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A Mercantilização da Ciência: Processos, Consequências e Alternativas (Disciplina do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da FFLCH-USP) (2 o semestre de 2014) Prof. Marcos Barbosa de Oliveira NOTAS DE AULA I Mercadoria, mercantilização e mercado Sumário 1. O conceito de mercadoria: atributos básicos 2. Sobre o conceito de propriedade 3. Natureza quantitativa da mercadoria: valor de troca e dinheiro 4. A mercadoria e a dádiva 4.1 Mauss, o autor, e MAUSS, o movimento 4.2 O utilitarismo 4.3 A dádiva contrastada com a mercadoria 5. Mercantilização e mercadorias fictícias: as concepções de Polanyi 5.1 O dinheiro 5.2 A terra 5.3 O trabalho 6. O mercado capitalista e a metáfora da mão invisível 6.1 O mercado como sistema regulador 6.2 O mercado como sistema dinamizador 6.3 A metáfora da mão invisível 1. O conceito de mercadoria: atributos básicos O primeiro trecho de nosso percurso consiste numa análise do conceito de mercadoria, que constitui o cerne do capitalismo. Tomamos como ponto de partida algumas ideias de Marx, mas é importante deixar claro desde já que a análise a ser desenvolvida não tem em essência nada de intrinsecamente crítico, nada que um não- marxista precise necessariamente rejeitar. Os conceitos de mercadoria, mercantilização e mercado não são exclusividade do marxismo, podendo perfeitamente ser usados em descrições apologéticas do capitalismo. (Em contraste, o conceito de mais-valia, por exemplo assim como outros conceitos da teoria marxista , não tem essa característica: é essencialmente crítico, e consequentemente rejeitado pelos adeptos do capitalismo.)

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A Mercantilização da Ciência: Processos, Consequências e Alternativas

(Disciplina do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da FFLCH-USP)

(2o semestre de 2014)

Prof. Marcos Barbosa de Oliveira

NOTAS DE AULA

I – Mercadoria, mercantilização e mercado

Sumário

1. O conceito de mercadoria: atributos básicos

2. Sobre o conceito de propriedade

3. Natureza quantitativa da mercadoria: valor de troca e dinheiro

4. A mercadoria e a dádiva

4.1 Mauss, o autor, e MAUSS, o movimento

4.2 O utilitarismo

4.3 A dádiva contrastada com a mercadoria

5. Mercantilização e mercadorias fictícias: as concepções de Polanyi

5.1 O dinheiro

5.2 A terra

5.3 O trabalho

6. O mercado capitalista e a metáfora da mão invisível

6.1 O mercado como sistema regulador

6.2 O mercado como sistema dinamizador

6.3 A metáfora da mão invisível

1. O conceito de mercadoria: atributos básicos

O primeiro trecho de nosso percurso consiste numa análise do conceito de

mercadoria, que constitui o cerne do capitalismo. Tomamos como ponto de partida

algumas ideias de Marx, mas é importante deixar claro desde já que a análise a ser

desenvolvida não tem em essência nada de intrinsecamente crítico, nada que um não-

marxista precise necessariamente rejeitar. Os conceitos de mercadoria, mercantilização

e mercado não são exclusividade do marxismo, podendo perfeitamente ser usados em

descrições apologéticas do capitalismo. (Em contraste, o conceito de mais-valia, por

exemplo – assim como outros conceitos da teoria marxista –, não tem essa

característica: é essencialmente crítico, e consequentemente rejeitado pelos adeptos do

capitalismo.)

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O conceito de mercadoria desempenha um papel central no sistema de ideias

construído por Marx; isso transparece no famoso primeiro parágrafo d’O Capital1:

A riqueza das sociedades nas quais predomina o modo de

produção capitalista aparece como uma monstruosa coleção de

mercadorias, e a mercadoria singular como sua forma elementar.

Nossa investigação começa, por isso, com a análise da

mercadoria. (p. 13)

Um conceito-chave nessa passagem é o de modo de produção. Um modo de

produção é uma forma específica de organização social da produção dos bens

necessários para satisfazer as necessidades e desejos humanos. O modo de produção

capitalista é aquele em que os bens são produzidos como mercadorias. Entre os outros

modos de produção encontram-se, de uma perspectiva histórica, o feudal, e o antigo; de

uma outra perspectiva, o modo da produção simples de mercadorias (em que a

produção é realizada por produtores independentes, donos dos meios de produção

necessários para seu trabalho), o modo da produção doméstica (produção para consumo

próprio), etc.

Em cada sociedade, ao longo de sua história, em geral co-existem diferentes

modos de produção, sendo um deles o dominante. A uma sociedade vista por esse

prisma dá-se o nome de formação social. O que determina o caráter de uma formação

social é o modo de produção nela dominante; uma formação social capitalista, por

exemplo, é uma formação em que o modo de produção capitalista é o dominante.

Como bem aponta Paul Singer em Uma utopia militante2, há uma ambiguidade

no termo “capitalismo”, usado para designar ora o conceito de modo de produção

capitalista, ora o conceito de formação social capitalista. Essa distinção é importante

para deixar claro que, enquanto formação social, o capitalismo pode envolver, e de fato

tem envolvido, outros modos de produção, além do capitalista – por exemplo, a

produção simples de mercadorias (por artesãos), a produção doméstica, etc. O modo de

produção capitalista é o dominante, mas não o único. Analogamente, em muitas

1. K. Marx, O capital: crítica da economia política. Em todas as citações provenientes do Cap. I

d’O Capital, adotamos a tradução que se encontra em Karl Marx, A mercadoria (tradução do

Cap. I d’O Capital, apresentação e comentários de Jorge Grespan) e os números de página indicados referem-se essa publicação. Outras traduções para o português (assim como para o

espanhol, o inglês, e o francês) usam o adjetivo “imensa” (ou o correspondente nessas outras

línguas) no lugar de “monstruosa” – mais fiel ao original alemão ungeheure.

2. P. Singer, Uma utopia militante: repensando o socialismo, p. 137.

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formações sociais da Antiguidade havia mercadores e mercadorias, mas nem por isso

elas constituíam formações capitalistas. E, o que é mais importante de um ponto de vista

político, o socialismo, como uma formação social, também não exclui necessária e

totalmente a mercadoria: é suficiente para que uma formação social não seja capitalista

que o modo capitalista de produção não seja o dominante.

Voltemos agora ao conceito de mercadoria. O que vem a ser, afinal, a

mercadoria? Recorrendo de novo a Marx,

Inicialmente, a mercadoria é um objeto externo, uma coisa que,

por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de algum

tipo. A natureza dessas necessidades, se elas surgem, por

exemplo, do estômago ou da fantasia, nada altera na coisa. Não

se trata aqui tampouco de como a coisa satisfaz a necessidade

humana, se imediatamente como meio de vida, isto é, objeto de

fruição, ou através de um desvio, como meio de produção. (p.

13-4)

Se algo satisfaz alguma necessidade humana, dizemos que ela tem utilidade, ou

valor de uso, ou ainda, que é um bem. Mas para ser mercadoria, não é suficiente que

algo seja um bem: é necessário também que seja produto de trabalho humano:

Uma coisa pode ser valor de uso, sem ser valor [mercadoria]3.

Esse é o caso quando sua utilidade para o homem não é mediada

pelo trabalho. Assim o ar, o solo virgem, os campos naturais, a

mata selvagem, etc. (p. 22)

Mais ainda: para ser mercadoria, não é suficiente que algo seja um bem, e que

seja um produto do trabalho humano – é preciso também que seja produzido para ser

trocado:

Uma coisa pode ser útil e produto de trabalho humano sem ser

mercadoria. Quem satisfaz sua própria necessidade com seu

produto cria realmente valor de uso, mas não mercadoria. Para

produzir mercadoria, deve produzir não só valor de uso, mas

valor de uso para outros, valor de uso social. (E não só para

outros simplesmente. O camponês medieval produzia o trigo do

tributo para o senhor feudal, e o trigo do dízimo para o padre.

Mas nem o trigo do tributo nem o do dízimo se tornavam

mercadorias, por terem sido produzidos para outros. Para se

3. Nos escritos de Marx, diz-se tanto que um bem pode ter valor de uso quanto que ele pode ser

valor de uso.

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tornar mercadoria, o produto deve ser transferido para outro, a

quem ele servirá como valor de uso, mediante a troca.) (p. 224)

Na linguagem comum, a palavra “troca” é normalmente usada com o sentido de

troca simples, ou escambo, em que nenhum dos bens trocados é dinheiro. Em textos de

economia, “troca” tem um sentido mais amplo, que inclui as operações de compra e

venda. É com esse sentido amplo que a palavra é usada na citação acima, e no que se

segue.

Feito esse esclarecimento, pode-se resumir o que foi exposto até aqui dizendo:

uma mercadoria é (1) um bem (2) produzido pelo trabalho humano (3) para ser

trocado.

Para avançar no entendimento do que vem a ser a mercadoria, passamos a

analisar cada um dos elementos que entram nessa primeira definição, começando com a

troca. Uma constatação bastante óbvia é a de que o conceito de troca – tanto no sentido

restrito quanto no amplo – pressupõe o de propriedade – mais precisamente, o de

propriedade privada. E a propriedade, por sua importância, merece consideração

especial.

2. Sobre o conceito de propriedade

A propriedade se distingue da mera posse física. Ser proprietário de um bem é

ter o direito de fazer certas coisas com ele. Sendo um direito, a propriedade pressupõe

alguma forma de organização social tal que a sociedade tenha meios de impedir – pela

força, se necessário – que sejam violados os direitos dos proprietários. Em geral, e

tipicamente nas sociedades modernas, a função de fazer valer os direitos cabe ao

Estado. A propriedade não é uma relação entre uma pessoa e um bem: é uma relação

entre pessoas, que diz respeito aos bens. É portanto uma relação política. Como diz

Macpherson,

Que a propriedade é política é evidente. A idéia de uma

reivindicação que pode ser imposta implica a existência de

algum órgão que a imponha. O único órgão amplo o suficiente

para isso é toda a sociedade organizada ela própria, ou sua

4. O trecho parênteses foi introduzido por Engels na 4

a edição d’O Capital com a seguinte

observação: “Incluí o trecho entre parênteses, porque com sua omissão surgia frequentemente o

mal-entendido de que qualquer produto consumido por outro que não o produtor valeria para

Marx como mercadoria.—Friedrich Engels.”

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organização especializada, o Estado; e nas sociedades modernas

(isto é, pós-feudais) o órgão de imposição sempre foi o Estado, a

instituição política da idade moderna. Portanto, a propriedade é

um fenômeno político.5

A propriedade assume várias formas, e a primeira distinção é a que separa a

propriedade privada da propriedade pública. Na propriedade privada, ser proprietário

de um bem é ter, entre outros, o direito de excluir outras pessoas da possibilidade de

usar, ou consumir o bem; neste sentido, é um direito exclusivo. A propriedade pública,

em contraste, é o direito de não ser excluído da possibilidade de usar certos bens – os

bens públicos, ou seja, as ruas, praças, no plano das criações artísticas, as obras de

domínio público, etc.

Sendo uma relação política, a propriedade é um dos temas – na verdade, um dos

principais temas – da Filosofia Política, tendo sido discutido por todos os grandes

pensadores que se ocuparam desse ramo da reflexão, de Platão e Aristóteles até Hobbes,

Locke, Rousseau, Marx, e tantos outros. Um tópico central nessas discussões, desde a

Antiguidade até nossos dias, tem sido o estatuto da propriedade privada enquanto

instituição social, tendo havido uma polarização entre os que a condenaram, como

Platão, e os que a defenderam, como Aristóteles.

Até a Idade Moderna, embora o foco das controvérsias estivesse na propriedade

privada, a propriedade pública desempenhava ainda um papel importante no debate. Na

transição para a modernidade, o conceito de propriedade privada se fortalece, deixando

na sombra o de propriedade pública. Essa mudança conceitual, situada no plano das

ideias, se dá em interação com mudanças na realidade social, isto é, na propriedade

como instituição social real. Citando novamente Macpherson,

A partir dos séculos XVI e XVII, cada vez mais terras e recursos

[...] tornavam-se propriedade privada, e a propriedade privada

tornava-se um direito individual ilimitado em extensão, não

condicionado à realização de funções sociais, e livremente

transferível, como tem sido substancialmente até os dias de

hoje.6

Esse conceito fortalecido de propriedade privada está presente no senso comum,

na ideia de que ser proprietário de um bem é poder fazer com ele o que bem se entende.

5. C. B. Macpherson, “The meaning of property”, in C. B. Macpherson (org.), Property:

mainstream and critical positions, p. 4.

6. Ibid,. p. 10.

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Mais precisamente, o que bem se entende respeitados os limites impostos pelas outras

leis que regem a sociedade: ser dono de um revólver naturalmente não dá ao dono o

direito de usá-lo para matar desafetos. Mas apesar disso, como prossegue Macpherson,

O direito [de propriedade] moderno, em comparação com o

direito feudal que o precedeu, pode ser considerado absoluto em

dois sentidos: é o direito de dispor, ou alienar, assim como o de

usar, e é um direito não condicionado à realização de qualquer

função social por parte do proprietário.7

Tal é o pano de fundo da reflexão moderna sobre a propriedade. De novo, a

propriedade privada encontra defensores, como Locke – um dos mais influentes

pensadores da modernidade que se ocuparam da questão –, e críticos, como Rousseau.

Em ambos, como na verdade em toda a tradição filosófica, a propriedade da terra tem

um papel central, funcionando como uma espécie de paradigma para a propriedade de

outros tipos de bens. Para ilustrar isso, bem como a veemência que pode assumir a

condenação da propriedade privada, convém lembrar a famosa passagem de Rousseau

no Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens onde se

lê:

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que,

tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e

encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo.

Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não

pouparia ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas

ou enchendo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes:

“Defendei-vos de ouvir esse impostor; estareis perdidos se

esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence

a ninguém!”8

Podemos agora tornar mais precisa a afirmação de que a propriedade privada é

um pressuposto da troca especificando que o conceito em jogo é o de propriedade

7. Macpherson, op. cit., p. 10.

8. Rousseau, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, p.

259-60. Cf. também a seguinte passagem de Marx, muito citada quando se trata de evidenciar suas preocupações com a questão ecológica: “Do ponto de vista de uma formação econômica

superior [isto é, o socialismo], a propriedade privada individual da terra parecerá de tão mau

gosto quanto a propriedade de um ser humano por outro. Nem mesmo toda uma sociedade, ou toda uma nação, ou todas as sociedades contemporâneas tomadas em conjunto, são donas

absolutas da terra. São apenas seus ocupantes, seus beneficiários, e, como bons pais de família,

têm de deixá-la em melhores condições para as gerações seguintes.” K. Marx, O capital: crítica

da economia política, vol. III, tomo 2, p. 239.

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privada em sua versão moderna, fortalecida. Se a propriedade privada é um pressuposto

da troca, se ser produzido para ser trocado é uma característica essencial da mercadoria,

e se a mercadoria constitui o cerne do capitalismo, então uma maneira de acabar com o

capitalismo é eliminando a propriedade privada. Sendo assim, entende-se que tenha

sido condenada por pensadores anti-capitalistas, tanto anarquistas – como Proudhon,

responsável pelo aforismo “A propriedade é o roubo” (“La proprieté c’est le vol”) –,

quanto socialistas/comunistas – como, naturalmente, Marx e Engels. O próprio termo

“comunismo” remete à questão da propriedade, condenando sua forma privada, em

favor da propriedade comum, ou pública. Mas no pensamento de Marx e Engels, é bom

lembrar, o socialismo implica a abolição da propriedade privada apenas dos meios de

produção, não de todos os bens.

3. Natureza quantitativa da mercadoria: valor de troca e dinheiro

Na medida em que é produzida para ser trocada, o que importa numa mercadoria

M é a proporção em que se dá a troca, isto é o quanto de uma outra mercadoria se

recebe em troca de cada tanto de M – por exemplo, quanto ovos em troca de cada quilo

de farinha. Tal proporção é uma quantidade, e pode ser expressa por um valor, o valor

de troca. O valor de troca tem uma natureza quantitativa, que se mostra mais

evidentemente quando a troca é uma operação de compra e venda, assumindo a forma

de preço, isto é da quantidade de dinheiro que se cede em troca do bem. Devido à

importância do dinheiro no modo capitalista de produção, convém tratar, ainda que

rapidamente, de sua função e seu desenvolvimento histórico, recorrendo para isso ao

clássico A riqueza das nações, de Adam Smith (1723-1790), onde se lê:

Quando começou a implantar-se a divisão do trabalho, a

possibilidade de fazer trocas deve ter sido frequentemente

impedida ou dificultada. Suponhamos que um homem tem uma

quantidade de artigos superior àquela de que necessita, e que um

segundo tem falta deles. O primeiro estará interessado em

vender uma parte desse excedente e o segundo em comprá-la.

Mas, se este não possui nada de que o primeiro necessite,

nenhuma troca se poderá realizar entre eles. O açougueiro terá

mais carne na sua loja do que a necessita para si mesmo, e tanto

o cervejeiro como o padeiro estariam interessados em adquirir

uma parte desse excedente. Mas só têm, para oferecer em troca,

os diferentes produtos de seus respectivos negócios, e o

açougueiro já possui, suponhamos, todo o pão e cerveja de que

necessita. Neste caso, não se poderá efetuar nenhuma troca entre

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eles. O açougueiro nada lhes pode vender, nem eles podem ser

seus clientes; e assim os três homens não podem prestar serviços

uns aos outros. A fim de resolver estas situações, os homens

previdentes devem ter procurado, em cada período da sociedade,

depois do estabelecimento da divisão do trabalho, efetuar os

seus negócios de maneira a ter sempre à sua disposição, além do

produto do seu próprio trabalho, uma certa quantidade de

qualquer mercadoria facilmente negociável com as diversas

pessoas que produziam aquilo de que necessitavam.

É provável que muitas mercadorias diferentes tenham sido

sucessivamente descobertas e usadas com esse objetivo. Nas

idades mais primitivas da sociedade, diz-se que o gado

constituiu o meio de troca mais usual; e, se bem que fosse um

meio pouco prático, sabemos que muitas coisas eram

antigamente avaliadas a partir da quantidade de gado obtido em

troca por elas. A armadura de Diomedes, afirma Homero, custou

nove bois; mas a de Glaucus já custou cem. Sabe-se que na

Abissínia o sal foi usado como meio normal de troca; em,

algumas zonas da costa indiana, certas espécies de conchas; na

Terra Nova, bacalhau seco; na Virgínia, tabaco; em algumas das

nossas colônias no oeste da Índia, açúcar; noutros países, peles e

couro curtido; e existe hoje uma aldeia na Escócia onde é

normal, segundo fui informado, que um trabalhador entregue

pregos em vez de dinheiro na loja do padeiro ou da cervejaria.

Em todos os países, porém, os homens parecem ter sido

finalmente obrigados a preferir os metais para este tipo de

utilização.9

Continuando seu relato, A. Smith observa que inicialmente os metais eram

utilizados em barras, sem qualquer marca, só depois começando a serem cunhados,

dando origem às moedas. Da moeda metálica até os dias de hoje as transformações

evidentemente não cessaram, passando pelo papel moeda, pelos cheques e outros tipos

de documento, até chegar ao dias de hoje, na forma de cartões de plástico magnetizados,

ou, ainda mais abstratamente, como registros nas memórias dos computadores mantidos

pelos bancos.

Uma das principais decorrências da natureza quantitativa da mercadoria para os

propósitos deste curso é a de que nos casos mais importantes, ela implica que para ser

mercadoria um bem precisa ser quantificável, isto é, deve ser mensurável em unidades

de medida. No caso de bens materiais, esse requisito é facilmente satisfeito, o que varia

9. Adam Smith, Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, p. 21-2.

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é a unidade, que pode ser de peso (quilos de arroz), de volume (barris de petróleo), de

energia (quilowatt-hora), etc., ou então unidades tout court (uma bicicleta, cinco

camisas). No caso dos bens intelectuais, contudo, a quantificação é bastante

problemática, como veremos no capítulo 4 do curso.

4. A mercadoria e a dádiva

O passo a ser dado agora na análise do conceito de troca tem como ponto de

partida a constatação de que nem toda troca de bens é troca de mercadorias. A troca de

presentes, ou dádiva10

, por exemplo, não é troca de mercadorias.

As trocas de mercadorias, ou trocas mercantis, têm três características

essenciais. Em primeiro lugar, elas têm a natureza de contratos. Um contrato é um

acordo em que (duas ou mais) partes contratantes entram livremente, e que estabelece

obrigações para cada uma, que correspondem a direitos para a(s) outra(s). Por envolver

o conceito de direito, e de acordo com o que foi visto a respeito dos direitos na seção 2

(referente à propriedade), um acordo pressupõe uma instância social a que um indivíduo

pode recorrer quando seus direitos não são respeitados. Nos casos mais típicos, tais

obrigações e direitos são registrados por escrito, tanto assim que o termo “contrato” é

usado também para designar o documento em que tal registro é feito. Mas essa não é

uma característica essencial dos contratos, e toda operação de compra e venda – mesmo

a de frutas ou legumes numa feira livre – tem a natureza de um contrato.

O segundo atributo essencial das trocas mercantis é seu caráter agonístico, ou

competitivo, isto é, elas envolvem uma disputa, em que o comprador procura comprar

pelo menor preço possível, e o vendedor procura vender pelo maior preço que consegue

obter. Em termos mais abstratos, podemos dizer que numa troca mercantil cada um dos

sujeitos envolvidos na transação procura maximizar seu ganho. Esse caráter agonístico

pode ser entendido como um princípio que rege as trocas mercantis; vamos denominá-lo

Princípio de Maximização do Ganho (PMG).

O terceiro atributo consiste em que os ganhos em disputa numa troca mercantil

são pensados exclusivamente em função do auto-interesse, isto é, sem levar em conta os

interesses do outro, e os da sociedade (como por exemplo os impactos ecológicos e/ou

10. Nestas Notas, as palavras “dádiva”, “presente” e “dom” são usadas mais ou menos com

sinônimas. A escolha de uma ou outra em cada passagem deve-se a razões estilísticas, ou à

necessidade acompanhar as ocorrências em citações.

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sociais da produção e consumo do bem que é objeto da transação). Esse aspecto está

ligado ao viés individualista do capitalismo, ao qual retornaremos a seguir.

A partir dessa definição, não é difícil mostrar que a troca de presentes não é uma

troca mercantil: ela não tem a natureza de um contrato – não se pode processar um

amigo por não ter retribuído um presente – nem o caráter agonístico. Para perceber isso,

basta notar que nas negociações envolvidas numa troca mercantil, o vendedor procura

sempre exaltar as qualidades da mercadoria, e o comprador desmerecê-las. Como diz

um ditado português, desde que existem merceeiros e queijos, nunca se viu um

merceeiro falar mal de seu queijo. Na troca de presentes, a situação se inverte. Diz o

doador (aquele que cede o bem, correspondente ao vendedor na troca mercantil): “Não

repare, é apenas uma lembrancinha”, ao que o agraciado com o presente responde: “Que

linda! Era bem de uma gravata assim que estava precisando!”.

O conceito de troca mercantil serve de base para uma definição alternativa do

conceito de mercadoria, a qual em certos contextos é mais adequada que a definição

“um bem, produzido pelo trabalho humano para ser trocado”. A nova definição é: uma

mercadoria é um bem que é objeto de uma troca mercantil ou – numa formulação

menos precisa, porém mais rica de conotações – de uma operação de compra e venda.11

É importante notar que um bem pode participar não apenas de uma, mas de

várias operações de troca ou doação. Um relógio, por exemplo, pode ser objeto de uma

transação de compra e venda, mas é possível que, num segundo momento, o comprador

o dê de presente a alguém. Enquanto é produzido para a venda, e efetivamente vendido,

um relógio é uma mercadoria; quando é dado de presente, não. Isto significa que o

caráter de mercadoria de um bem não é um atributo intrínseco ao objeto – como um

pecado original irreparável, pode-se dizer – mas sim à relação de que participa. A

primeira definição transmite implicitamente, ou no mínimo sugere, a ideia do caráter de

mercadoria como atributo intrínseco. Deste ponto de vista, a nova definição é mais

adequada.

11. Ambas as definições são apenas parciais; de certo ponto de vista completam-se com o

requisito de que a troca se realize no contexto de um mercado (estudado na seção 6 a seguir.)

Uma diferença importante entre as duas definições consiste em que a segunda não inclui o

requisito de ser produzido pelo trabalho humano.

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4.1 Mauss, o autor, e MAUSS, o movimento

Existe uma tradição de estudos sobre a dádiva, responsável por uma

considerável literatura (embora nem de longe tão ampla quanto à referente à mercadoria

e o capitalismo). Na literatura sobre a dádiva, se há uma obra mais importante que todas

as outras, esta é o clássico de Marcel Mauss Essai sur le don: forme et raison de

l’échange dans le societés archaïques12

. Marcel Mauss (1872-1950) foi um sociólogo e

antropólogo francês, sobrinho e discípulo de Émile Durkheim (1858-1917). Para nossos

propósitos, duas excelentes exposições das ideias de Mauss sobre a dádiva encontram-se

em obras do antropólogo estadunidense David Graeber; uma bastante sucinta, no artigo

“Give it away” (Graeber 2001a), outra bem mais densa e detalhada no cap. 6 do livro

Toward an anthropological theory of value (Graeber 2001b).

De acordo com Graeber, a maior parte dos comentários a respeito do Ensaio

sobre o dom peca por não levar na devida conta as ligações de Mauss com a política.

Mauss foi um socialista revolucionário não-marxista, adepto de uma concepção de

socialismo na linha de Owen e Proudhon. Já enquanto estudante, começou a colaborar

com Jean Jaurès no Parido Socialista, e a contribuir para a imprensa de esquerda, uma

atividade que manteve em quase toda sua vida. Tem 800 páginas a coletânea de seus

escritos políticos organizada por M. Fournier (Mauss 1997). Foi militante do

movimento cooperativista francês, tendo fundado e gerenciado por muito tempo uma

cooperativa de consumo em Paris. Como dirigente, visitou, e escreveu relatório sobre a

situação do movimento em vários países, como a Alemanha, a Inglaterra, a Hungria e a

Rússia. Sua reação à Revolução Soviética pode ser caracterizada como de apoio crítico,

de simpatia por seus ideais e condenação de seus métodos.

O destaque dado às posições políticas de Mauss se justifica pela proposição de

que, como sustenta um outro comentador (Hart 2007, p. 11), é indispensável levá-las em

consideração para um entendimento adequado de sua produção acadêmica. Com relação

ao Ensaio sobre a dádiva, a proposição é demonstrada por Graeber pela análise dos

vínculos de sua temática com as questões levantadas pela Nova Política Econômica de

Lênin, anunciada em 1921. Graeber chega a afirmar serem o ensaio, e o artigo

12. Publicado originalmente em 1925, em L’Année Sociologique, Nouvelle Série, Tome I, 1923-

24. Reproduzido na coletânea Sociologie et anthropologie , organizada por Levy Strauss (Mauss

1950). Tradução brasileira dessa coletânea: Mauss 1974.

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12

“Socialisme et bolchévisme”, publicado também em 1925, duas partes de um mesmo

projeto.

Pressupondo um conceito robusto de mercadoria, que engloba o de mercado em

que vigora a lei da oferta e da demanda, pode-se dizer que a mercadoria é o princípio

organizador da sociedade no sistema capitalista, e a dádiva, para Mauss, um sistema

alternativo – um “outro da mercadoria” – presente em sociedades “arcaicas” e

“primitivas”, do passado e do presente e, no futuro, do socialismo – tal como concebido

pelo autor.13

O componente anticapitalista do socialismo de Mauss era menos radical

que o dos marxistas, por não envolver a negação completa da mercadoria, mas apenas

da mercadoria como único princípio organizador da sociedade, admitindo para o

mercado o papel de “uma mera técnica para a alocação de certos tipos de bens

econômicos (por exemplo, entre cooperativas democraticamente organizadas ou

organizações profissionais).” (Graeber 2001b, p. 157-8)

A faceta anticapitalista das posições de Mauss inclui a rejeição dos princípios do

utilitarismo, a qual constitui o fulcro do episódio mais significativo na fortuna crítica do

Ensaio sobre a dádiva, nos quase 90 anos desde sua publicação. Trata-se da fundação,

em 1981, do movimento que, numa espécie de jogo de palavras com o nome de seu

patrono, denominou-se Mouvement Anti-Utilitariste dans les Sciences Sociales, donde a

sigla MAUSS (também grafada M.A.U.S.S.). O economista e sociólogo francês Alain

Caillé é um dos fundadores, e a principal figura do MAUSS. Entre outros membros de

destaque encontram-se Gerald Berthoud, Ahmet Insel, Jacques Godbout e Serge

Latouche (um dos líderes do movimento da Décroissance). David Graeber, mencionado

na seção anterior é um simpatizante.

A divulgação das ideias do movimento começou com o Bulletin du MAUSS, que

em 1989 passou a ser publicado pela Editora La Découverte, tornando-se a Revue du

Mauss14

. Em 2007 foi criado o site interativo Journal du MAUSS15

, juntamente com

uma versão em português e espanhol, o Jornal do/Periódico del M.A.U.S.S.

Iberolatinoamericano16

.

13. O tema do mercado como princípio organizador sociedade é tratado mais amplamente na seção 6 a seguir.

14. http://www.revuedumauss.com/.

15. http://www.journaldumauss.net/

16. http://www.jornaldomauss.org/periodico/

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13

O MAUSS é muito pouco conhecido nos países anglo-saxônicos. Tem uma

presença significativa na Itália; no Brasil criou-se recentemente uma sucursal, a

Associação Movimento Anti-Utilitarista nas Ciências Sociais (MAUSS), liderada pelo

Prof. Paulo Henrique Martins, da Universidade Federal de Pernambuco, um dos editores

do Jornal do M.A.U.S.S.17

4.2 O utilitarismo

Embora as ideias centrais do utilitarismo já estivessem circulando na época, o

pensador inglês Jeremy Bentham (1748-1832) costuma ser considerado o fundador da

doutrina. Foi responsável pela adoção do nome “utilitarismo”, e liderou o movimento

formado em torno de suas ideias, cujos adeptos ficaram conhecidos como os

Benthamites. O livro em que a doutrina foi exposta por Bentham chama-se Introduction

to the priciples of morals and legislation, e foi publicado em 1789 (Bentham 1974).

O cerne do utilitarismo pode ser analisado em três momentos lógicos: redução,

quantificação, maximização.

Redução: o utilitarismo reduz todos os sentimentos, emoções e valores humanos

a uma única dimensão, a da polaridade felicidade/infelicidade, ou prazer/dor. Nas

palavras de Bentham:

A natureza colocou o gênero humano sob o domínio de dois

senhores soberanos: a dor e o prazer. Somente a eles compete

apontar o que devemos fazer, bem como determinar o que na

verdade faremos. Ao trono desses dois senhores está vinculada,

por uma parte, a norma que distingue o que é reto do que é

errado, e, por outra, a cadeia das causas e efeitos. Os dois

senhores de que falamos nos governam em tudo o que fazemos,

em tudo o que dizemos, em tudo o que pensamos, sendo que

qualquer tentativa que façamos para nos livrarmos dessa

sujeição outra coisa não faz senão demonstrá-la e confirmá-la.

Através das suas palavras, o homem pode pretender abjurar tal

domínio, porém na realidade permanecerá sujeito a ele em todos

os momentos de sua vida.18

Quantificação: O capítulo IV do livro em pauta tem por título “Método para

medir uma soma de prazer ou de dor”. Cada prazer ou dor tem um valor, medido de

17. Em português existem pelo menos dois livros de autoria de membros do MAUSS: O espírito da dádiva, de Godbout (1997), com a colaboração de Caillé, e Antropologia do dom: o terceiro

paradigma, de Caillé (2002).

18. Bentham 1974, p.9. (Nesta, e nas citações de Bentham a seguir, algumas modificações

foram introduzidas na tradução. Em todas os itálicos provêm do original.)

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14

acordo com um determinado método. O cerne desse método é descrito da seguinte

maneira:

Para uma pessoa considerada em si mesma, o valor de um prazer

ou de uma dor, considerado em si mesmo, será maior ou menor,

segundo as quatro circunstâncias que se seguem:

(1) A sua intensidade.

(2) A sua duração.

(3) A sua certeza ou incerteza.

(4) A sua proximidade ou distância no tempo. (Ibid., p.16)

Maximização: O termo “utilidade”, do qual deriva o nome da doutrina, figura

na expressão “princípio da utilidade”, sendo tal princípio apresentado por Bentham

como o fundamento da doutrina. Seu enunciado é o seguinte:

Por princípio da utilidade entende-se aquele princípio que

aprova ou desaprova qualquer ação, segundo a tendência que

tem a aumentar ou diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse

está em jogo, ou, o que é a mesma coisa em outros termos,

segundo a tendência a promover ou comprometer a referida

felicidade. (Ibid., p. 4)

Tempos depois da publicação do livro, Bentham passou a usar “máxima

felicidade” (“greatest happiness or greatest felicity principle”) no lugar de “utilidade” –

com isso deixando mais evidente o caráter maximizador do princípio.19

Em outras palavras, no plano dos indivíduos, cada um age sempre procurando

maximizar sua felicidade “líquida”, isto é, a soma dos valores dos prazeres menos a

soma dos valores das dores.

O tema central do livro, como diz o título, são os princípios da moral e da

legislação. Moral e legislação constituem aspectos da vida social dos seres humanos, e

só podem ser entendidos no contexto de uma concepção de sociedade. A defendida por

Bentham é uma concepção individualista, que incorpora uma determinada noção do

19. Numa nota de 1822, diz o autor: “A esta expressão [princípio da utilidade”] acrescentei

ultimamente – substituindo até a primeira – esta outra, o princípio da máxima felicidade [the

greatest happiness or greatest felicity principle] [...]. A palavra utilidade não remete tão claramente às ideias de prazer e de dor como a palavra felicidade [the words happiness and

felicity], nem à consideração do número dos interesses afetados [...]. Esta falta de uma conexão

suficientemente clara entre as ideias de felicidade e prazer, de um lado, e a ideia de utilidade, de

outro, tem constituído às vezes, para certas pessoas – conforme pude constatar – um obstáculo para a aceitação do princípio acima que, de outra forma, possivelmente não teria encontrado

resistência.” (Ibid, p.3)

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15

indivíduo. É individualista porque nela os indivíduos são ontológica e

metodologicamente anteriores à sociedade. Referindo-se à comunidade, no lugar de

sociedade, por razões que não vêm ao caso aqui, diz Bentham:

O interesse da comunidade, eis uma das expressões mais

comuns que pode ocorrer na terminologia e na fraseologia

moral. Em consequência, não é de estranhar que muitas vezes se

perca de vista o seu significado exato. Se a palavra tiver um

sentido, será o seguinte. A comunidade constitui um corpo

fictício, composto de pessoas individuais que se consideram

como constituindo os seus membros. Qual é, neste caso, o

interesse da comunidade? A soma dos interesses dos diversos

membros que integram a referida comunidade. (Ibid., p.4)

A noção de indivíduo que completa a concepção utilitarista de sociedade reflete

os três momentos caracterizados acima. Enquanto um tipo ideal, o indivíduo postulado

por Bentham tem o perfil do Homo economicus. “Homo economicus” é a expressão

consagrada na literatura para designar o indivíduo quantificador, calculista, cujo único

objetivo na vida é maximizar a satisfação de seu auto-interesse, valendo-se para isso de

seus conhecimentos, e da razão instrumental.20

Aplicado à moral e à legislação, o princípio da utilidade adquire um caráter

ético, constituindo uma norma para a avaliação de prescrições morais ou legais: uma

prescrição é boa ou má conforme sua tendência a aumentar ou diminuir a soma das

felicidades líquidas dos membros da sociedade.

Há um vínculo evidente entre o utilitarismo e o capitalismo, que Hobsbawm

ilumina muito bem na seguinte passagem:

A aritmética foi o instrumento fundamental da Revolução

Industrial, vista por seus autores como uma série de contas de

somar e subtrair: a diferença de custo entre comprar no mercado

mais barato e vender no mais caro, entre o custo da produção e o

preço de venda, entre o investimento e o retorno. Para Jeremy

Bentham e seus seguidores, os mais ferrenhos defensores desse

tipo de racionalidade, até a moral e a política prestavam-se a

20. Entendendo o Homo economicus não como caracterização da natureza humana, mas sim

como a meta de um processo cultural, ao qual podemos e devemos resistir, diz Mauss: “Foram nossas sociedades ocidentais que, muito recentemente, fizeram do homem um “animal

econômico”. Mas não somos ainda todos seres desse gênero. [...] O homo œconomicus não está

atrás de nós, mas à nossa frente, como o homem da moral e do dever, como o homem da ciência e da razão. O homem foi durante muito tempo outra coisa, e não faz muito tempo que ele é uma

máquina, complicada como uma máquina de calcular.

De resto, felizmente ainda estamos distantes desse constante e glacial cálculo utilitário.”

(Mauss 1974, p.176-7)

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16

esses cálculos simples. A felicidade era o objetivo das políticas

de governo. O prazer de cada um podia ser expresso (pelo

menos em teoria) como uma quantidade, da mesma forma que

seu sofrimento. Deduzindo-se do prazer o sofrimento, o

resultado líquido seria a sua felicidade. Somando-se a felicidade

de todos e deduzindo-se a infelicidade, o melhor governo seria o

que garantisse a felicidade máxima do maior número de pessoas.

A contabilidade da humanidade produziria saldos de débito e

crédito, como nos negócios. (Hobsbawm 1978, p.74)

Enquanto doutrina no campo da Ética, o utilitarismo está vivo e vigoroso nos

dias de hoje, em formulações bem mais sofisticadas que as de Bentham, conhecidas pela

designação geral de consequencialismo. Entretanto, a faceta que constitui o alvo

principal da crítica do MAUSS é a do utilitarismo como fundamento das ciências

humanas. No mainstream da Economia, a concepção utilitarista prevalece, primeiro na

Economia Política clássica, de Adam Smith, Ricardo e outros e depois, mais claramente,

na vertente neoclássica, ou marginalista, criada por Jevons, Walras, e Menger em

princípios da década de 70 do século XIX. N’A Teoria da Economia Política, de Jevons

(1983, [1871]) a concepção utilitarista como fundamento da Economia é afirmada da

maneira mais explícita. Com a ascensão do neoliberalismo a partir dos anos 80 do

século passado, torna-se avassaladora a predominância da vertente neoclássica na

Economia, parte do pensamento único denunciado pelos críticos. Também como faceta

da ascensão do neoliberalismo, a concepção utilitarista se fortalece na Ciência Política

(na forma da Teoria da Ação Racional e na Teoria dos Jogos), na sociologia e na

antropologia. (Graeber 2001b, p. 5 ss.)

Na visão do MAUSS – que, convém dizer, se apresenta explicitamente como

reação ao neoliberalismo –, é evidente portanto, a importância do utilitarismo. Isso

explica a adoção do termo “anti-utilitarismo” como a palavra-chave do movimento, a

qual é portanto bem mais que um pretexto para o jogo de palavras com o nome de seu

patrono.

4.3 A dádiva contrastada com a mercadoria

O Ensaio de Mauss é um texto bastante longo para esse gênero de trabalho: são

157 páginas na edição original da revista L’Année Sociologique, sendo uma boa parte do

espaço ocupada por mais de 500 notas de rodapé em tipo miúdo. Dessas 157 páginas,

apenas as últimas 27 versam sobre a dádiva no mundo contemporâneo; todas as demais

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17

tratam da dádiva nas sociedades que ele denomina “arcaicas” ou “primitivas”. Na

produção do MAUSS, essa proporção se inverte, sendo o foco de maneira geral

deslocado para as sociedades contemporâneas; isso vale especialmente para o livro de

Godbout O espírito da dádiva.

Dessa mudança de foco emerge uma lista das várias formas que a dádiva assume

nos dias de hoje, incluindo – além da mais evidente, as trocas de presente propriamente

ditas:

o trabalho voluntário,

as práticas de caridade e filantropia,

os cuidados e bens que os pais proporcionam aos filhos – e os filhos aos pais,

quando eles envelhecem –, ou mais, genericamente, a dádiva nas relações

familiares,

a doação de sangue21

,

a doação de órgãos humanos para o transplante,

os serviços prestados na forma de favores, as gorjetas, etc.

A caracterização da dádiva que propomos acompanha essa mudança de foco.

Uma das diferenças fundamentais entre a mercadoria e a dádiva já foi indicada na parte

introdutória da presente seção; trata-se do caráter contratual da troca de mercadorias,

ausente da troca de presentes. A segunda diferença fundamental diz respeito às funções

que as duas modalidades de troca desempenham na vida social. A troca de mercadorias

é um meio de efetuar a distribuição dos bens necessária em virtude da divisão do

trabalho, levando em conta a utilidade dos bens, e não as caraterísticas e disposições dos

agentes envolvidos na transação. A troca de presentes, por sua vez, tem a função de

promover os laços afetivos entre as pessoas, os quais envolvem os sentimentos e valores

da amizade, do amor, da solidariedade, lealdade, empatia, etc. Dar um presente a um

amigo é dizer: “tenho apreço por você, e desejo que nossa amizade continue”.

Assim como a troca de mercadorias, a de presentes também envolve obrigações

mais claramente, a obrigação de retribuir um presente recebido. (Um reflexo dessa

característica é a palavra “obrigado”, usada em português como expressão de

21. Um livro muito citado na literatura sobre a dádiva é The gift relationship: from human blood

to social policy (Titmuss 1972), onde o autor procura mostrar a superioridade dos sistemas de

coleta de sangue para transfusões baseados em doações, em comparação com os sistemas

baseados na compra.

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18

agradecimento.) Entre essa característica e a função de promover os laços afetivos

existe certa tensão. Um presente é genuíno quando o doador tem de fato os sentimentos

que a doação deve exprimir. Se um presente é dado apenas por obrigação, isto é, sem

ser motivado pelos sentimentos apropriados, então não é um presente genuíno. Essa

tensão dá origem a um impulso, no doador, de negar o lado obrigatório da doação, e é

responsável – na visão de Mauss (1974, p. 41 e 45) e Caillé (2002, p.8-9) – por um

caráter paradoxal da dádiva, como sendo ao mesmo tempo livre e obrigatória.

Há uma outra forma em que um presente não constitui um presente genuíno, a

saber, aquela em que a doação não é motivada pelos sentimentos apropriados, mas

apenas pela expectativa de retribuição. Exemplificando: é um presente interesseiro, não-

genuíno, aquele que um comerciante dá ao gerente de sua agência bancária, a quem

detesta, esperando com isso conseguir condições favoráveis para os empréstimos de que

necessita. A troca de que o presente interesseiro faz parte não envolve obrigações

contratuais, mas é semelhante à troca de mercadorias por ser regida pelo princípio de

maximização da utilidade. Quando aquilo que se espera como retribuição do presente

envolve alguma forma de ilegalidade, configura-se o suborno.

5. Mercantilização e mercadorias fictícias: as concepções de Polanyi

Se o modo de produção capitalista, caracterizado pela mercadoria, passou a ser o

dominante, correspondendo essa mudança à instauração do capitalismo, então deve ter

havido categorias de bens que não eram mercadorias, mas passaram a sê-lo. O processo

em que uma categoria de bens vira mercadoria é o da mercantilização. Mercantilizar um

bem é fazer com que ele se transforme em, ou passe a funcionar como mercadoria.22

O conceito de mercantilização está presente na obra de Marx, porém figura com

muito mais destaque na de Karl Polanyi, cujas ideias, vão desempenhar um papel

importante na exposição a seguir. Em função disso, convém fazermos aqui uma pausa

no desenvolvimento do raciocínio para explicar rapidamente quem foi Polanyi.

22. Apesar da importância do conceito, o termo “mercantilização” – bem como seus cognatos

“mercantilizar”, “desmercantilizar”, etc. – é um neologismo – assim como seus equivalentes em

outras línguas, como o inglês (commodification) e o francês (marchandisation). Só os dicionários mais recentes os registram, e alguns autores os colocam entre aspas. Em português,

nota-se também o uso de “mercadorizar” no lugar de “mercantilizar”; em inglês,

“commoditisation” em vez de “commodification”. De acordo com o Oxford English Dictionary,

a primeira ocorrência de “commodification” data de 1975.

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19

Polanyi foi um intelectual engajado; formou-se em direito e filosofia, foi

advogado, jornalista, professor e autor de uma obra teórica que passa pelos campos da

economia, da antropologia, da história e da sociologia. Nasceu em Viena em 1896, e

criou-se em Budapeste. Em 1920 voltou a Viena, onde morou até 1933 quando – como

tantos outros intelectuais judeus da Europa Central – foi forçado a emigrar devido ao

avanço do nazismo. Viveu primeiro na Inglaterra, depois nos Estados Unidos e no

Canadá, onde morreu em 1964. A ida para a Inglaterra representou uma guinada na vida

de nosso autor; sua obra teórica mais sólida foi fruto desse período anglo-americano, e

nela destacam-se Trade and market in the early empires (1957) (um trabalho coletivo

do qual Polanyi foi o principal inspirador e organizador); Dahomey and the slave trade

(publicado postumamente em 1966), e um outro livro póstumo, inacabado quando o

autor faleceu, The livelihood of man (1977). Mas o livro pelo qual Polanyi é mais

conhecido, sendo hoje em dia amplamente considerado um clássico, é A grande

transformação, de 194423

. Nesta, e nas próximas seções, vamos expor e discutir

algumas das principais contribuições teóricas d’A grande transformação. Para

estabelecer a articulação com a linha de raciocínio que vinha sendo desenvolvida,

convém começar com uma observação sobre o significado do título.

Qual é a grande transformação a que o título se refere? Há duas respostas para

essa pergunta. A primeira, com certeza a mais fiel a certas passagens do livro, é a que

identifica a grande transformação com o colapso do que Polanyi chama “a civilização

do século XIX”, em outras palavras, a crise do sistema capitalista que tem início por

volta de 1870, dá origem à Primeira Guerra Mundial, depois à depressão dos anos 30, e

à Segunda Guerra, durante a qual foi escrito o livro. Sua frase de abertura é:

A civilização do século XIX entrou em colapso. Este livro trata

das origens políticas e econômicas desse evento, bem como da

grande transformação da qual ele foi o arauto. (p. 17)

A segunda interpretação, embora menos fiel, tem suas vantagens e encontra-se

com frequência na literatura secundária. De acordo com ela, a grande transformação é a

passagem do feudalismo ao capitalismo, que se completa em princípios do século XIX.

Na verdade, o tema do livro são esses dois processos históricos, e pode-se dizer que um

23. K. Polanyi, The great transformation. Edição brasileira: A grande transformação: as

origens de nossa época. Os números de página nas referências das citações de Polanyi a seguir

são os da edição brasileira; a tradução, entretanto, foi feita a partir do original.

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20

título mais condizente com o conteúdo seria “As (duas) grandes transformações” – de

muito menor impacto, naturalmente, que o título original.24

Retomemos agora o fio da meada, adotando essa segunda interpretação.

Havíamos introduzido o conceito de mercantilização, como um processo que algumas

categorias de bens devem sofrer para que o modo de produção capitalista passe a ser o

dominante – constituindo essa mudança o cerne da grande transformação. Prosseguindo,

vamos dar início a uma exposição sobre um dos conceitos-chave no pensamento de

Polanyi, o de mercadoria fictícia. Para ele, são três as principais categorias de bens que

precisam ser mercantilizadas para que o capitalismo possa se realizar plenamente: o

trabalho, a terra e o dinheiro; uma vez mercantilizadas, elas se tornam mercadorias

fictícias. E o que são mercadorias fictícias? O ponto de partida é o que o autor denomina

“a definição empírica da mercadoria”, e que corresponde em essência à análise do

conceito de mercadoria que vínhamos desenvolvendo, particularmente no que se refere

ao atributo de ser produzido para ser trocado. A ideia é a de que, por não terem tal

atributo, mas, por assim dizer, serem forçadas a funcionar como mercadorias, o

trabalho, a terra e o dinheiro são mercadorias fictícias.

[O] trabalho, a terra e o dinheiro [...] de acordo com a definição

empírica de mercadoria, não são mercadorias. O trabalho é

apenas outro nome para uma atividade humana que é parte da

própria vida, a qual por sua vez não é produzida para a venda

mas por razões inteiramente diversas, e esta atividade não pode

ser destacada do resto da vida, ser armazenada ou mobilizada; a

terra é apenas um outro nome para a natureza, que não é

produzida pelo homem; o dinheiro real [actual money] por fim,

é apenas um símbolo de poder de compra que, de maneira geral,

simplesmente não é produzido, mas passa a existir através do

mecanismo dos bancos ou da finança estatal. Nenhum deles é

produzido para a venda. A descrição do trabalho, da terra e do

dinheiro como mercadorias é inteiramente fictícia. (p. 94)

24. Com referência a títulos, vale a pena observar que o sub-título do livro na edição brasileira (“as origens de nossa época”) parece sugerir a segunda interpretação (grande transformação =

surgimento e instauração do capitalismo) – embora seja também coerente com a outra, dada a

vagueza da expressão “nossa época”. Esse sub-título parece provir do título da segunda edição em inglês, publicada na Inglaterra em 1945 pela Gollancz, em que se inverte a ordem: The

origins of our time: the great tranformation. Nas edições posteriores em inglês publicadas pela

Beacon Press, o título é: The great transformation: the political and economic origins of our

time.

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21

Em contraste com as mercadorias fictícias, as mercadorias genuínas são os bens

que não só funcionam como mercadorias, mas são produzidos para serem trocados. Nas

três sub-seções a seguir trataremos das três mercadorias fictícias de Polanyi, na ordem

crescente de sua importância.

5.1 O dinheiro

Entre os vários tipos de bens, o dinheiro tem uma peculiaridade: a de não poder

ser comprado e vendido. Pode-se naturalmente comprar e vender quantias de moedas

diferentes, por exemplo, comprar dólares pagando em reais ou vice-versa. Mas deixando

de lado a diversidade de moedas – como convém ao nível de abstração em que a análise

está se desenvolvendo –, que sentido teria comprar uma quantia de dinheiro pagando

por ela uma quantia idêntica? Comprar 100 reais pagando por eles 100 reais nada mais

seria que trocar seis por meia dúzia. E se as quantias fossem diferentes, quem cedesse a

maior em troca da menor sairia perdendo; não teria motivo algum para participar da

operação. Mas se não pode ser comprado e vendido, como pode o dinheiro ser

mercantilizado?

Para responder a essa pergunta é necessário introduzir no raciocínio um outro

tipo de operação em que um bem muda de mãos, a saber, o empréstimo, em que o

direito de uso de um bem é cedido pelo proprietário a uma outra pessoa por um

determinado período de tempo. Quando nada se cobra pelo empréstimo, a operação tem

o caráter de um presente, ou dádiva; no caso contrário, tem a natureza de uma relação

mercantil, e é conhecida como aluguel. É fácil constatar que embora não possa ser

comprado e vendido, o dinheiro pode ser alugado: trata-se da operação do empréstimo a

juros, ou usura.25

Num empréstimo a juros o dinheiro funciona como mercadoria de

maneira análoga à dos bens em geral quando alugados, e é nesse sentido que se pode

falar da mercantilização do dinheiro.

Passando da análise conceitual para a história, a mercantilização do dinheiro,

embora não tenha se reduzido a isso, envolveu crucialmente a mudança do estatuto ético

25. Como explicam os dicionários, a palavra “usura” tem pelo menos três sentidos. O primeiro é mais geral, idêntico ao de “empréstimo a juros”. O segundo é mais específico, equivalente a

“empréstimo a juros exagerados”, de acordo com algum critério. Nesse segundo sentido,

“usura” e “usurário” são termos pejorativos, sinônimos de “agiotagem” e “agiota”. E finalmente

“usura” significa também o que se paga pelo aluguel do dinheiro, ou seja, o juro.

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22

do empréstimo a juros, condenado na Idade Média como um pecado mortal26

, e aceito

sem restrição como parte normal da vida econômica alguns séculos depois.27

Para dar

uma ideia do estatuto medieval, vejamos duas passagens de um livro inteiramente

dedicado ao tema: A bolsa e a vida:a usura na Idade Média, de Jacques Le Goff.

A decretal Consuluit de Urbano III (1187), integrada no Código

de Direito Canônico, expressa melhor, sem dúvida, a atitude da

Igreja diante da usura no século XIII:

– Usura é tudo aquilo que é pedido em troca de um empréstimo

além do próprio bem emprestado;

– Receber uma usura é um pecado proibido pelo Antigo e o

Novo Testamento;

– A simples esperança de uma devolução de um bem, além do

próprio bem, é um pecado;

– As usuras devem ser integralmente restituídas a seu

verdadeiro dono;

– Preços mais elevados por uma venda a crédito são usuras

implícitas. 28

A segunda passagem é interessante por formular um argumento legitimador da

condenação da usura:

Um texto espantoso, falsamente atribuído a São João

Crisóstomo, datando provavelmente do século V, foi inserido na

segunda metade do século XII no Código de Direito Canônico.

Nele está escrito:

“De todos os mercadores, o mais maldito é o usurário, pois este

vende uma coisa dada por Deus, não adquirida pelos homens (ao

contrário do mercador) e, após a usura, retoma a coisa,

26. Já em Aristóteles se encontra uma condenação da usura: “A usura é detestada com muita

razão, pois seu ganho vem do próprio dinheiro, e não daquilo que levou à sua invenção.

Efetivamente, o objetivo original do dinheiro foi facilitar a permuta, mas os juros aumentam a quantidade do próprio dinheiro (esta é a verdadeira origem da palavra*: a prole se assemelha

aos progenitores, e os juros são dinheiro nascido do dinheiro), logo, esta forma de ganhar

dinheiro é de todas a mais contrária à natureza.” * Nota de rodapé da edição brasileira: “Em grego, pois tôkos significa ao mesmo tempo prole, descendência, e juros (a “descendência do

dinheiro”).” Aristóteles, Política, 1258b, p. 28.

27. Como fica claro no tratamento do tema n’A grande transformação, a mercantilização do dinheiro teve outros aspectos importantes que contudo, por um lado são de natureza mais

técnica, por outro carecem de relevância para os propósitos deste estudo, sendo por isso

omitidos.

28. Jacques Le Goff, A bolsa e a vida: a usura na Idade Média, p. 26.

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23

juntamente com o bem alheio, o que não faz o mercador. Pode-

se objetar: aquele que aluga um campo para receber renda ou

uma casa para ter aluguel, não se assemelha àquele que empresta

dinheiro a juros? É claro que não. Antes de tudo porque a única

função do dinheiro é o pagamento de um preço de compra;

depois, o arrendatário faz frutificar a terra, o locatário goza da

casa; nestes dois casos, o proprietário parece dar o uso da coisa

para receber dinheiro, e de certo modo, trocar lucro por lucro,

enquanto que, do dinheiro emprestado, não podemos fazer dele

nenhum uso; enfim, o uso esgota pouco a pouco o campo,

estraga a casa, enquanto o dinheiro emprestado não se sujeita à

diminuição nem ao envelhecimento.”29

Como no caso da terra e do trabalho, o processo de mercantilização foi longo e

complexo; para nossos propósitos, não é necessário contar essa história.

5.2 A terra

Um dos temas centrais no pensamento de Polanyi é o que diz respeito à relação

entre a estrutura econômica – isto é, a forma como se organiza a produção e distribuição

dos bens – e outras estruturas sociais, como as políticas, religiosas, de família, de

classes, etc. Segundo Polanyi, nas formações sociais anteriores, sem exceção, todas

essas estruturas, inclusive a econômica, estavam articuladas entre si, formando a

totalidade da organização social. Para se referir a essa característica, ele introduz o

conceito de inserção (embeddedness)30

. A ideia é a de que nos sistemas não-capitalistas,

a estrutura econômica é inserida (embedded) na sociedade; com a instauração do

capitalismo ocorre um movimento de desinserção: a estrutura econômica se destaca das

demais, assumindo um posição dominante em relação a elas. E por esse motivo Polanyi

29. Ibid., p. 28. Para ilustrar as diferenças entre as posturas medieval e moderna na transações

econômicas, Heilbroner (num livro muito influenciado pelas ideias de Polanyi) conta a seguinte anedota: “Um certo são Geraldo de Aurillac, no século X, havendo comprado em Roma um

hábito eclesiástico por um preço muito baixo, teve conhecimento por alguns mercadores

ambulantes de que fizera uma “pechincha” e, em vez de alegrar-se, apressou-se em mandar de volta ao vendedor uma soma adicional, temendo incorrer no pecado da avareza.” (R. L.

Heilbroner, A formação da sociedade econômica, p. 56.) Trata-se de um caso excepcional, com

observa o autor, mas útil como exemplo de uma operação de compra e venda não regida pelo PMG.

30. O conceito figura n’A grande transformação, mas é tratado mais sistematicamente no cap. 4,

“The economy embedded in society”, de The livelihood of man. Na edição brasileira d’A grande

transformação, “embedded” é traduzido por “embutido” (cf. p. 77).

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24

considera o capitalismo um fenômeno único na história da humanidade, uma forma de

organização social com uma característica que nenhuma outra tem.

A mercantilização da terra, como parte da transição do feudalismo ao

capitalismo, ilustra bem esse processo de desinserção. Como diz Polanyi:

A terra, fulcro da ordem feudal, era a base do sistema militar,

judicial, administrativo e político; seu estatuto e função eram

determinados por leis e costumes. Se sua posse era ou não

transferível, e em caso positivo, para quem e sob quais

restrições; o que os direitos de propriedade implicavam; que

usos podiam ser feitos de alguns tipos de terra – todas essas

questões eram separadas da organização de compra e venda, e

sujeitas a um conjunto inteiramente diferente de regulamentos

institucionais.

[...] Quanto à terra, seu estatuto feudal foi abolido apenas na

medida em que estava ligado a privilégios provinciais; de resto,

a terra permaneceu extra commercium na Inglaterra e na França.

Até a época da Grande Revolução de 1789, a propriedade

fundiária continuou sendo fonte de privilégios sociais na França,

e mesmo depois, na Inglaterra a lei comum sobre a terra era

essencialmente medieval.31

Foram necessários portanto vários séculos para que se completasse o corte das

amarras que articulavam a propriedade da terra com as outras estruturas sociais, e

inseriam sua dimensão econômica na sociedade. Na seção 2, definimos a propriedade

como um direito. Uma definição mais precisa – e mais adequada para que se possa

entender a citação de Polanyi – é a que identifica a propriedade com um conjunto de

direitos – um conjunto que varia conforme a categoria do bem em questão, e varia

historicamente, dando origem assim às várias formas que a propriedade assume. Ainda

na seção 2, mencionamos a importância especial da propriedade da terra, em relação à

propriedade de outros tipos de bens, assim como o fortalecimento do conceito de

propriedade privada. Tal fortalecimento, particularmente no caso da terra, pode agora

ser entendido como uma ampliação do conjunto de direitos associados à propriedade. E

do ponto de vista da mercantilização, o essencial nessa mudança foi, naturalmente, o

acréscimo do direito de alienar: de comprar, vender, e alugar livremente a terra. A

história da mercantilização da terra, no que ela tem de mais central, é a história do

31. Polanyi, op. cit., p. 91.

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processo que levou à situação, tão familiar nos dias de hoje, em que a terra pode ser

objeto de trocas mercantis mais ou menos como qualquer outra mercadoria.

Essas considerações contemplam um dos aspectos do processo de

mercantilização da terra, que consiste no fortalecimento da propriedade privada da terra,

a qual já existia como instituição. Outro aspecto de suma importância é a privatização,

isto é, a transformação de extensões de terra de propriedade pública em propriedade

privada. Um movimento histórico dessa natureza desempenhou um papel

importantíssimo na geração das circunstâncias propícias ao surgimento do capitalismo.

Trata-se de um processo que se deu em toda a Europa, mas de maneira particularmente

significativa na Grã-Bretanha. Por isso, tanto em português quanto em outras línguas, ao

se fazer referência a ele, costuma-se mencionar a expressão em inglês que o designa: the

enclosure of the commons. Antes de explicar o significado desses termos, convém

observar que o processo em pauta foi longo, tendo se estendido por vários séculos, e

complexo, dando-se de formas diferentes conforme a região e a época. Assim, só

poderemos descrevê-lo em termos muitos gerais, e a própria explicação do significado

de “commons” e “enclosure” não estará isenta de vagueza – que entretanto não é

prejudicial a nossos propósitos.

“Common” (ou “common land”) tinha um equivalente em português, a palavra

“rossio”, que entretanto caiu em desuso.32

A tradução mais usual hoje em dia é “terra

comunitária”. E que são os commons, ou terras comunitárias? São as terras que, no

feudalismo, e por um bom tempo depois, os camponeses tinham o direito de usar em

comum como pastagem para seus animais, como fonte de lenha para uso próprio, etc.

“Enclosure” é em geral traduzido por “cercamento”, e o cercamento das terras

comunitárias é o processo de sua privatização, de sua transformação em propriedade

privada, exclusiva, com a anulação de todos os direitos dos camponeses.

O processo tem início na Inglaterra, já no século XIII e, com altos e baixos em

sua intensidade, prolonga-se até princípios do século XIX. Entre os fatores que o

impulsionaram, o principal foi o desenvolvimento da fabricação e comércio de tecidos

de lã, que tornava altamente lucrativa a criação de carneiros. Tanto Marx quanto

Polanyi trataram do tema; Marx no capítulo sobre a acumulação primitiva d’O capital,

Polanyi no cap. 3 d’A grande transformação. Embora reconhecendo um lado positivo

32. Cf. Marcelo Leite, “Rossio científico”; Simon e Vieira, “O rossio não-rival”.

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no processo – na medida em que, junto com outros fatores, levou a uma elevação da

produtividade agrícola –, Polanyi critica a maneira, e especialmente o ritmo segundo o

qual o processo se desenvolveu. Assim como Marx, e muitos outros pensadores, Polanyi

descreve vivamente a perturbação social, a miséria e a degradação resultantes dos

cercamentos. Em suas palavras,

Os cercamentos foram apropriadamente chamados uma

revolução dos ricos contra os pobres. Os senhores de terra e os

nobres estavam perturbando a ordem social, destruindo leis e

costumes antigos, às vezes por meios violentos, frequentemente

através de pressões e intimidação. Eles estavam literalmente

roubando os pobres de sua parte nas terras comunitárias,

demolindo casas que, em virtude da força do costume, até então

inquebrável, os pobres haviam considerado como suas e de seus

herdeiros. O tecido social estava sendo rompido; aldeias

abandonadas e as ruínas de habitações humanas testemunhavam

a ferocidade da revolução, colocando em perigo as defesas do

país, devastando suas vilas, dizimando a população, reduzindo o

solo sobrecarregado a pó, atormentando o povo e

transformando-o de lavradores decentes em uma malta de

mendigos e ladrões.33

Num trabalho que trata de patentes e direitos autorais, o tema em pauta tem uma

relevância especial, decorrente do uso do cercamento das terras comunitárias como

metáfora, baseada na analogia entre a superfície da Terra, e o espaço abstrato das

criações da mente humana – invenções, obras de arte, conhecimentos científicos e

tradicionais, etc. A partir dessa perspectiva, o estabelecimento dos sistemas de patentes

e direitos autorais – ou, mais amplamente, dos direitos de propriedade intelectual (DPI)

– é visto como análogo ao cercamento das terras comunitárias. A metáfora é usada pelos

críticos dos DPI; a sugestão, naturalmente, é a de que tornar a propriedade intelectual

propriedade privada pode ter consequências tão nefastas quanto as dos cercamentos34

.

Um dos movimentos de resistência ao fortalecimento dos direitos autorais, por exemplo,

tem o nome de Creative Commons. Voltaremos a esse tópico no último segmento do

curso.

5.3 O trabalho

33. Polanyi, A grande transformação, p. 53.

34. Cf., por exemplo, J. Boyle, “The second enclosure movement and the construction of the

public domain”.

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O trabalho mercantilizado é o trabalho assalariado, em que o empregado vende

sua força de trabalho ao empregador, em troca de um salário. Estamos tão

familiarizados com essa forma de trabalho nos dias de hoje que muitas vezes

esquecemos a longa duração e a complexidade do processo histórico que fez dela a

forma dominante. Para dar uma ideia – necessariamente muito simplificada – desse

processo, convém voltar por um momento ao nível da análise conceitual, lembrando

que, sendo uma relação mercantil, a compra e venda da força de trabalho tem a natureza

de um contrato e, como tal, pressupõe a liberdade dos sujeitos envolvidos, liberdade de

firmar ou não cada contrato – no caso, contratos de trabalho. Mas a liberdade de firmar

ou não contratos é um elemento crucial no contraste entre as relações de trabalho no

capitalismo e no feudalismo. No setor da produção agrícola e pecuária, diretamente

ligada à terra, o trabalhador, no feudalismo, quer fosse um servo, quer mantivesse com o

senhor feudal um outro tipo de relação de dependência, não tinha essa liberdade: o

servo, por exemplo, não podia decidir desligar-se de um senhor feudal e submeter-se a

outro, como se muda de emprego hoje em dia. Algo semelhante valia para o outro

grande setor da produção, o dos bens manufaturados, que no feudalismo, como se sabe,

era organizado pelo sistema de guildas, ou corporações.35

Tendo como ponto de partida a situação no feudalismo, o processo de

mercantilização do trabalho teve um lado positivo, pois ao eliminar as relações de

dominação que existiam entre o trabalhador e os senhores feudais, e ao levar à extinção

o sistema de guildas, instaurou uma forma de liberdade individual da qual não estamos

dispostos a abrir mão.

A liberdade do trabalhador de vender sua força de trabalho é entretanto uma

condição necessária mas não suficiente para que se estabeleça uma relação de trabalho

assalariado. Para tanto, é preciso não só que o trabalhador possa, mas também que ele

queira vendê-la. Raciocinando grosso modo, pode-se dizer, primeiro, que o trabalhador

35. A organização do trabalho é outro tópico que constitui – ao lado da terra, como vimos na

sub-seção anterior – uma boa ilustração da tese polanyiana da inserção da esfera econômica na vida social. Como diz nosso autor, “Sob o sistema de guildas, como em qualquer outro sistema

econômico na história prévia, os motivos e circunstâncias das atividades produtivas estavam

inseridos na organização geral da sociedade. As relações entre o mestre, o jornaleiro, e o aprendiz; os termos do ofício; o número de aprendizes; os salários dos trabalhadores, eram todos

regulamentados pelo costume e as normas da guilda e da cidade.” (A grande transformação, p.

91) Assim como o servo não podia se transferir de um senhor feudal a outro, o aprendiz não

tinha a liberdade de trocar de mestre.

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só irá aceitar a condição de assalariado se não tiver uma opção melhor para se sustentar,

para ganhar a vida. Segundo, que se ele fosse proprietário dos meios de produção – a

terra e os vários implementos necessários para seu cultivo, no caso da produção rural; as

ferramentas e matérias primas, no caso da produção de manufaturas – então ele poderia

se estabelecer como produtor independente, o que, fora outras possíveis vantagens, lhe

daria a liberdade de determinar a maneira e o ritmo do uso de sua força de trabalho, no

lugar de conceder essa prerrogativa ao patrão. Chega-se à conclusão de que os

trabalhadores só aceitariam se engajar numa relação de trabalho assalariado se fossem

excluídos da propriedade dos meios de produção. O trabalho assalariado pressupõe

assim uma desigualdade fundamental na distribuição dos meios de produção, uma

desigualdade que divide as partes envolvidas na relação em proprietários dos meios de

produção – os capitalistas – e os trabalhadores, que sobrevivem vendendo sua força de

trabalho. Polanyi – e, antes dele, Robert Owen e Max Weber – usaram a expressão

“medo da fome, esperança do ganho” para caracterizar as motivações dos trabalhadores

e capitalistas, respectivamente, para participar dos processos de produção de

mercadorias da maneira como o fazem. (Cf. Polanyi 1947; Dale 2010, p. 192)

No processo histórico de instauração do capitalismo na Europa, o

estabelecimento do trabalho assalariado como forma dominante de relação de trabalho

deu-se em estreita associação com o processo de mercantilização da terra, especialmente

com os cercamentos. Isso porque os trabalhadores na grande indústria – cuja criação

representa um momento crucial da grande transformação – foram originariamente os

trabalhadores rurais expulsos da terra pelos cercamentos.

No pensamento de Polanyi, como estamos vendo, a grande transformação é

concebida em termos da mercantilização das mercadorias fictícias. Os mesmos

processos, grosso modo, são os estudados por Marx n’O Capital pelo prisma do

conceito de acumulação primitiva, ou originária. Marx refere-se a ela como a “assim

chamada acumulação primitiva”, deixando claro que toma a expressão de empréstimo a

Adam Smith.36

Embora a linha de pensamento que introduz o conceito, na ordem das

razões d’O Capital, seja bem diferente da seguida por Polanyi para chegar às

36. Em Smith, a expressão original é previous accumulation, que Marx traduz por ursprunglich

Akkumulation. Embora “acumulação originária” corresponda melhor a ursprunglich

Akkumulation, “acumulação primitiva” tornou-se a expressão consagrada em português (assim

como em inglês, primitive accumulation).

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mercadorias fictícias, as duas análises têm muito em comum. Isso fica claro na seguinte

passagem, que capta o essencial do que foi visto nesta seção:

A assim chamada acumulação primitiva [ursprunglich

Akkumulation] é, portanto, nada mais que o processo histórico

de separação entre produtor e meio de produção. Ele aparece

como “primitivo” porque constitui a pré-história do capital e do

modo de produção que lhe corresponde.

A estrutura econômica da sociedade capitalista proveio da

estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta

liberou os elementos daquela.

O produtor direto, o trabalhador [rural] somente pode dispor

de sua pessoa depois que deixou de estar vinculado à gleba e de

ser servo ou dependente de outra pessoa. Para tornar-se livre

vendedor de força de trabalho, que leva sua mercadoria a

qualquer lugar onde houver mercado para ela, ele [agora o

trabalhador em manufaturas] precisava ainda ter escapado do

domínio das guildas, de seus regulamentos para aprendizes e

oficiais e das prescrições restritivas do trabalho. Assim, o

movimento histórico, que transforma os produtores em

trabalhadores assalariados, aparece, por um lado, como sua

libertação da servidão e da coação corporativa; e esse aspecto é

o único que existe para nossos escribas burgueses da História.

Por outro lado, porém, esses recém-libertados só se tornaram

vendedores de si mesmos depois que todos os seus meios de

produção e todas as garantias de sua existência, oferecidas pelas

velhas instituições feudais, lhes foram roubados. E a história

dessa sua expropriação está inscrita nos anais da humanidade

com traços de sangue e fogo.37

Numa outra passagem logo a seguir, Marx ressalta a importância dos

cercamentos como parte do processo de acumulação primitiva:

O que faz época na história da acumulação primitiva são todos

os revolucionamentos que servem de alavanca à classe

capitalista em formação; sobretudo, porém, todos os momentos

em que grandes massas humanas são arrancadas súbita e

violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no

mercado de trabalho como proletários desprovidos de direitos. A

expropriação da base fundiária [a terra] do produtor rural, do

camponês [ou seja, os cercamentos], forma a base de todo o

processo. Sua história assume coloridos diferentes nos diferentes

37. O capital, vol. 1, tomo 2, p. 262.

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países e percorre as várias fases em sequência diversa e em

diferentes épocas históricas.38

Para concluir, é importante registrar a seguinte observação. Na medida em que

podem ser considerados separadamente, dentre os processos de mercantilização das três

mercadorias fictícias de Polanyi o mais importante como componente da grande

transformação é o do trabalho. Como diz Braverman, “a produção capitalista requer

relações de troca, mercadorias e dinheiro, mas sua differentia specifica é a compra e

venda de força de trabalho.”39

E num livro de Kloppenburg – um outro autor que adota

as concepções de Marx como base teórica para seus estudos – lê-se:

A mercadoria – um artigo produzido para a troca em vez de para

o uso – não é exclusiva do capitalismo. O que distingue o

capitalismo é que ele se caracteriza por um sistema generalizado

de produção de mercadorias em que a força de trabalho também

figura como algo que é comprado e vendido; trata-se, num certo

sentido, da produção de mercadorias por mercadorias.

O capitalismo não emergiu plenamente formado a partir do

feudalismo, como Atenas da cabeça de Zeus. Em vez disso, as

relações capitalistas se estenderam na proporção em que se

generalizava progressivamente a forma mercadoria,

especialmente em sua aplicação à força de trabalho.40

6. O mercado capitalista e a metáfora da mão invisível

No sentido mais geral, um mercado é um lugar onde se encontram vendedores e

compradores de determinadas categorias de bens. Acompanhando uma tendência geral,

vamos usar o termo “mercado” para designar o que é na verdade uma forma particular

de mercado, o mercado capitalista. Polanyi dedicou uma grande atenção aos mercados,

num sentido amplo, estudando, além da capitalista, as várias outras formas de mercado

existentes entre as diferentes sociedades, em diferentes épocas. Em sua concepção, o

que distingue o mercado capitalista de outras formas de mercado é o “mecanismo de

38. Ibid., p. 263.

39. Braverman, Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX, p. 54. (Nessa tradução brasileira, que deixa muito a desejar, no lugar de “relações de troca” (exchange

relations) figura “intercâmbio de relações”!)

40. Kloppenburg, First the seed: the political economy of plant biotechnology, 1492-2000, p. 22-3. A sugestiva fórmula “produção de mercadorias por mercadorias” provém do título de

um livro de Piero Sraffa: Produção de mercadorias por meio de mercadorias: prelúdio a uma

crítica da teoria econômica.

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31

oferta-procura-preço”.41

Dito de outro modo, o mercado capitalista é o mercado em que

vigora a lei da oferta e da procura.

A lei da oferta e da procura tem como pressuposto essencial o Princípio de

Maximização do Ganho, o PMG, ou, em outras palavras, a lei é uma consequência da

atuação do PMG no contexto de um mercado. Num plano relativamente alto de

abstração, como vimos, uma operação de compra e venda é um contrato, fruto de uma

negociação agonística regida pelo PMG, de tal forma que o preço acordado reflete a

correlação de “forças” entre a posição do comprador e a do vendedor, na negociação.

No contexto de um mercado, tal correlação depende crucialmente das outras opções que

tanto o vendedor quanto o comprador têm, de realizar a transação de uma forma

possivelmente mais vantajosa com um outro comprador, ou, respectivamente, um outro

vendedor. Isso posto, o mecanismo subjacente à lei da oferta e da procura é bastante

familiar, podendo ser descrito de forma bem concisa. Quando aumenta a oferta, cresce a

“força” relativa da posição dos compradores nas negociações, e o preço cai; quando a

oferta diminui, o contrário acontece, e o preço aumenta. Vale o mesmo para a procura,

com o sinal trocado.

Para explicar a importância da lei da oferta e da procura como a característica

distintiva do mercado capitalista, convém introduzir uma distinção entre três dimensões

da vida econômica das sociedades, correspondentes a três questões a que, abstratamente,

qualquer sociedade deve responder para organizar suas atividades econômicas, a saber,

o que produzir, como produzir, e como distribuir os bens produzidos. Essa distinção

está presente tanto na obra de Marx quanto na de Polanyi, mas figura com muito maior

nitidez e destaque na tradição ortodoxa neoclássica, como um dos fundamentos da

economia. Num dos manuais mais amplamente adotados em cursos introdutórios – o

Economia, de Samuelson & Nordhaus –, no cap. 1, “Os fundamentos da economia”,

seção B, “Os três problemas da organização econômica”, por exemplo, lê-se:

Qualquer sociedade humana – seja um país industrial avançado,

uma economia de planejamento central ou uma sociedade tribal

isolada – tem de se confrontar com e resolver três problemas

econômicos fundamentais. Qualquer sociedade tem de ter um

41. Cf. Polanyi, The livelihood of man, p. 6.

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modo para determinar que bens são produzidos, como são

produzidos esses bens e para quem são produzidos.42

No modo de produção capitalista, as três perguntas são respondidas (de acordo

com seus defensores, respondidas da melhor maneira possível) pelo mercado, que dessa

forma organiza a vida econômica e, indiretamente, com veremos, toda a vida das

sociedades em que predomina.43

Como isso se dá?

O preço é obviamente um fator crucial nas decisões de compra dos

consumidores. Quanto às decisões sobre o que produzir e como produzir, convém

observar que no contexto das atividades empresariais – sejam do setor da produção,

industrial ou agrícola, sejam no do comércio – o PMG se transmuta em princípio de

maximização do lucro (PML). O lucro do comerciante é a diferença entre o preço de

compra e o preço de revenda da mercadoria; o do produtor é a diferença entre o custo de

produção da mercadoria – os gastos com salários, matérias primas, etc. – e o preço de

venda. É fácil constatar que, em ambos os casos, o lucro depende dos preços. Assim, é

evidente que também nas decisões empresariais os preços são um fator crucial. Daí

decorre a importância dos preços: é através deles que o mercado exerce sua função

organizadora da vida econômica.

Os preços são o meio, mas de que modo o mercado exerce essa função? No que

se refere à distribuição, a economia de mercado proporciona as rendas – os salários, no

caso dos trabalhadores, e os lucros, no caso dos empresários – que permitem a

realização das compras, e assim a distribuição dos bens produzidos.

O lado mais importante da atuação do mercado, entretanto, é o ligado à

produção. E nesse contexto, é necessário distinguir dois modos de atuação. Um deles é

associado ao equilíbrio, à estabilidade, e corresponde ao mercado como um sistema

regulador. Outro tem um caráter dinâmico, corresponde ao mercado funcionando como

força propulsora de transformações no que e no como se produz, é o mercado como

sistema dinamizador.

42. Samuelson, P. A. & Nordhaus, W. D., Economia, p. 8. Cf. também Heilbroner, Introdução à microeconomia, p. 19: “Assim, o que produzir, como produzir e a quem entregar o produto

constituem os problemas básicos da Economia, que toda ordem social deve enfrentar de uma

maneira ou de outra”.

43. Cf. Samuelson & Nordhaus: “Uma economia de mercado é aquela em que os indivíduos e as

empresas privadas tomam as decisões mais importantes acerca da produção e do consumo. Um

sistema de preços, de mercados, de lucros e prejuízos, de incentivos e recompensas determina o

quê, como e para quem”. (p. 8-9).

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33

A pergunta sobre o que se produz pode por sua vez ser decomposta em duas: que

tipos de bens produzir, e que quantidade de cada tipo produzir. A pergunta sobre a

quantidade é respondida pelo mercado como sistema regulador. O mercado como

sistema dinamizador responde à pergunta sobre os tipos, além da pergunta sobre como

produzir. Tudo isso ficará mais claro a seguir.

6.1 O mercado como sistema regulador

A determinação da quantidade de cada tipo de bem a ser produzida corresponde

ao problema da alocação social de recursos. O mercado como sistema regulador é o

mercado considerado em seu papel de alocador de recursos. O que permite ao mercado

desempenhá-lo são certas cadeias causais que vamos agora descrever, num registro

muito sucinto e simplificado. A descrição expõe as facetas que permitiriam ao mercado

desempenhar eficientemente sua função reguladora (como pretendem os defensores do

capitalismo), deixando de lado as facetas problemáticas.

Consideremos um determinado tipo de mercadoria – digamos, ventiladores – e

suponhamos que a partir de certo momento comece a aumentar a procura por eles.44

Havendo um aumento da procura, e supondo que as fábricas de ventiladores estivessem

funcionando abaixo de sua capacidade, os fabricantes podem num primeiro momento

simplesmente aumentar a produção, com isso aumentando seus lucros, mesmo que o

preço se mantenha estável. Mas se as temperaturas continuam a subir, e

consequentemente a procura de ventiladores, chega um momento em que a capacidade

ociosa das fábricas se esgota, e então o preço começa a se elevar. A elevação do preço,

por sua vez, faz crescer a lucratividade do negócio, e isso estimula a construção de

novas fábricas, seja pelas empresas já estabelecidas no ramo, seja por novas empresas.

Em qualquer dos casos, o resultado é um aumento da produção, e portanto da oferta, que

por sua vez leva a uma redução do preço, o qual pode assim retornar ao nível em que se

encontrava inicialmente – supondo que depois de certo período a procura tivesse se

estabilizado, agora num outro patamar.

44. Nos dias de hoje, é fácil imaginar uma causa para tal aumento, a saber, o aquecimento global, decorrente do efeito estufa. Embora essa característica seja interessante por tornar o

exemplo mais concreto – e por isso o escolhemos –, a especificação das causas que levam a

aumentos (ou diminuições) da procura por determinadas mercadorias é irrelevante para o

entendimento do mecanismo de regulação do mercado.

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34

Paralelamente ao aumento da procura por ventiladores, pode ocorrer uma queda

na procura por aquecedores, e neste caso desenrola-se um processo inverso, envolvendo

decréscimo de produção, fechamento de fábricas, encerramento de empresas – por

falência, ou para evitar a falência, etc. O decréscimo da produção reduz a oferta, e com

uma suposição análoga à feita no caso dos ventiladores, o resultado é o mesmo: o

retorno do preço a seu nível original.45

Do ponto de vista da alocação de recursos – abstraindo agora o preço –, o

processo se apresenta como uma alteração no nível da demanda, acompanhado de um

ajuste no nível da produção, de forma tal que, aceitas as pressuposições do modelo em

que se baseia o raciocínio, pode-se afirmar que o mercado é um sistema regulador

eficiente de alocação de recursos. O que se espera de um tal sistema é que não ocasione

nem falta nem excesso de produção. O mercado cumpre esse requisito, na medida em

que seu mecanismo tende a estabelecer, para cada mercadoria, um equilíbrio entre oferta

e procura.

Essa descrição do mecanismo subjacente ao papel do mercado como sistema

regulador, como dissemos, é extremamente simplificada, não pretende ser mais que um

modelo. Mas embora os mercados sejam instituições extremamente complexas, assim

como as formas que assumem os mecanismos reguladores, pode-se dizer que todas elas

são variações de um esquema básico, tal como o descrito.

O mercado como um sistema regulador é um conceito central no pensamento de

Polanyi. O termo que ele usa para designá-lo é “self-regulating market”, que merece

alguns comentários. A edição brasileira d’A grande transformação o traduz por

45. Existem modelos matemáticos desse mecanismo do mercado que, partindo de certas

pressuposições, demonstram rigorosamente que, havendo uma alteração na variável que

representa a procura, o resultado – como na descrição informal que apresentamos – é um movimento na variável que representa o preço, o qual termina com seu retorno ao nível original.

O uso de tais modelos constitui um aspecto fundamental da tradição dominante na economia

desde fins do século XIX. Essa tradição denomina-se neoclássica – em contraste com a

economia política clássica, de A. Smith, D. Ricardo, J. S. Mill, e outros, criticados por Marx. O capital, é bom lembrar, tem por subtítulo Crítica da economia política. O estabelecimento dos

princípios da economia neoclássica – também conhecida como marginalista – constitui um

episódio interessante na história do pensamento econômico: foi obra de três autores, que chegaram a eles de forma independente, e praticamente ao mesmo tempo. Os autores, e os livros

em que expõem as respectivas versões dos princípios em pauta são o inglês W. S. Jevons, com

The Theory of Political Economy (1871), o austríaco C. Menger, com Grundsätze der Volkswirtschaftslehre (1871) e o francês L. Walras, com Éléments d'économie politique pure,

ou théorie de la richesse sociale (1874). Walras deu a suas concepções o nome de Teoria do

Equilíbrio Geral, significativa da atenção dada pelos neoclássicos ao papel regulador do

mercado.

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“mercado auto-regulável”. Mas “regulável” significa “que pode ser regulado”, e essa

ideia de possibilidade está ausente do significado do termo original. A tradução mais

literal seria “mercado auto-regulante”, mas “regulante” não figura nos dicionários, e a

que se encontra com maior frequência na literatura é “mercado auto-regulado” (que pelo

menos é melhor que “mercado auto-regulável”). De um outro ponto de vista, uma

escolha mais adequada a nosso ver teria sido simplesmente “regulating market” – em

português “mercado regulador” – uma vez que os mecanismos reguladores atuam sobre

a vida econômica como um todo, e não apenas sobre o próprio mercado. Mas vamos

respeitar a escolha terminológica de Polanyi – que por outro lado permite caracterizar os

mercados não capitalistas como não auto-regulados, mas regulados por forças externas.

O mercado auto-regulado é o mercado livre, ou seja, o mercado em que cada

participante goza de total liberdade ao tomar suas decisões de compra e venda, para

consumo ou investimento, guiado apenas pelo PMG.

No sistema capitalista plenamente instaurado, há um mercado para cada tipo de

mercadoria: o mercado de trabalho, o mercado de imóveis, o mercado financeiro, o

mercado de commodities46

, etc. Mas tais mercados não funcionam independentemente

uns dos outros, na medida em que cada agente econômico participa de mais de um

mercado. Um trabalhador, por exemplo, participa pelo menos do mercado de trabalho e

do mercado de bens de consumo. Assim, o que acontece no mercado de trabalho – por

exemplo, um aumento no nível dos salários – afeta o mercado de bens de consumo, que

por sua vez afeta o mercado de bens de produção, e assim por diante. O que existe assim

no sistema capitalista é – para usar a expressão de Polanyi – O Grande Mercado (One

Big Market47

).

Uma boa parte do que foi dito até agora nesta seção está condensado na seguinte

passagem d’A grande transformação, onde se introduz a definição de economia de

mercado:

Uma economia de mercado é um sistema econômico controlado,

regulado e dirigido apenas por preços de mercado; a ordem na

produção e distribuição dos bens é confiada a esse mecanismo

auto-regulado. Uma economia deste tipo decorre da expectativa

46. A palavra “commodity” tem em inglês um sentido amplo, equivalente ao de “mercadoria” em português, e um sentido mais específico, referente a produtos não-manufaturados, matérias

primas como minérios, a soja em grão, etc. Quando “commodity” é usado no contexto do

português, o sentido é o mais restrito.

47. Cf. A grande transformação, p. 93.

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36

de que os seres humanos se comportam de maneira a conseguir

o máximo de ganhos monetários. Ela pressupõe mercados nos

quais o suprimento de bens (incluindo serviços) disponível a um

determinado preço será igual à demanda a esse preço. Pressupõe

a presença do dinheiro, que funciona como poder de compra nas

mãos dos possuidores. A produção será então controlada pelos

preços, pois os lucros daqueles que dirigem a produção

dependerão dos preços, uma vez que os preços formam rendas, e

é com a ajuda dessas rendas que os bens são produzidos e

distribuídos entre os membros da sociedade. Com esses

pressupostos, a ordem na produção e na distribuição de bens é

assegurada apenas pelos preços.48

No que se refere à postura dos agentes econômicos, é em virtude de ter como

elemento fundamental o PMG – o motivo do ganho, da barganha ou da permuta, nas

palavras de Polanyi – que o mercado pode desinserir a esfera econômica das outras

esferas da organização social, num movimento que ao mesmo tempo a situa numa

posição dominante em relação a elas. E esse movimento no mundo real leva Polanyi a

passar, no terreno das ideias, do conceito de economia de mercado para o conceito de

sociedade de mercado49

:

O padrão de mercado, por outro lado, relacionando-se a um

motivo peculiar próprio, o motivo da barganha ou da permuta, é

capaz de criar uma instituição específica, a saber, o mercado.

Em última instância, é por isso que o controle do sistema

econômico pelo mercado tem consequências avassaladoras para

toda a organização da sociedade: significa, nada menos, a

condução da sociedade como um acessório do mercado. Em vez

de a economia estar inserida nas relações sociais, são as relações

sociais que estão inseridas no sistema econômico. A importância

vital do fator econômico para a existência da sociedade exclui

qualquer outro resultado. Pois uma vez estando o sistema

econômico organizado em instituições à parte, assentadas sobre

motivos específicos, e com um status especial, a sociedade deve

ser formada de tal maneira que permita a esse sistema funcionar

de acordo com suas próprias leis. Esse é o sentido da afirmação

48. Ibid., p. 89-90.

49. “Sociedade de mercado” é a expressão que Polanyi usa para designar aquilo que é mais

conhecido como “capitalismo”.

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familiar de que uma economia de mercado só pode funcionar

numa sociedade de mercado.50

A sociedade de mercado tem uma característica que a distingue de todas as

outras formas de organização social, e que se entende mais claramente quando o

contraste é feito não com formas anteriores ao capitalismo, mas com o socialismo, tal

como concebido na tradição marxista. Como vimos, para Marx e Engels o socialismo

viria com a abolição da propriedade privada dos meios de produção, que passariam a ser

propriedade pública – estatal ou coletiva –, e com isso se extinguiria também o

mercado. Se admitimos a pressuposição segundo a qual toda formação social deve ter

instituições capazes de organizar a vida econômica respondendo, entre outras, à

pergunta sobre que quantidade de cada tipo de bem produzir, então alguma outra

instituição deve ser criada para substituir o mercado em sua função alocadora de

recursos.

No socialismo tal como veio a se cristalizar na União Soviética, no século

passado, a função reguladora do mercado passa a ser exercida pelo Estado, por meio do

sistema de planejamento central. Numa descrição bem abstrata, o sistema funciona

assim. O Estado tem um órgão de planejamento central que faz periodicamente

estimativas da quantidade de cada categoria de bens que precisa ser produzida para

satisfazer, direta e indiretamente, as necessidades da população (por exemplo, a

necessidade de ventiladores e aquecedores no decorrer no próximo ano). A partir desses

dados, o órgão planejador faz um rateio entre as unidades produtoras desses aparelhos, e

expede ordens dirigidas a cada uma delas, especificando o número de unidades que

devem ser produzidas. Caso a capacidade instalada das fábricas não seja suficiente para

atender à demanda, o órgão planejador toma as providências para que novas fábricas

sejam construídas. O mesmo processo se aplica a cada uma de todas as outras categorias

de bens.

50. Ibid., p. 77. A razão mais importante pela qual uma economia de mercado só pode funcionar

numa sociedade de mercado é a que diz respeito às mercadorias fictícias. Nas palavras de

Polanyi: “Uma economia de mercado deve envolver todos os elementos da indústria, inclusive o trabalho, a terra e o dinheiro. [...] Mas o trabalho e a terra são nada menos que os próprios seres

humanos dos quais qualquer sociedade é composta, e o ambiente natural em que ela existe.

Incluí-los no mecanismo de mercado significa subordinar a própria substância da sociedade às

leis do mercado.” (Ibid., p. 93; itálico acrescentado.)

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Embora em muitos contextos quando se usa a expressão “planejamento central”

a referência seja a algo como o sistema esboçado acima, a designação mais precisa para

este é “economia de comando”; com esse rótulo, o sistema foi adotado inclusive por

países capitalistas, em tempos de guerra, para certos setores da produção. Chama-se

“economia de comando” porque funciona na base de ordens emitidas por um órgão de

planejamento, e dirigidas às unidades produtoras. No presente contexto é importante

ressaltar a natureza do processo, que se apresenta como uma deliberação racional –

análoga às que faz um indivíduo livre como base para as decisões sobre o uso de seus

próprios recursos. Como uma ilustração mais concreta, pode-se pensar em Robinson

Crusoe em sua ilha, decidindo qual a melhor forma de distribuir sua força de trabalho

entre as várias tarefas que precisa realizar, de modo a produzir os vários tipos de bens

necessários para sua sobrevivência. Nos escritos de Marx e Engels, a caracterização do

sistema de alocação de recursos que no socialismo desempenharia a função reguladora,

substituindo o mercado, não corresponde necessariamente ao sistema de planejamento

central no estilo soviético, mas sim a um sistema caracterizado apenas por essa natureza

de deliberação racional. Marx refere-se a ele como “controle consciente e

planificado”51

, Engels como “organização planejada e consciente” da produção, e

“produção social com base num plano predeterminado”.52

O sistema de mercado, em contraste, tem um caráter claramente maquinal, tanto

assim que não causa estranheza o uso – tal como foi feito acima – do termo mecanismo

para designar as cadeias causais responsáveis pelo funcionamento do sistema. Na

verdade, o mercado constitui um exemplo de um tipo de sistema regulador automático

muito importante estudado na Engenharia de Controle e Automação, e, num plano mais

teórico, na Cibernética53

. Nesses domínios, um dos conceitos mais importantes é o de

feedback – em português, retro-alimentação. A retro-alimentação pode ser entendida

como uma cadeia causal circular, em que uma variação numa das grandezas de um

51. Cf. Marx, O Capital, em A mercadoria, p. 80.

52. Engels, Do socialismo utópico ao socialismo científico, p. 107 e 110.

53. No presente contexto, “controle” e “regulação” podem ser tomados como sinônimos. O

termo “cibernética” tornou-se corrente a partir de meados do século passado graças a Norbert

Wiener, que o escolheu para designar a linha de investigação multidisciplinar fundada por ele, centrada nos processos de controle e comunicação. “Cibernética” provém do grego κυβερνήτης

(kybernetes), que significa timoneiro, ou, num sentido mais amplo, quem conduz um veículo, ou

ainda, tal como em Platão, quem governa uma sociedade. O verbo “governar”, na verdade, tem

sua origem na mesma raiz grega, através do latim “gubernare”.

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sistema afeta outras, em sequência, e em algum ponto, a própria grandeza cuja variação

deu origem ao processo. Os exemplos a seguir deixarão claro o significado dessa

definição abstrata.

A retro-alimentação pode ser positiva ou negativa. É negativa quando um

aumento (ou diminuição) numa grandeza tende, no ponto em que a cadeia causal

circular retorna a seu ponto de partida, a fazer com que a grandeza diminua (ou,

respectivamente, cresça), tendendo a retornar a seu valor inicial. A retro-alimentação

negativa pode assim funcionar como um dispositivo estabilizador, que faz uma grandeza

retornar a um valor predeterminado sempre que ocorre nela uma variação causada por

fatores externos, e por isso ela tem um interesse especial do ponto de vista do controle.

Um exemplo bem simples de um dispositivo dessa natureza é o termostato – cuja

função é manter estável a temperatura num certo entorno. As geladeiras têm sua

temperatura interna controlada por termostatos, e seu modo de funcionamento é bem

conhecido. O dispositivo envolve um termômetro, acoplado a uma chave; quando a

temperatura atinge um certo valor máximo pré-estabelecido, a chave aciona o motor da

geladeira, que coloca em movimento o compressor, que por sua vez provoca uma queda

da temperatura. A queda continua até chegar a um limite inferior, quando o termômetro

atua sobre a chave, fazendo com que o motor seja desligado. Tem-se então uma

variação numa grandeza (o aumento da temperatura), que dá origem a uma cadeia

causal (envolvendo o termômetro, o motor, o compressor, e na verdade todos os

processos físicos que ocorrem no gás da geladeira, e são responsáveis pelo efeito

refrigerador), a qual vai afetar a própria temperatura. O resultado global do processo é

que a temperatura fica oscilando entre um valor máximo e um valor mínimo de uma

faixa predeterminada de temperaturas; colocando-se no eixo vertical de um gráfico a

temperatura, e no horizontal o tempo, tem-se uma curva em forma de onda. O

termostato funciona então como um dispositivo estabilizador de temperatura,

constituindo um exemplo de um sistema regulador automático – automático porque seu

funcionamento dispensa a intervenção de seres humanos.

O exemplo do termostato de um refrigerador doméstico é muito simples, na

medida em que a ação estabilizadora é de um único tipo; termostatos mais sofisticados

podem envolver tanto um dispositivo refrigerador quanto um aquecedor. E tanto um

quanto outro podem variar na intensidade de sua atuação ao longo de um contínuo de

valores, isto é, não se limitando, como é o caso dos motores das geladeiras domésticas,

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a dois estados, o ligado e o desligado. Os termostatos são apenas um dos inúmeros tipos

de sistema regulador automático criados pelos inventores e engenheiros ao longo dos

últimos séculos. Um dispositivo muito citado na história da tecnologia é o regulador

centrífugo, cujo princípio já era conhecido, mas foi aplicado pela primeira vez no

controle da velocidade de operação de máquinas a vapor por James Watt, em 1788.

Na retro-alimentação positiva, a cadeia causal gerada pelo aumento numa

grandeza faz com que ela cresça mais ainda. Uma retro-alimentação positiva não pode

prosseguir indefinidamente: ou sua operação é limitada a uma faixa de valores, ou o

sistema entra em colapso.

Do ponto de vista da concepção mecanicista dos seres vivos, da qual Descartes

foi um dos pioneiros, a cibernética representou um avanço, na medida em que

desenvolveu a ideia de estudar, com o mesmo aparato conceitual usado na engenharia,

os processos biológicos de regulação – da temperatura corporal, por exemplo, em aves e

mamíferos, ou, em termos mais gerais, dos processos responsáveis pela homeostase.

Comparemos agora os sistemas de controle automático situados no terreno da

tecnologia, e o mercado como um sistema regulador, tal como descrito. À primeira

vista, parece haver uma diferença significativa: os sistemas tecnológicos foram

caracterizados como automáticos por dispensarem a ação humana. E isso parece não

valer para o mercado, já que seu funcionamento depende de decisões dos agentes

econômicos. Tais decisões, entretanto, são frutos apenas dos interesses individuais dos

agentes, e não do objetivo de regular a economia como um todo. E nesse sentido, pode-

se sustentar que em essência – ainda que não em aparência – o mercado é um sistema

regulador automático.54

Voltando ao contraste com o socialismo, no que se refere à alocação social de

recursos, e invertendo a ordem – isto é, tomando como referência o método socialista

baseado na deliberação racional – a economia de mercado aparece como um processo

em que a sociedade abre mão de tomar racionalmente as decisões sobre a alocação de

recursos, delegando essa função a um sistema regulador automático.

54. Na definição clássica de Wiener, a cibernética é “a ciência da comunicação e do controle no

animal e na máquina” (o título do livro em que ele lançou a ideia é Cybernetics or control and communication in the animal and the machine. A definição pode ser ampliada para “a ciência da

comunicação e do controle no animal, na máquina, e na sociedade” – como já se sugeriu, e

como condiz com o título e o conteúdo de outro de seus clásssicos, Cibernética e sociedade: o

uso humano de seres humanos.

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A Engenharia teve muito sucesso em seu empreendimento de criar reguladores

automáticos eficientes, de tal modo que – voltando ao exemplo da geladeira – há muitas

vantagens e nenhum problema em delegarmos ao termostato a tarefa de controle da

temperatura – que em princípio uma pessoa pode fazer, verificando periodicamente a

temperatura, e ligando ou desligando manualmente o motor conforme o caso. A

pergunta que se coloca – e que será ampliada na sub-seção 6.2, generalizada na 6.3, e

considerada de diferentes pontos de vista em todo o restante do curso – é a seguinte:

será o mercado um sistema de controle automático eficiente o bastante para que seja

sensato delegarmos a ele o controle da alocação social de recursos?

6.2 O mercado como sistema dinamizador

O mercado como princípio dinamizador, como já observamos, fornece respostas

à pergunta sobre que tipos de bens produzir e – o que é mais importante – à pergunta

sobre como produzir. Para explicar a maneira com isso se dá, convém situar a questão

num outro contexto, a saber, o das estratégias que os empresários do setor produtivo

adotam tendo em vista seu objetivo primordial, a maximização dos lucros. Já vimos

uma dessas estratégias ao explicar o mecanismo regulador do mercado: diante de um

acréscimo na demanda causado por fatores externos, o empresário eleva a quantidade de

mercadorias produzidas conseguindo assim aumentar seu lucro mesmo que o preço se

mantenha estável. Trata-se de uma estratégia muito limitada, uma vez que tais fatores

externos estão fora do controle do empresário.

Uma outra estratégia, cada vez mais intensamente utilizada, é a que consiste em

provocar um aumento na demanda por meio da publicidade. Há na verdade um número

muito grande de estratégias empresariais; vamos nos concentrar em duas das mais

importantes, que tem uma relação estreita com a faceta dinamizadora do mercado.

A primeira delas consiste em inventar novas mercadorias, novas categorias de

bens para as quais existe, ou pode ser criada, uma demanda. O presente momento

histórico é pródigo em manifestações dessa estratégia, talvez se possa mesmo dizer que

nunca antes se introduziram no mercado tantas novas mercadorias em tão curto espaço

de tempo – dos computadores pessoais ao telefone celular, dos fornos de micro-ondas

aos televisores de plasma, etc., etc., etc.

A segunda, ainda mais importante, diz respeito não ao que se produz, mas a

como se produz. O lucro do empresário é a diferença entre o custo de produção e o

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preço de venda. Um elemento crucial no custo de produção são os salários pagos aos

trabalhadores, e assim, uma maneira de aumentar o lucro seria diminuir os salários. Mas

esse caminho é bloqueado pelo fato de que o nível salarial é estabelecido pelo mercado,

estando assim fora do controle de cada empresário considerado individualmente. A

alternativa é reduzir o montante de salários pagos diminuindo o número de

trabalhadores empregados na produção de uma mesma quantidade de mercadorias, ou

seja, aumentando a produtividade do trabalho. Com esse objetivo, o empresário recorre

a avanços tecnológicos – ferramentas e máquinas cada vez mais sofisticadas – e a

mudanças na forma de organização do trabalho. Os dois processos interagem

fortemente, e com frequência é a forma de organização do trabalho que deve se adaptar

aos avanços tecnológicos.

Pode-se dizer então que a tecnologia, no modo de produção capitalista, tem pelo

menos duas funções muito importantes: aumentar a produtividade e criar novas

mercadorias. Mostramos acima como essas estratégias decorrem do PML; nessa

demonstração ficou implícito, e merece agora ser explicitado, o papel da concorrência.

A concorrência é a forma em que se manifesta no contexto do mercado o caráter

agonístico da relação mercantil. Como diz Heilbroner,

... diferente das competições da vida comum, a concorrência

econômica envolve não apenas uma única luta entre rivais, mas

duas lutas, uma entre os dois lados do mercado, e outra entre os

componentes de cada um de seus lados. Pois o mercado

competitivo não é apenas o lugar onde o choque de interesses

entre compradores e vendedores resulta da oposição entre oferta

e procura, mas também o local onde os compradores lutam

contra os compradores e os vendedores contra os vendedores.55

... a concorrência econômica, diferente da competição por

prêmios que ocorre fora da vida econômica, não é uma

competição que ocorre uma vez e termina, mas um processo

contínuo – uma corrida em que os vencedores nunca ganham,

mas devem continuar infindavelmente tentando manter-se na

frente, para evitar as penalidades de ficar para trás.56

Pensada em sua relação com a tecnologia, a concorrência aparece como o motor,

a força impulsionadora dos avanços tecnológicos. E sendo a concorrência apenas um

aspecto do mercado, fica explicado seu funcionamento como um sistema dinamizador,

55. Heilbroner, Introdução à microeconomia, p. 40.

56. Ibid., p. 39.

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que, como veremos, desempenha um papel importantíssimo na história do Ocidente na

época moderna.

Em sua função como sistema dinamizador, o mercado não somente impulsiona

mas – como é natural imaginar, e como veremos em detalhe mais tarde – direciona os

avanços tecnológicos. E ele faz isso de forma automática, como no caso de sua função

reguladora. A pergunta posta ao final da sub-seção anterior agora se amplia: será o

mercado um sistema de controle automático eficiente o bastante para que seja sensato

delegarmos a ele o controle da alocação social de recursos, e a determinação dos rumos

do desenvolvimento da tecnologia?

6.3 A metáfora da mão invisível

Conforme o plano anunciado anteriormente, vamos agora formular a pergunta

em pauta em termos mais gerais. Para isso vamos recorrer à chamada metáfora da mão

invisível – fortemente associada ao nome de Adam Smith, a quem se atribui sua autoria,

embora não se deixe de apontar a existência de precursores, entre os quais,

especialmente Bernard de Mandeville (1670-1733). A metáfora desempenha um papel

crucial na legitimação do sistema capitalista, bem como no debate sobre os fundamentos

metodológicos não só da economia, mas de todas as ciências sociais57

, sendo invocada

também como princípio subjacente à teoria darwiniana da evolução58

.

Enquanto argumento legitimador do sistema capitalista, a metáfora é uma

resposta ao conflito existente entre, de um lado, os valores da solidariedade, da

cooperação, do altruísmo, da preocupação com o bem comum, e outros dessa natureza,

presentes em nossa cultura ocidental principalmente graças à influência da tradição

judaico-cristã; de outro lado, os valores do individualismo, da competição, e do egoísmo

– em uma palavra, do auto-interesse – com base nos quais funciona o sistema

capitalista. E o que diz o argumento? Diz que graças à atuação de u’a mão invisível, o

57. Como diz uma comentadora, referindo-se a A. Smith, “a ideia que a metáfora conota

permeia todas as suas teorias sociais e morais. Na verdade, foi a noção da mão invisível que

permitiu a Smith desenvolver a primeira teoria abrangente da economia como um sistema social inter-relacionado. Não há muito exagero em afirmar que a mão invisível tornou a própria

ciência social teórica possível.” “A noção de ordem espontânea no sentido de um sistema auto-

ordenado [contida na metáfora da mão invisível] continuou a fornecer os fundamentos da ciência econômica e especialmente da teoria do equilíbrio geral durante todo o século XIX, e até

o presente”. K. Vaughn “Invisible hand”, p. 168 e 172. Cf. também A. Flew, “Social science:

making visible the invisible hands”.

58. Cf. P. Ylikoski, “The invisible hand and science”.

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resultado global do comportamento de todos os indivíduos, cada um motivado apenas

pelo auto-interesse, é o bem de toda a sociedade. Vejamos a linha de raciocínio que leva

a essa conclusão, começando com as ideias de Mandeville.

Em 1705 Mandeville publicou a fábula The grumbling hive, or knaves turn’d

honest (A colmeia queixosa, ou os escroques que ficaram honestos), que passou

relativamente despercebida. Em 1714 The fable of the bees; or private vices, publick

benefits (A fábula das abelhas; ou vícios privados, benefícios públicos), um livro que

reproduzia a fábula, acrescida de um prefácio e uma série de observações. O objetivo da

fábula, como o autor deixa claro no prefácio, é mostrar que um país pode ser rico, ou

pode ser virtuoso, mas não as duas coisas ao mesmo tempo; sendo necessário optar,

Mandeville fica com a primeira alternativa. Em suas palavras:

O principal objetivo da Fábula (como se explica brevemente na

moral) é mostrar a impossibilidade de usufruir todos os mais

elegantes confortos da vida que se encontram numa nação

industriosa, rica e poderosa e, ao mesmo tempo, ser abençoado

com toda a virtude e inocência que se pode desejar para uma

idade de ouro; e a partir disso expor a falta de sensatez e loucura

daqueles que, desejosos pertencerem a um povo opulento e

florescente, e maravilhosamente cobiçosos dos benefícios que

podem receber enquanto tal, ficam entretanto resmungando e

deblaterando contra os vícios e inconveniências que desde o

começo do mundo até os dias de hoje têm sido sempre

inseparáveis de todos os reinos e Estados famosos por seu poder,

riqueza e refinamento, ao mesmo tempo.59

Tratava-se de uma moral escandalosa, já que legitimava o vício, e por isso o

livro suscitou uma avalanche de críticas indignadas – processo na Inglaterra, livro

queimado na França. – o que não impediu que tivesse um impacto considerável na

linhagem dos iluministas. Entre os pensadores que o leram, e foram por ele

influenciados, encontram-se pensadores do porte de Hume, Rousseau, Kant, além,

naturalmente, de A. Smith.60

Apesar da importância do papel que a metáfora da mão invisível desempenha em

seu pensamento, Smith usa o termo “mão invisível” apenas três vezes em toda sua obra

(uma dessas num contexto referente à astronomia, e menos relevante para nossos

propósitos no curso). A primeira ocorrência se dá em A teoria dos sentimentos morais

(1759):

59. Mandeville, The fable of the bees, in The fable of the bees and other writings, p. 20

60. Cf. E. J. Hundert, “Introduction”, in Mandeville, op. cit., p. xix.

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[Os ricos] consomem pouco mais que os pobres; e a despeito de

seu natural egoísmo e rapacidade, embora pensem tão-somente

em sua própria comodidade, e a única finalidade que buscam, ao

empregar o trabalho de muitos, seja satisfazer seus próprios

desejos vãos e insaciáveis, apesar disso dividem com os pobres

o produto de todas as suas melhorias. São conduzidos por uma

mão invisível a fazer quase a mesma distribuição das

necessidades da vida que teria sido feita, caso a terra fosse

dividida em porções iguais entre todos os seus moradores; e

assim, sem intenção, sem saber, promovem os interesses da

sociedade, e oferecem meios para multiplicar a espécie. Quando

a providência dividiu a terra entre uns poucos orgulhosos

senhores, não se esqueceu e tampouco abandonou os que

pareciam ter ficado fora dessa partilha. Também estes

usufruíram sua parte em tudo o que a terra produz. No que se

refere à verdadeira felicidade da vida humana, não são em nada

inferiores aos que pareceriam estar tão acima deles. No conforto

do corpo e na paz do espírito, todas as diferentes posições da

vida estão quase no mesmo nível, e o mendigo que se aquece ao

sol junto da estrada possui a segurança por que se batem os

reis.61

Vejamos agora duas passagens de A riqueza das nações que dizem respeito à

metáfora da mão invisível, embora o termo não seja usado.

Não é da bondade do açougueiro, ou do padeiro, que podemos

esperar nosso jantar, mas de seu interesse. Nós nos dirigimos

não ao seu espírito humanitário, mas ao seu interesse, e nunca

lhes falamos de nossas necessidades, e sim de suas vantagens.62

Todo indivíduo se esforça continuamente para encontrar o

emprego mais vantajoso de qualquer capital de que dispuser. É

sua própria vantagem, na verdade, e não a da sociedade, que ele

tem em vista. Mas o estudo de sua própria vantagem

naturalmente, ou melhor, necessariamente, o leva a preferir o

emprego que é mais vantajoso para a sociedade.63

E agora a passagem com o termo:

Todo indivíduo trabalha necessariamente para tornar a renda

anual da sociedade tão alta quanto lhe é possível. Ele geralmente

não tem a intenção de promover o interesse público, nem sabe o

61. Smith, Teoria dos sentimentos morais, p. 226.

62. Smith, A riqueza das nações, p. 14.

63. Smith, An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations, IV.2.4.

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quanto o está promovendo. ... Ele tem em vista apenas seu

próprio ganho, e é conduzido, neste e em muitos outros casos,

por u’a mão invisível, a promover um fim que não era parte de

sua intenção. Perseguindo seu próprio interesse ele

frequentemente promove o da sociedade mais eficientemente do

que quando tem realmente tal intenção. Nunca soube que muito

bem tenha sido feito pelos que pretendem comerciar tendo em

vista o bem público.64

Mas como atua a mão invisível? Que mágica é essa que ela parece realizar? As

duas sub-seções acima permitem uma resposta sucinta a essa pergunta: a mão invisível

atua por meio dos mecanismos do mercado, em sua função reguladora – equilibrando

oferta e procura – e em sua função dinamizadora – fomentando o progresso da

humanidade –, promovendo assim o bem de todos, e realizando a mágica de transformar

vícios privados em benefícios públicos.

Sejam quais forem os resultados do exame da validade do argumento no plano

teórico, ele corresponde a uma tese que pode ser confrontada com dados empíricos, ou

seja, com as consequências da experiência histórica da adoção do mercado como

sistema regulador e dinamizador. Entre os defensores do capitalismo, mesmo os mais

ferrenhos reconhecem que o mercado não é um sistema perfeito, admitindo a existência

do que denominam falhas do mercado. Tais falhas entretanto referem-se a deficiências

mais ou menos pontuais do sistema; adotada uma postura crítica, há que se considerar

também as consequências nefastas mais profundas e difusas decorrentes da adoção do

sistema. Em sua forma mais geral, nossa pergunta diz respeito então à validade do

argumento da mão invisível: trata-se de avaliar se as desvantagens decorrentes das

falhas, e outras consequências nefastas do sistema de mercado, não são maiores que

suas vantagens. Uma boa parte do que se verá ao longo do curso é uma tentativa de

responder a essa pergunta, com referência aos domínios da ciência e da tecnologia.

64. Smith, ibid., IV.2.9.

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