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IGREJA E CAMPONESESTEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

E MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO

BRASIL E PERU, 1964-1986

ZILDA MÁRCIA GRÍCOLI IOKOI

IGREJA E CAMPONESESTEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

E MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO

BRASIL E PERU, 1964-1986

EDITORA HUCITEC

São Paulo. 1996

Aos camponeses e trabalhadoresrurais desta América Latina

À minha mãe e sua luta pela vida...Aos amores que estimulam nossos sonhos.

, .As utopIas que fortalecem nossas almas!

A meus filhos Pedra e Mayra!

@ Direitos autorais, 1996, de Zilda Márcia Grícoli lokoi. Direitos de publicação reservadospela Editora de Humanismo, Ciência e Tecnologia HUCITEC Ltda., Rua Gil Eanes, 713 -

04601-042 São Paulo, Brasil. Telefones: (011)240-9318 e 543-0653; vendas: (011)530-4532;fac-símile: (011)530-5938.

ISBN 85-Z71.0387-7 HucitecFoi feito o Depósito Legal.

Editorafão eletlvnica: Ourípedes Gallene e Tera Dorea

Capa e póg. 2: Greve geral convocada pela CCP. Cusco, Peru. Julho, 1988. Foto da autora.

Manifestação de posseiros em Marcelândia. Tocantins, Brasil. 1991. Foto deAriovaldo U. Oliveira.

4.' capa: Colhedores de trigo. Vale Sagrado de los Inca, Peru. 1988. Foto da autora.

Lavoura consorciada. Comunidade Barra do Turvo, Ribeira do Iguape, SãoPaulo. Brasil. 1993. Foto de Maria Cecília Martinez.

AGRADECIMENTOS

C OMO todo trabalho, este também é coletivo e individual. Coletivopelos textos historiográficos e teóricos que motivaram minhas refle-

xões, dúvidas, crises e incertezas que fazem parte do cotidiano do trabalhointelectual. Estimulado e garantido pela convivência com colegas, alunos eamigos que por diferentes maneiras me ajudaram a prosseguir nas ativida-des de pesquisa e na descoberta de formas novas para o enfrentamento doproblema a ser resolvido. Devo destacar em primeiro lugar os mestres que meindicam caminhos. Desse modo não posso deixar de citar Maria de LourdesMônaco Janotti, Maria Lígia Prado, José de Souza Martins, e especialmenteFlorestan Fernandes, com quem aprendi que não há nada mais estimulantedo que juntar a vida acadêmica com a militância política. A paixão pelodebate, pelas contendas intelectuais, o sentido radical e ao mesmo tempoconservador da vida universitária impregnaram meu coração e minha almade modo ineludível pelos passos, as caminhadas do mestre saudoso.

Do mesmo modo, os disdpulos, alunos que de diferentes maneiras mepermitem viver os impasses dos questionamentos cotidianos, as dificulda-des do enfrentamento e respeito às diferenças e que me impedem deesmorecer. Destes, as amizades profundas, os amores particulares as cum-

plicidades estratégicas.Mais que tudo os amigos, fortes aliados nos momentos de dificuldades

que me oferecem o ombro,' o afago e especialmente a lealdade. Nestegrupo, Ilana Blaj, Tereza Aline Pereira de Queiroz, Sylvia Basseto, AnaMaria Camargo, José Carlos Sebe Bom Mehy e Maria Helena Capelattosão especiais em estimular minha trajetória.

O Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras eCiências Humanas, lugar onde tudo começou e onde posso viver esseextraordinário campo de experiências e, em especial, sob a chefia de RaquelGlezer, a quem devo a força institucional que me permite crescer e serrespeitada. A todos os meus colegas que, de modo direto ou indireto, comseu trabalho garantem a respeitabilidade institucional que legitima toda ariqueza deste percurso.

2 AGRADECIMENTOS

A Associação de Docentes da Universidade de São Paulo, Adusp S.Sindical que atualmente tem sido um espaço privilegiado de discussão doscaminhos e descaminhos das universidades brasileiras e da USP em parti-cular, o meu agradecimento companheiro. Os impasses atuais são motiva-dores de reflexões e estudos que como historiadora devo empreender, paracontribuir nos desvendamentos dos equívocos atuais e para que o futuronão seja constituído apenas de sombras. A todos os amigos queridos dediretoria estrita ou ampliada e aos funcionários que com carinho me têmtornado uma professora mimada.

Às agências de fomento à pesquisa - CNPq, que concedeu o auxílio-viagem ao Peru e à Fapesp que co-edita este trabalho, pela confiança.Agradeço ainda a inúmeras pessoas que direta ou indiretamente estiverampor trás desta pesquisa. A Rui e Marlucia Brandão pela calorosa acolhida ehospedagem. A Hector Rodrigues Pastor, pelo apoio que me prestou naCentral Campesina Dei Peru; A Wilma Delpich G., pela companhia epelo acesso ao setor acadêmico peruano; a Irene, do Instituto BartoloméLas Casas, de Rimac, em Lima; a Juan, do PC Bandera Roja, que meacompanhou nas pesquisas de campo por todo o Vale Sagrado, mesmotendo inviabilizado o uso do material empírico; a Guillermo Varela, queme introduziu no movimento camponês de Cajamarca; a Carlito, o "cura"de Ayacucho, que bravamente desenvolve a Teologia da Libertação numaregião tão adversa; a Rodrigo Montoya pelas reflexões sobre AbimaelGuzmán.

Agradeço ainda a Priscila Rauci da Mata Kodama, a Silvia Lins, a MariaCecília Martinez, que me auxiliaram na pesquisa de imprensa no Brasil. AMaristela Andrade, pelos Relatórios sobre o Conflitos de Terra do Mirad epelas inúmeras conversas que tivemos. A Maria Helena Rolim Capelattopela viva e estimuladora discussão das hipóteses no exame de qualificação,a Agustín Wernet pelo apoio à problemática da Igreja. Alguns agradeci-mentos especiais: a Virgínia Lobo Ferreira, companheira de sempre, sem aqual esta tarefa não teria o sabor que teve, a Maria do Carmo Magalhães,por todo o sofrimento que tivemos nas lides como tempo e a tecnologia; aAlecsandra Matias de Oliveira pela digitação final, entrevistas e mapas.

Agradeço finalmente à Hucitec que tão gentil e carinhosamente traba-lhou nesta eclir~n

O S PROBLEMAS que existem para se empreender uma viagem histo-riográfica são inúmeros e, de hábito, se agravam em determinadas

conjunturas nas quais, mais que certezas, as dúvidas se avolumam e osquestionamentos de métodos e práticas consensuais se tornam agudos.

Este trabalho emerge ante dois problemas naturalmente complicados:o primeiro é o sentido e a relevância de estudos comparativos, quando odiferente, o inusitado e o específico envolvem os estudiosos por críticase questionamentos às histórias gerais, procuram verticalizar os temas e osproblemas com os quais articulam-se o vivido (a história) e o concebido (ahistoriografia); o segundo refere-se à escolha de um período muito recente,quando os processos ainda em curso impedem conclusões mais baliza das eobrigam ao exercício de projeções tendenciais, necessariamente compro-metido com o presente.

O estudo comparativo da Igreja da Libertação em sua relação com ocampesinato no Brasil e no Peru, no período de 1964 a 1986, deve-se,sobretudo, à minha preocupação em acompanhar as várias formas departicipação da Igreja nas lutas de resistência camponesa e o processo deformulação da Teologia da Libertação. O tema, antes excluído das aborda-gens conceituais, tem como marco recuperador a obra de Eric Hobsbawm,Rebeldes Primitivosl, que repõe, nos anos 60, o campesinato no cenário so-cial e político, retomando sua presença histórica nos inúmeros processosrevolucionários do mundo contemporâneo. Nessa mesma trajetória situa-se, na década de 1970, o trabalho de Christopher HillZ em que a problemá-tica das classes populares aparece como um componente necessário doprocesso de transformação social, como demanda econômico-política ecomo contribuição cultural. Desdobraram-se da análise de Hill as tentati-vas de recuperação das lutas camponesas, plenas de conteúdo simbólico,em que os grupos apresentavam seus valores, suas necessidades e suasrelações com a religião e os mitos. Nessa revisão crítica foram tambémfundamentais as obras de Edward P. Thompson3, sobretudo as que desta-caram os problemas da tradição popular e camponesa e as que refletiram

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sobre os diferentes sentidos da "revolta", pois me permitiram desenvol-ver maior sensibilidade para olhar os sujeitos político-sociais analisadosde modo a privilegiar as experiências de múltiplas naturezas contidas novivido.

Essa trajetória geral permitiu que os primeiros passos fossem sendodados, inicialmente no levantamento exaustivo do tema campesinatolreforma agrária no Brasil e no Peru e seus impasses historiográficos.Conseguimos delimitar a produção intelectual em dois grandes blocoscomuns, para estudos tanto brasileiros como peruanos. Uma historiografiarecente, presa ainda ao dualismo, que considera a questão camponesacomo fruto do atraso econômico e que vê a importância da Reforma Agráriana eliminação do arcaico ou atrasado. Suas proposições apresentam pro-postas de políticas compensatórias sem alteração dos nexos da exclusão.Nessa abordagem, a reorganização da produção e dos recursos tecnológi-cos por si só garantiriam os incrementos fundamentais na recuperaçãoeconômica das regiões "atrasadas". Seguindo essa lógica, as lutas do cam-pesinato não poderiam ser entendidas como resistência, visto que, inseridasno modo capitalista de produção, desfrutando das relações do mercado,paulatinamente libertar-se-iam da ação negativa do intercâmbio desigual.Para reverter tal situação, esses analistas defendem a idéia de que a inter-venção competente do Estado regularia a divisão do trabalho, cabendo aoscamponeses a produção de alimentos não-industrializáveis, desinteressan-tes para o empresariado agroindustrial, dado seu baixo padrão de aplicaçãode capitais e sua baixa taxa de acumulaçã04.

No outro bloco, a linha de interpretação que considera a questão agráriae camponesa como fruto de uma formação econômico-social que, no bojodo modo capitalista de produção, revela a desigualdade de tempos históri-co simultâneos, ou seja, o tempo da economia camponesa subsumido pelocapital em seu tempo linear, fabril. Essa simultaneidade de tempos fazcom que o camponês tenha de resistir à sua transformação em proletário ou"lúmpen", fato que ocorre quando ele perde sua terra. A resistência, que serealiza com a ocupação de áreas de latifúndios ou de terras devolutas,permite ao camponês, em sua ação, transformar-se em elemento que'stio-nador da desigual.dade produzida nas economias de tipo capitalista. Poroutro lado, a questão da renda fundiária passa a ser compreendida tambémem seu conteúdo político.

Para esses analistas, moderno e arcaico convivem como elementossimultâneos na sociedade moderna e são contradições, que permitementender os movimentos sociais que se manifestam por diferentes estímu-los que, habitualmente, transcendem o nível econômicos.

A análise dessas duas proposições foram fundamentais para que bus-cássemos respostas aos impasses apresentados e nos motivaram na cons-

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trução da noção de resistência transformadora, desenvolvida nesse tra-balho.

Em busca de apoio documental que permitisse a recuperação das lutasnos dois países, iniciamos a pesquisa privilegiando a grande imprensabrasileira. Foi surpreendente verificar que, sobre o tema camponês e re-forma agrária, havia no Brasil maior volume de notícias e análises relati-vas ao Peru do que ao nosso país, e que notícias referentes ao Brasil eramincompletas com informações truncadas, assistemáticas e demasiado su-perficiais. Os artigos referentes aos conflitos mais exacerbados não eramsequer publicados tendo permanecido em poder da censura até o final dadécada de 80. Um silêncio estratégico envolvia a questão agrária e campo-nesa no Brasil.

Os artigos de análise, os editoriais e as notícias sobre os conflitos noBrasil tornaram-se escassos no período de 1967 a 1972, sendo quaseincompreensíveis as informações contidas nos jornais. Diante dessas difi-culdades, procuramos o arquivo da Comissão Pastoral da Terra ondeconseguimos ofícios, cartas, relatórios e material de divulgação. Utilizamostambém o material existente na biblioteca do Instituto de EconomiaAgrícola, da Secretaria da Agricultura de São Paulo; o material do CentroPastoral Vergueiro, do Centro de Estudos Migratórios, do Centro Ecumê-nico da Divulgação e Informação e da Coordenação Estadual e Nacionaldo Movimento dos Sem- Terra. Recolhemos ainda o material divulgadopelo Ministério da Reforma Agrária, especialmente os relatórios dos con-flitos.

No Peru foi de grande importância o arquivo da Central Campesina DeiPeru, do Instituto Bartolomé Las Casas, de Rimac, em Lima, e do Centrode Estudios Rurales Andinos Bartolomé Las Casas, de Cusco.

A pesquisa de campo que realizei tanto no Brasil como no Peru foi degrande valia. Tendo sido aperfeiçoada depois da tese acadêmica ela apa-rece nesta publicação enriquecendo ainda mais as possibilidades de enten-dimento da epopéia camponesa neste final de século XX. Quero ressaltarque a voz desses atores nos permite penetrar no universo simbólico ecultural do camponês de modo ainda superficial pois a cultura camponesaé carregada de tradições ancestrais e do tempo longo dos valores da vida, daterra, da religiosidade que não desaparece do mesmo modo que a subsun-ção ao capital.

o estudo sobre a Teologia da Libertação e sua relação com os conflitossociais e políticos no Brasil e no Peru demonstra que há, no modo de vidacamponês, relativa eficiência na proposição de planos, tarefas e mobiliza-ções. A relação entre os religiosos da Teologia da Libertação e os vários

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grupos de camponeses e demais sujeitos sociais produzindo paulatina-mente uma aproximação entre o discurso religioso e a crítica ao modeloexplorador vivenciado pelo capitalismo tardio latino-americano. Desse mo-do libertação e marxismo aproximaram-se, permitindo o uso como referên-cia reflexiva do conceito de afinidade eletiva, trabalhado por MichaelLõwy6. Essa abordagem conceitual permitiu desvendar a proposição deGustavo Gutiérrez, apresentada nas Líneas Pastorales para América Latinaem que, ao separar o conhecimento teológico do filosófico, toma do mar-xismo os conceitos de luta de classes, de desenvolvimento desigual e deliberdade, e os aproxima dos valores cristãos da Salvação e do Reino deDeus, modificando-os e recriando-os pela prática social. O marxismo uniu-se à necessária liberdade de espírito que <> cristianismo da Teologia daLibertação impôs à prática social de bispos, padres e agentes pastorais. Aaproximação de ambos se explicita como em um processo de fusão química,cujos componentes permitem a formação de uma substância nova. Essasubstância para o autor não é senão a superação tanto do marxismo como dateologia, uma vez que uma nova substância foi produzida nesta fusão.Desse modo, o inaugural de um outro tempo está potencializado para ocontinente, em razão das contradições colocadas pela exploração e a sim-biose entre religião e política rumo ao novo.

Foram importantes também, como referência teórica, os trabalhos deHenri Lefebvre, }acques Le Goff e Agnes Heller, na análise do cotidianode agentes pastorais e camponeses, sem perder de vista a inserção das lutasnas relações mais gerais desses sujeitos, com o Estado e com o movimentodo capital no processo de sua reprodução ampliada. Os autores acimacitados me fizeram perceber que a luta dos homens se move em diferentesníveis e por múltiplos caminhos, permeados de avanços e recuos, que mo-tivam mais perguntas que conclusões7.

No primeiro capítulo procurei analisar a especificidade dos problemasda Igreja nos dois países estudados, as relações estabelecidas entre Socie-dade e Estado, e suas contradições internas, tentando construir uma aná-lise explicativa para dois momentos decisivos: Medellín e Puebla.

De Medellín, 1968, analisamos as condições históricas favoráveis ao pro-cesso de questionamento institucional, teórico e político, cuja expressãomaior se deu nas articulações que se realizaram nos vários planos das lutassociais, denunciando pobreza, miséria, falta de fé, proliferação das crenças ea declinante vocação sacerdotal na década de 1960. Neste encontro, a Igrejaprogressista impôs sua análise, como elemento central nas tarefas da Igreja,depois do Concílio Vaticano 11, e das suas conclusões iniciou-se um fértilperíodo de produção teórica, que envolveu o Cristianismo e culminou naestruturação da Teologia da Libertação e na Teologia da Terra. Essemovimento cresceu e produziu novas práticas sociais, articulando reli.e;iosos

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e laicos e foi também questionado pelo setor conservador, que procurouanular as decisões de Medellín. Para isso, depois de inúmeras tentativas, em1979, o Episcopado Latino-Americano reuniu-se em Puebla. Entretanto,mesmo tendo sido a reunião solicitada pelos religiosos contrários à Teolo-gia da Libertação, as conclusões do encontro terminaram reafirmando Me-dellín, ficando irreversível, a partir de então, a prática interativa de parte daIgreja com vários setores da esquerda no Brasil e no Peru.

A Teologia da Libertação pós-Puebla, ao mesmo tempo em que apro-fundou sua relação com a fé, ampliou as práticas sociais e foi sendo objetode admiração, preocupação e antagonismo. Seus mais ardorosos defensoresforam questionados pela Congregação Para a Doutrina da Fé, e, de certa for-ma, procuraram responder com cautela às várias oposições dentro da Igreja.

No Capítulo 2, analiso as práticas desenvolvidas pela Igreja da Liberta-ção entre as populações rurais no Brasil. Camponeses, trabalhadores ruraise sem-terras, puderam contar com padres, bispos, freiras e agentes pasto-rais como aliados em suas lutas. Inicialmente organizados a partir de ummovimento de sem-terras do Rio Grande do Sul, no início da década de1960, as lutas pela terra no sul atingiram Santa Catarina, Paraná e SãoPaulo, contando com a ação ativa das dioceses de Passo Fundo, Chapecó eLins. Não apenas na organização dos grupos, mas na proposição de estraté-gias de ocupação de terras e nas lutas pelos assentamentos rurais, a Igrejaatuou de forma ativa e foi liderança política ao longo das décadas de 60, 70e 80. Com seu apoio os vários grupos puderam resistir, invadir, ocupar eproduzir. Foi também por sua estratégia de formação técnica e política quevários assentamentos puderam sobreviver e criar mecanismos de trabalhoe de produção coletivos. Como fruto de sua análise os camponeses come-çaram a enfre~tar a questão organizativa, com comissões de lavradores,associações de produção e disputa nos sindicatos rurais, luta em queprocuravam reverter a situação de desemprego e subemprego crônica dosvários trabalhadores da região.

Diferentemente do Sul, na região Centro-Oeste e Norte - AmazôniaLegal - a Igreja da Libertação e os vários grupos envolvidos, índios,posseiros, seringueiros e camponeses, lutaram contra violência ímpar, umavez que a terra ocupada, condição de vida de vários grupos, era disputadapor setores do grande capital, por militares envolvidos na delimitação dasáreas de Segurança Nacional e por governos envolvidos na especulação ena grilagem de terras.

Nessa área, padres, bispos, agentes pastorais, índios, posseiros e serin-gueiros enfrentaram com suas vidas as várias faces do capitalismo brasilei-ro, que não esconde a barbárie nele contida, justificando-o, no mais dasvezes, por discursos e práticas autoritárias, pela omissão de instituiçõescomo a Justiça e o Congresso.

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As lutas na Amazônia Legal procuraram veicular, nacional e internacio-nalmente, a necessidade de reforma agrária e do seu controle pelos movi-mentos organizados, que foram sendo constituídos nesse percurso. Suasexpectativas de ação institucional foram frustradas na Constituição de1988.

Desse momento em diante a luta pela terra cresceu e se tornou temanacional. As ocupações são hoje noticiadas em veículos da midia falada eescrita, referencia os folhetins de televisão, e as lideranças do movimentoparticipam em diferentes espaços dos debates sobre a questão. Mais ainda,o governo tem sido compelido a regular as ocupações em assentamentosrurais ou cooperativas com linhas de crédito e mesmo com oferecimentode serviços públicos a essas populações. Procuro analisar as diferentes fasesdesses conflitos e os vários tipos de práticas que foram sendo constituídasnas regiões analisadas.

No terceiro capítulo, trabalho com três regiões no Peru, escolhidas porsua diversidade, por ser o berço da Teologia da Libertação, e pelas par-ticularidades da relação entre Igreja e Movimentos Sociais. As regiõesescolhidas são exemplares para analisar as práticas que se estabeleceramentre a Igreja da Libertação e os movimentos camponeses. O país éorganizado em departamentos e os camponeses participam das organiza-ções que também são departamentais. A direção geral do movimento é aCentral Campesina deI Pe!ú. No Departamento de Cusco destaco a açãoeducativa e o amplo plano de saúde que tem nos agentes pastorais, padrese bispos, sua coordenação. O ponto central dessa prática se constitui porprogramas de radiodifusão, sem os quais não seria possível preparar oscamponeses para seus inúmeros encontros e congressos nas FederaçõesDepartamentais, e instruí-los nos problemas técnicos e da produção. Osprogramas são bilíngües, espanhol e quéchua, e preparados pela açãopastoral, segundo demandas definidas pelas organizações do campesinato.

No Departamento de Puno, analiso a ação da Igreja no apoio às novasinvasões de terras, que ocorrem depois do grande processo de reformaagrária desenvolvido a partir do governo militar dirigido por Juan VelascoAlvarado. Essas novas invasões mostram os limites do plano governamen-tal e permitem à Igreja uma aproximação efetiva com a população, sendoum entrave para a prática do Sendero Luminoso.

No Departamento de Cajamarca, a Igreja apóia e estimula a transforma-ção das Rondas Campesinas, a se tornarem alternativa de poder popular/camponês, denunciando os limites do poder local, os desvios morais e po-líticos na região. As rondas produzem uma reordenação ímpar do espaço eda vida camponesa, na América Latina.

São três realidades diversas, três possibilidades de ação para a Igreja daLibertação que não é, naque.le país, direção política dos movimentos. Ao

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contrário, submetem-se às determinações dos vários dirigentes políticos,guardando, entretanto, para si, as tarefas de apoio popular.

Finalmente, no último capítulo, procuro resgatar as diferenças nasvárias ações da Igreja e analisá-Ia em seus problemas e nos vários níveis daprática, que têm por meta a constituição de um novo homem. Comparo opensamento de Gustavo Gutiérrez e Leonardo Boff, que exemplificam assingularidades. Procuro refletir sobre a problemática da revolução no mo-mento em que ela parece ser um velho e abandonado problema.