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    O desafio da igreja atual luz da igrejaprimitiva

    David W. Bercot

    Este livro foi traduzido por um mecanismo de traduo online e depois foicorrigido os erros mais visveis. Existe outra verso em papel e melhor traduzidaintitulada Que falem os primeiros cristos.

    Para mais informaes:

    www.aigrejaprimitiva.com

    www.compiladorcristao.com

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    ndice

    1) O martrio de Policarpo ............................................................................................ 3

    2) Quem eram os primeiros cristos? .......................................................................... 5

    3) Os primeiros cristos eram cidados de outro reino ............................................... 12

    4) A luta dos primeiros cristos contra a cultura ......................................................... 19

    5) Por que tiveram sucesso os primeiros cristos? ....................................................... 30

    6) No que os primeiros cristos acreditavam sobre a salvao .................................... 40

    7) No que os primeiros cristos acreditam sobre predestinao e livre-arbtrio ....... 49

    8) O que o batismo significava para os primeiros cristos ........................................... 55

    9) Prosperidade uma bno ou uma armadilha para os primeiros cristos? ............ 5910) Pode superar os ensinamentos do Novo Testamento sobre o Antigo Testamento? 64

    11) Os primeiros cristos compreenderam melhor os apstolos .................................... 71

    12) Os cristos primitivos e os ensinamentos dos apstolos preservados ..................... 76

    13) Como o cristianismo primitivo foi destrudo por Constantino ............................... 83

    14) Constantino e o Conclio de Nicia ............................................................................ 92

    15) Agostinho bispo de Hipona ........................................................................................ 96

    16) Foi a Reforma um retorno ao cristianismo primitivo? ............................................ 100

    17) O renascimento do cristianismo primitivo ................................................................ 105

    18) O que quer dizer os primeiros cristos para a igreja atual? ................................... 110

    19) Dicionrio Biogrfico dos primeiros cristos ............................................................ 114

    20) notas do autor ............................................................................................................... 119

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    Captulo 1 O martrio de PolicarpoA carroa atirada por cavalos rodava pelas ruas empedradas da antiga cidade deEsmirna. O prisioneiro podia ouvir os gritos do gentio enlouquecido dentro da areiaromana. Os cachorros da rua seguiam carroa, ladrando loucamente. Meninoscuriosos, com olhos cheios de emoo, corriam-se a um lado para dar-lhe passo. E

    caras sem nmero se assomavam curiosas s janelas. Detendo-se afora dos altosmuros da areia, o guarda sacou o prisioneiro da carroa como se fosse um saco delixo. No lhe importou que as pernas do prisioneiro ficassem lesadas. Havia semanasque o povo fazia questo de que este homem fosse preso e executado. Mas no tinhaaparncia de malfeitor este ancio delicado, com cara enrugada. Seu cabelo e barbaeram brancos, como as nuvens no cu mediterrneo daquela tarde. O prisioneiroentrou na areia, coxeando. E as novas correram de uma pessoa a outra que este eraPolicarpo, o criminoso vil cuja morte tinham vindo ver.

    Seu delito, qual era?

    Era o lder naquela cidade de uma seita supersticiosa, a seita conhecida pelo nomecristo. O ancio, guiado por soldados, aproximou-se do procnsul romano, enquantoo gentio gritava sua aprovao. Queriam ver sangue esta tarde. Mas a cara doprocnsul se ruborizou. Era este o criminoso perigoso a quem queriam dar cabo?

    O procnsul se inclinou para adiante e falou baixinho ao ancio prisioneiro: Ogoverno romano no quer perseguir aos ancios. S jura pela divindade de Csar e teporei em liberdade. Isto no posso fazer. Ento s grita: Abaixo aos ateus, ebastar. (J que os cristos no tinham nem deuses nem templos, muitos criam que

    eram ateus.) Com grande calma o prisioneiro deu a volta e assinalou para o gentio quegritava por sua morte. Ento, olhando para o cu, gritou a toda voz: Abaixo aosateus!

    O procnsul ficou desconcertado ao ver a resposta do prisioneiro. Este tinha feito oque se lhe mandou, mas no da maneira esperada. No satisfaria ao gentio louco queseguia gritando por sua morte. O procnsul queria pr em liberdade a este ancio, mastinha que aplacar a gente. Amaldioa a Jesus Cristo! ordenou.

    Por uns momentos Policarpo olhou fixamente ao rosto severo do procnsul. Depoisfalou com calma: - Por oitenta e seis anos servi a Jesus, e ele nunca me fez mal algum.Como, pois, poderei amaldioar o meu Rei e Salvador?

    Entretanto, a multido ficava mais impaciente. Queriam sangue, e o procnsul o sabia.Tinha que fazer algo. Jura pela divindade de Csar lhe instou outra vez. Mas oprisioneiro contestou sem demorar: J que voc aparenta no saber quem sou,permita-me ajudar-lhe. Digo sem vergonha que sou um cristo. Se voc deseja saberno que crem os cristos, assinale uma hora, e eu com gosto te direi.

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    O procnsul se agitou. No me tens que persuadir a mim. Persuade a eles - disse,assinalando para a multido impaciente. Policarpo deu uma olhada ao tumulto queenchia a areia.

    Tinham vindo para ver a diverso de sangue. Isso queriam, nada menos. No

    baratearei os ensinos de Jesus ante tais pessoas. Agora o procnsul se enojou. Nosabes que tenho a meu poder os animais ferozes? Os soltarei de imediato se tu no tearrependas destas necedades! Muito bem. Solte-os replicou Policarpo, sem medo.Quem ouviu jamais de uma pessoa que se arrependesse do bom para andar em atrs domau? O procnsul costumava vencer ainda os criminosos mais fortes com suasameaas, mas este ancio mais do que bem vencia a ele. Sua clera aumentava. Bem, se os lees no te do medo, ouve-me. Te queimarei vivo se no amaldioas aJesus Cristo agora mesmo! Cheio do Esprito Santo, Policarpo contestou com gozo evalor: - Me ameaa voc com um fogo que se apaga depois de uma hora. No sabeque vir um fogo eterno, o fogo de juzo reservado para os mpios? Por que esperar

    mais? Faa comigo o que vais fazer.O procnsul no tinha querido que sasse desta maneira. Queria ter conquistado estevelho. Tinha esperado ver-lhe de joelhos rogando por misericrdia. Mas oprisioneiro o ancio tinha conquistado ao procnsul. E este se recostou em suacadeira elegante, humilhado e enfurecido.

    Mandou Heraldos a diferentes lugares na vasta areia para anunciar o que Policarpotinha dito. Quando se anunciou o ltimo desafio de Policarpo, uma onda de friacorreu pela multido. Isto fariam! O que eles queriam desde o princpio. Com gritosagudos, saltaram de suas cadeiras e correram pelos corredores. Lanaram-se para as

    portas que davam s ruas correndo loucamente, procuraram lenha aonde fosse.Saquearam as lojas. Entraram at nos banheiros pblicos e roubaram a lenha dali. E seapressaram para voltar areia, carregados com lenha para atear fogo. Amontoaram alenha ao redor da pira preparada, qual os soldados j fincavam as mos e as pernasde Policarpo.

    Mas ele falou com confiana aos soldados: - Deixem-me bem como estou. O que mefortalece contra o fogo me ajudar a permanecer nele sem que me assegurem. Depoisde permitir que Policarpo orasse, os soldados atearam fogo.1

    Ao queimar a Policarpo, o povo de Esmirna cria que colocariam no esquecimento eque a desprezada seita dos cristos se acabaria. Como o procnsul que tinha esperadointimidar a Policarpo, assim cria o povo que os cristos se intimidariam e esqueceriamsua f. Que engano! Resultou todo o contrrio. Em vez de intimidar-se pela morte dePolicarpo, seu lder, os cristos cobraram mais nimo. E seu nmero aumentou.Paradoxalmente, o que os romanos no podiam fazer, a igreja mesma depois fez. Hojeem dia, o nome de Policarpo descansa no esquecimento, e o cristianismo daqueleento no existe.

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    Captulo 2 Quem eram os primeiros cristo?

    Ainda recordo que o professor de ingls na universidade tratava de impressionar-mecom a importncia de definir os termos que usava em minhas composies. Prestei-lhepouca ateno naquele tempo, mas me dei conta da importncia de seu conselho

    quando comecei a falar dos primeiros cristos. Sempre algum me fazia a pergunta:O que quer dizer voc quando se refere aos primeiros cristos? Permita-me, pois,definir este termo. Quando falo dos primeiros cristos, estou-me referindo aoscristos que viviam entre os anos 90 e 199 d.C.

    O apstolo Joo estava vivo ao princpio desta poca. Nesta primeira gerao deprimeiros cristos, tinha gente que tinha conhecido pessoalmente algum dos apstolos.Tinham recebido instruo deles. Policarpo serve como exemplo de tais pessoas. Elefoi instrudo pelo apstolo Joo. Esta poca terminou com um homem que foiensinado por Policarpo: Irineu. Assim tinha um s elo humano entre ele e os

    apstolos. Ao dizer cristianismo primitivo, estou-me referindo s crenas e prticasda comunidade de primeiros cristos, em todo mundo, que mantinham os vnculos decompanheirismo entre si. No falo das crenas e prticas dos que eram chamadoshereges. Usando a figura da parbola em Mateus 13.24-30, falo s do trigo. No falodo campo que continha tanto o trigo como a discrdia.

    Ento este livro se dedica a descrever aos primeiros cristos que viveram entre os anos90 e 199 d.C. Mas os cristos do seguinte sculo geralmente mantiveram as mesmascrenas e prticas. As grandes mudanas na doutrina crist se fizeram depois de 313,ano em que o imperador romano Constantino legalizou o cristianismo. Por esta razo,

    neste livro utilizo algumas citaes de escritores que viveram entre os anos 200 e 313,com a condio que concordem com as crenas dos que viveram no sculo depois dosapstolos. Eram estes os santos pais?

    Quando eu comeo a falar dos escritores entre os primeiros cristos, muitas pessoasdepois respondem: Ah, bem. Voc se refere aos santos pais da igreja. Mas estesescritores no eram santos pais da igreja. A maioria deles eram cristos ordinriosque trabalhavam com suas mos, ainda que sim tivesse mais educao que muitosoutros em seu tempo. Teriam-se indignado com qualquer pessoa que se atrevesse acham-los de santos pais. No tinham tal nome. Os nicos pais da igreja que eles

    conheciam eram os apstolos e no os chamaram pais.Em verdade, o fato de que estes escritores no eram pais da igreja adiciona grandevalor a seus escritos. Se eles fossem pais de algum grande sistema teolgico, seusescritos seriam de pouco valor para ns. Em tal caso, aprenderamos s as doutrinasque vrios telogos tivessem proposto. Mas os cristos no segundo sculo noescreveram obras de teologia. Nenhum cristo do segundo sculo pode ser chamado

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    telogo. No existia nesse tempo uma teologia sistemtica no sentido atual, nem emtodo mundo antes do imperador Constantino.

    Os escritos da igreja primitiva podem ser divididos em trs classes: (1) obras deapologia que defendiam as crenas crists frente aos ataques dos judeus e dos

    romanos; (2) obras que defendiam ao cristianismo contra os hereges; e (3)correspondncia entre igrejas. Estes escritos do depoimento das crenas e prticasuniversais na poca depois da morte dos apstolos E isto o que lhes d grande valor.

    Se tivesse um cristo entre os anos 90 e 313 a quem pudssemos chamar telogoseria Orgenes. Mas Orgenes no impunha suas crenas sobre outros cristos. Aoinvs, era o menos dogmtico de todos os escritores dos primeiros sculos da pocacrist. E nesta poca nenhum escritor mantinha um dogma estrito, seno s nos pontosmais bsicos da f crist.

    Um dos distintivos do cristianismo primitivo a carncia de muitos dogmasinflexveis. Em realidade, quanto mais atrs um vai histria do cristianismo, menosde teologia acha. No entanto, ainda que tivesse muita diversidade entre os primeiroscristos, ainda achei que tinham muitos dos mesmos temas e crenas expressados emtodos os escritos deles. Este livro examina estas crenas e prticas universais dosprimeiros cristos.

    Com este propsito, no falo neste livro de nenhuma crena nem prtica da igrejaprimitiva a no ser que cumpra os seguintes requisitos:

    1. Todos os primeiros cristos que escrevem do tema concordam no que dizem; e

    2. Pelo menos cinco escritores, distantes os uns dos outros quanto geografia e tempo,escrevem do mesmo tema.

    Realmente, a maioria dos pontos que apresento neste livro apoiada pelo depoimentode mais de cinco escritores.

    Uma introduo breve a oito dos escri tores principais

    Antes de apresentar as crenas dos primeiros cristos, quero introduzir alguns dosescritores principais os quais vou citar:

    Policarpo Discpulo do apstolo JooPolicarpo, de cuja morte falamos, no primeiro captulo, servia de modelo de f e dedevoo s congregaes de sia Em sua juventude ele acompanhou o apstolo Joo

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    e aprendeu aos seus ps. Evidentemente, Joo mesmo o ordenou como bispo dacongregao em Esmirna.2 Se correto que os anjos das sete igrejas de Apocalipsesse referem aos bispos das igrejas ento o anjo da igreja em Esmirna possa ter sido omesmo Policarpo. (Veja-se Apocalipse 1.20 e 2.8). Se assim, que grato notar que oSenhor Jesus Cristo no repreendeu em nada igreja de Esmirna.

    Policarpo viveu at uma idade de pelo menos 87 anos. Foi martirizado ao redor do ano155 d.C. I

    Irineu Elo importante com os apstolos. Um dos discpulos pessoais de Policarpofoi Irineu, quem depois se mudou para a Frana como missionrio. Quando o bispo dacongregao em Lyon foi morto numa onda de perseguio, Irineu foi chamado paratomar seu lugar. A igreja em todo mundo elogiava Irineu como homem justo epiedoso. Como discpulo de Policarpo, que por sua vez era discpulo do apstolo Joo,Irineu serve como elo importante com a poca dos apstolos Foi martirizado cerca doano 200.

    Justino Filsofo convertido em evangelistaDurante a vida de Policarpo, um filsofo jovem chamado Justino empreendeu umaviagem espiritual em busca da verdade. O costumava andar num campo solitrio queolhava para o Mar Mediterrneo para meditar. Um dia enquanto andava ali viu que umancio caminhava depois dele. Desejando a solido, Justino se deu volta e olhoubruscamente ao ancio intruso. Mas o ancio no se molestou. Mas bem comeou aconversar com Justino. Ao aprender que Justino era filsofo, o ancio lhe fezperguntas que punham luz o vazio da filosofia humana. Anos depois, Justino contouas recordaes daquele encontro, escrevendo: Quando o ancio tinha terminado defalar estas coisas e muitas mais, foi-se, exortando-me a que meditasse no que tinhafalado. Desde ento no o vi, mas de imediato uma chama se acendeu em minha alma.Inundou-me um grande amor pelos profetas e os amigos de Cristo. Depois de refletirmais no que o ancio metinha dito, dei-me conta de que o cristianismo era a nicafilosofia verdadeira e valiosa.3 Ainda depois de converter-se ao cristianismo, Justinosempre punha sua tnica de filsofo para dar a conhecer que ele tinha achado a nicafilosofia verdadeira. Em verdade, ele se converteu em evangelista para os filsofospagos. Dedicou sua vida a aclarar o significado do cristianismo aos romanos cultos.Suas defesas escritas aos romanos so as apologias crists mais antigas que existem.

    Justino se demonstrou evangelista capacitado. Converteu muitos romanos f crist,tanto cultos como incultos. Ao fim, um grupo de filsofos, tramando sua morte,mandaram-lhe prender. Justino escolheu morrer a negar a Cristo. Foi martirizado peloano de 165. Depois de sua morte, foi conhecido por muitos como Justino o Mrtir.

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    Clemente de Alexandria Instrutor de novos convertidosOutro filsofo que achou o cristianismo em sua busca da verdade foi Clemente. Vendoa vaidade da filosofia humana, voltou-se a Cristo. Depois de converter-se em cristo,viajou por todo o imprio romano, aprendendo os preceitos da f crist pessoalmentedos mestres cristos mais ancies e estimados. Os escritos de Clemente, datados para

    o ano 190, refletem a soma da sabedoria de seus mestres. Inspiraram a muitos cristosatravs dos sculos, inclusive a John Wesley. Com o tempo, Clemente se mudou aAlexandria, Egito. Foi ordenado ancio naquela congregao e encarregado de instruiros novos convertidos. Pelo geral se lhe chama Clemente de Alexandria paradistingui-lo de outro Clemente, que era bispo da igreja em Roma a fins do primeirosculo. Neste livro, se no o explico de outra maneira, quando falo de Clemente merefiro a Clemente de Alexandria.

    Orgenes Uma mente aguda dedicada a DeusEntre os alunos de Clemente em Alexandria tinha um jovem hbil chamado Orgenes.Quando Orgenes tinha s 17 anos, estourou uma perseguio severa em Alexandria.Os pais de Orgenes foram cristos fiis, e quando seu pai foi preso, Orgenes lheescreveu uma carta, animando-o a que permanecesse fiel e no renunciasse a Cristopor causa de sua preocupao com a famlia. Quando se anunciou a data para seujuzo, Orgenes decidiu acompanhar seu pai ao juzo para morrer com ele. Masdurante a noite anterior, enquanto dormia, sua me escondeu toda sua roupa para queno pudesse sair da casa. Assim que ela salvou sua vida.

    Ainda que tivesse s 17 anos, Orgenes se distinguiu na igreja de Alexandria pelocuidado amoroso que prestava a seus irmos na f durante a perseguio. Mas asmultides enfurecidas tambm notaram o cuidado de Orgenes pelos cristosperseguidos, e em variadas ocasiones Orgenes mal escapou com vida.

    Orgenes tinha aprendido gramtica e a literatura grega com seu pai, e comeou a daraulas privadas para sustentar seus irmos menores. Era mestre to sobressalente quemuitos pais pagos mandaram seus filhos receber instruo de Orgenes. Mas muitosdestes jovens se converteram em cristos como resultado do depoimento de Orgenes.

    Enquanto, Clemente, o mestre encarregado do doutrinamento dos novos convertidos,estava em perigo, os oficiais da cidade tramaram sua morte, e ele se viu obrigado aescapar para outra cidade para continuar seu servio cristo. Numa decisoextraordinria, os ancios cristos de Alexandria nomearam Orgenes, de s 18 anos,para tomar o lugar de Clemente como mestre principal na escola para os novosconvertidos. Foi uma deciso sbia, e Orgenes s se dedicou de corao obra. Deixousua profisso de poucos meses como instrutor de gramtica e literatura. Vendeu aprazo todos seus livros de obras gregas, vivendo na pobreza do pouquinho que

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    recebeu mensalmente da venda deles. Recusou aceitar salrio algum por seu trabalhocomo mestre cristo. E depois de suas classes de cada dia, estudava as Escrituras athoras avanadas da noite.

    Cedo Orgenes chegou a ser um dos mestres mais estimados de seu tempo. Em poucos

    anos, alguns de seus alunos lhe pediram que desse uma srie de discursos deexposio bblica, comentando sobre cada livro da Bblia, passagem por passagem. Osalunos pagaram escrives, os quais anotaram o que Orgenes dizia, e estes escritoschegaram a ser os primeiros comentrios bblicos que se produziram. No foi intenode Orgenes que estes comentrios se tomassem muito em srio. Com freqncia elese saa do texto e dava suposies pessoais. Em todo o comentrio, manteve umesprito aprazvel, pouco contencioso. Muitas vezes terminou seu discurso, dizendo:Bem que assim me parece a mim, mas pode ser que outro tenha mais entendimentodo que eu.

    Orgenes tinha uma das mais brilhantes mentes de seu tempo. Estava emcorrespondncia pessoal com um dos imperadores romanos. Mas sua fama tambmatraiu o interesse dos inimigos dos primeiros cristos. Vrias vezes teve que se mudarpara outro lugar para escapar da perseguio. No entanto, chegou aos 70 anos. At queseus perseguidores o prenderam e o torturaram. Mas por mais do que o torturaram, eleno negou a Jesus. E ao fim deixaram de tortur-lo, exaustos. Contudo, Orgenesnunca se recuperou da tortura e ao fim morreu.

    Tertuliano Apologista aos romanosPara primeiros cristos do ocidente, Tertuliano talvez o mais conhecido de todos osescritores cristos dos primeiros sculos. Chegou a ser ancio na igreja de Cartago nonorte da frica.4 Tertuliano era um dos apologistas mais hbeis da igreja primitiva.Escrevia em latim, no em grego como a maioria dos primeiros cristos. A Tertulianose recorda por vrios ditos famosos, por exemplo: O sangue dos mrtires a sementeda igreja.

    Tertuliano escreveu entre os anos 190 e 210 d.C. Alm de suas obras apologticas,Tertuliano escreveu vrias obras curtas, tanto cartas como tratados, para animar aoscristos apresados ou para exortar aos crentes que mantivessem sua separao como

    mundo.

    Ao final de sua vida, Tertuliano se uniu seita montanista, a qual pelo geral semanteve doutrina crist ortodoxa, mas adicionou normas estritas sobre a disciplinana igreja e o trato duro do corpo. Pelo menos a metade das obras de Tertuliano foiescrita antes que ele se fizesse montanista. E ademais, j que este grupo no se apartoudos fundamentos da f crist, ainda seus escritos de depois tm grande valor em

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    alumiar o pensamento dos primeiros cristos. Contudo, citarei de suas obrasmontanistas s com muito cuidado.

    Cipriano Um rico que tudo o entregou a CristoUm dos alunos espirituais de Tertuliano se chamava Cipriano. Tinha sido romano rico,mas se converteu em cristo idade de 40 anos. Ainda que aluno de Tertuliano, no seuniu aos montanistas. Sempre se ops aos hereges e s tendncias sectrias.

    Como cristo recm convertido Cipriano estava to agradecido por sua vida nova emCristo que vendeu tudo o que tinha e o repartiu aos pobres. Gozou-se de estar livre dopeso das responsabilidades de suas posses materiais. Seus escritos contm umas daspalavras mais comovedoras que jamais se escreveram a respeito do novo nascimentodo cristo. Sua entrega total a Cristo cedo ganhou o respeito da igreja em Cartago.Depois de uns poucos anos, numa deciso sem precedente, chamaram-lhe a ser bispoda igreja ali.

    Os escritos de Cipriano tm um valor especial j que constam majoritariamente decartas pessoais a outros ancios cristos e igrejas. Em suas cartas vemos os interessese os problemas dirios das congregaes crists daquele tempo, ento Cipriano se viuobrigado a trabalhar como pastor clandestinamente, j que durante a maior parte deseu ministrio rugia a perseguio contra a igreja primitiva. Como pastor, trabalhavaincansavelmente, dando seu tempo e sua vida pelo rebanho de Cristo que lhe tinhasido encomendado. Ao fim, foi preso pelos romanos e decapitado no ano 258.

    Lactncio - Mestre do filho do imperadorLactncio pouco conhecido aos cristos de hoje em dia. Nisto ns perdemos, porqueLactncio escreveu com clareza e eloqncia extraordinria. Antes de converter-se aocristianismo, foi instrutor clebre da retrica. Ainda o imperador Diocleciano lhelouvou depois de sua converso, dedicou suas habilidades literrias na causa de Cristo.Sobreviveu a ltima grande perseguio dos romanos contra a igreja primitiva aoprincpio do quarto sculo. Com o tempo, fez seu lar na Frana. Ainda que Lactnciofosse muito ancio quando Constantino se fez imperador, este lhe pediu que voltasse a

    Roma para ser o professor particular de seu filho maior. Os escritos de Lactncio tmgrande importncia para ns porque se escreveram ao final da poca pr-Constantinada igreja primitiva. Demonstram amplamente que a grande maioria das crenas criststinham mudado muito pouco durante os 220 anos entre a morte do apstolo Joo e oprincpio do reinado de Constantino.

    Se talvez a voc se lhe esquecem estes nomes...

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    Bem posso crer que estes nomes no so conhecidos para muitos de vocs. Possa quelhes seja difcil record-los. Por este motivo, inclu um dicionrio biogrfico ao finaldeste livro. Este dicionrio apresenta um quadro biogrfico muito breve de todos osescritores que vou citar no livro. possvel que queira pr um marcador de livro nestapgina para que possa refrescar sua memria sobre qualquer dos nomes que

    menciono.Em meus primeiros rascunhos deste livro eu descrevi as crenas e prticas dosprimeiros cristos, incorporando s uma citao ou duas deles em cada captulo. Masquando dei estes primeiros captulos a meus amigos para ler, todos eles comentaram omesmo: Queremos ouvir aos primeiros cristos, no a voc. Assim que isso fiz.Tenho aqui a histria deles, contado em grande parte por eles mesmo. Espero quemude a voc tanto como mudou a mim.

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    Captulo 3 Os cristos eram cidados de outro reinoAo refletir sobre o breve ministrio de Jesus no mundo, o apstolo Joo comentou quese escrevessem todas as coisas que Jesus tinha feito uma por uma, cria que nem aindano mundo inteiro caberiam os livros que se teriam de escrever (Joo 21.25). Contudo,a noite antes de sua morte, Jesus selecionou de todos seus ensinos uns poucos pontos

    finques, os quais queria que seus seguidores recordassem de uma maneira especial.

    Poderia ter falado com eles das doutrinas finques da f crist. Mas no o fez. Poderiat-los repreendido pela dureza de seu corao e por sua incredulidade durante os anosde seu ministrio. Mas tambm no fez isto. Em mudana, escolheu repassar com eleso plano do edifcio mais belo que jamais se edificou no mundo a igreja. Com umexemplo grfico demonstrou aos apstolos que aqueles que desejassem guiar igrejatm que ser servos de todos. Tambm explicou os sinais que distinguiriam osmembros de sua igreja. Sublinhou trs sinais de distino:

    1. A separao do mundo.Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vs, me odiou a mim. Se fsseisdo mundo, o mundo amaria o que era seu; mas, porque no sois do mundo, antes euvos escolhi do mundo, por isso que o mundo vos odeia. (Joo 15. 18-19).

    2. Um amor sem condio.Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vosamei a vs, que tambm vs vos ameis uns aos outros. Nisto conhecero todos que

    sois meus discpulos, se tiverdes amor uns aos outros. (Joo 13. 34-35).

    3. Uma f obedienteNo se turbe o vosso corao; credes em Deus, crede tambm em mim. Se algumme amar, guardar a minha palavra; e meu Pai o amar, e viremos a ele, e faremosnele morada. (Joo 14.1, 23). Joo escreveu destes trs sinais para o fim do primeirosculo. Mas guardou a igreja primitiva estes sinais de distino no sculo depois damorte dos apstolos? Como era na verdade a igreja primitiva do segundo sculo?

    Os cristos primi tivos no eram deste mundoNenhum pode servir a dois senhores, declarou Jesus a seus discpulos (Mateus6.24). No entanto, atravs dos sculos, apareceram muitos cristos que trataram demostrar que Jesus estava equivocado. Disseram-nos que na verdade podemos ter ascoisas de dois mundos as deste mundo e as do mundo vindouro. Muitos de ns

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    levamos uma vida muito pouco diferente das pessoas incrdulas com valoresconservadores, exceto que assistimos aos cultos da igreja a cada semana. Olhamos osmesmos programas de televiso. Compartilhamos as mesmas preocupaes a respeitodos problemas do mundo. Com freqncia, estamos to enredados nos negcios e nosafs das riquezas como nossos vizinhos incrdulos. Assim que muitas vezes nosso

    no ser deste mundo existe mais na teoria que na prtica.Mas os primeiros cristos eram muito diferentes de ns. Os primeiros cristos segovernavam por fundamentos e valores muito diferentes de seus vizinhos. Recusaramas diverses do mundo, sua honra e suas riquezas. J pertenciam a outro reino, eescutavam a voz de outro Senhor. Isto o vemos na igreja do segundo sculo tantocomo na do primeiro sculo.

    A obra de um autor desconhecido, escrito ao redor do ano 130, descreve os primeiroscristos aos romanos da seguinte maneira: Vivem em seus diferentes pases, massempre como peregrinos Esto na carne, mas no vivem segundo a carne. Passamseus dias no mundo, mas so cidados do cu. Obedecem as leis civis, mas ao mesmotempo, suas vidas superam a essas leis. Eles amam a todos os homens, mas soperseguidos por todos. So desconhecidos e condenados. So levados morte, mas[sero]restaurados vida. So pobres, mas enriquecem a muitos. Possuem pouco, masabundam em tudo. So desonrados, mas em seu desonra so glorificados E aquelesque os aborrecem no podem dar razo por seu dio.1

    J que o mundo no era seu lar, os primeiros cristos podiam dizer sem reservaalguma, como Paulo, o viver Cristo, e o morrer ganho (Filipenses 1.21). Justinoexplicou aos romanos J que no fixamos nossos pensamentos no presente no nos

    preocupamos quando os homens nos levam morte. De todos os modos, o morrer uma dvida que todos temos que pagar.2

    Um ancio da igreja primitiva exortou a sua congregao: Irmos, de boa vontadedeixemos nossa peregrinao aqui no mundo para que possamos cumprir a vontadedaquele que nos chamou. No tenhamos temor de sair deste mundo, sabendo que ascoisas deste mundo no so nossas, e no fixamos nossos desejos em elas O Senhordiz: Nenhum servo pode servir a dois senhores. Se desejamos, pois, servir tanto aDeus como riqueza, nossa vida ser sem proveito. Porque que aproveitar aohomem se ganhar todo mundo, e perder sua alma? Este mundo e o vindouro so

    inimigos Por tanto, no podemos ser amigos de ambos.3

    Cipriano, o ancio de estima da igreja em Cartago, destacou o mesmo ponto numacarta que escreveu a um amigo cristo: A nica tranqilidade verdadeira e deconfiana, a nica segurana que vale, que firme e nunca muda, esta: que o homemse retire das distraes deste mundo, que se assegure sobre a rocha firme da salvao,e que levante seus olhos da terra ao cu O que em verdade maior do que o mundonada deseja, nada almeja, deste mundo. Assim seguro, assim imvel aquela

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    segurana, assim celestial a proteo de suas bnos sem fim ser livre dasarmadilhas deste mundo enganador, ser limpo da escria da terra e preparado para aluz da imortalidade eterna.4 Achamos este mesmo tema em todos os escritos dosprimeiros cristos, sejam de Europa ou de frica do norte: no podemos ter a Cristo eao mesmo tempo ao mundo.

    Para que no pensemos que os cristos descreviam uma vida que em realidade nolevavam, temos o depoimento dos mesmos romanos desta poca. Um inimigo pagodos primeiros cristos escreveu:

    Menosprezam os templos como se fossem casas dos mortos Recusam aos deuses.Riem-se de coisas sagradas da idolatria. Ainda que pobres eles mesmos, sentemcompaixo de nossos sacerdotes. Ainda que meio nus, desprezam a honra e as tnicasde prpura. Que descaro e tolice incrvel! No temem as tormentas presentes, mastemem as que qui vingam no futuro. E ainda que no temem em nada morrer agora,temem uma morte depois da morte

    Ao menos aprendam de sua situao atual, gente miservel, o que que em verdadelhes espera depois da morte... Em verdade, segundo vocs mesmos dizem, a maioriade vocs esto em necessidade, suportando frio e fome, e trabalhando em trabalhosesgotantes. Mas seu deus o permite. Ou ele no quer ajudar a seu povo, ou ele nopode ajud-los. Portanto, ou ele deus dbil, ou injusto Fixem-se! Para vocs noh seno ameaas, castigos, torturas, e cruzes Onde est seu deus que os prometeajudar depois de ressuscitar de entre os mortos? O nem sequer os ajuda agora e aqui. Eos romanos, sem a ajuda do deus de vocs, no governam todo mundo, inclusive avocs tambm, e no desfrutam os bens de todo o mundo?

    Enquanto, vocs vivem em incerteza e ansiedades, abstendo-se ainda dos prazeresdecentes. Vocs no assistem aos jogos desportivos. No tm nenhum interesse nasdiverses. Recusam os banquetes, e aborrecem os jogos sagrados Assim, pobresque so, nem ressuscitaro de entre os mortos nem desfrutaro da vida agora. Destamaneira, se tm vocs sensatez ou juzo algum, deixem de fixar-se nos cus e nosdestinos e segredos do mundo Aquelas pessoas que no podem entender os assuntoscivis no tm esperana de entender os divinos.5 Quando eu li pela primeira vez aacusaes que os romanos fizeram contra os primeiros cristos, senti-me mortificadoporque nenhum acusaria aos cristos de hoje em dia destas coisas.

    Ningum nos acusou jamais de estar to absorto nos negcios do reino celestial quedescuidamos o que este mundo oferece. De fato, os cristos de hoje so acusados docaso contrrio de ser avarentos e de ser hipcritas em nosso culto a Deus.

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    Um amor sem condioEm nenhuma outra poca da igreja crist se viu um amor como o que tinha entre osprimeiros cristos. E os vizinhos romanos no puderam seno v-lo. Tertuliano relataque os romanos exclamavam: Tenho aqui como se amam uns aos outros6.

    Justino explicou o amor cristo desta maneira: Ns que antes estimvamos ganhar ariqueza e os bens mais do que qualquer outra coisa, agora trazemos o que temos a umfundo comum e o compartilhamos com o que padece necessidade. Antes nosaborrecamos e nos destruamos. Recusvamos associar-nos com gente de outra raaou nao. Mas agora, por causa de Cristo, vivemos com aquelas gentes e oramos pornossos inimigos.7

    Clemente descreveu a pessoa que conhece a Deus desta maneira Por amor a outro elese faz pobre a si mesmo, para que no passe por alto nenhum irmo que tenhanecessidade. Compartilha, especialmente se cr que ele pode suportar a pobreza

    melhor do que seu irmo. Tambm considera que o sofrer de outro seu prpriosofrer. E se sofre algo por ter compartilhado de sua prpria pobreza, no se queixa.8

    Quando uma doena fatal inundou o mundo inteiro no terceiro sculo, os primeiroscristos eram os nicos que cuidavam dos enfermos, CUIDAVAM-NOS ainda quecorressem o perigo de contagiar-se eles mesmos. Enquanto, os pagos jogavam s ruasos enfermos membros de suas prprias famlias, para proteger-se da doena.9

    Outro exemplo ilustra o amor fraternal dos primeiros cristos e sua entrega total aosenhorio de Cristo. Quando um ator pago se converteu em cristo, deu-se conta deque no podia seguir em seu emprego. Sabia que as obras dramticas fomentavam aimoralidade e estavam empapados na idolatria pag. Ademais, o teatro s vezes fezhomossexuais aos moos com o propsito de prepar-los para fazer melhor o papel demulheres nas obras. Mas esse ator recm convertido no tinha nenhuma outra perciapara o emprego. Por isso, ele props estabelecer um colgio para ensinar o drama aalunos incrdulos. No entanto, primeiro apresentou seu plano aos ancios da igrejapara ouvir seus conselhos. Os ancios lhe disseram que j que a profisso de ator eraimoral, lhe seria imoral ensinar essa profisso a outros. No obstante, essa questo eranova para eles. Escreveram uma carta a Cipriano em Cartago, a cidade mais prxima,para pedir seus conselhos tambm. Cipriano estava de acordo com eles em que umcristo no devia ensinar uma profisso que ele mesmo no podia praticar.

    Quantos de ns estaramos to preocupados pela justia que apresentaramos nossosplanos de emprego aos ancios da igreja ou a uma junta de diconos? E quantosancies h na igreja atual, que estariam to preocupados por no ofender a Deus quetomariam uma posio semelhante to firme? Mas isso no o fim da histria.Cipriano tambm disse igreja primitiva que deviam estar dispostos a sustentareconomicamente ao ator se no podia ganhar-se a vida de outra maneira da mesma

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    maneira que sustentavam aos rfos, ou s vivas e a outras pessoas necessitadas. Masescreveu mais: Se a igreja ai no tem os recursos para sustent-lo, ele podetransladar-se para c e lhe daremos o que lhe falte para roupa e comida.10

    Cipriano e sua igreja nem sequer conheciam a esse ator, mas estavam dispostos a

    sustent-lo s porque era crente, colega na f. Foi bem como um cristo disse aosromanos: Nos amamos os uns aos outros com amor fraternal porque no conhecemoso dio.11 Se os cristos de hoje em dia se atrevessem a dizer tal coisa ao mundo, ocreria o mundo? O amor dos primeiros cristos no se reservou s para outros crentes.Os primeiros cristos ajudavam tambm aos incrdulos: os pobres, os rfos, osancios, os enfermos, os nufragos e ainda a seus perseguidores.12 Jesus tinha dito:Amai aos vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem (Mateus 5.44). Osprimeiros cristos receberam estas palavras como um mandamento do Senhor, nocomo um ideal belo mas pouco prtico para a vida atual.

    Lactncio escreveu: Se todos ns originamos de um homem, quem foi criado porDeus, claramente pertencemos a uma s famlia. Por esta razo o temos porabominao o aborrecer a outra pessoa, no importa quo culpada seja. Por estemotivo, Deus ordenou que no aborreamos a ningum, seno mais bem do quedestruamos o dio. Desta maneira podemos consolar ainda a nossos inimigos,recordando-lhes que somos parentes. Porque se todos recebemos a vida de um sDeus, que somos seno irmos? E j que somos irmos, Deus nos ensina a nunca fazero mal a outro, seno s o bem auxiliando aos oprimidos e abatidos, e dando comidaaos famintos.13 As Escrituras ensinam que o cristo no deve levar seu irmo ante alei. Ao invs, deve preferir o ser defraudado por seu irmo, se for necessrio (1Corntios 6.7). No obstante, como advogado tenho visto que os cristos de hoje emdia no temem demandar a seu irmo ante a lei por algum dano que recebeu. Dou umexemplo de um caso perturbador que sucedeu faz pouco na cidade onde vivo. Umaluno num colgio cristo trabalhava na escola em suas horas livres para ajudar apagar sua instruo. Um dia desmaiou por causa dos vapores de um inseticida queaplicava pelo colgio. Teve que ser hospitalizado por um dia. O colgioaparentemente aplicava mal o inseticida. E o que isso resultou? Os pais do alunodemandaram ante a lei ao colgio por mais de meio milho de dlares. Por contraste,os primeiros cristos no s recusavam levar ante a lei a seus irmos cristos, amaioria deles no levava ante a lei a ningum vista deles, tudo ser humano era seuirmo ou sua irm.

    No devemos estranhar-nos de que o cristianismo se estendeu rapidamente de umextremo do mundo a outro, e isso ainda que tinha poucas organizaes missionrias epoucos programas de evangelismo. O amor que praticavam chamava a ateno domundo, bem como Jesus tinha dito.

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    Uma f em Deus como a de um meninoPara os primeiros cristos, ter f em Deus significava bem mais do que dar umdepoimento comovente do momento em do que fixei minha f no Senhor.Significava que criam que Deus era digno de confiana ainda que acreditar nele osenvolvia em grande sofrimento.

    Uma pessoa que no faz o que Deus ordenou revela que realmente no tem f emDeus,14 declarou Clemente. Para os primeiros cristos, dizer que um confiava emDeus e recusar a obedecer-lhe era uma contradio (1 Joo 2.4). O cristianismo deleser nada mais do que meras palavras. Um cristo do segundo sculo o expressouassim: No dizemos grandes coisas as vivemos!15 Um sinal distintivo dosprimeiros cristos era sua f como de menino e sua obedincia literal aos ensinos deJesus e dos apstolos. Eles no criam que tinham que entender a razo domandamento antes de obedec-lo. Singelamente confiavam que o caminho marcadopor Deus era o melhor caminho. Clemente perguntou: Quem, pois, ter tanto descaro

    como para no crer em Deus, e demandar de Deus uma explicao como se ele fossehomem?16

    Confiavam em Deus porque viviam no temor de sua majestade e sabedoria. Flix, umbacharel cristo em Roma, contemporneo de Tertuliano, expressou-o desta maneira:Deus maior que todos nossos pensamentos. O infinito, imenso. S ele mesmocompreende a imensido de sua grandeza; nosso corao muito limitado paracompreend-lo. Estimamo-lo como digno de ser estimado quando dizemos que estalm de nossa estimao Quem pense que conhece a grandeza de Deus diminui suagrandeza.17

    O exemplo maior da f dos primeiros cristos vemos na boa acolhida que deram perseguio. Desde o tempo do imperador Trajano (por volta do ano 100 d.C.) at oedito de Milo proclamado em 313, ser cristo era ilegal dentro do imprio romano.Em verdade, era delito que se castigava com a morte. Mas os oficiais romanos, pelogeral, no procuravam aos cristos. PASSAVAM-NOS por alto a no ser que algumos acusasse ante a lei. Por isso, s vezes os primeiros cristos sofriam a perseguio;s vezes, no. Ou os cristos numa cidade sofriam torturas desumanas e at a morte,enquanto em outra cidade viviam calmos. Assim nenhum cristo vivia seguro. Viviacom a sentena de morte descansando sobre sua cabea. Os primeiros cristos estavamdispostos a sofrer horrores indizveis e at morrer antes de negar a Deus. Isto,em unio com sua vida exemplar, servia de ferramenta eficaz no evangelismo. Poucosromanos estavam dispostos a dar sua vida por seus deuses. Quando os primeiroscristos morriam por sua f em Deus, davam depoimento do valor dela. Em verdade, apalavra grega para testemunha mrtir. No de estranhar-se, pois, que esta mesmapalavra tambm a palavra que os gregos usavam para mrtir. Em vrias citaesda Bblia onde lemos ns de ser testemunhas, os primeiros cristos entendiam quefalava de ser mrtires. Por exemplo, Apocalipse 2.13 diz que Antipas minha

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    testemunha fiel foi morto entre vocs. Os primeiros cristos entendiam que apassagem dizia: Antipas meu mrtir fiel.

    Ainda que muitos cristos tratavam de fugir da perseguio local, no tentaram sair doimprio romano. Como meninos, criam que seu Mestre falava a verdade quando disse

    que sua igreja se edificaria sobre uma rocha e as portas do Hades no prevaleceriamcontra ela. Bem sabiam que milhares deles poderiam encontrar-se com mortesterrivelmente injustas. Poderiam padecer torturas terrveis. Poderiam terminar nasprises. Mas estavam plenamente convencidos de que seu Pai no permitiria que aigreja fosse aniquilada. Os primeiros cristos apareceram ante os juzes romanos commos indefesas, proclamando que no usariam meios humanos para tratar de preservara igreja. Confiavam em Deus e s em Deus, como seu Protetor.

    Os primeiros cristos criam o que Orgenes disse aos romanos: Quando Deus permiteque o tentador nos persiga, padecemos perseguio. E quando Deus deseja livrar-nosda perseguio desfrutamos de uma paz maravilhosa, ainda que nos rodeia um mundoque no deixa de odiar-nos. Confiamos na proteo daquele que disse: Confiai, euvenci ao mundo.E em verdade ele venceu ao mundo. Por isso, o mundo prevalece senquanto permite que prevalea o que recebeu poder do Pai para vencer ao mundo. Desua vitria cobramos nimo. Ainda se ele deseja que soframos por nossa f econtendamos por ela, que vinga o inimigo contra ns. Diremos-lhes: Tudo o possoem Cristo Jesus, nosso Senhor, que me fortalece.18 Quando era jovem, Orgenes stinha perdido a seu pai numa onda de perseguio, e ele mesmo ao fim morreria datortura e a encarceramento a mos dos romanos. Apesar de tudo, com confianainquebrantvel lhes disse: Com o tempo toda forma de adorao ser destrudaexceto a religio de Cristo. Unicamente esta permanecer. Sim, um dia triunfar,porque seus ensinos as ema mente dos homens mais e mais cada dia.19

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    Captulo 4 A luta dos primeiros cristos contra acultura

    O cristianismo primitivo era uma revoluo que inundou o mundo de ento como umfogo inunda um bosque seco. Era um movimento que desafiava as instituies

    culturais da sociedade romana. Como escreveu Tertuliano: Nossa luta est contra asinstituies de nossos antepassados, contra a autoridade das tradies, contra leishumanas, contra os raciocnios dos sbios deste mundo, contra a antigidade, e contraos costumes que tnhamos.1

    Que estranho , ento, que a igreja atual sustenta que os cristos dos primeiros sculossomente ensinavam e praticavam a cultura de seu dia. Esta ironia se faz mais agudaquando nos damos conta de do que os romanos acusavam aos primeiros cristos deprecisamente o contrrio de no seguir as normas culturais de ento.

    Mas a relao dos primeiros cristos com a sua cultura no descansa com ser um

    assunto histrico. algo que deve interessar-nos profundamente hoje em dia, porquemuitas dos dilemas culturais a que defrontamos hoje so os mesmos dilemas queenfrentavam igreja primitiva. No obstante, nossas respostas a estes dilemas, emgeral, foram muito diferentes das deles.

    O divrcio praga do mundo romanoComo em quase todas as sociedades, a famlia constitua o corao da civilizaoromana. Mas como verdadeiro hoje, os casais de ento nem sempre eram felizes.Tantos os maridos como tambm as mulheres com freqncia tinham outros amantes.E no tempo de Cristo, a infidelidade matrimonial era to comum que nem sequerconstitua um escndalo.

    No de estranhar-se, pois, que o divrcio chegou a ser um costume corrente. Tantoos homens romanos como as mulheres com freqncia se casavam quatro ou cincovezes. Como Tertuliano comentou: Falando do divrcio, as mulheres o almejamcomo se fosse a conseqncia natural do casal.2Na sociedade romana, a maioria doscasamentos eram arrumavam pelos pais dos noivos. Os noivos com freqncia no seamavam e as vezes mal se conheciam quando chegavam ao altar matrimonial.

    Freqentemente, tinha grande diferena de idade entre o noivo e a noiva. Tudo isto erato verdadeiro entre os primeiros cristos como no resto da sociedade romana. Assimseria mais fcil desculpar o divrcio no mundo romano do que no mundo do sculovinte.

    Contudo, os primeiros cristos no se basearam em raciocnios humanos. Ainda que odivrcio fosse aceito livremente na sociedade, eles no permitiam o divrcio exceto pelo adultrio. Como escreveu Orgenes: O que Deus juntou, no o separe

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    nenhum homem nem magistrado nem nenhum outro poder. Porque Deus, quem osjuntou, maior em poder que tudo o demais do que um pudesse nomear ou aindaimaginar.3 Os cristos tomavam muito em srio as palavras de Jesus: Eu, porm, vosdigo que todo aquele que repudia sua mulher, a no ser por causa de infidelidade, a fazadltera; e quem casar com a repudiada, comete adultrio. (Mateus 5.32).

    Esta posio estrita dos primeiros cristos contra o divrcio claramente no refletiasua cultura. Mas que de nossa atitude para o divrcio? No seguimos as mudanas emnossa cultura? H quarenta anos, um cristo evanglico jamais teria se divorciado deseu cnjuge s por motivo de incompatibilidade. Mas hoje aqui nos Estados Unidos,o nmero de divrcios na igreja evanglica difere muito pouco do nmero no mundo.4

    O que mudou? Com certeza, as Escrituras no. Mas o segmento conservador dasociedade atual sim mudou sua atitude para com o divrcio. E os evanglicos oseguiram. Os evanglicos sim se vangloriam com freqncia de opor-se s atitudecorrentes do mundo. Mas na verdade, muitas vezes se opem s ao segmento liberal

    do mundo. Uma vez que o segmento conservador do mundo aceitou uma prtica, aigreja tambm a aceita. Disso temos o exemplo do divrcio.

    O aborto fenmeno no s do sculo vinteComo os casais de hoje, os casais romanos tinham o problema da gravidez noplanejada. Faltando os mtodos modernos de planejamento familiar, tinham trsmaneiras de tratar com o problema: s vezes estrangulavam o menino recm nascido,as vezes o abandonavam na rua (onde ou morria ou era recolhido para ser criado como

    escravo), e as vezes praticavam o aborto. Ao invs do que voc possa ter pensado, oaborto no invento do sculo vinte. O bacharel cristo Flix repreendeu aos romanosH mulheres entre vocs que tomam uma poo especial para matar ao futurohumano que levam em seu ventre, assim cometendo homicdio ainda antes de dar aluz.5

    Ainda que os romanos aceitavam o aborto como prtica moral e civilizada, osprimeiros cristos o opunham vigorosamente. Quando alguns romanos levantaram aacusao absurda que os primeiros cristos matavam e comiam os meninos em suascerimnias religiosas, Atengoras, um apologista cristo que escreveu no ano 170,contestou estas acusaes com as seguintes palavras: Quando dizemos que aquelasmulheres que usam as poes para causar o aborto so homicidas e tero que prestarcontas a Deus por seu ato, como seria possvel que matssemos [aos infantes]? Seriainsensatez que dissssemos que o menino na matriz criao de Deus, e, portantoobjeto do cuidado de Deus, e depois que nasa o matssemos.6

    Tertuliano o explicou aos romanos assim: Em nosso caso, j que proibimos ohomicdio em qualquer forma, no podemos destruir nem sequer ao menino na

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    matriz Impedir que nasa um menino somente uma forma de matar. No hdiferena se mata a vida do que nasceu j, ou se mata a vida do que no nasceuainda.7

    Admiravelmente, os cristos evanglicos de hoje geralmente se opuseram ao aborto

    bem como os primeiros cristos. Espero que nossa posio no dependa de nossacultura, mas no sei se assim ser. O povo conservador da sociedade americana noaceitou o aborto ainda; os legisladores e os juzes conservadores se opem ao aborto.Mas se sua posio mudar, seguiremos ns o mesmo? No momento parece impossvelque os evanglicos mudem sua atitude para com o aborto. Mas h um sculo, quemteria imaginado que o divrcio seria aceito nas igrejas evanglicas?

    Muita moda, pouca modstia

    O apstolo Pedro tinha instrudo s mulheres: O vosso adorno no seja o enfeiteexterior, como as tranas dos cabelos, o uso de jias de ouro, ou o luxo dos vestidos,(1 Pedro 3.3). Paulo escreveu palavras semelhantes: Quero, do mesmo modo, que asmulheres se ataviem com traje decoroso, com modstia e sobriedade, no com tranas,ou com ouro, ou prolas, ou vestidos custosos, mas (como convm a mulheres quefazem profisso de servir a Deus) com boas obras. (1 Timteo 2.9-10). Ao dar estasexortaes, os apstolos no somente repetiam as normas culturais de ento. Faziammuito ao invs.Uma mulher de moda na Roma antiga usava os mesmos cosmticosque usam as mulheres de hoje em dia. Comeava o dia arrumando-se o cabelo eaplicando sua maquiagem. Pintava-se os lbios, usava pintura ao redor de seus olhos,

    punha-se pestanas falsificadas, pintava-se a cara com ps brancos e as bochechas comblush. Arrumava seu cabelo com muita ostentao, com cachos e franjas e tranasarrumadas em vincos ornatos. Algumas mulheres punham perucas importadas dandia, e muitas se tingiam de loiro o cabelo.

    Um romano comentou a uma amiga: Quando tu ests na casateu cabelo est com ocabeleireiro. Tiras-te os dentes cada noite, e os guardas numa centena de estojos paracosmticos. Nem sequer tua cara dorme contigo! E depois piscas com o olho aoshomens por embaixo de uma sobrancelha que sacaste da gaveta pela manh8.

    As mulheres romanas enfeitavam o corpo da mesma maneira que enfeitavam a cara.Quando saam da casa, enchiam-se de muitas jias, at levavam anis em todos osdedos. As damas de moda faziam questo de vestir-se de vestidos de seda importadaainda que, grama por grama, a seda valia tanto como o ouro. Clemente comentouum pouco caprichosamente: O corpo de tais damas no vale sequer mil dracmas[moeda de pouco valor], mas pagam dez mil talentos [mais do que um jornaleiroganhava em toda a vida] por um s vestido. Desta maneira seu vestido vale mais do

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    que elas mesmas!9 E ainda os homens romanos usavam cosmticos e se vestiam comtanta ostentao como as mulheres.

    Por contraste, a igreja primitiva desaprovava o uso de cosmticos. Exortava a homense as mulheres que se contentassem com roupa singela. No s custava menos a roupa

    singela, tambm era mais modesta. Os vestidos luxuosos muitas vezes eramsemitransparentes e se ajustavam forma feminina de modo sensual. Clementecomentou: Os vestidos luxuosos que no ocultam o talhe do corpo em realidade noso vestidos. Tais vestidos, ajustando-se ao corpo, tomam a forma do corpo e seaderem figura. Assim destacam a figura feminina, de maneira que sua figura inteirase revela ao que a v, ainda que no v seu mesmo corpo Tais vestidos estodesenhados para exibir, no para cobrir.10No entanto, a igreja primitiva no tentavalegislar o tipo de vestido que o cristo devia usar. A igreja primitiva fincava pelosfundamentos de roupa singela e modesta, mas a aplicao especfica destesfundamentos ficava com cada pessoa. Alm da roupa, as normas de modstia para

    homens e mulheres cristos diferiam muito das normas da sociedade romana. Isto sefazia patente especialmente nos banhos pblicos ou privados de ento. Nenhum outropovo, exceto talvez os japoneses, teve tanto gosto aos banhos quentes como osromanos. O banhar-se constitua o passatempo nacional, e os banhos pblicos serviamcomo o ponto de reunio da sociedade romana. Nos primeiros anos da repblicaromana, os banhos dos homens e os das mulheres estavam estritamente separados.Mas para o segundo sculo de nossa poca, era o costume que os homens e asmulheres se banhassem juntos completamente nus.11

    Os romanos da classe alta muitas vezes tinham banhos em suas casas particulares, masquanto modstia, tinha pouca diferena. Clemente descreve tais banhos privados:Algumas mulheres mal se despem diante de seus prprios esposos sob o pretexto damodstia. Mas qualquer pessoa que deseje pode v-las nuas em seus banhos. Elas nose envergonham de despir-se completamente diante dos espectadores, como seexpusessem seus corpos para vend-los Algumas que no perderam at o ltimotrao de modstia excluem os desconhecidos mas se banham sempre adiante de seusservos. Despem-se na mesma presena de seus escravos e estes lhes do massagens.12

    Opondo-se energeticamente a tal imodstia, os primeiros cristos ensinavam que oshomens e as mulheres no deviam banhar-se em presena um do outro. Sua atitudequanto modstia no refletia a cultura romana, seno a cultura piedosa.13 E as

    atitudes dos romanos quanto a modstia, no se assemelham s atitudes da sociedadeatual? A maioria das pessoas teria vergonha de aparecer pelas ruas em sua roupainterior. Mas no sentem nada de vergonha acostar se nas piscinas num traje de banhoque exibe seu corpo do mesmo modo. E muitos cristos, no fazem o mesmo que osmundanos? Andamos adiante de todo mundo em trajes que teriam escandalizado osincrdulos faz mal 50 anos. Mas parece que isso no nos importa, j que o segmentoconservador da sociedade o aceitou, ns tambm o aceitamos. Isto o escrevo

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    reprovando-me a mim mesmo. Eu tambm me burlava dos cristos que se opunhamaos trajes de dana de hoje em dia, chamando-os nomes de desprezo. Mas odepoimento dos primeiros cristos me fez mudar de atitude.

    As diverses grosseiras dos romanosOs romanos da classe alta desfrutavam de muito tempo para a diverso. Enchiam suastardes e seus feriados de banquetes exagerados, de teatro, e dos esportes na areia. Seusbanquetes podiam durar at dez horas. E no era coisa extraordinria o ter at vinte edois pratos num s banquete, inclusive manjares extraordinrios como ubre de porca elngua de pavo. Mas os primeiros cristos no se deleitavam em tais coisas.

    Os romanos tinham adotado seu teatro dos gregos, e os temas principais das obrasdramticas eram os crimes, o adultrio e a imoralidade. Ou os moos ou bem as

    prostitutas faziam os papis das mulheres. Ainda que o teatro fosse o passatempofavorito dos romanos de classe alta, os primeiros cristos o evitavam comrepugnncia. Lactncio escreveu: A mim me parece que as influncias depravadorasdo teatro so at piores [do que as da areia]. Os temas das comdias so as violaesdas virgens e o amor das prostitutas De maneira parecida, as tragdias levantam vista [dos espectadores] o homicdio dos pais e atos incestuosos cometidos por reismpios E ser melhor a arte dos primores? Ensinam o adultrio quando fazem opapel dos adlteros. O que estaro aprendendo nossos jovens quando vem queningum tem vergonha de tais coisas, seno que todos as olham com gosto?14.

    Tertuliano adicionou: O pai que protege com cuidado e guarda os ouvidos de suafilha virgem depois a leva ao teatro ele mesmo. Ali a expe a toda sua linguagemindecente e atitudes vis. Depois ele faz a pergunta: Como pode ser justo ver ascoisas que so injustas fazer? E aquelas coisas que contaminam ao homem quandosaem de sua boca, no lhe contaminaro quando entram por seus olhos e ouvidos?15

    (Mateus 15.17-20).

    S os romanos ricos assistiam aos teatros e aos banquetes, mas tantos pobres comoricos desfrutavam das areias. Os esportes das areias se desenhavam para satisfazer asede insacivel dos romanos de violncia, brutalidade e sangue. As carreiras brutaisdas carroas eram o esporte favorito. Nessas carreiras as carroas muitas vezeschocavam, lanando os pilotos pista Ali podiam ser arrastados at morrer-se oupisoteados pelos cavalos de outras carroas. Enquanto, os espectadores se voltavamloucos de emoo.

    Ainda assim, a morte e a violncia das carreiras de carroas no saciavam a sede porsangue dos romanos. Por isso, traziam feras ferozes, s vezes centenas delas, paralutar at a morte na areia. Os veados lutavam contra os lobos, os lees contra os

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    touros, os cachorros contra os ursos e qualquer outra combinao de animais quesuas mentes depravadas pudessem criar. s vezes punham homens armados para caaras feras; outras vezes soltavam feras famintas para caar aos cristos indefesos. Masos romanos desejavam ainda mais. Assim que gladiadores humanos brigavam entre siat a morte. Estes gladiadores normalmente eram prisioneiros j condenados morte

    Os romanos criam que era coisa nobre dar a tais homens a possibilidade de salvar-se.E se um gladiador ganhasse luta aps luta at podia ganhar a liberdade.

    No obstante, outra vez os primeiros cristos no seguiam tais costumes culturais.Lactncio disse a seus compatriotas romanos: O que se deleita em olhar a morte deum homem, ainda que homem condenado pela lei, contamina sua conscincia igualcomo se fosse ele cmplice ou espectador de boa vontade de um homicdio cometidoem segredo. Mas eles dizem que isso esporte o derramar sangue humano! ...Quando vem a um homem, prostrado para receber o golpe de morte, suplicandoclemncia, sero justos aqueles que no s permitem que lhe dem morte seno bem

    mais o demandam? Votam cruel e desumanamente para a morte daquele, nosatisfeitos com ver seu sangue vertido ou os cortes em seu corpo. De fato, ordenamque [os gladiadores] ainda que feridos e prostrados na terra sejam atacados outravez, e que seus corpos sejam apunhalados e golpeados, para estar seguros de que noesto fingindo a morte. Esta gente at se enoja com os gladiadores se um dos dois no morto cedo. Detestam as dilaes, como se tivessem sede do sangue Afundando-se em tais prticas, perdem sua humanidade Por isso, no convm que ns quetentamos andar no caminho da justia compartilhemos nos homicdios do povo.Quando Deus probe o homicdio, no s probe a violncia que condena as leis dopovo, seno bem mais probe a violncia do que os homens tm por legal.16

    Estamos ns dispostos a adotar uma atitude to firme contra as diverses de hoje?Depois de ler tais conselhos, parei para olhar-me a mim mesmo. Tive que admitir queeu tinha deixado que a cultura atual ditasse minhas normas nas diverses. Claro queevitava os piores cinemas, os que meus vizinhos decentes chamariam indecentes. Noentanto, resultava que olhava muita violncia, muitos crimes e muita imoralidade. Eutinha aceitado obscenidades, palavras indecentes e cenas de nudez com a condioque a indstria cinematogrfica no qualificasse o filme com uma marca pior do queR. Desta maneira eu deixava que aquelas pessoas mpias decidissem o que era bom e oque era mau. Minha cultura tinha ditado minhas normas para a diverso.

    A evoluo antes de DarwinOs romanos podiam deleitar-se em ver a seus colegas humanos mortos a espada oudespedaados pelas feras porque criam que o homem no era seno um animaldesenvolvido. A crena que os humanos tinham evoludo a sua forma atual no idias de agora. Tambm no nova a idia de que o universo chegou a existir s por

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    choques casuais de partculas de matria. Os romanos eruditos tinham muitas dasmesmas opinies que tm os cientistas de hoje. Um dos primeiros cristos escreveu:Algumas pessoas negam que exista um poder divino. Outros se perguntam cada diase um pudesse existir. E outros pensam que a matria do universo resultado deacidentes casuais e choques fortuitos, crendo que o universo tem sua forma pelo

    movimento de tomos de diferentes configuraes.17

    A palavra tomo no pertences ao sculo vinte. Essa palavra a inventaram os filsofos gregos.

    Lactncio tambm escreveu das crenas cientficas dos romanos de seu dia: H quemensine que os homens primitivos viviam como nmades nos bosques e nas plancies.No se uniam por lngua nem por lei. Ao invs, viviam nas grutas e nas cavernas,usando as folhas e ervas por cama. Serviam de presa para outros animais mais fortesdo que eles e para as feras. Com o tempo, os que sobreviveram procuraram acompanhia de outros homens para gozar de proteo. No princpio se comunicaram spor meio de sinais singelos; depois aprenderam a linguagem mais bsica. Pouco a

    pouco, deram nomes aos objetos e desenvolveram um sistema de comunicao

    18

    .A crena crist que todos os homens tiveram sua origem no primeiro casal significavaque todos eram irmos uma idia pouco aceita na cultura de ento. Assim, quandoensinavam a criao por Deus, os primeiros cristos no repetiam o que os demais nomundo criam. A verdade que os gregos e os romanos eruditos se burlavam dosprimeiros cristos por sua crena na criao Estes mesmos intelectuais aceitavam osescritos de qualquer outro grupo a respeito da origem do homem, por absurdo quefosse. Mas recusavam imediatamente os escritos dos judeus e dos cristos a respeitoda criao de Deus, sem importar-lhes que tais explicaes eram mais sensatas do queaquelas. 19

    Segundo os romanos, no se criaram iguais todos oshomens

    Quase todas as sociedades humanas mantiveram distines entre as classes sociais, eRoma no constitui exceo. Os romanos ricos desprezavam os pobres. Os livresdesprezavam aos escravos. Algumas profisses eram mais apreciadas que outras. Oscidados romanos criam superiores aos demais povos. Ainda os judeus tinham

    semelhantes distines entre eles. Outra vez, os primeiros cristos se opunham scorrentes culturais de seu dia. Seu ensino sobre a fraternidade de todos os homens eraverdadeiramente revolucionria.

    Escreveu Clemente: Deu [Deus] a seu prprio Filho a todos os homens, sem exceo,e criou todas as coisas para todo mundo. Portanto, todas as coisas se devemcompartilhar com todos e no devem os ricos apropriar-se de mais do que justo. Aspalavras: Possuo e tenho abundncia para poder desfrutar de minhas posses, no

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    convm nem para o indivduo nem para a sociedade. O amor fala dignamente: Tenhopara poder compartilhar com os que padecem necessidade... monstruosidade queuma pessoa viva em luxo, enquanto outras vivem em necessidade.20

    Um sculo depois Lactncio escreveu: Ante os olhos de Deus, no h escravo e no

    h amo. J que todos temos o mesmo Pai, todos somos igualmente seus filhos. No hpobre ante Deus seno aquele ao que lhe falta justia. No h rico exceto aquele queabunda nas virtudes A razo pela qual nem os gregos nem os romanos podiam criaruma sociedade justa era que mantinham tantas distines entre as classes. Tinha ricose pobres. Poderosos e humildes. Reis com grande autoridade e homens comunsCom tudo, algum dir: No verdade que entre os cristos h pobres e h ricos?No h amo os e escravos? No h sempre distines de pessoas? Mas a verdade que no h. Em verdade, chamamo-nos irmos porque cremos que todos somosiguais Ainda que as circunstncias fsicas dos cristos possam diferir, no vemos aningum como um escravo. Ao invs, falamos aos escravose tratamos dos

    escravoscomo irmos no esprito, amigos de Cristo.

    21

    O papel das mulheres na religio romanaO apstolo Paulo tinha escrito aos corntios: As mulheres estejam caladas nas igrejas;porque lhes no permitido falar; mas estejam submissas como tambm ordena a lei.E, se querem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus prprios maridos;porque indecoroso para a mulher o falar na igreja (1Corintios 14.34-35). E escreveua Timteo: A mulher aprenda em silncio com toda a submisso. Pois no permito

    que a mulher ensine, nem tenha domnio sobre o homem, mas que esteja em silncio.(1Timoteo 2.11-12).

    Em nenhum outro ponto se ataca s Escrituras hoje em dia tanto como em seu ensino arespeito do papel das mulheres na igreja. Com freqncia se diz que os apstolos e osprimeiros cristos singelamente reforavam as atitudes culturais de sua poca quantoao papel das mulheres na religio e na sociedade. Mas as mulheres romanas no seconheciam por seu carter submisso. Um romano disse: Ns reinamos sobre omundo, mas nossas mulheres reinam sobre ns.22

    Nas religies romanas, as mulheres tinham os mesmos papis que os homens. Sumassacerdotisas governavam em muitos templos pagos. Flix, o bacharel cristo,descreveu a religio dos romanos da seguinte maneira: H certos lugares onde nopode entrar nenhum homem. Em outros, no pode entrar nenhuma mulher. umdelito para um escravo presenciar certas cerimnias religiosas. Uns templos sogovernados por uma mulher com um esposo. Outros templos so governados por umamulher com muitos esposos.23 Alis, o personagem religioso mais proeminente das

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    terras mediterrneas da antigidade era o que dava ao orculo de Delfos (hoje a cidadede Castri). E o orculo era sempre regido por uma mulher.

    Se o papel da mulher fora somente uma questo de cultura, e no o ensino apostlico,esperaramos ver que as mulheres fizessem os mesmos papis tanto na igreja

    verdadeira como nos grupos herticos. Mas no foi assim. Na maioria dos gruposherticos, dava-se liberdade mulher para oficiar e ensinar. Tertuliano comentouassim sobre o papel das mulheres em tais grupos: Se atrevem a ensinar, disputar,jogar fora demnios, realizar previdncias, e talvez ainda batizar. 24Na seita herticamontanista, depois da morte de seu fundador, Montano, os dois dirigentes maisimportantes ambos foram mulheres: Maximilla e Priscila. De fato, a maioria dasprofecias e os novos ensinos desta seita surgiram das mulheres. Assim que, o excluirdas mulheres os papis de ensinar e oficiar na igreja definitivamente no era questode seguir cultura romana.

    Um momento, voc possa estar pensando. Talvez a igreja no seguia culturaromana nesta questo, mas claro que seguia cultura judaica.

    verdade que as mulheres eram excluam do sacerdcio judeu. Mas recordemos que osacerdcio judeu no tinha origem em nenhuma cultura humana. Deus o instituiu.Ademais, j em meados do segundo sculo, a grande maioria dos primeiros cristoseram gentis, e seguramente no seguiam a cultura judia. No guardavam o sbadocomo dia de repouso. No praticavam a circunciso. No seguiam as leis judias sobrea dieta, nem sobre as festas religiosas. No seguiam nenhum costume judeu a no serque coincidisse especificamente com o ensino cristo. A igreja primitiva singelamenteobedecia ao ensino apostlico a respeito do papel das mulheres na igreja, o mesmo

    como obedecia aos demais ensinos apostlicos. E isto o fazia em contrrio culturaromana. No a seguiam.

    As feministas e muitos telogos de hoje proclamam que a posio da igreja sobre opapel das mulheres se originou no desprezo pelas mulheres que tinham os apstolos eos demais lderes da igreja primitiva. Mas os escritos da igreja primitiva noconcordam com tal declarao. Por exemplo, Flix escreveu: Que saibam que todosos humanos nascem do mesmo modo, com capacidade e habilidade para raciocinar esentir, sem preferncia a nenhum sexo, idade, ou dignidade.25

    Clemente escreveu: Preciso que entendamos que a virtude do homem e da mulher a mesma. Porque se o Deus de ambos um, o mestre de ambos tambm um. Umaigreja, uma abnegao, uma modstia; sua comida uma, e o casal um jugo parelho.26

    Mas voltemos a ns na atualidade. Por que to importante hoje esta questo sobre opapel das mulheres na igreja. Ser porque achamos outros textos da Bblia que negamo ensino da Bblia que usamos? Ou ser porque nossa cultura est dizendo que os

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    papis das mulheres no devem distinguir-se da dos homens? Outra vez, quem nopode resistir cultura de seu dia ns ou os primeiros cristos?

    ser conservador igual que ser piedoso?

    Os cristos de hoje com freqncia se vangloriam de que so diferentes do mundo,mas em realidade usualmente so diferentes s de certo segmento do mundo.

    Os cristos liberais pretendem ser diferentes do mundo porque no participam daintolerncia, da guerra e da estreiteza de miras que tem o segmento conservador dasociedade. Mas a verdade que as atitudes e a vida dos cristos liberais diferem muitopouco dos liberais que no so cristos.

    A mesma coisa se v entre os evanglicos. Ns nos aferramos dos valoresconservadores da sociedade, e, portanto, dizemos que no estamos seguindo a correntede nossa cultura. Mas as atitudes conservadoras podem ser do mundo igual que as

    atitudes liberais. No verdadeiro que tenha mudado nosso pensamento sobre odivrcio, as diverses, e outras coisas semelhantes, conformando-se ao pensamento denossa cultura?

    Na realidade, h pouca diferena espiritual entre moldar a vida de acordo ao segmentoconservador da sociedade e moldar a vida de acordo ao segmento liberal. De todos osmodos, estamos seguindo ao mundo. O que conservador hoje era liberal faz poucosanos.

    Bem recordo uma conversa que tive com um apresentador de discos de uma emissora

    rdia. Era o ano 1969, e o apresentador tinha a seus trinta anos. Discutimos osproblemas que sobressaam nessa poca a discriminao racial, a brutalidadepolicial, as drogas e a guerra no Vietnam. Tendo conhecido seu programa de rdio,surpreendi-me de inteirar-me de que ele se aferrava ainda a atitudes muitoconservadoras. Ao fim, comentei:

    Voc um de direita de verdade, no? Ele se sorriu e replicou:

    No, nem sequer sou conservador. Sou um verdadeiro moderado. Fez umapausa, contemplando minha cara perplexa, antes de seguir que a sociedade semoveu. Nesse momento, no prestei muita ateno as suas palavras, crendo que elenada mais se estava justificando a si mesmo. Mas seu comentrio me ficou gravado namente. Agora vejo que na verdade tinha razo. E a sociedade ainda est movendo-se.S nos estamos enganados se cremos que ser conservador equivale a ser piedoso.

    A realidade que a igreja do sculo vinte se casou com o mundo. As atitudes, o estilode viver, e os dilemas do mundo so as atitudes, o estilo de viver, e os dilemas daigreja. RussTaff, um cantor cristo popular, faz pouco comentou com bastante

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    franqueza sobre o cristianismo atual: Os cristos procuram a conselheiros, os cristostm problemas familiares, e os cristos se voltam alcolicos. A nica diferena entreos crentes e os incrdulos nossa f singela num Deus Criador, que nos ama e nosajuda cada dia. Creio que a anlise de Russ Taff est no correto. Mas tambm creioque um comentrio muito triste sobre o estado do cristianismo de hoje em dia.

    Nos primeiros sculos, os primeiros cristos eram muito diferentes do mundo em queviviam. Seu estilo de vida servia como seu depoimento principal. Mas por que podiameles viver sem seguir a sua cultura, quando ns achamos que muito difcil viver semseguir a nossa? Que poder tinham eles que nos falta a ns?

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    Captulo 5 Por que tiveram sucesso os primeiroscristos?

    Faz uns anos, quando eu comecei a estudar os escritos dos primeiros cristos, meuinteresse primordial era seguir o desenvolvimento histrico da doutrina crist.

    Comecei a tarefa como estudante da histria. No me ocorreu de que o que iria ler meinspiraria e me mudaria. Mas no resultou como eu tinha pensado. Logo cedo odepoimento e a vida dos primeiros cristos me comoveram profundamente. Isso oque significa a entrega total a Cristo, disse a mim mesmo. Entre meus colegascristos, muitos me tinham como um cristo com uma entrega a Cristo mais do queordinria. Doeu em mim dar-me conta de que na igreja primitiva me teriam tido porcristo dbil, com um p no mundo.

    Quanto mais lia, mais me encheu o anseio de desfrutar a comunho com Deus que osprimeiros cristos desfrutavam. Quanto desejava poder desfazer-me dos afs destemundo como eles tinham feito! Quanto desejava moldar minha vida e minhas atitudesde acordo ao exemplo de Cristo no de acordo ao mundo do sculo vinte. Massentia que no tinha nenhum poder para faz-lo. Por que podiam eles fazer o que euno podia fazer? Comecei a procurar a resposta a esta pergunta em seus escritos.Pouco a pouco vi trs pontos:

    O apoio dos irmos da igreja primitiva

    A mensagem da cruz

    A crena que o homem compartilha com Deus a responsabilidade para a obedincia

    Como a igreja primitiva fomentou o desenvolvimento espiritualde cada cristo

    Nenhum homem uma ilha,1 escreveu o poeta ingls do sculo dcimo sexto. Oshomens somos por natureza seres sociveis. Por isso nos to difcil opor-nos corrente de nossa cultura. Mas outros o fizeram. A verdade que muitas pessoasrecusaram os valores e o estilo de vida de sua cultura. Temos um bom exemplo distono movimento hippie da dcada de setenta. Nesses anos, milhares de jovens a

    maioria deles da classe mdia recusaram o materialismo e as modas da sociedade eseguiram outro caminho. Por que estes jovens puderam romper com a sociedade eseparar-se do seu estilo de vida? A resposta a entendemos quando nos damos conta deque no eram em realidade inconformistas. Singelamente se conformavam a outracultura que eles mesmos criaram. E todos se apoiavam os uns aos outros. Isto era umdos segredos dos primeiros cristos. Eles conseguiram recusar as atitudes, prticas ediverses mpias de sua cultura porque se conformaram a outra cultura. Milhares emilhares de cristos se uniram e todos compartilharam os mesmos valores, as mesmas

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    atitudes, e as mesmas normas para a diverso. Tudo o que o cristo individual tinhaque fazer era conformar-se. Conformava-se com o corpo de crentes. Sem o apoio daigreja primitiva, teria sido bem mais difcil manter uma vida piedosa.

    Cipriano observou: Corta um ramo da rvore, e j no poder brotar mais. Corta o

    riacho de seu manancial, e cedo se secar.

    2

    Mas os primeiros cristos no trataram de legislar a justia, ainda que muitos gruposcristos desde ento trataram de faz-lo. Ao invs, dependeram do ensino so e doexemplo de retido para produzir a justia. Os grupos religiosos que dependem s demuitas normas detalhadas para produzir a santidade pessoal podem resultarproduzindo muito bem o farisasmo. Por isso, a igreja primitiva destacou anecessidade de mudar comeando desde o corao. Consideravam que o externo nadavalia, a no ser que refletisse o que sucedia dentro da pessoa.

    Clemente o explicou desta forma: Deus no coroa queles que se abstm do mau spor obrigao. impossvel que uma pessoa viva dia depois de dia de acordo justiaverdadeira exceto de sua prpria vontade. O que se faz justo sob obrigao de outrono justo em verdade a liberdade de cada pessoa a que produz a verdadeirajustia e revela a verdadeira maldade.3

    Por exemplo, apesar do ensino da igreja primitiva a respeito do vestir singelo, noexigiram que o cristo individual se vestisse de uma maneira especial ou distintiva. Eos primeiros cristos no todos se vestiram igual. Ainda que os primeiros cristos seopuseram aos cosmticos, nem todas as mulheres crists deixaram de us-los. Outroscristos passaram por alto o conselho dos ancios da igreja primitiva e assistiram ao

    teatro e areia, e a igreja no os castigou por sua desobedincia. No entanto, o mtododa igreja dava resultado. Ainda os mesmos romanos testemunhavam que a maioria dosprimeiros cristos seguiram as guias da igreja em tais assuntos.4

    De fato, a igreja primitiva pde ensinar por meio do exemplo eficazmente s se amesma igreja se conformou aos ensinos de Cristo. De outra maneira, o exemplo daigreja primitiva serviria de tropeo e no de ajuda. Por exemplo, qual seria a atitudedos demais cristos hoje para um que se fizesse deveras pobre para ajudar a outros?Ou para um que se vestisse com toda singeleza e modstia, sem tomar em conta amoda? Ou que no mostrasse nada de interesse nos esportes violentos da atualidade,

    ou que recusasse olhar a televiso e assistir aos cinemas quando estes se concentramna imoralidade ou quando recebem seu teor de palavras indecentes e violnciagrfica? Sejamos verdadeiros. Tal pessoa seria tida por fantico! Agora mais, se umgrupo inteiro de cristos vivesse desta maneira provavelmente se lhes qualificariacomo uma seita muito rara. Enfim, a igreja do sculo vinte veria a tais cristos damesma maneira que os romanos viam aos primeiros cristos. Se um cristo atualvivesse como os primeiros cristos, teria que ser na verdade um inconformista. E voltoa dizer que muito difcil ser um inconformista.

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    Pastores da igreja primitiva, graduados da escola davida

    A entrega a Cristo de todos os primeiros cristos da igreja primitiva reflete a qualidadede seus lderes. A maioria das igrejas evanglicas de hoje em dia esto governadas por

    um pastor em unio com uma junta de ancios e uma junta de diconos. Normalmente,o pastor teve sua preparao profissional ou at recebeu seu ttulo de um seminrio,mas no foi criado na igreja que o chama a ser pastor. Com freqncia no temnenhum poder de governar na igreja exceto o poder da persuaso.

    A junta de ancios ou a de diconos, em geral, forma-se de homens que trabalhamuma jornada completa em empregos seculares. Administram os programas e osassuntos financeiros da igreja e muitas vezes fixam at a poltica da igreja. Mas decostume ningum corre a eles para receber conselhos espirituais. No so os pastoresdo rebanho espiritual. Sim, usamos os mesmos nomes para os lderes da igreja comoos que usavam os primeiros cristos. Falamos de ancios e de diconos. Mas narealidade o mtodo de governar nossas igrejas difere muito do mtodo das igrejasprimitivas. Em vez de ter um pastor preparado profissionalmente, entre eles os anciostodos eram pastores que dedicavam seu tempo obra da igreja. O ancio maior deidade ou talvez o mais capacitado servia como o presidente dos ancios.Geralmente selhe chamava o bispo ou o supervisor da congregao. Nem o bispo nem os ancioseram desconhecidos, trazidos congregao de outra parte. Normalmente tinhampassado muitos anos na congregao. Todos conheciam seus pontos fortes e tambmseus pontos fracos.

    Ademais, no se preparavam para servir como bispos ou ancios por meio de estudar

    num instituto bblico ou seminrio, enchendo suas cabeas de cincia. A congregaono procurava tanto uma cincia profunda seno uma espiritualidade profunda. Assuas vidas eram para Deus. Tinham dado j por anos um bom exemplo a outroscristos? Estavam dispostos at a dar sua vida por Cristo? Como Tertuliano disse aosromanos: Nossos ancios so homens provados. Obtm sua posio no por umsalrio, seno por firmeza de carter.5

    Naquele tempo no tinha seminrios. Um homem aprendia o necessrio para servircomo ancio na escola da vida. Recebia sua preparao dos ancios com maisexperincia. Aprendeu como estar com Deus e pastorear na igreja por observar e

    imitar seu exemplo. Recebeu a experincia prtica guiado por eles, e no teve quefazer tudo perfeitamente. Tinha que ser capaz de ensinar por meio de seu exemplotanto como por meio de sua palavra. De outra maneira no seria chamado jamais paraser ancio ou bispo.

    Lactncio explicou a diferena entre os mestres cristos e os pagos assim:

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    Falando daquele que ensina os fundamentos da vida e molda a vida de outros, fao apergunta: No necessrio que ele mesmo viva de acordo com os fundamentos queensina? Se no vive de acordo com o que ensina, seu ensino resulta nula Seu alunolhe contestar assim: No posso fazer o que voc me ensina, porque impossvel.Ensina-me a no me enojar. Ensina-me a no cobiar. Ensina-me a no olhar de luxo.

    Ensina-me a no temer o sofrimento e a morte. Mas tudo isto est muito contrrio natureza. Todos os homens sentem estes desejos. Se voc est convicto de que possvel viver contrrio aos desejos naturais, primeiro permita-me ver seu exemplopara que eu saiba que em verdade possvel.Como poder [o mestre] tirar estepretexto dos obstinados, a no ser com seu exemplo? S assim podero seus alunosver com seus prprios olhos que o que ensina em verdade possvel. por issomesmo que ningum vive de acordo com os ensinos dos filsofos. Os homenspreferem o exemplo a s palavras, porque fcil falar mas difcil atuar6.

    Numa de suas cartas, Cipriano descreve a maneira em que as igrejas primitivas

    escolhiam a um ancio ou bispo novo: Ser escolhido na presena de todos, sob aobservao de todos, e ser provado digno e capaz pelo juzo e depoimento de todos.Para ter uma ordenao apropriada, todos os bispos das demais igrejas da mesmaprovncia devem reunir-se com a congregao. O bispo deve ser escolhido na presenada congregao j que todos conhecem a fundo sua vida e seus hbitos7.

    Uma vez escolhido um ancio ou bispo, pelo geral ficava nessa congregao por todasua vida, a no ser que a perseguio lhe obrigasse a transladar-se a outra parte. Noservia uns trs ou quatro anos s para transladar-se a outra congregao maior ondelhe podiam pagar melhor. E como disse anteriormente, no s o bispo seno bem maistodos os ancios dedicavam todo seu tempo a seu trabalho como pastor e mestre.Dedicavam-se totalmente ao rebanho. Esperava-se de que deixassem qualquer outroemprego, a no ser que a congregao fosse muito pequena para sustent-los.

    Temos cpias de vrias cartas enviadas entre duas congregaes quando surgiu apergunta de que fazer quando um ancio foi nomeado como executor testamentrio notestamento de um cristo defunto. Sob a lei romana, no tinha sada para o que foinomeado como executor testamentrio. Tinha que servir, quisesse ou no quisesse. Eo trabalho podia exigir muito tempo. O ancio que escreveu a carta se escandalizou deque um cristo nomeasse um ancio como executor testamentrio, porque essesdeveres lhe tirariam o tempo de sua obra como pastor. De fato, todos os ancios se

    escandalizaram.8

    Imagine o cuidado espiritual que receberam os primeiros cristos de seus pastores. Emcada congregao de ento tinha vrios ancios cuja nica preocupao era o bem-estar espiritual de sua congregao. Com tantos pastores trabalhando o tempo todo nacongregao, cada membro sem dvida recebeu o mximo de atendimento pessoal.

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    Mas para servir como ancio ou bispo na igreja primitiva, um homem tinha que estardisposto a deixar tudo por Cristo. A primeira coisa que deixava era suas possesmateriais. Deixava seu emprego e o salrio com que sustentava a sua famlia. E no odeixava para depois receber um bom salrio da congregao. De jeito nenhum. S oshereges pagavam um salrio a seus bispos e ancies. Nas igrejas primitivas os ancios

    recebiam o mesmo que recebiam as vivas e os rfos. Usualmente, recebiam ascoisas necessrias para a vida, e muito pouco a mais. 9

    Mas sacrificavam esses ancios mais do que s as coisas materiais do mundo. Tinhamque estar dispostos de ser os primeiros em sofrer encarceramentos, torturas, e at amorte. Muitos dos escritores que cito neste livro eram ancies ou bispos, e mais dametade deles sofreram o martrio: Incio, Policarpo, Justino, Hiplito, Cipriano,Metdio e Orgenes. Com tal entrega de parte de seus lderes, no difcil ver por queos cristos ordinrios dessa poca se dedicaram a estar com Deus e a evitar a normado mundo.

    Os primeiros cristos, um povo da cruzNingum quer sofrer. H pouco tempo li um relatrio da opinio do povo americano arespeito do dficit nacional. Quase todos os que davam sua opinio desejavam que serebaixasse o dficit. Mas ao mesmo tempo, 75 por cento se opuseram a qualqueraumento dos impostos ou a qualquer corte dos gastos. Em outras palavras, queriambaixar o dficit sem sofrer.

    Sem sofrer! Tambm desejamos um cristianismo que no requer sofrimento. MasJesus disse a seus discpulos: O que no toma sua cruz e segue em por trs de mim,no digno de mim. O que acha sua vida, a perder; e o que perde sua vida por causade mim, a achar (Mateus 10.38-39). Apesar destas palavras do Senhor, no muitosquerem falar hoje da cruz. Quando pregamos o evangelho aos incrdulos, raramentefalamos das palavras de Cristo a respeito de tomar cada pessoa sua cruz. Ao invs,deixamos a impresso que depois de aceitar a Cristo, a vida ser para sempre umdeleite.

    Na igreja primitiva, os crentes ouviram outra mensagem: ser cristo os envolveria emsofrimento. So tpicas as seguintes palavras de Lactncio: O que escolhe viver bemna eternidade, viver em desconforto aqui. Ser oprimido por muitas classes deproblemas e cargos enquanto viva no mundo, para que no fim receba a consolaodivina e celestial. Da outra maneira, o que escolhe viver bem aqui, sofrer naeternidade.10 Jesus tinha feito um contraste parecido entre o caminho estreito eestreito que conduz vida, e o caminho largo e espaoso que conduz destruio(Mateus 7.13-14).

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    Incio, bispo de Antioquia e um colega do apstolo Joo, foi preso por seudepoimento cristo. Enquanto viajava rumo a Roma para seu juzo e martrio,escreveu cartas de nimo e exortao vrias congregaes crists. A uma congregaoescreveu: Portanto, necessrio no s que um seja chamado cristo, seno que sejaem verdade um cristo Se no est disposto a morrer da mesma maneira em que

    morreu Cristo, a vida de Cristo no est em ele11

    (Joo 12.25). A outra escreveu:Que tragam o fogo e a cruz. Que tragam as feras. Que rompam e se desloquem meusossos e que cortem os membros de meu corpo. Que mutilem meu corpo inteiro. Emverdade, que tragam todas as torturas diablicas de Satans. Que permitem s quealcance a Jesus Cristo Quisesse morrer por Jesus Cristo mais do que reinar sobre osfins do mundo inteiro.12 Poucos dias depois de escrever estas palavras, Incio foilevado ante um gentio que gritava na areia de Roma, onde lhe despedaaram as feras.

    Quando um grupo de cristos de sua congregao apodrecia numa masmorra romana,Tertuliano os exortou com estas palavras: Benditos, estimem o difcil em sua vida

    como uma disciplina dos poderes da mente e do corpo. Cedo vo passar por uma lutanobre, na qual o Deus vivente seu gerente e o Esprito Santo seu treinador. O prmio a coroa eterna de essncia anglica cidadania no cu, glria sempiterna.Tambm lhes disse: O crcere produz no cristo o que o deserto produz no profeta.Ainda nosso Senhor passou muito tempo a ss para que tivesse maior liberdade naorao e parado que se afastasse do mundo A perna no sente a corrente quando amente est no cu13.

    Mas a maioria dos crentes no precisava nenhuma advertncia sobre o que pudessemter que sofrer. Eles mesmos o tinham visto. Em verdade, isto mesmo o exemplo demilhares de cristos que preferiam suportar o sofrimento e a morte do que negar aCristo chegou a ser um dos mtodos mais poderosos do evangelismo.

    Em sua primeira apologia, Tertuliano recordou aos romanos que sua perseguioservia s para fortalecer aos primeiros cristos. Quanto mais nos perseguem vocs,mais crescemos ns. O sangue dos cristos uma semente E depois de meditarnisso, quem ter entre vocs que no quisesse entender o segredo dos cristos, edepois de inquirir, quem ter que no abrace nosso ensino? E quando a tenhaabraado, quem no sofrer a perseguio de boa vontade para que tambm participeda plenitude da graa de Deus?14

    Hoje h quem fala do evangelho completo. Para eles isto significa ser pentecostalou carismtico. No obstante, um dos problemas em nossas igrejas hoje que quasenunca ouvimos a pregao do evangelho completo sejamos ou no sejamoscarismticos. Ouvimos s das bnos do evangelho; poucas vezes ouvimos amensagem de sofrer por Cristo.

    Estamos to afastados da mensagem da igreja primitiva que nem sequer entendemos oque significa sofrer por Cristo. Faz poucos anos escutei um sermo sobre o seguinte

  • 7/30/2019 igrejaprimitivaXaigrejaatual

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