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Alice Davanço Quadrado Maria José Reginato Ribeiro Tina Amado' Ajudando o Professor a Ensinar pra Valer nas Classes de Aceleração Um dos problemas centrais do Ensino Básico no Brasil é o alto índice de fracasso escolar, traduzido nas elevadas taxas de repetência e evasão. Em todo o País, isso representa elevados custos humanos, sociais e financeiros. No Estado de São Paulo, as perdas por repetência e evasão representam cerca de 25% do total dos alunos matriculados na Rede: são jovens que não têm acesso à plena cidadania, é toda uma sociedade que não conta com novas gerações adequadamente formadas e que arca com o desperdício dos recursos públicos acarretado pela repetência. Além de fator reconhecidamente responsável por grande parte da evasão, a múltipla repetência traz conseqüências graves para o autoconceito do aluno, fruto da interiorização do fracasso escolar, prejudicando-o como cidadão e em sua relação com o conhecimento. Visando reverter este quadro e criar condições para que a escola cumpra efetivamente sua função social, atendendo às necessidades de todos os alunos, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo - SEE desencadeou a partir 'Técnicas do Centro de Pesquisas para Educação e Cultura - CENPEC. 19

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Revista IDEIA ed. 28

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  • Alice Davano Quadrado Maria Jos Reginato Ribeiro

    Tina Amado' Ajudando o Professor a Ensinar pra Valer nas

    Classes de Acelerao

    Um dos problemas centrais do Ensino Bsico no Brasil o alto ndice de fracasso escolar, traduzido nas elevadas taxas de repetncia e evaso. Em todo o Pas, isso representa elevados custos humanos, sociais e financeiros. No Estado de So Paulo, as perdas por repetncia e evaso representam cerca de 25% do total dos alunos matriculados na Rede: so jovens que no tm acesso plena cidadania, toda uma sociedade que no conta com novas geraes adequadamente formadas e que arca com o desperdcio dos recursos pblicos acarretado pela repetncia. Alm de fator reconhecidamente responsvel por grande parte da evaso, a mltipla repetncia traz conseqncias graves para o autoconceito do aluno, fruto da interiorizao do fracasso escolar, prejudicando-o como cidado e em sua relao com o conhecimento. Visando reverter este quadro e criar condies para que a escola cumpra efetivamente sua funo social, atendendo s necessidades de todos os alunos, a Secretaria de Estado da Educao de So Paulo - SEE desencadeou a partir 'Tcnicas do Centro de Pesquisas para Educao e Cultura - CENPEC.

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  • de 1995 uma srie de aes, dentre as quais o Projeto de Reorganizao da Trajetria Escolar no Ensino Fundamental: Classes de Acelerao. O objetivo corrigir o fluxo na Rede, eliminando a defasagem idade/srie, criando condies para que alunos multirrepetentes possam, em um ou dois anos, retomar com sucesso o percurso regular, freqentando a srie prevista para seu grupo errio(2). Mais que isso, na verdade, as Classes de Acelerao visam recuperar a confiana perdida: de alunos, em sua capacidade de aprender, e de professores, em sua competncia para ensinar bem a todos. Concepo das Classes de Acelerao Assumir o compromisso com a aprendizagem dos alunos multirrepetentes implicou empenhar-se na reviso do que seria realmente indispensvel assegurar nesta retomada do percurso, estruturando uma proposta pedaggica significativa e relevante. O Projeto no pretende criar outra modalidade de ensino, nem instituir a promoo pura e simples dos alunos para sries subseqentes: visa, sim, resgatar, atravs de aprendizagens bem-sucedidas, o autoconceito positivo e a confiana dessas crianas e jovens na prpria capacidade de aprender, condies bsicas para a continuidade dos estudos com chances de sucesso. No bastava, pois, elaborar um programa de recuperao dos contedos tradicionalmente trabalhados da 1a. 4a. srie. Fez-se necessrio desenvolver uma proposta que mobilizasse os alunos para conquistar o conhecimento, ampliando suas possibilidades de aprendizagem, o que certamente implicaria uma nova abordagem dos contedos e da prtica docente; seria ento necessrio organizar um ambiente escolar desafiador, que estimulasse a curiosidade de conhecer o mundo, abrindo janelas para a leitura do cotidiano atravs dos contedos das diferentes disciplinas. A proposta pedaggica curricular das Classes de Acelerao, elaborada pela Fundao para o Desenvolvimento da Educao - FDE, rgo vinculado Secretaria de Estado da Educao, originou-se desse propsito (ver artigo anterior nesta publicao). Para concretiz-la, coube equipe do Centro de Pesquisas para Educao e Cultura - CENPEC a elaborao de material de apoio para professores e alunos, bem como a capacitao dos docentes envolvidos no Projeto. 2 So considerados alunos com defasagem idade/srie aqueles que ultrapassam em dois ou mais anos a idade prevista para a srie em que se encontram matriculados. Embora a defasagem atinja os maiores ndices da 58 8a srie, a SEE optou por "enfocar, inicialmente, as primeiras sries do 1 Grau, atuando assim onde se encontram as razes de sua formao" (SO PAULO, 1996b).

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  • O Material de Apoio O material elaborado para dar sustentao atuao docente e discente no desenvolvimento dessa proposta visa operacionalizar, no dia-a-dia, os princpios e procedimentos nela explicitados; alm de orientao para o tratamento adequado dos contedos curriculares, enfatiza e oferece alternativas viveis de conduo de classe no trabalho com turma heterognea. Coerente com a concepo de conhecimento e de ensino-aprendizagem da proposta, o material foi concebido para ser estimulante, promovendo a integrao dos contedos, o debate, a busca de informaes, o hbito de registro; atraente, conquistando o envolvimento do aluno e a cumplicidade do professor, inclusive pelo toque de humor das ilustraes; e diversificado, a fim de ajudar o professor a atender s diferentes necessidades dos alunos. Uma preocupao que perpassa todo o material a de contribuir para que professor e alunos tenham clareza dos objetivos de cada atividade proposta e das aprendizagens realizadas. Para o professor, isso auxilia no planejamento das intervenes que se fazem necessrias; para os alunos, ajuda a dominar o prprio processo de aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento da autonomia, condio fundamental para que prossigam seus estudos com sucesso. Todo o material foi elaborado em 1996 em carter provisrio, acompanhando 0 prprio processo de implantao do Projeto na Rede. Por um lado, era preciso conhecer mais de perto o pblico a quem se destinava; por outro, dada a inteno de que tivesse um carter formador, em estreita vinculao com a capacitao dos professores, pretendia, ao mesmo tempo que lhes oferecia sugestes, incorporar suas contribuies nas etapas seguintes. Para sua elaborao, formou-se uma equipe(3) de especialistas de rea responsvel pela produo dos textos-base para professores e alunos, contendo as propostas de atividades para todos os componentes - e uma equipe de pedagogas do CENPEC, encarregada do texto final, produto da organizao, adequao, integrao e reviso dos textos-base; e, ainda, uma revisora e profissionais para projeto grfico e edio de arte. 3 Encarregaram-se dos textos-base Amrica dos Anjos C. Marinho, Maria Ceclia Machado e Zoraide I. Faustinoni da Silva (Portugus), Elza Yasuko Passini (Histria e Geografia), Ktia C. S. Smole (Matemtica), Maria Aparecida R. de Abreu (Cincias), Regina Andrade Clara e Sonia M. Madi Rezende (Educao Artstica e Educao Fsica); as responsveis pelo texto final so Elisabete da Assuno Jos, Maria Jos R. Ribeiro, Marilda F Ribeiro de Moraes e Zoraide I. F da Silva, sob coordenao pedaggica de Maria das Mercs F Sampaio e coordenao geral de Marta Wolak Grosbaum.

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  • Tendo como base as propostas curriculares elaboradas especificamente para as Classes de Acelerao, a escolha e organizao das atividades no so aleatrias: seguindo os mesmos princpios da concepo que as sustenta, as atividades sugeridas so desafiadoras, valorizam os conhecimentos e as produes dos alunos e estimulam para que tenham conscincia de seu prprio processo de aprendizagem. O material propositadamente nico para as Classes de Acelerao I e li, pois a proposta uma s - e deve permitir que todos avancem, podendo apresentar desempenhos diferentes, de acordo com os conhecimentos que j possuem, habilidades desenvolvidas e grau de autonomia conquistado. Alternativas de atendimento aos diferentes nveis de aprendizagem so sugeridas em todos os componentes. composto por um conjunto de quatro mdulos, contendo, cada um, livro do professor, livro do aluno, fichas de atividades, encartes, cartazetes e jogos. Ensinar pra Valer! o livro do professor, com orientaes sobre procedimentos pedaggicos, atividades para todos os componentes curriculares e consideraes a respeito dos contedos e conceitos trabalhados. Ao final de cada componente, apresenta um quadro-sntese, relacionando cada atividade proposta aos objetivos pretendidos, de modo a permitir ao professor ter clareza do que est desenvolvendo e para qu, podendo assim selecionar ou criar outras atividades, segundo as necessidades ou dificuldades dos alunos. Discute e prope tambm procedimentos relativos conduo de classe, indispensveis para a realizao da proposta pedaggica, tais como 0 estabelecimento de rotinas dirias do uso do tempo, do espao e dos materiais; o planejamento da distribuio e seqncia das atividades; a organizao de momentos de trabalho coletivo, em pequenos grupos e individuais para atender aos diferentes ritmos de aprendizagem dos alunos; a realizao do acompanhamento e registro das observaes do professor a respeito da classe, dos alunos individualmente e de seu prprio trabalho. O livro do aluno, Aprender pra Valer!, traz atividades variadas e estimulantes, cujo desenvolvimento orientado no livro do professor. Em todos os mdulos, para cada componente apresentado um ndice das atividades a serem realizadas, que vai sendo preenchido pelos alunos no decorrer de sua realizao, com o objetivo de ajud-los a organizar-se e conscientizar-se das aprendizagens realizadas; alm disso, prev espaos para que faam apreciaes sobre elas. As fichas - de leitura, problemas ou experimentos - e os jogos (para a aprendizagem ldica de alguns contedos de Portugus e Matemtica) facilitam

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  • o trabalho diversificado em sala de aula, envolvendo grupos de alunos em atividades de seu interesse ou para trabalhar dificuldades especficas, enquanto o professor d atendimento individual ou em pequenos grupos aos demais; os encartes, para uso individual dos alunos, facilitam o desenvolvimento de algumas atividades, enquanto os cartazetes destinam-se a ilustrar os temas trabalhados ou desencadear atividades. Faz parte tambm do material um volume especfico sobre o tema Avaliao, contendo, alm de indicaes dos procedimentos para uma avaliao diagnstica inicial da classe, orientaes detalhadas sobre a avaliao em processo, parte integrante da proposta pedaggica: indica os avanos desejados no processo de desenvolvimento do aluno em cada disciplina, pontuando os marcos de aprendizagem que devem ser observados e perseguidos no acompanhamento de cada um. Como a proposta das Classes de Acelerao busca a integrao do ensino e da aprendizagem, a avaliao s faz sentido se incidir sobre as produes dos alunos e o trabalho realizado pelo professor. S poder servir como instrumento para ajudar os alunos a aprender na medida em que oferea subsdios para o professor rever seus procedimentos e replanejar sua atuao. Nesse sentido, esse volume prope ainda algumas questes que pretendem levar o professor a refletir sobre sua conduo dos trabalhos, em cada um dos componentes curriculares. Este material parece ter servido aos fins a que se propunha. Apesar de problemas de ordem burocrtica, em virtude dos quais os professores no puderam dispor do que fora produzido dentro dos prazos previstos em 1996, pde-se perceber, atravs do contato com os professores e com as produes de alunos por eles trazidas, que os mdulos a que tiveram acesso foram muito bem recebidos e serviram realmente de apoio para desenvolver o proposto na capacitao. Problemas como a adequao da linguagem e das propostas de atividades idade e aos interesses dos alunos, sentidos pelos professores a partir do uso em classe, bem como da clareza de algumas orientaes para o prprio professor, puderam ser corrigidos na produo dos mdulos seguintes e por ocasio da reviso de todo o material para o ano de 1997. Da mesma forma, pde-se perceber, no contato com os professores, quais as necessidades que explcita ou implicitamente traziam em relao ao trabalho, o que tambm norteou as produes subseqentes. O material foi cuidadosamente pensado e elaborado para contribuir com o trabalho dirio do professor na sala de aula e ajud-lo a construir uma nova prtica. Evidentemente, porm, ele no mgico e no basta por si. A mediao do professor fundamental no planejamento dos contedos a serem estudados, na organizao das atividades e da classe, no contato com os alunos, nas intervenes que se fazem necessrias... Da ser fundamental a estreita vinculao do material com a capacitao dos professores que o utilizam.

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  • A Capacitao dos Professores Novas prticas s so adotadas quando se percebe sua necessidade, ou seja, quando se reconhece que as anteriores j no atendem ao que se deseja, sendo necessrio alter-Ias. Isso ocorre atravs da reflexo, buscando-se fundamentao terica para escolher alternativas mais adequadas. Esse processo demanda tempo, constitui-se gradualmente e mais eficaz quando as pessoas interagem num mesmo grupo, em que se criam vnculos de conhecimento, confiana mtua e solidariedade. A capacitao de professores em grupos, a partir dessas premissas, sensibiliza e mobiliza para a ao, oferecendo recursos para ampliar a compreenso do processo pedaggico e tratar adequadamente os contedos das reas do currculo, especialmente ao proporcionar oportunidade de vivenciar situaes de aprendizagem que os levem a colocar-se no lugar do aluno. A sistemtica de capacitao adotada para os professores envolvidos no Projeto das Classes de Acelerao apoiou-se nessas premissas, usando o material produzido para ajud-los a operacionalizar a proposta no dia-a-dia da sala de aula, solidificando sua prtica, fortalecendo sua autoconfiana e favorecendo uma viso de conjunto das atividades de cada componente, dos objetivos a que servem e reiterando, atravs de seu desenvolvimento, os propsitos formativos da capacitao. Esta consistiu em cinco encontros de dois a trs dias cada um, ao longo do ano letivo, reunindo sempre os professores a cargo de uma mesma capacitadora. O planejamento, a execuo e a avaliao da capacitao foram realizados por uma equipe de 15 capacitados(4), que se reuniam com a coordenao do CENPEC em momentos imediatamente anteriores e posteriores aos encontros com os professores, assegurando unidade ao processo e maior segurana a suas protagonistas. A seleo das capacitadoras foi criteriosa, enfatizando, alm da competncia tcnica, sensibilidade, habilidades de comunicao e relacionamento, bem como o compromisso com as questes da Escola Pblica, especialmente com os alunos multirrepetentes. Trata-se de um grupo de pedagogas e alfabetizadoras com larga experincia profissional em variadas funes e atividades na rea da Educao. Coube a elas o principal papel no desenvolvimento do trabalho junto aos professores, proporcionando aos participantes fundamentao terica e momentos de reflexo sobre a prtica, a proposta pedaggica e o Projeto. 4 Carmen Martini Costa. Carmen Olvia B. Peres, Ines Rosanna Carmmarota, Iracema Amaral Mucciolo, Maria Aparecida Laginestra, Maria Helena L. C. Berti, Marlene Coelho Alexandroff, Maria Nivia S. SchOtt, Medida F Ribeiro de Moraes. Regina Andrade Clara, Snia de Gouveia Jorge, Sonia M. Rolffen Diaz, Vanda Noventa Fonseca, Walderez Nos Hassenpflug e Wilma Dellwni Teixeira, coordenadas por Alice Davano Quadrado.

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  • Os professores foram distribudos em 15 turmas sediadas em diferentes regies, com aproximadamente 40 pessoas por grupo, sob a coordenao de uma mesma capacitadora at o final do ano, mantendo-se assim as relaes de vnculo instaladas. Alm dos docentes, integraram os grupos coordenadores pedaggicos, supervisores e tcnicos das escolas e delegacias envolvidas no Projeto. A maioria dos professores das Classes de Acelerao, segundo dados fornecidos pela FDE, tem at 10 anos de experincia profissional (66%) nas sries iniciais do 1 Grau. So, na esmagadora maioria (99,3%), mulheres, com idades variando de 19 a 34 anos (50%) e de 35 a 50 anos. Todos tm formao completa de 2- Grau, enquanto mais da metade (57%) cursou e cerca de um quinto (22%) ainda est cursando a universidade. Em relao situao funcional, 45% so efetivos, distribuindo-se os demais entre estveis e no-estveis. Os encontros de capacitao foram sempre momentos de intensa interao, consistindo em leitura e debate de textos tericos e literrios, troca de idias, vivncia de atividades e jogos de sala de aula em organizao variada (em grupos, individual e coletiva), utilizando grande diversidade de recursos materiais (textos, retroprojetor, vdeo, som) - e, principalmente, as atividades de Ensinar pra Valer! e Aprender pra Valer!

    Comearam os encontros (...) Uma realidade completamente diferente, com riqueza de materiais e disposio para vencer. (Prof(a) Capital) Com vocs [equipe de capacitao], mudei as coisas. Alm das lousas e mimeografados de antes, optei pelos grupos de alunos, crculos, duplas, passei a utilizar paredes, cartazes, painis, jornais e revistas... Muito estmulo, tantas tentativas e bons resultados! (Prof(a) Itaquaquecetuba)

    A equipe que planejou a capacitao est bem ciente de que os problemas de formao docente no podem ser todos resolvidos no limite de um programa. As eventuais lacunas de formao, refletidas na prtica profissional, inserem-se em um contexto mais amplo, requerendo aes de vrias naturezas, em relao tanto formao inicial quanto formao em servio. Entretanto, um programa como o proposto visou assegurar maior domnio e uma viso integrada dos contedos curriculares, reflexo coletiva sobre a prpria prtica e um novo olhar sobre o aluno e a conduo de classe.

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  • O ponto de partida o reconhecimento e a valorizao do saber do professor, buscando-se sempre respeitar e aproveitar sua experincia.

    Este projeto no veio apagar aquilo que a gente j sabia. Veio acrescentar. E acrescentou muito! (Prof. Capital)

    A troca de experincias entre os professores, nos grupos de capacitao, permite conhecer outras propostas, validar o trabalho realizado ou mesmo acertos de rumo, quando necessrios. O contedo tratado em cada encontro era estreitamente vinculado proposta pedaggica e prtica docente, na forma expressa no conjunto dos materiais de apoio. O professor deveria apropriar-se dos contedos curriculares de maneira significativa (tal como seus alunos), tornando-se capaz de selecion-los e dosa-los visando garantir o que realmente indispensvel nessa retomada. Foi instigado a refletir sobre a proposta curricular, tornando-se um sujeito ativo no processo ensino-aprendizagem, capaz de responder adequadamente a uma variedade de situaes. Como Portugus e Matemtica so componentes centrais na aprendizagem das sries iniciais, em todos os encontros os professores foram envolvidos em atividades de leitura e produo de textos, alm da anlise dos textos produzidos pelos alunos, desenvolvendo um trabalho colado prtica da sala de aula; e vivenciaram situaes de resoluo de problemas em nmeros, medidas e geometria, a partir de dados do cotidiano dos alunos, tais como os propostos no material de apoio. Estes tambm foram os pontos de partida para desencadear a aprendizagem de contedos dos demais componentes (Cincias, Histria, Geografia, Educao Artstica e Educao Fsica), igualmente trabalhados durante o ano. Outra preocupao permanente durante a capacitao foi contribuir para que o professor alcanasse uma viso articulada e integrada dos vrios componentes curriculares. Assim, atividades relativas aos temas centrais de cada mdulo foram vivenciadas em um processo dinmico e interativo, levando o professor a desenvolver nova percepo sobre o processo de construo do conhecimento. Achava que os alunos aprendiam decorando, mas preciso deix-los expor suas idias, mostrar seus conhecimentos, suas dificuldades... (Prof. Itaquaquecetuba) A fim de atender adequadamente proposta pedaggica das Classes de Acelerao, era preciso ainda levar o professor a conhecer o perfil de seus

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  • alunos e a reconhecer a importncia de promover seu autoconceito positivo, nutrindo-o pelos ganhos cognitivos. Para isso, o professor exercitou um novo olhar sobre os alunos, procurando reconhecer suas habilidades, valorizando seus xitos, sabendo que cresce a confiana em si quando se percebe capaz de aprender.

    Meus alunos hoje so mais confiantes ao enfrentar dificuldades... (Prof(a) So Miguel Paulista) Professora, o que a senhora est fazendo com a minha filha?! Agora ela est lendo! Ela no tem mais medo de ler! (Me de aluna, Diadema)

    Tambm constituram contedos dos encontros de capacitao temas como o registro do cotidiano escolar, que favorece o acompanhamento do processo ensino-aprendizagem; as prticas de rotina e planejamento, que permitem o trabalho produtivo e sistematizado; e debates sobre questes e expectativas dos professores, implcita ou explicitamente manifestas; dentre estas, particularmente, questes da disciplina e da avaliao. Os procedimentos em relao "indisciplina" dos alunos, tema fortemente requerido pelos professores, foram tratados de forma articulada prpria organizao das situaes de aprendizagem. Uma vez reconhecidos os problemas de indisciplina que podem ser resolvidos no interior da sala de aula, enfatizou-se a importncia do planejamento coletivo da rotina diria, a necessidade da organizao como condio para o trabalho intelectual, assim como a preocupao permanente em constituir a classe como um grupo, atravs do estabelecimento comum de acordos e regras, gerando confiana mtua e solidariedade.

    A capacitao mudou muito a viso que tnhamos sobre disciplina... (Prof(a) Capital)

    Outro tema recorrente foi a avaliao, considerada como instrumento para ajudar o aluno a aprender, na medida em que permite a percepo de seus avanos e dificuldades, e como prtica que leva o professor a refletir sobre seu prprio trabalho e a replanejar suas intervenes. Hoje, uso a avaliao para replanejar meu trabalho e ver o que deu certo e o que devo mudar. (Prof(a) Carapicuba) Houve preocupao tambm com a avaliao da prpria capacitao. Ao final de cada encontro, os participantes preenchiam uma ficha de avaliao

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  • respondendo a questes abertas e fechadas; buscou-se com isso, ao mesmo temprofessores opinavam sobre a importncia, a convenincia e a forma como foram conduzidos os encontros. Esses dados eram discutidos com a equipe de coordenao e sintetizados em um relatrio enviado SEE; ao mesmo tempo, as sugestes e crticas eram levadas em conta no planejamento dos encontros seguintes, gerando reflexos tambm na produo do material. Nesse sentido, os professores so de certa forma co-autores desse processo, alm de verdadeiros protagonistas da implementao das Classes de Acelerao, junto com seus alunos. Consideraes Finais A implementao do Projeto, ao final da presente etapa, traz as marcas do "novo": de um lado, a paixo dos que desafiam a inrcia e ousam transformar; de outro, os riscos inevitveis dos que caminham abrindo horizontes e concretizando aes. Assim, fazer um balano do que foi realizado at o momento implica arrolar conquistas e obstculos. Tendo o Projeto envolvido um volumoso contingente de pessoas de diversas instituies, o trabalho incessante e o compromisso revelado pela maioria configuram sem dvida pontos dos mais positivos. cedo para avaliara eficcia do investimento na capacitao dos professores e na produo do material de apoio. At o momento (novembro de 1996), no dispomos ainda de dados sobre a promoo dos alunos. Em breve estaro disponveis esses resultados, assim como os do acompanhamento dos egressos das Classes de Acelerao, que sero feitos em 1997, visando aferir, basicamente, seu sucesso na continuidade dos estudos. No entanto, dispomos, sim, de indicadores de natureza qualitativa, na forma de depoimentos dos professores e produes dos alunos. Atravs destes, foi possvel perceber, desde o primeiro semestre, que as Classes de fato faziam diferena, para professores e alunos. Cresciam, no professor, a segurana ao desenvolver um trabalho eficiente, o sentimento de dignidade profissional, de solidariedade para com os alunos e a confiana em sua capacidade de aprender; enquanto os alunos referiam-se claramente a suas conquistas em relao ao mundo letrado: ler jornais, fazer contas, construir grficos, escrever dirio - gostando de fazer tudo isso. A proposta pode no dar certo, mas eu nunca mais sereia mesma. (Prof(a) So Miguel Paulista)

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  • Mudei muito minha postura como professora, tornando-me ousada, curiosa, sempre buscando o novo... (Prof(a) Carapicuba) Mudou minha viso em termos do que posso fazer pelo aluno. (Prof(a) Guaianazes) (...) mudou muito a minha vida, porque eu no sabia nada antes e agora eu estou lendo e escrevendo. muito importante para mim. Professora, aprendi a gostar de ler com voc... Eu no sabia escrever meu nome (...) e agora eu sei fazer at dirio e continha de quarta srie. Hoje sei escrever carta, sou eu que escrevo pro av l na Bahia. Acho que estou bom na escola. (...) Quando eu no sabia ler, eu pedia pra meu irmo (...) Hoje eu sei ler e ele se orgulha de mim. (Alunos, diversas escolas)

    Esses e muitos outros depoimentos revelam a concretizao do propsito que permeou tanto a capacitao quanto o material, de que professores e alunos adquirissem no somente novas competncias como tambm a conscincia dessas aquisies. Muitos depoimentos, tanto dos mestres quanto de alunos, demonstram ainda a incorporao da nova forma de tratar os contedos e de organizar a classe, tal como proposta no material e nos encontros, na prtica cotidiana da sala de aula.

    O tema Supermercado foi to bem aceito que os alunos (...) no faltam mais. (Prof(a) Diadema) Hoje vejo que, para ensinar e ter um bom resultado, preciso partir do que o aluno sabe e falara linguagem dele. (...) Ele aprende pra toda a vida. (Prof(a) Taboo da Serra) Meus alunos me ensinaram coisas que eu no sabia... [referindo-se a um passeio da classe em uma reserva florestal] Observamos a natureza, tudo que estava ao nosso redor. Foi fascinante! (Prof(a) Cotia) Aprendi a usar material base dez e a fazer quadro de observaes. Eu aprendi a data do meu nascimento, como faz cheque( ...) e estou aprendendo hora de relgio.

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  • [aluno argumentando com colega para obter colaborao:] Voc acha que, se tivesse ficado na outra sala, voc j estaria lendo? (Alunos, diversas escolas)

    Ao longo de todo o ano, foi possvel perceber o prazer dos alunos em freqentar as Classes de Acelerao e a mudana da imagem que faziam de escola e professor, em sua memria de multirrepetentes.

    Adoro vir para a escola. Prefiro vir para a escola do que ficarem casa. Acordo de madrugada e fico esperando a hora de vir para c. Antes eu sentava no fundo, o que eu ia fazer l na frente? Eu no entendia nada... Nunca tive uma professora to legal! Se eu erro, ela me ensina. Hoje foi um dia muito legal, mas que pena que acabou a semana ...(dirio de aluno, numa sexta-feira) Minha professora diferente: ela me escuta, no me ignora, trata todo mundo igual, no trata um melhor do que o outro. Dessa classe eu gostei: a professora ensina, e eu aprendo. (Alunos, diversas escolas)

    Falas como essas confirmam nossa hiptese de que um ambiente desafiador e estimulante, com um professor motivado e consciente de aonde quer chegar, dispondo de recursos variados de apoio, propiciam o estabelecimento de uma nova relao dos alunos com o conhecimento, o que, por sua vez, gera a vontade, o prazer de aprender, a crescente autoconfiana. O mesmo sentimento de confiana em si pode ser depreendido de muitos depoimentos dos professores, ao fazer a avaliao do programa de capacitao e do prprio trabalho ao final do ano letivo.

    Hoje j no me sinto pequena perante os obstculos... (Prof(a) Barueri) Agora sou outra professora, com outra viso de aprendizagem. (Prof(a) So Miguel Paulista) No posso dizer que mudei de estratgias para ensinar, pois na verdade no tinha nenhuma. O que tinha eram alguns modelos copiados de outras professoras. Hoje posso dizer que caminho com as minhas prprias pernas. (Prof(a), Itaquaquecetuba)

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  • Como se pode ver dessas manifestaes, mesmo sem dispor de dados quantitativos ou de uma avaliao formal, so inegveis as conquistas do Projeto. Contribuiu para isso a permanente integrao e sintonia entre as equipes de produo do material e capacitao dos professores, assim como a cooperao entre estas e a equipe responsvel pelo Projeto na FDE. Em vrios momentos, esta equipe assegurou as necessrias medidas de sustentao: promoveu reunies com vrios segmentos de profissionais da Rede, para apresentar os propsitos do Projeto e o que vinha sendo desenvolvido em termos de material e capacitao; participou tanto de reunies com a equipe de produo do material, para acerto de rumos, quanto das reunies de avaliao dos encontros de capacitao, discutindo as sugestes e crticas dos professores, o que permitia dar encaminhamento aos problemas eventualmente apontados; por ocasio da remoo de alguns professores de Classes de Acelerao durante o perodo letivo, organizou encontros especficos das capacitadoras com os que os substituram, assegurando a continuidade do processo; ou, ainda, tendo as capacitadoras percebido que alguns professores apresentavam dificuldades em lidar com os alunos no-alfabetizados, promoveu um encontro extraordinrio, atendendo a solicitao da equipe do CENPEC, entre professores e duas das capacitadoras, especialistas em alfabetizao. Entretanto, considerando a prpria natureza do Projeto, certos limites de ordem burocrtico-administrativa acabam por constituir-se em entraves a sua plena realizao: embora fosse prevista a adeso voluntria dos professores para a regncia das Classes de Acelerao, cerca de 10% deles no puderam optar livremente, devido aos critrios vigentes de atribuio de classes na escola (SO PAULO, 1996b); os procedimentos usuais de remoo de professores em pleno ano letivo provocam ruptura dos vnculos entre professor e alunos- o que se agrava neste caso, dada a importncia da relao que esses professores, especialmente sensibilizados para atuar com multirrepetentes, lograram estabelecer com seus alunos. A burocracia do sistema tambm impediu que o material produzido chegasse em tempo hbil s mos dos professores, prejudicando a capacitao, a atuao docente e a prpria possibilidade de uma avaliao consistente e criteriosa de sua eficcia, que somente poder ser feita em 1997, quando todo o material estiver disponvel aos professores desde o incio do ano letivo. Entraves de outras naturezas tambm puderam ser detectados. Em vrios casos, nas escolas, pde ser percebido, por relatos de professores, um certo grau de discriminao em relao s Classes de Acelerao: sua alocao em salas inadequadas, pequenas, sem ventilao; a falta de apoio da direo e colegas; o isolamento (inclusive com estabelecimento de horrio separado para o recreio); e, mesmo, sentimentos de "cime" por parte dos demais integrantes da equipe escolar, que aparentemente no se conformavam com "esses alunos" receberem tantos recursos e ateno. A soluo para tais entraves, na verdade, assim como os anteriormente apontados, esto fora do alcance do professor que entretanto soube ou pde oferecer, a seus alunos, uma experincia de aprendizagem significativa e efetiva.

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  • Com certeza, isso foi muito valioso, mas no basta. A escola e o sistema podem fexperincia do Ciclo Bsico, instalado j h bom tempo na Rede sem lograr alteraes significativas nas atitudes em relao seriao). Alm disso, desde seu desenho original, as Classes de Acelerao so um Projeto cujo xito consiste na prpria extino: deve encerrar-se to logo o fluxo seja corrigido. No entanto, sua prpria implementao anuncia que, para no ser mais necessrio, as classes regulares deveriam incorporar muitas de suas premissas e prticas. Muitos professores participantes do Projeto explicitam que, se nas classes regulares fosse desenvolvido um trabalho dessa natureza, no haveria necessidade das Classes de Acelerao; ou, ento, propem a extenso do Projeto a todas as classes regulares...

    Bom seria se todos os professores pudessem ter um acompanhamento durante o ano letivo como o que foi feito com a Acelerao... (Prof(a) Cotia) Depois da Classe de Acelerao, ser o mximo pegar outras classes, mesmo complicadas e, quem sabe, passar a outras o que aprendi na capacitao. (Prof(a) Itapecerica da Serra)

    No entanto, apesar do entusiasmo pela proposta, a contaminao de outros professores ainda dispersa e pontual(5), mesmo nas prprias escolas que abrigam as Classes de Acelerao, destacando a necessidade de se articular este projeto com os demais promovidos pelo rgo central, visando mobilizar a escola como um todo - diretor, professores, alunos, funcionrios e comunidade -para assumir, junto com o poder pblico, a responsabilidade social de combater o fracasso escolar e lutar pela incluso de crianas e jovens, marginalizados pelo prprio sistema de ensino, no curso regular de estudos e na condio de cidados.

    preciso juntar objetividade e sonho, para ver cada aluno com um olhar novo, percebendo-o como algum que est hoje conosco, mas pertence ao futuro.

    5 Nos encontros de capacitao, professores relataram que colegas de classes regulares, tendo presenciado 0 entusiasmo dos alunos e observado os progressos feitos, interessaram-se pela proposta, pedindo emprestado 0 material de apoio para reproduzir; a equipe do CENPEC tambm recebeu solicitao de diversas escolas no-participantes do Projeto para dispor do material, ou at para conhecer o trabalho que j haviam realizado com base nele.

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  • E tem o direito de aproveitar ao mximo seu tempo de escola para adquirir ferramentas que o ajudem no processo de compreenso do mundo, de participao social e construo de uma realidade que ainda no existe.

    Razes e Asas Referncias Bibliogrficas CENPEC - Centro de Pesquisas para Educao e Cultura. Razes e asas.

    So Paulo: CENPEC, 1994. _____. Ensinar pra Valer!, Aprenda pra Valer! (verso preliminar). 9v. So

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    1996b. _____. Reorganizao da trajetria escolar no ensino fundamental: Classes

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