Ideologia - to Ou Campo Paradoxal

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 ALI SE DE DISCU RSO - MICHEL P ÊC HE UX IDEOLOGI A APR I S IO N A M ENTO O U C A M PO PARADOXAL?  Quando se procura pensar hoje em dia sobre a questão da Ideologia (sobre os pr ocessos, as relações de for ça, a luta de c las ses na ideologia etc...), está excluída a possibilidade que seja procurad apoio, pacificamente, em qualquer  teoria marxista . Submeter -se ao marxismo teria o efeito de liquidar qualquer liga ção co m um possível pensar crítico-marxista.Portanto, o pon-  de pa rtida, com o qua l tod o pensamento de tradição marxista ho je está co nfrontad , éa necessidade de n ão se fi xar e m uma possível deficiênci a teó ri ca , prisão no passado , ou  desvios . Â proposta seriaa de trabalhar com uma questão históri ca co n- ne ta, co locada por meio das formas de existência e de função do socialismo real , que se funda na teoria marxistae que, a partir daí, se torna um novo tipo de religião de Estado. Afirmar l jue a ve rdadeira teoria marxista não tem nad a a ve r com essa realidade é uma fuga tri ca se m grande importância. Eu me proponho a reAetir a respe ito d a forma pela qual o soc ialismo existente inscreve sua relaçã o na hi stó ria do d esenvolvimento do ca pitalismo. 1. Em prim eiro luga r, um fato hi stóric o trivi a l mas indis- pensável : as revo luções anti-capita listas, qu e tivera m sua or igem Conferência pronunciada no encontro Problemas das pesquisas em ideologia do projeto Ideologia-Teoria, ocorrido em fevereiro de 198 2 (co mpare com a apresentação d e Sve n-Eric Liedman, em D as rgu ment 133. As co municações eso em Re-thinking Ideology, Argument-Sonderblatt 84, Berlin/W. 1983) Tradução para o alemão de W.F. Haug, revista pel o a ut or . 10 7

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IDEOLOGIA - APRISIONAMENTO OU CAMPO PARADOXAL?)Quando se procura pensar hoje em dia sobre a questo da Ideologia (sobre os processos, as relaes de fora, a luta de c lasses na ideologia etc...), est excluda a possibilidade que seja procurado apoio, pacificamente, em qualquer "teoria marxista". Submeter-se ao marxismo s teria o efeito de liquidar qualquer ligao com um possvel pensar crtico-marxista. Portanto, o ponto de partida, com o qual todo pensamento de tradio marxista hoje est confrontado, a necessidade de no se fixar em uma possvel "deficincia terica", "priso no passado", ou "desvios". proposta seria a de trabalhar com uma questo histrica conneta, colocada por meio das formas de existncia e de funo do "socialismo real", que se funda na teoria marxista e que, a partir da, se torna um novo tipo de religio de Estado. Afirmar ljue a "verdadeira" teoria marxista no tem nada a ver com essa realidade uma fuga terica sem grande importncia. Eu me proponho a reAetir a respeito da forma pela qual o "socialismo existente" inscreve sua relao na histria do desenvolvimento do capitalismo. 1. Em primeiro lugar, um fato histrico trivial mas indispensvel: as revolues anti-capitalistas, que tiveram sua origemConferncia pronunciada no encontro "Problemas das pesquisas em ideologia" do projeto Ideologia-Teoria, ocorrido em fevereiro de 1982 (compare com a apresentao de Sven-Eric Liedman, em Das Argument 133. As comunicaes esto em Re-thinking Ideology, Argument-Sonderblatt 84, Berlin/W. 1983) Traduo para o alemo de W.F. Haug, revista pelo autor.

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mais ou menos diretamente em Outubro de 1917, no se originaram do ncleo do sistema capitalista, mas, sim, de algumas partes da periferia desse sistema (em regies ricas, protetorados ou coloniais, que estavam subordinadas ao processo geral do desenvolvimento capitalista)". 2_ Essa diviso entre ncleo/periferia remete a uma fenda bsica entre (a) um campo central, no qual o capitalismo se desenvolveu "em sua prpria base", por meio da expanso industrial da pequena produo independente, da explorao "de baixo para cima" da crescente diviso do trabalho assalariado dos meios de produo, e (b) campos perifricos, nos quais a forma de produo capitalista (FPC) foi introduzida "de cima para baixo", na medida em que os aparelhos de Estado pr-capitalistas (as fortificaes feudo-absolutistas) foram introduzidos, para impor, por meio de uma srie de presses "alm da economia", a incorporao e extorso capitalista da maioria'.

no-codificado de tipo anglo-americano/direito regimental codificado, por exemplo, de tipo europeu etc.) e nas formas ideolgicas da submisso dos indivduos", corresponde a essa diviso estrutural no interior da histria da FPC - entre um percurso de desenvolvimento por meio da luta contra o absolutismo autoritrio e um percurso de um desenvolvimento por meio da fuso com esse absolutismo.

3- Uma sene de divises nas formas poltico-jurdicas (E sta d o "m1l11mO d ernocrauco E sta d o "C" rorte com uma " sociedade burguesa" (socit civile), direito processual jurdicoI " I /

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Em "Dlimirations ..." (1982) eu fiz uma tentativa de traar a diferena entre as figuras estratgicas da revoluo Francesa (a troca para um mundo novo, deixar o sistema feudal) e aquelas das perspectivas revoluciponrias no-realizadas dos socialistas do sc. XIX (modificar o mundo capitalista, na medida que a revoluo burguesa levada a termo) e aquelas das revolues camponesas-proletrias do sc. XX (Construo de um outro mundo, enclave no velho). Essa oposio de dois "percursos" de desenvolvimento da FPC Foi apontada por Marx (MEW 25, capo 20: "Histrico sobre o capital do negociame" e incorporada em forma modificada por Lenin (Oposio entre o "percurso americano" e o "percurso prussiano" , em : "O programa da democracia socialista na primeira revoluo russa de 1905-1907", LW 13,213-4370. Essa oposio foi objeto de debate imenso entre historiadores nos anos 50 (impresso em Sweezyentre Outros). B. Moore aborda a questo a partir de outro recorre, ao trazer uma srie de anlises concretas para a contradio do "percurso democrtico" e "revoluo a partir de cima" . Compare tambm Robin/Grenon 1976. - A Frana ofereceu um exemplo de duas oscilaes entre esses dois percursos: a controvrsia entre os historiadores sobre o significado e "o que" (enjcu) da Revoluo Francesa eles ainda atestam.

4. Essa diviso nas formas de submisso decisiva para meu incio: ela se deixa apresentar esquematicamente por meio de uma srie de oposies no que diz respeito s diferenas prticas na relao dos sujeitos com seu corpo, sua lngua, seu pensamento. Por um lado possvel observar uma relao entre as formas polticojurdicas tanto da liberdade individual como das prticas escolares do "auto-governo" e da discusso; uma grande multiplicidade de prticas religiosas, que no so submissas a nenhum ritual unificador e que incorporam a represso de pulses na forma invisvel da moral; um conceito especfico de esclarecimento como expresso de experincias individuais: a abrangncia cotidiana dos fatos da vida, da lngua e do pensamento como construo de regras prticas, formas de comportamento, que se adaptam aos acontecimentos. Por outro lado observamos uma constante dependncia de administraes e burocracias, respeito a ordens, hierarquias e barreiras, que funcionam visivelmente como instncias de opresso. Observamos tambm o costume obedincia e ao adestramento; invocao religiosa como comportamento ritualizado (com as prticas de doutrinao, da censura e da confisso); a preferncia pelo santificado e pela encenao ( com os segredos e promessas como sua consequncia): e a tendncia de ver tudo como um acontecimento do Estado, que tem relao com a gramtica (como metafsica da compreenso do homem saudvel) e da retrica (como arte da fala verdadeira).4 Para a relao desse ponto com a questo da lingufstica, veja Gadet/Pcheux

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Essa sequncia de diferenas forma apenas um esquema muito fragmentado; as especificaes concretas mais complexas, nas quais os dois "percursos" se combinaram historicamente de forma diferenciada no so possveis de serem observadas sob esse ngulo. Entretanto me parece que esse esquema permite colocar em questo a pretenso de teorizar genericamente sobre a "ideologia dominante da FPC", considerando-a um mero efeito de superestrutura da base capitalista, com abstrao dos "fatos nacionais" e de seus dercrrninantes histricos pr-capitalistas.

5. Essa "teoria dos dois percursos" permite que a Segunda Guerra Mundial (e seus resultados de Ialta) seja abordada de maneira diferente do que uma mera perda de rumo em direo a uma "patologia" das contradies intrnsecas ao capitalismo. O Nazismo no pode mais ser explicado, portanto, como uma regresso a simbolizaes pr-lgicas, como loucura mortal, ou como "Totalitarismo": poderia ser dito que a Segunda Guerra Mundial forma um processo de concentrao da diviso entre os dois percursos da FPC na figura de sua luta "de vida e morte"?

fortalece, tanto interna como externamente, a maioria moral, principalmente por meio do subterfgio do neoliberalismo econmico anti-keynesiano Ia Reagan. Tambm ficam fortalecidos o autoritarismo poltico do "Estado mnimo" de tipo anglo-saxo e o totalitarismo sutil de uma ordem (dispositivo) panptica sem patres visveis. Essa vitria mascara ainda a praticidade do andar conjunto dos dois percursos na periferia capitalista (sobre prticas da herana do perodo colonial at operaes militares do tipo do Vietnam ou operaes como as do Chile), bem como a igualdade, a nvel mundial, do emprego de tecnologias de opresso cada vez mais refinadas. Finalmente, e acima de tudo, a vitria permite retirar uma vantagem mxima da situao atual do "socialismo existente": a partir do fato de que os movimentos revolucionrios anti-capital istas (at hoje) fracassaram em atingir o capitalismo no seu centro. Isso tem por consequncia o fato que o "socialismo existente" se constitui de uma srie histrica de inverses/subverso polticas, mais ou menos violentas, na margem perifrica do sistema, nos pontos fracos do percurso capitalista de tipo "prussiano". O "socialismo existente" no independente de um mundo simtrico do capitalismo, mas, sim, uma sequncia de incrustaes, que surgiram uma aps a outra no interior de seu desenvolvimento geralG

6. O malogro histrico do hitlerismo deslocou o "percurso americano" permanentemente em direo a uma posio de liderana no desenvolvimento capitalista. Essa vitria, sancionada por meio da hegemonia do imperialismo estadunidense, forma, simultaneamente, h 40 anos, um recurso monstruoso para todo o ncleo da FPC. Essa vitria contribui para mascarar a submisso moderna (a explorao - opresso intrnseca da massa de trabalhadores" ocidentais excludos do poder poltico). Alm disso, tambm contribui para mascarar a maneira pela qual a tendncia para a "Germanizao" (Chomsky) desse ncleo5 Na medida que o capital substitui o trabalhador especializado pelo "Gastarbeiter" sem qualificao, no-organizado, recm-chegado, ele modifica para seu benefcio - e por um perodo longo - o Estado geral das relaes de classe" (Corar, 1979:14)

7. Essa situao de enclave assirntrica do "Segundo Mundo" com pedaos rompidos do "Terceiro Mundo" refere-se ao fato de que o "socialismo existente" no se formou a partir dos planos dos marxistas eruditos. Ele se formou a partir de inverses/subverses de aparelhos de Estado do caminho "prussiano",

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A diferena no interior do "mundo socialista" entre os povos, que, como a URSS, Ch ina ou Cuba, empreenderam a construo do novo mundo com sua prpria fora; povos que, como o caso da Europa oriental, receberam o socialismo importado por meios militares, importante historicamente para diferenciao das caractersticas desses pases. Mas essa importncia secundria considerando a posio estrutural do enclave, da "incluso", do encravamento no mundo capitalista.

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de seus dispositivos estratgicos e de suas prxis? ideolgicas e discursivas, ou seja, se formou com tudo aquilo que contm a contra-identificao simetrificante do adversrio vencido. Seno de onde viria a tendncia do "socialismo existente" de produzir e reproduzir Estados do tipo de "fortificao ocupada" ? Estados que renegam suas contradies internas com uma lgica militar das fronteiras, que funcionam em Estado de Emergncia, em nome do povo, de partidos do Estado, que pretendem reorganizar todo o comportamento da comunidade por meio de uma religio poltica do Estado? A partir desse ponto de vista, a ideologia stalinista no um desvio casual, como muitos lutadores revolucionrios na Europa dos anos] 960-1975 quiseram crer, mas, sim, uma forma duradoura do populisrno do Estado ("O Estado de rodo o povo"), cuja defesa, bem como do campol bloco, que, em caso de dvida ocorre por meio da interveno armada, como ltima forma do "Estado de Emergncia". A prxis de declarar Estado de Emergncia tambm ideolgica, que se apoia em ltima instncia no imperativo da sobrevivncia (fome e medo), com o qual tudo se justifica. 8. A frase "no existe um caminho militar para o socialismo'", oferece um bom exemplo para a funo da ambiguidade no discurso poltico. Essa frase tem relao tanto com o fato histrico, que - substancialmente e at hoje - existiram apenas caminhos militares "para o socialismo" , e com o fato poltico que esses7 Esse pargrafo foi marcado por lima relativa heterogeneidadc das linhas polticas e ideolgicas do "socialismo existente" na poca (China, Cuba, Victnarn ... em relao URSS). Essa hcterogeneidade abriu um Campo para movimentos de tipo radical (para um "outro socialismo"), na medida que ela mobilizou tanto para uma base anriimpcrialisra como para uma base concretamente alternativa, em relao forma de Estado sovitica. Por meio de sua grande multiplicidade, esses movimentos correspondiarn a uma luta de classes na ideologia sobre a questo da tendncia para um no-Estado no socialismo. A rehomogeinizao sovitica do "mundo socialista" (alm da tenso geopoltica China/URSS) varreu tudo isso desde ento. Explicao do lder comunista italiano, Perro lngrao, por ocasio da violncia na Polnia em 1981.

caminhos militares no levam ao socialismo. Sob esse ponto de vista - e qualquer que seja a sada do Estado - fica a questo levantada pelo movimento de massa polons, que coloca em todos os nveis da sociedade o pedido por liberdades democrticas como sendo o problema principal do socialismo "existente". Esse problema inseparvel de sua questo histrica decisiva, que trata de um possvel caminho a rupturas anticapitalistas no interior do ncleo capitalista, que poderia ser acolhido com a sua lgica, sem se deixar colher por elas (como parece ser o caso nas diversas - atualmente em crise - democracias sociais europias e como j foi o caso dos movimentos socialistas do sculo 19.). Sob essa perspectiva, os frgeis processos de mudana iniciados na Frana desde maio de 1981 formam uma experincia nica, cujo destino est atrelado a sua capacidade de se associar s pretenses existentes na Europa e no Terceiro Mundo de se soltar e libertar da lgica dos Blocos". Em consequncia disso, o Ocidente ainda exerce um poder sobre o Norte (como espao das tecnologias e das democracias parlamentaristas), enquanto que o Oriente no interrompe o processo de aproximao com o Sul ( considerando-as regies com recursos de matria prima e de energia, que em Estado de Emergncia - alimentar e militar - so administrados sob natureza poltica muito diferenciados).

9. A tentativa de analisar esses processos de modificao no nvel das formas discursivas e ideolgicas, colocadas em cena, requer uma verificao do grau de dificuldade de privar-se, na reflexo (principalmente marxista), da parcialidade histrica das categorias, padro de pensamento, etc... ,que est atrelada ao segundo caminho "perifrico" sobre a problemtica perifrica da conquista, da inverso, e da derrubada das diversas "fortifi9 Nessa lgica dos Blocos, a Unio Sovitica ainda trabalha como garantia, certificado e condio da "Passagem para o Socialismo". O Partido Comunista italiano rompeu claramente com essa represso histrica, quando foi dito: "A influncia do Outubro 1917 est terminada".

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caes". Assim que for o caso de se avanar para o ncleo (do primeiro caminho), o ponto decisivo do carter mistificador de cada problemtica de derrubada parece ser: o primeiro caminho no se deixaria "derrubar" (no sentido da tentativa de derrubar a construo de um aparelho, para transform-Io por motivos simetricamente opostos), porque a funo ideologicamente caracterstica para o caminho 1 no aquela de uma lgica de objetos estveis com fronteiras fixas'o: ela no constri uma fortificao, mas sim, um campo paradoxal de contraposio s formas explicitamente metafsicas do realismo do caminho 2; o caminho 1 funciona mais sutilmente, como um campo metafsico paradoxal. Ele tambm est preso em um processo de esclarecimento de sentidos (empricos e pragmticos) "lgicos", que o mesmo que uma nova metafsica da compreenso humana saudvel (vide Pcheux 1975, principalmente cap.I, 2), mas tambm se ocupa, com a desconstruo da metafsica, da ambiguidade de uma srie de Jogos (Wirrgenstein) refinados e bem sucedidos. Nesse campo, a expresso" luta de deslocamento ideolgica" 11 - contra as lgicas inseri tas na forma estvel da fortificao - poderia descrever os tipos de choque de deslocamentos, que no colocam em oposio classes, " interesses", ou determinadas posies prvias, mas que tratem da reproduo/10 Seria um esforo perdido colocar em movimento as formas poltico-ideolgicas da fortificao - e que isso seja feito por meio de todas as dialticas possveis-. chega-se figura clssica do cavalo de tria, que razoavelmente eficiente no campo do Caminho 2. Entretanto, no campo do Caminho I, ele se torna uma lastimvel Fortificaro sobre Rodas, cujo manejo a mobilidade hbil ("como peixe na :\gua") das foras que se encontram em seu elemento s pode arrematar timidamente (por meio de astcia, exemplo, e segrdos de estado maior). - Esse pensamento tambm coloca em questo: a representao metafsica das classes como campos opostos; o domnio ideolgico-poltico das formas de partido; e a Praxis responsabilidade/competncia de delegar por muito tempo (a porta-vozes/ Intrpretes / Funcionrios das Massas). A expresso refere-se ao par colocao/movimento, tal qual Gramsci o introduziu na sua Moderna, embora trate-se de retrabalhar aquilo que na expresso "Guerra de movimento" adere lgica dos objetos em fronteiras fixas (a forma militar do ataque a um acampamento entrincheirado).

transformao das relaes de classe. Trata-se, portanto, de uma srie de choques, que questionam a definio e fronteira do "discurso poltico", na medida em que elas se baseiam nos processos, atravs dos quais o domnio / explorao (no campo da sexualidade, da vida privada, do ambiente, da educao, etc. ..) capitalista se reproduz, na medida em que ela se adapta, transforma, reorganiza. Pois "reproduo" nunca significou "repetio do mesmo". As proposies de Althusser sobre os Aparelhos Ideolgicos do Estado!", que procuram dar continuidade a determinadas colocaes de Gramsci a respeito do conceito de hegemonia e da proximidade invisvel do Estado no cotidiano, formam uma ajuda valiosa nessa direo, se ela for interpretada de tal forma que os processos de reproduo ideolgicos tambm sejam abordados como local de resistncia mltipla. Um local no qual surge o imprevisvel contnuo, porque cada ritual ideolgico continuamente se depara com rejeies e atos falhos de todos os tipos, que interrompem a perpetuao das reprodues. A singularidade dessas lutas de deslocamento ideolgicas, que ocorrem nos mais diversos movimentos populares, insiste na repreenso de objetos (constantemente contraditrios e ambguos) paradoxais, que so, simultaneamente, idnticos consigo mesmos e se comportam antagonicamente consigo mesmos. como na histria dos dois prncipes italianos, que haviam jurado perante Deus: "Eu quero o mesmo que meu irmo" ("estou totalmente de acordo com ele"), e murmuraram para o Lado:"Eu quero conquistar Turim". Esses objetos (sob o nome de Povo, direito, trabalho, gnero, vida, cincia, natureza, paz, liberdade ...) paradoxais funcionam12 Confira Althusscr, 1979.- Certamente Alrhusser no props uma "Teoria da ideologia" impossvel, como muitos lhe atriburam, em parte para extingui-Ia, em pane para transform-Ia em um sistema cientfico fechado. Mas um dos resultados incontornveis de seu trabalho reside no fato de que ele tocou o narcisisrno poltico das Organisaes dos Movimentos Trabalhistas em seu ponto mais sensvel: na crena metafsica em um objetivo/fim (da luta de classes, da histria e da ideologia).

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em relaes de fora mveis, em mudanas confusas, que levam a concordncias e oposies extremamente instveis':'. O termo "luta de deslocamento ideolgica" pode ser chocante ou incompreensvel para os representantes da metafsica marxista ortodoxa do realismo de classe, que subordina uma identidade estvel (com fronteiras definidas) s ideologias e principalmente s ideologias polticas. Mas essa metafsica, que nunca arrisca nada, sempre significou um perigo para os movimentos populares e de trabalhadores: o papel ideolgico nunca explicado do "populisrno" foi tratado no mbito dessa metafsica. Esse populismo condenou a esquerda europeia dos anos 30 impotncia, em vista da mudana das foras 14 polticoideolgicas "livres", que acabou por recair nos movimentos dos trabalhadores. Em contrapartida, o mesmo marxismo ortodoxo se mostra incapaz, hoje em dia, de pensar, em seu prprio espao do "socialismo existente", os efeitos de uma luta de classes, cujos atores lhe ficam invisveis. Enquanto isso, se reproduzem as condies de um sistema de explorao original sem "capitalistas", principalmente por meio da diviso tcnico-social-poltica do trabalho, garantida por um populismo de Estado 15, com efeitos retroativos imprevisveis.13 14 Um exemplo concreto da Anlise de Discurso desse tipo de deslocamento de sentidos encontra-se em Pchcux, 1978. Essa "Liberdade" de deixar a movimentao das massas, do povo agir por conta prpria - isto , deixar todas as tentativas s comunidades, cujos mecanismos paradoxais Faye analisou - no foi fomentada pela eliminao histrica de determinadas correnres (p. ex: o anarqusmo) da orientao estratgica da movimentao dos trabalhadores? Os ganhos posteriores histricos do Anarquismo por meio da forma poltica do populismo de estado pode ser bem observado no perodo de Vargas, no Brasil. Nesse perodo a posio do pai (Provedor e educador) fica relacionada ao maior benfeitor da nao e povo. (Aqui eu me apoio nos trabalhos de M.E. Torres-Lima). O populismo de estado do tipo stalinista ("Pai do Povo" , "Estado de todo o Povo" < etc.) surge, nessa perspectiva, como resultado de uma transformao do populisrno russo de base camponesa em decorrncia do fracasso da tentativa de Lnin de construir uma aliana entre o proletariado urbano com o carnpesinato. - Compare Gadet/Pcheux 1981 (Cap. I, para. 9-15); trata-se dos confrontos ideolgicos a respeito da questo da Lngua e da poltica na lngua, que acompanharam essa transformao.

- Finalmente, esta metafsica marxista, que continua considerando a classe trabalhadora um objeto, cega para sua decomposio social, que a afeta principalmente nos pases ocidentais, por meio de um processo combinado de fragilizao do indivduo (experincia de perder as razes, da solido, do vazio interior) e do Estado cuidando de seu bem-estar". Sob esse ponto de vista, a crise interna do capitalismo tambm estabelece um jogo (cruel) sobre o tema liberdade: as novas estratgias do FPC "libertam" os indivduos de suas necessidades de vida, de suas defesas e certezas, que foram trazidas de geraes inteiras. Isso ocorre, na medida que sua existncia fica reduzida a suas bases bio-psicolgicas momentneas, sem uma memria histrica. Como resultado, cruzam-se, de maneira contraditria, uma tendncia neolibertria para o No-Estado e uma tendncia neoconservativa para a "dominao das iluses polticas" em direo a uma "verdade" biolgica cnica da histria. Nesse sentido, poderia ser dito, que o complexo isolamento-fragilizaoproteo-Estado da emergncia-terror forma hoje o ponto de contato invisvel entre os "dois caminhos" do FPC, o ponto nodal de sua unidade dividida. Esse ponto nodal baseado nos novos populismos de nossa poca, que balanam de um lado para o outro, formando um movimento pendular entre, por um lado, um amor interessado pelo Estado (que no , de forma alguma, o mesmo que a preocupao pelos assuntos pblicos) e, por outro, o dio fbico pelo Estado. Este movimento no tem lugar nas categorias marxistas ortodoxas, talvez por estarem imbudos demais desse movimento pendular'".16 Esse cuidado divide a classe trabalhadora em uma parte protegida, qualificada, integrada e em uma parte daqueles que so explorados, desempregados e que so tratados como trabalhadores em movimento, em trnsito, sem qualificao. Essa oscilao poderia ser a forma atravs da qual a atual relao tensa e ambgua com o estado se tornasse mais densa, que seria o que os movimentos populares e dos trabalhadores sempre (no passado, presente, futuro) pediram do Estado. As expresses "Rcforrnisrno', "Anarquisrno" colocam, nesse sentido, regulamentos enganadores: eles colocam uma Natureza verdadeira ("revolucionria"?) e objetivam descrever o par gmeo dos "desvios" dessa Natureza. Mas poderia ser alguma

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1 O. Em oposio a essa verdade histrica multiforme e teoricamente no-transparente, vale a pena refletir sobre esses processos ideologicamente heterogneos, contraditrios, assimtricos e deslocadores, considerando-os relacionados a transformaes prticas, que aparecem perante os nossos olhos nas formas scio-histricas da subjetividade, nos mtodos organizacionais das lutas, na percepo dos acontecimentos e nos registros da discursividade. Essas reflexes precisam ter coragem de assumir riscos no que diz respeito metafsica. H necessidade de discutir a mudana pela forma como - de Nietzsche at Freud, de Wittgenstein at Foucault - as estruturas ideolgicas da racionalidade comearam. Deve-se questionar essa fragilidade do pensamento, que no vem "de cima", na conscincia das" elites intelectuais" , que acredita se dirigir ao privilgio das proposies (conceituais, claras e distintas), mas sim, "de baixo" de atos incontveis, contraditrios, que encontram sua via (voie) e sua voz (voix) nos campos intermedirios ... Uma roda de diferentes matrias brutas ideolgicas do cotidiano, que podem trazer tona diferentes acontecimentos, movimentos e intervenes de massa, mas que sempre fazem fronteiras provisrias, sem garantias, e sem demarcaes a priori. Isso tambm pressupe que se dialogue com a Verdade, que todo o mundo denomina "lngua", e com o que descrito por alguns (principalmente a respeito da reconstruo lacaniana da psicanlise) como a Ordem do Significante, o registro do simblico, que aponta para a perpetuao do inconsciente, no significado freudiano da palavra. Verificar como eles atravessam paradoxalmente a nossa histria, sem nenhum "futuro brilhante" no horizonte.

Aceitar todas essas questes como srias, e no como folclricas ou como "anexos da literatura", significa no tratar a lngua como um mero Meio, que permite descrever esses processos (um espelhamento desses processos), mas sim, como um campo de foras constitutivo desses processos, por meio dos "jogos de linguagem", do trilhar metafrico dos sentidos e dos paradoxos de enunciao, que as discursividades trabalham na e contra os "corpos "d e regras d e ca d a I' ll1gua. As ordens do discurso (dispositivos) polticas estavam marcadas pelos campos feudo-absolutistas por meio de fronteiras da linguagem visveis no campo da diferena material entre as lnguas e da separao do cdigo, que os sujeitos distriburam a partir da ordenao de lugares pr-estabelecidos. Os campos discursivos do capitalismo desenvolvido, por outro lado, principalmente aqueles que se desdobraram no mbito de seu ncleo, "des-locaram" o discurso poltico: trabalha-se aqui sem fronteiras pr-estabelecidas, uma vez que esse trabalho diz respeito s fronteiras da prpria lngua, do significado dos enunciados, e da posio do sujeito, que se deixam inscrever aqui: esses campos "onde o mesmo est inscrito no outro" removem ininterruptamente os pontos discursivos de submisso/assujeitamento ideolgicos e os locais, a partir dos quais possvel enunciar oposio, sem que a lgica dessa remoo jamais pudesse ser descrita em um sistema fechado ... No existe um "Jogo de todos os jogos". Traduo: Carmen Zink

coisa completamente diferente. Por exemplo para formar o jogo contraditrio das duas nicas tendncias histricas estveis que do substncia aos movimentos dos trabalhadores e populares: as revolues so acontecimentos, no substncias.

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