, atribuindo-lhe elevada importncia no ordena-mento constitucional, pelo modo como a segurana jurdica garantida pelo todo e pelas pmies do ordenamento constitucional, pela insistncia com que a CF/88 a protege, pela independncia dos seus fundamentos e pela eficcia reciproca desses mesmos fundamentos; denota, por fim, que a CF/88 protege a segurana jurdica em favor do cidado e frente ao Estado.

    5.2 A anlise da estrutura do Sistema Tributrio revela, com clareza, que as n01mas tributrias - princpios e regras - protegem, insistente-mente, os ideais que compem a segurana jurdica: ao prever o conceito de tributo, as espcies tributrias, as regras de competncia tributria, as limitaes ao poder de tributar, as fontes do Direito Tributrio e ao instituir alguns princpios, como os princpios da isonomia e da transpa-rncia fiscal, a Constituio estabelece o que pode e o que no pode ser tributado bem como o modo como dever ser configurada a tributao, privilegiando, com isso, o ideal de cognoscibilidade do Direito Tribu-trio, pela acessibilidade, abrangncia e clareza das suas normas; ao proibir a retroatividade tributria e ao assegurar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada, a Constituio prescreve quando a tributao poder produzir efeitos, instituindo, desse modo, o ideal de confiabilidade do Direito Tributrio, pela permanncia do ordenamento jurdico e pela intangibilidade de determinadas situaes nele anterior-mente fundadas; ao estabelecer a regra da anterioridade tributria, o princpio da isonomia em matria tributria e os princpios processuais aplicveis aos procedimentos e aos processos tributrios, de que so exemplo os princpios do devido processo legal e da durao razovel do processo, a Constituio permite que o contribuinte possa antecipar e medir as consequncias que sero atribudas aos seus atos e aos atos da Administrao, favorecendo, desse modo, o ideal de calculabilidade do Direito Tributrio, pela anterioridade e continuidade do ordenamento jurdico.

    6.1 Essa conotao protetiva da segurana jurdica, embora no ne-cessariamente individualista, d-se pela forma e pelo contedo dos seus fundamentos: pela forma, visto que os fundamentos consubstanciam direitos e garantias individuais, com significado defensivo, princpios

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    administrativos, com sentido restritivo do exerccio arbitrrio do poder, e princpios estruturantes, com conotao igualmente limitativa do poder e protetiva dos direitos individuais;pelo contedo, j que os fundamentos, como previso de comportamentos ou de ideais, implicam ou pressu-pem a segurana em favor dos direitos de liberdade e de dignidade dos cidados-contribuintes.

    6.2 No Direito Tributrio, a referida conotao protetiva da segu-rana jurdica reforada igualmente pela forma e pelo contedo das normas constantes do Sistema Tributrio: pela forma, porque as normas constitucionais utilizam as expresses "limitaes ao poder de tributar" e "garantias asseguradas aos contribuintes", com conotao visivelmente garantidora dos direitos individuais dos contribuintes frente ao poder de tributar; pelo contedo, tendo em vista os j referidos ideais de cog-noscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade normativas que as n01mas tributrias direta ou indiretamente protegem.

    7.1 A palavra "segurana" na CF/88 qualifica-se como segurana jurdica, porque o art. 1 institui um Estado Democrtico de Direito destinado a "assegurar a segurana corno valor", referindo-se a um ob-jetivo social que ultrapassa a dimenso meramente psicolgica ou fsica; porque o art. 5, ao garantir o "direito segurana" ao lado do direito liberdade, igualdade e propriedade - que so qualificados corno valo-res sociais objetivos, e no meramente estados psicolgicos individuais --, conduz proteo da segurana de modo paralelo garantia desses outros valores; porque, entre os direitos fundamentais catalogados pelos incisos do art. 5, h vrios relativos quer segurana fsica e individual (proteo ela residncia e garantia do habeas corpus contra restries abusivas da liberdade), quer s exteriorizaes especficas da liberdade (liberdade ele manifestao do pensamento, de conscincia e de crena, de expresso intelectual, artstica, cientfica e de comunicao ou ele associao para fins lcitos), o que pressupe a amplitude maior ela pre-viso do caput elo mencionado artigo.

    7.2 No mbito elo Direito Tributrio, o carterjurdico ela segurana fica ainda mais lmpido, especialmente porque no Sistema Tributrio a Constituio enfatiza aspectos ligados qualidade elo Direito (pelas regras de competncia e pelas regras ele legalidade, ele anterioridade e de irretroatividade) e aos modos de proteo de direitos (pelas garantias "asseguradas aos contribuintes" e pelos princpios processuais aplicveis matria tributria, corno so os princpios do devido processo legal e

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    da durao razovel do processo, sem prejuzo de outras garantias mais especficas, como a do mandado de segurana).

    8.1 O aspecto material da segurana jurdica, relativo ao termo "segurana", denota um estado de cognoscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade: de cognoscibilidade, em vez de determinao, em razo da indeterminao congnita da linguagem e da dependncia do Direito a critrios e argumentos indispensveis ao processo necess-rio sua determinao e concretizao; de conjiabilidade, em vez de imutabilidade, visto que a CF/88, a par de prever clusulas ptreas, que tornam mais difcil a mudana, mas pressupem a sua possibilidade, tambm prev o princpio do Estado Social de Direito, o qual exige que o Estado cumpra a sua funo planificadora e indutora da sociedade, realizando mudanas sociais, especialmente por meio da distribuio da riqueza; de calculabilidade, em vez de previsibilidade (absoluta), porque, apesar de a CF/88 conter urna srie de regras destinadas a permitir urna antecipao da ao estatal, corno so os casos das regras da legalidade e de anterioridade, a natureza do Direito, vertido este em linguagem indeterminada e dependente de processos argumentativos para a reconstruo de sentidos, impede a existncia de univocidade semntica dos seus enunciados.

    8.2 Esses estados ideais de cognoscibilidade, de confiabilidade e de calculabilidade normativas tambm so visveis no mbito do Di-reito Tributrio: de cognoscibi/idade, no lugar de determinao, pelas mesmas razes ligadas linguagem, mas tambm por razes referentes prpria realidade que as espcies tributrias visam a regular, algumas das quais, como as contribuies de interveno no domnio econmico ou mesmo determinadas taxas, incapazes, pela realidade que visam a regular, de atingir o mesmo grau de determinao na sua concretizao quando confrontadas com outras espcies tributrias tradicionais, como os impostos; de confiabilidade, em vez de imutabilidade, visto que o Sistema Tributrio, ao prever a irretroatividade tributria e ao abrir o subsistema tributrio a outras garantias, dentre as quais se situam aquelas que protegem o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julga-da, pressupe a possibilidade de modificao do ordenamento jurdico, desde que obedecendo a determinados limites e a determinadas regras de transio; de calculabilidade, em substituio previsibilidade (absolu-ta), porque o referido Sistema, precisamente porque limita a mudana, pressupe que ela seja feita, com a condio de que o contribuinte no seja nem surpreendido nem enganado.

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    9.1 A indicao desses estados ideais, ao contrrio dos ideais de determinao, de imutabilidade e de previsibilidade, revela que a con-cepo de segurana jurdica segue uma concepo de Direito que inter-medeia as concepes objetivistas e argumentativas: o Direito no nem um objeto previamente dado, cujo contedo dependa, exclusivamente, de atividades cognoscitivas reveladoras de sentidos predeterminados, nem uma atividade cuja realizao deriva, unicamente, de estruturas ar-gumentativas a serem reveladas apenas no posterior processo decisional, mas sim uma composio entre atividades semnticas e argumentativas - a atividade do operador do Direito parte de reconstrues de signifi-cados normativos por meio de regras de argumentao, porm tem a sua aplicao dependente de postulados hermenuticos e aplicativos reveladores de elementos normativos e fticos, de modo que a seguran-a jurdica deixa de ser uma mera exigncia de predeterminao para consubstanciar um dever de controlabilidade racional e argumentativa.

    9.2 Tal compreenso tem elevada importncia no Direito Tribu-trio, notadamente para demonstrar que a segurana jurdica, nesse mbito nonuativo, no pode ser identificada com a (nem exaurida pela) exigncia de determinao das hipteses normativas, doutrinariamente identificada com o denominado princpio da tipicidade cerrada, devendo, em vez disso, abranger outros elementos ligados no apenas clareza e inteligibilidade das nonuas tributrias, mas, igualmente, sua aplicao uniforme e no-arbitrria nos procedimentos e nos processos tributrios. Essa novel e mais ampla percepo da segurana jurdica no campo do Direito Tributrio no elimina a importncia de aspectos ligados de-terminao da nom1a (segurana de contedo); ela contribui, no entanto, para agregar a esses aspectos outros que so igualmente importantes para a viso integral da segurana jurdico-tributria, corno o caso daqueles concernentes existncia, vigncia e eficcia das normas tributrias (segurana de existncia, de vigncia e de eficcia), mudana das nor-mas tributrias no tempo (segurana de transio), aplicao das nor-mas tributrias por meio de procedimentos administrativos ou processos administrativos ou judiciais (segurana de realizao), continuidade de regimes jurdico-tributrios (segurana rtmica) e ao prprio tempo de resoluo de litgios envolvendo matria tributria (segurana de definio). Somente a conjugao equilibrada de todas essas fases que permite a plena eficcia da segurana jurdico-tributria.

    10.1 Quanto ao aspecto material, referente palavra "jurdica", a Constituio indica a possibilidade de vrios significados, dependendo

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    da perspectiva adotada: segurana do Direito, porque, ao instituir as re-gras da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade, ela estabeleceu condies para que o prprio Direito se tome seguro, mediante a clareza dos seus enunciados e a antecipao das suas normas, e, ao prever os princpios da moralidade e da publicidade, erigiu a fundamentao e a publicao como requisitos de validade das normas jurdicas; pelo Direito, porque, ao instituir, no seu art. P, um Estado Democrtico, destinado a "assegurar a segurana como valor", ela estabelece que o Direito deve servir de instrumento assecuratrio da segurana;frente ao Direito, j que a atuao estatal, que s pode se dar por meio do exerc-cio de poderes previstos em regras de competncia e por meio das fontes e dos procedimentos previstos pelo Direito, no pode atingir direitos que o particular tenha adquirido ou assegurado confonne ao Direito; de direitos, j que as protees, pelo art. 5, XXXVI, do direito adquirido, do ato jurdico perfeito e da coisa julgada traduzem a eficcia reflexiva do princpio da segurana jurdica, orientada a determinado sujeito e a determinado caso concreto, garantindo o exerccio de determinados direitos; como um direito, porquanto a eficcia reflexiva do princpio objetivo da segurana jurdica faz surgir, para determinado sujeito, o direito a determinado compo1iamento estatal sem o qual os estados ele cognoscibiliclade, de confiabiliclacle e ele calculabilidac\e no se concreti-zam minimamente; no Direito, tendo em vista que a segurana jurdica, tal como foi defendida nesta obra, no possui o seu ncleo na exigncia de conhecimento ele contedos total e previamente c\eterminac\os, mas sim na controlabilidade de estruturas argumentativas exigidas na recons-truo e na aplicao de sentidos ftico-normativos.

    10.2 Esses vrios significados tambm se reproduzem no mbito do Direito Tributrio, pois h normas que privilegiam a segurana do Direi-to, por verterem sobre a qualidade que as normas tributrias devem pos-suir ou sobre os efeitos que elas podem produzir (regras de legalidade, de anterioridade e de irretroatividade); normas que enfatizam a seguran-a pelo Direito, por assegurarem direitos aos contribuintes (regras que protegem o direito adquirido, o ato jurdico perfeito, a coisa julgada ou que preveem a isonomia tributria, inclusive pelo critrio da capacidade econmica) ou garantirem procedimentos ou processos destinados a pro-teger os direitos cios contribuintes (regras que estabelecem as garantias da ampla defesa e do contraditrio, o uso do mandado de segurana e do habeas data); normas tributrias que atentam para a segurana frente ao Direito, por estabelecerem competncias, autoridades, procedimentos ou fontes necessrios ao exerccio do poder de tributar (regras de competn-

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    eia, regras de legalidade, de anterioridade e de irretroatividade, regra que probe a utilizao de tributo com efeito de confisco); normas tributrias que estabelecem uma segurana de direitos, por serem denominadas de "garantias", de que so exemplo as garantias do direito adquirido, do ato jurdico perfeito e da coisa julgada, mas tambm por institurem critrios gerais para a configurao da tributao de acordo com manifestaes relativas aos contribuintes (princpios da isonomia e da capacidade con-tributiva, regra que determina o respeito aos direitos fundamentais e s garantias dos contribuintes); normas tributrias que preveem a segurana como um direito, na medida em que atestam a sua orientao protetiva do contribuinte em face do exerccio do poder de tributar pelo Estado (limitaes ao poder de tributar e direitos fundamentais individuais). Do mesmo modo, todas essas acepes, quando conjugadas em uma pers-pectiva unitria baseada, por sua vez, em uma concepo semntico-ar-gumentativa do Direito, demonstram que a segurana jurdico-tributria no deve ser buscada apenas no contedo prvio e abstratos das normas, mas no prprio processo de realizao do Direito Tributrio.

    11.1 Quanto ao aspecto objetivo da segurana jurdica, ela revela a segurana do ordenamento, porque vrios princpios, como o caso do Estado de Direito ou do Estado Social de Direito, dizem respeito ao conjunto do ordenamento jurdico e no a uma manifestao particular sua; de uma norma tanto geral, porque vrias regras impem condies de validade para a criao normativa, como o caso da regra tributria de proibio de retroatividade, quanto individual, porque vrias regras protegem situaes individuais garantidas por sentena ou por ato admi-nistrativo, como o caso da regra que protege o ato jurdico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido; de um comportamento, notadamente estatal, tendo em vista que a CF /88, alm ele instituir os princpios da publicidade e da moralidade, ainda contm uma srie de regras, procedi-mentais e materiais, que favorecem o conhecimento e a fundamentao da atividade estatal.

    11.2 Tal amplitude tambm revelada no mbito do Direito Tri-butrio, dada a existncia de normas que protegem a segurana do ordenamento e da sua aplicao, como o caso elas regras de legalida-de, de anterioridade e de irretroatividade, e elas regras e dos princpios atinentes aos procedimentos e aos processos tributrios; de uma norma geral, como o caso das regras relativas s fontes do Direito Tributrio, especialmente a regra constitucional de reserva ele lei complementar para a instituio de normas gerais; de uma norma individual, de que so

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    exemplo as garantias da coisa julgada e do direito adquirido; de um com-portamento estatal, tendo em vista os princpios que regulam a atuao estatal, como so os casos dos princpios da moralidade, da pessoalidade e da transparncia estatal, inclusive fiscal.

    12.1 Quanto ao aspecto subjetivo referente ao(s) sujeito(s) que a deve(m) garantir, devem os Poderes Legislativo, Executivo e Judicirio assegur-la: o Poder Legislativo, porque a CF/88 contm regras sobre a instituio de nonnas, como o caso das regras de legalidade, de an-terioridade e de irretroatividade, impondo a esse Poder o dever de criar obrigaes por meio de lei formal, de prever fatos destinados a ocorrer aps determinado perodo e de alcanar situaes ocorridas apenas aps a edio das leis; o Poder Executivo, porque a CF/88 estabelece nom1as concernentes aplicao uniforme da legislao, como o caso do prin-cpio da igualdade, e obedincia das regras estabelecidas pelo Poder Legislativo, como exemplifica a regra da legalidade; o Poder Judicirio, tendo em vista que a CF/88, a par de exigir a instituio de regras a se-rem uniformemente aplicadas, contm uma srie de regras destinadas fundamentao e publicidade da atividade judicial.

    12.2 Essa amplitude do aspecto subjetivo da segurana jurdica igualmente se evidencia no campo do Direito Tributrio, j que tambm nesse ramo ela dever ser assegurada pelos trs Poderes: pelo Poder Legislativo, porque o Sistema Tributrio contm regras de competncia a ele destinadas e princpios que delimitam, fonnal e materialmente, o exerccio do poder de tributar, assim como prev as regras de legalidade, de anterioridade e de irretroatividade, que impem a esse Poder o dever de criar obrigaes tributrias de determinado modo e com determinada eficcia; pelo Poder Executivo, porque o referido Sistema contm tanto normas sobre a atuao estatal, especialmente os princpios dirigidos Administrao Pblica, quanto normas que, indiretamente, vinculam a atuao administrativa ao disposto em lei, da derivando a eficcia executiva dos regulamentos e limitao material para a instituio de obrigaes acessrias; pelo Poder Judicirio, considerando que o men-cionado Sistema estabelece princpios processuais igualmente aplicveis ao processo administrativo e ao processo judicial, bem como prev ga-rantias que podero ser usadas preventiva ou repressivamente na defesa dos contribuintes, como o caso do mandado de segurana em matria tributria.

    13.l Quanto ao aspecto subjetivo referente ao beneficirio, ela se destina a proteger o contribuinte, j que as normas constitucionais tm

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    como objetivo, de um lado, pennitir a antecipao da atuao estatal, como comprovam os princpios da moralidade e da publicidade; de outro, tm como finalidade permitir o conhecimento das consequncias atribuveis aos atos praticados pelo contribuinte, como ilustra o conjnnto de regras de competncia e as regras da anterioridade e da irretroativi-dade tributrias.

    13.2 A finalidade de proteger o contribuinte fica tambm salientada pela considerao da estrutura do Sistema Tributrio, composto notada-mente de regras de competncia e de garantias asseguradas ao contri-buinte, dentro e fora do subsistema tributrio, muitas das guais inclusive definidas como "limitaes ao poder de tributar".

    14.1 Quanto ao aspecto subjetivo referente ao sujeito gue serve de parmetro aferidor da segurana, deve haver segurana jurdica na pers-pectiva do cidado comum, visto que o princpio do Estado de Direito pressupe o conhecimento das normas por todos os cidados, inclusive como instrumento de sua participao democrtica, e os princpios da publicidade e da moralidade no apresentam gualguer tipo de destinat-rio especfico, antes se dirigindo a todos os cidados.

    14.2 Tal nfase na perspectiva do contribuinte tambm clara no mbito do Direito Tributrio. De um lado, h nonnas gue probem gue os contribuintes sejam surpreendidos (regras da anterioridade tribut-ria de exerccio e nonagesimal), enganados (regra de irretroatividade tributria), injustificadamente desigualados (princpio da isonomia em matria tributria), excessivamente onerados (proibio de tributo com efeito de confisco) ou arbitrariamente beneficiados (regra de legalidade especfica para a concesso de benefcios fiscais). De outro, h normas gue determinam o respeito aos direitos individuais dos contribuintes (princpio da capacidade contributiva com a ressalva expressa de res-peito aos direitos individuais), preveem garantias (regra de abertura do subsistema tributrio a outras garantias "asseguradas ao contribuinte") ou estabelecem direitos informao (princpio da transparncia fiscal e garantia do habeas data). Todas essas normas instituem uma espcie de "ptica-cidad" no mbito da tributao.

    15.1 Quanto ao aspecto subjetivo relativo extenso subjetiva bus-cada pela segurana, para saber se h segurana jurdica para o indivduo ou ele um direito seu, ou para a coletividade, ou do ordenamento jurdico como um todo, preciso examinar o contexto: a segurana jurdica pode ser tanto considerada um princpio objetivo do ordenamento jurdico

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    quanto pode experimentar uma aplicao reflexiva relativamente a um sujeito especfico.

    15.2 Essa ambivalncia da segurana jurdica tambm se verifica em matria tributria: ela tanto pode ser examinada como princpio objetivo do ordenamento jurdico, como demonstram os vrios requi-sitos de validade e de eficcia das normas tributrias em geral (regras de legalidade, de anterioridade e de irretroatividade tributrias e regra de reserva de lei complementar para a edio de normas gerais), quanto pode ser analisada na sua eficcia garantidora de um direito do contri-buinte, como evidenciam as regras que j protegem, em nvel abstrato, aspectos individuais da aplicao reflexiva do princpio da segurana jurdica (regras de proteo do direito adquirido, do ato jurdico perfeito e da coisa julgada).

    16.1 Quanto ao aspecto temporal, deve-se buscar segurana jur-dica do passado, do presente e do futuro: do presente, porque a CF/88 estabelece regras para a criao do Direito, de maneira a permitir que o cidado possa conhecer as normas s quais deve obedecer no exerccio atual das suas atividades; do passado, porque a CF/88 estabelece normas que protegem situaes j resguardadas pelo prprio Direito no passado, como as garantias do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurdico perfeito; do fi1turo, porque a CF/88 estabelece normas sobre o carter vinculativo do Direito, com a finalidade de fazer com que o cidado possa saber hoje qual o grau de vinculatividade das normas amanh.

    16.2 O exame do aspecto temporal da segurana jurdica tambm indica, no mbito do Direito Tributrio, a importncia de uma anlise integral e equilibrada dos trs tempos: do presente, porque o Sistema Tributrio estabelece quais so os fatos dignos de tributao, por meio das regras de competncia tributria e das regras de imunidade, quais so os procedimentos a serem adotados para a sua cobrana, mediante as regras de legalidade e de reserva de lei complementar, instituindo, com isso, uma espcie de segurana de orientao do contribuinte; do passado, porque o referido Sistema contm normas que preveem quando as normas tributrias podem produzir efeitos, assegurando que elas s podem verter sobre fatos que iro ocorrer aps a sua edio, por meio da proibio de retroatividade tributria; do futuro, porque o mesmo Sistema institui normas que afastam a surpresa do contribuinte, como o caso da regra da anterioridade e das normas que dirigem a atuao estatal, que no podero desbordar dos seus contornos, como so os ca-

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    sos dos princpios atinentes Administrao Pblica, de que espcie a Administrao tributria.

    17.1 Quanto ao aspecto quantitativo da segurana jurdica deve-se garantir segurana total, no sentido de que a segurana jurdica deve ser mais promovida do que restringida. Como ela no envolve apenas um ideal uniforme mas tambm um complexo multiforme de ideais, podem surgir reconfiguraes internas, relativamente a vrios de seus aspectos: ao se assegurar a estabilidade do Direito por meio da proteo da expec-tativa legtima de uma pessoa, pode-se comprometer tanto a inteligibi-lidade do Direito para os demais cidados, que no tero certeza com relao quilo que permitido ou proibido pelo ordenamento jurdico, quanto a vinculatividade do Direito, pois um princpio fonnal ir perder pontualmente a sua efetividade; ainda ao se preservar a estabilidade de uma expectativa legtima, protege-se a segurana do passado, porm compromete-se a segurana do futuro, porque se pode estimular a aposta de que atos contrrios ao Direito possam ter os seus efeitos protegidos pela sustentao de uma situao consolidada.

    17.2 No mbito do Direito Tributrio, essa necessidade de exame integral da segurana jurdica particularmente importante, tendo em vista que muitas normas tributrias, ainda que editadas sem as fonnali-dades previstas, podem produzir efeitos intensos e extensos no plano dos direitos fundamentais dos contribuintes e no plano da prpria atuao estatal, como o caso da concesso de benefcios fiscais estaduais one-rosos e frudos durante longo perodo, mas sem a obrigatria previso em lei e em convnio interestadual.

    18.1 Quanto ao aspecto justificativo da segurana jurdica, ela deve ser entendida como um instrumento de realizao de outros fins: de um lado, dos direitos fundamentais de liberdade e de propriedade, visto que, sem estabilidade e sem calculabilidade da atuao estatal, o indi-vduo no tem como exercer o direito de autodetern1inao livre da sua vida digna; de outro lado, das finalidades estatais, tendo em vista que o exerccio da ao e do planejamento estatal, a mdio e a longo prazos, pressupe uma permanncia das regras vlidas.

    18.2 Esse carter instrumental ainda mais visvel no mbito do Direito Tributrio, porquanto, no Sistema Tributrio Nacional, os prin-cpios e as regras relacionados segurana jurdica, institudos como "garantias" e como "limitaes ao poder de tributar", assumem feio

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    protetiva em favor do contribuinte e no em favor do Estado. Ao exercer seus direitos fundamentais de liberdade e de propriedade o contribuinte muitas vezes age motivado, orientado ou mesmo dirigido por normas tributrias, com cuja validade contava, no se podendo simplesmente negar esse carter indutor das normas tributrias para o prprio exerccio das atividades econmicas.

    19.l Pode-se conceituar a segurana jurdica como sendo uma norma-princpio que exige, dos Poderes Legislativo, Executivo e Judi-cirio, a adoo de comportamentos que contribuam mais para a exis-tncia, em beneficio dos cidados e na sua perspectiva, de um estado de confiabilidade e de calculabilidadejurdicas, com base na sua cognosci-bilidade, por meio da controlabilidade jurdico-racional das estruturas argumentativas reconstrutivas de normas gerais e individuais, como instrumento garantidor do respeito sua capacidade de - sem engano, fi'ustrao, surpresa e arbitrariedade - plasmar digna e responsavel-mente o seu presente e fazer um planejamento estratgico juridicamente informado do seu futuro.

    19.2 O conceito de segurana jurdico-tributria (ou de segurana jurdica no Direito Tributrio) no difere do conceito geral de segurana jurdica, apenas enfatiza e reala o carter eminentemente protetivo que a segurana assume nesse mbito normativo, em virtude da existncia de normas tributrias que instituem uma perspectiva defensiva dos direitos fundamentais dos contribuintes, porm em equilbrio com uma modera-da atuao estatal no exerccio do poder de tributar.

    20.l Tal conceito revela que o princpio da segurana jurdica possui duas dimenses: a esttica e a dinmica. A dimenso esttica diz respeito ao problema do conhecimento do Direito, ao seu saber, ou questo da comunicao no Direito, e revela quais so as qualidades que ele deve possuir para que possa ser considerado "seguro" e, com isso, possa servir de instrumento de orientao ao cidado, em geral, e ao contribuinte, em especial. Em contrapartida, a dimenso dinmica refere-se ao problema da ao no tempo e prescreve quais so os ideais que devem ser garantidos para que o Direito possa "assegurar" direitos ao cidado e, com isso, possa servir-lhe de instrumento de proteo.

    20.2 No mbito do Direito Tributrio, essas duas dimenses tam-bm se manifestam, havendo nonnas que dizem respeito dimenso esttica da segurana jurdica, como o caso daquelas que dispem so-

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    bre o contedo (regra de legalidade) ou sobre a abrangncia das nonnas tributrias (regra de reserva de lei complementar para edio de normas gerais), ou sua dimenso dinmica, de que so exemplos as normas que garantem estabilidade a determinadas situaes (regra protetiva do direito adquirido, do ato jurdico perfeito e da coisa julgada e regra da irretroatividade tributria) ou as normas que protegem a anterioridade e a continuidade da ordem jurdica (regra de anterioridade tributria e princpio da isonomia em matria tributria).

    21.l Cognoscibilidade significa um estado de coisas em que os cidad.os possuem, em elevada medida, a capacidade de compreenso, material e intelectual, de estruturas argumentativas reconstrutivas de normas gerais e individuais, materiais e procedimentais, minimamente efetivas, por meio da sua acessibilidade, abrangncia, clareza, determi-nabilidade e executoriedade.

    21.2 No mbito do Direito Tributrio h vrias nom1as concernen-tes ao conhecimento das nonnas tributrias pelos contribuintes, de modo a assegurar-lhes a denominada "segurana de orientao" por meio do seu acesso, sua abrangncia, sua clareza e sua determinao: h nonnas tributrias que regulam, direta ou indiretamente, a previso dos tributos (regras que estabelecem as espcies tributrias, regras de competncia tributria, princpios que instituem critrios da tributao e normas que definem as fontes do Direito Tributrio), o nascimento da obrigao tributria (regra de legalidade e regra de reserva de lei complementar para determinadas matrias), a interpretao da legislao tributria (regra da legalidade que, indiretamente, probe o uso da analogia para criar novas obrigaes tributrias), a constituio do crdito tributrio (regra da legalidade que, indiretamente, exige a determinao do crdito baseada apenas na previso legal) e a sua extino (regra de reserva de lei complementar para instituir normas gerais de Direito Tributrio, es-pecialmente sobre prescrio e decadncia tributrios).

    22.l A confiabilidade significa o estado ideal em que o cidado pode saber quais so as mudanas que podem ser feitas e quais as que no podem ser realizadas, evitando, dessa forma, que os seus direitos se-jam frustrados. Essa confiabilidade s existe se o cidado puder ver as-segurados, hoje, os efeitos que lhe foram garantidos pelo Direito ontem, o que depende da existncia de um estado de intangibilidade de sit1iaes passadas, de durabilidade do ordenamento jurdico e de irretroatividade de normas presentes.

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    22.2 No campo do Direito Tributrio h numerosas normas relativas credibilidade das nonnas tributrias, destinadas a assegurar aos contri-buintes a denominada "segurana de transio do passado ao presente" por meio da estabilidade e da eficcia normativas: h normas tributrias que regulam, direta ou indiretamente, a interpretao e a aplicao da legislao tributria (regra da irretroatividade tributria, que probe a modificao de critrios jurdicos na aplicao da legislao), a consti-tuio do crdito tributrio (regra da irretroatividade que indiretamente determina a aplicao da lei vigente no momento da ocorrncia do fato gerador e afasta a aplicao de novos critrios sobre fatos ocorridos antes da sua edio, regra de reserva de lei complementar para instituir normas gerais de Direito Tributrio, inclusive sobre obrigao tributria e lanamento tributrio).

    23.1 A calculabilidade significa o estado ideal em que o cidado pode saber como e quando as mudanas podem ser feitas, impedindo que aquele seja surpreendido. Essa calculabilidade s existe se o ci-dado puder controlar, hoje, os efeitos que lhe sero atribudos pelo Direito amanh, o que s ocorre se o cidado tem, em grande medida, a capacidade de, aproximadamente, antecipar e medir o espectro reduzido e pouco variado de critrios e de estruturas argumentativas definidoras de consequncias atribuveis, heternoma e coativamente ou autnoma e espontaneamente, a atos, prprios e alheios, ou a fatos, ocorridos ou passveis de ocorrerem, controversos ou incontroversos, e o espectro ra-zovel ele tempo dentro do qual a consequncia definitiva ser aplicada.

    23.2 No campo do Direito Tributrio h vrias normas relativas continuidade das normas tributrias, cujo objetivo assegurar ao con-tribuinte a intitulada "segurana de transio do presente ao futuro" por meio da anterioridade e da continuidade das modificaes e da fora vin-culante das suas normas, gerais e individuais: h normas tributrias que regulam o objeto e o modo da tributao, permitindo que o contribuinte possa medir o espectro da futura tributao, que antecipam os efeitos futuros das leis tributrias, como o caso da regra da anterioridade, e que regulam a fiscalizao do cumprimento das obrigaes tributrias (princpios aplicveis ao procedimento e ao processo tributrios, como o princpio do devido processo legal e as regras de fundamentao e publicao dos atos e decises).

    24.1 A reunio das duas dimenses -- esttica e dinmica - do princpio da segurana jurdica permite demonstrar que este busca garantir, no seu conjunto, um estado ideal de respeitabilidade do ser

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    humano, infenso ao engano, frustrao, surpresa e arbitrariedade, protegendo, com isso, a respeitosa transio do passado ao presente e do presente ao futuro, elementos esses que conduzem a reconceitu-la como um princpio-condio, garantidor de um estado de respeitabilidade dos direitos fandamentais do cidado-contribuinte e de moderao da atuao estatal por meio da controlabilidade jurdico-racional das es-truturas argumentativas reconstrutivas de normas gerais e individuais, ou simplesmente como um princpio garantidor da respeitabilidade do contribuinte como cidado.

    24.2 O conceito proposto de segurana jurdico-tributria promove um deslocamento em vrios aspectos da discusso, envolvendo a segu-rana jurdica: no lugar de um conceito de segurana jurdica exclusiva-mente vinculado certeza por meio do conhecimento da determinao prvia e abstrata de hipteses legais e afervel mediante a descrio da linguagem, em que o Direito mera criao de um Poder e precede, corno algo totalmente dado, a sua prpria atividade aplicativa, apresenta--se um conceito de segurana jurdica centrado no controle argumentati-vo e constatvel graas ao uso da linguagem, por meio do conhecimento de critrios e de estruturas hermenuticas, e no qual o Direito produto da experincia e resulta da conjugao de aspectos objetivos e subjetivos inerentes sua aplicao. Ultrapassa-se a compreenso da segurana jurdica como garantia de contedo, baseada no paradigma da deter-minao, para urna segurana jurdica como ?,arantia de respeito, fun-dada no paradigma da controlabilidade semntico-argumentativa e cuja realizao depende de elementos, de dimenses e de aspectos a serem conjuntamente avaliados.

    25.1 Relativamente proteo da confiana, a existncia da base da confiana depende do exame de vrios critrios a respeito de elementos que interagem entre si, sempre vinculados, de um lado, aos direitos fundamentais de liberdade, de propriedade e de igualdade e, de outro, aos princpios ligados atividade estatal, no podendo a ausncia de lei afastar, por si s, a produo de efeitos dos beneficias, devendo-se con-siderar, relativamente aos atos normativos que os concederam, o grau de permanncia, de individualidade, de onerosidade, de eficcia no tempo, de realizao das finalidades, de aparncia de legitimidade, de depen-dncia dos destinatrios e de induo comportamental.

    25.2 No mbito do Direito Tributrio, a aplicao do denominado princpio da proteo da confiana tem enorme relevncia no plano da

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    686 SEGURANA JURDICA

    concesso de benefcios fiscais que, eventualmente, no tenham ob-servado as fonnalidades exigidas pela Constituio, corno o caso de benefcios concedidos sem lei especfica e sem a previso em convnio interestadual. Nessas hipteses, no apenas o aspecto fonnal dever ser considerado; os outros elementos devero ser avaliados, como os graus de permanncia, de individualidade, de onerosidade, de eficcia no tempo, de realizao das finalidades, de aparncia de legitimidade, de dependncia dos destinatrios e de induo comportamental atrelados ao benefcio fiscal. Somente mediante a observncia conjunta e equilibrada de todos esses elementos que se poder atentar simultaneamente para a atuao estatal e para o exerccio de direitos fundamentais no plano do Direito Tributrio, evitando o engano e a surpresa de quem, legitima-mente, confiou na validade dos atos normativos.

    26.1 A questo de saber se o exerccio da liberdade ou no requi-sito indispensvel para a proteo da confiana se resolve verificando, primeiro, qual o tipo de estabilidade pretendida, se referente ao orde-namento jurdico corno um todo, com base na face objetiva do princpio da segurana jurdica, que exige durabilidade normativa ( confiabilidade por meio da pennanncia) e desenvolvimento normativo estvel, mo-derado e consistente ( calculabilidade por meio da continuidade), ou se relativa a uma situao concreta, com base na aplicao reflexiva do princpio da segurana jurdica, que veda restries injustificadas no exerccio passado de liberdade juridicamente orientada ( confiabilidadc por meio da proteo da confiana); segundo, e como consequncia, se a estabilidade pretendida est ou no fundamentada nos direitos funda-mentais individuais.

    26.2 No setor do Direito Tributrio, esses dois tipos de estabilidade podem ser buscados e protegidos. H situaes em que, pela considera-o dos efeitos indiretos produzidos pelo benefcio fiscal e pelo exame dos terceiros de boa-f atingidos, a manuteno do benefcio fiscal, notadamente para o passado, desempenha uma funo essencial para a prpria credibilidade do ordenamento jurdico. Noutras situaes, independente desses elementos, o contribuinte poder ter praticado atos de disposio dos seus direitos fundamentais de liberdade e de proprie-dade, de modo que a mantena do benefcio fiscal condio para a confiabilidade do contribuinte no ordenamento jurdico bem como requisito para que a atuao estatal no seja geradora de surpresa ou de engano.

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    27.1 Quanto maiores forem os encargos causados, maior a durao da eficcia da base e mais difcil for a reverso dos efeitos produzidos, mais intensa ser a restrio nos direitos fundamentais de propriedade e de liberdade do cidado, e, portanto, maior ser a protetividade da confiana e maiores devero ser as justificativas para o seu afastamento.

    27.2 A considerao desses elementos essencial para ultrapassar a anlise meramente formal dos benefcios fiscais, centrada exclusiva-mente na regularidade formal da atuao estatal, em favor de uma inves-tigao conjunta tanto da atuao estatal, e da sua moderao, quanto do exerccio dos direitos fundamentais pelo contribuinte, e da sua intensida-de, muitas vezes existente para tambm promover finalidades pblicas.

    28.1 Todos os elementos do princpio da proteo da confiana (base da confiana, confiana, exerccio da confiana e frustrao da confiana) tm que estar presentes, mas a fraca intensidade de um deve ser compensada pela alta intensidade de outro, de modo que, na mdia, possa ser possvel afirmar a densidade mnima dos seus pressupostos.

    28.2 Essa avaliao conjunta e equilibrada de todos os elementos do princpio da proteo da confiana deslocam a anlise dos efeitos dos benefcios fiscais do nvel abstrato para o nvel concreto, de modo a permitir uma anlise tanto da atuao estatal quanto do exerccio dos direitos fundamentais.

    29.1 Relativamente proibio de retroatividade, quando se tratar de ato consumado no passado (direito adquirido, ato jurdico perfeito, coisa julgada e fato gerador tributrio ocorrido), a retroatividade proi-bida por regra, sendo, no caso, excludo qualquer tipo de mera pondera-o horizontal; quando o fato normativamente previsto tiver se iniciado, mas ainda no concludo ou consumado segundo a legislao e, por isso, no for capaz de ser protegido pelas regras de irretroatividade, ser ento necessrio verificar a ocorrncia dos pressupostos configuradores do princpio da proteo da confiana, capaz de afastar a retroatividade imprpria ou a referncia retroativa a situaes de fato preexistentes, devendo-se considerar existente um estado de protetividade da confiana quando o conjunto dos seus elementos estiver previsto em maior medida, assim entendido o caso em que o baixo grau de presena de um elemento for compensado pelo alto grau ele presena de outros.

    29.2 A "regra ele ITetroativiclacle vinculada ao fato gerador" ape-nas tem por finalidade afastar a ponderao horizontal sobre situaes

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    abrangidas por sua hiptese de incidncia (fatos geradores cuja ocorrn-cia est conexa aos atos de disposio do contribuinte), sem, no entanto, excluir que, fora dela, possa haver proteo do contribuinte: quando os atos praticados tiverem sido concludos de acordo com a previso legal, h proteo, relativamente a fatos geradores, pelo disposto na letra "a" do inciso III do art. 150 e, no restante, pelo disposto no inciso XXXVI do art. 5, de modo que mesmo nos casos em que no h ato ou fato consumado no passado, pode haver atos de disposio dos contribuintes e condutas estatais que justifiquem o afastamento dos efeitos retrospec-tivos da legislao.

    30.1 O problema da retroatividade deixa de ser apenas um problema de relacionamento de normas no tempo (Direito Intertemporal) e passa a ser um problema de no-restrio arbitrria de direitos fundamentais e de atuao estatal leal e justificada: retroativa no apenas a norma que alcana/ato gerador consumado, mas tambm a norma que alcana disposio consumada em razo da hiptese de incidncia vigente no momento da sua adoo, assim entendida aquela que no mais pode ser revertida por reao do contribuinte.

    30.2 Por meio dessa nova forma de anlise da retroatividade tri-butria, o ncleo do seu exame deixa de ser a verificao da ocorrncia ou no de fatos, para ser a verificao do exerccio (e da medida deste exerccio) dos direitos fundamentais. A nomenclatura de fatos geradores continuados, vista como superada pela considerao sempre pontual da ocorrncia de fatos de acordo com hipteses normativas, recobra sua im-portncia e justifica um reexame sob a ptica dos direitos fundamentais.

    31.1 A modificao dos atos administrativos no depende da sua in-validade, mas da intensidade da atuao do contribuinte baseada na sua confiana e na intensidade da restrio que a sua modificao ir causar, no se podendo decretar a nulidade de uma atuao administrativa pelo simples fato de que ela , do ponto de vista formal, contrria ao Direito.

    31.2 No mbito do Direito Tributrio, a mudana administrativa no mais pode ser vista como sendo resultado de uma mera anlise de con-venincia e de opo1iunidade da Administrao. Ela deve, em vez disso, ser resultado da conjugao da atuao administrativa e da atuao do contribuinte, razo pela qual, quando houver confiana legtima, somen-te a revogao para o futuro, agregada de regras de transio, poder harmonizar os interesses pblicos com os interesses privados.

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    32.1 O exame da modificao jurisprudencial e dos seus efeitos depende da sua prpria definio. Esta pode ser definida como conflito direto entre duas decises vlidas, eficazes e definitivas, referentes ao mesmo objeto, razo pela qual no se pode confundir mudana juris-prudencial com a inovao ou com a divergncia. No basta, contudo, haver mudana para haver proteo. Esta s deve ser garantida quando houver atos de disposio de direitos fundamentais com base em deciso modificada que se podia acreditar definitiva sobre a rea de competncia do rgo julgador.

    32.2 No mbito do Direito Tributrio, a mudana jurisprudencial assume importncia mpar quando o contribuinte pratica atos de dispo-sio de direitos fundamentais com base em deciso judicial que pos-teriormente alterada. Nesse caso, ser preciso investigar a presena da base de confiana, caracterizada pela vinculatividade e pela pretenso de permanncia, da confiana legtima do contribuinte, da prtica de atos de disposio de direitos fundamentais orientados na deciso modificada e da frustrao intensa da confiana pela deciso modificadora. Presen-tes esses elementos, somente o caso concreto ir indicar se ser a eficcia prospectiva da deciso modificadora ou as regras de transio que iro harmonizar o dever de permanncia com a necessidade de mudana do ordenamento jurdico.

    33.1 A modulao de efeitos no controle de constitucionalidade, embora permitida, restrita, dependendo de determinados pressupostos (excepcionalidade do caso objeto de deciso e inexistncia de inconsti-tucionalidade manifesta do ato impugnado), finalidades (restaurao do "estado de constitucionalidade", proteo direta da segurana jurdica objetiva e indireta dos direitos fundamentais, afastamento de "grave" ameaa insegurana jurdica) e procedimentos (garantia do contradi-trio a respeito da modulao, preservao da eficcia retroativa para o caso precursor, os casos paralelos e os no abrangidos pela decadncia, aplicao segura da modulao efeitos com base na segurana jurdica).

    33.2 A modulao de efeitos para manter os efeitos pretritos ele leis tributrias declaradas inconstitucionais no pode ser geralmente feita com base no princpio da segurana jurdica, em face do carter protetivo elo contribuinte diante do Estado que esta assume no mbito do Direito Tributrio. A declarao de inconstitucionalidade da lei tribu-tria, ao contrrio ele outras leis garantidoras de direitos fundamentais, restabelece imediatamente o estado de constitucionalidade antes violado,

  • li 690 SEGURANA JURDICA

    no havendo razo para no decretar a sua invalidade. Alm disso, a mantena dos efeitos de lei tributria inconstitucional elimina o carter de resistncia dos direitos fundamentais e a eficcia mnima do princpio da universalidade da jurisdio.

    34.1 A segurana jurdica, tal como prevista na CF/88, alm de no poder ser usada pelo Estado para suportar restrio dos direitos fundamentais de liberdade, no pode justificar a manuteno de efeitos, no caso da instituio de obrigaes tributrias, pois tal procedimento mais restringe do que promove a segurana jurdica: ao manterem-se os efeitos passados da norma inconstitucional, pretendendo proteger a segurana jurdica no passado, restringe-se, ainda em maior medida, a segurana jurdica no futuro, pelo incentivo edio de novas nonuas inconstitucionais e, portanto, pelo estmulo restrio da eficcia e da calculabilidade do Direito.

    34.2 No mbito do Direito Tributrio, a manuteno de efeitos passados de leis tributrias inconstitucionais estimula a edio futura de novas leis inconstitucionais, pelo inevitvel efeito financeiro causado por qualquer norma tributria: se o impacto financeiro da declarao de inconstitucionalidade, com efeito ex tunc, for fundamento para a modulao de efeitos da deciso, quanto maior for esse impacto, maior ser a chance de os efeitos da lei serem mantidos. Assim, quanto mais restritiva for a lei tributria, maior ser o impacto financeiro causado; e quanto maior for este impacto, tanto maior ser a chance de a lei ser con-siderada constitucional. Esse raciocnio perverso faz com que, quanto "mais inconstitucional" for a lei tributria, maior seja a chance de ela ser considerada constitucional. Esse modo de compreender, alm de mani-festamente contrrio ao prprio princpio da segurana jurdica, tambm contradita os mais elementares requisitos do Estado de Direito, alm da prpria racionalidade do ser humano.

    35.1 A segurana jurdica pressupe a existncia de condio de realizao das normas nas quais o cidado confiou para praticar atos de disposio dos seus direitos fundamentais. Essa "segurana de realiza-o" depende tanto do direito fundamental proteo judicial quanto de pressupostos institucionais sem os quais essa proteo no tem como se efetivar. O princpio do devido processo legal, como consectrio lgico procedimental da prpria eficcia dos direitos fundamentais, ir esta-belecer as condies sem as quais o cidado no tem condies de se defender da atuao estatal restritiva dos seus direitos.

  • CONCLUSES E TESES 691

    35.2 No plano do Direito Tributrio, a "segurana de realizao" pressupe a presena de mecanismos efetivos de defesa do contribuinte contra qualquer tipo de restrio dos seus direitos fundamentais, seja no mbito do procedimento de fiscalizao, seja no seio do prprio pro-cesso administrativo ou judicial. Sem as garantias inerentes ao devido processo legal Uuiz natural imparcial, intimao e publicao, contradi-trio, ampla defesa, inadmissibilidade de provas ilcitas, fundamentao expressa, racional e motivada das decises, possibilidade de recurso), no h corno efetivar o princpio da segurana jurdica no mbito do Direito Tributrio. E sem as condies institucionais da independncia do Poder Judicirio, de acesso ao Poder Judicirio e do dever de deciso sobre qualquer questo a ele submetida, igualmente no h como ser efetivada a defesa do contribuinte frente ao poder de tributar.

    36.1 A segurana jurdica exige a segurana da transio do presen-te ao futuro por meio da anterioridade, da continuidade e da vinculati-vidade nonnativas. Somente por meio dessas garantias que o cidado poder ver assegurada, no futuro, a sua liberdade exercida no presente, sem surpresa ou engano.

    36.2 No mbito do Direito Tributrio, essas exigncias repercutem, especialmente, na necessidade de moderao da alterao das normas tributrias: a mudana de qualquer regime jurdico somente pode ser considerada compatvel com os direitos fundamentais dos contribuintes quando estiverem presentes regras de transio e clusulas de equidade capazes de harmonizar a necessidade de mudana com o dever de res-peitabilidade da atuao passada do contribuinte.

    37.1 A segurana jurdica ainda exige que a atuao estatal fritura mantenha coerncia com a atuao estatal passada, salvo se houver uma razo justificadora do abandono das regras anteriormente aplicadas, sempre mediante a edio de regras de transio e de clusulas de equi-dade.

    37.2 No mbito do Direito Tributrio, a exigncia de continuidade normativa pela proibio de arbitrariedade impede que o Estado adote princpios diretivos de determinado regime jurdico-tributrio para, de-pois e sem qualquer justificativa, abandon-los, sem que, com isso, viole o princpio da segurana jurdica.

    38.1 A eficcia jurdica do princpio da segurana jurdica envolve a sua funo normativa, na acepo do modo como ele produz efeitos

  • 692 SEGURANA JURDICA

    relativamente a outras normas ou referentemente ao comportamento hu-mano, e a fora normativa, no sentido da forma como aquele se posicio-na no confronto com outras normas. A funo normativa do princpio da segurana jurdica relativa, visto que a configurao da sua qualidade normativa e das suas vrias .fimes eficaciais depende da perspectiva por meio da qual ele analisado.

    38.2 Essas funes eficaciais se reproduzem no mbito do Direito Tributrio, pois tambm nesse setor normativo ser preciso verificar qual a fora normativa da segurana e quais as suas funes eficciais. Dado o carter fundante do princpio da segurana jurdica para a validade das normas tributrias, sua fora nonnativa no poder jamais ser afastada por completo.

    39.1 Se o princpio da segurana jurdica for investigado na sua relao com princpios que impem a realizao de um estado de coisas ainda mais amplo, aquele assume o papel de subprincpio e exerce uma funo eficacial definitria relativamente a esse ideal. Nessa relao e nessa perspectiva, ele assume uma posio de inferioridade analtica, concretizando-se a interpretao "de baixo para cima". o que ocorre na relao que o princpio da segurana jurdica mantm com o princpio do Estado de Direito.

    39.2 Em matria tributria, a relao do princpio da segurana jur-dica com o princpio do Estado de Direito fundamental, especialmente para afastar interpretaes que terminem por manter atos contrrios ao Direito sem a presena de outros elementos capazes de justificar essa manuteno.

    40.l Se o princpio da segurana jurdica for examinado na sua ligao com princpios que impem a realizao de ideais mais restritos, aquele exerce a posio de sobreprincpio e desempenha diferentes fun-es relativamente a esses ideais:fimo eficacial interpretativa, quando serve de parmetro para interpretar os subprincpios; fimo eficacial bloqueadora, quando funciona para impedir a aplicao concreta de um dos subprincpios que se revela pontualmente incompatvel com o esta-do de coisas mais amplo;fimo eficacial integrativa, quando serve de instrumento para preencher o vcuo decorrente do afastamento pontual de um subprincpio.

    40.2 o que ocorre, no mbito do Direito Tributrio, na relao que o princpio da segurana jurdica mantm com os princpios da legalida-

  • CONCLUSES E TESES 693

    de (como ideal de previsibilidade da atuao estatal), da irretroatividade (como ideal de regulao jurdica para casos futuros) e da proteo da confiana (como ideal de proteo de atos de disposio causalmente vinculados a atuaes estatais anteriores): o princpio da segurana jurdica, como sobreprincpio, serve de parmetro interpretativo para redefinir aquilo que, de modo mais restrito, estabelecido pelos seus subprincpios, ou de nonna capaz de bloquear a aplicao de um sub-princpio e, subseqentemente, integrar o vcuo derivado do bloqueio.

    41.1 Se o princpio da segurana jurdica for perscrutado na atuao direta, sem entremeio de qualquer norma, quer princpio, quer regra, ele exerce a qualidade de princpio e desempenha diretamente uma funo eficacial integrativa, preenchendo o vcuo originrio deixado pela ausncia de regras ou de princpios que regulem especificamente a situao.

    41.2 Em matria tributria, a funo eficacial integrativa evidencia a desnecessidade de regras infraconstitucionais estabelecendo requisitos indispensveis cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade normativas, bastando a eficcia direta do prprio princpio da segurana jurdica para assegurar condies de validade e de eficcia de normas tributrias gerais e individuais.

    42.1 Se a segurana jurdica examinada na sua relao com outras normas e, portanto, na sua eficcia indireta, ora pode assumir a qualida-de de subprincpio, se a perspectiva de anlise for aquela que examina a sua relao com uma norma que estabelece um ideal mais amplo a ser atingido, ora pode exercer o papel de sobreprincpio, se o ngulo de in-vestigao for aquele que envolver a sua ligao com normas que fixem ideais menos amplos.

    42.2 No mbito do Direito Tributrio, o princpio da segurana jurdica serve tanto de elemento concretizador do princpio do Estado de Direito, especialmente para afastar atos contrrios ao Direito que no respeitem a separao dos Poderes, a hierarquia normativa, a clareza e o conhecimento prvio das normas, quanto de elemento definidor de ou-tros ideais mais restritos, notadamente aqueles concernentes legalidade e irretroatividade na aplicao das normas tributrias.

    43.1 A CF/88 regrou a segurana jurdica em diversos setores, ou protegendo, por exemplo, a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurdico perfeito, ou proibindo a retroatividade das leis tributrias

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    694 SEGURANA JURDICA

    relativamente ocorrncia do fato gerador. Nesses casos, em vez de se constituir um elemento para ser objeto de ponderao, na qualidade de princpio, a segurana jurdica concretizada constitucionalmente por meio de regras que, como tais, no se submetem a uma mera ponderao horizontal.

    43.2 Esse regramento da segurana jurdica assume relevo no Direito Tributrio com a finalidade de afastar meras ponderaes hori-zontais destinadas a afastar coisas julgadas em matria tributria ou a justificar a utilizao, no processo tributrio, de provas ilcitas. O regra-mento da segurana jurdica em determinadas matrias funciona como reforo da eficcia de garantias asseguradas ao contribuinte que nem a considerao de finalidades estatais arrecadatrias ou persecutrias poder afastar.

    44.1 A eficcia objetiva do princpio da segurana jurdica pode experimentar, do ponto de vista concreto e subjetivo, um "direito segu-rana", que nada mais do que o princpio da segurana jurdica na sua eficcia reflexiva.

    44.2 No plano do Direito Tributrio, o direito segurana jurdica, se no permite a exigncia de polticas tributrias gerais, reservadas ao mbito de competncia do Poder Legislativo e do Poder Executivo, pelo menos possibilita a exigncia de manifestaes pontuais destinadas a assegur-la em determinadas situaes, especialmente pelo afastamento da surpresa e do engano na atuao estatal.

    45.l Como o princpio da segurana jurdica exige a realizao con-junta de vrios estados de coisas, uns intermedirios, outros finais, que no necessariamente coincidem, pode ocorrer que, em razo de um caso a decidir, surja uma espcie de conflito da segurana jurdica consigo, no sentido de que a promoo de um estado de coisas implique a restrio de outro estado de coisas que se apresente concreta e diametralmente oposto. A soluo est em equilibrar esses estados ideais de modo que a busca da segurana jurdica provoque um incremento no seu conjunto, isto , que a utilizao do princpio da segurana jurdica como funda-mento de uma dada deciso conduza a uma realizao mdia maior dos estados ideais que o compem do que o contrrio.

    45.2 No campo do Direito Tributrio, a utilizao do princpio da segurana jurdica no poder jamais implicar na sua restrio em maior medida, no apenas considerando o passado, o presente e o futuro, mas

  • CONCLUSES E TESES 695

    tambm examinando conjuntamente os seus aspectos estticos e din-micos. A segurana jurdica, insista-se, ou inteira, ou no segurana jurdica.

    46.1 O princpio da segurana jurdica, entendido como norma que estabelece os ideais de cognoscibilidade, de confiabilidade e de calcu-labilidade do Direito, nunca pode ser descartado. O que pode ocorrer que, em alguns casos, um elemento de um dos seus ideais de uma de suas dimenses pode ser diferentemente calibrado, em virtude da sua relao com os ideais de outra dimenso, porm a segurana jurdica, na unidade dos seus ideais, nunca objeto de afastamento completo. O que ocorre a aplicao em menor medida de um elemento em favor da aplicao em maior medida de outro(s).

    46.2 A segurana jurdica, embora seja um princpio, por ser uma norma que estabelece a busca de um estado ideal de coisas sem apontar de antemo o meio necessrio sua realizao, no tem a eficcia prima facie que alguns princpios possuem, quer no sentido de norma pontual-mente inaplicvel (eficcia prima facie como fora normativa dissip-vel), quer no sentido de norma concretamente afastvel (eficcia prima facie como fora nonnativa afastvel), quer, ainda, no sentido de nom1a restringvel na sua unidade (eficcia prima jcie como fora normativa restringvel).

    47.1 O princpio da segurana jurdica uma norma portadora de uma eficcia sui generis no quadro principiolgico, uma espcie de nomrn-condio ou nonna-estrutura, sem cuja eficcia mnima as outras nonnas tambm deixam de ser minimamente eficazes. Ele um "prin-cpio de intennediao", pois estabelece condies fancionais para os princpios e para as regras que compem o ordenamento jurdico.

    47.2 No mbito do Direito Tributrio, a considerao do princpio da segurana jurdica corno princpio que condiciona a validade e instru-mentaliza a eficcia das normas tributrias permite demonstrar que ele no poder ser afastado integralmente, mesmo a pretexto da realizao de finalidades pblicas, quer sejam elas relacionadas arrecadao, quer sejam elas referentes fiscalizao das obrigaes tributrias, quer principais, quer acessrias.

    48.1. O princpio da segurana jurdico-tributria assume um car-ter especial, pois h normas especficas e enfticas, no Sistema Tribut-rio Nacional, que servem de instrumento para se garantir inteligibilidade

  • 696 SEGURANA JURDICA

    do Direito, pela detenninabilidade das hipteses de incidncia (regra da legalidade e sistema de regras de competncia); a confiabilidade do Direito pela estabilidade no tempo (regra de reserva de competncia para lei complementar regular prescrio e decadncia), pela vigncia (regra de proibio de retroatividade) e pelo procedimento (regras expressas de abertura do subsistema tributrio a direitos e a garantias nele no previs-tos, como o caso das protees ao direito adquirido, coisa julgada e ao ato jurdico perfeito); a calculabilidade do Direito, pela no-surpresa (regra da anterioridade).

    48.2 Essas normas especficas como que do um carter de re-sistncia ou de proteo aos ideais cuja realizao detenninada pelo princpio da segurana jurdica. Tal carter revela-se, por exemplo, na redefinio do princpio da irretroatividade e na rediscusso da utiliza-o da modulao no mbito do Direito Tributrio.

    49.1 Os bens jurdicos restringidos pela concretizao da relao obrigacional tributria podem reclamar uma protetividade ainda mais acentuada, porque, dependendo do objeto, da intensidade e da finalidade da restrio de direitos fundamentais, o princpio da segurana jurdica deve ser considerado de uma fonna ainda mais protetiva, especialmente naqueles casos em que houve atos de disposio dos direitos funda-mentais de liberdade e de propriedade, cujo desrespeito implica tratar o cidado-contribuinte como mero objeto.

    49.2 O carter de resistncia ou de proteo que o princpio da segurana jurdica assume no Direito Tributrio no , portanto, uni-forme: ele abstratamente maior pela existncia de normas abstratas que atribuem um carter geralmente protetivo; concretamente, no en-tanto, dever ser tanto maior, quanto mais brnsca e drasticamente forem restringidos os direitos fundamentais de liberdade, de propriedade, de igualdade e ele dignidade do cidado-contribuinte.

    50.1 O princpio da segurana jurdica um princpio-condio, garantidor, ele um lado, ele um estado ele respeitabilidade cios direitos fundamentais cio cidado-contribuinte e, de outro, de um ideal ele mode-rao ela atuao estatal. A sua definio como um princpio preservador da respeitabilidade da ao e da argumentao cio contribuinte como cidado racional, provoca uma extraordinria mudana na prpria an-lise do Direito Tributrio: a validade, a vigncia e a eficcia das normas tributrias no podem mais ser analisadas sob o ngulo exclusivo ela sua estrutura formal, cio seu alcance semntico ou da sua relao intertem-

  • CONCLUSES E TESES 697

    parai; esses elementos precisam ser investigados, em vez disso, sob uma perspectiva que conjugue equilibradamente o modo, o ritmo e a inten-sidade do exerccio dos direitos fundamentais com o modo, o ritmo e a intensidade da atuao estatal.

    50.2 Essa compreenso do princpio da segurana jurdica como princpio que, sobre fundar a validade e instrumentalizar a eficcia das normas tributrias, no s limita e dirige a atuao estatal como assegura e respeita os direitos fundamentais do contribuinte e a argumentao a eles concernente, permite que o prprio Direito Tributrio deixe de ser um Direito centrado no exerccio do poder pelo Estado, para ser, sobre-tudo, um Direito jusfundamentalmente comprometido.

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