Imóvel Cultivado Em Zona Urbana IPTUNOUNITR

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Agricultura - cultivo em áreas urbanas

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    Imvel cultivado em zona urbana. IPTU, ITR ou incentivo fiscal?

    Kiyoshi Harada*

    Sumrio: Introduo. 2 O IPTU e o seu fato gerador. 3 Conflito entre o IPTU e o ITR. 4 Problemas de ordem prtica. 5 Concluses.

    1 Introduo

    O crescimento da cidade, com a progressiva expanso de zona urbana do municpio, inclusive com a quase absoro total da zona rural em algumas comunas, tm trazido problemas de ordem tributria para diversos muncipes, que sempre se dedicaram s atividades agropastoris. So surpreendidos, da noite para o dia, com a nova tributao: o IPTU, n vezes mais oneroso do que o tradicional ITR que vinham pagando.

    Esses humildes proprietrios s sabem trabalhar a terra e tambm no tm experincia nem conhecimentos para proceder loteamentos urbanos em suas terras. Acabam sendo vtimas de especuladores imobilirios.

    2. O IPTU e o seu fato gerador

    Nos termos do art. 156, I da CF, compete aos Municpios instituir o imposto predial e territorial urbano.

    Em carter de norma geral, o art. 32 do Cdigo Tributrio Nacional CTN define o fato gerador desse imposto como sendo a propriedade, o domnio til ou a posse de bem imvel por natureza ou acesso fsica, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Municpio. o chamado aspecto nuclear ou objetivo do fato gerador. O contribuinte, nos termos do art. 34 do CTN, o proprietrio do imvel, o titular do domnio til ou seu possuidor a qualquer ttulo. o aspecto subjetivo passivo do fato gerador.

  • Muitos acoimam de inconstitucionais esses dois dispositivos retrorreferidos no que tange posse, porque os interpretam literalmente.

    Como o imposto espcie tributria, que se caracteriza pela captao de riqueza produzida pelo particular, deve-se entender que o seu fato gerador a disponibilidade econmica da propriedade, do domnio til ou da posse, e o seu contribuinte qualquer pessoa que detenha essa disponibilidade econmica. O posseiro, por exemplo, usufrui das utilidades do imvel possudo como se proprietrio fosse, podendo requerer a usucapio, uma vez preenchidos os requisitos da lei, obtendo o ttulo de propriedade.

    Outro aspecto do fato gerador diz respeito ao imvel localizado na zona urbana do Municpio. o aspecto espacial do fato gerador que elege um dos mais de 5.550 municpios brasileiros como titular da imposio tributria do IPTU, isto , define o sujeito ativo do fato gerador.

    3. Conflito entre o IPTU e o ITR

    Sem prvia definio por lei complementar, dirimindo o conflito de competncia tributria entre a Unio e os Municpios (art. 146, I da CF), no seria possvel o exerccio dessa competncia impositiva por qualquer uma das entidades polticas. De fato, pelo art. 153, IV, da CF, cabe Unio tributar pelo ITR a propriedade territorial rural, enquanto que cabe ao Municpio tributar a propriedade predial e territorial urbana pelo IPTU.

    Para afastar esse conflito de competncia tributria entre a Unio e os Municpios, o Cdigo Tributrio Nacional, no 1 do art. 32, assim prescreveu:

    Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observando o requisito mnimo da existncia de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes, construdos ou mantidos pelo Poder Pblico:

    I meio-fio ou calamento, com canalizao de guas pluviais;

    II abastecimento de gua;

    III sistema de esgotos sanitrios;

    IV rede de iluminao pblica, com ou sem posteamento para distribuio domiciliar;

  • V escola primria ou posto de sade a uma distncia mxima de 3 (trs) quilmetros do imvel considerado.

    2. A lei municipal pode considerar urbanas as reas urbanizveis, ou de expanso urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos rgos competentes, destinados habitao, indstria ou ao comrcio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do pargrafo anterior.

    Como se verifica, o CTN adotou o critrio geogrfico para definio da zona urbana. Assim, zona urbana aquela definida em lei municipal, observado o requisito mnimo da existncia de 2 (dois) dos melhoramentos pblicos referidos no 1, do art. 32 do CTN. A definio, por lei ordinria, de imvel rural ou de imvel urbano, segundo a destinao dada ao bem afronta o critrio geogrfico acolhido pelo CTN. Por isso, o STF proclamou a inconstitucionalidade do art. 6 e seu pargrafo nico da Lei Federal de n 5.868, de 12-12-1972, que, para efeito de tributao pelo imposto territorial rural, consideravam como imvel rural, independentemente de sua localizao, aquele destinado explorao agrcola, pecuria, extrativa vegetal ou agroindustrial. Entendeu a Corte Suprema que a fixao de critrio para definio de imvel rural ou urbano matria que se insere no campo de normas gerais sobre tributao, pelo que somente a lei complementar poderia revogar a expressa disposio do CTN (RE 93.850-8-MG, Trib. Pleno, Rel. Min. Moreira Alves; JSTF, Lex 46, p. 91).

    Alis, a adoo do critrio da destinao do imvel impossibilitaria ao Municpio o cumprimento de sua misso de ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade (art. 182 da CF), pois simplesmente desapareceria a fronteira entre as zonas rural e urbana. O territrio municipal ficaria constitudo de imveis urbanos e de imveis rurais, de forma intercalada, impedindo ao Municpio de conferir a funo social propriedade imobiliria, pois esta, em relao ao imvel rural, cabe apenas Unio (art. 186 da CF).

    4. Problemas de ordem prtica

    Adotado o conceito geogrfico do que seja zona urbana, por excluso resulta o conceito de zona rural. Contudo, essa definio legal de zona urbana e, por excluso, da zona rural, conquanto satisfatria do ponto de vista terico, no afasta dois problemas de ordem prtica.

    O primeiro problema diz respeito ausncia de um marco divisor, objetivo e claro, quanto s divisas municipais, o que tem ensejado disputas

  • de tributao pelo IPTU, como, por exemplo, entre Diadema e So Paulo. Na falta de nitidez do Mapa Cartogrfico do Estado de So Paulo, imveis situados nas divisas desses dois municpios vm sendo tributados pelos dois fiscos, ensejando a bitributao jurdica, que inconstitucional.

    Na prtica, a sala de um prdio poderia estar em um municpio, enquanto que um dos cmodos do mesmo prdio poderia estar situado em outro municpio. Com proceder tributao do IPTU? Critrio da preponderncia? Critrio da proporcionalidade? Qualquer que seja o critrio adotado, pressupe-se o prvio conhecimento da divisa.

    Para dirimir esse conflito, no exerccio da funo de consultor jurdico do Municpio de So Paulo, em 1989, com fundamento no 2 do art. 12 do ADCT, elaboramos e sugerirmos chefia do Executivo uma minuta de Convnio entre o Municpio de So Paulo e o de Diadema, para substituir o critrio vago e impreciso vigente, por um outro critrio geogrfico bem definido e em termos objetivos, redesenhando as linhas divisrias litigiosas. O projeto legislativo do Convnio foi aprovado pela E. Cmara Municipal de So Paulo em 1989. Porm, a Cmara Municipal de Diadema recusou a sua aprovao, alegando que o Municpio estaria a perder, pelo novo critrio, cerca de 352 m em relao ao critrio impreciso que resulta do Mapa Cartogrfico do Estado de So Paulo.

    O outro problema prtico o que diz respeito tributao de rea urbana cultivada, normalmente, plantao de hortalias que abastecem a populao.

    Isso aconteceu em funo da progressiva urbanizao dos municpios que compem as Regies Metropolitanas, empurrando os moradores de zonas rurais cada para locais cada vez mais distantes dos centros urbanos. Em alguns municpios, como os que compem o ABCD (Santo Andr, So Bernardo do Campo, So Caetano do Sul e Diadema), no h mais campo para expandir suas zonas urbanas. As zonas urbanas desses municpios passaram a ser interligadas.

    Nem todos os agricultores abandonaram as suas terras ante a expanso urbana, como so os casos dos cultivadores de hortalias de So Bernardo do Campo, que no mais conseguem arcar com os pesados encargos tributrios do IPTU, em substituio ao ITR, que tm como base de clculo o valor fundirio, ou seja, o valor da terra nua (valor da terra sem edificaes ou culturas). O ITR permite, ainda, 90% de desconto, sendo 45% pelo grau de utilizao da terra (GUT) e 45% pelo grau de eficincia na explorao (GEE) isso sem contar a imunidade instituda pela Constituio Federal em relao a pequenas glebas rurais exploradas pelo proprietrio que no possua outro imvel, nos termos da lei (art. 153, 4, II da CF).

  • O problema da tributao pelo IPTU, em lugar do ITR, nem sempre de ordem jurdica como acontece em alguns Municpios de tradio agrcola mas que, com o passar dos tempos, transformaram seus territrios em zonas urbanas, de conformidade com as normas do CTN.

    No o caso de Vinhedo, em que o Prefeito, empolgado pela atrao turstica da cidade, enviou Cmara Municipal de Vinhedo o Projeto de Lei n 34, de 4 de julho de 2004, declarando como sendo de zona urbana todo o territrio municipal.

    Um dos proprietrios rurais solicitou-nos um parecer a respeito. Verificando que nem toda a rea municipal de Vinhedo 82 km2 estava abrangida pelo permetro delimitado pelos critrios objetivos do 1 do art. 32 do CTN, emitimos um parecer jurdico no sentido da inconstitucionalidade da aludida proposta legislativa, por invaso de competncia tributria da Unio. A argumentao de que a Unio no vinha exercendo sua competncia tributria no tinha, como no tem e jamais poderia ter, qualquer relevncia jurdica, em face do princpio da indelegabilidade de competncia impositiva, que no pode ser confundida com a delegao de competncia fiscalizatria e arrecadatria. O Projeto Legislativo n 34/2004 foi rejeitado pela Cmara Municipal de Vinhedo, cujos muncipes, proprietrios de imveis rurais, continuam livres do famigerado IPTU, tributado com base no valor venal da propriedade urbana, que leva em conta, entre outros elementos, a quantidade de metros quadrados do imvel.

    O problema surge quando a questo extrapola o mbito jurdico, isto , o imvel onde se cultivam as hortalias, por exemplo, est dentro do permetro urbano definido pela lei municipal, conformada com o 1 do art. 32 do CTN.

    Esta uma questo de poltica tributria, ou de poltica urbana, e no de direito tributrio.

    Cumpre lembrar, em primeiro lugar, que a norma do 1 do art. 32 do CTN no auto-aplicvel. No basta a rea estar abrangida de fato no permetro delimitado pelo 1 do art. 32 do CTN. Para que aquela rea se torne juridicamente uma zona urbana preciso que a lei do Municpio competente assim a declare. Basta que a lei municipal no declare, ou exclua dessa declarao de zona urbana, determinadas reas tradicionalmente destinadas s atividades agropastoris, para que no sejam atingidas pelo IPTU, mas apenas pelo ITR, bem menos oneroso que o primeiro.

    Em segundo lugar, em havendo declarao de zona urbana, sem respeito s reas tradicionalmente tidas como rurais, nada impede, dentro do princpio da razoabilidade, que a lei municipal outorgue iseno, reduo da base de clculo ou de alquotas, como, alis, vem fazendo a

  • imensa maioria dos municpios que enfrentam tais tipos de problemas decorrentes do crescente fenmeno da urbanizao. que, nesses casos, razes de poltica tributria e de poltica urbana, fundadas no interesse coletivo, levaram a Administrao Pblica a manter e incentivar o cultivo de hortalias para o abastecimento da cidade com a um custo menor.

    Se, por uma razo ou outra, a manuteno de atividade agropastoril no mbito da zona urbana (s vezes no existe ou quase no existe zona rural em alguns municpios) representar contrariedade ao interesse pblico, o caminho jurdico correto seria o da desapropriao da propriedade rural encravada no seio da zona urbana, mediante pagamento justo da prvia indenizao em dinheiro. O confisco da propriedade urbana pertencente a humildes agricultores, traduzido pela imposio de IPTU que extravasa os limites da capacidade contributiva, inconstitucional (art. 150, IV da CF).

    No razovel o Municpio tolerar a atividade agropastoril em um imvel urbano de seu territrio, porque lhe convm sob o ponto de vista do abastecimento da cidade e da gerao de riquezas, e, ao mesmo tempo, impor a seus proprietrios um pesado tributo, prprio de imvel de natureza estritamente urbana.

    O uso da poltica tributria,para conciliar os interesses do proprietrio, que explora atividade agro-pastoril na zona urbana, e do Municpio, que tolera tal atividade por ser de sua convenincia, encontra apoio na moderna doutrina do direito urbanstico, que incorpora, em seu conceito, a relao cidade-campo.

    5. Concluses

    As propriedades encravadas na zona urbana onde so exercidas as atividades agropastoris, por razes de polticas tributria e urbana, podem ser excludas da definio de zona urbana pela lei municipal competente.

    Essas propriedades, se includas na definio de zona urbana como permite o 1 do art. 32 do CTN, devem merecer incentivos fiscais como iseno, reduo base de clculo ou da alquota, ou ainda, desconto especial do IPTU.

    Em caso de contrariedade poltica urbana do municpio, as reas de cultivos encravadas na zona urbana devem ser desapropriadas mediante pagamento prvio da justa indenizao em dinheiro.

    Implcita est a faculdade de os proprietrios dessas reas promoverem o loteamento urbano dessas propriedades, o que uma hiptese

  • possvel mas pouco provvel, em razo da vocao agrcola desses proprietrios.

    * advogado em So Paulo (SP), professor de Direito Financeiro, Tributrio e Administrativo, especialista em Direito Tributrio e em Cincia das Finanas pela FADUSP, conselheiro do Instituto dos Advogados de So Paulo (IASP), presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurdicos.

    Disponvel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10223