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Revista de Estudos da Religião Nº 3 / 2003 / pp. 1-29 ISSN 1677-1222 Imagens e Devoções no Catolicismo Brasileiro. Fundamentos Metodológicos e Perspectivas de Investigações José Rogério Lopes * A imagem [...] atua no duplo registro (‘dupla realidade’) de uma presença e de uma ausência ”. Jacques AUMONT (1995, p.120) A afirmação de Aumont, quando aceita, implica em reconhecer um importante aspecto metodológico nas investigações da relação entre imagens e devoções religiosas. Poderia formular esse aspecto na forma da seguinte hipótese: as imagens religiosas, quando inseridas em uma relação devocional, não somente representam uma ausência que se reconhece através dela (o que ela evoca), mas simbolizam uma forma que se explicita pela sua própria presença. Ou seja, toda imagem religiosa tem um registro para si e em si. Entretanto, antes de aprofundar essa relação é importante realizar o reconhecimento do escopo significativo do termo imagem. A palavra imagem comporta diversos significados, conforme se passe do tradicional dicionário a suas expressões mais especificamente apropriadas - considerando a ambigüidade do termo apropriação: verbal (apropriar: tomar como propriedade) ou substantiva (apropriado: adequado ou próprio). O dicionário a apresenta: “ Imagem. S. f. 1. Representação gráfica, plástica ou fotográfica de pessoa ou objeto. 2. Restr. Representação plástica da Divindade, de um santo, etc. 3. Restr. Estampa, geralmente pequena, que representa um assunto ou motivo religioso. 4. Fig. Pessoa muito famosa. 5. Reprodução invertida, de pessoa ou objeto, numa superfície refletora ou refletidora. 6. Representação dinâmica, cinematográfica ou televisionada, de pessoa, animal, objeto, cena, etc. 7. Representação exata ou analógica de um ser, de uma coisa; cópia. 8. Aquilo que evoca determinada coisa, por ter com ela semelhança ou relação simbólica. 9. Representação mental de um objeto, de uma impressão, etc.; lembrança, recordação. 10. Produto da imaginação, consciente ou inconsciente. 11. Manifestação * Doutor em Ciências Sociais (PUC-SP), Professor de Antropologia e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas de Práxis Contemporâneas, Universidade de Taubaté, SP. www.pucsp.br/rever/rv3_2003/p_lopes.pdf 1

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    Imagens e Devoes no Catolicismo Brasileiro.Fundamentos Metodolgicos e Perspectivas de

    InvestigaesJos Rogrio Lopes*

    A imagem [...] atua no duplo registro (dupla realidade) de uma presena e de uma ausncia.

    Jacques AUMONT (1995, p.120)A afirmao de Aumont, quando aceita, implica em reconhecer um importante aspectometodolgico nas investigaes da relao entre imagens e devoes religiosas. Poderiaformular esse aspecto na forma da seguinte hiptese: as imagens religiosas, quandoinseridas em uma relao devocional, no somente representam uma ausncia que sereconhece atravs dela (o que ela evoca), mas simbolizam uma forma que se explicita pelasua prpria presena. Ou seja, toda imagem religiosa tem um registro para si e em si.Entretanto, antes de aprofundar essa relao importante realizar o reconhecimento doescopo significativo do termo imagem. A palavra imagem comporta diversos significados,conforme se passe do tradicional dicionrio a suas expresses mais especificamenteapropriadas - considerando a ambigidade do termo apropriao: verbal (apropriar: tomarcomo propriedade) ou substantiva (apropriado: adequado ou prprio).O dicionrio a apresenta: Imagem. S. f. 1. Representao grfica, plstica ou fotogrfica depessoa ou objeto. 2. Restr. Representao plstica da Divindade, de um santo, etc. 3. Restr.Estampa, geralmente pequena, que representa um assunto ou motivo religioso. 4. Fig.Pessoa muito famosa. 5. Reproduo invertida, de pessoa ou objeto, numa superfcierefletora ou refletidora. 6. Representao dinmica, cinematogrfica ou televisionada, depessoa, animal, objeto, cena, etc. 7. Representao exata ou analgica de um ser, de umacoisa; cpia. 8. Aquilo que evoca determinada coisa, por ter com ela semelhana ou relaosimblica. 9. Representao mental de um objeto, de uma impresso, etc.; lembrana,recordao. 10. Produto da imaginao, consciente ou inconsciente. 11. Manifestao

    * Doutor em Cincias Sociais (PUC-SP), Professor de Antropologia e pesquisador do Ncleo Interdisciplinar dePesquisas de Prxis Contemporneas, Universidade de Taubat, SP.

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    sensvel do abstrato ou do invisvel. 12. Metfora. 13 Opt. Conjunto de pontos no espao,para onde convergem, ou de onde divergem, os raios luminosos que, originados de umobjeto luminoso ou iluminado, passam atravs de um sistema ptico (NOVO DICIONRIOFOLHA/AURLIO, 1995).V-se que a variao semntica da palavra remete em sua maioria a significados figurados,sendo seus significados restritivos exclusivamente religiosos e seu significado aplicadoexclusivamente ptico.

    Mais til a esta discusso, porm, seria a possibilidade de circunscrever tais significados emuma tipificao, considerando o contexto expressivo em que se situam. Assim, uma releiturados verbetes permite explicitar trs dimenses tpicas expressivamente distintas: real(visual), simblica e processual. Os limites destas expresses podem ser mantidosconceitualmente, considerando-se seus parmetros comumente estabelecidos. Ocorre que,em determinada contextualizao, estas expresses admitem intersees ecomplementaridades em seus movimentos, produzindo fenmenos de apreensocomplexos.

    Este o sentido dos significados figurados descritos nos verbetes 7 e 8 do Dicionrio. Arepresentao de um ser ou a produo de sua cpia, como a evocao de umadeterminada coisa ou classe de objetos, variam enormemente conforme consideremostempos histricos diferentes, e mesmo culturas distantes entre si, com poucos contatos outrocas. Como a cultura condiciona a viso de mundo do homem (LARAIA, 1997), pode-seafirmar que suas imagens so produzidas na mesma razo que se opera nessecondicionamento.

    Pode-se ainda questionar a lgica enunciada nos verbetes: o que a representao exatade um ser? Seria um conjunto de descries objetivas das caractersticas fsicas aparentesou uma descrio subjetiva de seu carter? Que imagem pode evocar semelhana ourelao simblica com uma determinada coisa e como ela pode ser partilhada por pessoasque tm relaes diferenciadas com a mesma coisa?

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    Da mesma forma, o verbete 9 remete a uma apreenso semelhante: a representao mentalde um objeto produto dos estmulos sensveis que conscientemente aproprio de tal objeto,ou daqueles que ele projeta sobre mim, indiscriminadamente? Ou, ainda, ela opera porcircularidade?

    De uma outra apreenso possvel dos verbetes, a imagem pode ser caracterizada pelosprocessos que a configuram: termos como representao, evocao, reproduo, produto doimaginrio, manifestao, efeito luminoso, mostram que as perguntas anteriores podem terrespostas diferentes, segundo o estudo da imagem seja analisado por um ou outro processo(FELDMAN-BIANCO e LEITE, 1998). Em geral, porm, imagem e representao sopropriamente sinnimos de um ou vrios fenmenos semelhantes. Tanto na evocao,produo, reproduo ou manifestao, quanto em sua representao, est latente aquelaafirmao inicial de Aumont.

    Assim, a duplicidade caracterstica da imagem circunscreve uma dada formao sensvel dopensamento, uma capacidade de imaginar coisas distintas dos objetos existentes, comotambm uma necessidade de visualizao, determinada pela presena de objetos, pelaapreenso de suas propriedades ou pela ausncia de sua manifestao. Essa formaosensvel do pensamento Francastel (1993) denominou pensamento plstico, emcontraposio ao pensamento verbal.

    O histrico dessa discusso longo e remete a uma tradio que se inicia na antigidadeClssica. Imagem (gr. (...), lat. Imago; in. Image; fr. Image; al. Einbildung; it. Immagine)Semelhana ou sinal das coisas, que pode conservar-se independentemente das coisas.Aristteles dizia que as I. so como as coisas sensveis, s que no tm matria (De na. III,8, 432 a 9). Neste sentido a I. : 1. produto da imaginao; 2. sensao ou percepo,vista por quem a percebe. Neste segundo significado, esse termo usado constantementetanto pelos antigos quanto pelos modernos. Os esticos distinguiam os dois significadosempregando duas palavras diferentes: denominam imaginao (...) a I. que o pensamentoforma por sua conta, como acontece nos sonhos, e I. (...) a marca que a coisa deixa naalma, marca que uma mudana da prpria alma. A I. propriamente dita aquilo que impresso, formado e distinto do objeto existente, que se conforma sua existncia e por isso o que no seria se o objeto no existisse (DIG. L., VII, 50). Desse ponto de vista, as I.podem ser sensveis e no sensveis (como as das coisas incorpreas); racionais ou

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    irracionais (como as dos animais) e artificiais ou no artificiais (DIG. L., VII, 51). Conceitoigualmente geral da I. era o dos epicuristas, que admitiam a verdade de todas as I.porquanto produzidas pelas coisas: pois o que no existe no pode produzir nada (DIG. L.,X, 32).Esses conceitos passaram para a Idade Mdia e foram utilizados com fins teolgicos, paraesclarecer a relao entre a natureza divina e a natureza humana (cf. p. ex., S. Toms, S.Th., I, q. 95). Na filosofia moderna, foram retomados por Bacon (De augm. Scient., II, 1, 5)e Hobbes; para este, a I. ato de sentir e s difere da sensao assim como o fazer diferedo fato(De corp., 25, 3). Mas, em filosofia, o termo I., em seu significado geral, comeou aperder terreno para idia, em Descartes, e representao em Wolff. A preferncia por essesdois termos persiste na filosofia contempornea, que s lana mo do termo I., em seu 2significado, quando quer acentuar o carter ou a origem sensvel das idias ourepresentaes de que o homem dispe. o que faz, p. ex., Bergson: Vamos fazer deconta, por um instante, que nada sabemos das teorias sobre a matria e sobre o esprito,que nada sabemos sobre as discusses acerca da realidade ou da idealidade do mundoexterno. Estaremos ento em presena da I. no sentido mais vago em que se possa tomaressa palavra, I. percebidas quando abro meus sentidos, no percebidas quando fecho(Matire et mmoire, cap. 1)(ABBAGNANO, 1998, p. 537).V-se, na anlise do filsofo, que o termo imagem perde significao em decorrncia dosdebates acerca de sua ambigidade conceitual. Porm, como sugere Manuela Saraiva, aessncia de tal debate est estruturada mais em sua aplicao no que em sua semntica.O termo aplica-se a duas realidades diferentes: a) produto ou resultado de um fenmenopsquico que consiste na representao das coisas sensveis, na ausncia destas; b) classede objectos, geralmente de natureza artstica, que funcionam como substituto, reproduo,evocao ou recriao de coisas reais ou de realidades espirituais. No sentido de a) umalonga tradio criou a expresso de imagem mental; no sentido de b) a correntefenomenolgica fala de objecto-imagem (Bildobjekt) (SARAIVA, 1990, p. 1328-29).Aqui, o duplo registro da ausncia e da presena se manifesta mais claramente, tratando-sede definir o estatuto de realidades diferentemente representadas pela imagem. Mais ainda,trata-se de definir o lugar de produo ou conservao da imagem, como dado concretoou abstrato.

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    Neste sentido que o debate se acirra, sobretudo com a crtica de Husserl e Sartre1 noode imagem mental que, segundo eles, implicaria que a imagem existiria no interior daconscincia como um quadro numa sala. Visando superar alguns pressupostos presentesneste debate, uma perspectiva atualizada da concepo de imagens mentais fornecidapor Aumont: A discusso sobre as imagens mentais pode ser assim resumida: uma vez quenumerosas experincias e a introspeco usual evidenciam a existncia de imagensinternas em nosso pensamento, como conceber essas imagens? So elas (posiopicturalista) verdadeiras imagens no sentido de que, ao menos parcialmente e para algumasdelas, representam a realidade no modo icnico? Ou so elas (posio descricionalista)representaes mediatas que se assemelham s representaes verbais? A querela maissutil do que as palavras imagem e linguagem parecem supor, pois todo mundo concordaque no se trata de imagens no sentido cotidiano, de fenmeno, da palavra. Talvez uma dasmaneiras mais esclarecedoras de exp-la seja esta: imagem mental aquilo que, emnossos processos mentais, no pode ser imitado por um computador que utiliza informaobinria. A imagem mental no portanto uma espcie de fotografia interior da realidade,mas uma representao codificada da realidade (mesmo que esse cdigos no sejam osdo verbal) (AUMONT, 1995, p. 117-18).Nem representaes icnicas, nem representaes verbais, mas representaescodificadas. O que significa tal afirmao? Em princpio, que desconhecemos o processomental de produo dessas imagens internas2. O apelo idia de representaocodificada implica que o pensamento possui uma capacidade de imaginar (e codificar asimagens) em uma escala intersticiria entre os cdigos socialmente arbitrados ecotidianamente intercambiados. Todavia, sentimos regularmente o peso da cultura, quecondiciona nossa viso de mundo, nos impelindo a traduzir estas representaescodificadas em cdigos inteligveis e partilhveis socialmente.

    1 Veja-se sobretudo, de Sartre, La imagination (1936) e Limaginaire. Psychologie phnomenologique delimagination (1940).2 Cabe esclarecer que a noo de imagens mentais, como o prprio Aumont afirma, no equivale ao conceitode imagens inconscientes, elaborado na teoria psicanaltica, sobretudo em Freud e Lacan.

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    Quando os estudiosos de fenmenos que se produzem a partir da imagem, ou queproduzem imagens, discutem seus fundamentos, esse condicionamento se explicita pelasassociaes que podem ser elaboradas entre planos abstratos e concretos de relaes oude identificaes com as imagens. Vejamos um exemplo.Debray (1986), ao buscar a etimologia da palavra, escava os nveis profundos de seusignificado. Assim como Mora (1986), que associa a etimologia de imagem com osvocbulos gregos traduzidos como dolo e dolos, aquele autor escreve: dolo vem deedolon que significa fantasmas dos mortos, espectro e, somente em seguida, imagem,retrato. O edolon arcaico designa a alma do morto que sai do cadver sob a forma de umasombra imperceptvel, seu duplo, cuja natureza tnue, mas ainda corporal, facilita afigurao plstica. A imagem a sombra; ora, a sombra o nome comum do duplo. Assim,como nota Jean-Pierre Vernant, o vocbulo tem trs acepes concomitantes: imagem dosonho(onar), apario suscitada por um deus (phasma), fantasma de um defunto (psych)(DEBRAY, 1994, p. 23).Para alm das acepes que se fundem no termo, Debray afirma o desenvolvimento geralde sua aplicao: inicialmente, significa fantasmas dos mortos, espectro e, somente emseguida, imagem, retrato. Significados que se mantero prximos, contudo, pela suaassociao original: a imagem nasce com a morte (Idem., p. 22) e torna-se o lugar ondese guarda a lembrana daquele que morreu, de onde se evoca o que se foi, o que no estmais visvel.

    No desenvolvimento geral da aplicao do termo imagem, o autor aponta para suafinalidade: tornar-se visvel e, nesse processo, representar algo3.

    Ora, estamos aqui diante da associao original entre imagem e representao, como omesmo Debray sugere: Em lngua litrgica, representao designa um caixo vazio sobreo qual se estende uma mortalha para uma cerimnia fnebre. E Littr acrescenta: Na IdadeMdia, figura moldada e pintada que, nas obsquias, representava o defunto. Trata-se a deuma das primeirssimas acepes do termo (Idem., p. 24).V-se, aqui, o mesmo desenvolvimento geral de aplicao do termo imagem: inicialmente,designa um lugar; posteriormente, uma representao figurada que substitui o lugar, ou se

    3 Das acepes que apreende de Vernant, porm, sugestiva a indicao que o significado profundo deimagem equivale ao de psych.

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    associa com ele. A representao no seria, assim, mais restrita que a imagem em seusignificado talvez, em sua aplicao.

    Em suas acepes iniciais, os termos imagem e representao j esto muito prximos.Desta perspectiva, seria errneo afirmar que o termo imagem perde terreno (...) pararepresentao, como o fez Abbagnano. Mais correto seria afirmar que o termorepresentao, durante muito tempo secundarizado pela filosofia e pela cincia, passa poruma ressemantizao na modernidade, devido ao renascimento da discusso sobre oimaginrio, no sculo XX.

    Seguindo a lgica externalista do pensamento cientfico, o termo modifica-se por pressodas reflexes sobre a alteridade, mas tambm porque a necessidade que move aracionalidade ocidental, de incluir a diferena num processo de homogeneizaogeneralizante de seus pressupostos convencionados como lgicos, primeiro atravs dacolonizao que inclua a expropriao do outro e a sua converso ao cristianismo depois, pela imposio da lgica do mercado e, finalmente, pela lgica da cincia. Frente descoberta de modos alternativos de simbolizar fenmenos diversos em culturas diferentesda sociedade ocidental e penalizao das que reagiam contra a ocidentalizao (LVI-STRAUSS, 1985) durante muito tempo desenrola-se uma verdadeira guerra das imagens(GRUZINSKI, 1995) tornou-se necessrio elaborar significados abrangentes para oimaginrio, capazes de absorver o potencial simblico dessas culturas.

    Com as reflexes mais seriamente desenvolvidas nesse processo, chega-se a importantescontribuies epistemolgicas sobre a questo. Sem tirar o mrito de vrios pensadores,citarei duas contribuies importantes para esta anlise: primeiramente, o adjetivo imaginriotorna-se substantivo, pelo pensamento de Bachelard: O vocbulo fundamental quecorresponde imaginao no imagem, imaginrio. O valor de uma imagem se medepela extenso da sua aurola imaginria (BACHELARD, 1992, p. 7)4.Essa reflexo, no conjunto da obra, implica uma revalorizao da imagem em geral,associada com o smbolo, e ganha consistncia com as contribuies da Antropologia, comodescreve Saraiva. O problema da imaginao conhece brilhante renascimento no incio dosculo XX (...) do desenvolvimento das cincias humanas, nomeadamente da psicologiapatolgica e da etnologia (estudo dos ritos, simbolismo religioso, mitologia, iconografia). G.4 Veja-se tambm a importncia atribuda a esse epistemlogo, no trato da questo, por M. Eliade (1996).

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    Durand inspira-se em Cassirer, Freud, Jung, Adler, M. Eliade, Lvi-Strauss, Bachelard, R.Bastide, Ricoeur e muitos outros investigadores, mas sobretudo em Btcherev e Dumzil ePiganiol. Graas ao mtodo complexo do trajecto antropolgico5, estuda o patrimnioimaginrio da humanidade em que imagens e smbolos so considerados conjuntamente. Oseu mtodo supe a incessante interaco que existe ao nvel do imaginrio, entre aspulses subjectivas e assimiladoras e as intimaes objectivas que emanam do meiocsmico e social (SARAIVA, 1990, p. 1340).Ora, a contribuio da Antropologia, por mais que explicitada aqui por uma filsofa, no podeser afirmada seno no processo histrico que a enriquece de intercmbios com outroscampos cientficos. Neste processo, os estudos sobre a imagem adquiriram seus contornosmais propriamente figurativos, mesmo quando as interlocues valeram-se de refernciasacerca do imaginrio. Por outro lado, essa elaborao constitutiva do escopo significativo dotermo imagem permite avanar para um movimento mais sofisticado das e nas relaesentre imagens religiosas e devoes: a de que elas se movem em um campo de trocas desentido entre os sujeitos devotos e o campo imagtico devocional.

    A imagem entre a repetio e a diferenaRetomando a hiptese inicial, agora, ela implica reconhecer tambm, como afirma Deleuze(1988), que os registros da conscincia que se movem em torno das representaes darepetio e da diferena que estabelecemos sobre e com os fenmenos, como registros denossa prpria conscincia de continuidade e de mudana, so inscritos nas imagens epodem ser assim investigados, sob algumas abordagens.

    Penso aqui, sobretudo, na elaborao do autor acerca da subjetividade originria queconstitui a repetio, apropriada de Hume, ou seja, a idia de que o objeto (leia-se imagem)que se repete no muda, mas muda alguma coisa no esprito que a contempla (DELEUZE,1988, p. 127). Idia que imprime uma regra bsica relao estabelecida originariamente:um no aparece sem que o outro tenha desaparecido (Idem, p. 127).Sobre essa premissa, Deleuze elabora uma reflexo que busca efetivar duas snteses dotempo: a do presente vivo e a do passado puro. As referncias movimentadas nessa anlise

    5 Segundo Durand, o que caracteriza o trajeto antropolgico esse paradoxo dinmico que faz com que hajauma natureza humana decerto, mas potencial, existindo somente no vcuo e passando ao ato pela atualizaosingular de uma cultura(DURAND, 1977: 25-26).

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    configuram um campo interessante de elementos para as investigaes acerca de devoese imagtica religiosa.

    Por ora, vou caminhar um pouco com seus pensamentos, para apropriar-me de algumasreferncias importantes posteriormente. Na elaborao da primeira sntese, Deleuze iniciacom a idia de Hume, segundo a qual a mudana no esprito ocorre por um movimento decontrao, associado regularidade da repetio do objeto, que no opera porentendimento (no se tratando de memria) mas de imaginao. Este movimento marca asntese originria que incide sobre a repetio dos instantes: a, o tempo se reconstitui.

    A constituio do tempo opera na vivncia do presente, que no precisa sair de si paramover-se do passado ao futuro, num movimento do particular (dos particulares que eleenvolve na contrao) ao geral (a expectativa produzida no esprito). A subjetividade dotempo a subjetividade de um sujeito passivo. (Idem, p. 129). A repetio ideal implicaria,assim, um tipo de movimento que retroage entre dois elementos limtrofes. Ela se tece entreos dois: o objeto que se repete e a mudana no sujeito.Reconstituindo os casos particulares como distintos, conservando-os no espao de tempoque lhe propcio, a memria realiza uma sntese ativa sobre a determinao da sntesepassiva operada na imaginao. O passado deixa de ser o passado imediato da reteno[para ser] o passado reflexivo da representao (Idem, p. 129); da mesma forma, essamudana projeta-se na relao entre o futuro imediato da antecipao e o futuro reflexivo dapreviso.

    Porque somos formados de um conjunto de snteses orgnicas que remetem a sntesesperceptivas que se erguem sobre elas, o desdobramento dessas relaes levam a sntesesativas de uma memria e de uma inteligncia psicoorgnicas (Idem, p. 131).A maneira pela qual os diversos componentes da repetio participam dela medida, emcada caso, pela imbricao possvel das snteses ativas com as snteses passivas. Coloca-se como ncleo a questo do hbito que, para Deleuze, configura-se no como uma aoinstantnea que se compe com outra para formar um elemento de repetio, mas da fusodesta repetio no esprito que contempla [...] contraindo que somos hbitos, mas pelacontemplao que contramos. Somos contemplaes, somos imaginaes, somosgeneralidades, somos pretenses, somos satisfaes (Idem, p. 133). O hbito implica

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    uma noo de continuidade assentada na f em si mesmo. A imagem de Plotino amarraessa noo de continuidade ningum determina sua prpria imagem nem a goza a noser retornando, para contempl-la, quilo de que procede (Idem, p. 135) continuidade que identidade com a procedncia. Assim, a ao que faz repetir um caso no faz acontecera contrao. A contrao ocorre num eu que contempla a ao e duplica o agente: aqueleque faz a repetio mais outros eus que contemplam e que tornam possveis a ao e osujeito ativo (Idem, p. 135).A correlao de outros eus subjacentes ao sujeito ativo e ao implica que a contemplaopropicia o estabelecimento da diferena na repetio. Toda repetio , assim, imaginria,sendo repetio que se desdobra e se conserva para ns no espao da representao(Idem, p. 136). A diferena, dada no imaginrio, o para-si da repetio: ela nos permitepassar de uma ordem a outra da repetio, mas ela est entre duas repeties, assim comoa repetio tambm est entre duas diferenas6. Como a sntese do tempo definida noprprio presente, como tempo vivo, passado e futuro so dimenses do presente. Sendo,porm, sntese intratemporal, o prprio presente passa. Da a idia de durao, que Deleuzeafirma acontecer segundo o alcance natural de contraes (Idem, p. 138) que a almacontemplativa absorve. Ou seja, pelo nmero de instantes que a contemplao contrai nopresente.

    Esta durao depende das condies em que as necessidades dos sujeitos interferem nasua percepo dos instantes que marcam seu presente, do nmero de snteses que capazde operar: no se pode ir mais depressa que seu prprio presente, ou antes, que seuspresentes (Idem, p. 138): este o sentido da primeira sntese do tempo7. Como, para oautor, a necessidade exprime a abertura de uma questo antes de exprimir (...) a ausnciade uma resposta, contemplar questionar (Idem, p. 139). Ao contemplar a repetio,busca-se apreender a diferena nela existente.

    6 Veja-se, na p. 136, nota 3 (DELEUZE, 1988), as trs categorias fundamentais que regem todos osfenmenos, segundo Gabriel Tarde (repetio, oposio e adaptao); segundo esse autor, as repetiesocorrem de uma gerao para outra, na ordem de oposio de pares binarios.

    7 Ver a discusso que Deleuze (1988) elabora sobre a idia de signo de um presente, do estoicismo, e adistino entre signo natural, que remete ao presente no que ele significa, e signos artificiais, que remetem aopassado ou ao futuro como dimenses distintas do presente.

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    medida em que no domnio do comportamento (hbito) que ocorre o entrelaamento dossignos naturais e dos signos artificiais, as questes da contemplao se desenvolvemem campos problemticos ativos (Idem, p. 140 grifos meus). Mas na segunda sntesedo tempo (a do passado puro) que Deleuze fecha o circuito das idias que aqui meimportam. Segundo o autor, se o presente traz em si o paradoxo de constituir o tempo, maspassar neste tempo constitudo, mais porque ele se funda no hbito, que a fundao dotempo, mas no seu fundamento. O fundamento do tempo a Memria [...] a memria a sntese fundamental do tempo que constitui o ser do passado (o que faz passar opresente) (Idem, p. 142).A memria inverte a relao entre geral e particular dada na primeira sntese: com relaoao presente, em geral. Do ponto de vista da reproduo da memria, o passado (...) quese tornou geral, e o presente (...) que se tornou particular (Idem, p. 142). Ora, essas idiasremetem a uma discusso bem atual sobre as relaes entre a imagens e as devoesreligiosas, mas tambm a uma reviso da histria dessas relaes. Trata-se da formao deum fundo cristo presente na imagtica religiosa (sobretudo nas imagens figuradas) e suastransfiguraes contemporneas.

    As pesquisas que realizei, ou coordenei, nesse campo de investigaes, permitem afirmarque, no domnio devocional popular8 (tambm denominado culto aos santos), enforma-seum campo de exteriorizao das imagens religiosas que se tensiona entre sua produoplstica, institucionalizada, e uma produo do consumo (CERTEAU, 1994) devocional,popular. E aqui que a anlise de Deleuze nos permite colocar as imagens no centro dadiscusso sobre a repetio e a diferena. Isso porque as imagens religiosas so ativas,depositrias de sacralidade e, por isso, mediadoras com as esferas do sagrado. Mas a Igrejaatualmente no utiliza ou refora isso. O motivo para a desvalorizao do culto aos santos,

    8 Para o entendimento do campo devocional popular, ou das religies populares, remeto o leitor s dissertaesde mestrado de Rgis de Toledo Souza, Identidade e devotos catlicos: iconografia e instituio religiosacomo elementos mediadores (Psicologia Social, PUC-SP, 2001) e de Andr Luis da Silva, Faces de Maria:catolicismo, conflito simblico e identidade (Cincias da Religio, PUC-SP, 2003). Veja-se tambm o artigode Higuet, onde o autor define o campo devocional como uma constelao que se compe da totalidade dasprticas pelas quais o homem toma contato diretamente com um ser santo e pessoal. So todos os atos depiedade pelos quais pode ser estabelecida uma relao ntima para um ser santo, de modo semelhante comose d entre duas pessoas. As prticas que do acesso a esta relao direta e pessoal podem ter carterindividual como orao, novenas, prticas de piedade diante de imagens de santos, ou coletivo (como festa,procisso) (HIGUET, 1984, p. 27).

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    de per si, est no fato de que os segmentos populares de devotos, em todas as pocas,nunca aceitaram passivamente a definio clerical de santidade e a institucionalizao dasdevoes. Muitos dos santos canonizados pela Igreja e figurados na imagtica religiosa nemchegaram a ser cultuados ou difundidos amplamente, enquanto outros se tornaramcultuados e aceitos institucionalmente a partir de um movimento iniciado desde a experinciapopular.

    Aps o Conclio de Trento, inclusive, pode-se perceber uma distino clara entre os santosvenerados eclesiasticamente e aqueles venerados nos segmentos populares. Nos claustrosdos mosteiros e conventos, tanto na Europa como no Novo Mundo, so figurados santos queexemplificam a disciplina e o rigor da vida monstica, dos carismas das ordens religiosas,dos ideais de f, castidade e desprendimento do trabalho missionrio, assim como smbolosteolgicos tradicionais, cenas bblicas e figuraes dos doutores da igreja, entre outros. Nasparedes, naves, absides, frontispcios, capelas abertas e outros espaos pblicos ou devisitao dos mesmos mosteiros, conventos ou igrejas, alm das capelas que sedisseminam pelas cidades, figuram-se os santos patronos e outros santos que exemplificama caridade, a piedade, o sacrifcio, a f inabalvel, a misso evangelizadora, alm desmbolos religiosos mais populares como os da paixo de Cristo - cenas histricas ou detradies religiosas associadas aos santos9.

    Esta distino entre as imagens figuradas para uns e outros sugere que o clero tinha seugosto e sua concepo da imagtica religiosa, como tambm indica que o processo deevangelizao dos segmentos populares estava assentado num projeto figurativoconsiderado apropriado leitura de mundo dos mesmos. Por outro lado, sugere tambm quea materializao das concepes sagradas difundidas nas imagens religiosas figuradasocorre a posteriori, ou seja, mesmo que as imagens sejam esboadas a partir de refernciaspopulares, sua elaborao, propriamente dita, realizada no topo da hierarquia religiosa eoferecida aos devotos. A incorporao da imagem pode levar anos, ou no acontecer,

    9 Um grande exemplo desta separao est na Igreja da Assuno de Maria, Catedral de Cuernavaca, Mxico,fundada por franciscanos (1529-1552). Enquanto o claustro e outros aposentos reservados aos padres forampintados com poucas e rgidas imagens de santos, alm de alguns elementos decorativos em frisos ou nos tetosdos corredores, as paredes laterais da nave da igreja foram pintadas com imensos painis que retratam ahistria do martrio do santo mexicano San Felipe de Jess, ordenado pelo Imperador Taycosama. Este projetofigurativo pode ser constatado tambm nos demais conventos e mosteiros do estado de Morelos, e era umacaracterstica da presena dos franciscanos, tanto quanto da dos dominicanos, no processo de evangelizao,durante o perodo colonial.

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    dependendo da proposta e da associao possvel entre o processo de criao plstica e ode recriao mtica. As imagens so produtos de certas concepes sagradas ecatalisadoras de outras10.

    So Bartolomeu, So Jorge, So Roque e So Lzaro so exemplos de imagens que, emsuas figuraes, so associadas a demnios e a cachorros, respectivamente, gerando umadupla devoo em uma dialtica entre negao-afirmao, ou em uma dupla afirmao. Seessa dupla devoo no foi aceita pela estrutura eclesistica do catolicismo, por outro lado,essa mesma duplicidade foi incorporada posteriormente pelos cultos sincrticos de origemafro, como na umbanda brasileira. Ocorre que, nessa incorporao, a diversidade dasfiguraes religiosas catlicas se reduz a algumas linhas estruturadas do campo daimagtica das religies afro que nem sempre exigem ou permitem representaesfiguradas das suas entidades onde as imagens se imbricam entre si segundo qualidades ecaractersticas atribudas ou reconhecidas s mesmas, produzindo assim um outro sentido euma outra carga de poderes, classificados rigidamente.

    Como a aceitao da criao plstica das figuraes religiosas pelos segmentos popularesno passiva, opera-se nessa dinmica uma combinao dos elementos presentes nasfiguraes, que so produzidos novamente para atender necessidades ou ajustar-se sreferncias prprias da viso de mundo dos segmentos populares. aqui que a idiadeleuziana alcana sua expresso mais forte: no domnio do hbito ocorre o entrelaamentodos signos naturais e dos signos artificiais. Como as questes da contemplao sedesenvolvem em campos problemticos ativos (DELEUZE, 1988, p. 140), que marcam opresente, a memria, que o fundamento do tempo, inverte a relao entre geral e particulardada na primeira sntese, com relao ao presente. O mesmo ocorre com as imagensdevocionais, como afirma Londoo: Na imaginria da devoo, a figura, os motivos e ostemas aos que est associada, esto sujeitos a variaes, adequaes e modas, tributriasda esttica determinada pelo projeto de comunicao que conduz a devoo. O que admitido sem muita dificuldade pelos devotos. O que recentemente foi mostrado por estudorealizado sobre os santinhos de Nossa Senhora Aparecida [...]. A devoo vai, pois,compondo a representao, alterando a imagem, aproximando-a do presente e do que fazsentido, carregando-a de smbolos fceis de reconhecer (LONDOO, 2000, p. 257-258).10 Aqui, agradeo sugesto enunciada por Oscar Calavia Sez, que possibilitou superar alguns entravessurgidos durante a pesquisa com os sujeitos e suas imagens.

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    Na medida em que as imagens religiosas so figuradas de forma diversificada, seja peladinmica histrica das transformaes tcnicas de sua produo ou de estilos artsticos, sejapela dinmica de produo do consumo entre os segmentos populares, o sentido quecarregam passa por metamorfoses mais ou menos profundas. Da, a Igreja ter sepreocupado em vrios perodos com o controle dessa produo, tanto quanto com a difusodo imaginrio que se desdobra aqum e alm dos uso das imagens. Nesse sentido,explicita-se historicamente uma oposio estrutural sobre o valor das imagens e o controleexercido sobre sua produo x sua utilizao mais ou menos autnoma (LOPES, 2000;LOPES e SOUZA, 2001), que pode possibilitar o seguinte esquema:

    Nesse esquema, as relaes podem ser analisadas no sentido vertical, de cima para baixo,e numa projeo elipsoidal com direo ao centro, sugerindo a projeo de um campo deesvaziamento da importncia eclesistica de uma imagem, que a aproxima de uma liberaoao uso, que conseqncia das constantes ressemantizaes operadas sobre elas11.Ocorreria assim, por diversas possibilidades, uma condio em que as imagens teriam seusentido original esvaziado, ou esse sentido se cristalizaria enquanto carga associada smesmas.

    Essa idia surge da perspectiva de que a classificao da iconografia religiosa popular nocatolicismo fluida, caracterizada por pouca densidade semntica e grande diversidadeplstica, o que no ocorre na iconografia dos cultos afros, que seguem uma classificaoque explica os elementos que compem as iconografias por linhas, por exemplo. Ao mesmotempo, esse processo sugere que as figuraes religiosas evoluem seguindo umprocedimento mimtico, ou seja, ela opera difuses por representaes mimticas12. Essa11 o que ocorre regularmente com a imagem de So Jorge, por sua indefinio histrica, tanto quanto por suautilizao na Umbanda e outras seitas sincrticas, como o Santo Daime e a Barquinha.

    12 E preciso reforar aqui o papel da memria em cada um desses campos religiosos, para compreender quea fluidez ou a rigidez dessas classificaes das imagens tem uma dimenso temporal distinta. A operaomimtica dessa difuso, e suas distintas classificaes no catolicismo e nas religies afro, refora a idiadeleuziana de que o alcance das contraes que define a durao do tempo. No caso aqui discutido, buscojustamente uma aproximao entre essa idia e a permanncia das imagens, no campo devocional. Suponhoque esta durao depende das condies em que as necessidades dos sujeitos interferem na sua percepo

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    idia, inclusive, permite pensar um modelo de explicao sobre a reproduo, em locaisdiferentes, de imagens diferentes de Maria, por exemplo (PELIKAN, 2000).

    Imagtica e devoes religiosas: alguns fundamentosUma imagem no apenas a justaposio de diversos signos,

    mas o resultado articulado deles. Ademais, uma imagem nunca autnoma, pois seu significado est ao menos em parte

    relacionado com o conjunto no qual ela se encontra inserida, isto ,com sua localizao fsica e com a utilizao social que recebe.

    Hilrio Franco Jr. (1996: 202)Um exemplo dessas representaes mimticas e de suas possibilidades de reduo, nocampo da imagtica, est no uso das fitas com motivos religiosos ou que guardamlembranas de romarias e peregrinaes a centros de devoo que se amarram nospulsos, no catolicismo como nas religies medinicas, que deriva dos tefilin13, um costumetradicional judaico, confirmando a permanncia de elementos semticos na imagticareligiosa que compe o catolicismo popular.

    Idia semelhante orienta Ginzburg, em seu mais recente livro, onde sugere que a imagem deculto crist tem suas premissas em uma caracterstica recorrente nos textos profticosjudaicos (o uso de frases nominais), com nfase nas profecias de Isaas apropriadas pelosevangelistas (GINZBURG, 2001, p. 117; 121). Segundo o autor, essa caracterstica terialevado produo de uma srie de imagens de culto que enfatizavam os milagres, no sculoIV, reforando uma dimenso narrativa associada imagtica (alis, dimenso quepersiste em vrias figuraes devocionais at hoje produzidas, como nos santinhospopulares). Contudo, nos sculos seguintes, essa dimenso foi substituda por outra,dos instantes que marcam seu presente, do nmero de snteses que capaz de operar: no se pode ir maisdepressa que seu prprio presente, ou antes, que seus presentes. Na medida em que a memria ofundamento do tempo, as imagens permanecem quando esto profundamente relacionadas com uma memriadevocional, ou religiosa. Da se explica o carter rgido de classificao da imagtica nas religies afro.

    13 Tefilin (hebraico, significa objetos de orao, ou aramaico, significa ornamentos) Duas caixinhas de couropreto que contm quatro passagens bblicas (x. 13:1-10, 11-16; Deut 6:4-9, 11: 13-21) escritas por um escribae que so presas com correias de couro ao brao esquerdo e testa. (...) Acredita-se que os tefilin inculcamhumildade, e a recompensa por us-los uma vida longa. Em portugus so chamados filactrios, significandoamuletos, mas embora haja na literatura judaica histrias sobre os poderes de proteo dos tefilin, eles noso considerados primordialmente talisms mgicos. Na meditao que precede o ato de p-los, os tefilin dobrao so vistos como uma lembrana do brao estendido de Deus quando tirou os israelitas do Egito (...) e socolocados junto ao corao para sujeitar os anseios do corao de Deus. (UNTERMAN, 1992, p. 260-61).

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    ostensiva: nos sculos V e VI, essa tradio foi suplantada por algo completamentediferente: o surgimento de imagens cultuais com contedo narrativo escasso ou inexistente.Podemos falar ento do retorno da tradio greco-romana da imagem cultual, comosugeriu Kurt Weitzmann ao introduzir um simpsio ligado clebre exposio The age ofspirituality [...]. No mesmo simpsio, Ernst Kitzinger props outra explicao. Oaparecimento, ou reaparecimento, da imagem cultual poderia ter sido uma resposta necessidade de uma comunicao mais direta e mais ntima com o mundo celeste. Para oespectador, perceber a imagem como um documento fatual ou histrico, ou ento comoparte de um sistema auto-suficiente, no bastava mais. A imagem devia servir aqui e agora.Esse e outros elementos certamente podem ter contribudo para a popularidade dasimagens de culto (Idem, p. 118).Embora Ginzburg discorde da proposio de Kitzinger, em proveito de sua idia de que aexperincia das imagens guarda relao com as experincias msticas, ou profticas areferncia a essa passagem entre as dimenses narrativa e ostensiva das imagens de cultopermite articular outra transio histrica. A prpria constituio do campo devocionalcatlico e popular passaria por uma sntese imagtica dessas dimenses a partir da difusodos exemplos cristos.

    Essa outra face, analisada por Franco Jr., a da difuso dos exempla14 pela LegendaAurea15, escrita no sculo XIII, inaugurando uma longa tradio no catolicismo, que seriauma referncia ambgua, mas constituinte dos modelos de devoo popular. Escrita noperodo do Renascimento urbano, em que a concepo de espiritualidade caracterizava-sepor trs elementos articulados a pobreza evanglica, a pregao apostlica e as

    14 Exemplum, isto , uma narrativa breve, dada como verdica e destinada a ser inserida num discurso(geralmente um sermo) para convencer um auditrio por uma lio salutar. Narrativa de inegvel fundo mtico,o que garantia a receptividade almejada (FRANCO JR., 1996, p. 221). Sez (1996) tambm refere-se ao termo,afirmando que um termo de longa e reveladora tradio. Os exemplos, na literatura eclesistica medieval,eram peas narrativas destinadas pregao. No palavra sagrada, como os evangelhos, seno narraesprofanas construdas em volta de um ncleo de significado religioso ou moral. Epifenmenos de um discursoescrito alhures. Interessa ressaltar que tais exemplos exerceram grande papel na formao do cristianismopopular; sua duplicidade de forma e contedo devemos em boa parte nossa procura de tal ncleo nasmitologias alheias (SEZ, 1996, p. 74 nota 12).15 Trata-se de uma famosa coletnea hagiogrfica elaborada pelo dominicano e futuro bispo de Gnova,Jacopo de Varazze, por volta de 1620 (FRANCO JR., 1996, p. 221). Deve-se destacar que o autor da obra eraum pregador mendicante, que tinha por tarefa e preocupao centrais enfatizar o papel dos santos comoevangelizadores e atualizar os fatos histricos das prticas pags ou perseguies ao cristianismo castigadospelos santos, atravs da converso dos hereges da sua poca. Aproveito a atualidade dessa obra,recentemente traduzida ao portugus e publicada no Brasil, para tecer alguns comentrios importantes.

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    especulaes escatolgicas (FRANCO JR., 1996, p. 222) que se reproduziam num campode mentalidades marcado pelos traos do belicismo e do contratualismo, prprios da IdadeMdia, a Legenda Aurea apresenta o santos como serviais de Deus16. Expressando deforma mais completa o belicismo e o contratualismo, os santos eram vistos na LegendaAurea como escravos de Deus que preparavam a humanidade para o juzo final. [...] Osignificado escatolgico, essencial nos exempla, to importantes na Legenda Aurea,transparecia, dentre outras formas, atravs do papel de punidores desempenhado pelossantos. Da mesma maneira que, pela viso totalizadora que se tinha da Divindade, osdemnios eram feitores de Deus, os santos tambm O serviam castigando pecadores. Oumelhor, assim como os milagres benficos tinham Deus como autor exclusivo, sendo ossantos apenas seus instrumentos, o mesmo ocorria nos milagres punitivos (Idem, p. 222-23).A caracterizao ambgua do papel dos santos, porm, ocorre em um perodo detransformao das sensibilidades, que a Igreja procurava conhecer e controlar. O processode cristianizao de festas e divindades pags que ocorria desde a Alta Idade Mdia no eraapenas uma estratgia de converso, mas tambm expresso da permanncia dasensibilidade antiga, que via o divino habitando a natureza. Ao insistir repetidamente naqueleprocesso, a Legenda Aurea reforava a viso belicista e contratualista do mundo esobretudo manifestava sua vinculao a uma espiritualidade que ia sendo ultrapassada. Osmilagres punitivos na Legenda Aurea, apesar de dirigidos populao urbana, mais afeitaquela transformao, correspondiam a uma espiritualidade mais pblica que privada,portanto arcaica (Ibid., p. 224). Trata-se de uma estratgia de curar os contrrios com seuscontrrios, de combater as heresias e as perspectivas populares e de us-las comoinstrumento ideolgico.

    A Legenda Aurea apresenta, assim, uma sntese das transformaes da poca,possibilitando reconhecer a tenso existente nas relaes entre a diversidade dasexperincias religiosas populares e o projeto de unidade da Igreja assentado nas

    16 Em seu estudo, Ginzburg tambm se refere imagem de Jesus, no Deutero-Isaas, como sendo grafadaoriginalmente na forma Servo de Deus, substituda por Filho de Deus na traduo do hebraico para o grego.Seguindo essa pista, pode-se supor que a imagem dos santos, na Legenda Aurea, buscava resgatar umsentido mstico que permitiu uma maior difuso dos exempla, como tambm sua associao com umaproduo figurativa, em torno dos santos, que foi se diversificando progressivamente.

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    caractersticas de um projeto programtico da religio (SANCHIS, 1994) atravs dauniformizao daquelas. Nessa tenso, os milagres punitivos atribudos aos santosproduzem trs conseqncias que seriam caractersticas do desenvolvimento posterior dasmesmas relaes: Primeiro, eles revelam a ambivalncia dos santos, com seus atosbenficos e/ou malficos para os homens reforando a velha e discutida tese de os santoscristos terem sido sucessores dos deuses ou ao menos dos semideuses pagos, teseaceitvel desde que seja feita a ressalva fundamental de os santos no terem poder prpriocomo as entidades pags, sendo apenas intermedirios. Segundo, aquele tipo de milagrerepresentava uma tentativa de valorizar os santos num momento em que a Igreja cada vezmais centralizada, porm tambm ameaada pelas heresias passava a controlar acanonizao, de forma a aproveitar um trao da cultura vulgar para firmar a superioridade dacultura clerical. Terceiro, os milagres punitivos funcionavam como uma Microparsia, umaacelerao da Histria, ou melhor, como a negao da Histria, pois seu objetivo secolocava para alm dela, no Fim dos Tempos. Enquanto os demais tipos de milagre eramuma interveno do Eterno na Histria, reafirmando a prpria existncia desta, os milagrespunitivos simbolizavam o Fim da Histria, a passagem para o Eterno (Ibid., p. 228-29).Situados como intermedirios nessa mo dupla da relao entre o homem e Deus orainstrumentos dos milagres benficos, ora dos malficos os santos passam a possuir umstatus dogmtico, o qual a Igreja utiliza para firmar sua hegemonia. Da em diante, cresce adistncia entre os santos canonizados e os santos populares, relegados periferia daszonas institucionais de produo do ethos religioso. Essa dicotomia marca profundamente aambigidade do santoral catlico popular, que oscila regularmente entre uns e outros. Taloscilao pode ser constatada nas insistentes reivindicaes populares pela canonizao desantos que no se enquadram no status dogmtico estabelecido pela Igreja, como tambmpelas produes de caractersticas populares atribudas aos santos canonizados segundoaqueles dogmas. Isso influi decisivamente no processo de materializao das concepessagradas imprimidas nas imagens dos santos. As imagens que apresentam um fundamentomais dogmtico tm dificuldade em penetrar nos crculos devocionais, uma vez que asdevoes se afirmam para aqum da profisso de f. A centralidade da profisso de f marcada pela imagem do absoluto e caracterizada por ser inalcanvel. Assim, o milagre obra, de Deus, mas os santos so seus instrumentos de realizao, como degraus numa

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    escada que no leva a lugar algum. Se o carisma que cerca o santo muito dogmtico, suasimbologia torna-se desapegada da vida comum e sua figurao no materializa concepessagradas. Torna-se mais adequado para os segmentos populares produzir seus prpriossantos, forando sua entrada no espao sagrado, segundo a projeo dos lugares quehabitavam mundanamente prtica ainda comum nos segmentos devocionais populares docatolicismo.

    Essa posio de intermedirios e a dogmatizao dos cnones de santidade opera outrareao nos segmentos populares que, grosseiramente, pode ser definida como umaseletividade concorrencial nas devoes aos santos. A capacidade e o poder deinstrumentalizar os milagres divinos faz com que os santos sejam classificados numadisposio hierrquica mesmo que fluida e numa escala de especialidades que permiteum inventrio vastssimo17. Neste processo, os santos transformam-se em especialistas.Supe-se, aqui, que a dogmatizao da canonizao dos santos, porque passa por umprocesso de instrumentalizao dos mesmos, reforou a mentalidade popular de pensar amediao realizada pelos mesmos segundo tais especialidades. Como no possuem,originalmente, o poder de realizar os milagres, as suas capacidades instrumentalizadoras mediadoras que se especializam. Em geral, tais capacidades foram sacadasestrategicamente de suas biografias, reais ou imaginrias, e elevadas uma condiohiperblica18, ora pela apropriao que os segmentos populares realizaram secularmentedos exempla utilizados no processo de evangelizao, ora como estratgia deaprimoramento e uniformizao do imaginrio popular, pelos agentes diversos da estruturaeclesistica.

    O desuso dos exempla no processo de evangelizao, posterior ao Conclio de Trento, foiimportante para romper esse ciclo de apropriaes, rebatendo na diminuio das

    17 Uma anlise que considerasse uma abordagem diacrnica cruzando-se com uma abordagem sincrnicadessas especialidades existentes no santoral catlico permitiria analisar os limites e as recorrncias histricasdos sentidos das imagens, tanto quanto das estratgias dessas construes materializveis de concepesreligiosas: o vai-e-vem dos santos entre lugares e tempos sociais diferentes, enquanto Deus permaneceimpassvel. Uma anlise desse tipo, realizada por Marlise Meyer acerca da entidade da Umbanda MariaPadilha, mostra bem a riqueza e a recorrncia de tais concepes, sobre horizontes sociais distintos, mas deapropriaes circulares na histria (Maria Padilha e toda a sua quadrilha. SP: Duas Cidades, 1993).18 Essa condio hiperblica por que pensada a instrumentalizao dos milagres muitas vezes confunde-secom uma capacidade de realizar milagres, nos segmentos devocionais populares do catolicismo. Porm, essaidia s se mantm entre devotos mais tradicionais, sendo que entre os catlicos romanizados prevalece aidia do poder mediador dos santos.

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    combinaes populares produzidas sobre os santos no campo da imagtica religiosa. Umavez que o sentido das materializaes das concepes sagradas que produzem os santos esuas imagens tm por princpio, cada vez mais, a unidade da Igreja, sua estrutura torna-sergida e confunde-se com a prpria atuao da Igreja. Os santos canonizadoscontemporaneamente tm um papel menor na afirmao da experincia devocional, namedida que se torna maior o seu papel de afirmao do valor da Igreja.Simultaneamente, o desuso dos exempla corresponde ao desuso das imagens no processode evangelizao, que agora retoma o primado do mtodo bblico, abrindo caminho para areinveno da produo do consumo da imagtica religiosa. Tal concepo pode serfacilmente confirmada pelo motivo da associao entre a iconografia religiosa utilizada emdeterminadas situaes e suas transfiguraes na atualidade, j que o devoto atual podeno se ocupar com o sentido tradicional da imagem19.

    Assim, o significado primeiro de imagem, aqui utilizado, poder ser repensado segundo algica que leva Pastro a buscar sua etimologia em um lugar comum ao aqui discutido, masreduzi-la metaforicamente, para sugerir uma apropriao ao campo da imagtica religiosa.

    Apresentando uma concepo reduzida da etimologia do termo, Pastro assim a define:

    IMAGEMIMAGO = IMAGEMPalavra latina que significa: sombra de um morto, espectro, fantasma, viso, cpia, imitao,parbola, lembrana, sinal.IMAGEMIN + AGER = NO CAMPOAGGER, ISAGGERARE = AMONTOAR TERRAIMAGEM = MONTE DE TERRA OU TERRA ARADA, MARCADA.

    Na sua origem etimolgica, IMAGEM d idia de monte de terra onde embaixo h algumcontedo (PASTRO, 1993, p. 33 - grifos do autor).

    19 Esse fato acontece com mais regularidade, hoje, nas estampas de luto, ou os santinhos de falecimento, emque as imagens tradicionais de santos esto sendo substitudas por imagens da natureza ou por fotografias dosprprios falecidos. Sobre esse assunto, leia-se a Dissertao de Mestrado de Mateus Marcos Ribeiro, Santinho,mrmore e memria: a finitude humana revelada pela imagtica (Cincias da Religio, PUC-SP, 2001), que trazum anexo rico em imagens desse tipo.

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    Aqui, v-se o autor indicando uma significao plural, mas sugerindo uma significaometafrica, em virtude de definir a palavra no contexto de um estudo sobre arte sacra, quesecundariza o valor da imagem devocional. O direcionamento simblico que imprime significao da palavra claro, mas creio que sua idia pode ser apropriada em benefcio daanlise das imagens devocionais tambm.

    Para chegar ao contedo da imagem necessrio escavar o monte de terra que aencobre, assim como, para compreender a diversidade das produes figurativas no campoda imagtica devocional, necessrio realizar o inventrio das imagens nele presentes eanalisar os movimentos recprocos entre os agentes produtores das figuraes e osprodutores do consumo das mesmas.

    Fechando circuitos: apontamentos metodolgicosAs imagens das coisas tambm a da sua durao.

    Andr Basin

    Agora hora de rever a questo que esteve sustentando todo este artigo: pensar a estruturade sentido que se enforma acerca da utilizao das imagens no catolicismo popular, ou seja,o campo da imagtica devocional. Desde a primeira discusso acerca do movimento quepermite pensar a imagem e suas figuraes, como um itinerrio do campo imagtico, pode-se pensar que, para alm da imagem, deve-se analisar tambm a transio da estrutura quese cria em torno dela e que ela expressa como forma.

    A rigor, a reflexo aqui esboada sobre a afirmao e a hiptese iniciais fornece elementospara distinguir duas abordagens centrais nas investigaes sobre imagens religiosas oudevocionais: a que considera a relao devocional constituda em torno de uma imagem, emalgum contexto especfico, e a que considera as devoes religiosas em suas relaes comum campo imagtico plural. Na primeira, pressuponho que necessrio compreender ocarter de fabricao da devoo imagem, em uma abordagem situacional (VANVELSEN, 1987; AGIER, 2001); na segunda, tomo como princpio que a abordageminvestigativa deve deslocar o sentido das imagens, de seu significado particular (que adjetivador), para um significado geral (substantivador), definido na constelao devocional(HIGUET, 1984, p. 27), onde suponho ocorrerem as contraes operadas pela memriapopular.

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    Os trabalhos recentes de Gutilla (1993), Melo (1999), Forti (1999) e Moreno (2000), entreoutros, so exemplos da primeira linha de abordagem, em perspectivas distintas, masconvergentes. Ocorre que o estudo de uma devoo particular muitas vezes insuficientepara abranger a dinmica de uma memria popular devocional, uma vez que os camposproblemticos ativos nos quais se desenvolvem as questes de contemplao (leia-sequestes da devoo) podem se restringir. Tal restrio dificulta investigao desvelar oentrelaamento dos signos naturais e dos signos artificiais envolvidos no campo daimagtica devocional, desde sua produo plstica sua produo do consumo. O queconsidero a dificuldade central de tal abordagem o fato de que as mediaes que seoperam nesse entrelaamento so de ordem da memria, e lembre-se que a memria, que o fundamento do tempo, inverte a relao entre geral e particular dada na sntese dopresente.

    Procurei expor, anteriormente, que a produo do consumo devocional das imagens renova-se em um movimento diacrnico, o que sugere constantes situaes de visibilidade einvisibilidade das mesmas. Contudo, em vrias ocasies de pesquisa observei que ainvisibilidade das imagens no significa que elas desaparecem, mas sim, que elas saem doespao pblico.

    A histria conflituosa das relaes entre as representaes plsticas institucionalizadas(eclesisticas ou evangelizadoras) e as figuraes devocionais populares, desde o perodocolonial brasileiro (HOONAERT, 1983), confirma essa idia. Mais ainda, essa histria mostraque, na medida em que vai prevalecendo no espao pblico um novo tipo de estrutura desentimentos (WILLIAMS, 1981), em detrimento de um anterior, a hegemonia muda, asrepresentaes plsticas vo mudando e as imagens tradicionais vo sendo retidas nosespaos privados. Sobretudo, no campo devocional mais tradicional, essas imagens setornam ausentes dos jogos de combinao produzidos pelos segmentos populares.Nas pesquisas que realizei ficou evidente que, frente a diversos campos problemticosativos, os devotos deslocam o lugar das imagens para manter um sentido tradicionalmenteatribudo s mesmas. Assim, as imagens tradicionais saem de um campo de combinaesmas mantm-se em um campo de trocas entre sujeitos que partilham esses sentidos. Umsenhora cuja filha tornou-se evanglica e passa a questionar as imagens da me d suasimagens a uma comadre; um senhor cujos filhos passam a receber amigos em casa muda

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    as imagens da sala para o quarto e, aps passar a receber amigos para tocar viola noquarto, muda novamente as imagens para uma edcula no quintal, onde constitui seusanturio particular. Na busca de manter suas devoes e suas imagens, os sujeitosnegociam com os componentes de organizao do espao social, como afirma Hoonaert: Ooratrio, a capela, ou a igreja, no seno um espao organizado em torno da imagem dosanto. Importa pois saber como se organiza esse espao, quem julgado digno de seaproximar do santo, como se faz a distribuio dos lugares, como se fazem os percursosdentro da igreja. E aqui se instala a dialtica: a maneira como a sociedade brasileiraentendeu a relao entre os homens e o santo no absolutamente pacfica, mas simconflitual (1983, p. 293).Aqui, possvel pensar a atitude dos devotos frente disposio das imagens no espaosocial. Darei dois relatos rpidos20. O primeiro o de um devoto de Lagoinha, no estado deSo Paulo. Esse devoto tira imagens catlicas dos trabalhos e despachos umbandistas queencontra nas estradas. Trata-se aqui de um campo problemtico ativo que envolve imagensreligiosas e identidade, mas no s. Quando tira a imagem de seu contexto ele rompe comum ciclo de dupla filiao identitria das imagens (um sincretismo que as caracteriza), e aele afirma Eu tiro e pronto. Mesmo que afirme conscientemente que isso no tem queestar ali, possvel perceber em sua atitude a compreenso de que a imagem se move, secarrega de uma poro de sentidos. V-se isso no medo da mulher dele, que diz O velhoest carregado de um monte de coisa. Ento, a posse de imagens carrega de sentidos. Elano acredita que aquilo carrega no seu marido, mas que carrega e amplia o sentido do que aprpria imagem incorpora, do que leva dos lugares onde esteve21.

    Por outro lado, esse exemplo mostra que a exteriorizao das imagens corresponde definio de padres sociais de ao, reconhecidos segundo filiaes e sentimentos depertencimento atribudos s imagens. Tais padres sugerem, tambm, que as imagensreligiosas cristalizam os sentidos da estrutura social em que circulam, na sua formaexteriorizada.

    20 Tais relatos esto melhor explicitados e identificados em Lopes (2000).21 Essa idia aproxima-se daquela desenvolvida por Malinowski, em Argonautas do Pacfico Ocidental (SP:Abril, 1976), sobre as trocas de objetos realizadas durante o Kula, pelos trobriandeses.

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    Este o mesmo sentido do caso que se passou com um conjunto grande e diversificado deimagens que apareceu, um dia, sobre uma grande pedra beira da ferrovia que cortaTaubat, estado de So Paulo, bem no centro da cidade. No dia em que apareceram, pelamanh, todas as imagens estavam inteiras e com aparncia de novas, continuando assimat a noite; na outra manh, quando fui fotograf-las, sobravam poucas inteiras. Haviam sidoquebradas violentamente. O que permite a algum quebr-las, seno a considerao de queesto carregadas de um sentido que no deviam ter?

    Essa atribuio de sentidos essencial para compreender o papel e o lugar das imagensdevocionais no campo devocional modernizado, ou plural, onde as possibilidades decombinaes das imagens so mais variadas, como escreve Londoo: [...] a imagemreligiosa multiplicada, feita santinho de gesso, madeira, papel ou mesmo imagem virtual natela do computador, tem como destino ocupar espaos onde ser carregada de sentidosparticulares explcitos ou no, definidos pelas diversas prticas de venerao. Nossanturios, nos oratrios domsticos, na cabina de um caminho, na vitrine de um negcio,na mesa de um escritrio, na carteira ou mesmo perdida em um livro de rezas, a imaginriadas devoes cumpre funes particulares e expressa significados. Ainda sendo areproduo grfica ou virtual ilimitada, as possibilidades de circulao da imagem e depresena em muitos lugares tambm se multiplicam. Independente dos detalhes de suaiconografia, a imagem passa a ser definida pelo uso e pelas expectativas depositadas nainterveno do santo (LONDOO, 2000, p. 258-261).Em outros estudos (LOPES, 2000; LOPES e SOUZA, 2001), j havia destacado essasituao: de que o campo imagtico devocional exterioriza elementos figuradosdiversificados, que se estabelecem em uma rede de sentidos definidos em uma dialticaproduzida no uso e pelo uso das imagens. Contudo, o destino das imagens no se resumea ocupar espaos, embora a constituio de uma geografia do sagrado seja um aspectoimportante da imagtica devocional.

    Tais elementos exteriorizados s adquirem seu real significado na forma que assumem aointerior da rede, devido fragmentao dos sentidos identificados com a especificidade decada imagem, que geralmente encerra, em si, uma memria devocional superficial. Ou seja,a identificao do devoto remete mais dimenso ostensiva da imagem, e sua repetio,que sua dimenso narrativa.

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    A ausncia da dimenso narrativa na experincia devocional com as imagens religiosas(SEZ, 1996) sugere que os devotos ampliam o poder da produo do consumo dasmesmas na medida em que a apropriao das imagens e sua exteriorizao atende umamediao difusa. Os devotos apropriam e utilizam-se das imagens segundo algumaspropriedades atribudas ao santo, difundidas amplamente no imaginrio popular. Como taispropriedades no remetem configurao de uma alteridade absoluta, mas resultam dasespecialidades atribudas aos santos, na dinmica concorrencial que se efetiva pelacapacidade e o poder de instrumentalizar os milagres divinos, a prpria experinciadevocional torna-se profundamente marcada por essa fragmentao. Dessa forma, paraalm da constatao de que as imagens cumprem funes particulares e expressamsignificados, importante reconhecer e investigar a rede de sentidos que se forma naexperincia devocional com um campo imagtico plural.

    J no campo das mediaes mais consistentes, a experincia devocional somente seestrutura na familiaridade ou intimidade com um santo quando se relaciona com umaexperincia mstica, o que implica o domnio da dimenso narrativa e um suporte damemria coletiva. Essa caracterstica no extensiva a todos os devotos, mas geralmente atribuda a alguns especialistas populares reconhecidamente legtimos, capazes de sintetizara experincia devocional e realizar as mediaes necessrias para inverter a relao entre ogeral e o particular na sntese do tempo. Nesse domnio, a imagem devocional permanece eganha os sentidos que possibilitam sua reproduo figurativa, muitas vezes, para alm deseu espao familiar. nesse sentido que as imagens tambm se inscrevem em umatenso de usos, da qual no est excluda sua utilizao como objeto de poder (LONDOO,2000, p. 262).Ocorre que, na difuso de toda e qualquer imagem, a dimenso narrativa associada devoo tende a perder seu sentido, em proveito da dimenso ostensiva. Uma vez que osmodos de reproduo da imagem devocional so mais diversificados e acessveis que osmodos de reproduo de sua narrativa original, a tendncia de toda devoo que ganha umescopo alargado a de despregar-se da memria que a funda e sustenta.

    Essa situao importante porque justifica a significao de uma rede de imagensdevocionais. O que h na rede? H um conjunto de trocas que vo carregando de sentidos ede justificao esses ciclos pelos quais as imagens passam. Essa lgica dos emprstimos,

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    das devoes, da realizao das novenas em que as imagens vo da casa de um devotopara a de outro o que ocorre tambm com as bandeiras de grupos devocionais populares importante de ser trabalhada.

    A multiplicidade dos modos atuais de produo e reproduo da imagtica devocional geraum campo de ressignificaes que de alguma forma cria dificuldades para a cristalizaodas imagens e para a sua incorporao. Tudo se passa como que seguindo a lgica daproduo de informao que Postmann (1994) discute em Tecnoplio: muita informaoproduzida por meios tecnolgicos impede a manuteno de uma teoria, porque a funo dateoria excluir informao, e no agregar. O mesmo ocorrendo com a memria. Nessecaso, surge a necessidade de instituir uma competio normativa, que tambm pode servirpara o entendimento da produo da imagtica devocional contempornea: se um sujeitopode produzir qualquer figurao plstica, as concepes normativas do princpio dafigurao plstica, relacionadas com as estruturas de sentido que se fixam como memria,se abalam.

    Atualmente, o processo de cristalizao das imagens pode no ocorrer de forma to visvel eprofunda, na experincia devocional, porque a abundncia dos modos de produo daiconografia, assim como das suas formas de exteriorizao, abala a estrutura de sentidohegemnica. A possibilidade de individualizar a dimenso plstica inviabiliza a constituiode uma estrutura de sentido nica, como memria; da, essa diversidade de imagens quehoje constatamos.O santinhos difundidos publicamente, na atualidade, so exemplos do abalo que se produzna estrutura de sentidos devocionais contemporneos. Da mesma forma, as novascombinaes figurativas produzidas nas estampas de luto, assim como nos cartes eestampas trocados cotidianamente, nas camisetas, etc., no representam mais aquelessmbolos religiosos tradicionais, o que permite que eles transitem no espao pblico de umamaneira mais dinmica, porque o sentido est amenizado. Dessa perspectiva, esse abaloproduzido pode ser percebido na difuso das figuraes religiosas para alm das fronteirasaos padres sociais de ao definidos naquelas redes de trocas imagticas, passando parauma esfera maior de relaes, onde o ethos religioso no mais estruturado particularmentesobre as mediaes operadas pela iconografia religiosa, nem as determina.

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    A dimenso religiosa do espao pblico contemporneo mostra que as trocas no campo daimagtica religiosa so diferenciadas e que a diferenciao est se processando naconcepo da quantidade ou da personalizao. A prpria lgica da exteriorizao daiconografia est se espalhando segundo esse princpio: o que a caracteriza hoje essaprofuso de imagens, como na arte, nos jornais, nas estampas, nos calendrios, etc.Trata-se de uma forma de esgotamento, mas no de um esvaziamento. Porque agora, aocristalizar-se, a imagem torna-se cheia.

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