I. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS -...
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I. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS
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I – INTRODUÇÃO E OBJETIVO
Este trabalho abordou como tema a responsabilidade civil por erro médico no que
tange especificamente a conduta do médico radiologista no diagnóstico do câncer através do
exame mamográfico.
Desenvolver este tema se revelou necessário, pois no Brasil nos dias de hoje, face o
aumento dos índices de mortalidade por câncer de mama na população mundial, tendo como
uma das causas deste aumento de mortalidade o erro médico, como consequência, vêm
crescendo as ações ajuizadas por paciente em face dos seus médicos, além do crescente
aumento da incidência da doença 13,16.
A projeção do câncer de mama no Brasil ainda revela índice de mortalidade
considerado alto, apesar das estratégias de rastreio mamográfico incorporadas pelo Ministério
da Saúde, como exame bi-anual para mulheres com faixa etária entre 50 – 69 anos e exame
clínico mamário anual entre 40 – 49 anos 16.
Em alguns países desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos, Canadá, Reino
Unido, Holanda, Dinamarca e Noruega, um aumento da incidência do câncer de mama,
acompanhado de uma redução da sua mortalidade, está associado à detecção precoce por meio
da introdução da mamografia para rastreamento e à oferta de tratamento adequado.
Entretanto, mesmo com a facilidade ao acesso dos pacientes ao sistema de saúde em todo o
mundo tem se observado um aumento progressivo da ocorrência do câncer de mama na
população, e o mais contraditório, nas mulheres com maior nível sócio-econômico e
cultural28.
Como se sabe, apesar do câncer de mama ser considerado um câncer de bom
prognóstico se diagnosticado e tratado oportunamente, as taxas de mortalidade deste tipo de
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câncer continuam elevadas no Brasil e no mundo, muito provavelmente porque a doença não
raro ainda é diagnosticada em estágios avançados 9,28.
Como os índices de mortalidade por câncer de mama vêm aumentando, também tendo
como uma das causas o erro médico, que, por sua vez, é decorrente do aumento do número de
mamografias realizadas no Brasil, as ações ajuizadas por pacientes supostas vítimas destes
erros em laudos mamográficos e ultrassonográficos vêm crescendo substancialmente 13,16.
Entre as causas dos supostos erros médicos encontra-se o diagnóstico tardio do câncer
de mama, que pode ocorrer devido à falta de valorização das alterações em exame
mamográfico anterior, suscetível de gerar a responsabilidade civil repercutindo na obrigação
de ressarcimento aos pacientes, chegando muitas vezes a significativas indenizações, pois
para que exista dever de indenizar, no curso do processo, precisa ficar demonstrada a
existência de responsabilidade civil12.
Dentro deste contexto, isto é, para regular esta demanda da sociedade, consubstanciada
na necessidade de regulação das conseqüências do erro do médico interpretador, a legislação
utilizada tem sido a mesma para os casos de responsabilidade civil em geral e essa não tem,
em nosso código, um ordenamento preciso muito menos no que tange à responsabilidade civil
no erro médico20.
A doutrina tem se destacado, com exceção de alguns autores, por ter um enfoque
médico e não jurídico, visto que a abordagem do assunto ocorreu, inicialmente, mais por
autores médicos do que por juristas. Nota-se uma mudança nítida nessa tendência,
recentemente, embora ainda insuficiente para se considerar que já exista uma doutrina
tradicional sobre o tema. Nas decisões judiciais, as discrepâncias ainda são significativas,
tanto que, sobre casos iguais, podem-se esperar decisões diferentes, reformadas ou não, nas
instâncias superiores 18,19.
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I.1. Objetivos
1. Discorrer sobre as consequências legais do erro médico, no concernente à conduta
culposa do médico radiologista na interpretação do exame mamográfico com vistas
a diagnosticar o câncer de mama.
2. Analisar as decisões judiciais ocorridas no período de janeiro/2000 a junho/2011 e
relacioná-las ao tipo de obrigação, a responsabilidade civil e a falha na
interpretação do exame mamográfico.
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II. FUNDAMENTOS TEÓRICOS
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II.1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ERRO MÉDICO DENTRO DA
RESPONSABILIDADE CIVIL
Inicialmente, se faz necessária uma breve análise da evolução histórica do erro médico
de uma maneira geral dentro do instituto da Responsabilidade Civil, para apenas em momento
ulterior traçarmos um panorama do erro médico no campo específico da radiologia.
Dentro deste contexto histórico necessário se faz destacar as lições de Delton Croce
Júnior12: “É assaz difícil convictamente falar que, nos primórdios da humanidade, no que
pertine ao castigo da imprudência médica, existiam preceitos que regulavam de modo
específico o dano, a lesão e o homicídio culposo, como forma de vingança privada, primitiva,
selvagem, de reação contra o prejuízo sofrido, pois dominava então o materialismo no
Direito, com a proclamação do princípio geral do castigo como conseqüência imediata do
dano”.
Este mesmo doutrinador12 afirma, na seqüência, em suas obra que os povos da
Antigüidade foram os pioneiros na elaboração de uma legislação reguladora da conduta
profissional da atividade médica. Desta feita, o Código de Hamurabi (1686 – 1750 a.C.) –
confeccionado pelo rei da Babilônia – que consagra em seu art. 218 a lei do Talião, a qual,
tem alguns de seus dizeres reproduzidos na Lei das Doze Tábuas (adotada em Roma por volta
de 425 a.C.) – que imputava, entre outras, penas cruéis como a amputação das mãos, aos
cirurgiões que não lograssem êxito nos seus procedimentos.
Os cirurgiões também tinham punição prevista no Código de Ur-Nammu (2111 – 2084
a.C.) – em seu artigo 625 referia-se à responsabilidade do médico - no Código de Manu, no
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Cho-King dos chineses, na Lei de Zoroastro, sendo econômica a penalização. O Talmude
implantou a multa, prisão e imposição de castigos físicos. No Egito, ao lado da elevada
posição que desfrutavam, os médicos tinham um livro com regras estabelecidas para seu
exercício profissional que na hipótese de descumprimento eram punidos com a morte. A Lei
Aquilia, entre os romanos obrigava o médico a indenizar se um escravo morria sob seus
cuidados; também o médico que agisse com imperícia ou negligência era exilado ou
deportado. Persistiram ainda na Idade Média as pesadas sanções aos médicos12.
No início do século XIX, o Código Civil Francês introduziu a regulamentação dos atos
humanos prejudiciais a outrem. A obrigação de indenizar passou a ser conseqüência de
qualquer ato humano, quando causasse dano e, por analogia, os médicos passaram a ser
incriminados por sua imprudência ou negligência. Em 1829, a Academia de Paris proclamou a
exclusiva responsabilidade moral e não econômica, quase extinguindo a necessidade do
médico indenizar os seus erros – salvo erro grosseiro e inescusável. Isso não durou muito e
em 20 de maio de 1836, na França, a jurisprudência sobre responsabilidade médica tornou-se
palpável através do aresto de André Marie Jean-Jacques Dupin, Procurador-Geral da Câmara
Civil da Corte de Cassação de Paris, que estabeleceu bem a necessidade de se submeter à
apreciação judicial a possibilidade do erro médico e afirmava: “Cada profissão encerra em
seu seio, homens dos quais ela se orgulha e outros que ela renega”12.
Atualmente no Brasil, a Responsabilidade Civil por erro médico é norteada pelas
regras da responsabilidade civil genérica previstas nos artigos 927 e 951 do Código Civil.
Entretanto, no concernente aos profissionais liberais, dentre eles os médicos, a legislação
pátria adotou a teoria da responsabilidade subjetiva, na qual a reparação do dano encontra
arrimo na constatação conduta culposa do agente.
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II.2 –ANÁLISE CONCEITUAL DO INSTITUTO DA RESPONSABI LIDADE CIVIL
Feita esta breve análise histórica relevante se faz, por oportuno, um breve
esclarecimento conceitual acerca do instituto da Responsabilidade Civil.
A idéia de Responsabilidade Civil está intimamente ligada à existência da conduta
culposa que, por sua vez, restará configurada sempre que estiverem presentes a imprudência,
imperícia ou negligência.
Com relação ao médico, sempre que este for o agente provocador do dano ao paciente,
agindo de maneira temerária, isto é, precipitadamente sem a cautela exigida (imprudência) ou,
quando o profissional não possui conhecimentos técnicos suficientes ou ainda desatualizados
para diagnosticar o caso (imperícia). Já a negligência estará configurada quando o agir do
profissional da medicina revelar desatenção na utilização das cautelas de praxe exigidas ao
diagnóstico da enfermidade do paciente.
Acerca das supramencionadas modalidades de culpa leciona Sérgio Cavalieri Filho10:
"A imprudência é falta de cautela ou cuidado por conduta comissiva, positiva, por ação. (...)
Negligência é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva. (...) a imperícia, por sua vez,
decorre da falta de habilidade no exercício da atividade técnica (...) O erro médico grosseiro
também exemplifica a imperícia."
Com visto, o conceito de responsabilidade civil por erro do médico, como dos demais
profissionais liberais está entrelaçado a idéia de culpa sendo sobremaneira discutido
atualmente. Entretanto, apesar a multiplicidade de conceitos existentes na doutrina, indene de
dúvidas pode-se utilizar os ensinamentos de Pontes de Miranda23 na tentativa de defini-lo.
Vejamos: “Quando fazemos o que não temos o direito de fazer, certo é que cometemos ato
lesivo, pois que diminuímos, contra a vontade de alguém, o ativo dos seus direitos, ou lhe
elevamos o passivo das obrigações, o que é genericamente o mesmo”. E complementa mais à
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frente: “O que se induz da observação dos fatos é que em todas as sociedades o que se tem
por ofensa não deve ficar sem satisfação, sem ressarcimento”.
O autor Jerônimo Romanello Neto25 traça um paralelo entre a reparação civil e a penal
em sua obra “Responsabilidade Civil dos Médicos” aduzindo que: “A reparação civil serve, e
deve servir para reintegrar o prejudicado na sua situação patrimonial anterior, em razão do
prejuízo experimentado. A reparação penal restitui a ordem social ao estado anterior do
ilícito praticado. A responsabilidade civil tende à reparação, a responsabilidade penal tende
à punição”.
Com efeito, o dever jurídico da responsabilidade na maioria dos casos encontra
alicerce num contrato, fato ou omissão, advindo, assim, tanto da convenção como da norma
jurídica. Pode, pois, a responsabilidade civil, singelamente, definir-se como a obrigação de
reparar o prejuízo causado a alguém21.
Pode-se complementar a assertiva acima com o ensinamento de Irineu Antônio
Pedrotti21: “Na acepção jurídica responsabilidade corresponde ao dever de responder (do
latim respondere) pelos atos próprios e de terceiros, sob proteção legal, e de reparar os
danos que forem causados”.
Neste diapasão, muito auxiliam o entendimento e conceituação do que é a
responsabilidade civil da Professora Maria Helena Diniz14: “A responsabilidade civil é a
aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial
causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela
responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.
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II.3. – RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO DO MÉDICO INTERPRETADOR
Analisados os conceitos acima, podemos extrair para o propósito deste trabalho que a
responsabilidade civil do médico se caracteriza quando estiverem presentes os seguintes
requisitos: ocorrência do dano ao paciente, ação ou omissão culposa do médico e por fim o
nexo de causalidade entre a ação ou omissão culposa do médico e o dano causado. Assim,
uma vez presentes estes pressupostos, necessária se revelará a necessidade imposição de
condenação pecuniária.
Como visto acima, é notório que a relação que se estabelece, entre o médico e o
paciente em um atendimento médico pode ser também contratual. Não é diferente nos
Serviços de Radiologia, sendo esta relação contratual estabelecida entre o paciente e o médico
interpretador submetida ao que determina o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.048/1990) 8.
Isto porque, o prestador de um serviço de radiologia, seja pessoa física ou jurídica,
apresenta-se como fornecedor de serviços de exames médicos, assim caracterizando-se uma
relação de consumo. O referido diploma legal em seu artigo 3º, no caput, conceitua
fornecedor: "Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de (...)
prestação de serviços". O mesmo Código de Defesa do Consumidor exclui como prestação de
serviço, dentro de uma relação de consumo regida por este código, aquelas atividades
exercidas como decorrência de uma relação de caráter trabalhista8.
Por outro lado, a lei consumerista, em seu artigo 2º, nos fornece também o conceito de
consumidor como: “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço
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como destinatário final".8. Desta forma, o paciente que é submetido a um exame radiológico
é, pois, um consumidor deste serviço, ou seja, nada mais é que o destinatário final, portanto
consumidor do serviço utilizado para fazer um diagnóstico, ou até tratamento, do seu eventual
problema de saúde.
A jurisprudência pátria é assente no sentido de ser objetiva a responsabilidade das
empresas prestadoras de serviços em radiologia por eventuais danos causados aos pacientes.
Este entendimento, realmente não poderia ser diferente, uma vez que nos termos do artigo 14
do Código de Defesa do Consumidor "O fornecedor de serviços responde, independentemente
da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas
sobre sua fruição e riscos” 8.
Todavia, este mesmo artigo em seu parágrafo 4º ("A responsabilidade pessoal dos
profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa") expressa que o caput
deste artigo não se aplica aos profissionais liberais, no caso os médicos. Compartilha deste
entendimento Regina Beatriz Tavares da Silva26 ao analisar o teor de um acórdão: "Como
esclareceu o acórdão, o alegado dano não ficou provado, sendo que não se aplica o Código
de Defesa do Consumidor, em responsabilidade civil dos profissionais liberais, por
determinação legal expressa do artigo 14, §4º, desse diploma legal." .
Assim quando se analisar a responsabilidade civil de uma empresa prestadora de
serviços de saúde em Diagnóstico por Imagem, antes de considerar objetiva a
responsabilidade desta, há que se averiguar, em juízo, se houve responsabilidade em termos
de responsabilidade subjetiva do médico profissional liberal (presença de culpa na atuação do
profissional), que porventura tenha causado dano a um paciente. Só, então, comprovado que o
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dano eventual a um paciente resultou do agir culposo do médico, poderá vir a ser
responsabilizado objetivamente, nos tribunais, o serviço de radiologia onde este exercer as
suas atividades.
Em regra os serviços de radiologia são responsáveis pelos danos causados por erros
dos radiologistas e outros profissionais que exerçam atividades nestes serviços médicos
caracterizando a responsabilidade in eligendo e in vigilando. No concernente a
responsabilidade in eligendo nos diz Rui Stoco27: "Culpa in eligendo é a oriunda da má
escolha do representante, ou preposto.". Acerca da mesma responsabilidade in eligendo, nos
ensina Caio Mário da Silva26 Pereira: "culpa in eligendo, quando há má escolha de uma
pessoa a quem é confiada uma certa tarefa". O mesmo Caio Mário 26 leciona sobre a
responsabilidade in vigilando: "culpa in vigilando, quando uma pessoa falta ao dever de
zelar, ou comete uma desatenção quando tinha o dever de observar".
Estes institutos já estão consagrados pela legislação pátria, nos termos do artigo 932,
inciso III, do Código Civil brasileiro, verbis: "São também responsáveis pela reparação civil:
(...) III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais ou prepostos, no
exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele", que instituiu como sendo objetiva
a responsabilidade do empregador ou comitente pelos atos lesivos pelos quais sejam
responsabilizados, em juízo, os seus empregados, serviçais ou prepostos 22.
Na mesma linha de raciocínio, apesar de não mencionar que a responsabilidade é
objetiva, mas sim presumindo a culpa no agir do patrão ou comitente - preponentes - foi
editada a Súmula 341, do STF - Supremo Tribunal Federal: "É presumida a culpa do patrão
ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto"24.
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Sendo assim, os serviços de radiologia podem ser responsabilizados nos tribunais
pelos prejuízos que venham a sofrer pacientes em decorrência dos procedimentos aos quais
são submetidos. Esta responsabilização poderá ocorrer mesmo quando causados danos aos
pacientes por seus agentes ou prepostos.
E, no que se refere aos médicos, ainda que estes não possuam vínculo laborativo com
o serviço de radiologia, não estará afastada em juízo a responsabilidade pelo ressarcimento
aos pacientes que porventura sofrerem dano em virtude das características das atividades
profissionais desenvolvidas nestas empresas de saúde. Isto porque, o preposto, médico
radiologista, estará sempre executando atividades com um objetivo específico: realizar
exames médicos especializados na área da radiologia oferecidos por estas entidades 23.
Além da responsabilidade pelos seus prepostos, os serviços de radiologia também são
responsáveis pelo fato da coisa, nos termos do artigo 938, do Código Civil brasileiro ("Aquele
que habitar prédio, ou parte dele, responde, pelo dano proveniente das coisas que dele
caírem ou forem lançadas em lugar indevido"), uma vez que através de uma interpretação
extensiva os medicamentos que ocasionarem danos aos pacientes podem gerar
responsabilidade pelos prejuízos aquele que os tenha ministrado ou prescrito 25.
Neste momento, vale frisar que os contrastes radiológicos dentre outras substâncias
semelhantes utilizadas nos exames por imagem são consideradas medicamentos à luz do
nosso direito positivo no Decreto federal nº 79.094/77, em seu artigo 3º, inciso II:
"Medicamento é o produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade
profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico".
Desta forma, ante as considerações feitas acima, pode-se extrair que se impõe aos
serviços de radiologia o dever de cuidar da conservação dos pacientes para que estes estejam
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sempre livres de qualquer dano, desenvolvendo atividades que não os coloque em risco. Aliás,
será sempre necessário levar-se em conta relação risco-benefício dos procedimentos
favoráveis ao paciente, em respeito a outro dos três princípios básicos da ética médica, ou
seja, o princípio da beneficência/não-maleficência - o terceiro seria o da justiça.17
II.4 – FUNDAMENTOS DOS LITÍGIOS ENTRE PACIENTES, MÉ DICOS E OS
SERVIÇOS DE RADIOLOGIA
Nos itens subsequentes serão abordados os principais aspectos atinentes ao diagnóstico
do câncer de mama, que podem servir de fundamento para litígios entre médicos, Serviços de
Radiologia e pacientes, dentre eles os diagnósticos falso-negativos, diagnósticos falso-
positivos e falha na comunicação 7,25.
II.4.1 – DIAGNÓSTICOS FALSO-NEGATIVOS
Em regra, os diagnósticos falso-negativos quase sempre servem de arrimo para a
maioria das ações ajuizadas em face dos serviços de radiologia e médicos radiologistas.
Algumas décadas passadas, as fraturas não diagnosticadas eram as causas mais ordinárias dos
pleitos judiciais. No final da década de 80, os erros falso-negativos de tumores malignos,
mormente os de câncer de pulmão e do cólon, se transformaram numa base mais significativa.
A título de exemplo, a falha no diagnóstico da neoplasia mamária foi apontada em
2002 pelo relatório de Physicians Insures Association of América (PIAA - uma organização
que reúne 26 companhias de seguro de responsabilidade civil médica) como condição mais
usual e segunda mais cara relacionada a ações entre pacientes e todos os médicos das mais
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variadas especialidades, sendo os radiologistas os especialistas mais regularmente
acionados22.
Com efeito, os erros de diagnóstico podem ser oriundos das falhas de percepção ou
erros de julgamento. A falha de percepção ocorre quando um achado anormal não é
percebido. Já o erro de julgamento ocorre quando uma anormalidade é detectada, porém não
interpretada adequadamente. Nas duas hipóteses, estará viabilizada a possibilidade de
ajuizamento de uma ação indenizatória. Todavia, vale lembrar que não é fácil diferenciar
erros simples de uma transgressão de um padrão de conduta 7,25.
Outro ponto que não se pode esquecer é a realidade de que alguns tumores mamários
serão evidentes apenas em estudos retrospectivos, ainda que o exame inicial tenha sido
analisado com um satisfatório padrão de cuidado. Realmente constatam-se, não com rara
freqüência, que alguns tumores podem ser considerados não suspeitos mesmo pelos
radiologistas mais experientes, tornando sua malignidade evidente tão somente depois de uma
análise comparativa com estudos subseqüentes 15.
Isto porque, a mamografia é por sua natureza imperfeita, possuindo sensibilidade
próxima de 90%, o que significa que, aproximadamente 10% dos tumores malignos não serão
visualizados o que nos leva a entender, que tais imperfeições, isto é, inexatidões do método
não deveriam servir sequer como esboço para uma demanda judicial 11.
II.4.2 – DIAGNÓSTICOS FALSO-POSITIVOS
Como se sabe, o diagnóstico falso-negativo por ser considerado de maior gravidade
tem merecido maior atenção da sociedade. Diz-se por merecimento, porque ainda que o
diagnóstico falso-positivo venha a causar transtornos ao paciente, muitas vezes de graus
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elevados, estes nem se comparam a um diagnóstico falso-negativo que esconde a existência
ou a malignidade de um tumor gerando não raro o óbito do paciente 25,26.
Todavia, por outro lado, os diagnósticos falso-positivos podem acarretar problemas
derivados do uso excessivo de medicamentos, biópsias e exposição freqüentes as radiações
desnecessárias, fornecendo eventualmente o fundamento para o ajuizamento de ações por
pacientes que se sentirem lesados 12.
Realmente, deve-se levar em conta que, a paciente ao ser informada que no seu exame
mamográfico existe a suspeita de um câncer de mama e uma biópsia se faz necessária, seu
estado de saúde indubitavelmente se transforma. Radiologistas podem induzir imediatamente
a modificação no estado de humor ou dependendo dos casos até de saúde de uma paciente
quando sugerem a existência de um câncer que na realidade não existe.
Por fim, um diagnóstico falso positivo pode determinar estresse emocional tão elevado
que pode, inclusive tornar a paciente incapacitada psicológica e momentaneamente para o
trabalho. Não raro, este tipo de diagnóstico pode acarretar na realização de cirurgias
desnecessárias o que sem dúvida algum consubstancia um forte alicerce para o ajuizamento de
ações12.
II.4.3 – FALHAS NA COMUNICAÇÃO
A comunicação eficiente dos resultados é indispensável para o correto uso das
informações obtidas por meio do exame mamográfico. A identificação de uma anormalidade
na mamografia pode não acarretar nenhum benefício para a paciente, se não sucedida de
medidas de tratamento adequadas em tempo hábil. Todavia, não há como negar, que mesmo
em situações satisfatórias de comunicação à paciente, através de relatório impresso, contato
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telefônico podem ocorrer atrasos no início ou no seguimento do tratamento, muitas vezes por
displicência da própria paciente em valorizar a importância do retorno ao consultório médico
com o resultado do exame. Por outro lado, se além disso houver falha na comunicação, a
demora em implementar o tratamento adequado não poderá ser imputada à paciente, mas ao
serviço de radiologia.
Diante deste quadro, pode-se entender que os radiologistas podem ser considerados
negligentes na hipótese de não notificação ao médico requisitante de maneira oportuna sobre
os achados mamográficos relevantes.
Portanto, constata-se que um dos deveres dos radiologistas está em comunicar de
forma efetiva os resultados desses achados mamográficos no tempo correto.
II.4. DEFINIÇÃO DE OBRIGAÇÕES
O presente tópico tem por objetivo discutir acerca de duas modalidades de obrigações,
polêmicas com relações a algumas profissões, e atos decorrentes de seu exercício. Tais
modalidades, presentes no Direito das Obrigações, são as Obrigações de Meio e de
Resultado14. Serão apresentados alguns exemplos práticos com relação a áreas conhecidas,
como a Medicina e o Direito. Existe uma diferença clara entre obrigação de meio e obrigação
de resultado. A discriminação entre estas duas modalidades faz toda a diferença no momento
em que se julga alguma ação de reparação de danos e processos do gênero. Para uma melhor
análise, é necessário distinguir exatamente o que significa cada uma delas.
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II.4.1. Obrigação de Meio
A obrigação de meio é aquela em que o profissional não se obriga a um objetivo
específico e determinado. O que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa
atividade, rumo a um fim, mas sem o compromisso de atingi-lo. O contratado se obriga a
prestar atenção, cuidado, diligência, lisura, dedicação e toda a técnica disponível sem garantir
êxito. Nesta modalidade o objeto do contrato é a própria atividade do devedor, cabendo a este
enveredar todos os esforços possíveis, bem como o uso diligente de todo seu conhecimento
técnico para realizar o objeto do contrato, mas não estaria inserido aí assegurar um resultado
que pode estar alheio ou além do alcance de seus esforços. Em se tratando de obrigação de
meio, independente de ser a responsabilidade de origem delitual ou contratual, incumbe ao
credor provar a culpa do devedor 14.
II.4.2.Obrigação de Resultado.
Na obrigação de resultado há o compromisso do contratado com um resultado
específico, que é o ápice da própria obrigação, sem o qual não haverá o cumprimento desta. O
contratado compromete-se a atingir objetivo determinado, de forma que quando o fim
almejado não é alcançado ou é alcançado de forma parcial, tem-se a inexecução da obrigação.
Nas obrigações de resultado há a presunção de culpa, com inversão do ônus da prova,
cabendo ao acusado provar a inverdade do que lhe é imputado 14.
Segundo o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior: "Sendo a obrigação de resultado,
basta ao lesado demonstrar, além da existência do contrato, a não obtenção do objetivo
prometido, pois isso basta para caracterizar o descumprimento do contrato, independente das
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suas razões, cabendo ao devedor provar o caso fortuito ou força maior, quando se exonerará
da responsabilidade".
II.4.3. Interpretação em relação à Medicina
Na área médica em geral é adotada a responsabilidade decorrente da obrigação de
meio, ou seja, o médico não promete curar doenças, mas ele se compromete a utilizar todos os
meios possíveis e lícitos para que isto aconteça. Não sendo alcançada a finalidade proposta na
Obrigação, o médico só responde pela responsabilidade se o paciente provar que não houve a
utilização de todos os meios para se chegar ao resultado14.
A cirurgia estética é uma das ramificações da Medicina que segue uma orientação
diversa. Para entender a razão desta diferença, é necessário tomar conhecimento de que a
cirurgia plástica pode ser dividida em dois tipos, tendo em vista a finalidade a ser alcançada:
Cirurgia plástica reparadora: intervenção cirúrgica, ainda que promova melhoria estética, não
tem neste seu objetivo principal, mas sim a resolução de problemas de natureza médica, como
a correção de defeitos congênitos e outros traumas decorrentes de acidentes de qualquer
natureza. Cirurgia plástica estética: tem seu objetivo limitado ao resultado puramente
estético, visando unicamente aperfeiçoar o aspecto externo de uma parte do corpo. Neste tipo
de cirurgia o paciente busca o cirurgião sem apresentar qualquer doença; visa, apenas, o puro
embelezamento 14.
As maiores divergências vêm do fato de existirem duas correntes que defendem todas
as modalidades de Obrigações, presentes na Cirurgia puramente estética. A corrente que
defende a obrigação de meio para este tipo de procedimento tem como defensores os
Ministros Rui Rosado Aguiar e Carlos Alberto Menezes Direito. Eles defendem que a cirurgia
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plástica é um ramo da cirurgia geral, estando sujeita aos mesmos imprevistos e insucessos
daquela, de modo não ser possível punir mais severamente o cirurgião plástico do que o
cirurgião geral, haja vista pertencerem à mesma área. Afirmam que o corpo humano possui
características diferenciadas para cada tipo de pessoa, não sendo possível ao médico
comprometer-se a resultados diante da diversidade de organismos, reações e complexidade da
fisiologia humana. Condenam até mesmo os médicos que prometem resultados aos pacientes,
uma vez que não poderiam ser responsabilizados por estes, porque não podem garantir
elasticidade da pele, cicatrização, fatores hereditários, repouso, alimentação, pós-operatório,
etc.
Aduzem ainda que o que é diferente na cirurgia estética strictu sensu é o dever de
informação que deve ser exaustivo e o consentimento informado do paciente que deve ser
claramente manifestado. Para o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Carlos Alberto
Direito: “Não se pode generalizar, pois cada caso tem a sua especificidade. Em nenhum
momento, o juiz pode trabalhar fora do problema em si mesmo, fora daquela situação em que
ocorreu a lesão. Por isso, é que se pede ter sempre a consideração de que o médico não pode
assumir, em nenhuma circunstância, a responsabilidade objetiva. Daí, ao meu ver, por
exemplo, a impertinência de se identificar a cirurgia plástica embelezadora como de resultado,
pois ela não é diferente de qualquer outro tipo de cirurgia, estando subordinada aos mesmos
riscos e às mesmas patologias.”
Porém, a maioria dos juristas defende arduamente que a obrigação do médico na
cirurgia estética não reparadora é de resultado. Entre eles, o Ministro Humberto Gomes de
Barros, do STJ. A seguir, reproduzidos alguns grifos, de diversos ministros, retirados do
acórdão por ele proferido no Recurso Especial n° 618.630, STJ, publicado no DJU em
07.04.2005: "Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume
21
obrigação de resultado (Responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não
cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade.
Cabível a inversão do ônus da prova" (REsp 81.101/Zveiter): "O profissional que se propõe a
realizar cirurgia, visando melhorar a aparência física do paciente, assume o compromisso de
que, no mínimo, não lhe resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião a avaliação dos
riscos. Responderá por tais danos, salvo culpa do paciente ou a intervenção de fator
imprevisível, o que lhe cabe provar (AgRg no AG 37.060/Eduardo Ribeiro).
Atualmente há um verdadeiro comércio no ramo da cirurgia plástica, com o aumento
desordenado da procura por corpos perfeitos e oferta de cirurgias por profissionais nem
sempre habilitados. Isso é um dos fatores que leva a segunda corrente a apresentar um número
maior de adeptos.
22
III. MATERIAL E MÉTODO
23
III.. MATERIAL E MÉTODO
No campo jurídico, a pesquisa bibliográfica é o método por excelência de que dispõe o
pesquisador, pois não se pode fundamentar um trabalho jurídico sem a apresentação das leis
que regulam o tema ou das decisões judiciais que aplicam a lei ao conflito de interesses
existente na sociedade.
A pesquisa jurídica foi basicamente bibliográfica e documental, extraída do estudo da
legislação, dos livros de ciências jurídicas pertinentes, além das decisões judiciais. Estas
contribuições foram extraídas principalmente do estudo dos livros de Direito Civil, além das
decisões dos tribunais brasileiros, que são juridicamente chamadas jurisprudência.
Com o objetivo de analisar o entendimento dos tribunais nacionais, dentre eles o
Supremo Tribunal Federal, a quem bem compete revisar, em grau de recurso as decisões
judiciais que afrontam a Constituição Federal, bem como o Superior Tribunal de Justiça que
tem a competência de julgar em grau de recurso as decisões violadoras das leis federais, além
dos Tribunais de algumas Unidades da Federação, especialmente o Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, foi realizada a busca nos seus respectivos sites (www.tj.rj.gov.br)
de decisões judiciais no período de janeiro de 2000 a junho de 20011. Dessas decisões foram
extraídas todas as que se relacionavam a decisões de erro médico na interpretação dos exames
mamográficos.
O material utilizado demonstrou a visão dos tribunais acerca do tema objeto desta
pesquisa, revelando as conseqüências do erro do médico radiologista no âmbito do Direito
Civil consubstanciadas em indenizações monetárias.
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Foi realizada uma análise em relação à classificação do tipo de obrigação, quantas
decisões judiciais foram favoráveis aos Serviços de Radiologia no qual a responsabilidade
civil independe de demonstração de culpa, bem como do médico radiologista na qual a
caracterização da culpa é indispensável à imputação de condenação.
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IV.RESULTADOS
26
IV. RESULTADOS
IV.1. Análise das decisões judiciais
Na linha do que foi proposto no objetivo deste trabalho foi elaborada uma pesquisa de
decisões judiciais, denominadas jurisprudências em três tribunais brasileiros, a saber: o
Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal de Justiça do Estado do
Rio de Janeiro.
Na pesquisa inicial realizada no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal com
os termos “erro médico” foram encontrados 11 casos no período compreendido entre o ano
2000 e 2011, neles incluídos todos os tipos de erros cometidos por profissionais de medicina e
Odontologia. Numa segunda busca realizada neste mesmo endereço e período foram
utilizados os termos “erro médico e mamografia” e “erro médico e câncer de mama” não
tendo sido encontrado nenhum processo sequer.
Na pesquisa inicial realizada no endereço eletrônico do Superior Tribunal de Justiça
com os termos “erro médico”, foram encontrados 200 casos no período compreendido entre o
ano 2000 e 2011, neles também incluídos todos os tipos de erros cometidos por profissionais
de medicina e odontologia. Numa segunda busca realizada neste mesmo endereço e período
foram utilizados os termos “erro médico e mamografia” e “erro médico e câncer de mama”
não tendo sido encontrado também nenhum processo.
Na pesquisa inicial realizada no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro com
os termos “erro médico”, foram encontrados 300 processos julgados neles inclusos todo e
qualquer espécie de erro médico, inclusive os odontológicos.
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Numa segunda etapa, foram utilizados os termos “erro médico e mamografia” e “erro
médico e câncer de mama”, na qual foram encontrados 8 processos julgados.
Nestes 8 processos analisados foi possível observar que os fundamentos dos litígios
entre pacientes, médicos e serviços de radiologia ocorreram em virtude de três resultados de
exames falso-positivos e dois falso-negativos. Nos outros três casos não restou configurado o
erro médico sendo que num deles foi atribuída responsabilidade de laboratório de terceiros.
Em outras palavras, foram condenados médicos e serviços em 5 casos, com indenizações
variando de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 72.000,00 (setenta e dois mil reais) e
comprovada a inocência em três casos. Na tabela I encontram-se as decisões judiciais
(acórdãos) dos 8 processos.
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Tabela 1: Relação de processos julgados referentes a erros médicos relacionados à
mamografia.
Nº do Processo Tipo de erro médico
Tipo de decisão Causa do pedido do Dano Moral
Valor da indenização
1) 0000510-17.2006.8.19.0028
Diagnóstico Exames MMG e US (Falso +).
Condenação Médico e Serviço
Alterações Psicológicas
R$15.000,00
2) 0010941-64.2006.8.19.0205 (2009.001.24142)
Diagnóstico Exames MMG e US (falso -)
Condenação Médico e Serviço
Retirada MD e QT R$20.000,00 +Cirurgia plástica restauradora
3) 0005208-39.2005.8.19.0210
Não foi considerado erro
Inocência Não comprovado N/A
4) 0131310-35.1997.8.19.0001 (2005.001.37248)
Diagnóstico (falso +)
Condenação do Médico e do Serviço
Extirpação de ambos os seios
R$40.000,00
5) 0159620-46.2000.8.19.0001 (2003.001.13839)
Não foi considerado erro do médico
Responsabilidade de terceiros (Biópsia equivocada)
Mastectomia radical + óbito
N/A
6) 0176647-76.1999.8.19.0001 (2002.001.10417)
MMG (+) Biópsia não solicitada (verdadeiro positivo)
Condenação do Médico e do Serviço
Óbito R$72.000,00
7) 0132233-75.2008.8.19.0001
Erro Diagnóstico MMG e US (falso negativo)
Condenação do Médico e do Serviço
Quadrantectomia MD e RT
R$20.000,00
8) 0012374-30.2009.8.19.0066
Divergência no BI-RADS (falso +)
Inocência Hipertensão N/A
Legenda: MMG = mamografia, US = ultrassom, MD = mama direita, RT = radioterapia, QT =
quimioterapia, N/A = não se aplica.
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V. DISCUSSÃO
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V- DISCUSSÃO
Os resultados encontrados representam demandas da sociedade com o intuito de
buscar através de uma decisão definitiva proferida pelos tribunais brasileiros uma solução
para os conflitos de interesses que surgem entre os pacientes e seus médicos, serviços de
radiologia e hospitais tendo como fundamentos supostos atos de imperícia, negligência ou
imprudência.
Destarte, percebe-se que no primeiro julgado apresentado na tabela constata-se um
resultado falso-positivo que o tribunal entendeu que provocou alterações psicológicas na
autora sendo esta merecedora da indenização por danos morais no valor de R$15.000,00
(quinze mil reais).
Vale dizer, que o tribunal entendeu ausente a prova de que o erro de diagnóstico
(falso-positivo) cometido pelo serviço de radiologia através de seu médico não teria colocado
em risco a saúde da paciente, o que interferiu no seu comportamento psicológico, para fins de
acolhimento da verba moral.
No segundo julgado destacado na tabela, constata-se um defeito na prestação de
serviço de exame clínico detectado por um erro de diagnóstico que provocou a retirada da
mama direita e tratamento quimioterápico para terapêutica de câncer gerando a condenação da
instituição de saúde ao pagamento de danos morais fixados em R$20.000,00 (vinte mil reais)
e no custeio de cirurgia plástica restauradora, a ser realizada.
Neste caso, a paciente se submeteu a exame de mamografia em 21/09/2005 e de
ultrassonografia mamária em 02/02/2006, realizados pela casa de saúde ré no processo que
apresentou laudos negativos para cisto mamário. Todavia, quando a ultrassonografia mamária
31
foi realizada em outro estabelecimento, em 13/02/2006, foi constatada a presença de nódulo
sólido na mama direita. Além disso, laudo pericial médico feito no processo concluiu que
ambos os exames clínicos de imagem realizados pela casa de saúde apresentaram laudos
errôneos.
Isto porque, segundo a análise pericial das imagens do mesmo exame diagnostica
nódulo altamente suspeito desde o exame realizado em 21/09/2005, assim o erro no
diagnóstico foi causado exclusivamente pelo defeito no exame clínico realizado pela casa de
saúde.
No terceiro julgado encontrado não restou devidamente comprovada a
responsabilidade civil da casa de saúde ré no processo em virtude de ter sido declarada a
inocência do médico. Isto porque, a autora tentou fazer prova de suas alegações através de
uma requisição de exames e não de um laudo médico. Tendo o tribunal entendido que uma
solicitação de exames deve constar o suposto diagnóstico, até mesmo para facilitar e
direcionar o procedimento que, na maioria das vezes, é realizado por outro profissional que
não tem ciência do histórico da paciente.
No quarto caso destacado na tabela um equivocado diagnóstico falso positivo gerou
uma intervenção cirúrgica na paciente da qual lhe resultou em mastectomia. Neste processo, o
ato cirúrgico, de acordo com a prova pericial produzida nos autos, era completamente
desnecessário e mesmo não recomendado, envolvendo a hipótese de erro no diagnóstico e no
procedimento cirúrgico, de modo que, mesmo sendo a cirurgia bem sucedida, não era para ser
realizada, pois, a autora não apresentava qualquer enfermidade que justificasse a retirada das
mamas.
O quinto julgado destacado na tabela não foi considerado erro médico, posto que
restou afastada a responsabilidade do médico e do hospital por culpa exclusiva de terceiro que
32
realizou biópsia equivocada. O médico realizou o tratamento com base em biópsia realizada
por laboratório de terceiro que apontava apenas displasia mamária (alteração de natureza
benigna), afastando o diagnóstico do câncer.
Entretanto, quando o exame foi refeito por instituto especializado que detectou o
equívoco do anterior, identificando o câncer de mama, já era tarde demais obrigando à
realização de mastectomia radical (retirada completa da mama) e acarretando posteriormente
no óbito da paciente.
Vejamos a ementa: “RESPONSABILIDADE CIVIL DE ESTABELECIMENTO
HOSPITALAR ERRO MÉDICO LAUDO PERICIAL AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO.
CULPA DE TERCEIRO. APELAÇÃO. Responsabilidade civil de estabelecimento
hospitalar. Quer prevaleça o caráter subjetivo do erro médico quer o objetivo do serviço
defeituoso, ambos alegados pela recorrente, filha menor da autora, falecida no curso do
processo, a responsabilidade reparatória de danos materiais e morais não prescinde do nexo
de causalidade. Biópsia, por laboratório de terceiro, que afasta o diagnóstico de câncer,
apontando displasia mamária (alteração de natureza benigna), que assim tratada pelo
médico do estabelecimento réu. Diagnóstico que se mostra equivocado meses depois, quando
refeito por instituto especializado, obrigando a realização de mastectomia radical (retirada
completa da mama). Caráter definidor, afirmado em perícia, do exame de histopatológico,
que "selou" o diagnóstico de tumor benigno e desviou o tratamento. Causa espúria que se
intromete no curso regular do atendimento médico, provocando o dano, rompe a relação de
causa e efeito entre este e a conduta adotada pelo médico do réu. Procedimentos que perícia
verificou haverem sido adequados ao resultado histopatológico. Erro médico e defeito do
serviço não caracterizados diante da culpa exclusiva de terceiro, que não é parte na
demanda. Desprovimento do apelo”
33
No sexto julgado destacado na tabela o médico foi condenado a pagar indenização aos
herdeiros da paciente no valor de R$ 72.000,00 (setenta e dois mil reais). Após as consultas
iniciais a paciente apresentou ao médico mamografia cujo resultado indicava a necessidade de
realização de biópsia. No entanto, o médico não determinou a realização do exame o que
inviabilizou a descoberta da doença no estágio inicial.
Em virtude desta conduta culposa, a paciente só veio a descobrir câncer de mama 2
anos mais tarde, através de outro profissional, o que acarretou no falecimento da paciente no
curso da ação.
Vejamos a Ementa: “RESPONSABILIDADE CIVIL DE MEDICO ERRO DE
DIAGNOSTICO MORTE DE PACIENTE DANO MORAL. Ação de indenização por danos
morais. Erro de diagnostico. Autora, falecida no curso da ação, que apresentou ao réu
mamografia cujo resultado indicava a necessidade de realização de biópsia. Réu que não
determinou a realização do exame. Autora que só veio a descobrir câncer de mama dois anos
mais tarde, através de outro profissional. Sentença que condenou o réu ao pagamento de
indenização no valor de 72 mil reais. Inocorrência do alegado cerceamento de defesa.
Intempestiva a alegação de que o perito nomeado não tem os conhecimentos técnicos
necessários para avaliar o caso. Laudo pericial conclusivo no sentido de que houve erro de
diagnostico. Correta a sentença adotada na forma regimental. Não provimento do recurso”15
No sétimo julgado encontrado foi aplicada ao caso a teoria da perda de uma chance uma
vez que o atendimento prestado pelo hospital à autora fora ineficiente, eis que a mesma só descobrira
sua enfermidade após realizar o exame em outra clínica, a qual chegou ao correto diagnóstico. Diante
disso, o Réu foi condenado no pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$20.000,00
(vinte mil reais) com juros de mora a contar da citação e correção monetária, a contar da publicação do
acórdão e nas custas processuais e honorários advocatícios, de 10% sobre o valor da condenação.
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No oitavo e último julgado encontrado, também não houve condenação nem do
médico, nem do serviço, uma vez que, o primeiro laudo classificou as microcalcificações na
categoria 4, apontando a necessidade de realização de biópsia, ao passo que o segundo laudo
classificou as mesmas na categoria 3, apontando que são provavelmente benignas, o que
dispensa a realização imediata de biópsia, sendo aconselhável o acompanhamento periódico.
Desta feita, o tribunal entendeu que por não ser a Medicina uma ciência exata, tendo
cada médico o seu parecer e considerando que a divergência dos laudos se resume na
classificação da categoria do sistema BI-RADS, não sendo possível constatar a configuração
de danos morais no caso concreto, por se tratar de obrigação de meio e não de resultado.
Assim sendo, diversamente do argumentado pela paciente, não existiu erro grosseiro
no laudo elaborado pelo médico, eis que a descrição dos dois laudos é de que a autora
apresenta microcalcificações na mama esquerda, havendo apenas diagnósticos distintos, fato
que não foi capaz de ensejar danos morais passíveis de reparação pecuniária.
Para concluir, pode-se dizer que dentro das mais variadas decisões judiciais
encontradas na tabela acima, não se pode chegar a um padrão definido, posto que o
sentimento de justiça é extremamente subjetivo possuindo cada juiz a sua noção de justiça.
Todavia, por outro lado, percebe-se nos julgados encontrados que as decisões estão sempre
em consonância com a perícia realizada, daí a importância da escolha de um bom assistente
técnico para auxiliar o perito do juiz no decorrer da elaboração do laudo pericial, pois é com
base neste laudo pericial que muitas vezes o juiz vai julgar o caso de erro médico na
interpretação da mamografia, levado ao seu conhecimento.
35
VI – CONCLUSÕES
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VI – CONCLUSÕES
O presente trabalho discorreu a forma como em nosso ordenamento jurídico é
abordada a responsabilidade civil destes médicos e dos serviços de radiologia e de como os
tribunais brasileiros têm enfrentado os erros em mamografia no diagnóstico do câncer de
mama.
1. Foram mostrados os mais variados conceitos de responsabilidade civil existentes
na literatura jurídica e na legislação, os tipos de responsabilidade (objetiva e
subjetiva), foram definidas e exemplificadas as obrigações de meio e de resultado
no que concerne ao erro médico na interpretação dos exames de mamografia.
2. Ao analisar as decisões judiciais referentes os serviços de radiologia e a atuação
dos médicos radiologistas e outros profissionais de saúde, foi possível observar
que a sentença imputada pelos juízes está muito relacionada aos pareceres dos
peritos médicos.
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VII - RECOMENDAÇÃO
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VII. RECOMENDAÇÃO
Recomenda-se para minimizar a interpretação de exames de má qualidade, obter o
máximo de informações com a paciente e seu médico, realizando revisão do laudo através de
nova leitura por outro radiologista, procurando através do laudo, transmitir a paciente de
forma pormenorizada todas as informações necessárias, sempre que possível.
39
VIII –REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. AgRg no AG 37.060/Eduardo Ribeiro, localizado no site do STF, www.stf.gov.br, acesso
realizado em 08.07.2010.
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Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais. Entrevista-01 em 5 de fevereiro de
2008. [acessado em 9 de julho de 2010]. Disponível em:
http://www.crmmg.org.br/Noticias/Entrevistas/28_12_2006.
3. Apelação Cível 2002.001.10417, Órgão Julgador: 15ª Câmara Cível, Relator
Desembargador Galdino Siqueira Netto, Julgamento em 19/03/2003, Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro, Ementário: 26/2003 - N. 17 - 02/10/2003.
4. Apelação cível 2002.001.10417. Órgão julgador: 15ª Câmara Cível. Relator:
Desembargador Galdino Siqueira Netto. Julgamento em 19/3/2003. Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro. Ementário: 26/2003 N. 17 02/ 10/2003.
5. Apelação Cível 2003.001.13839, Órgão Julgador: 2ª Câmara Cível, Relator
Desembargador Jessé Torres, Julgamento em 21/07/2004, Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro, Ementário: 49/2004 - N. 57 - 02/12/2004.
6. Apelação Cível Nº 20020017179423, Órgão Julgador: Décima Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em
26/03/2009.
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43
IX- ANEXO I: ARTIGO PUBLICADO