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Ralph Melles Sticca Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do “Colarinho Branco” Ribeirão Preto Novembro de 2002

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Ralph Melles Sticca

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do

“Colarinho Branco”

Ribeirão Preto

Novembro de 2002

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco – Ralph Melles Sticca

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do

“Colarinho Branco”

Trabalho referente à obtenção de Diploma de Bacharel no curso de Administração

de Empresas da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da

Universidade de São Paulo.

Orientado pelo Professor: Dr. Alberto Borges Matias

Realizado pelo Aluno: Ralph Melles Sticca

Ribeirão Preto

Novembro de 2002

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BANCA EXAMINADORA:

________________________________

Professor Livre-Docente Alberto Borges Matias

Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEA

Universidade de São Paulo – USP

_________________________________

Professor Doutor Tabajara Pimenta Júnior

Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEA

Universidade de São Paulo – USP

_________________________________

Professora Nina Valéria Carlucci

Faculdade de Direito “Laudo de Camargo”

Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP

__________

NOTA

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Agradecimentos:

Agradeço ao Professor Dr. Alberto Borges Matias pela

disposição, orientação e acompanhamento;

à Professora Nina Valéria Carlucci, Mestre e doutoranda

em Direito Público pela

UNESP (Universidade Estadual Paulista) – Franca,

professora de Direito Público da UNAERP (Universidade

de Ribeirão Preto) e Procuradora do Município de Ribeirão

Preto, por seu incentivo e colaboração no presente

trabalho.

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Os países do Cone Sul "precisam adotar políticas que

assegurem que, quando o dinheiro da assistência (do Fundo

Monetário Internacional) chegar seja para algum bem e

não, simplesmente, saia do país para contas bancárias na

Suíça", Paul O’Neill, secretário do Tesouro Americano, em

28 de julho de 2002, duvidando da confiabilidade do

Sistema Financeiro e países como o Brasil, que recorrem à

poupança dos americanos para equilibrar suas contas

públicas.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 8

2. OBJETIVOS ........................................................................................................................................................... 10

2.1. OBJETIVOS GERAIS ............................................................................................................................................. 10 2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ..................................................................................................................................... 10

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ......................................................................................................................... 12

3.1. CONCEITOS INICIAIS ........................................................................................................................................... 12 3.1.1. Sistema Financeiro Nacional ..................................................................................................................... 12

3.1.2. Agentes Financeiros ................................................................................................................................... 13

3.1.3. Banco Central do Brasil ............................................................................................................................. 14

3.1.4. Comissão de Valores Mobiliários .............................................................................................................. 15

3.1.5. Tipos de Valores Mobiliários (papéis) ....................................................................................................... 15

3.2. ASPECTOS JURÍDICOS DOUTRINÁRIOS ................................................................................................................ 16 3.2.1. A Tutela do Estado ..................................................................................................................................... 16

3.2.2. Direito Penal .............................................................................................................................................. 17

3.2.3. Norma Penal ............................................................................................................................................... 18

3.2.4. O Dever e a Responsabilidade ................................................................................................................... 18

3.2.5. Conceito de Crime ...................................................................................................................................... 19

3.2.6. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica .............................................................................................. 19

3.2.7. Ação Penal ................................................................................................................................................. 21

3.3. ASPECTOS LEGAIS .............................................................................................................................................. 22 3.3.1. A Constituição Federal de 1988 ................................................................................................................. 22

3.3.2. O Código Comercial Brasileiro ................................................................................................................. 24

3.3.3. O Código Penal Brasileiro ......................................................................................................................... 25

3.3.4. Decreto-Lei n.º 7.661/45............................................................................................................................. 29

3.3.5. Lei n.º 1.521/51 ........................................................................................................................................... 30

3.3.6. Lei n.º 4.595/64 ........................................................................................................................................... 32

3.3.7. Lei n.º 8.078/90 ........................................................................................................................................... 33

3.3.8. Lei n.º 8.884/94 ........................................................................................................................................... 34

3.3.9. Lei n.º 9.605/98 ........................................................................................................................................... 35

3.3.10. Lei n.º 9.613/98 ......................................................................................................................................... 36

3.3.11. Lei n.º 10.303/01 ....................................................................................................................................... 37

3.4. RESUMO ............................................................................................................................................................. 38

4. OS CRIMES DO “COLARINHO BRANCO” ..................................................................................................... 40

4.1. HISTÓRICO .......................................................................................................................................................... 40 4.2. OBJETO DA LEI ................................................................................................................................................... 41 4.3. DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL ................................................................................ 42

4.3.1. Da Emissão Irregular de Títulos ................................................................................................................ 42

4.3.2. Da Difamação de Instituição Financeira ................................................................................................... 43

4.3.3. Gestão Fraudulenta e Gestão Temerária .................................................................................................. 44

4.3.4. Da Apropriação Indébita............................................................................................................................ 45

4.3.5. Da Sonegação ou Prestação de Falsa Informação .................................................................................... 46

4.3.6. Da Emissão de Títulos Falsos ou sem Lastro ............................................................................................. 47

4.3.7. Da Usura .................................................................................................................................................... 48

4.3.8. Da Falsidade Ideológica ............................................................................................................................ 51

4.3.9. Caixa “Dois”.............................................................................................................................................. 53

4.3.10. Da Liquidação, Intervenção e Falência ................................................................................................... 54

4.3.11. Da Operação Irregular de Instituição Financeira ................................................................................... 57

4.3.12. Dos Empréstimos e Adiantamentos Irregulares ....................................................................................... 58

4.3.13. Da Violação de Sigilo ............................................................................................................................... 59

4.3.14. Da Obtenção Fraudulenta de Financiamentos ........................................................................................ 60

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4.3.15. Da Falsa Identidade ................................................................................................................................. 62

4.3.16. Da Evasão de Divisas do País .................................................................................................................. 63

4.3.17. Da Prevaricação ...................................................................................................................................... 64

4.4. DA APLICAÇÃO E DO PROCEDIMENTO CRIMINAL ............................................................................................... 65 4.4.1. Da Responsabilidade Penal do Administrador .......................................................................................... 65

4.4.2. Da Ação Penal e Reunião de Provas ......................................................................................................... 66

4.4.3. Da Prisão Preventiva ................................................................................................................................. 68

4.4.4. Da Multa ..................................................................................................................................................... 70

4.5. DA GRAVIDADE DO DELITO ............................................................................................................................... 71

5. ESTUTO DE CASO PRÁTICO ............................................................................................................................ 74

6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES .......................................................................................................................... 82

7. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................................... 84

8. ANEXOS ................................................................................................................................................................. 86

8.1. CLIPPING DE NOTÍCIAS ....................................................................................................................................... 86 8.2. A LEI N.º 7.492/86 .............................................................................................................................................. 93

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1. INTRODUÇÃO

O Estado democrático de Direito, nos moldes como é hoje conhecido, estrutura-se

mediante um “contrato social”, teorizado por Jean-Jacques Rousseau em sua obra homônima, que

se institui pela delegação do poder e da liberdade individuais em prol de uma entidade, que

garante o bem comum, o direito à vida e o direito à propriedade. Ele figura, portanto, como um

moderador entre o homem e a sociedade, agindo de forma a assegurar direitos, exigir deveres e

punir condutas. Este contrato dá prerrogativas ao Estado para agir coercivamente quando os

interesses particulares reprimirem a supremacia dos interesses públicos.

A tutela penal é a perfeita tradução de tais prerrogativas, alcançando seu equilíbrio ao

proteger estritamente os interesses e valores mais relevantes da vida em sociedade, digam-se os

bens jurídicos, e, em contrapartida, limitando o poder punitivo do Estado, no âmbito dos valores

mínimos a serem observados dentro do ordenamento jurídico legitimado na vontade do cidadão.

O Direito Penal clássico vem se ocupando em tutelar determinadas situações de valor, cuja

integridade constitui premissa para uma pacífica convivência comum. Estas situações dizem

respeito à vida, à integridade física, à livre expressão, ao patrimônio. Porém, a partir do século

XX, surge o Estado moderno com necessidade de assegurar, ainda através da tutela penal, o

cumprimento também de prestações de caráter público, de que depende o indivíduo no quadro da

assistência social promovida pelo Estado.

Em sendo democrático, o Estado Brasileiro é legitimado por sua Constituição, que dita

sua estrutura, sacramentando seu status quo federalista e capitalista. Basta voltar-se para a

Constituição Federal de 1988, que assimilou o liberalismo derivado do regime capitalista. Ela

assegura a seus cidadãos a livre iniciativa (art. 1o, IV), a plena liberdade de associação para fins

lícitos (art. 5o, XVII), independendo de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu

funcionamento (art. 5o, XVIII). Além disso, assegura o direito de propriedade (art. 5o, XXII). Por

tal, é claro perceber que, desde que respeitadas as regras de capacidade jurídica e vedações legais

específicas, o legislador constituinte permite a qualquer cidadão registrar e assim instituir uma

empresa; mais, assegura-lhe a liberdade de acumular riquezas e decidir a melhor forma de aplicar

seu capital. Por outro lado, em contrapeso, esta mesma Constituição restringe tal liberdade, ao

indicar a proteção da ordem econômica e financeira, bem como da economia popular, através da

lei penal (art. 173, parágrafo 5o).

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Observando-se as diretrizes do artigo 192 da Constituição Federal, fica clara a

importância do sistema financeiro nacional para o país, por voltar-se ao desenvolvimento

equilibrado e aos interesses da coletividade, sendo que sua regulamentação importa na maior

proteção daqueles que entregam bens ou valores à guarda das instituições financeiras, assim

como almeja proteger quem delas precisa se financiar.

As recentes “quebras” de instituições financeiras de grande porte evidenciam a fragilidade

do sistema de fiscalização preventiva e a ausência de austeridade moral e financeira de alguns

gestores, que estão lesando o público investidor, as organizações bancárias, os acionistas,

onerando, consequentemente, os cofres públicos, que são chamados a preservar a confiabilidade

no sistema. Por isso, desde a década de 70, elas fizeram crescer no homem médio, segundo Ela

Wiecko1, “a crença de impunidade dos agentes que participam desses escândalos causadores de

prejuízos incalculáveis e jamais ressarcidos à coletividade brasileira”. Este crescente clamor

social fez com que, há 16 anos, fosse promulgada a Lei 7.492/86, tipificando os crimes chamados

“do colarinho branco”, contra o Sistema Financeiro Nacional.

No núcleo desta discussão está o Administrador de Empresas, que direta ou indiretamente

atuará no Mercado Financeiro, como gestor, investidor e captador de recursos. No exercício da

atividade empresarial, como de resto em qualquer atividade humana, existe sempre a

possibilidade de condutas ilícitas. Tal possibilidade é dimensionada por seu próprio objetivo, a

geração de lucro, a busca incessante pelo retorno financeiro. Na tentativa de coibir práticas

ilícitas que ocorrem neste âmbito, o legislador brasileiro, em uma tendência legislativa de outros

países, optou pela criminalização de certos atos, atribuindo prática de ilícitos penais até mesmo à

própria pessoa jurídica. Ou seja, a má gestão dolosa, intencional, poderá custar-lhe mais do que

indenizações advindas de sanções civis, de caráter patrimonial.

A Lei contém falhas, lacunas, mas vem sendo efetivamente incorporada à jurisprudência,

posta em prática, de forma a acabar com a imunidade penal decorrente do poder político ou

econômico dos autores, do tráfico de influências e da corrupção.

1 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. O Controle Penal nos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional: Lei n.º

7.492, de 16.6.86. Belo Horizonte, Del Rey, 1998, p.14.

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2. OBJETIVOS

2.1. Objetivos Gerais

O subsequente trabalho tem por objetivos gerais prover ao Administrador de Empresas

conhecimento teórico e prático a respeito de questões legais que intervirão no desempenho de

suas funções, seja como sócio, gestor, investidor ou interventor, para que este atue, não somente

nos limites éticos que se exige da profissão, mas também nos limites legais que fatalmente terão

impactos indesejáveis para sua pessoa física e jurídica. Serão também discutidos tópicos éticos de

Administração, já que Direito e Ética são disciplinas complementares, e infelizmente seu estudo

aprofundado está pouco presente nos cursos de Administração de Empresas.

O tema proposto não tem o caráter estritamente técnico de aplicar conceitos ensinados ao

longo do curso; visa sim explorar o agente regulador destas atividades, pois assim como é

importante conhecê-las e dominá-las, é importante também saber que ele existe, é aplicável e

exigível. Primeiro porque a bibliografia predominante para o estudo da Administração é

estrangeira, estando os conceitos sujeitos a legislações que não a brasileira; segundo, porque a

tomada de decisões sobre o que se pode fazer é ilimitada, mas sobre o que não se deve fazer não

o é.

Dentre todos os institutos jurídicos relevantes para o exercício da administração, sejam

eles contratos, licitações, tributos, trata-se aqui de fazer um estudo da atividade empresarial no

mercado financeiro, um universo de oportunidades, oponível ao Direito Penal, que anseia

protegê-lo dos maus administradores. E, somente através do aprofundamento jurídico, é possível

evitar que bons administradores sejam vítimas de maus advogados.

2.2. Objetivos Específicos

Os objetivos específicos são analisar do ponto de vista do Administrador Financeiro a Lei

7.492/86, que trata dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, já bem conhecidos como

“Crimes do Colarinho Branco”; discutir os impactos penais na gestão empresarial, unindo

conceitos doutrinários jurídicos alheios ao conhecimento do Administrador, ao seu extenso

conhecimento do Sistema Financeiro; e, finalmente, na medida do possível, promover debate

acerca da aplicabilidade da lei, de suas falhas e seu desuso.

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O tema, Direto Penal Empresarial, embala-se pelo anseio social de acabar com a sensação

de impunidade dos verdadeiros criminosos, aqueles que “assaltam” os cofres públicos e desviam

patrimônio do povo, e pelo histórico recente de fatos destacados pela imprensa, nos quais a lei foi

aplicada e executada, mas ainda é novo, havendo uma lacuna de estudos e teses a seu respeito.

Portanto, há espaço para novas abordagens, sendo até mesmo viável a criação de um manual de

Direito Penal exclusivo para empresários.

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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1. Conceitos Iniciais

Para o melhor entendimento e aproveitamento do estudo que se inicia, alguns conceitos

são de suma importância, pois fazem parte do foco financeiro do trabalho e estarão presentes

como objeto de análise do conteúdo da lei. Como é comum no Direito positivado, meramente

escrito, faz-se necessária a consulta de outras legislações e doutrinas para se compreender a

norma. A seguir serão explanados conceitos já muito conhecidos, populares, corriqueiros, mas

que anseiam por abordagem técnica, fundamentada tanto pela própria legislação quanto através

de fontes bibliográficas confiáveis sobre o Mercado Financeiro.

3.1.1. Sistema Financeiro Nacional

A Constituição Federal de 1988 outorgou ao Sistema Financeiro Nacional natureza

constitucional - inspirada na Constituição Alemã de 1949 e na Constituição da República

Portuguesa de 1976 - sem precedência nas Cartas Políticas anteriores, instituindo dois sistemas

financeiros: o público (arts. 163 e 169), disciplinando os temas relativos às finanças e aos

orçamentos públicos, e para o público (art. 192). Assim, estruturado de forma a promover o

desenvolvimento equilibrado do País e a servir os interesses da coletividade, encontra-se

direcionado para a normatização do “sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos

metais”, da “política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores”, dos “sistemas de

poupança, captação e garantia da poupança popular” e dos “sistemas de consórcios e sorteios”

(CF, art. 22, VI, VII, XIX, XX), objetivando principalmente “fomentar a produção agropecuária e

organizar o abastecimento alimentar”, “promover programas de construção de moradias” e a

“integração social dos setores desfavorecidos” (CF, art. 23, VIII, IX, X).

Antônio Carlos Rodrigues da Silva (1999) define o SFN como conjunto de órgãos, entes e

pessoas jurídicas de direito público e privado, formando um complexo que visa a aproximação

entre a oferta e a demanda por capitais, com a missão de facultar o acesso aos recursos

indispensáveis a toda sorte de empreendimentos. Dentre seus integrantes, as instituições

financeiras são definidas como “as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, que tenham como

atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros

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próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor e propriedade

de terceiros”, sendo a elas equiparadas “as pessoas físicas que exerçam quaisquer destas

atividades, de forma permanente ou eventual.” (art. 17 da Lei n.º 4.595/64). Portanto, integram o

SFN o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central do Brasil, o Banco do Brasil S.A., o

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e as demais instituições financeiras

públicas e privadas.

Na cúpula do sistema atua o Conselho Monetário Nacional, com autonomia legal,

regulando matérias de sua competência segundo diretrizes traçadas pelo Presidente da República.

“Entre os dois sistemas, o público e o para o público, figura o Banco Central, desempenhando o

papel de elo entre estas duas ordens financeiras”2, principalmente quando atua como banco

emissor exclusivo de moeda, cuja competência é da União; quando concede empréstimos às

instituições financeiras; quando compra e vende títulos de emissão do Tesouro Nacional; quando

é depositário das disponibilidades de caixa da União. É o ápice do SFN e do Sistema Nacional de

Crédito, com finalidade principal de cumprir as atribuições que são outorgadas pela legislação e

normas expedidas pelo CMN, sobretudo as disposições relativas à execução das políticas

monetária, creditícia, cambial e de controle da dívida pública.

O Banco do Brasil é o grande agente financeiro do Tesouro Nacional e o BNDES é o

instrumento básico para a execução da política de investimento do governo federal. Além desses,

as instituições financeiras que operam com a moeda e o crédito estão subordinadas à orientação

do CMN, fiscalização do BACEN e auxiliam a política de crédito do governo federal.

3.1.2. Agentes Financeiros

Conhecido na antigüidade como operação própria dos banqueiros, pode-se afirmar que o

empréstimo em dinheiro, a partir do século VI a.C., realizava-se com freqüência na Babilônia, no

Egito e na Fenícia. Mas foi no mundo greco-romano que “tornou-se conhecida grande parte das

operações em uso no banco moderno, tais como: aceitar depósitos de moedas ou de valores; fazer

empréstimos a juros, garantidos ou a descoberto; interpor-se nos pagamentos, também, sobre

praças distantes; assumir obrigações por conta de clientes etc., embora tais operações não fossem

praticadas em série, devido às condições econômicas de um mundo no qual a poupança decorria

dos investimentos dos proprietários de terras, e modesto era o porte industrial, tendo sido o

2 BASTOS, Celso. Comentários à Constituição do Brasil. V.7, p.351

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templo dos deuses o verdadeiro berço das operações bancárias, como o atestam os negócios em

Dalos, Delfos e Artêmides”3. Na Idade Média, verificou-se o segmento dos bancos como são hoje

conhecidos, “podendo-se afirmar que o primeiro banco a fazer empréstimos foi o Banco da

Suécia, seguido pelo Banco da Inglaterra, fundado em Londres em 1694, consolidando-se, com a

revolução Industrial, os grandes banqueiros e a extensão de seus serviços em nível

internacional”4.

No Brasil, segundo Américo Luís (1996, vide citação 3), o primeiro banco foi fundado no

período colonial, o Banco do Brasil, por D. João VI, por meio do Alvará de 12.08.1808,

paralelamente a diversas casas bancárias que, em meados do século retrasado, surgiram

intensificando e desenvolvendo o comércio bancário indígena.

3.1.3. Banco Central do Brasil

Ao Sistema Financeiro Nacional compete uma das formas de intervenção do Estado na

atividade privada, tendo ele surgido com o decreto n.º 14.728, de 16 de março de 1921, a despeito

de normativos anteriores, como o decreto n.º 12.709, de 9 de janeiro de 1917, e o n.º 13.110, de 9

de julho de 1918, que, respectivamente, instituiu a fiscalização dos banco alemães no Brasil e

impôs a submissão das operações de câmbio à autorização prévia do Ministro da Fazenda. A

Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), criada pelo decreto-lei n.º 7.293, de

02.02.1945, transformou-se no atual Banco Central do Brasil, com o advento da Lei de Reforma

Bancária de 1964.

O BACEN é a entidade criada para atuar como órgão executivo central do sistema

financeiro, cabendo-lhe a responsabilidade de cumprir e fazer cumprir as disposições que

regulam o funcionamento do sistema e as normas expedidas pelo CMN. São de sua privativa

competência, principalmente, emissão de papel-moeda, recolhimento do empréstimo compulsório

dos bancos comerciais, realização de operações de redesconto e socorro à instituições financeiras,

controle do crédito, fiscalização e autorização de funcionamento de todas as instituições

financeiras.

Em países como Alemanha, Japão e Estados Unidos, o modelo clássico de Banco Central

é independente, ou seja, seus diretores são designados pelo Congresso, eleitos para um mandato

3 SILVA, Américo Luís Martins da. A Ordem Constitucional Econômica. Lumens Juris, 1996, p.225. 4 ABRÃO, Nelson. Curso de Direito Bancário. Revista dos Tribunais, 1982, p. 9

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fixo de oito a quatorze anos. Não há subordinação ao Tesouro. No Brasil, frente às críticas à

política econômica adotada pelo atual governo, tramita projeto de lei complementar no Congresso

Nacional que transforma o Banco Central em agência independente do Ministério da Fazenda,

assim como já o são a ANP (Agência Nacional do Petróleo) e a ANATEL (Agência Nacional de

Telecomunicações).

3.1.4. Comissão de Valores Mobiliários

A CVM foi criada pela Lei n.º 6.385/76, pela necessidade de superar a falta de uma

entidade do Sistema Financeiro Nacional que assumisse a regulação e fiscalização do mercado de

capitais, especialmente no que se referia às sociedades de capital aberto, bem como a

responsabilidade pela regulamentação e fiscalização das atividades relacionadas ao mercado de

valores imobiliários (ações, debêntures etc.).

É uma entidade auxiliar, autárquica, autônoma e descentralizada. Seus objetivos

fundamentais são estimular a poupança no mercado acionário, assegurar o funcionamento

eficiente e regular das bolsas de valores e instituições auxiliares que operem neste mercado,

proteger os titulares de valores mobiliários contra emissões irregulares, fiscalizando a emissão,

registro, distribuição e negociação de títulos emitidos pelas sociedades anônimas de capital

aberto.

3.1.5. Tipos de Valores Mobiliários (papéis)

Podemos citar como exemplos de valores mobiliários as ações, partes beneficiárias,

debêntures, bônus de subscrição, certificados de depósitos de valores mobiliários, nota

promissória comercial, índices representativos de ações, opções de compra e venda de valores

mobiliários, direitos de subscrição, recibos de subscrição, cotas de fundos de renda variável e

cotas de fundo imobiliário. São chamados de papéis por historicamente serem emitidos em papel

do tesouro, com timbre e assinatura, em um ato formal de cessão de crédito. Atualmente o

sistema é operado por programas de registros informatizados.

Ainda como valores mobiliários há notas, letras e certificados do Tesouro Nacional, da

Dívida Pública Federal, Estadual e Municipal, cambiais e os certificados interbancários (CDB,

RDB, CDI), de negociação livre entre os bancos. Todos são papéis que movimentam o Mercado

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Financeiro e, afora suas peculiaridades, serão objeto de análise das condutas previstas na Lei

7.942/86.

3.2. Aspectos Jurídicos Doutrinários

Neste tópico será utilizada a doutrina jurídica atual, não intocável, mas já objeto de longos

estudos dos mais variados e respeitados autores e juristas brasileiros, como base para a

compreensão mais detalhada dos aspectos intrínsecos à lei em questão, como as definições de

crime e ação penal. Mais fundo ainda, para buscar no âmago da teoria do Estado os fatores que

lhe creditam o papel de limitador e interventor das atividades de interesse público, tendo o poder

de perseguir o indivíduo e violentar seus direitos inerentes, como a liberdade, a propriedade, e

por que não, a vida.

3.2.1. A Tutela do Estado

Segundo Dalmo de Abreu Dallari (2001), a denominação Estado (do latim status, estar

firme) significando situação permanente de convivência, ligada à sociedade política, aparece pela

primeira vez em “O Príncipe” de Maquiavel, escrito em 1513. Por isso, somente é possível

aceitar o surgimento do Estado com as formas peculiares hoje conhecidas a partir do século XVI.

Mas é impossível chegar-se a uma idéia completa sem ter a consciência de seus fins. O Estado é

sempre uma unidade de fim, ou seja, é uma unidade conseguida pelo desejo de realização de

inúmeros fins particulares, sendo importante localizar aqueles que o conduzem à unificação.

Muito se discute a respeito da limitação da finalidade de Estado, que ainda segundo

Dallari, pode ser divido em fins limitados e fins expansivos. Estes são os que preconizam o

Estado Totalitário, o Estado do bem-estar, o Estado Ético, nos quais há o crescimento

desmesurado, a tal ponto que se acaba anulando o indivíduo. Aqueles são os que reduzem ao

mínimo a atividade do Estado, sobretudo em matéria econômica, dando a ele a posição de mero

vigilante social, de Estado-polícia.

No meio termo desta classificação está a mais pertinente, a idéia de Estado de Direito.

Para o contratualismo, especialmente como foi expresso por Thomas Hobbes em “O Leviatã”

(1651) e Jean-Jacques Rousseau em “O Contrato Social”, cada indivíduo é titular de direitos

naturais, com base nos quais nasceram a sociedade e o Estado. Mas ao convencionar a formação

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do Estado e, ao mesmo tempo, a criação de um governo, os indivíduos abriram mão de certos

direitos, mantendo, entretanto, a possibilidade de exercer os poderes soberanos, de tal sorte que

todas as leis continuam a ser a emanação da vontade do povo. Assim, pois, o que se exige é que

ele seja um aplicador rigoroso do direito, não somente garantindo a igualdade jurídica, mas a

igualdade de todos os indivíduos nas condições iniciais da vida social.

A partir desta personalidade jurídica outorgada pelo povo, o Estado é competente para

exercer poder sobre os mesmos, através da criação de normas jurídicas, que disciplinarão a vida

no meio social. E, mesmo com as constantes decepções com o Estado sofridas pela população,

em função daqueles que ocupam a máquina pública, não se pode questionar sua legitimidade e

sua importante tutela na resolução dos conflitos.

3.2.2. Direito Penal

As aflições sociais sempre encontraram como ultima ratio, como proteção, a guarida do

Direito Penal. Segundo Luiz Regis Prado (2000), o Direito Penal é o setor ou a parcela do

ordenamento jurídico público interno que estabelece as ações ou omissões delituosas,

cominando-lhes determinadas conseqüências jurídicas. Ele diz respeito ao direito de punir do

Estado (princípio da soberania), correspondente à exclusiva faculdade de impor sanção criminal

diante da prática do delito. Enquanto sistema normativo, integra-se por normas jurídicas que

criam o injusto penal e suas respectivas conseqüências. De outro lado, refere-se, também, a

comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social, que afetam

gravemente bens jurídicos indispensáveis à sua própria conservação e progresso.

Para cumprir tal desiderato, no Estado de Direito Democrático, o legislador seleciona os

bens relevantes para a vida social e, por isso mesmo, merecedores da tutela penal. A noção de

bem jurídico implica realização de um juízo positivo de valor acerca de determinado objeto ou

situação social.

Alguns são os princípios penais de garantia básicos, essenciais para seu entendimento e

aplicação:

• Princípio da Legalidade: “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem

prévia cominação legal” (art. 1o, CP). Garante os direitos individuais através da

formalidade do Direito Penal, que dá tipicidade (descrição detalhada da conduta)

estrita aos delitos. Não há como realizar interpretações ampliativas da norma penal;

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• Princípio da Culpabilidade: não há pena sem culpa, e a pena não pode extrapolar a

medida da culpabilidade. Não se fala em imputação de penas sem que fique

materialmente provada a autoria;

• Princípio da Pessoalidade: impede a punição por fato alheio, somente podendo o autor

da infração ser apenado. “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5o,

XLV, C.F.);

• Princípio da Individualização e Proporcionalidade das penas: garante que a sanção

seja proporcional à gravidade da infração cometida ou à importância do bem jurídico

violentado, assim como garante que a pena seja gradativa, e individualizada, de

acordo com sexo, idade e natureza do delito.

3.2.3. Norma Penal

A lei é o modo de exteriorização da norma, sendo a lei formal a fonte normativa primeira

no campo penal. A estrutura lógica da norma jurídico-penal pode ser dividida em tipo legal

(hipótese legal, previsão fática ou antecedente) e sanção penal (conseqüência jurídica, efeito ou

estatuição). Um exemplo simples dessa composição é o artigo 121 do Código Penal que tipifica o

homicídio simples: “matar alguém; pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos”.

3.2.4. O Dever e a Responsabilidade

O dever jurídico decorre da incidência da norma, legal ou contratual, e está situado no

momento da liberdade humana, uma vez que o homem é livre para cumpri-lo ou descumpri-lo. A

responsabilidade surge em um segundo momento, em face do não cumprimento do dever, isto é,

frente à não prestação jurídica. Por isto, diz-se que a responsabilidade é um pressuposto para a

efetividade da sanção resultante desta não prestação.

A sanção é o meio de que se vale o Direito para desestimular a conduta, ou a omissão.

Assim, somente é útil na medida em que é eficaz. E sua eficácia depende, em primeiro lugar e

acima de tudo, de sua viabilidade, passando a mensagem para seu destinatário de que ela

certamente ocorrerá. Justamente por isto diz-se que o efeito intimidativo da sanção depende mais

da certeza de sua aplicação que de sua gravidade.

As sanções no campo civil e administrativo são consideradas, por excelência, de execução

forçada, já que implica adoção de meios coercitivos para compelir o devedor à prestação a que

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está juridicamente obrigado. Geralmente apresentam-se com viés patrimonial, indenizações,

ressarcimentos e multas. Já a sanção penal é a pena prisional, privação da liberdade corporal ou

física, mediante a detenção e a reclusão. São, portanto, sanções pessoais, que não passam da

pessoa do condenado. Alguém pode ser responsável pelos atos de outrem no campo civil, mas

nunca no campo penal.

No caso dos crimes do colarinho branco, as penas previstas por lei têm seu caráter

intimidativo também no campo moral, devido ao preconceito social. Isto porque a condenação

tem seu viés infamante, e os agentes normalmente fazem parte de classes dotadas de riquezas e

prestígio.

3.2.5. Conceito de Crime

O Código Penal vigente não contém uma definição de crime, que é deixada à elaboração

da doutrina. Nesta, tem-se procurado definir o ilícito penal sob três aspectos diversos.

Atendendo-se ao aspecto externo, puramente nominal, do fato, obtém-se uma definição formal;

observando-se o conteúdo do fato punível, consegue-se uma definição material ou substancial; e,

examinando-se as características ou aspectos dos crime, chega-se a um conceito também formal,

mas analítico da infração penal5.

• Crime sob o aspecto formal: considera-se que “crime é toda ação ou omissão proibida

pela lei sob ameaça de pena”6;

• Crime sob o aspecto material: sob esse aspecto substancial, tem-se que “crime é a

conduta humana que lesa ou expõe a perigo bem jurídico protegido pela lei penal”7;

• Crime sob o aspecto analítico: analiticamente, tem-se que crime é um “fato humano

descrito no tipo legal e cometido com culpa, ao qual é aplicável a pena”8.

Resumidamente, pode-se dizer que o crime é um fato típico, ilícito e culpável.

3.2.6. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica

O fenômeno da coletivização da vida social demonstra mundialmente, de maneira

preocupante, o surgimento de novas formas de criminalidade, como os casos mais graves de

5 MIRABETE, J. Fabrini. Manual do Direito Penal. Atlas, 1996, p. 92 6 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. Forense, 1980, p. 48 7 NORONHA, Magalhães. Direito Penal. Saraiva, 1978, v. 1, p. 105. 8 BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal. Saraiva/Edusp, 1973, v. 1, p. 129

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delinqüência econômica e crimes ambientais, normalmente praticados sob a égide das pessoas

jurídicas. Daí decorre a idéia de não sancionar somente os autores materiais – que podem mudar e

ser facilmente substituídos –, mas, também, e sobretudo, o próprio agrupamento.

Paralelamente ao direito penal clássico fundado na culpa individual, surge atualmente

uma nova corrente dogmática, que busca criminalizar as atividades lesivas de empresas.

As reuniões e congressos internacionais de direito penal têm, sistematicamente,

recomendado a adoção de medidas tendentes à criminalização das pessoas jurídicas,

principalmente nas questões relacionadas ao meio ambiente e ao crime organizado. Nesta mesma

linha, o constituinte brasileiro, diante de novas demandas sociais, sensibilizou-se para a

necessidade da responsabilização penal da pessoa jurídica nos casos de lesão ao meio ambiente,

contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

A materialização dos instrumentos persecutórios e procedimentais específicos

possibilitará o descobrimento de uma nova e paralela dogmática penal, necessária, nos dias de

hoje, para coibir os graves abusos praticados pelas pessoas jurídicas.

Duas são as teorias acerca das responsabilidades penais da pessoa jurídica. A primeira,

criada por Savigny9, afirma que as pessoas jurídicas têm existência fictícia ou irreal. São entes

abstratos capazes de possuir, mas incapazes de delinqüir (carecem de vontade e de ação). Os

crimes imputados às pessoas jurídicas são praticados sempre por seus membros ou diretores

(pessoas naturais), mesmo que o interesse da corporação tenha servido de motivo ou fim para o

delito. Já a segunda – teoria da realidade, da personalidade real ou orgânica -, cujo precursor mais

ilustre foi Otto Gierke, ao contrário, afirma que as pessoas jurídicas são entes reais (vivos e

ativos), independentes dos indivíduos que a compõem. Têm personalidade real, dotada de

vontade própria, com capacidade de ação e, consequentemente, de praticar ilícitos penais. O ente

corporativo é uma realidade social, sujeito de direitos e deveres e capaz de dupla

responsabilidade: civil e penal10.

O fato é que o Direito Penal brasileiro adere-se à irresponsabilidade penal da pessoa

jurídica, isto é, isentando-a de responsabilidade, por não prover capacidade de ação, de

culpabilidade e de pena

Entretanto, enquanto o legislador brasileiro não atentar para essas graves imprecisões,

persistirão problemas sérios não só no âmbito processual, mas também no campo do Direito

9 SAVIGNY, M. E. C. de. Traité de Droit romain. Paris, Didot Frères, 1855.

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Penal. Seria necessário que o legislador previsse, para cada tipo penal, a espécie de pena e os

limites, máximo e mínimo, para aplicação à pessoa jurídica, assim como fez com a pena para as

pessoas físicas.

3.2.7. Ação Penal

Segundo Luiz Regis Prado (2000), a ação penal é o momento da persecução do crime no

qual se concretiza a acusação contra seu autor. É a forma de invocar o Estado para solucionar os

litígios, de acordo com a competência de administração da justiça que ele evocou para si,

evitando que os sujeitos os resolvam por vingança privada, a autotutela (por seu próprio arbítrio)

e a autocomposição (mediante conciliação).

A ação penal pode ser dividida entre pública e privada. Assim, dispõe o artigo 100 do

Código Penal que a ação penal será pública, salvo quando a lei, de modo expresso, declará-la

privativa do ofendido.

• Ação penal pública incondicionada: sendo o órgão competente para a proposição o

Ministério Público, qualquer pessoa do povo poderá oferecer-lhe informações sobre

fato e autoria de um crime, que quando avaliadas, darão início a uma denúncia,

promovida independente de representação da vítima, mesmo contra sua vontade;

• Ação penal pública condicionada: diferencia-se da incondicionada por necessitar o

Ministério Público de uma condição inicial, seja uma representação da vítima ou uma

requisição do Ministério da Justiça (quando a vítima for o Presidente da República);

• Ação penal privada: quando cabe a iniciativa ao ofendido, não mais ao Ministério

Público. São crimes de ação penal privada os contra a honra (calúnia, injúria ou

difamação), a fraude à execução, a usurpação de nome, o atentado violento ao pudor,

entre outros. Mesmo assim poderá o MP intervir em todos os atos do processo,

fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, retomar a ação penal

como parte principal, verificada a negligência do querelante (o autor da queixa-crime);

São os princípios que regem a ação penal:

• Princípio da Oficialidade: incumbência do Estado de agir, através do Ministério

Público, verificada a ocorrência de uma infração penal;

10 MESTRE, Aquiles. Las Personas Morales y su Responsabilidad Penal. Madrid, p. 189.

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• Princípio da Indisponibilidade: o Ministério Público não pode desistir da ação penal

proposta;

• Princípio da Obrigatoriedade: a propositura da ação penal é dever do Ministério

Público, uma vez verificadas as condições de ação e os pressupostos processuais que

legitimem sua atuação.

A ação penal tem por característica preliminar o formalismo processual, necessários à

garantia dos direitos fundamentais, por tratar-se de penalidades severas que implicarão perda ou

restrição de liberdade. Somente assim o réu poderá ter sua assegurado seu direito constitucional

de ampla defesa, afastando possíveis condenações injustas.

3.3. Aspectos Legais

Assimilados os fundamentos teóricos, ora próprios ora emprestados pela bibliografia

consultada, faz-se necessário, em sendo um estudo do Direito, pesquisar e interpretar leis, já que,

antes de alcançar a Lei n.º 7.492/86, que é complementar, é preciso passar, mesmo que

superficialmente, por outros códigos que também têm impactos penais na atividade empresarial,

ou que fazem parte do conjunto que regula o Direito Privado Empresarial, tendo surgindo

posteriormente como forma de delimitar e completar mais ainda o rol dos crimes contra a

macroeconomia.

Para tal, a ordem cronológica ficará instituída pela própria hierarquia formal, que se inicia

no topo da pirâmide normativa, a Constituição Federal.

3.3.1. A Constituição Federal de 1988

Ao estudar os aspectos legais da livre iniciativa versus a responsabilidade penal, dirige-se

ao ápice da obra legislativa brasileira, a Carta Máxima. A Constituição Federal Brasileira,

promulgada em 5 de outubro de 1988 é uma das mais extensas do mundo. Traz 250 artigos

(descontados os outros 83 referentes às disposições constitucionais transitórias), cada um deles

com dezenas de parágrafos, incisos e alíneas. Para questionar sua estranha grandeza, basta

compará-la com a Constituição norte-americana, que consta de ínfimos 27 artigos. Os grandes

constitucionalistas brasileiros dirigem sua crítica à desnecessidade de tratar de tantas matérias,

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quando seu principal fundamento é constituir a estrutura e organização do Estado Brasileiro. Uma

desta matérias é o Sistema Financeiro Nacional.

O legislador constituinte deu orientações sobre sua organização, às vezes extrapolando o

limite da generalidade, como é o caso do parágrafo 3o do art. 192, no qual ele veda que as taxas

de juros reais relativas à concessão de crédito no país não sejam superiores à doze porcento ao

ano.

Já no primeiro artigo, “Dos Princípios Fundamentais”, a livre iniciativa aparece como

fundamento do Estado Democrático de Direito, em seu inciso IV, o que demonstra a inicial

preocupação em expressar seu liberalismo. Já o artigo 5o, tido como de extrema importância por

dispor dos direitos e garantias individuais inerentes à pessoa humana, faz novamente menção à

livre iniciativa, bem como ao direito de propriedade (art. 5o, IV, XVII, XVIII e XXII). Porém, são

redundantes à medida que o artigo 170 da mesma Constituição, “Da Ordem Econômica e

Financeira”, aprece de forma mais restrita para regulamentar tais aspectos sócio-econômicos:

“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna,

conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes

princípios:

II – propriedade privada”.

Neste mesmo artigo encontra-se um preceito interessante referente ao confronto de

responsabilidades entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que a compõem. Mas de modo

bastante genérico, não especificando ser a punição de caráter penal ou não, deixando espaço para

as leis de matéria específica, que irão regulamentar crimes e infrações contra ordem econômica e

financeira. O parágrafo 5.º do artigo 173 assevera, in verbis:

“A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da

pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às

punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a

ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.

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3.3.2. O Código Comercial Brasileiro

O Código Comercial Brasileiro, Lei n.º 556 de 25 de junho de 1850, regulamenta as

relações de comércio, e, dada sua obsolescência, está com seus dias contados. A Lei n.º 10.406,

de 10 de janeiro de 2002, institui o novo Código Civil brasileiro, que entrará em vigência no ano

de 2003, substituindo o Código Civil atual, de 1916, e a Parte Primeira do Código Comercial.

Neste novo Código, estarão, portanto, unificados o direito civil e o direito comercial, sem

prejuízo da legislação anterior que com ele não confronta. Trata-se, na verdade, de um código

geral de direito privado.

Dentre as inúmeras alterações trazidas pelo novo código, nada se compara com a

verdadeira revolução que ocorre no direito comercial. O Brasil passará a adotar a teoria da

empresa, incorporada ao direito italiano no Código Civil de 1942 (que unificou, além do direito

civil e comercial, o direito trabalhista). Desaparecerá a figura do comerciante e em seu lugar

surgirão a empresa e o empresário, além de expressões mais condizentes com a realidade

econômica atual. O conceito de pessoa jurídica, que atravessou o século findo impedindo o

acesso ao patrimônio dos sócios, não obstante a prevalência de responsabilidades da sociedade,

perde sua força absoluta. O art. 50 do novo Código Civil brasileiro permite a desconsideração da

personalidade jurídica em caso de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade do instituto, ou

pela confusão patrimonial. A requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber

intervir no processo, o Juiz pode decidir que os efeitos de certas e determinadas relações de

obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa

jurídica.

O novo Direito de Empresa, porém, não avançou, como se esperava, para permitir novas

formas de atuação empresarial, como a sociedade unipessoal e a empresa individual de

responsabilidade limitada. A falta desses modelos tem propiciado o abuso do instituto

“sociedade” com o objetivo de limitar a responsabilidade dos sócios. A pessoa jurídica ergue-se

como véu protetor do patrimônio particular dos integrantes da sociedade. Daí a existência de

sociedades pró-forma ou constituídas por "laranjas". A sociedade limitada é a mais utilizada, pela

possibilidade de adoção no contrato de cláusula de limitação da responsabilidade dos sócios à

totalidade do capital social.

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Outro aspecto interessante a ser observado é que o novo CCB não conceitua a empresa.

Daí o prestígio doutrinário da teoria da empresa, pela qual se apreende o conceito econômico, que

se presta ao Direito sem descrever o fenômeno empresarial como categoria jurídica. "Empresa é a

organização técnico-econômica que se propõe a produzir, mediante a combinação dos diversos

elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com

esperança de realizar lucros, correndo os riscos por conta do empresário, isto é, daquele que

reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade".11

Em vez de definir a empresa, o código define o empresário e sua forma de atuação. E o

faz dizendo ser empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para

a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Ao contrário, não é empresário, em princípio,

quem exerce atividades sem interesse econômico direto ou que não sejam de produção ou

circulação, como as de natureza científica, literária ou artística.

3.3.3. O Código Penal Brasileiro

O Decreto-Lei n.º 2.848 de 7 de dezembro de 1940, mais conhecido como Código Penal,

dispõe sobre a positivação do Direito Penal aqui discutido, da tutela do Estado sobre os bens

jurídicos que o legislador considerou relevantes. Trata principalmente da tipificação (descrição de

fato natural) dos crimes contra a pessoa (contra a vida, contra a honra, contra a liberdade

individual), contra o patrimônio (furto, roubo, dano, usurpação, estelionato), contra a propriedade

imaterial (contra a propriedade intelectual, contra o privilégio de invenção), contra a organização

do trabalho, contra o sentimento religioso, contra o respeito aos mortos, contra os costumes,

contra a família, contra a paz pública, contra a fé pública e contra a administração pública.

Pela quantidade de títulos nele contidos (são 361 artigos), é fácil perceber que o Código

Penal teve de ser o mais claro e específico possível, já que o Direito Penal não admite

interpretações ampliativas, por obedecer ao princípio da Taxatividade. A própria lei contém

grande parte da doutrina, tornando-o didático, evitando distorções na cominação das penas. Os

artigos dispõem eles mesmos sobre os princípios que serão utilizados como referência no

decorrer do código.

Assim como a maioria do material normativo brasileiro, o Código Penal está obsoleto, já

que data de 1940. Nestes 60 anos, a população brasileira cresceu mais de 10 vezes, evidenciando

11 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Direito comercial. 15. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1945, p. 392.

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os desequilíbrios sociais no país. Novos tipos criminais surgiram, novas formas de modus

operandi (modo de execução) de tipos existentes também. O criminoso especializou-se na

cogitação, preparação e execução do crime, deixando muitas vezes a polícia e a justiça de “mãos

atadas” no seu combate. Para corrigir tais desvios, o legislador lançou-se de uma infinidade de

leis complementares e esparsas, que hoje estão anexas ao Código, tornando-se impossível

interpretá-lo sem recorrer a elas. É o caso da Lei n.º 7.492/86.

Quando se fala em reforma do Código Penal, logo remete-se à mudança da idade mínima

de imputabilidade penal, atualmente de 18 anos. Parece lógico, já que o bem jurídico tutelado

nesta questão é o mais precioso, a vida. Porém, o código atual demonstra-se também pouco eficaz

na tipificação mais detalhada dos crimes contra o patrimônio e contra a fé pública, mostrando-se

hoje tão necessária em decorrência da proporção gigantesca que o mercado financeiro mundial

toma.

O artigo 177 (vide Título II, Dos Crimes Contra o Patrimônio, Capítulo VI, Do

Estelionato e Outras Fraudes), por exemplo, sobre fraudes e abusos na fundação ou administração

de sociedade por ações, é interessante à medida que dispõe pela primeira vez sobre os crimes

praticados no âmbito da empresa, por sócios, diretores, gerentes e administradores em geral. É o

principio de todo e qualquer esforço destinado a impedir que indivíduos utilizem-se de

sociedades empresariais para promover benefício próprio ilícito e ao mesmo tempo, em uma

relação de causa e efeito inseparáveis, causar prejuízos a terceiros e à sociedade.

“Art. 177. Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em

prospecto ou em comunicação ao público ou à assembléia, afirmação

falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente

fato a ela relativo:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não

constitui crime contra a economia popular”.

O presente artigo trata, portanto de uma forma utilizada por fraudadores do meio

empresarial para captar dinheiro de investidores de boa fé através de afirmação falsa ou ocultação

de informações sobre a constituição da sociedade, da qual estes não participariam se as

soubessem. Mesmo que sua escritura deva ser registrada e aprovada pelo Banco Central, muitas

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vezes sua situação cadastral legal não implica regularidade nas ações tomadas pelo constituinte. E

esta situação provoca uma escalada de atos ilegais lesivos, que veremos a seguir, dentro deste

mesmo artigo:

“Parágrafo 1.º Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime

contra a economia popular:

I – o diretor, o gerente ou o fiscal de sociedade por ações, que, em

prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou à

assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da

sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas

relativo;

II – o diretor, o gerente ou o fiscal que promove, por qualquer artifício,

falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade;

III – o diretor ou o gerente que toma empréstimo à sociedade ou usa, em

proveito próprio ou de terceiro, dos bens ou haveres sociais, sem prévia

autorização da assembléia geral;

IV – o diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da sociedade,

ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite;

VI – o diretor ou o gerente que, na falta de balanço, em desacordo com

este, ou mediante balanço falso, distribui lucros ou dividendos fictícios;

VII – o diretor, o gerente ou o fiscal que, por interposta pessoa, ou

conluiando com acionista, consegue a aprovação de conta ou parecer;

Parágrafo 2.º Incorre na pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois)

anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para

outrem, negocia o voto nas deliberações de assembléia gera”.

Neste caso, ficou clara a preocupação do legislador em proteger os sócios ou acionistas

das condutas ilícitas dos gestores, que têm em suas mãos um patrimônio imenso, porém de

terceiros. Paralelo semelhante pode ser feito em relação ao servidor público e toda a sociedade. A

responsabilidade de gestão dos administradores diz respeito não somente a desenvolver e

incrementar o patrimônio alheio, mas também a não desviar ou tentar tirar proveito próprio, dada

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco – Ralph Melles Sticca

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sua situação privilegiada diante da empresa. A maioria das decisões cotidianas de uma empresa

são tomadas sem prévia consulta aos sócios, e não deve ser sua mera dispensa a única punição

por fraudar uma sociedade constituída pela livre iniciativa e boa fé.

E, ainda no paralelo à administração pública, há na sociedade por ações, por constituir-se

da reunião de número considerável de pessoas participando de um mesmo fim mas com

interesses distintos, lobbies e tramas políticas que visam beneficiar algumas parcelas mais que as

outras, devendo o Estado intervir no campo penal quando estas ações extrapolarem os limites da

legalidade. Porém é fácil perceber que as disposições do artigo são demasiado genéricas,

dispensando pouca atenção para um assunto tão importante.

Tratando ainda sobre fraudes constantes do Código Penal brasileiro, o artigo seguinte,

178, diz respeito a um importante instituto utilizado diariamente pelas instituições financeiras e

portanto regulamentado por disposição legal: a garantia (warrant) ou conhecimento de depósito.

Quando se faz captação de recursos mediante instituição financeira, são exigidas garantias reais

ou pessoais a fim de diminuir o risco de insolvência do tomador, possibilitando, portanto, a

transação. Para quem fraudá-las, pena de um a quatro anos de reclusão, mais multa.

Na seqüência, o artigo 179 trata brevemente sobre a fraude à execução, quando o

indivíduo impelido judicialmente ao pagamento de determinada quantia, alienar, destruir,

danificar bens, ou mesmo simular novas dívidas a fim de comprovar a impossibilidade material

de pagamento. Quando executado a pedido do credor, a justiça penhora seus bens com o intuito

de garantir o cumprimento das prestações por ele assumidas. A fraude à execução será novamente

observada nos crimes do colarinho branco.

O título X trata dos Crimes Contra a Fé Pública, dentre eles a falsificação de moeda, de

títulos ao portador, de papéis públicos, de documentos públicos e privados. Aparece aqui, no

artigo 299, um crime muito conhecido do homem médio brasileiro, o de falsidade ideológica, que

visa omitir, inserir declaração falsa em documentos públicos ou privados com o fim de prejudicar

direito, criar obrigação ou alterar verdade sobre fato juridicamente relevante. A pena para estes

crimes pode chegar a cinco anos de reclusão

Tais tipicidades aqui discutidas aparecem na Lei de Crimes do “colarinho branco”,

tacitamente ou com escopo diferente, stricto sensu, de acordo com o interesse do legislador em

tornar estes crimes únicos.

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3.3.4. Decreto-Lei n.º 7.661/45

O Decreto Lei n.º 7.661 de 21 de junho de 1945 é conhecido como “Lei de Falências” e

traz disposições a respeito da forma como procederá a liquidação de uma empresa com

impossibilidade de solvência de suas obrigações, pagamento do passivo. Tem relevância para o

Sistema Financeiro à medida que penaliza com detenção condutas por parte do falido

consideradas fraudes contra credores e simulações, visando assim o desvio de patrimônio da

massa falida. Entre seus credores seguramente estará o público investidor, além é claro do fisco.

Dentre as principais ações vedadas por lei, que traçam inclusive a conduta pré-falimentar,

estão os gastos pessoais ou familiares; prejuízos vultosos em operações arriscadas; falta de

apresentação do balanço, dentro de 60 dias após a data fixada para seu encerramento; pagamento

antecipado de uns credores em prejuízo de outros; desvios de bens, inclusive pela compra em

nome de terceira pessoa, ainda que cônjuge ou parente; falsificação material de escrituração;

destruição, inutilização ou supressão, total ou parcial, dos livros obrigatórios e reconhecimento de

créditos falsos como sendo verdadeiros. (art. 186, I, V, VII; art. 187, II, III, VI, VIII e art. 189,

III). Em qualquer um destes casos acima, o administrador poderá ser detido, como pena, por até

três anos.

Dois artigos chamam maior atenção por sua importância para este estudo. O artigo 191

desta mesma lei reza que “Na falência das sociedades, os seus diretores, administradores,

gerentes ou liquidantes são equiparados ao devedor ou falido, para todos os efeitos penais

previstos nesta Lei”. O legislador preocupou-se em ampliar responsabilidades, a fim de que,

dentro de todo o processo concordatário ou falimentar, não haja discussão ou troca de acusações

entre sócios, diretores e gerentes, o que remeteria ao problema de “agency”, conflito entre sócios

e administradores, também no campo de responsabilidades penais. Evita que através de

falsificações ou simulações, um prejudique o outro, mas principalmente que ajam em conjunto

contra o público investidor. Como diretor, mesmo que seu vínculo seja meramente empregatício,

não há possibilidade de isentar-se de responsabilidades em caso de fraudes, ainda que

obedecendo a diretrizes de superiores.

O segundo artigo passível de ser citado é o 187: “Será punido com reclusão, por 1 (um) a

4 (quatro) anos, o devedor que, com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para

outrem, praticar, antes ou depois da falência, algum ato fraudulento de que resulte ou possa

resultar prejuízo aos credores”. Aqui o legislador foi mais genérico, abordando qualquer ação que

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco – Ralph Melles Sticca

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venha a trazer prejuízos propositais aos credores, em favor dos sócios ou administradores. A pena

é bastante severa, por tratar-se de reclusão, não mais detenção. Este artigo caberia no próprio

Código Penal, e dentre suas possibilidades materiais estão condutas descritas na Lei do

“colarinho branco”.

3.3.5. Lei n.º 1.521/51

A Lei n.º 1.521 de 26 de dezembro de 1951 dispõe sobre os crimes contra a economia

popular. Muitos de seus dispositivos foram reformados pelo Código de Defesa do Consumidor,

de 1990, mais atualizado. Mas apesar de sua idade, tem grande importância no assentamento de

condutas lesivas praticadas por diretores, gerentes e administradores, que foram mais tarde

utilizadas, inclusive pela Lei 7.492/86, para definir gestão fraudulenta e gestão temerária. É

também notável instrumento, quanto aplicado, para a proteção do sistema financeiro nacional.

O artigo 3.º, que fora bastante repetido por legislações supervenientes, descreve, dentre

outras condutas relativas à concorrência desleal e política ilegal de preços, “provocar a alta ou

baixa de preços de mercadorias, títulos públicos, valores ou salários por meio de notícias falsas,

operações fictícias ou qualquer outro artifício” (inciso VI), “dar indicações ou fazer afirmações

falsas em prospectos ou anúncios, para fim de substituição, compra ou venda de títulos, ações ou

quotas” (inciso VII). Nestes dois incisos caracteriza-se o crime de manipulação de mercado

através de fraudes em operações de compra e venda de títulos, manipulando os preços ou mesmo

induzindo acionistas a negociar suas ações baseados em notícias falsas. Serão punidos com pena

de detenção de dois a dez anos aqueles administradores que tentarem forçar mutações do

Patrimônio Líquido da empresa através de fraude na oferta e demanda de ações, e falsidade na

necessidade de substituição de quotas.

Ainda no mesmo artigo, o inciso VIII veda a possibilidade de executivo concorrer a dois

cargos em empresas diferentes, que disputam o mesmo mercado, a fim de proteger a concorrência

harmoniosa, evitando que o administrador tenha poder de manipular as ações das empresas

concorrentes, prejudicando uma em detrimento da outra, ou mesmo favorecendo ambas, em

detrimento do mercado: “exercer funções de direção, administração ou gerência de mais de uma

empresa ou sociedade do mesmo ramo de indústria ou comércio com o fim de impedir ou

dificultar a concorrência”.

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco – Ralph Melles Sticca

31

O último inciso do art. 3.º é, sem dúvida, o mais importante para começar a compreender

a tipificação dos crimes do “colarinho branco”. Pode ser utilizado como referência do artigo 4.º

da Lei 7.492/86, que não é taxativo quanto aos fatores que levaram o legislador a definir a gestão

empresarial como sendo fraudulenta ou temerária. É o fenômeno permitido pelo direito penal

conhecido como tipicidade indireta: o interpretador recorre a outro artigo ou lei penal a fim de

garantir maior especialidade do tipo penal.

“IX – gerir fraudulenta ou temerariamente bancos ou estabelecimentos

bancários, ou de capitalização; sociedades de seguros, pecúlios ou

pensões vitalícias; sociedades para empréstimos ou financiamentos de

construções e de vendas de imóveis a prestações, com ou sem sorteio ou

preferência por meio de pontos e quotas; caixas econômicas; caixas

Raiffeisen, caixas mútuas, de beneficência, socorros ou empréstimos;

caixas de pecúlios, pensão e aposentadoria; caixas construtoras;

cooperativas; sociedades de economia coletiva, levando-as à falência ou

à insolvência, ou não cumprindo qualquer das cláusulas contratuais com

prejuízo dos interessados”.

A pena para a gestão fraudulenta ou temerária no ínterim do crime contra a economia

popular é de dois a dez anos, mais multa, impossível de mensurar em valor presente, por datar a

promulgação desta lei de 1951, quando a moeda era o Cruzeiro.

Pode-se também considerar crime contra a economia popular a usura, disposta no artigo

4.º da Lei 1.521/51 como sendo a cobrança de juros, comissões ou descontos percentuais, sobre

dívidas em dinheiro, superiores à taxa permitida por lei; cobrança de ágio superior à taxa oficial

de câmbio, sobre quantia permutada em moeda estrangeira; ou, ainda, empréstimo sob penhor

que seja privativo de instituição oficial de crédito. São condutas referentes à prática de taxa de

juros abusivas para empréstimos para terceiros, além da agiotagem, empréstimo de dinheiro

mediante taxas acima das do mercado, aproveitando-se de grave crise econômica, ou mesmo do

estado de necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte.

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32

3.3.6. Lei n.º 4.595/64

A Lei n.º 4.595 de 31 de dezembro de 1964 dispõe sobre a política e as instituições

monetárias, bancárias e creditícias, além de instituir, nos termos da lei, o Conselho Monetário

Nacional. Novamente há a prescrição de condutas passíveis de pena, em redundância com o

citado artigo 187 do decreto-lei n.º 7.661/45, como por exemplo a concessão de empréstimos da

instituição financeira para seus diretores, membros dos conselhos consultivo ou administrativos,

fiscais e semelhantes.

O artigo 42 dispõe sobre a intervenção e liquidação extrajudicial de instituições

financeiras. “Os diretores e gerentes das instituições financeiras respondem solidariamente pelas

obrigações assumidas pelas mesmas durante sua gestão, até que elas cumpram”. O legislador

impôs a responsabilidade solidária entre eles, seja no respectivo montante, seja no cumprimento

de quaisquer outras penas. Estas podem ser :

• Advertência: pena aplicada pela inobservância das disposições constantes da

legislação em vigor, como nos casos de fornecimento de informações inexatas, de

escrituração mantida em atraso ou processada em desacordo com as normas expedidas

(art. 44, parágrafo 1o);

• Multa pecuniária variável: recolhida ao Banco Central do Brasil, até o limite de 200

vezes o maior salário mínimo vigente no país, sempre que as instituições financeiras,

por negligência ou dolo, não sanarem as irregularidades advertidas por este, no prazo

que lhes for assinalado, ou opuserem embaraço à sua fiscalização (art. 44, parágrafo

2o);

• Suspensão do exercício de cargos: quando forem verificadas infrações graves na

condução dos interesses da instituição financeira, ou no caso de reincidência de

infração anterior apenada com multa (art. 44, parágrafo 4o);

• Cassação da autorização de funcionamento: aplicada pelo Conselho Monetário, por

proposta do Banco Central (responsável pela autorização), nos casos de reincidência

de infração anterior apenada com suspensão ou inabilitação temporária do exercício

de cargos. (art. 44, parágrafo 9o);

• Detenção;

• Reclusão.

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33

Note-se que a atribuição da coerção pelo legislador é numerus clausus, ou seja, o rol de

possíveis penalidades é expressamente delimitado, promovendo certa hierarquia de gravidade da

conduta, ora em virtude do bem jurídico tutelado, ora pela escala de reincidência. É possível

considerar esta lei como um ataque inicial ao crimes financeiros, ao distribuir responsabilidades

específicas e punir os primeiros sinais de ilegalidade no desempenho das funções e atividades

básicas da instituições financeiras. Se esta lei fosse materialmente observada, seria capaz de inibir

a má conduta dos agentes, não precisando o legislador chegar ao ponto de criar uma lei específica

de crimes contra o sistema financeiro.

3.3.7. Lei n.º 8.078/90

A Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990 é considerada por muitos juristas como o

maior avanço da legislação brasileira nos últimos anos. É a lei que dispõe sobre a proteção do

consumidor, colocando mais uma vez as empresas e instituições financeiras no banco dos réus.

Porém, o rol de infrações penais desta lei é menor, já que em sua grande maioria ela busca a

prevenção, proteger o consumidor antes que qualquer ilícito ocorra, promovendo punições em

sua maioria pecuniárias.

De qualquer forma, há dois artigos que mais uma vez remetem-nos à legislação em

estudo. O artigo 66 do Código de Defesa do Consumidor pune com detenção de três meses a um

ano, mais multa, “fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a

natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou

garantia de produtos e serviços”. Já o artigo seguinte, 67, pune com a mesma pena “fazer ou

promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva”. Em ambos os casos

trata-se principalmente de empresas industriais e comerciais, que, ao fazerem afirmação ou

propaganda falsa ou enganosa, podem estar tentando tirar vantagens além da capacidade gerada

por sua atividade e além do que o produto ou serviço é capaz de proporcionar aos consumidores.

Esta prática também pode ser realizada por instituições financeiras. Porém a abordagem é

diferente, já que no Código do Consumidor o sujeito é determinado e a forma de apuração do

nível de falsidade é concreta, bastando a realização do serviço ou o uso do produto. No caso de

falsidade das instituições financeiras, criou-se, na Lei n.º 7.492/86, nova tipificação e pena mais

severa, mostrando que o bem jurídico tutelado, a credibilidade do sistema financeiro, é bem mais

importante, não dizendo somente ao consumidor ou investidor lesado.

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3.3.8. Lei n.º 8.884/94

A Lei n.º 8.884 de 11 de junho de 1994 dispõe sobre a prevenção e a repressão às

infrações contra a ordem econômica, além de transformar o Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (CADE) em Autarquia (órgão público com personalidade jurídica própria). Sua parte

penal é conhecida como “Crimes contra a Ordem Econômica”, regulamentando casos de

concorrência desleal, monopólio e cartel de preços. Como exemplo, o artigo 20:

“Constituem infração de ordem econômica, independentemente de culpa,

os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou

possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência

ou a livre iniciativa;

II – dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III – aumentar arbitrariamente os lucros;

IV – exercer de forma abusiva os lucros”.

Este artigo visa proteger não somente a relação empresa-consumidor, ou empresa-fisco.

Veja que o bem jurídico aqui tutelado diz respeito à ordem econômica nacional, sendo que tais

infrações penais podem acarretar grandes desequilíbrios para vários setores da economia,

prejudicando todos os seus consumidores, e até para o país, em casos sérios de entrada voraz de

empresas transnacionais que afetam a balança comercial e exterminam a indústria local. Ainda

neste ínterim, o artigo 21, não satisfeito o legislador com quatro tipos penais, coloca mais 20

condutas consideradas lesivas e passíveis de pena. Entre elas “fixar ou praticar, em acordo com

concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de

serviços” (art. 21, I), descrição para a formação de cartel. Porém, nestes casos, a pena limita-se ao

patrimônio (multa) ou à interdição de direitos inerentes à pessoa jurídica, como contratar uma

instituição financeira oficial.

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3.3.9. Lei n.º 9.605/98

Dentre as leis complementares presentes no compilado do Código Penal, a Lei n.º 9.605

de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas de condutas e

atividades lesivas ao meio ambiente, tem sua importância atualmente destacada graças ao

crescimento do Direito Ambiental, em face à preocupação constante das grandes e mesmo

pequenas empresas em, seja originalmente preservar o meio ambiente, seja astuciosamente evitar

avalanches de processos requerendo o pagamento de vultosas indenizações pelos danos por elas

causados.

Neste ponto, é de suma importância traçar o limite das sanções previstas às pessoas

jurídicas causadoras de danos ao meio ambiente: de acordo com o artigo 3.º desta lei, a

responsabilidade poderá ser administrativa, civil ou penal. Na primeira fala-se de infração

administrativa, na qual as sanções são aplicadas por autarquias competentes para a fiscalização,

integrantes do SISNAMA, Sistema Nacional do Meio Ambiente, podendo variar entre simples

advertência até demolição da obra e suspensão parcial ou total de atividades. Na segunda fala-se

de responsabilidade civil objetiva, ou seja, não é necessário ao autor da ação de reparação de

danos provar a culpa subjetiva do agente, empresa, bastando somente provar o nexo causal entre

sua ação ou omissão e o prejuízo causado. Já a última, em foco, trata da punição da pessoa

jurídica e das pessoas físicas envolvidas (art. 1.º: diretor, administrador, membro do conselho e

do órgão técnico, auditor, gerente, preposto ou mandatário), na medida de sua culpabilidade,

aplicando-lhes penas privativas de liberdade, detenção e reclusão, e penas restritivas de direitos,

como prestação de serviços à comunidade, prestação pecuniária ou recolhimento domiciliar.

Figuram nesta lei os crimes contra a fauna, a flora, o ordenamento urbano e o patrimônio

cultural, a administração ambiental, além de disposições sobre a poluição e demais crimes

ambientais, como produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer,

transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa

ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas

em leis ou nos seus regulamentos (art. 56), ou mesmo construir, reformar, ampliar, instalar ou

fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços

potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos competentes (art. 60). Note-se

que as penas via de regra não são leves, podendo alcançar os cinco anos de reclusão.

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3.3.10. Lei n.º 9.613/98

A Lei n.º 9.613 de 3 de março de 1998 dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação

de bens, direitos e valores, assim como a prevenção da utilização do sistema financeiro para os

ilícitos previstos nesta Lei. Ela cria também o Conselho de Controle de Atividades Financeiras

(COAF). Promulgada 12 anos após a 7.492/86, constitui mais um poderoso artifício legal do qual

se lançará o Estado na proteção da sociedade contra indivíduos que agem lesivamente ao sistema

financeiro. É importante na medida em que concorre aos crimes do colarinho branco, podendo

alargar ainda mais a pena do condenado, intimidando aqueles que ainda crêem na impunidade.

Além é claro da ocultação de bens originários de crimes de tráfico de drogas, armas,

terrorismo, seqüestro, o artigo 1.o apena de 3 a 10 anos de reclusão, mais multa, aqueles

indivíduos que o fizerem ao arrecadar bens provenientes de crimes contra o sistema financeiro

nacional:

“Art. 1.º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,

disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores

provenientes, direta ou indiretamente, de crime:

VI – contra o sistema financeiro nacional”.

E mais, não satisfeito com a atividade direta, ainda o legislador pune em caso de omissão,

quando o administrador tem conhecimento mas não impede, quando “utiliza, na atividade

econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos

crimes antecedentes referidos neste artigo”, ou ainda “participa de grupo, associação ou escritório

tendo conhecimento que na sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática dos crimes

previstos nesta lei”. (art. 1.º, parágrafo 2.º, I e II).

Nesta mesma Lei, o artigo 10.º dispõe da identificação dos clientes e da manutenção dos

registros, por parte das pessoas elencadas no artigo 9.º, anterior, de acordo com sua atividade.

Cite-se agentes financeiros, além da bolsa de valores, bolsa de mercadorias ou futuros, empresas

de leasing ou factoring. Isto se dá como forma de manter registros de clientes e de toda transação

em moeda nacional ou estrangeira, títulos e valores mobiliários, títulos de crédito e metais, para

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37

que o Banco Central, no exercício de suas atribuições, possa fiscalizar as operações e investigar

remessas suspeitas, tendo acesso ao nome do cliente, data, valor e destino.

Aquelas instituições que, tendo consciência da movimentação suspeita de seu cliente, não

comunicarem às autoridades competentes, ou efetuarem para o mesmo, operações fora de sua

finalidade ou limite máximo permitido, poderão ser penalizadas com a cassação da autorização

para sua operação ou funcionamento. Nestes termos surgiu o COAF, autarquia do Ministério da

Fazenda que disciplina, aplica penas administrativas, examina e identifica as ocorrências de

atividades ilícitas previstas nesta lei.

3.3.11. Lei n.º 10.303/01

Curiosamente sancionada pelo vice-presidente da República, Marco Antônio de Oliveira

Maciel, a Lei n.º 10.303 de 31 de outubro de 2001 trata dos crimes contra o mercado de capitais,

tais como manipulação do mercado, uso indevido de informação privilegiada e exercício irregular

de cargo, profissão, atividade ou função. É visivelmente mais um dispositivo adotado pelo

Estado, ao longo da evolução social, para coibir operações ilícitas de instituições ou indivíduos

que visem lesar o sistema financeiro e a credibilidade do mercado de capitais. Muito

provavelmente fruto das discussões acerca da desvalorização acentuada do real, em 14 de janeiro

de 1999, quando pessoas que exerciam funções privilegiadas no Banco Central cederam

informações a bancos privados, enquanto milhares de outras empresas fechavam suas portas por

causa das dívidas atreladas ao dólar.

“Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras

fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular

funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores,

de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou mercado de

balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para

si ou para outrem, ou causar dano a terceiros:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o

montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.”.

“Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao

mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz

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de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante

negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes

o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime”.

Pelo artigo 27 desta Lei, que pune a conduta de efetuar manobras e simulações com o

intuito de alterar artificialmente o mercado, fica claro perceber que, dada a dinâmica de seu

objeto, muito ainda pode ser acrescentado à Lei n.º 7.492/86. Da mesma forma que o mercado

financeiro é livre e repleto de oportunidades para novos negócios, o é para novos delitos.

3.4. Resumo

A fundamentação teórica afunila-se apontando finalmente para a lei objeto do presente

trabalho. Para tanto, faz-se aqui necessário um resumo dos conceitos tratados, de forma a serem

mais claramente utilizados pelo leitor. A figura 1, abaixo, é um quadro sinóptico baseado no

organograma elaborado por Fortuna (2001), e visa mostrar graficamente a ligação entre o Sistema

Financeiro Nacional e a Lei n.º 7.492/86.

O que buscou-se assinalar até aqui foi a importância do Sistema Financeiro Nacional e a

conseqüente necessidade de sua proteção por parte do Estado, justamente seu criador. A

Constituição Federal cria o SFN dando-lhe a autonomia necessária para que se desenvolva

seguindo os padrões capitalistas e liberalistas adotados pelo país; cria entidades e autarquias

competentes para regulá-lo e fiscalizá-lo; permite a criação de inúmeras modalidades de

instituições e agentes financeiros que irão fazer a conexão entre o governo e a sociedade,

oferecendo-lhe crédito e estimulando-a a poupar. Em contrapartida, este mesmo Estado, dotado

de seus poderes de polícia, pune aquelas pessoas, físicas ou jurídicas, que abusarem de suas

prerrogativas para lesar o público investidor, gerando conseqüências sistêmicas ao mercado,

desequilibrando por completo sua confiabilidade e funcionalidade. Tais conseqüências tem

efeitos até mesmo externos, como na percepção do risco-Brasil, medido por agências nacionais

de rating.

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco – Ralph Melles Sticca

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Figura1: quadro sinóptico

Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro

Leis Penais Complementares

Código Penal

Direito Penal

Conselho Monetário Nacional

Banco Central do Brasil

Comissão de Valores Mobiliários

Subsistema Normativo

Banco do Brasil S.A.

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

Caixa Econômica Federal

Agentes Especiais

Bancos Comerciais, de Investimento, Múltiplos

Fundos de Investimento, Bolsa de Valores

Consórcios, Factoring, Administradoras de Crédito

Demais Instituições Bancárias, Não-bancárias e Auxiliares

Subsistema de Intermediação

Sistema Financeiro Nacional

Constituição Federal de 1988

Estado

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco – Ralph Melles Sticca

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4. OS CRIMES DO “COLARINHO BRANCO”

4.1. Histórico

Criada há 16 anos, em 16 de junho de 1986, a Lei 7.492/86 que dispõe sobre os Crimes

contra o Sistema Financeiro Nacional somente agora atinge sua maturidade. Passou por três

planos econômicos turbulentos (Plano Cruzado, Plano Collor e Plano Real), uma nova

Constituição, e uma década repleta de escândalos envolvendo o sistema financeiro e os cofres

públicos (Banco Econômico, Encol, Banco Marka etc.), mas ainda assim não foi aplicada com

efetividade, tendo sido criticada por muitos legisladores. Entretanto, há agora uma tendência

positiva de finalmente colocá-la em prática.

A Lei contraiu este apelido, que já existia mesmo antes de sua elaboração, em virtude de,

pela primeira vez na história do Brasil, marcada pela exploração do poderio econômico, perseguir

a elite capitalista (consequentemente política), as oligarquias, pessoas que acumulam riquezas, na

maioria das vezes fruto de exploração ilícita do sistema financeiro durante gerações; portanto

pessoas de “colarinho”, das camisas sociais, “branco”, limpo, bem arrumado, em alusão à

vestimenta característica dos escritórios e redutos burocráticos. Mas será a prática destes crimes

exclusiva das elites econômicas do país? Em grande parte sim, pela escala do prejuízo que suas

fraudes proporcionam. Mas do outro lado estão os sócios, diretores, gerentes e administradores de

instituição financeira, que também podem ver-se cercados pela responsabilidade penal, por

praticar, em seu exercício diário, atos lesivos, mesmo que em benefício de seus superiores.

A lei n.º 7.492/86 incriminou diversas condutas, definidas e puníveis nos termos dos tipos

e penas ofertados, impondo competência diferenciada e traçando determinadas regras específicas

de natureza processual penal. Em seu preâmbulo, delimitou seu objetivo e definiu o que é

instituição financeira para fins de sua própria incidência. Em dois subtítulos – Dos Crimes contra

o Sistema Financeiro Nacional e Da Aplicação e do Procedimento Criminal – descreveu os

delitos em espécie e traçou rotinas processuais a serem adotadas.

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco – Ralph Melles Sticca

41

4.2. Objeto da Lei

“Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a

pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade

principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação,

intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em

moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição,

negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira:

I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio,

capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;

II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste

artigo, ainda que de forma eventual”.

A Lei n.º 7.492/86 define instituições financeiras, art. 1o , I e II, segundo o seu objeto

social. O que as caracteriza não é sua forma jurídica peculiar, constituída por um tipo societário

diferenciado ou especial, mas o seu fim, por atividade desenvolvida principal ou acessoriamente.

“São considerados banqueiros os comerciantes que têm por profissão habitual do seu comércio as

operações chamadas de Banco” (art. 119 do Código Comercial). Por equiparação, incluem-se

entre as corporações bancárias as seguradoras, casas de câmbio, as administradoras de consórcio,

as companhias de capitalização e toda e qualquer pessoa jurídica que capte poupança ou recursos

terceiros. Para efeitos desta lei, as pessoas físicas exercedoras de qualquer atividade neste artigo

descrita, mesmo que eventualmente, são consideradas instituição financeira.

No conceito, não se exige que esteja a corporação financeira matriculada no Registro do

Comércio (art. 4.o do Código Comercial), admitindo-se as pessoas morais de fato e as pessoas

naturais voltadas para os negócios próprios dos banqueiros. Sejam instituições, corporações,

associações, sociedades e fundações, regulares ou não, públicas ou privadas, ou mesmo as

pessoas físicas citadas: são, para os efeitos do preceptivo penal, instituições financeiras.

A exceção manifesta-se nos casos de pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras,

que, devidamente habilitadas para as atividades de viagem e turismo, realizarem exclusivamente

as operações de compra e venda de moedas em espécie e de traveller’s check.

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4.3. Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional

4.3.1. Da Emissão Irregular de Títulos

“Art. 2º Imprimir, reproduzir ou, de qualquer modo, fabricar ou pôr em

circulação, sem autorização escrita da sociedade emissora, certificado,

cautela ou outro documento representativo de título ou valor mobiliário:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem imprime, fabrica,

divulga, distribui ou faz distribuir prospecto ou material de propaganda

relativo aos papéis referidos neste artigo”.

Apresenta-se acima a preocupação do legislador em preservar a fé pública de que devem

gozar os títulos e o valores mobiliários. Por ser o sistema financeiro nacional aberto a todo o

público aplicador e tomador de capital, é necessário garantir que não somente a sociedade

emissora seja idônea, como também a instituição financeira intermediadora e o próprio conjunto

de papéis que ela emite no mercado de capitais, como ações, depósitos, debêntures, partes

beneficiárias etc.

Representa também grande perigo a disseminação destes papéis não autorizados, devido

ao repasse dinâmico de valores entre as instituições, e destas para os investidores,

proporcionando assim um efeito geométrico.

A lei não tipifica expressamente, mas deste mesmo ato poderia resultar uma falsificação,

que também não tem autorização da sociedade emissora, contaminando o sistema financeiro com

papéis sem valor, mas já utilizados na composição das carteiras dos bancos, fundos de

investimentos e investidores.

Admite-se neste caso somente o dolo genérico (intenção livre de agir), assim como o

concurso de agentes pela co-autoria e a participação delitiva nas modalidades de auxílio,

induzimento e instigação. A ação penal cabível é a Ação Penal Pública Incondicionada. A

jurisprudência não entra em consenso em relação à consumação do mesmo; se ela ocorre no

momento da falsificação ou somente com o uso do material.

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4.3.2. Da Difamação de Instituição Financeira

“Art. 3º Divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre

instituição financeira:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa”.

Sabendo da importância das instituições financeiras para a credibilidade de todo o

sistema, o legislador visa protegê-las de atos de publicidade ou repasse de informações falsas e

incompletas com a pretensão de prejudicar ou mesmo de tirar vantagens de um possível

desequilíbrio das atitudes do mercado financeiro, que logo reagirá a tais informações.

Segundo Rodrigues da Silva (1999), tendo a atividade bancária alcançado a importância e

notoriedade – por sua especialização técnica, captação de poupança, investimentos, distribuição

ordenada do crédito, funcionamento contínuo e adequado do sistema de pagamentos - e sendo,

nos dias atuais, considerada como atividade de interesse público, conclui-se de instituições

financeiras que devam gozar de saúde econômico-financeira e confiabilidade no mercado para o

seu perfeito e normal funcionamento. A celebridade dos negócios no âmbito do Sistema

Financeiro Nacional embasado, precipuamente, na confiabilidade do público nas informações

veiculadas neste contexto, faz com que se puna as pessoas que, motivadas pelo falsum faciendi,

queiram lograr resultado ou prejudicar um agente financeiro, a célula mater do sistema, causando

perturbação ou anormalidade no mercado.

Este crime fora anteriormente visto no parágrafo 1.º do art. 177 do Código Penal, agora

com maior abrangência de sujeitos (além do diretor, gerente ou fiscal, o interventor, síndico ou

qualquer pessoa comum que praticar o núcleo do tipo) e de objetos de veiculação da informação

falsa (admite-se não somente os arrolados no Código Penal, mas qualquer meio idôneo de

informação ou divulgação).

O tipo subjetivo também se configura no dolo genérico, consistente na vontade livre e

consciente de praticar o núcleo da figura típica. Admite-se a co-autoria e a participação delitiva,

sendo a Ação Penal Pública Incondicionada o processo cabível.

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4.3.3. Gestão Fraudulenta e Gestão Temerária

“Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira:

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único. Se a gestão é temerária:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa”.

Este pode ser considerado um tipo penal pouco esclarecedor, haja vista que caberá ao

interpretador da lei, diga-se o juiz, buscar conceitos ex legis de gestão fraudulenta e gestão

temerária para efetivamente aplicá-la, enquadrando o fato natural à norma. Feriu-se aqui o

princípio da taxatividade da norma penal, por ser vaga e imprecisa. Tais eventuais falhas na lei

incriminadora, vale lembrar, não poderão ser preenchidas pelo juiz, pois é vedado a ele estender o

trabalho do legislador na punição.

Porém o preceito não é inédito. Mesmo que não se apresentando com os mesmos termos

do presente artigo, há nos artigos 186, 187 e 188 do decreto-lei n.º 7.661/45, a “Lei de

Falências”, anteriormente debatida, a descrição de diversas condutas evidenciadoras destes tipos,

como despesas gerais injustificáveis, desvio de bens e perdas avultadas em operação de puro

acaso. De forma a completar este conceito, remete-se novamente à Lei 1.521/51, Lei de

Economia Popular, na qual o artigo 3.º, já discutido, novamente vem detalhar a gestão

fraudulenta e temerária.

Para efeitos de entendimento do tipo legal, diz-se de gestão fraudulenta os atos de direção,

gestão ou administração de instituição financeira empregados com o intuito consciente do agente

de fraudar, operar manobras ilícitas, enganosas, ardilosas, que contrariem o bom senso, a boa fé,

o justo, o moral, o lícito. Diz-se de gestão temerária os atos de direção, gestão ou administração

que se basearem na temeridade do agente, ou seja, na impetuosidade, na imprudência, na

exposição exacerbada e desnecessária ao risco, na negociação perigosa e audaciosa de interesses

que envolvam o dinheiro alheio.

Com tais práticas, poderão ser lesados tanto o Estado, por ter a competência

constitucional de manter a Ordem Econômica e Financeira, o agente financeiro, por sujeitar-se ao

dano causado por quem a dirige, como o público em geral, acionistas, depositantes, poupadores,

investidores. Mas há diferenciação entre gestão fraudulenta e gestão temerária na execução da

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45

pena. Para a primeira admite-se somente o dolo consciente (livre vontade de agir), sendo a pena

de três a doze anos de reclusão. Na segunda admite-se a culpa stricto sensu (para o leigo, assim

como para o Direito no sentido latu, “culpa” é sinônimo de responsabilidade danosa sobre

determinado resultado; neste caso, como expressa no próprio Código Penal, significa dar causa a

resultado classificado como crime por meio de negligência, imprudência ou imperícia do agente,

sem que haja dolo, intenção) e o dolo eventual (aquele em que o agente assume o risco de

produzir o resultado), sendo portanto a pena menor, de dois a oito anos de reclusão. Para ambos

admite-se concurso de pessoas, assim como a tentativa, desde que consiga-se provar a preparação

ou a execução da prática delitiva. A ação penal cabível é novamente a Pública Incondicionada.

4.3.4. Da Apropriação Indébita

“Art. 5º Apropriar-se, quaisquer das pessoas mencionadas no art. 25

desta lei, de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que

tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena qualquer das pessoas

mencionadas no art. 25 desta lei, que negociar direito, título ou qualquer

outro bem móvel ou imóvel de que tem a posse, sem autorização de quem

de direito”.

O artigo 168 do Código Penal trata do crime de apropriação indébita de forma genérica,

como sendo a apropriação de coisa móvel alheia, de que tem a posse ou detenção. Note-se ser

diferente do estelionato (“obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,

induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio

fraudulento”, art. 171, CP) e do furto (“subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”, art.

155, CP), exatamente por não apresentar as ações de subtração ou fraude para a obtenção da

coisa. A apropriação indébita é abuso de confiança, pois trata-se de posse ou detenção, obtidas

por meio lícito, deflagrando no delito somente no momento em que o possuidor ou detentor

apropria-se sem autorização de quem de direito.

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Trata-se, porém, no caso do artigo acima descrito, apropriação indébita específica, devido

à diferenciação do sujeito ativo, sendo aqui não toda e qualquer pessoa no exercício de sua vida

privada, e sim tão somente as pessoas listadas no artigo 25 da presente lei (controladores,

administradores – diretores e gerentes –, interventores, liquidantes e síndicos, e administradores

especiais temporários), que no exercício de seu cargo ou função em instituição financeira agir

como dono de bens de custódia e depósito a eles confiados por terceiros.

O legislador visa proteger principalmente o público investidor que, acima de tudo, confia

às instituições financeiras, consequentemente diretamente aos seus administradores, bens - sejam

eles dinheiro, imóveis, títulos – sobre os quais ainda exercem posse indireta (propriedade), mas

que já não mais possuem de fato. Assim como no direito civil, quando discutem-se os direitos

reais sobre pessoa alheia, a posse de fato dos gestores requer uma série de cuidados de sua parte,

não somente evitando a gestão temerária que os coloca em risco, mas também o exercício de

domínio (tratar como seu) de propriedade alheia.

A conduta é apropriar-se ou desviar coisa alheia em proveito próprio ou alheio, e se

consuma na negociação destes bens por parte do gestor (possuidor de fato) sem o consentimento

do proprietário, quem de direito. Portanto fala-se em dolo consciente, tanto específico (quando se

descreve o fim), quanto genérico, havendo a possibilidade de co-autoria e a participação delitiva.

A pena é de dois a seis anos de reclusão, mais multa. A ação penal é a Pública Incondicionada.

4.3.5. Da Sonegação ou Prestação de Falsa Informação

“Art. 6º Induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição

pública competente, relativamente a operação ou situação financeira,

sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa”.

Neste caso, como visto em legislações concorrentes, aparece o crime de cunho

informacional, que diz respeito ao teor, conteúdo, forma intrínseca dos documentos obrigatórios

(relatórios, balanços, prospectos, notas explicativas, etc.) exigidos pelos sócios (o acionista, o

capitalista, o quotista), público investidor (aquele que aplica recursos próprios impulsionado pela

mera oportunidade, expectativa de resultado) e autarquias públicas.

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Ora, o interesse dos sócios e investidores na atividade econômica é a geração de lucro,

fazendo prosperar o negócio e provendo rentabilidade satisfatória para seus investimentos. Como

poderão avaliar, sem incidir em erro, a situação financeira da empresa da qual se é sócio ou

investe-se, se não há exatidão e credibilidade dos demonstrativos de todas as suas operações?

Que outros meios idôneos terão para seu acompanhamento? Torna-se, assim, um artifício de

manipulação poderoso para o fraudador, que omite dados ou “cria” novas informações. Neste

ínterim, vale citar o escândalo ocorrido no ano de 2002 em uma gigante do mercado de

telecomunicações norte-americano, a WorldCom, acionista majoritária da Embratel, que através

de fraude contábil “maquiou” um prejuízo de mais de 3 bilhões de dólares.

Tão grave é também omitir ou prestar falsa informação aos órgãos públicos, sejam eles a

Secretaria da Receita Federal, o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central do Brasil ou a

Comissão de Valores Mobiliários, o que poderá invocar na perda de receita fiscal para o Estado,

na constatação de dados históricos distorcidos ou mesmo na dificuldade de repressão das

operações financeiras lesivas (“caixa dois”, por exemplo).

Note-se que não haverá crime se a conduta for praticada de forma culposa, por

negligência, imprudência ou imperícia, o que provê ao acusado uma forma de escapar do efeito

coercitivo da lei, sustentando a afirmação de não ter tido a intenção. Admite-se co-autoria e

participação delitiva, assim como a tentativa. A pena é de dois a seis anos de reclusão, mais

multa, sendo a ação penal cabível nestes casos a Pública Incondicionada.

4.3.6. Da Emissão de Títulos Falsos ou sem Lastro

“Art. 7º Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou

valores mobiliários:

I - falsos ou falsificados;

II - sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em

condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente

registrados;

III - sem lastro ou garantia suficientes, nos termos da legislação;

IV - sem autorização prévia da autoridade competente, quando

legalmente exigida:

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Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa”.

Como o constituinte avoca para o Estado a competência de controlar o sistema financeiro

nacional, Rodrigues da Silva (1999) bem lembra que cabe a ele “facilitar o acesso do público a

informações acerca daqueles distribuídos no mercado e sobre as sociedades que as emitirem;

proteger os investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas; evitar modalidades de fraude e

manipulação destinadas a criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço; assegurar a

observância das práticas comerciais eqüitativas por todos aqueles que exerçam,

profissionalmente, funções de intermediação na distribuição ou negociação; disciplinar a

utilização do crédito específico e regular o exercício da atividade corretora”.

Portanto, coube ao Estado evitar justamente a contaminação de títulos sem lastro no

mercado financeiro, cujo risco de moratória pode sim ocasionar um lapso do sistema financeiro

nacional, já que as transações são sempre “casadas”, baseadas na troca, tornando-se uma tarefa

difícil o desfazimento de todos os negócios envolvendo-os. Justamente por ser um bem rotativo,

negociável graças a seu valor econômico, o título, seja ele de que tipo for, rapidamente espalha-

se, prejudicando um número incalculável de investidores.

O mesmo ocorre com a negociação de títulos sem o prévio registro ou registro irregular

junto ao órgão regulador e fiscal. Sem o devido registro na CVM, o título entra no mundo dos

negócios, graças a seu caráter abstrato (os títulos nada mais são que promessas de pagamento,

dividendos ou juros), mas não adquire tutela jurídica, ou seja, não serve como objeto de ação, no

momento do resgate. Portanto ele existe, mas não tem valor. Pode, incluso, haver o registro,

porém divergente da forma da emissão de fato (data, lote ou preço).

4.3.7. Da Usura

“Art. 8º Exigir, em desacordo com a legislação (Vetado), juro,

comissão ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito

ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de

consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores

mobiliários:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

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Sobre o veto presidencial: “No art. 8.º, a expressão “ou mercado “, que atenta contra

os princípios constitucionais de liberdade de iniciativa e livre competição, bem assim contra a

norma segundo a qual ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude da lei. Além disso, a expressão vetada é demasiadamente vaga para constar da norma

penal, que deve ser clara e precisa na descrição da conduta típica.”

Este conceito remete-nos ao parágrafo 3.º do artigo 192 da Constituição Federal, aqui

já mencionado, que dispõe, in verbis, que: “as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões

e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não

poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será

conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei

determinar”. A intenção do constituinte era desde já fixar uma taxa limite, razoável para sua

época, a fim de evitar o abuso econômico cometido por parte dos concessionários de crédito

para com o público em geral. Porém este parágrafo incorre em dois defeitos no momento de

sua eficácia. O primeiro é que julga-se impossível fixar regras para o desenvolvimento do

mercado financeiro, muito dinâmico e mutável ao longo dos anos. A própria taxa básica do

mercado brasileiro, a taxa Selic12, é atualmente de vinte e um porcento ao ano. O segundo é

que esta lei não tem eficácia imediata, requerendo lei complementar que a regulamente. Ou

seja, o legislador constituinte não conceituou nem explicou expressamente de que forma

chegou a este número; além disto, não houve lei posterior que regulamentasse de forma

específica os termos do referido. Portanto, a usura institucionalizada não pode ser

considerada, de acordo com a constituição, como sendo crime.

Em acordo com a lei n.º 4.595/64, anteriormente discutida, compete ao Conselho

Monetário Nacional, segundo as diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República,

“limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra

forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive aos

prestados pelo Banco Central do Brasil” (art. 4.º, IX.), bem como “Baixar normas que

regulem a operação de swaps, fixando limites, taxas, prazos e outras condições” (art. 4.º,

12 Sistema Especial de Liquidação e Custódia de Títulos Públicos, órgão público responsável pelo registro de transações de títulos públicos. A Taxa Selic é determinada pelo COPOM (Comitê de Política Monetária), formado pela diretoria do Banco Central. É considerada a taxa de juros de menor risco do mercado.

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XXX). Portanto diz-se da legislação no artigo citada, como forma de resolução por parte do

CMN e do BACEN, que são vedadas às instituições financeiras a cobrança de qualquer

remuneração pela prestação dos seguintes serviços:

“a) cheques em cobrança ou em depósito a serem compensados pela

própria ou outra agência do mesmo estabelecimento na mesma ou em

outra praça;

b) as transferências e os depósitos (em cheque do próprio depositante

ou em dinheiro) feitos por pessoas físicas ou jurídicas para crédito

em suas respectivas contas em dependência do mesmo banco;

c) ordens de pagamento ou de crédito de qualquer valor; I – entre

dependências da mesma instituição financeira na mesma praça; II –

entre praças diferentes, se executadas através de malote;

d) fornecimento de um talonário de cheques com pelo menos vinte

folhas, por mês;

e) manutenção de contas de depósitos ativas ou à ordem do Poder

Judiciário;

f) lançamentos em conta corrente;

g) consultas realizadas via terminal eletrônico: I – de extratos de

quaisquer aplicações ou depósitos mantidos junto às instituições,

disponíveis apenas em tela, não impressos em papel destacável, ou

consultas a saldos, impressos ou não em papel destacável; II – uma

consulta no período de sete dias corridos, quando se tratar de

extratos impressos em papel destacável ;

h) manutenção de contas em caderneta de poupança” (Carta-Circular

n.º 2.460, 1, incisos I e II).

Afora estes serviços aqui arrolados, as tarifas podem ser pactuáveis, desde que

previamente afixado em suas dependências, com destaque e em lugar visível ao público,

quadro demonstrativo dos serviços bancários e respectivos valores pelos quais cobram. Neste

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caso competirá à CVM a fixação dos limites máximos, deixando grande margem para a

concorrência de tarifas de prestação de serviços de instituições financeiras.

O sujeito passivo neste crime, diga-se a pessoa lesada por tal conduta, é o Estado, na

Administração Pública dos mercados financeiros, e a pessoa da qual exigiu-se cobrança

indevida. O crime consumar-se-á no momento da exigência da vantagem indevida, sendo a

pena de reclusão de uma a quatro anos e multa, e a ação penal cabível a Ação Pública

Incondicionada.

4.3.8. Da Falsidade Ideológica

“Art. 9º Fraudar a fiscalização ou o investidor, inserindo ou fazendo

inserir, em documento comprobatório de investimento em títulos ou

valores mobiliários, declaração falsa ou diversa da que dele deveria

constar:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa”.

Remete-nos ao crime de falsidade ideológica tipificado no Código Penal, pelo artigo

299, já anteriormente descrito, o qual assevera a omissão ou inserção de declaração falsa em

documento público ou particular, alterando a verdade sobre o fato, prejudicando o direito e

criando obrigações irregulares. Neste caso há o escopo específico de instituição financeira.

Como a circulação de valores mobiliários no mercado financeiro não é feita de forma

concreta, não havendo necessariamente a circulação física do título, tais negociações são

feitas por meio de compensação ou registro em sistemas informatizados. Resta, portanto, à

instituição prestadora do serviço, emitir certificados atestando a negociação de tais valores

por parte do cliente investidor, documentos estes que devem ter a veracidade assegurada

diante da fé pública, sob pena de tal falsidade ideológica incidir em erro do investidor e em

fraude diante da possível fiscalização dos órgãos de direito.

Nesta conduta não se exige, porém, que o sujeito ativo, aquele que age (omite-se), seja

necessariamente alguma das pessoas descritas no artigo 25 desta mesma lei. Qualquer pessoa

que fizer inserção de afirmação falsa ou diversa daquela que deveria constar, estará

enquadrada neste tipo penal. Aceita-se o dolo genérico, vontade livre e consciente de fraudar

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a fiscalização ou o investidor, sendo que a consumação dá-se pela simples possibilidade de

dano, não necessitando que este materialmente se concretize. E, como utiliza-se o termo

“fazer inserir”, pode haver o concurso de pessoas desde que o executor tenha ciência acerca

da falsidade. Caso este não estiver ciente e simplesmente executou ordem obedecendo a

escala hierárquica da instituição, não incorrerá em crime cabendo somente ao mandante da

ação responder penalmente.

Não se aplica aqui o instituto da culpa. A pena é de um a cinco anos de reclusão, mais

multa, e a ação penal é a Pública Incondicionada.

“Art. 10. Fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela

legislação, em demonstrativos contábeis de instituição financeira,

seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de

títulos de valores mobiliários:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa”.

Este artigo, em complemento ao anterior, cuida da falsidade ideológica

especificamente para demonstrativos contábeis, documentos obrigatórios elaborados pelas

instituições financeiras, obedecendo a regras e convenções da contabilidade brasileira, tanto

para fins fiscais, cálculo das contribuições recolhidas da receita bruta (IPI, ICMS, PIS,

COFINS), cálculo do imposto de renda sobre o lucro, quanto para fins de apresentação de

resultados para os sócios, acionistas e demais investidores. “Um balanço geral ou patrimonial

é ideologicamente falso quando suas contas ou os valores e seus saldos contêm graves

divergências ou divergem fundamentalmente dos elementos ou valores que constam da

escrituração mercantil, nomeadamente dos livros diários; ou, quando tais peças contábeis

contêm elementos diversos dos que deveriam conter, em face dos documentos dos quais se

originaram”.13

Como demonstrativos contábeis entende-se o Balanço Patrimonial, a Demonstração de

Resultado do Exercício e a Demonstração de Origem e Aplicação dos Recursos, todos

elaborados de acordo com as normas gerais de contabilidade determinadas pelo CMN, e

fiscalizados pelo BACEN. São peças importantes à medida que servem como objeto de

13 MONTEIRO, Samuel. Crimes Fiscais e Abuso de Autoridade. Hemus, 1994, p. 134

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apreciação e acompanhamento do fluxo econômico e financeiro das instituições financeiras

por parte dos interessados, como é o caso do BACEN, ou mesmo dos detentores de ações e

participações das mesmas.

Neste caso, mais uma vez, somente aquele que determina a ação pode ser imputado

(incriminado), quando o executor não tiver ciência da falsidade que foi mandado, dentro das

competências de poder, cometer. Mesmo que a falsidade não atinja os fins pretendidos pelo

autor, a ação ou a omissão de requisitos obrigatórios por lei já enquadra-se neste tipo legal.

Deve-se porém atentar para o fato de que tal modalidade, de acordo com seu fim

objetivo, pode ser enquadrado em outras leis, que protegem outros bens jurídicos e sujeitos

passivos. Por exemplo, se o escopo do agente é o não pagamento de contribuições

previdenciárias, caracterizar-se-á o delito do art. 95 da Lei n.º 8.212/91, que afirma: “constitui

crime deixar de lançar mensalmente, nos títulos próprios da contabilidade da empresa, o

montante das quantias descontadas dos segurados e o das contribuições da empresa;”. Já se o

objetivo for a sonegação fiscal, será então delito aquele previsto na Lei n.º 8.137/90, art. 1.º,

incisos I e II, sobre os crimes contra a ordem tributária, como suprimir ou reduzir tributos e

contribuições sociais.

A pena é de reclusão de um a cinco anos e multa, sendo a Ação Penal Pública

Incondicionada o meio processório.

4.3.9. Caixa “Dois”

“Art. 11. Manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à

contabilidade exigida pela legislação:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa”.

Muito conhecido do administrador de empresas, este é o “instituto” nomeado pelo

homem médio como “caixa dois”, em alusão à conta “caixa” diversa daquela presente no

Ativo Circulante do Balanço Patrimonial. Atenta principalmente contra a boa fé daqueles que

mantêm seu capital próprio investido no Patrimônio Líquido da instituição, como sócios,

acionistas ou investidores voláteis. Nos remete principalmente à lei de crimes de ocultação de

bens, aqui já discutida, que descreve a “lavagem” de dinheiro mediante crimes contra o SFN.

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Ora, se os livros e demonstrativos contábeis são a única forma regular de obter-se

informações a respeito das mutações do Patrimônio Líquido, qualquer movimentação paralela

ocorrerá justamente fora do controle dos interessados, sem que estes tomem conhecimento,

havendo dupla personalidade patrimonial da instituição: uma real e uma fictícia, fruto muito

provavelmente de outras operações ilícitas praticadas pela empresa.

Não se admite a simples tentativa, pois a ação de manter e movimentar é fato já

consumado. A pena é de reclusão de um a cinco anos, mais multa. A ação é a Penal Pública

Incondicionada.

4.3.10. Da Liquidação, Intervenção e Falência

“Art. 12. Deixar, o ex-administrador de instituição financeira, de

apresentar, ao interventor, liqüidante, ou síndico, nos prazos e

condições estabelecidas em lei as informações, declarações ou

documentos de sua responsabilidade:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

Antônio Carlos Rodrigues da Silva bem lembra que “considerando não poder a

intervenção em instituições financeiras exceder de seis meses, prorrogável uma única vez por

decisão do Banco Central do Brasil, os prazos prescritos na lei devem ser rigorosamente

observados pelos ex-administradores. A procrastinação desses lapsos temporais importa em

prejuízo para a intervenção, que objetiva, precipuamente, sanear a situação econômico-

financeira da sociedade”.

O presente artigo pune, tentando afastar, a morosidade dos processos interventórios e

liquidatários de instituições financeiras, evitando que os credores interessados no processo,

por direito, tenham prejuízos relativos à indisponibilidade do capital arrestado no momento da

falência ou da intervenção.

Somente são passíveis de cometer tal crime os ex-administradores, o interventor, o

síndico e o liqüidante, assumindo-se a omissão como consumação do delito, já que o artigo

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pune a desobediência, sendo, portanto, crime omissivo próprio14. A pena é de um a quatro

anos de reclusão, mais multa.

“Art. 13. Desviar (Vetado) bem alcançado pela indisponibilidade

legal resultante de intervenção, liqüidação extrajudicial ou falência

de instituição financeira.

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorra o interventor, o liqüidante

ou o síndico que se apropriar de bem abrangido pelo caput deste

artigo, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio”.

Veto Presidencial: “no art. 13, a expressão “qualquer das pessoas mencionadas no art.

25 desta lei”, porque restringe, sem motivo razoável, a descrição do tipo penal no tocante ao

sujeito ativo, já que pode ser praticado por outras pessoas responsáveis por estes bens, além

das referidas neste dispositivo”.

A intervenção ou liquidação extrajudicial de instituição financeira é decretada pelo

BACEN quando esta apresentar insolvência ou indícios dela, quando verificar-se a não

regularização perante a legislação bancária, quando a administração violar gravemente as

normas legais e estatutárias ou quando for cassada a autorização para funcionar e a instituição

não iniciar, nos noventa dias seguintes, a liquidação ordinária. Nestes casos, até que sejam

apuradas as responsabilidades dos gestores encarregados nos últimos doze meses, estes terão,

para fins de responsabilidade civil, todos os seus bens arrestados, estando a eles indisponíveis

e inalienáveis.

Este instituto processório civil garante que, além da responsabilização penal dos ex-

administradores pela insolvência da empresa, caso tenha sido provocada por estes, haja

também o ressarcimento dos prejuízos pecuniários causados ao público e à poupança popular,

utilizando o patrimônio particular dos responsáveis até o limite do desfalque. Portanto a

norma penal vem, com o intuito de reforçar a importância de indisponibilizar estes bens,

punir aqueles que, através de simulações, doações, tentarem desviar seu próprio patrimônio

para destino fora dos limites da indisponibilidade.

14 Crime omissivo próprio é aquele cuja omissão aparece como conduta expressa no Código Penal.

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A pena para tal conduta é de dois a seis anos, e multa, sendo a ação penal a Pública

Incondicionada.

“Art. 14. Apresentar, em liquidação extrajudicial, ou em falência de

instituição financeira, declaração de crédito ou reclamação falsa, ou

juntar a elas título falso ou simulado:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre o ex-administrador ou

falido que reconhecer, como verdadeiro, crédito que não o seja”.

Ainda correlato ao artigo anterior, o presente visa assegurar a intangibilidade da massa

falida que, após liquidação ou falência de instituição financeira, aguarda a sua venda e

distribuição entre os credores, de acordo com proporções apuradas pela lei. Este montante,

por assim dizer, é de propriedade dos credores, acionistas e investidores, e deve ser tutelado

para assegurar tanto o interesse dos mesmos quanto a transparência das operações de

intervenção e liquidação dirigidas pelo BACEN.

Este artigo visa punir tanto a prática oportunista de tirar proveito da liquidação

mediante a apresentação de títulos e declarações falsas quanto a prática direcionada dos ex-

administrador ou do falido para, ao reconhecer como verdadeiro crédito que não o é, simular

um negócio que onerará a massa falida, retornando-o provavelmente para seu bolso.

A pena é de dois a oito anos de reclusão, mais multa, e a ação penal é a Pública

Incondicionada.

“Art. 15. Manifestar-se falsamente o interventor, o liqüidante ou o

síndico, (Vetado) à respeito de assunto relativo a intervenção,

liquidação extrajudicial ou falência de instituição financeira:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa”.

Veto Presidencial: “No art. 15, a expressão “em qualquer documento”, uma vez que,

para tipificar a conduta punível, no caso, é irrelevante o meio utilizado para a manifestação

falsa”.

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A conduta típica encontra precedentes no art. 189, da Lei de Falências, também aqui

já tratada, e limitou a conduta do interventor, liqüidante ou síndico à simples manifestação

falsa. Ou seja, como estes assumiram a responsabilidade e o compromisso de bem e fielmente

desempenharem o cargo, o “manifestar-se”, por qualquer meio idôneo, já os coloca em

conduta delitiva. Os prejudicados serão a administração pública, responsável pela operação,

assim como terceiros de alguma forma interessados pela massa falida.

A pena é de dois a oito anos de reclusão, mais multa, sendo a Ação Penal Pública

Incondicionada o instituto processório.

4.3.11. Da Operação Irregular de Instituição Financeira

“Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com

autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição

financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de

câmbio:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

Veto Presidencial: “no art. 16, a expressão “sonegada ou”, pela impossibilidade fática

de ser obtida autorização para instituição financeira operar mediante declaração não

prestada”.

Compete privativamente ao Banco Central do Brasil conceder autorização às

instituições financeiras, a fim de que possam funcionar no país, instalar ou transferir suas

sedes, ou dependências, inclusive no exterior, ser transformadas, fundidas, incorporadas ou

encampadas e ter prorrogados os prazos concedidos para funcionamento (art. 10, IX, da Lei

n.º 4.595/64). Portanto, visivelmente, a operação irregular de instituições financeiras no

mercado corrompe o bom funcionamento do sistema financeiro nacional, além de induzir ao

erro a fé pública que lhe confia sua poupança.

Para a prática de tal crime admite-se qualquer pessoa natural que fizer operar

instituição financeira sem prévia autorização ou com autorização falsificada. Admite-se

também a tentativa, já que operacionalizar toda uma instituição financeira requer autoria

intelectual e organização premeditada. Fala-se também em co-autoria e participação deletiva

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daquelas pessoas que, com plena consciência, envolverem-se na operação irregular. A pena é

de reclusão de um a quatro anos, mais multa.

4.3.12. Dos Empréstimos e Adiantamentos Irregulares

“Art. 17. Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no

art. 25 desta lei, direta ou indiretamente, empréstimo ou

adiantamento, ou deferi-lo a controlador, a administrador, a membro

de conselho estatutário, aos respectivos cônjuges, aos ascendentes ou

descendentes, a parentes na linha colateral até o 2º grau,

consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela

exercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:

I - em nome próprio, como controlador ou na condição de

administrador da sociedade, conceder ou receber adiantamento de

honorários, remuneração, salário ou qualquer outro pagamento, nas

condições referidas neste artigo;

II - de forma disfarçada, promover a distribuição ou receber lucros

de instituição financeira”.

Tais condutas descritas já foram previamente discutidas, de forma genérica e

direcionada às sociedades anônimas, no artigo 177 do Código Penal. Já foram também

dissertadas no momento do artigo 4.º da Lei de crimes do “colarinho branco”, quando visava-

se conceituar, baseando-se também na Lei de Falências, a dita “gestão fraudulenta”. A

disposição em lei penal visa garantir que a função de gestor de instituição financeira,

privilegiada levando-se em conta o poder de decisão e a posse imediata do patrimônio dos

sócios, não extrapole os limites da ética profissional e da supremacia dos interesses dos

acionistas sobre os interesses pessoais do administrador. O próprio Código Comercial

brasileiro não admite que os interesses da empresa se confundam com os interesses

particulares da pessoa física, já que estes são controlados pelo Código Civil Brasileiro.

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No caso, os empréstimos adiantados a pessoas que não de direito, dada a atividade da

instituição financeira, são uma forma de fraudar os interesses dos sócios, privilegiando

terceiros, cônjuges, parentes, em detrimento de quem o capital é de fato. Porém há casos de

empréstimos não incriminados por esta lei, como por exemplo entre empresas coligadas, ou

entre empresas controladora e controlada.

A pena é de dois a seis anos de reclusão, mais multa. A ação cabível é a Pública

Incondicionada.

4.3.13. Da Violação de Sigilo

“Art. 18. Violar sigilo de operação ou de serviço prestado por

instituição financeira ou integrante do sistema de distribuição de

títulos mobiliários de que tenha conhecimento, em razão de ofício:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

“A garantia de descrição, traduzida na obrigação de segredo, nasceu, pois, para a

proteção dos interesses privados, marcada, no entanto, pelo interesse social, coletivo, público.

O interesse individual é assim protegido porque coincidente com o interesse social”15. Este

preceito garante tutela específica, por parte do Estado, do sigilo bancário, inédito tendo-se em

vista a evolução da atividade bancária, até então somente provida do princípio do sigilo

profissional comum (como era o caso dos médicos, sacerdotes, advogados).

Diz-se ser uma garantia fundamental constitucional (art. 5.º, XII e XIV) já que a

informação pessoal está no rol das características que definem a vida privada, não podendo,

senão por manifestação de vontade ou força de lei, terceira pessoa a ela ter acesso.

Porém este artigo não confrontará com a lei, caso seja aprovada, que permite aos

componentes da Casa Legislativa Federal, deputados e senadores, quebrar o sigilo bancário

de pessoas suspeitas de crimes contra a ordem econômica, contra o mercado de capitais, e

mesmo contra o SFN. Esta prerrogativa já era dada ao poder judiciário, uma vez que houvesse

indícios de que o sigilo estivesse acobertando crimes lesivos graves. O que mudará será

15 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Forense, 1958, v. 6, p. 257

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somente a necessidade de aprovação do juiz, o que muitas vezes retarda o processo de

investigação, principalmente nos casos de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).

A pena para a violação do sigilo é de um a quatro anos de reclusão, mais multa.

4.3.14. Da Obtenção Fraudulenta de Financiamentos

“Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição

financeira:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é

cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela

credenciada para o repasse de financiamento”.

Até então, ao tratar-se dos crimes do “colarinho branco”, o legislador visava proteger,

tutelar, sempre o lado mais fraco das relações do mercado financeiro, diga-se o público

investidor, o acionista, e o próprio Estado, representando o bem social. Nada mais justo tendo

em vista o posicionamento ativo do diretor, gerente e gestor de instituição financeira frente à

posição passiva, na maioria dos casos, do investidor, que tem que contentar-se com no

máximo, quando é especializado, em analisar os demonstrativos contábeis publicados por ela.

Mas, a justiça faz-se também ao proteger aquele que, mesmo estando em posição privilegiada

em qualquer relação jurídica (relação relevante para o mundo jurídico), age no pleno

exercício de sua boa fé.

Este artigo requer, portanto, atenção especial por parte do estudo do impacto do

direito penal na gestão de empresas, agora não necessariamente componentes do SFN. É sua

prática cotidiana, seja para cobrir sua necessidade de capital de giro (dinheiro de curto prazo

investido para garantir a solvência imediata) seja para avançar com projetos, novas

tecnologias, novos produtos, aquisições (capital normalmente de longo prazo investido

principalmente para aumentar o valor da empresa), recorrer às instituições financeiras,

principalmente bancos comerciais, para a concessão de empréstimos e financiamentos, os

mais variados possíveis.

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Mas sabe-se que a concessão de empréstimo não é para o empresário, de que porte

seja ele, uma prática tão simples. Trata-se de estipular prazos, taxas, e principalmente

garantias de que o capital será devidamente devolto. Cabe aos bancos lançarem-se de

instrumentos eficazes para avaliar a idoneidade e a capacidade de pagamento da empresa,

como a análise dos demonstrativos, consultas ao SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e ao

SERASA. Portanto, são muitos os meios de assegurar o empréstimo, e, em contra partida, são

muitos os meios de fraudá-lo.

Preceito semelhante, como forma de fraude na obtenção de financiamento, foi aqui

apurado no artigo 178 do Código Penal, a respeito de fraude no reconhecimento de depósito

ou garantia. Mais, qualquer outro mecanismo de falsidade ideológica (art. 299, CP) em

documentos, balanços, certidões poderá auxiliar o sujeito na prática deste delito. Por tal,

quando a fraude, já tipificada nos diversos meios de efetua-la, for direcionada contra a boa fé

de instituição financeira no desempenho de sua prestação de serviços, estará sendo muito

mais prejudicial.

A pena, que é de dois a seis anos de reclusão mais multa, será ainda aumentada em um

terço quando o sujeito ativo da conduta for instituição financeira, dada a maior gravidade de

esta utilizar-se de outra para repassar financiamento, mediante fraude, o que será mais difícil

de ser descoberto, dada a sua credibilidade perante o mercado.

“Art. 20. Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou

contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por

instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para

repassá-lo:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa”.

O Estado, no desempenho de sua finalidade constitucional de assegurar o

desenvolvimento econômico, a ordem financeira, o bem-estar social baseado na cultura,

educação, habitação, lazer, utiliza-se da execução da política de crédito (art. 22, VII, CF),

para facilitar a distribuição de financiamentos que irão fomentar aquelas atividades que

deveria diretamente promover. Esta política está principalmente apoiada nas instituições

financeiras oficiais, criadas para a captação, gestão e distribuição de crédito. Entre elas

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figuram o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiam a agricultura, a habitação

popular, a exportação etc.

Em sendo recursos públicos, mesmo quando tomados mediante instituição financeira

privada encarregada de repassá-los, tais financiamentos têm cláusulas contratuais que

garantem o destino certo de seu investimento. Neste sentido, mais uma vez o Estado é o bem

tutelado pelo legislador, no resguardo do dinheiro público, que não pode ser utilizado para

fins e benefícios particulares.

A pena para quem desviar dinheiro público mediante financiamento de obras e

projetos sociais é de dois a seis anos de reclusão, mais multa. A ação penal cabível é a Ação

Pública Incondicionada. Somente para ilustrar fato recente, cite-se o caso da ex-governadora

do Maranhão e ex-candidata à Presidência da República, Roseana Sarney, que está sendo

acusada de desviar dinheiro proveniente de financiamento para obras públicas advindos da

SUDAM, Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia.

4.3.15. Da Falsa Identidade

“Art. 21. Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para

realização de operação de câmbio:

Pena - Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim,

sonega informação que devia prestar ou presta informação falsa”.

Este delito, conhecido no Código Penal por crime de “falsa identidade” (art. 307), vem

acrescentar ao rol de tipos relativos a operações de câmbio já discutidos na Lei 1.521/51, de

crimes contra a economia popular, no artigo 4.º (“cobrar ágio superior à taxa oficial de

câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira”). Por ser o câmbio de moeda

operação de extrema importância para o bom funcionamento do mercado financeiro,

mantendo o valor da moeda e o equilíbrio da balança de pagamentos, seu procedimento

requer atos administrativos, como o reconhecimento de identidade (idade, filiação,

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco – Ralph Melles Sticca

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nacionalidade, estado civil, profissão). Portanto, neste sentido, o legislador promoveu a

especialização de uma conduta genérica a fim de proteger o mercado de câmbio.

Não há, por ser crime de autoria pessoal, a possibilidade de co-autoria, e não é

admissível a tentativa. A pena é de um a quatro anos de detenção (o único que não prescreve

a reclusão), mais multa, sendo a Ação Pública Incondicionada o meio processório utilizado.

4.3.16. Da Evasão de Divisas do País

“Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de

promover evasão de divisas do País:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título,

promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o

exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição

federal competente”.

É importante pressuposto para a Lei 9.613/98, de crimes de “lavagem” de dinheiro e

ocultação de bens, por tentar coibir a prática de saídas ilícitas de divisas já em sua fonte.

Pode-se dizer, portanto, que há um link entre ele e o artigo 1.º, inciso VI daquela lei. Neste

caso há a preocupação específica de evitar que o mercado de câmbio seja utilizado como

meio de ocultação de bens no exterior.

Compete privativamente ao BACEN conceder autorização às instituições financeiras a

fim de que possam praticar operações de câmbio, já que é sua competência regular o

funcionamento do mercado cambial, promovendo a estabilidade do valor da moeda nacional.

As operações de câmbio feitas pelos clientes de estabelecimentos autorizados consideradas

suspeitas devem chegar a seu conhecimento, necessitando, por isso, registro atualizado de

pessoas e operações financeiras envolvendo remessa de capital para o exterior.

A pena é de reclusão de dois a seis anos, mais multa.

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4.3.17. Da Prevaricação

“Art. 23. Omitir, retardar ou praticar, o funcionário público, contra

disposição expressa de lei, ato de ofício necessário ao regular

funcionamento do sistema financeiro nacional, bem como a

preservação dos interesses e valores da ordem econômico-financeira:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

A conduta acima descrita evidencia o crime de prevaricação já descrito pelo Código

Penal, dos Crimes Praticados por Funcionário Público contra a Administração em Geral, em

seu artigo 319, in verbis: “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou

praticá-lo contra a disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”,

considerando-se funcionário público, segundo o artigo 317 do mesmo código, como “quem,

embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”,

equiparando-se também a ele “quem exerce cargo, emprego ou função em entidade

paraestatal”.

A Administração Pública, distintamente do regime privado de emprego regulado pela

CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) é gerida mediante lei ordinária, apontando sempre

o que cada autarquia deve fazer ou deixar de fazer, sendo vedado o desvio de sua finalidade.

Neste caso, então, o legislador, para completar esta seção da lei 7.492/86, inclui também o

funcionário público como possível sujeito passivo de crimes contra o SFN, já que este atuará

em entidades paraestatais, como é o caso do Banco Central, e poderá tirar proveito de sua

posição e de suas prerrogativas de servidor público.

A pena prevista é de um a quatro anos de reclusão mais multa, e a ação penal cabível é

a Pública Incondicionada.

“Art. 24. (VETADO)”.

Redação do Projeto: “se qualquer dos crimes de que trata esta lei é cometido sob

forma culposa, reduz-se a pena privativa de liberdade em um terço”.

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Veto Presidencial: “o art. 24, por conflitar com o princípio, consagrado no parágrafo

único do art. 18 do Código Penal, de que só excepcionalmente é punível ação praticada sem

dolo. Está o dispositivo em contradição lógica com grande parte dos tipos penais previstos no

projeto. Impossível é conceber forma culposa na maioria das condutas sancionadas

penalmente”.

4.4. Da Aplicação e do Procedimento Criminal

4.4.1. Da Responsabilidade Penal do Administrador

“Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o

controlador e os administradores de instituição financeira, assim

considerados os diretores, gerentes (Vetado).

Parágrafo único. Equiparam-se aos administradores de instituição

financeira (Vetado) o interventor, o liqüidante ou o síndico”.

Veto Presidencial: a expressão “e membros de conselhos estatutários”, porque de

abrangência extraordinária. Já no parágrafo único, a expressão “os mandatários gestores de

negócios ou quaisquer pessoas que atuem em nome ou em interesse de instituição financeira

ou das pessoas referidas no caput deste artigo, inclusive”, por estender os efeitos da lei à

meros subordinados.

“Administradores são as pessoas eleitas pela assembléia geral com poderes de gestão.

São as pessoas a quem se comete a direção ou gerência de qualquer negócio ou serviço, seja

de caráter público ou privado, seja em caráter permanente, à frente de um estabelecimento

comercial ou departamento público, seja em caráter provisório para desempenho de

determinado negócio. É assim, a pessoa a quem se confiou uma administração, qualquer que

seja sua natureza. Diretor é o administrador nas sociedades anônimas ou nas sociedades

comerciais geridas por diretoria. É, ainda, o chefe de um departamento, público ou privado, a

quem se confiou a direção de determinada soma de serviços. Gerente é o administrador de

estabelecimentos comerciais”16.

16 SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 1978, Forense, v. 1, p. 73

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Resumindo, o impacto penal não pode, ao contrário do civil, tributário e

administrativo, incidir sobre pessoa jurídica, empresa ou instituição financeira, por lhe faltar

aspectos psicológicos do ser humano, imprescindíveis à culpabilidade. Como trata-se de

detenção e reclusão, penas privativas da liberdade, somente a pessoa física que a representa

poderá sofrer as sanções penais previstas nesta lei. Mas, evidentemente, não somente por dela

participar, mas sim por determinar, delegar, envolver-se na prática ilícita.

4.4.2. Da Ação Penal e Reunião de Provas

“Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será

promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça

Federal.

Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no art. 268 do Código de

Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outubro

de 1941, será admitida a assistência da Comissão de Valores

Mobiliários - CVM, quando o crime tiver sido praticado no âmbito de

atividade sujeita à disciplina e à fiscalização dessa Autarquia, e do

Banco Central do Brasil quando, fora daquela hipótese, houver sido

cometido na órbita de atividade sujeita à sua disciplina e

fiscalização”.

Como já discutido, a titularidade da Ação Penal Pública é do Ministério Público

Federal, que, mediante denúncia, provoca a Justiça Federal. O artigo delimita a competência

de juízo, justiça comum federal, justamente por tratar-se de crimes contra interesses da União.

Mais, o legislador descreve a possibilidade, saudável, de que tanto a CVM como o BACEN

participem da apuração do processo dando a assistência necessária, em matérias de sua

competência.

“Art. 27. Quando a denúncia não for intentada no prazo legal, o

ofendido poderá representar ao Procurador-Geral da República,

para que este a ofereça, designe outro órgão do Ministério Público

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco – Ralph Melles Sticca

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para oferecê-la ou determine o arquivamento das peças de

informação recebidas”.

O prazo para o oferecimento da denúncia é de cinco dias, contados da data em que o

Ministério Público receber os autos do inquérito, se o réu estiver preso, e de quinze dias, se o

réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade

policial, contar-se-á o prazo da data em que o MP receber novamente os autos. Quando não

intentada no prazo legal, poderá, portanto, o ofendido, mediante Ação Penal Privada

representar ao Procurador-Geral da República, que definirá pela nova distribuição ou pelo

arquivamento definitivo.

“Art. 28. Quando, no exercício de suas atribuições legais, o Banco

Central do Brasil ou a Comissão de Valores Mobiliários - CVM,

verificar a ocorrência de crime previsto nesta lei, disso deverá

informar ao Ministério Público Federal, enviando-lhe os documentos

necessários à comprovação do fato.

Parágrafo único. A conduta de que trata este artigo será observada

pelo interventor, liqüidante ou síndico que, no curso de intervenção,

liqüidação extrajudicial ou falência, verificar a ocorrência de crime

de que trata esta lei”.

O fim da Administração Pública – o bem comum da coletividade administrada – é

regido pelos princípios da legalidade, moralidade e transparência inerentes a todos os atos

administrativos, sendo por isto premissa básica a comunicação de crimes de ação pública às

autoridades competentes, quando destes tomar conhecimento. Tanto o BACEN quanto a

CVM, mesmo possuindo autonomia e personalidade jurídica próprias, são autarquias do

Governo Federal, exercendo atividades de interesse de toda a sociedade. Por tal, estão

inclusas no dever de informar atos fraudulentos e lesivos, para o titular da ação penal, o

Ministério Público Federal.

Como desempenham funções de registro e fiscalização, são os órgãos melhor

habilitados para a juntada de provas concretas, documentos e indícios, que comprovem o

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco – Ralph Melles Sticca

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delito. Devem, portanto, remetê-los espontaneamente, o que não exclui a possibilidade de

serem compelidos pelo Poder Judiciário a prestá-los.

“Art. 29. O órgão do Ministério Público Federal, sempre que julgar

necessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação,

documento ou diligência, relativa à prova dos crimes previstos nesta

lei.

Parágrafo único O sigilo dos serviços e operações financeiras não

pode ser invocado como óbice ao atendimento da requisição prevista

no caput deste artigo”.

Em complemento ao artigo anterior, no qual o impulso inicial da propositura da ação

penal deveria ser dos órgãos fiscalizadores, em seu dever de prestar informações relevantes, o

presente artigo prescreve o poder do Ministério Público de requisitar das autoridades

públicas, sempre que necessário, informações, documentos e diligências relativas à prova de

crimes previstos em lei. Para atuar enquanto defensor da ordem jurídica e dos interesses

sociais, o MP tem prerrogativas constitucionais que lhe garantem autonomia e

desimpedimento político para investigar e denunciar crimes, quem quer que sejam os sujeitos.

Portanto, mesmo que esteja garantido o sigilo dos serviços e operações financeiras, este não

poderá ser utilizado oponível à requisição do MP, evitando que os interessados explorem a lei

para ocultar seus crimes.

4.4.3. Da Prisão Preventiva

“Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo

Penal, aprovado pelo Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941,

a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta lei

poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada

(VETADO)”.

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Veto Presidencial: “No art. 30, a expressão “ou do clamor público provocado”, porque

a decretação da prisão preventiva é medida cautelar penal, com o objetivo de evitar que, da

liberdade do acusado, possam resultar outros crimes ou, ainda, sua fuga ou interferência na

colheita de provas, e não é jurídico que decisão de tamanha gravidade, restritiva da liberdade

individual, seja tomada em razão de circunstâncias emocionais”.

Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão

preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do MP, ou do querelante, ou

mediante representação da autoridade policial, podendo ser ela decretada como garantia da

ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para

assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova de existência do crime e indício

suficiente de autoria. (art. n.º 311/12 do CPP).

“Art. 31. Nos crimes previstos nesta lei e punidos com pena de

reclusão, o réu não poderá prestar fiança, nem apelar antes de ser

recolhido à prisão, ainda que primário e de bons antecedentes, se

estiver configurada situação que autoriza a prisão preventiva”.

Prescreve claramente que os crimes contra o sistema financeiro nacional não são

passíveis de fiança, garantia dada em favor de alguém que está sendo acusado ou processado

criminalmente. Mesmo que o réu tenha bons antecedentes, o que a imensa maioria dos

autores de crimes do colarinho branco têm, quando decretada a prisão preventiva, somente

caberá o habeas corpus, ação pessoal contra restrição de liberdade, ainda assim somente

quando não configurar a necessidade da prisão, ou esta for mero abuso de poder de autoridade

pública no exercício de suas atribuições.

“Art. 32. (VETADO).

§ 1º (VETADO).

§ 2º (VETADO).

§ 3º (VETADO)”.

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Redação do Projeto: “desde que, da prática de crime previsto nesta lei haja decorrido

dano patrimonial, o Ministro da Fazenda decretará a prisão administrativa dos responsáveis

penais, por prazo não superior a 180 dias, nem inferior a noventa dias. Parágrafo primeiro:

decretada a prisão administrativa, o Ministro da Fazenda determinará a indisponibilidade dos

bens, móveis e imóveis, do acusado, bem assim a busca e apreensão respectivas, promovendo

no prazo de 180 dias da data que se efetivar a apreensão, o seqüestro judicial. Parágrafo

segundo: o Ministro da Fazenda cientificará, de imediato, ao presidente do Tribunal Federal

de Recursos, a decretação de prisão preventiva. Parágrafo terceiro: a prisão administrativa

será revogada no caso de reparação de dano, cujo principal será monetariamente atualizado,

com base na variação das Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, e acrescido de juros de

mora de 1%”.

Veto do Presidente: “o art. 32, porque outorga poderes de natureza jurisdicional à

autoridade administrativa. Embora se trate de medidas cautelares, a prisão administrativa, a

busca e a apreensão de bens, tais como reguladas no dispositivo, não se harmonizam com o

sistema jurídico nacional. Na tradição da doutrina e da legislação brasileiras, essas medidas

restringem-se a hipóteses de lesão ao erário”.

4.4.4. Da Multa

“Art. 33. Na fixação da pena de multa relativa aos crimes previstos

nesta lei, o limite a que se refere o § 1º do art. 49 do Código Penal,

aprovado pelo Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de.1940, pode

ser estendido até o décuplo, se verificada a situação nele cogitada”.

Ao contrário de simplesmente substituir a pena privativa de liberdade em sentenças

cujas penas têm pequena duração, a multa presente em todas as penas da Lei n.º 7.492/86 tem

a qualidade de agravo, servindo não como a punição principal, mas como uma forma de

causar dor no “bolso” dos banqueiros. Ela será de no mínimo um trigésimo do maior salário

mínimo mensal vigente ao tempo do fato e não superior a mil e oitocentas vezes esse mesmo

salário. Nos casos de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional poderão ser elevados até o

limite de dezoito mil salários mínimos vigentes (dez vezes). O juiz deverá, no entanto,

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considerar a situação financeira do réu, não podendo a multa incidir sobre a reserva

necessária para o sustento de sua família.

“Art. 34. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação”.

Suprimido o princípio da vacatio legis, que é o lapso de tempo entre sua publicação e

sua vigência de fato (como ocorre atualmente com o Novo Código Civil, publicado em 10 de

janeiro de 2002, mas que somente entrará em vigor nesta mesma data, em 2003), o legislador,

dada talvez sua urgência, instaurou a validade da Lei 7.492 de 16 de junho de 1986 a partir de

sua publicação no Diário Oficial da União, não provendo à sociedade, talvez, o tempo

necessário para assimilar a nova lei.

“Art. 35. Revogam-se as disposições em contrário”.

Revogar é tornar nulo, sem efeito, fazer com que deixe de vigorar (dicionário Aurélio de

Língua Portuguesa). A revogação é expressa, quando declarada na lei nova, e tácita, quando

resulta da incompatibilidade entre o texto anterior e o posterior. Por ser o conjunto normativo

positivado um extenso emaranhado de textos, espalhados pelos mais diversos códigos, leis

complementares, leis ordinárias, decretos, portarias, cabe o princípio da revogação, mesmo que

não expressa pela disposição mais recente, garantindo que o Direito seja instrumento coerente e

não contraditório.

4.5. Da Gravidade do Delito

Para melhor visualizar o entendimento da importância do bem jurídico tutelado,

consequentemente da gravidade de cada delito descrito na lei n.º 7.492/86, o quadro abaixo

coloca-os classificados de acordo com a severidade da pena atribuída pelo legislador, tendo como

critérios a pena mínima, a pena máxima e sua natureza descrita no Código Penal:

“Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado,

semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto ou aberto,

salvo necessidade de transferência a regime fechado”.

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TIPO PENAL (ARTIGO) PENA NATUREZA

Art. 4.º Gerir fraudulentamente instituição financeira: 3 (três) a 12 (doze)

anos, e multa

Reclusão

Art. 2.º Emitir irregularmente títulos: 2 (dois) a 8 (oito)

anos, e multa

Reclusão

Art. 4.º Se a gestão é temerária: 2 (dois) a 8 (oito)

anos, e multa

Reclusão

Art. 7º Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos

ou valores mobiliários falsos ou sem lastro:

2 (dois) a 8 (oito)

anos, e multa

Reclusão

Art. 14. Apresentar, em liquidação extrajudicial, ou em falência

de instituição financeira, declaração de crédito falsa:

2 (dois) a 8 (oito)

anos, e multa

Reclusão

Art. 15. Manifestar-se falsamente o interventor, o liqüidante ou

o síndico, à respeito de assunto relativo a intervenção,

liquidação extrajudicial ou falência de instituição financeira:

2 (dois) a 6 (seis)

anos, e multa

Reclusão

Art. 3º Divulgar informação falsa ou prejudicialmente

incompleta sobre instituição financeira:

2 (dois) a 6 (seis)

anos, e multa

Reclusão

Art. 5º Apropriar-se de dinheiro, título, valor ou qualquer outro

bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito

próprio ou alheio:

2 (dois) a 6 (seis)

anos, e multa

Reclusão

Art. 6º Induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou

repartição pública competente, sonegando-lhes informação ou

prestando-a falsamente:

2 (dois) a 6 (seis)

anos, e multa

Reclusão

Art. 13. Desviar bem alcançado pela indisponibilidade legal

resultante de intervenção, liqüidação extrajudicial ou falência de

instituição financeira:

2 (dois) a 6 (seis)

anos, e multa

Reclusão

Art. 17. Tomar ou receber, direta ou indiretamente,

empréstimo ou adiantamento:

2 (dois) a 6 (seis)

anos, e multa

Reclusão

Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição

financeira:

2 (dois) a 6 (seis)

anos, e multa

Reclusão

Art. 20. Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou

contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por

instituição financeira oficial ou por instituição credenciada:

2 (dois) a 6 (seis)

anos, e multa

Reclusão

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim

de promover evasão de divisas do País:

1 (um) a 5 (cinco)

anos, e multa

Reclusão

Art. 9º Fraudar a fiscalização ou o investidor, inserindo ou

fazendo inserir, declaração falsa ou diversa da que dele deveria

constar:

1 (um) a 5 (cinco)

anos, e multa

Reclusão

Art. 10. Fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido

pela legislação, em demonstrativos contábeis de instituição

1 (um) a 5 (cinco)

anos, e multa

Reclusão

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73

financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de

distribuição de títulos de valores mobiliários:

Art. 11. Manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente

à contabilidade exigida pela legislação:

1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa

Reclusão

Art. 8º Exigir, em desacordo com a legislação, juro, comissão

ou qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou

de Seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de

consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou

valores mobiliários:

1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa

Reclusão

Art. 12. Deixar, o ex-administrador de instituição financeira, de

apresentar, ao interventor, liqüidante, ou síndico, nos prazos e

condições estabelecidas em lei as informações, declarações ou

documentos de sua responsabilidade:

1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa

Reclusão

Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com

autorização obtida mediante declaração falsa, instituição

financeira:

1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa

Reclusão

Art. 18. Violar sigilo de operação ou de serviço prestado por

instituição financeira ou integrante do sistema de distribuição de

títulos mobiliários de que tenha conhecimento:

1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa

Reclusão

Art. 23. Omitir, retardar ou praticar, o funcionário público,

contra disposição expressa de lei, ato de ofício necessário ao

regular funcionamento do sistema financeiro nacional:

1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa

Reclusão

Art. 21. Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para

realização de operação de câmbio:

1 (um) a 4 (quatro)

anos, e multa

Detenção

Tabela 1: hierarquização das penas

A pena mais grave, a gestão temerária, do artigo 4.º, tem o mínimo de três anos, e o

máximo de doze, figurando entre o rol das maiores constantes no Direito Penal brasileiro. A

comparação já elaborada, com o crime de homicídio simples, demonstra tanto a boa intenção do

legislador em coibir esta prática, quanto a evidente previsão de que dificilmente alguém será

condenado a passar doze anos na prisão por um crime contra o patrimônio.

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74

5. ESTUTO DE CASO PRÁTICO

Este trabalho de pesquisa científica, baseado na reorganização de conceitos existentes

para um objetivo inédito, mostrar-se-ia singelo se não contivesse a apreciação de um caso prático,

uma referência real de que todo o estudo aqui desenvolvido pode convergir em efetiva aplicação

no cotidiano das pessoas e das empresas.

Vale lembrar que a autoria de condutas criminosas somente pode ser apontada como

verdadeira com o trânsito em julgado (que não cabe recurso) do devido processo legal, após a

sentença condenatória prolatada pelo juiz de direito, sendo irresponsável o seu pré-julgamento ex

legis, paralelo ao poder judiciário, culminando até mesmo em crime de injúria ou difamação. Isto

tornaria praticamente impossível um estudo de caso sobre crimes do colarinho branco.

Entretanto, considerando de domínio público as informações a serem utilizadas, obtidas

mediante pesquisas em jornais, revistas, artigos especializados e decisões judiciais anteriores e, às

vistas do artigo 142 do Código Penal, que exclui a punibilidade de crime de injúria e difamação

“a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a

intenção de injuriar ou difamar”, tentar-se-á identificar condutas descritas na lei n.º 7.492/86 para

fins meramente didáticos.

A notícia abaixo foi veiculada pelo site Consultor Jurídico, no dia 31 de janeiro de 2002:

COLARINHO BRANCO

Credores da Boi Gordo processam diretores do grupo

Os diretores do Grupo Fazendas Reunidas Boi Gordo podem ter que responder por "crime do

colarinho branco" (Lei 7.492/86). A informação da assessoria de imprensa da Associação dos Parceiros e

Credores da Fazendas Reunidas Boi Gordo (APCBG) é a de que a entidade pediu nesta quinta-feira

(31/1) a instauração de inquérito policial contra os principais diretores do Grupo Boi Gordo.

As irregularidades indicadas pelos advogados da APCBG são: emissão de contratos de

investimento coletivo sem prévia autorização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e a emissão de

contratos de investimentos coletivos pela Casa Grande Parceria Rural Ltda., sob o nome de Instrumentos

Particulares de Parceria Pecuária, sem a que a referida sociedade tivesse sido autorizada pela CVM.

Segundo a assessoria, verifica-se também a inexistência de lastro suficiente, inexistência de cabeças de

gado, já que a Boi Gordo teria confessado um passivo de R$ 750 milhões, mas que só teria R$ 70

milhões em gado. "Sem considerar os possíveis agravantes, a soma das penas máximas deverá chegar

a 40 anos de reclusão", antecipa o advogado da Associação, Augusto Coelho.

Revista Consultor Jurídico, 31 de janeiro de 2002.

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75

O grupo Fazendas Reunidas Boi Gordo foi criado em 1988 pelo empresário e pecuarista

Paulo Roberto de Andrade visando oferecer um novo modelo de investimento baseado na

aplicação em criação de bois, para o público investidor, que em regra não tem conhecimentos

técnicos específicos para atuar na pecuária. Este mercado atualmente apresenta-se em franco

desenvolvimento, uma vez superada a desconfiança de que a doença da “vaca louca” e a febre

aftosa pudessem prejudicar os rebanhos brasileiros. Recentemente, a União Européia, grande

importadora de carne do Brasil, outorgou um documento sanitário certificando a qualidade

brasileira. No ano de 2000 foram exportados 1,8 bilhão de dólares.

O preço da arroba de boi magro é baseado na cotação do dia apresentado pelo Sindipec

(Sindicato Nacional de Pecuária de Corte) na praça de Cáceres MT e estabelecido em contrato,

no ato da compra. A sazonalidade durante o ano é ditada pela clima brasileiro, sendo que no mês

de maio (outono) a arroba atinge o seu mínimo. Há também sazonalidade de 5 em 5 anos devido

ao mercado de bezerros. O Brasil possui o primeiro rebanho bovino comercial do mundo e o seu

consumo per capita é semelhante a países como Austrália e Nova Zelândia.

A captação no mercado era feita mediante Contrato de Investimento Coletivo em Engorda

Bovina (CIC), investimento em produtos ou subprodutos destinados a fins comerciais,

regulamentado pela Instrução n.º 296 de CVM, de 18 de dezembro de 1998. Funcionava como

espécie de compra de boi magro, pagando a esta empresa administradora do rebanho para que

cuidasse do processo de engorda do animal. O boi magro permanecia 18 meses em regime

extensivo, semi-confinado e em confinamento intensivo. A Boi Gordo garantia ao “parceiro”

valorização mínima de 42% do principal, calculados de acordo com as arrobas líquidas

adquiridas. Em caso de morte ou descarte do animal, a reposição era feita sob ônus da própria

empresa, e a título de manutenção agropastoril, ela deduzia 10% do valor pago pelo parceiro na

ocasião da compra. O CIC sofria, ainda, dedução de 20 % de Imposto de Renda sobre o lucro da

operação, retido na fonte, e não implicava nenhuma participação societária na empresa; somente

o direito à renda obtida, caracterizando-o como um fundo de renda variável.

Originalmente o CIC era denominado "Contrato de Compra, Venda e Engorda de Gado

Bovino", caracterizando-se como bilateral, regido pelo Código Civil, no que concerne ao Direito

pessoal, das obrigações. O Código Civil dispõe, em seu capítulo XII, sobre parcerias rurais, mais

especificamente, na seção II, das parcerias pecuárias: “Dá-se a parceria pecuária, quando se

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76

entregam animais a alguém para os pastorear, tratar e criar, mediante uma quota nos lucros

produzidos” (art. 1.416); “As despesas com o tratamento e criação dos animais, não havendo

acordo em contrário, correrão por conta do parceiro tratador e criador” (art. 1.422). No entanto,

com o advento da Medida Provisória n.º 1.637, de 8 janeiro de 1998, sua natureza jurídica

modificou-se para valores mobiliários, sujeitos portanto à fiscalização da Comissão de Valores

Mobiliários (Portaria n.º 270/98).

Esta mudança enquadrou a empresa Fazendas Reunidas Boi Gordo S/A no artigo 1.º da lei

n.º 7.492/86 como “instituição financeira”.

Assim sendo, seus balanços patrimoniais, demonstrações de resultado do exercício,

demonstrações de origens e aplicações de recursos tornaram-se disponíveis ao público junto à

CVM.

Para demonstrar indícios de crime de colarinho branco na gestão desta empresa, faz-se

aqui breve análise fundamentalista de suas informações contábeis (dados trazidos a valor presente

pelo IGP-DI e convertidos em dólar):

Conta: 31/12/2000 31/12/1999

Valor AV AH Valor AV

Ativo Total 244967 100%

7% 229.490 100%

Ativo Circulante

162825 66% 62% 100.311 44%

Disponibilidade 1733 1% -40% 2.884 1%

Créditos 11968 5% 977% 1.111 0%

Estoques 87630 36% 31% 66.874 29%

Outros 61494 25% 109% 29.443 13%

Ativo Realizável a Longo Prazo

8788 4% -91% 99.270 43%

Créditos Diversos

0 0% -100% 85.024 37%

IRPJ/CSLL Diferidos

6173 3% -46% 11.405 5%

Créditos com Pessoas Ligadas

2615 1% -8% 2.842 1%

Ativo Permanente

73354 30% 145% 29.909 13%

Investimentos 0 0% -100% 8 0%

Diferido 28 0% 1696% 2 0%

Tabela 2: Balanço Patrimonial - Ativo

Conta: 31/12/2000 31/12/1999

Valor AV AH Valor AV

Passivo Total 244.967 100% 6,7% 229.503 100

Passivo Circulante

150.026 61,2%

37,8% 108.900 47,5%

Clientes em Parceria

135.188 55,2%

30,2% 103.845 45,2%

Fornecedores e contas a pagar

12.756 5,2% 202,4% 4.218 1,8%

Obrigações sociais

596 0,2% 315,2% 144

0,1%

Salários a Pagar e Provisões

312 0,1% -40,5% 525

0,2%

Outros 1.173 0,5% 597,2% 168 0,1%

IRPJ/CSLL Diferidos

570 0,2% -36,1% 892

0,4%

Resultado de Exercício Futuro

4.038 1,6% 0,0% -

0,0%

Patrimônio Líquido

(9.853) -4,0% -51,6% (20.372) -8,9%

Capital Social Realizado

1.266 0,5% -18,4% 1.550 0,7%

Lucro/Prejuízo Acumulado

(11.118) -4,5% -49,3% (21.922) -9,6%

Tabela 3: Balanço Patrimonial - Passivo

O Balanço Patrimonial é o documento contábil que demonstra a situação do patrimônio da

empresa em uma data determinada. O ativo traz as aplicações, enquanto o passivo as origens. A

conta mais importante para estudo é a de estoques, no caso, bois, que representou 36% do total do

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco - Ralph Melles Sticca

76

Ativo em 2000. O crescimento mais significativo entre os dois anos foi o do imobilizado

(fazendas), que aumentou 145%, passando a representar 30% do Ativo Total.

No Passivo, verifica-se a diminuição de CIC de curto prazo, enquanto aumentam as de

longo. Quanto à relação CIC/Estoques, é notável que ela não possui estoque necessário para

cobrir os CIC de curto prazo. Em 1999 havia US$103.845.000,00 em certificados em poder do

público, e somente US$66.874.000,00 na conta “estoques”. Já em 2000, dos U$135.188.000,00

lançados, somente U$87.630.000,00 estava lastreado em gado, como mostra o gráfico a seguir:

Gráfico 1: Análise de Lastro de Curto Prazo

Tal situação repete-se com maior veemência ao proceder esta mesma relação com os CIC

de longo prazo, ou seja, os emitidos recentemente: a empresa não possuía lastro, em bois, nos

contratos que ela continuava a vender, demonstrando que este desequilíbrio não era acidental,

fruto de turbulências ou sazonalidade, era notadamente proposital. Esta operação consistia

basicamente em rolar os certificados que venciam com a renovação da dívida, trocando-os pelos

de longo prazo, enquanto a empresa continuava a captar recursos em dinheiro dos investidores.

Em suma, o dinheiro entrava, mas a grande maioria não saía:

-

20.000

40.000

60.000

80.000

100.000

120.000

140.000

160.000

1999 2000

Clientes em Parceria Estoques

C I C de Curto Prazo

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77

Gráfico 2: Análise de Lastro de Curto + Longo Prazo

No que concerne à Demonstração de Resultados do Exercício, que indica o desempenho

econômico da empresa no decorrer do ano, a Boi Gordo tinha em 2000 prejuízo já em seu

Resultado Operacional, 6 milhões de reais, antes mesmo de seu resultado financeiro e dedução do

imposto de renda. O prejuízo diminuíra em relação a 1999, mas ainda assim ficou na casa dos 4

milhões.

Analisando-se os índices da Boi Gordo, fica clara a complicada situação financeira em

que se encontrava. Em 1999 ela apresentou um índice de endividamento muito alto, de 1207%,

ou seja, para cada R$100,00 próprios, ela tomou R$1207,00 emprestados. Muito alta também

estava a imobilização do patrimônio líquido, sendo que 147% dos recursos próprios estavam

imobilizados, ou seja, além de aplicar todo o seu patrimônio líquido em imobilizado a empresa

emprestou de terceiros para investir no imobilizado.

Em 2000, o endividamento foi para 2586%, enquanto as dívidas de curto prazo passaram

a 59%. Seu patrimônio líquido teve um índice de imobilização de 745%. Analisando os índices

de estrutura de capital, portanto, verifica-se o endividamento e a imobilização extremos.

Em 1999, o índice de liquidez corrente foi de 0,92, indicando que ela possuía R$0,92 de

ativo circulante para cada R$1,00 de passivo circulante. Porém, seu índice de liquidez seca era

muito baixo: apenas 0,04. Isso indica que, para cada R$1,00 de dívida de curto prazo, a empresa

possuía apenas R$0,04 de ativo líquido, para o pagamento imediato (neste caso, resgate do

título), comprometendo sua capacidade de pagamento de dívidas de curto prazo.

-

50.000

100.000

150.000

200.000

250.000

300.000

1999 2000

Clientes em Parceria Estoques

C I C de curto + longo prazo

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco - Ralph Melles Sticca

78

Os índices de liquidez corrente e de liquidez seca melhoraram em 2000. Sua liquidez

corrente obteve um índice de 1,09, indicando que a empresa possui mais ativo circulante do que

passivo circulante.

Em 1999 os índices de rentabilidade demonstraram novamente a situação ruim. O giro de

seu ativo foi de 0,03, ou seja, para cada R$1,00 investido, suas vendas foram de apenas R$0,04.

Sua margem líquida também foi pequena, pois para cada R$100,00 vendidos, ela lucrou apenas

R$12,00. A rentabilidade do seu ativo foi nula, ou seja, ela não lucrou praticamente nada com o

dinheiro investido. A rentabilidade do patrimônio líquido foi um pouco pior, negativa (-0,04),

revelando que, para cada R$1,00 próprio investido, ela teve um prejuízo de R$0,04. Este índice é

dúbio, uma vez que o aporte de capital não é feito através do Patrimônio Líquido, capital próprio,

gerando a falsa impressão de empresa rentável. É feito, sim, por capital de terceiros.

Em 2000 o giro de seu ativo melhorou, passando para 0,05. A margem líquida manteve-

se em 0,12. Já a rentabilidade do seu ativo melhorou: passou de nula para R$0,01 de sobre o total

investido. A rentabilidade do patrimônio líquido piorou mais ainda: em 2000, para cada $1,00 de

capital próprio investido houve um prejuízo de R$0,14. As maiores origens de recursos na Boi

Gordo foram provenientes das operações sociais. A redução provocada pelos acionistas, que

podemos ver no gráfico abaixo, é devido ao capital circulante líquido de empresa ligada

incorporada:

Gráfico 3: Origem dos Recursos

Origens de Recursos

(50.000)

-

50.000

100.000

150.000

200.000

1.999 2.000

Total das Origens Das operações sociais Dos acionistas De terceiros

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco - Ralph Melles Sticca

79

Os balancetes referentes ao primeiro semestre de 2001 já apresentavam dívida acumulada

de R$780 milhões, patrimônio negativo em R$223 milhões, bem como prejuízo de R$287

milhões. No dia 27 de março de 2001, a CVM proibiu que a FRBG continuasse emitindo títulos

sem o registro na entidade. Carlos Rebello, superintendente da CVM, afirmou em reportagem da

Folha de São Paulo (02/05/01) que cerca de R$80 milhões foram reaplicados pelos investidores

sem que existissem contratos autorizados. Na mesma reportagem, Alberto Borges Matias,

professor de Finanças da Universidade de São Paulo, afirmou que a empresa possuía mais

recursos em imóveis (ativo permanente) do que em bois (estoques). “Ou a empresa não honra os

títulos, ou revende-os”. Tais resultados, quando divulgados pela imprensa, provocaram desespero

nos mais de 20 mil investidores espalhados por todo o país, complicando ainda mais a situação da

empresa, que não tinha estoque nem caixa para o resgate imediato. Assim, no dia 15 de outubro

de 2001, as Fazendas Reunidas Boi Gordo requereram Concordata Preventiva na Comarca de

Comodoro, Estado de Mato Grosso, rompendo unilateralmente todos os Contratos de

Investimento Coletivo, quer os emitidos com lastro, quer os colocados no mercado sem registro

na CVM, além dos "Contratos Verdes", aqueles que a empresa estava proibida de emitir. A

proposta inicial era pagar todos os investidores e credores, no prazo de dois anos, 40% em 2002 e

60% em 2003.

O indício de irregularidades fortificou-se com a divisão da empresa em Boi Gordo S/A e

Boi Gordo Ltda., que encontrava-se endividada. Note-se que, caso esta última entrasse em

processo falimentar, pela confusão patrimonial, a massa falida para o pagamento de credores

poderia desconsiderar a pessoa jurídica, buscando também o patrimônio particular do

proprietário, no limite da dívida. A solução encontrada, então, foi propor aos credores de CIC que

saíssem da lista de concordata para tornarem-se sócios da empresa, através de sua troca por ações

ordinárias, com direito a voto, que estavam em sua totalidade nas mãos de Paulo Roberto de

Andrade. Com estes contratos, ele quitaria a dívida de R$76,8 milhões que a Fazendas Reunidas

Boi Gordo Ltda. – também dele – tem com a Boi Gordo S/A. Assim, os antigos investidores

corriam o risco de, inocentemente, passarem de credores para devedores do ex-dono da empresa.

Persistindo as FRBG na prática de irregularidades, no final de 2001 foi instaurado pela

CVM inquérito administrativo para apurar as irregularidades que vinham sendo praticadas pela

empresa, culminando com a sua condenação e aplicação da multa de R$28.186.328,07 ao diretor-

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco - Ralph Melles Sticca

80

presidente, Paulo Roberto de Andrade, e de R$ 1.409.316,40 a cada um dos diretores da FRBG,

Klécius Antônio dos Santos e Antônio Carlos de Andrade.

Eis que surgiu a “Global do Brasil” com objetivo de evitar a falência da FRBGSA,

criando mecanismos que permitissem a cada sócio receber a totalidade de seus créditos. Foi

nomeada “holding”, para administrar a firma falida, sem que tivesse recursos, meios e condições

legais de atender a esse objetivo. Houve até mesmo proposta de troca de créditos por "esmeraldas

semi-lapidadas", mediante o pagamento de taxas. Ou seja, além de perder o crédito, o credor

repetiria o prejuízo.

A CVM, através da Deliberação n.º 428, de 10 de abril de 2002, suspendeu a distribuição

pública de ações de emissão da Global Brasil, que ficou proibida de colocar publicamente ações,

sob a cominação de multa diária de R$ 5.000,00. A Global vinha agindo irregularmente por não

ter feito o registro prévio na entidade, pois, nos termos do art. 4.º, parágrafo 1.º, da Lei n.º

6.404/76, lei das S/As, somente os valores mobiliários emitidos por companhias registradas na

CVM podem ser negociados no mercado de valores mobiliários.

O proprietário da Fazendas Reunidas Boi Gordo S/A, caso venha a ser processado,

responderá pelos crimes previstos nos artigos 2.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 12 e 13 da lei n.º 7.492/86,

crimes do colarinho branco, podendo ser condenado ao máximo de 50 anos de prisão.

Mas esta “novela” está longe do fim. Em notícia veiculada no dia 7 de fevereiro no site

Consultor Jurídico, mais uma fraude: Cláudia Zelenkovas, secretária que vivia com salário de 700

reais, foi declarada fiel depositária dos bens da Boi Gordo, por determinação da 10.ª Vara Cível

de São Paulo, o que incluía seis fazendas e 20 mil cabeças de gado, entre outros milhares de itens.

Representante de uma associação de cerca de 450 credores, a Associação de Parceiros e Credores

da Boi Gordo (APCBG), logo enfrentou dificuldades, como sua detenção, por acusação de

falsidade ideológica e a devolução dos cheques que emitiu para pagar as despesas de sua tarefa.

Ela descobriu que a APCBG, sua empregadora, não estava depositando sequer o seu salário.

A explicação se dá porque a associação "presidida" por Cláudia foi criada por Augusto

Coelho, advogado das vítimas, e por sua mulher e sócia, a advogada Maria Conceição de Hora

Gonçalves Coelho. O vice-presidente é o pai do advogado, Valdir Coelho. A "entidade"

arrecadou 2% do que têm a receber seus associados (cerca de R$40 milhões). Os honorários dos

advogados, em caso de sucesso, estão fixados em 10%, mas o que ficou acertado, segundo

Cláudia, é que os 2% iniciais seriam doados a título de contribuição associativa à entidade.

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco - Ralph Melles Sticca

81

Cláudia registrou o Boletim de Ocorrência na 3ª Delegacia de Polícia da capital paulista,

indicando que os pagamentos dos associados à APCBG não estavam sendo depositados na conta

da entidade, e sim em favor de outras pessoas. As contas correntes em que foram feitos os

depósitos pertencem à família Coelho. Considerados apenas os 450 primeiros associados, a

entidade já teria arrecadado cerca de R$1,6 milhão. Enquanto durar os efeitos da decisão que

entregou grande parte do patrimônio do Grupo Boi Gordo à Associação, é dela a responsabilidade

por todos os bens arrolados. Na hipótese de algo desaparecer, a entidade - mais especificamente,

a sua presidente - responderá.

Os traços “surrealistas” dessa novela levaram ao questionamento das decisões liminares

que delegaram a administração do patrimônio de milhares de credores a uma secretaria. Neste

contexto, questiona-se também por que os créditos dos "parceiros" não foram habilitados na

justiça até agora, como meio de definir o rol dos prejudicados. Entende-se, ainda, que a

proliferação de decisões conflitantes em diferentes Estados acaba por comprometer uma solução,

qualquer que seja ela.

A APCBG foi criada e registrada em menos de 24 horas depois da decretação da

concordata da Boi Gordo. A entidade fica no mesmo prédio, um andar abaixo do escritório de

advocacia que a concebeu.

Impactos Penais na Gestão Empresarial: a Lei de Crimes do Colarinho Branco - Ralph Melles Sticca

82

6. CONCLUSÕES E SUGESTÕES

A Lei n.º 7.492/86 mostrou-se ser nada mais que uma compilação de diversas outras

normas penais anteriores, e mesmo posteriores, mas com o seu escopo somente nos crimes

praticados no âmbito do sistema financeiro nacional, seja pelas instituições componentes, pelos

membros das autarquias fiscalizadoras, seja pelo público tomador e aplicador de capital. O

Direito Penal, como a tradução do poder e da necessidade de punir restritos ao Estado, foi o

instrumento utilizado para, de forma enérgica, proteger os interesses coletivos, já que o bom

funcionamento do SFN diz respeito tanto ao governo, quanto ao público investidor. É ele,

Sistema financeiro, que garantirá a soberania do país fundamentada na credibilidade da troca de

capitais, tornando-se o mais independente possível de organismos internacionais, que vêm lhe

prestar ajuda.

Dados, portanto, a importância do mercado financeiro para o país, e a sua característica

liberal, de inúmeras possibilidades, foi necessária a elaboração de uma lei que pudesse melhor

enquadrar o tipo às condutas, garantindo a taxatividade e a especialidade da lei penal, facilitando

o reconhecimento do crime e a aplicação de sua pena. Ao comparar-se, por mera curiosidade, a

pena máxima prescrita por esta lei à pena máxima prescrita pelo Código Penal por homicídio

simples - doze anos por gestão fraudulenta, art. 4.º; vinte anos por matar alguém, art. 121 - ,

baseando-se na máxima de que a pena é aferida pelo legislador de acordo com seu juízo acerca da

importância do bem jurídico a ser tutelado, é possível extrair a gravidade entendida pelo Estado

frente aos crimes do colarinho branco.

No Brasil, esta lei torna-se cada vez mais necessária, mais passível de ser aplicada, já que

a corrupção dentro dos órgãos do governo brasileiro é mundialmente conhecida, e, por refletir

nos mercados financeiros, causa prejuízos inestimáveis ao desenvolvimento econômico e aos

cofres públicos, que são chamados à obrigação de cobrir, com dinheiro do povo, os “rombos”

causados por esta prática.

Costuma se dizer que o Direito aparece como forma de conter os desvios éticos sociais.

Aquele que não faz pelo simples dever, pelo benefício da sociedade, por sua moral interna, pelo

bom senso, o fará pela coerção, pela sanção. É uma pena, para evitar o trocadilho, uma lástima,

que empresários, consultores, diretores, gerentes e administradores financeiros, utilizem-se de

seus conhecimentos técnicos e teóricos, estudados com o intuito genérico de promover o

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desenvolvimento econômico e social da nação, para única e exclusivamente cometer fraudes,

causar prejuízos, onerar a sociedade, causando tamanha vergonha à profissão.

Por isto a importância de expandir a presença, hoje restrita, do Direito e da Ética no

cursos de Economia, Contabilidade e Administração de Empresas, não mencionando sua

existência - enquanto disciplinas chatas e irrelevantes, já que quem deve conhecê-las é o

advogado, que será pago para isto – mas como forma de alicerçar o caráter e a cultura daqueles

que irão operar o capitalismo.

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7. BIBLIOGRAFIA

BRANCO, Fernando Castelo. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Artigo publicado no site Saraivajur, extraído às 14 horas do dia 10 de junho de 2002.

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Atualizada até a Emenda Constitucional n.31. 27a edição, Editora Saraiva, 2001. FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro: produtos e serviços. 14a edição, Editora

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Clipping de Notícias retiradas do site da revista Consultor Jurídico www.consultorjuridico.com.br. Balanços retirados do site da Fazendas Reunidas Boi Gordo S/A (www.boigordo.com.br)

e da Comissão de Valores Mobiliários (www.cvm.gov.br).

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8. ANEXOS

8.1. Clipping de Notícias

1- Brasil deixa de receber US$ 40 bi por crime e corrupção, diz pesquisa. da Folha de S.Paulo, no Rio

O Brasil deixa de receber anualmente US$ 40 bilhões de investimento estrangeiro direto por causa de problemas institucionais, como criminalidade e corrupção, segundo pesquisa do Fórum Econômico Mundial. De quarta a sexta-feira, o Fórum promove, no Rio, a Primeira Cúpula de Negócios da América Latina.

De acordo com Frédéric Sicre, diretor-gerente da organização, a perda de investimentos é conseqüência de problemas que levaram o Brasil a perder neste ano duas posições (de 44º para 46º lugar) no ranking da competitividade da instituição, divulgado na semana passada. A pesquisa inclui 80 países e combina dados estatísticos com respostas de 4.800 executivos internacionais a um questionário aplicado pelo fórum.

Sicre disse que, entre os maiores problemas do Brasil, estão a criminalidade, a baixa eficiência das polícias e do Judiciário, a baixa eficiência no recolhimento de impostos e problemas relacionados com o direito de propriedade, que ele não detalhou. Sicre disse que a pesquisa concluiu que houve progresso no país em relação a outros aspectos, como a maior transparência nas licitações públicas.

18/11/2002 - 19h41 2- Temas em alta Seminário discute crimes contra o sistema financeiro

Os criminalistas Márcio Tomaz Bastos, Arnaldo Malheiros Filho, Eduardo Muylaert

Antunes, Antonio Carlos de Almeida Castro e Miguel Reale Júnior estarão reunidos no seminário "Questões de Direito Penal Econômico, Financeiro e Tributário", em São Paulo. O seminário será promovido pela Sociedade de Estudos Jurídicos no dia 21 de março. O evento é coordenado pelos advogados Fábio Lilla e Marta Rodrigues Machado. Os criminalistas tratarão de assuntos atuais como crimes contra o sistema financeiro, ordem tributária, Comissões Parlamentares de Inquérito, relação entre processo administrativo fiscal e o processo penal, lavagem de dinheiro, entre outros.

Muylaert falará sobre crimes contra o sistema financeiro. Em entrevista ao site Consultor Jurídico, ele adiantou um dos principais assuntos de sua palestra. Segundo o advogado, é muito comum o Banco Central autuar determinadas empresas por supostas irregularidades no balanço operacional e depois arquivar o processo administrativo por não detectar nenhum ilícito. Em muitos casos, o Ministério Público já ofereceu denúncia contra a empresa antes de o BC arquivar o processo.

O advogado defende a tese de que o entendimento do Banco Central sobre a legalidade da operação deve ser repercutido na esfera criminal. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o fato de o BC concluir, depois da apresentação da denúncia, pela regularidade dos atos praticados, não é justa causa para o trancamento da ação penal. Mas ainda há poucos precedentes sobre a questão.

Maio/2000 - Ano I - N.º 2.

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3- Justiça manda prender seis ex-dirigentes do Nacional Rio - Seis ex-dirigentes do antigo banco Nacional, entre eles o ex-presidente Marcos

Catão de Magalhães Pinto, foram presos ontem pela Polícia Federal, entre 6h30 e 7h30, por ordem do juiz Marco André Bizzo Moliari, 33, da 1ª Vara Federal do Rio.

Mais dois dirigentes do banco, Virgílio Veloso e Roberto Freire, tiveram a prisão provisória decretada, mas os mandados não haviam sido cumpridos até as 19h de ontem. Segundo a Polícia Federal, Veloso está na Holanda. Freire estaria em Uberlândia (MG).

Um pedido de habeas corpus feito pelos advogados dos detidos foi negado, no fim da tarde, pelo Tribunal Regional Federal. Os advogados já entraram com novo recurso novamente no TRF.

O juiz Moliari concluiu na quinta o julgamento de 18 dos 30 réus nos três processos que acusam ex-dirigentes do Nacional e Marco Aurélio Maciel, da empresa de auditoria KPMG (que auditava os balanços do Nacional). Eles são acusados de crimes que vão de gestão fraudulenta de instituição financeira até formação de quadrilha.

O juiz havia convocado os réus para assistirem à divulgação das sentenças, na segunda-feira. Ele determinou a prisão provisória depois que eles entraram, na última quinta-feira, com um pedido de habeas corpus para não comparecerem à sessão. Os demais 12 réus, acusados de gestão temerária, incluindo os irmãos de Marcos -Fernando e Eduardo de Magalhães Pinto-, ainda não foram julgados.

Embora as sentenças só devam ser conhecidas na segunda, em audiência marcada pelo juiz, a reportagem apurou que 14 dos 18 réus foram condenados a penas que vão de 2 a 27 anos de prisão. Dos 14, todos foram condenados por gestão fraudulenta, crime previsto no artigo 4º da Lei 7.492/ 86 (Lei do Colarinho Branco).

4- Colarinho branco Marco Aurélio afirma que lei é “despropositada”

O presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, considera a chamada

Lei do Colarinho Branco (7.492/86) "incoerente e despropositada" no seu artigo 30, que admite a prisão preventiva do acusado de acordo com a "magnitude da lesão", ou seja, do tamanho do dano resultante do crime. A afirmação foi feita durante entrevista à Folha de S. Paulo.

De acordo com o ministro, há na lei "um choque de conceitos". A lesão, segundo ele, "provoca a punição, a caracterização de um crime ocorrido", enquanto a prisão preventiva teria o objetivo de prevenir que o autor da lesão, "alguém de alta periculosidade", não venha a cometer outros crimes.

Marco Aurélio ressaltou que, se a magnitude da lesão fosse justificativa para se prender preventivamente, isso ocorreria em praticamente todos os crimes contra o sistema financeiro. "No mercado financeiro não há crime que não tenha magnitude", disse. Segundo o ministro, a prisão preventiva é sempre um recurso "excepcional".

Fonte: Folha de S. Paulo Revista Consultor Jurídico, 30 de janeiro de 2002.

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5- Colarinho branco Justiça condena diretores e administradores do BMC

Os diretores e administradores do Banco Mercantil de Crédito (BMC) e sócios

controladores da BMC Promotora de Negócios e Assessoria Financeira foram condenados por crime contra o sistema financeiro nacional. A decisão é da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região ao julgar apelação criminal interposta pela Justiça Pública contra Francisco Jaime Nogueira Pinheiro Filho, Norberto Nogueira Pinheiro e Nelson Nogueira Pinheiro. No processo que tramitou na 4ª Vara Criminal de São Paulo, os réus haviam sido absolvidos.

De acordo com a decisão, a pena de restrição de direitos foi substituída por prestação de serviços à comunidade durante três anos. Também terão que pagar 150 dias-multa (pena pecuniária). Cada dia corresponde ao valor de dois salários mínimos. Como não houve unanimidade, há possibilidade de um recurso infringente.

A Turma adotou, por maioria, o voto da juíza Ramza Tartuce que acompanhou os fundamentos do relator André Nabarrete. Para os juizes, não resta dúvida de que "os réus infringiram os artigos 17 combinado com o 25 da Lei do Colarinho Branco (nº7.492/86)". Processo n.º 1999.03.99.106594-8

Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2001. 6- Consorciados lesados Ex-administradores condenados por fraude são presos

A Polícia Federal de Caxias do Sul (RS) prendeu os ex-administradores do Consórcio

Planauto, Ana Maria Ruschel Arnold e Bayard Prado Moreira, condenados por "crime do colarinho branco", delitos contra o sistema financeiro e fraude na administração que lesou 26 mil consorciados. Na ocasião, o prejuízo à economia popular ficou em torno de US$ 12 milhões.

O mandado foi determinado pela Justiça Federal, em processos criminais movidos pelo Ministério Público Federal. As condenações ultrapassam 30 anos de reclusão.

Existem 22 processos em tramitação, envolvendo 24 réus. Romeu Michaelsen, condenado a mais de 30 anos de prisão está foragido há cerca de um ano.

Revista Consultor Jurídico, 9 de outubro de 2001. 7- Banco Central liquida cinco consórcios por práticas irregulares da Folha Online, em Brasília

O Banco Central decidiu hoje liquidar extrajudicialmente cinco consórcios por incapacidade de honrar compromissos assumidos e pela prática de graves irregularidades. Foram liquidados a Buri Administradora de Consórcios, com sede no Rio de Janeiro; a Marcas Reunidas Administradora de Consórcios S/C Ltda., com sede em Guaratinguetá (SP); Autopoup Administradora e Participações S/C Ltda., com sede em São Paulo; Bomsenso Promoções Patrimoniais Ltda., com sede em Campinas (SP); Ximenes Organizações e Empreendimentos S/C Ltda., com sede em Botucatu (SP).

A Buri Administradora de Consórcios ficou, em abril, em quinto lugar na lista de reclamações feitas pelos clientes ao Banco Central.

Os atos da presidência do BC decretando a liquidação dos consórcios estão no Sisbacen.

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8- Operação regular Justiça libera empréstimo entre empresas coligadas

O empréstimo entre empresas coligadas não é crime. O entendimento é da Quinta Turma

do Tribunal Regional Federal da Terceira Região (SP), ao acatar apelação interposta pelos diretores do Banco BMD. Eles haviam sido condenados, com base no artigo 17 da Lei dos Crimes de Colarinho Branco, a dois anos de reclusão com direito a sursis.

A Lei 7.492, de 1986, pune com pena de dois a seis anos o empréstimo feito por instituição financeira a controlador, administrador, parente ou empresa coligada.

O juiz da 1a Vara Criminal federal, Ali Mazloum, havia entendido que "as instituições, responsáveis pela captação da economia popular, de recursos de terceiros, não podem, portanto, usar desses recursos para financiar determinadas pessoas que estão a elas ligadas".

Segundo a sentença, "a promiscuidade entre coligadas, ou o incesto entre elas, para usar as palavras da ilustrada defensoria, poderia gerar grave risco para o grupo. Não só para o grupo, mas para credores em geral e para o próprio Sistema".

"Bastaria que a beneficiária não conseguisse saldar o seu débito para colocar em situação de perigo a coligada, que concedeu o crédito, e todo o resto do grupo e credores desse grupo (poupadores)".

Entretanto, o TRF reconheceu que não houve qualquer operação proibida. O banco havia feito um depósito interbancário em outra instituição. Esta, por sua vez, emprestou dinheiro a empresa constituída por sócios do Banco BMD.

O advogado Eduardo Muylaert Antunes, que representou o banco, alegou que "não existe qualquer vedação para que os membros de um grupo obtenham empréstimo de outro grupo, na medida em que este assuma os riscos normais do empréstimo". A tese foi aceita por maioria de votos.

O TRF inovou a jurisprudência ao acatar a tese de que "o risco desaparece com a intromissão de outro operador do sistema financeiro".

O ponto de vista foi defendido também em parecer do professor René Ariel Dotti. Para o professor, "o objetivo da proibição exarada na norma legal, que embasa a imputação, é o de se evitar que os bancos assumam riscos na verticalização de suas operações, de tal forma que passem a se tornar financiadores de empresas do mesmo grupo, a exemplo do que acontece hoje com os bancos estaduais que financiam os governos locais". Em sustentação oral, Muylaert Antunes insistiu na circunstância de que as normas penais não podem ser ampliadas por interpretação analógica e no fato de que tal proibição é uma peculiaridade do direito brasileiro. Na maior parte do mundo, os empréstimos dentro de um mesmo grupo são permitidos, sendo proibido apenas o favorecimento. Mesmo no Brasil, existem inúmeras propostas legislativas nesse sentido, segundo o advogado.

Revista Consultor Jurídico, 2 de abril de 2002. 10- Pesadelo de Cinderela Boi Gordo: credores estariam sendo lesados de novo.

Essa cena a TV perdeu. No final de dezembro último, uma secretária que vive com um

salário de 700 reais, descobriu que tinha nas mãos seis fazendas em Mato Grosso, onde cabem diversas cidades brasileiras. Não é pouco: são mais de 20 mil cabeças de gado, dezenas de tratores, caminhões, automóveis e uma relação de milhares de itens que vão de casas a computadores.

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Essa foi a situação de Cláudia Zelenkovas, que desembarcou em Cuiabá no final do ano passado como fiel depositária dos bens das Fazendas Boi Gordo, por determinação da 10ª Vara Cível da capital paulista.

Representante de uma associação de cerca de 450 credores (número que praticamente dobrou, depois da liminar, segundo a dirigente), Cláudia, a nova "milionária" não tardou a enfrentar encrencas, como a sua detenção por acusação de falsidade ideológica e a devolução dos cheques que emitiu para pagar as despesas de sua tarefa. Ela descobriu que em sua conta corrente, a primeira de sua vida, aberta há pouco mais de um mês, a Associação de Parceiros e Credores da Boi Gordo (APCBG), ou seja, seus patrões, não estavam depositando sequer o seu salário.

Explicação: a Associação "presidida" por Cláudia foi criada por Augusto Coelho, dublê de comandante e advogado das vítimas aflitas desse negócio, e por sua mulher e sócia, a advogada Maria Conceição de Hora Gonçalves Coelho. O vice-presidente é o pai do advogado, Valdir Coelho.

A "entidade" arrecadou 2% do que têm a receber seus associados. Da primeira leva (os primeiros 400), os créditos remontariam a cerca de R$ 40 milhões, segundo Cláudia. Em informe distribuído à imprensa, Augusto Coelho afirma que são R$ 80 milhões. Os honorários dos advogados, em caso de sucesso, estão fixados em 10%, mas o que ficou acertado, segundo Cláudia, é que os 2% iniciais seriam doados a título de contribuição associativa à entidade. Não pertenceriam, portanto, aos advogados.

O lance mais recente dessa fábula aconteceu na noite desta quarta-feira (6/2). Cláudia registrou o Boletim de Ocorrência 1.666/2002 na 3ª Delegacia de Polícia da capital paulista, indicando que os pagamentos dos associados à APCBG não estão sendo depositados na conta da entidade, mas em favor de outras pessoas. O boletim policial diz que a autoria da ocorrência é desconhecida. Mas as contas correntes em que foram feitos os depósitos pertencem à família Coelho.

Considerados apenas os 450 primeiros associados, a entidade já teria arrecadado pelo menos 500 mil reais ou, ainda R$ 1,6 milhão – muito embora a assessoria alegue que a base de cálculo seja o que foi investido e não esse valor mais a expectativa de retorno. Enquanto durar os efeitos da decisão que entregou grande parte do patrimônio do Grupo Boi Gordo à Associação, é dela a responsabilidade por todos os bens arrolados. Na hipótese de algo desaparecer, a entidade — mais especificamente, a sua presidente — responderá por isso. Afinal, o patrimônio, em tese, pertence aos cerca de 20 mil "parceiros" do grupo. Foi diante desse risco, acrescido da suspeita de que os pagamentos dos associados teriam destino incerto que Cláudia Zelenkovas contratou o advogado Gabriel da Silveira Matos, que a acompanhou à delegacia paulistana para o registro preventivo.

Os riscos envolvidos não são poucos nem pequenos. Em entrevista à Revista Consultor Jurídico, Cláudia disse ter sido informada que, por conta de liminar obtida por outros credores, esta concedida pela 24ª Vara Civil de São Paulo, os mesmos bois já arrestados por ela estavam sendo novamente apreendidos.

Essa segunda ação é patrocinada pelo escritório Tojal Renault Advogados Associados. Os traços surrealistas dessa novela levaram um advogado que acompanha o caso de perto

a questionar as decisões liminares que delegaram a administração do patrimônio de milhares de credores a uma secretaria com a escolaridade que tem. Muito embora Cláudia Zelenkovas tenha tido o bom senso de não tentar se desfazer de qualquer bem. Neste contexto descabelado, quer-se saber também porque os créditos dos "parceiros" não foram habilitados até agora, como meio de

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definir o rol dos prejudicados. Entende-se, ainda, que a proliferação de decisões conflitantes em diferentes Estados acaba por comprometer uma solução, qualquer que seja ela.

Todas as entidades parecem ter sido criadas por escritórios de advocacia. A APCBG, por exemplo, foi criada e registrada em menos de 24 horas depois da decretação da concordata da Boi Gordo. A entidade fica no mesmo prédio, um andar abaixo do escritório de advocacia.

A Associação de Cláudia só pôde obter o arresto dos bens por conta de uma outra ação, essa ajuizada pelo advogado J. A. Almeida Paiva, que obteve a suspensão da concordata. Caso o processo seja retomado, as liminares devem perder seus efeitos.

Revista Consultor Jurídico, 7 de fevereiro de 2002. 11- Boi Gordo Associação afirma que acusações divulgadas são levianas

A Associação dos Parceiros e Credores das Fazendas Reunidas Boi Gordo (APCBG) divulgou nota à imprensa para afirmar que as notícias publicadas sobre a entidade são “levianas e insidiosas”.

A APCBG, surpresa com as declarações levianas e insidiosas veiculadas nos noticiários no dia de ontem, 07 de fevereiro, visando acima de tudo manter informados os nossos associados investidores da Boi Gordo em geral, vem a público comunicar o seguinte:

I - A APCBG é uma associação civil sem fins lucrativos e tem como missão defender os seus associados principalmente os investidores das Fazendas Reunidas Boi Gordo que tão violentamente foram lesados deixando de receber o retorno dos investimentos ali aplicados. II - Conforme é do conhecimento do associado e consta do recibo a ele entregue quando da sua filiação à APCBG, os 2% ( dois por cento) pagos referem-se aos honorários advocatícios e são repassados imediatamente ao escritório de advocacia, não cabendo a esta associação o acompanhamento e o destino final desses valores.

III - A contribuição associativa mensal, pertencente à Associação, está sendo cobrada, a partir de Janeiro/2002, através de boleto bancário e, esta sim, depositada em conta corrente bancária da associação no BBV.

IV - Convém salientar que o trabalho jurídico desenvolvido pela Associação junto com o Escritório de Advocacia está, até o presente momento, cumprindo as suas finalidades específicas, ou seja, garantir aos associados, através do arresto e seqüestro de gado e bens, (é a única associação que conseguiu estas vitórias na Justiça) o pagamento de seus investimentos. V - Estas vitórias na Justiça estão levando a pessoas interessadas em denegrir a imagem da APCBG a publicar notícias nem sempre verdadeiras que tem o manifesto propósito de difamar a APCBG e transformar as vítimas em réus.

VI - Que tomando como base inquérito administrativo apresentado pela CVM ( n. RJ 2001/6094 ) no qual condena a Boi Gordo pela emissão irregular de títulos mobiliários ( CIC’s ), chegando em certa ocasião o relator do processo, diante da negativa dos diretores em assumir responsabilidade pelos fatos a declarar: “aliás, diga-se que aceitar a negação geral utilizada pelos defendentes, significaria admitir que nenhum dos diretores seria responsável pessoalmente e que, portanto a companhia teria agido por obra e graça do Espírito Santo ( grifo nosso ) com o perdão da liberdade de expressão, mas é a que melhor exprime a situação apresentada pela defesa. A APCBG entrou na justiça federal com representação criminal contra os controladores, administradores e ex-administradores da Boi Gordo para apuração de crimes do colarinho branco.

VII - A APCBG tem a plena certeza de que o Escritório de Advocacia Gonçalves Coelho logo após o carnaval, se confirmadas as alegações e insinuações publicadas, saberá tomar as

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medidas judiciais necessárias para salvaguardar o seu nome das leviandades publicadas. APCBG

MIGUEL DIEZ GANDULLO

Secretário Executivo

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8.2. A Lei n.º 7.492/86

Presidência da República

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI No 7.492, DE 16 DE JUNHO DE 1986.

Define os crimes contra o sistema

financeiro nacional, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta

e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º Considera-se instituição financeira, para efeito desta lei, a pessoa jurídica

de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.

Parágrafo único. Equipara-se à instituição financeira: I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio,

capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros; II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo,

ainda que de forma eventual. DOS CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL Art. 2º Imprimir, reproduzir ou, de qualquer modo, fabricar ou pôr em circulação,

sem autorização escrita da sociedade emissora, certificado, cautela ou outro documento representativo de título ou valor mobiliário:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem imprime, fabrica, divulga, distribui

ou faz distribuir prospecto ou material de propaganda relativo aos papéis referidos neste artigo.

Art. 3º Divulgar informação falsa ou prejudicialmente incompleta sobre instituição financeira:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira: Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único. Se a gestão é temerária: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. Art. 5º Apropriar-se, quaisquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei, de

dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena qualquer das pessoas mencionadas no art.

25 desta lei, que negociar direito, título ou qualquer outro bem móvel ou imóvel de que tem a posse, sem autorização de quem de direito.

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Art. 6º Induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Art. 7º Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores

mobiliários: I - falsos ou falsificados; II - sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições

divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados; III - sem lastro ou garantia suficientes, nos termos da legislação; IV - sem autorização prévia da autoridade competente, quando legalmente exigida: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. Art. 8º Exigir, em desacordo com a legislação (Vetado), juro, comissão ou

qualquer tipo de remuneração sobre operação de crédito ou de seguro, administração de fundo mútuo ou fiscal ou de consórcio, serviço de corretagem ou distribuição de títulos ou valores mobiliários:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 9º Fraudar a fiscalização ou o investidor, inserindo ou fazendo inserir, em

documento comprobatório de investimento em títulos ou valores mobiliários, declaração falsa ou diversa da que dele deveria constar:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. Art. 10. Fazer inserir elemento falso ou omitir elemento exigido pela legislação,

em demonstrativos contábeis de instituição financeira, seguradora ou instituição integrante do sistema de distribuição de títulos de valores mobiliários:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. Art. 11. Manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade

exigida pela legislação: Pena - Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. Art. 12. Deixar, o ex-administrador de instituição financeira, de apresentar, ao

interventor, liqüidante, ou síndico, nos prazos e condições estabelecidas em lei as informações, declarações ou documentos de sua responsabilidade:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 13. Desviar (Vetado) bem alcançado pela indisponibilidade legal resultante de

intervenção, liqüidação extrajudicial ou falência de instituição financeira. Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorra o interventor, o liqüidante ou o síndico

que se apropriar de bem abrangido pelo caput deste artigo, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio.

Art. 14. Apresentar, em liquidação extrajudicial, ou em falência de instituição financeira, declaração de crédito ou reclamação falsa, ou juntar a elas título falso ou simulado:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. Parágrafo único. Na mesma pena incorre o ex-administrador ou falido que

reconhecer, como verdadeiro, crédito que não o seja. Art. 15. Manifestar-se falsamente o interventor, o liqüidante ou o síndico,

(Vetado) à respeito de assunto relativo a intervenção, liquidação extrajudicial ou falência de instituição financeira:

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Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida

mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 17. Tomar ou receber, qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta lei,

direta ou indiretamente, empréstimo ou adiantamento, ou deferi-lo a controlador, a administrador, a membro de conselho estatutário, aos respectivos cônjuges, aos ascendentes ou descendentes, a parentes na linha colateral até o 2º grau, consangüíneos ou afins, ou a sociedade cujo controle seja por ela exercido, direta ou indiretamente, ou por qualquer dessas pessoas:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem: I - em nome próprio, como controlador ou na condição de administrador da

sociedade, conceder ou receber adiantamento de honorários, remuneração, salário ou qualquer outro pagamento, nas condições referidas neste artigo;

II - de forma disfarçada, promover a distribuição ou receber lucros de instituição financeira.

Art. 18. Violar sigilo de operação ou de serviço prestado por instituição financeira ou integrante do sistema de distribuição de títulos mobiliários de que tenha conhecimento, em razão de ofício:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é cometido em

detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento.

Art. 20. Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Art. 21. Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para realização de

operação de câmbio: Pena - Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim, sonega

informação que devia prestar ou presta informação falsa. Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover

evasão de divisas do País: Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem

autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.

Art. 23. Omitir, retardar ou praticar, o funcionário público, contra disposição expressa de lei, ato de ofício necessário ao regular funcionamento do sistema financeiro nacional, bem como a preservação dos interesses e valores da ordem econômico-financeira:

Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

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Art. 24. (VETADO). DA APLICAÇÃO E DO PROCEDIMENTO CRIMINAL Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os

administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes (Vetado).

Parágrafo único. Equiparam-se aos administradores de instituição financeira (Vetado) o interventor, o liqüidante ou o síndico.

Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.

Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no art. 268 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941, será admitida a assistência da Comissão de Valores Mobiliários - CVM, quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e à fiscalização dessa Autarquia, e do Banco Central do Brasil quando, fora daquela hipótese, houver sido cometido na órbita de atividade sujeita à sua disciplina e fiscalização.

Art. 27. Quando a denúncia não for intentada no prazo legal, o ofendido poderá representar ao Procurador-Geral da República, para que este a ofereça, designe outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou determine o arquivamento das peças de informação recebidas.

Art. 28. Quando, no exercício de suas atribuições legais, o Banco Central do Brasil ou a Comissão de Valores Mobiliários - CVM, verificar a ocorrência de crime previsto nesta lei, disso deverá informar ao Ministério Público Federal, enviando-lhe os documentos necessários à comprovação do fato.

Parágrafo único. A conduta de que trata este artigo será observada pelo interventor, liqüidante ou síndico que, no curso de intervenção, liqüidação extrajudicial ou falência, verificar a ocorrência de crime de que trata esta lei.

Art. 29. O órgão do Ministério Público Federal, sempre que julgar necessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência, relativa à prova dos crimes previstos nesta lei.

Parágrafo único O sigilo dos serviços e operações financeiras não pode ser invocado como óbice ao atendimento da requisição prevista no caput deste artigo.

Art. 30. Sem prejuízo do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outubro de 1941, a prisão preventiva do acusado da prática de crime previsto nesta lei poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada (VETADO).

Art. 31. Nos crimes previstos nesta lei e punidos com pena de reclusão, o réu não poderá prestar fiança, nem apelar antes de ser recolhido à prisão, ainda que primário e de bons antecedentes, se estiver configurada situação que autoriza a prisão preventiva.

Art. 32. (VETADO). § 1º (VETADO). § 2º (VETADO). § 3º (VETADO). Art. 33. Na fixação da pena de multa relativa aos crimes previstos nesta lei, o

limite a que se refere o § 1º do art. 49 do Código Penal, aprovado pelo Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de.1940, pode ser estendido até o décuplo, se verificada a situação nele cogitada.

Art. 34. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

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Art. 35. Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 16 de junho de 1986; 165º da Independência 98º da República. JOSÉ SARNEY Paulo Brossard