Impressões Leitura #2

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IMPRESSÕES L EITURA Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Ano 4 - Nº 26 - Novembro de 2013 Projetos de incentivo à leitura Presos cearenses poderão ter direito a reduzir pena através de leitura Bibliotecas itinerantes ampliam as fronteiras do conhecimento O meu livro nosso: entre a doação de acervo e a vontade de democratizar a leitura Formas de leitura que vão além do Braille Escolas públicas Remição de pena Leitura itinerante Iniciativas individuais Leitura acessível Contações de histórias garantem a diversão e podem ser um estímulo à criatividade e ao hábito de leitura. Grupos existem em Fortaleza para levar as histórias a crianças e adultos Página 8 e 9 Academias e clubes são espaços para a apreciação coletiva da Literatura Da educação infantil ao ensino médio: os desafios do incentivo à leitura no ambiente escolar Audiobooks e ebooks ampliam o acesso à leitura das pessoas com deficiência visual Página 4 e 5 Página 6 Página 14 e 15 Página 10 Página 12 e 13 Foto: João Marcelo Sena Fotos: Thinayna Máximo Foto: Rosana Reis Era uma vez... Histórias estimulam a aprendizagem através da contação Página 3 Prosa literária

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Jornal produzido pela turma de 7° semestre de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), de 2013.2.

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IMPRESSÕESLeitura

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Ano 4 - Nº 26 - Novembro de 2013

Projetos de incentivo à leitura

Presos cearenses poderão ter direito a reduzir pena através de leitura

Bibliotecas itinerantes ampliam as fronteiras do conhecimento

O meu livro nosso: entre a doação de acervo e a vontade de democratizar a leitura

Formas de leitura que vão além do Braille

Escolas públicas

Remição de pena

Leitura itinerante

Iniciativas individuais

Leitura acessível

Contações de histórias garantem a diversão e podem ser um estímulo à criatividade e ao hábito de leitura. Grupos existem em Fortaleza para levar as histórias a crianças e adultos Página 8 e 9

Academias e clubes são espaços para a apreciação coletiva da Literatura

Da educação infantil ao ensino médio: os desafios do incentivo à leitura no ambiente escolar

Audiobooks e ebooks ampliam o acesso à leitura das pessoas com deficiência visual

Página 4 e 5

Página 6

Página 14 e 15

Página 10Página 12 e 13

Foto: João Marcelo Sena

Fotos: Thinayna Máxim

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Reis

Era uma vez...

Histórias estimulam a aprendizagem através da contação

Página 3

Prosa literária

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Editorial

Academia Cearense de Letras: situação delicada e falta de apoio

A situação vivida pela Academia Cearense de Letras é ilustrativa

dasdificuldades enfrentadas pelos equipamentos culturais no estado. Carregando o peso de ser a primeira agremiação do gênero do Brasil, herdeira da Padaria Espiritual, a ACL vive um momento delicado, no qual sua sede necessita de reformas e em que o apoio governamental é pouco.

Nesta edição do Impres-sões, na qual são abordados projetos de leitura, torna-se imperativo chamar atenção, no editorial, para uma das ins-tituições culturais com mais história no Ceará.

A ACL se sustenta, atual-mente, pela contribuição dos sócios e pelo apoio de algumas entidades privadas. No entanto, de acordo com o presidente da Academia, José Augusto Bezerra, o valor mal cobre os gastos com pessoal e manuten-

ção do prédio. A sede também abriga uma biblioteca, que, felizmente, será reformada, em uma obra custeada pelo setor privado, com apoio da Secre-taria da Cultura do Estado do Ceará (Secult). As parcerias, porém, não vão além disso.

O descaso público com a sede da Academia revela muito sobre como a preservação da memória é compreendida no Ceará. O Palácio da Luz é tradicional por si só, sendo construído no século XVIII e tendo abrigado o Governo do Estado até os anos 70 do século XX. Hoje, acolhe uma agremia-ção também importante como patrimônio imaterial. A partir do momento em que a ACL se enfraquece, corre-se o risco de perder parte significativa da história cultural do Ceará, que se antecipou aos outros estados do país na constituição de uma associação literária.

A valorização da memória

e do patrimônio histórico, entretanto, passa por uma concepção de políticas cultu-rais duradouras, na qual elas não somente façam parte de projetos de governo. É neces-sário que nossos governantes entendam que a área da cultu-ra demanda políticas públicas.

O fato de o presidente da ACL ter ido a Brasília conver-sar sobre a reforma da sede com a bancada cearense na Câmara dos Deputados dá si-nais de que as melhorias ainda dependem do jogo político e dos interesses circunstanciais. Tal configuração não favorece a autonomia das instituições e dos projetos necessitados de apoio, além de comprometer a continuidade das ações que poderiam ser desenvolvidas. O zelo pelo patrimônio passa, portanto, por uma questão de vontade política. Muitas vezes, parece ser esse o grande problema.

Crônica

Quando o percurso também é chegadaPor Eduarda Talicy

Andando pelos sebos e livrarias da cidade pensei sobre o que de fato me remetia ao ato de ler. Lá, no sebo da Avenida 13 de Maio, percebi que a minha

relação mais estreita com a leitura era nos ônibus.E já faz tempo. Desde que mudei de escola na 7ª série. Era

no percurso que a mágica da leitura acontecia. O trajeto do Araturi, bairro da cidade de Caucaia, para o Colégio da Polí-cia Militar é de 40 minutos, em média. Nessa “migração pen-dular”, como costuma dizer meu amigo Paulo Renato Abreu, eu comecei a traçar o meu acervo de livros nos ônibus.

Muitos diziam que eu não deveria fazê-lo pois trazia sérios riscos à visão. Imagine só! Sempre me orgulhei de ter uma ótima visão. Ainda assim, passou batido. Como boa sagitariana que sou - metade mulher, metade égua - me aventurava sempre.

E quanto mais interessante fosse, mais difícil era colocar o livro de volta na bolsa, ele crescia, não cabia, me pedia pra ficar agarrado ao peito enquanto passávamos a catraca. A expectativa sempre vinha a dois minutos da chegada, o fim do capítulo, se lesse rapidamente poderia terminar a tempo de descer.

Minha curiosidade também me fez querer saber quais livros liam os outros passageiros. Os de auto-ajuda, a Bíblia, o texto da faculdade, o livro da escola, o paradidático, os best-seller’s, e tinha pra todo gosto.

Hoje, guardo apenas os melhores para os ônibus. A expec-tativa ainda é de que o capítulo termine a tempo, mesmo com todas as dispersões de movimentação, de conversas, de olhar pra fora do ônibus pra se localizar... Aí a leitura me inunda, me tira de lá e aqueles dois minutos já não são mais um fim, porque novamente tudo volta a ser percurso.

Passou do ponto. Cabeça atordoada. “Na próxima desce”. 150 metros de caminhada. Capítulo findado.

Charge

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Por Juh Braga

Nos pavilhões gigantes, as editoras fazem o que podem para atrair a

atenção dos visitantes. Montam castelos e labirintos de papel, tiram a roupa das moças que sorriem, lindas, com livros nas mãos na porta dos stands ou as vestem de personagens de livros infantis. O negócio é atrair olhares e carteiras. As crianças, via de regra, são o principal alvo das feiras. Há tempos, frequen-to bienais e feiras de livros em alguns lugares do país. Elas são todas iguaizinhas, até porque há poucas empresas no Brasil que montam feiras de livros, então o modelo que vai pra uma, está muito bom pra outra.

Nessas andanças, percebo

que vem crescendo cada vez mais a quantidade de livro ruim que é vendido para as crianças. É comum ver as pi-lhas de livros infantis vendidos a R$5. Livros com capa carto-nada, coloridos, fofinhos, com recortes de bichos e coisas.

Tudo feito na China. A questão não é custar R$ 5 nem ser colorido ou em diversos formatos. O problema é achar que livro para criança pode ser apenas isso. Modelagem para criança. E muita gente acha que é preferível comprar 4 livros de R$ 5 a levar para casa uma obra que faça diferença na cabeça do filho ou da filha.

Na minha última Bienal, comprei vários desses livros

de R$ 5, R$ 3, até de R$ 2, para ler e depois doar. Con-versei com vários distribui-dores para entender como eles conseguem esses preços. Então, aos poucos fui mon-tando o quebra-cabeça que inclui o baratíssimo custo de imprimir livros na China, um tipo de produção editorial que foca num produto que o custo seja o menor possível e um estoque sem rotatividade. No fim das contas, milhares desses livros encalhados são comprados por vários distri-buidores e jogados no rés do chão das feiras de livros. O que é lástima, porque formar um leitor para a vida inteira exige um pouco do que isso.

Artigo

* Jornalista, mestre em Literatura Comparada (UFC) e editora das Edições Demócrito Rocha

R$ 5 podem custar uma vida inteiraPor Regina Ribeiro*

IMPRESSÕESLEITURA

Impressões Leitura

Jornal-laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Tema da edição: Projetos de incentivo à leitura

Repórteres: Amanda Araújo, Ari Areia, Carolina Esmeraldo, Caroline Portiolli, Débora Lopes, Eduarda Talicy, Gleyce Any Castro, Isabele Câmara, João Marcelo Sena, Mikaela Brasil, Paulo Renato Abreu, Rachel Gomes, Renan Vidal, Rosana Reis, Saulo Lucas, Taís de Andrade, Tamara Lopes, Thinayna Má-ximo, Vicente Neto e Victor Ramalho

Editores: Cris Lima, Jully Lourenço e Vicente Olsen

Editora Geral: Camila Mont’Alverne

Professor orientador: Edgard Patrício

Projeto gráfico e diagramação: Aman-da Araújo, Clarissa Augusto, Ed Borges,

Impressão: Impressa Universitária

Tiragem: 1.000 exemplares

As opiniões expressas em artigos assi-nados são de inteira responsabilidade de seus autores.

Juliana Braga, Marcella Macena, Tamara Lopes, Thamires Oliveira

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3IMPRESSÕES – LEITURA

Grupos literários

Por vezes, a leitura pre-sume um ato introspec-tivo. Os silêncios das

bibliotecas parecem pedir dis-crição. Do outro lado, o burbu-rinho de reuniões e encontros de grupos literários cultivam as mais diversas reflexões. Re-tirando a conversa das entreli-nhas e transformando a quietu-de em interação.

A cidade de Fortaleza já teve bem mais evidente a tradição de saraus literários e musicais. Há registros de que, nas dé-cadas iniciais do século XIX, como reflexos da Belle Époque, não havia noite de sábado em terra alencarina que passasse sem um encontro de poetas e boêmios, com leitura de poesia e toada de violão.

Embora a tradição dos saraus não faça mais parte da cultura local como outrora, grupos de estudos e de incentivo à leitura ainda resistem na cidade, ten-tando repassar às novas gerações a paixão pelos escritores da terra e pela produção literária.

PioneirismoA Casa de Juvenal Galeno,

referência no acolhimento a poetas, escritores e demais ar-tistas locais, recebe, desde o ano de 1919, as mais diversas dis-cussões e produções literárias

e folclóricas. De portas abertas à cultura, o espaço passou do particular ao público. Para An-tônio Santiago Galeno, bisneto de Juvenal Galeno e atual dire-tor da Casa, a história do espa-ço se confunde com a própria trajetória da literatura cearense. “Diversas associações surgi-ram aqui, tendo contribuído de forma direta para a sociedade”, destaca.

Atualmente, mais de dez as-sociações e entidades mantêm reuniões na Casa. Entre elas es-tão a Associação Cearense de Escritores (ACE) e a Academia de Letras Juvenal Galeno (AL-JUG), considerada a mais recen-te academia literária cearense, fundada oficialmente no final do mês de setembro deste ano.

Para Eliane Arruda, presi-dente da ALJUG, valorizar os escritores conterrâneos é pri-mário. Íntima da família Gale-no e graduada em Letras pela UFC, Eliane conta que, após o falecimento de Alberto Galeno, neto do poeta, o desejo de es-tudar e divulgar a obra daquele que foi considerado o “pioneiro da poesia folclórica” tornou-se mais forte. “Foi preciso passar tanto tempo para que alguém tivesse a ideia de fundar a Aca-demia de Letras Juvenal (no Ceará), porque ela já existiu no

Rio de Janeiro...”, relata.Depois de dois anos de estu-

dos sobre vida e obra do poeta e dos seus escritores contempo-râneos, como os da Padaria Es-piritual, a Academia de Letras Juvenal Galeno é oficialmente criada e já conta com 35 mem-bros em seus quadros. Segun-do a presidente, os trabalhos da academia, após a resolução de entraves burocráticos, entre eles o registro da associação em cartório, devem se focar na di-vulgação das obras de Juvenal para as novas gerações.

A recém-criada ALJUG pro-cura seguir os passos de outras academias mais maduras no que diz respeito à interação com os jovens leitores. Exem-plo para a atuação da Academia de Letras Juvenal Galeno é a Associação Cearense de Escri-tores, atualmente presidida por Francisco de Assis Ferreira, que compõe ambas as associações literárias.

Há dois anos, a ACE, que já entra no seu sexto ano de existência, desenvolve proje-tos de incentivo à leitura junto a escolas públicas e privadas de pequeno porte. O trabalho consiste em praticar a leitura orientada e voltada à posterior produção de textos com vistas à publicação. “Imagina-se que es-

tamos formando grupamentos de futuros literatos”, argumenta Ferreira, sem esconder o orgu-lho que sente pela instituição. Outra ação típica é o fomento da criação de academias juve-nis literárias dentro das escolas. Hoje, a Associação Cearense de Escritores acompanha as ati-vidades das academias juvenis dos colégios Maria Ester, Sete de Setembro e Militar do Corpo de Bombeiros.

De leitores a autoresO mesmo intuito de aproxi-

mar o livro e o leitor é encon-trado, também, em projetos desenvolvidos pelo Sesc, tais como o Bazar das Letras e o Abraço Literário. Ambos traba-lham com a ideia de converter a leitura em conhecimento de mundo, mediando o compar-tilhamento letra a letra entre os membros dos grupos.

Em atividade há quase dez anos, o Bazar das Letras tem como principal atividade o lan-çamento de livros, promovendo o encontro entre leitor e autor. Com periodicidade mensal, as reuniões auxiliam na formação de plateia cultural, além de esti-mular a produção na área. Para Carlos Vasconcelos, supervisor regional de literatura do Sesc, a reflexão que o encontro pos-

Recanto de leitores, fonte de autores: espaços de prosa literária em FortalezaAcademias literárias e grupos de leitura interativa têm ajudado a reviver a tradição dos saraus e a estimular a leitura em Fortaleza Por Gleyce Any Castro e Rosana Reis

“A Casa de Juvenal Galeno

(...) recebe, desde o ano de 1919, as

mais diversas discussões

e produções literárias e folclóricas

SERVIÇOProjeto Abraço Literário

Quando: Toda terça-feira

Horário: Às 19h

Local: Galeria do Teatro Sesc Emiliano Queiroz

Enderço: Rua Clarindo de Queiroz, 1740 – Centro

Foto: Tamara Lopes

sibilita é fundamental, mencio-nando, ainda, a apresentação de novos trabalhos.

Já o Abraço Literário reú-ne mais de 40 pessoas em en-contros semanais realizados na galeria do teatro Emiliano Queiroz. Sem temas fixos para o debate, a conversa é iniciada a partir da leitura de textos com-partilhados pelos participantes. Carlos Vasconcelos, principal coordenador do projeto, não mede entusiasmos em dizer que foi o primeiro a assinar a lista do grupo. Para ele, tam-bém escritor, um dos maiores benefícios dos encontros é o afastamento dos meios virtuais ao qual nos propomos, estando “apenas com um livro ou um texto na mão”, destaca.

Fora a formação de plateia que os grupos mediam, ainda há a possibilidade do surgi-mento de novos autores. Dona Eudismar Mendes, de 74 anos, é um exemplo de como grupos citados anteriormente auxiliam na produção literária. Partici-pante ativa dos projetos, além de membro da Associação Ce-arense de Letras, a professora aposentada já publicou quatro livros, com lançamento através do próprio Bazar das Letras.

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4 IMPRESSÕES – LEITURA

A biblioteca da escola pública Adauto Bezerra reúne diversos títulos e conteúdos visando aproximar os jovens do ensino médio à leitura

Prazer ou obrigação? Os desafios do incentivo à leitura nas escolas

Escolas públicas

Visando tornar a leitura um hábito prazeroso para os jovens estudantes, programas, como o Alfabetização na Idade Certa, levam livros para dentro das escolas

Por Ari Areia, João Marcelo Sena e Paulo Renato Abreu

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“O que queremos realmente é ter seres humanos

que, com a leitu-ra, reconheçam sua identidade, valorizem sua

cultura, se emo-cionem com o mundo e cons-truam com de-

licadeza as rela-ções

Evellyn Oliveira tem dez anos. A aluna do quarto ano da escola

Patronato Pio XI não sabe, ao certo, quantos livros já leu na vida. Ela lembra bem a última leitura, que, segun-do ela, foi um “livro mara-vilhoso”. O título? O Rati-nho, o Morango Vermelho e o Grande Urso Esfomeado, escrito pela norte-americana Audrey Wood e ilustrado por Don Wood.

Do alto de sua década de vida, Evellyn garante que “adora ler e acha muito diver-tido conhecer novas histórias”. Apesar de querer ser veteri-nária quando crescer, ela diz sentir vontade de ser escritora após ler um bom livro. Ao res-ponder se leitura é prazer ou obrigação, Evellyn é categóri-ca: “só sei que eu gosto”.

A menina e os outros 33 alunos do quarto ano tiveram contato com a história do Urso Esfomeado por meio do Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic). Os alunos da escola Patronato Pio XI, que integra o projeto, rece-bem livros didáticos de por-tuguês e matemática, livros de ficção e acompanhamento de profissionais formadores de leitura para auxiliar os professores.

Desde 2007, o Paic é realiza-do pelo Governo do Estado do Estado, por meio da Secretaria da Educação (Seduc). Escolas participantes nos 184 municí-pios cearenses recebem apoio técnico e financeiro para for-mação de professores, aqui-sição de material didático e apoio pedagógico.

Dentro do projeto Alfabe-

tização na Idade Certa, está o Eixo de Literatura Infantil e Formação de Leitor, setor responsável pelo incentivo à leitura nas escolas. Fabiana Skeff é coordenadora do Eixo e diz que ter mais livros nas escolas é fundamental para a formação de adultos com “leitura de mundo própria e original”.

“Democratizar o acesso ao livro é permitir que a crian-ça tenha acesso à cultura, se reconheça como ser que pensa, constrói e transforma por meio da ação criativa e da capacidade de sonhar e buscar”, conta Fabiana. Ela aponta como medidas do Paic para o incentivo da lei-tura na escola ações como o Cantinho da Leitura e a co-leção Paic, Prosa e Poesia, além da revista Pense.

Ações do PaicO projeto cantinho de Lei-

tura objetiva que cada sala de aula tenha um espaço es-pecialmente reservado para leitura, como um armário de livros. “É um momento para a criança livremente pegar, fo-lhear, brincar e ler o livro, ou seja, marcar os livros com suas impressões digitais”, explica o educador Fabiano dos Santos, que ajudou a idealizar o Eixo nos anos de 2007 e 2008. Já a coleção Paic, Prosa e Poesia, que já está na 12° edição, reú-ne textos de escritores cearen-ses visando resgatar os contos da tradição oral cearense.

Mesmo os livros estando na sala de aula, uma pergunta permanece: e o professor? “Foi com essa pergunta que inicia-mos, em 2010, as oficinas de dinamização dos acervos de

literatura infantil do Paic e passamos a oferecer formado-res para ajudar os professores a pensar práticas que motivem à leitura, como contação de história, a imagem dos livros, o teatro”, conta Fabiana Skeff.

A coordenadora do Eixo de Formação do Leitor e Litera-tura Infantil cita também a re-vista Pense, que é distribuída quatro vezes ao ano entre os professores do Paic. A publica-ção se propõe a ser um instru-mento de leitura e é composta por contos, poesias e artigos sobre a formação de leitores e alfabetização de criança. “O que queremos realmente é ter seres humanos que, com a lei-tura, reconheçam sua identi-dade, valorizem sua cultura, se emocionem com o mundo e construam com delicadeza as relações”, afirma Fabiana.

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5IMPRESSÕES – LEITURA

PONTO DE VISTA

Livros x Enem: incentivo à leitura no ensino médio

Projeto Eu sou cidadão

Conciliar os estudos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com o hábito da leitura nem sempre é fácil para os jovens es-tudantes. Esse desafio se estende também aos educadores que ten-tam despertar nos adolescentes o interesse pelos livros, além de aju-dá-los a ingressar na universidade.

Coordenadora pedagógica da Escola Estadual de Ensino Médio Adauto Bezerra, Otávia Marreiros crê que a escola deve funcionar como um facilitador na tarefa de conciliação entre conteúdos do Enem e outras leitura. “Por se tra-tar de uma escola de Ensino Médio, queremos funcionar como uma ponte para a universidade. Procu-ramos orientar que a leitura seja feita em diversos gêneros”, afirma.

Para o professor Lucineudo Machado, o incentivo à leitura na infância exerce influência na for-mação do adolescente, mas esse não é um fator preponderante. “Há uma influência, mas não se trata de um fator necessaria-mente condicionante para ser um bom leitor na adolescência ou na vida adulta ter sido um bom lei-tor na infância. Se a leitura chega à criança como um elemento de felicidade, não um fardo, é possí-vel que ela siga sendo assim na adolescência ou na vida adulta”.

Um exemplo de criança leitora que se tornou jovem apaixona-da pelos livros é Marina Braga, aluna do 2º ano do ensino médio no Colégio Adauto Bezerra. “Sou novata na escola e estudava an-teriormente em colégio particular. Criei lá, desde pequena, o hábito de ler. Já li nove livros só este ano e pretendo ler outros dois ainda. Acho que aqui na escola eles in-centivam muito a leitura. Sempre me sinto estimulada a frequentar

Cada vez mais os estudos sobre leitura e formação de leitores tem apontado a necessidade de entregar livros para crianças desde o berço. Os livros de banho, de tecido, de papel cartonado tem a função de apresentar esse objeto mágico que se usa passando páginas, olhando para cada um, descobrindo que as palavras têm significados e emoções.

É comum que grandes leitores lembrem da presença de um adulto na infância que proporcionou o contato com os livros. Pro-fessores, pais e parentes são essenciais nesse momento de forma-ção fazendo a ponte entre o texto e a criança.

A fórmula para estimular a leitura entre crianças é simples: ler junto, ler em voz alta, compartilhar a leitura e fazer disso uma parte da vida. Quanto mais acesso aos livros e estímulo para ler, mais é possível que a criança torne-se uma grande leitora no futuro.

a biblioteca e alugar livros”, expli-ca a estudante enquanto devolvia à biblioteca da escola ‘O Grande Gatsby’, do autor americano F. Scott Fitzgerald.

Redes sociais: Vilãs ou aliadas?

Além do tempo investido nos estudos para os exames, outras coisas acabam tirando dos jo-vens horas de leitura. Estéfani dos Santos, 17, estudante do 3º ano do Adauto Bezerra, reconhe-ce gastar algumas horas do dia navegando pelas redes sociais e vê isso como empecilho para desenvolver de maneira mais efi-ciente o hábito da leitura.

“O Facebook atrapalha um pouco porque acaba sendo um meio de alienação e às vezes não temos tempo de ler tudo que que-remos”, explica a estudante, con-fessando não ler muitos livros fora da sala de aula, preferindo confe-rir o caderno de Política no jornal deixado na portaria da escola.

Entretanto, nem sempre o Fa-cebook e outras redes sociais po-dem ser considerados os grandes vilões para o cultivo do hábito de leitura entre os adolescentes. É o que pensa Otávia Marreiros. Ela acredita que as redes sociais são apenas mais uma ferramenta de entretenimento e cabe ao educa-dor incentivar o uso correto delas.

“Creio que a Internet é uma ferramenta pedagógica importan-tíssima. Não fosse o Facebook, te-ríamos outros entretenimentos que nos tirariam da leitura, como jogar bola na rua ou, simplesmente, fi-car em casa sem fazer nada. Cabe a nós, educadores, educar para o uso correto das Redes Sociais. De-vemos sempre promover o acesso à informação”, afirma Otávia.

Outro exemplo de progra-ma de incentivo à leitura nas escolas é o Eu Sou Cidadão. O projeto é desenvolvido há mais de uma década pela Associa-ção Pelo Desenvolvimento dos Municípios do Estado do Ceará (APDMCe). As ações do projeto consistem basicamente na for-mação de agentes chamados “amigos da leitura”, que ficam responsáveis por contagiar o maior número de colegas pos-sível com o gosto pelos livros.

Segundo Marcele Pinheiro de Melo, assessora técnica da APDMCe e uma das responsá-veis pelo projeto, atualmente, pelo menos, 1,5 mil crianças são contempladas diretamen-te por essas ações formativas. Ela comemora os frutos do projeto no decorrer dos anos. “Tem ex-participantes do Eu Sou Cidadão que hoje são se-cretários de cultura e outros até exercem cargos no legis-lativo municipal das suas cida-des”, conta.

Marcele explica que a in-tenção do projeto é formar lei-tores potencializando um as-pecto crítico em sua visão de mundo a respeito da realidade da cidade onde eles vivem e impulsioná-los a assumir pos-turas modificadoras.

Desafios da leituraApesar das ações do projeto,

apenas 29% dos alunos das es-colas cearenses que fazem par-te do Paic concluem o 5° ano do Ensino Fundamental com desempenho satisfatório na disciplina língua portuguesa. Os números divulgados pelo programa são referentes ao ano de 2012. E, para Lucineu-do Machado, doutor em Lin-guística, o mau desempenho em português é reflexo da falta de prazer dos alunos ao ler.

“Na escola, a leitura deve ser tudo, menos obrigação e, infelizmente, é o que tem sido em muitas escolas até hoje”, afirma Lucineudo, professor formado pela Uni-versidade Federal do Ceará

e que leciona Letras na Uni-versidade do Estado do Rio Grande do Norte. “Os pro-fessores devem tentar ser – mas nem sempre isso é fácil, diante das exigências cur-riculares que as escolas im-põem as docentes – os divul-gadores da ideia de que ler é uma atividade bacana”.

Lucineudo ressalta que “ler deve ser, antes de tudo, sinônimo de prazer”. Para o doutor em Linguística, o con-tato dos pequenos com os li-vros desde cedo pode signifi-car, para eles, o mesmo prazer que ter contato com brinque-dos. “As crianças, se cercadas por livros, aprendem desde cedo que é possível sim ser feliz com a leitura”.

Evellyn Oliveira recebe material didático de português e matemáti-ca, além de livros de ficção

Aluna do 2° ano Ensino Médio, Maria adora ler na escola. Só esse ano, a estudante já leu nove livros

MAIS INFORMAÇÕES

*Escritora cearense de literatura infanto-juvenil

Por Socorro Acioli*

Foto:João Marcelo Sena

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6 IMPRESSÕES – LEITURA

Páginas que libertam

Biblioteca itinerante estimula leitura entre detentas

Foto: Victor Ramalho

“É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz

uma estrela cintilante”. O trecho é do livro-poema “Assim falou Zaratustra”, de Friedrich Nietzs-che, obra que Cynthia Corvello, 42, reencontrou enquanto cum-pria sua pena, em regime fecha-do. A necessidade do homem transcender a si mesmo, tema recorrente daquele autor alemão, ganhou novos significados para Cynthia, nos dias no presídio. Hoje, em regime semiaberto, ela busca parir sua estrela como aluna do curso de História da Universidade Federal do Ceará (UFC) e não larga mais os livros: “a pessoa que lê está propensa a fazer outra leitura do mundo, outra leitura dela mesma e do papel dela no mundo”, diz.

Enquanto interna no Institu-to Penal Feminino Desembar-gadora Auri Moura Costa, em Aquiraz (CE), Cynthia pôde se beneficiar da existência de uma biblioteca dentro do presídio. A leitura nas penitenciárias cea-renses, entretanto, poderá gerar benefícios mais concretos que os filosóficos. É que os detentos cearenses poderão ter o direito de reduzir quatro dias de pena a cada livro lido, se aprovada proposta que tramita atualmen-te na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE).

A ideia do projeto “Leitura que Liberta” é a seguinte: o preso se inscreve e escolhe uma, entre várias obras literárias pré-sele-cionadas. Tem até 30 dias para ler o livro e apresentar um rela-

tório da leitura. O texto do inter-no deve ser produzido de forma individual, presencial, em lugar providenciado pela direção pri-sional, e perante um professor de português. A produção recebe nota de zero a dez e é aprovada se atingir no mínimo seis pontos.

Inscrições, pré-seleção de livros, avaliações de resenhas, tudo fica a cargo da Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará (Sejus). O limite anual é de 12 li-vros, o que pode reduzir a pena em até 48 dias. “A leitura dará um novo sentido às pessoas que estão ali para serem ressocializa-das” defende o autor da propos-ta, deputado estadual Professor Teodoro (PSD).

O projeto é de indicação, pois somente o Executivo pode deli-berar sobre o tema (o Legislati-vo apenas indica). Antes de ser sugerida ao governador, a pro-posta ainda passará pela análise das comissões parlamentares da AL-CE, processo sem prazo para terminar. “Estamos lutando pra agilizar, mas depende da presi-dência da Assembleia”, aponta Teodoro.

Fora do CearáA remição de pena por lei-

tura não é ideia inédita. Exis-te nas penitenciárias federais desde junho de 2012. Mas o pioneirismo coube à peniten-ciária federal de Catanduvas (PR), em 2009. O benefício também chegou aos apenados das penitenciárias estaduais paranaenses no ano passado.

Segundo informou ao Im-

pressões a coordenadora de Educação, Qualificação e Pro-fissionalização de Apenados da Secretaria de Estado e Justiça do Paraná (Seju-PR), Glacélia Quadros, 2.725 detentos sob custódia da Seju-PR participam hoje do projeto, uma adesão de 15% da população carcerária.

Embora o Ceará ainda não conte com nenhum projeto de remição por leitura, ações que estimulam a prática entre os detentos têm se mostrado im-portantes para a ressocialização. Esse é o caso da biblioteca da unidade prisional onde Cyn-thia, personagem do início des-ta reportagem, cumpriu pena.

Biblioteca Marieta CalsA biblioteca do Instituto Pe-

nal Feminino Desembargado-ra Auri Moura Costa tem seis anos de existência. Segundo a diretora adjunta, Mônica Da-masceno, começou em 2007, com cerca de 800 livros, e hoje já tem mais de 6.000 exempla-res, todos adquiridos através de doações. O acervo sempre foi ge-renciado pelas próprias internas.

A diretora se diz favorável ao projeto de remição de pena por leitura. “É bacana porque a gente sabe que ler tem que ser incentivado. O livro, para elas [as internas], é um alento e eu já ouvi muitos conselhos das famílias, dizendo para elas le-rem quando estiverem se sen-

tindo sozinhas ou tristes”, conta.Danielle Domingos, 31, e Da-

niele Cunha, 24, são as internas que atualmente tomam conta do acervo do presídio. Elas afirmam estar bastante atarefadas com a catalogação e organização do material. “Estou até sem tempo de terminar o livro que estou lendo. Estou há 15 dias com o mesmo”, relata Daniele Cunha.

Ela revela a preferência do pú-blico que aluga livros por lá. “Os que mais saem são Zíbia Gaspa-retto e Augusto Cury”, autores de espiritismo e autoajuda, respec-tivamente. Para Daniele Cunha, o projeto “Leitura que Liberta” deve estimular mais as presidiá-rias: “se já lemos muito sem re-mição, imagine com remição!”.

Biblioteca itinerante e faculdade no presídio

A Biblioteca Marieta Cals fica em uma ala específica da unida-de prisional. As detentas articu-laram uma biblioteca itinerante para disponibilizar livros para outras alas. Um carrinho, divi-dido em oito categorias, para agradar aos mais diferentes gos-tos, dá mobilidade ao acervo. “A cada semana, alugam de 35 a 40 livros da biblioteca itinerante. É um ótimo meio de fazer emprés-timo porque seria bem mais difí-cil ter controle se todas as inter-nas de outras alas viessem para cá”, acentua Danielle Domingos.

Outra ação é o curso de Fi-

Lei pode trocar dias de prisão por leitura de livro no Ceará; projeto segue tendência no BrasilSe for aprovado, o texto que tramita na Assembleia Legislativa do Ceará irá permitir a redução de quatro dias de pena por cada livro lido e resenhado pelos detentos

Por Vicente Neto e Victor Ramalho

losofia, ministrado no próprio Instituto Penal. Sydia Marques é uma das internas alunas. Ela diz que, antes de entrar no presídio, lia apenas jornais. “Eu passei a ler mais depois que entrei aqui. Ajuda a ocupar a mente”, ressal-ta. Sydia diz estar se dedicando mais, atualmente, às leituras para a faculdade, como os pensadores Aristóteles e Platão. Para estudo formal, já existe lei que garan-te remição: a cada 12 horas de estudo no curso de Filosofia, Sydia diminui um dia de pena.

Foto: Victor Ramalho

Biblioteca do Instituto Penal Feminino Des. Auri Moura Costa já conta com mais de 6 mil livros

“Acho muito interessante

ver que o livro é, para elas, um alento. Escuto muitos relatos de família que dizem: quando

você não estiver bem, quando estiver triste,

vá ler...

Page 7: Impressões Leitura #2

7IMPRESSÕES – LEITURAFoto: Carolina Esm

eraldo

Em meio à fumaça provo-cada pelo aquecimento dos secadores de cabe-

los, existem alguns olhos con-formados e preguiçosos, que passam rapidamente por algu-mas páginas. A leitura é rápi-da e, basicamente, de imagens. Mas não deixa de ser um tempo perdido (ganho?) ou aprovei-tado, já que se tem que esperar mesmo. É a leitura por con-veniência: aquela que precisa ocupar os olhos e a mente com alguma coisa, afinal o tédio é constante em salas de espera.

Muitas vezes, a leitura acaba sendo uma escolha em meio à televisão e a conexão de inter-net wireless gratuita. É o caso do fotógrafo Eduardo Macedo, 32 anos, flagrado no salão de beleza Cheiro Cheiroso espe-rando a namorada fazer o seu tratamento de beleza semanal. Após algum tempo com os olhos no smartphone, Eduar-do não resistiu à tentação de dar uma chance para as revistas de moda e beleza que estavam postas à mesa de centro da sala de espera. “Sempre que eu che-

Leitura por conveniência

go num local que tenha revista de moda, de beleza, eu procuro para ver como a fotografia está sendo tratada”, afirma o leitor.

Escolher a informação que se deseja obter é um fator im-portante na procura pela lei-tura, seja ela de passagem ou não. “Acho que tem uns oito anos que eu não vejo televisão. Ou é internet ou é revista: eu escolho o que eu quero ver. A televisão está ali, ela passa o que ela quer. Eu não, eu prefiro escolher o que eu quero ver ou ler”, afirma o fotógrafo.

A palavra do donoA estratégia de Marciano

Carneiro, cabeleireiro e dono de salão de beleza, é atingir as clientes indecisas. Na escolha entre a televisão e a revista, a opção das clientes fica no meio tátil. “As mulheres olham mais para a revista. Principalmente as que têm fofoca! Elas gostam porque têm uma referência de cabelo”, conta Marciano.

Segundo o hair stylist, o plano é, também, entreter os fregueses quando o tempo está

apertado. “De repente, eu estou com uma cliente na cadeira e eu estou com os meus minutos atrasados. Para a outra cliente não ficar chateada por estar es-perando, a gente tem a revista como um entretenimento para ela. Dá conta da espera”, diz.

No consultórioDa ansiedade de quem está

na iminência de uma cirurgia, a uma mera consulta de rotina, outro cenário se constitui movi-do pela leitura de conveniência. É o que vivencia a mãe Camila Vegas, de 32 anos, e o filho Pe-dro, de 13 anos, ao aguardar o atendimento do tão esperado e temido dentista. Neste momen-to, não importa qual seja a faixa etária, os costumes igualam-se na sala de espera e ambos apre-sentam as mesmas expectativas, direcionando os olhares para aquela que por um instante é a melh or das distrações: a cesta de revistas ao lado do sofá.

O hábito de ler se sobrepõe assim às demais formas de en-tretenimento, predominando até em locais em que as revistas

e jornais impressos já não são mais tão vistos, por terem sido trocados por informações em formato digital, como é o caso de alguns consultórios privados que propuseram inovações, in-troduzindo telas informatiza-das nos ambientes receptivos aos pacientes.

Não importa a ferramenta utilizada, quando se busca me-canismo para passar o

tempo, a leitura serve como refúgio, dando a impressão de que se está concentrando em algo que não seja o tic tac do re-lógio ou o entre e sai da porta do consultório.

Com opções variadas, entre entretenimento, beleza, saúde, bem estar ou cotidiano, o leitor procura se distrair por aquela que mais o atrai e o identifica, como constata Camila: “Em meio a tantas alternativas, há sempre algo que me chama a atenção e me mostra algum fato ainda desconhecido”.

A leitura por conveniência não se limita, entretanto, a con-sultórios e salões de beleza. Lei-tores podem ser instigados em

diversos lugares. Quem nunca ouviu referências, como “Para ler no banheiro”. Esse canti-nho é cobiçado por muitos como espaço de leitura. “São sinônimos de sossego e priva-cidade. É lá que conseguimos concentrar em instantes des-viando toda a nossa atenção para o que está no papel”, ca-racteriza a educadora social Maria das Graças.

Nesse sentido, seja em casa, no trabalho, ou nas atividades do dia a dia, o hábito pode ser perceptível, variando confor-me a realidade do ambiente, mas sempre visando estimular umas das formas fundamen-tais para se adquirir conheci-mento: a leitura.

E quando a cabeleireira, enfim, finaliza o serviço no salão, a atendente lhe diz: “Pode entrar, é a sua vez”, o costume não se encerra, e sim, se estende para aquele que terá por um determina-do motivo que esperar por algum serviço em ciclo con-tínuo na qual a distração será sempre reflexo de leitura.

Revistas, jornais, informativos ou qualquer coisa ao alcance dos olhos serve como paliativo à espera certeira em certos locais fadados a filas, como consultórios e salões de beleza Por Carolina Esmeraldo e Débora Lopes

Para enfrentar a espera, Eduardo se arma de uma revista disposta na mesa do salão

Ler ou não ler: a conveniência de um hábito instigado por esperas compulsórias

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8 IMPRESSÕES – LEITURA

Arte

Contação de histórias: o lúdico que desperta emoções e alimenta sonhos

Por Eduarda Talicy, Isabele Câmara e Thinayna Máximo

Além de garantir a diversão, ouvir histórias pode ser um eficiente estímulo à criatividade e um incentivo à leitura. Praças, escolas, bibliotecas, livrarias... Todo canto é lugar de dar asas à imaginação

E agora, minha gente,

bem bonita

RÊ RÊ RÊ

RÁRÁ

Todo mundo vai gostar

Uma história

Uma história

eu vou contar

“ E agora, minha gente/ Uma his-tória eu vou con-

tar/ Uma história bem bonita/ Todo mundo vai gostar/ RÊ RÊ RÊ/ RÁ RÁ RÁ”. Ao ouvir essa canção, os alunos da professo-ra Jéssica Prata, 22 anos, já sa-bem que vai começar a história. Nesse momento, o mundo da literatura ganha forma e as pa-lavras ganham corpo e emoção.

A contação de histórias faz parte de uma tradição mile-nar repassada de geração em geração. Atualmente, a prática surge como um forte elemento de incentivo à leitura. O estí-mulo carregado de ludismo é capaz de despertar emoções e instigar a imaginação. Segun-do Rebeka Lúcio, atriz e conta-dora de histórias, “a contação contribui amplamente para a aprendizagem, pois fomenta o interesse pela leitura. São pas-saportes à inventividade, ao conhecimento”.

Paula Yemanjá, também atriz e contadora de histórias, explica que, antigamente, a li-

teratura era usada de forma menos lúdica, como ferra-menta de teste do domínio da língua. “A professora pegava o texto, lia e falava: ‘tire daqui uma oração coordenada su-bordinada adversativa e não sei o quê’”, exemplifica rindo. Para ela, atualmente, a utiliza-ção da literatura está ligada à diversão e ao prazer, como se fosse uma brincadeira.

Influência do públicoA contação de história não

é feita somente pelo ator que conduz a narrativa. O público é um elemento responsável por contribuir com as característi-cas que compõem a narração. Uma plateia menor pode tornar a atividade mais intimista, por exemplo. Dessa forma, as his-tórias variam de acordo com o público que as assiste. “Conto história olhando no teu olho, sentindo a tua resposta, porque a tua resposta vai contribuir para a formação do tempo que eu quero dar à história”, explica Paula Yemanjá. Esses especta-

dores podem ser “crianças de 0 a 110 anos”, brinca Rebeka Lú-cio. Segundo ela, “para se ouvir histórias não há lugar, não há idade. Basta ser receptivo”.

Um público que pode passar despercebido, mas ávido, não perdendo nenhuma contação, são os pais. Pensando nisso, Paula Yemanjá criou o projeto Conta Comigo. A atriz minis-tra oficinas que ensinavam os pais a contarem histórias para os filhos. Essa atitude pode in-centivar a criação dos laços fa-miliares, segundo Paula. “É im-portante para incentivar o gosto pela leitura. Mas é uma coisa que precisa continuar em casa mesmo”, conta Sandra Castro, mãe de Artur, de seis anos, que costuma levar o filho a eventos de contação de histórias.

Em Fortaleza alguns espa-ços se destacam ao incluir a atividade de contação de histó-ria na programação. Paula Ye-manjá pontua como principais espaços o Centro Cultural do Banco do Nordeste (CCBNB), o Passeio Público e o Centro

Dragão do Mar de Arte e Cul-tura. A atriz cita também os circuitos das livrarias. “É um espaço legal, mas acaba sendo tumultuado porque é uma li-vraria. O foco principal não é a contação”, confessa.

“Incentivar as crianças à imaginação e também ao in-centivo à leitura, para ir além de livros” é um dos principais objetivos da contação de his-tórias, afirma Rildete Ribeiro, consultora cultural do CCBNB. Atualmente o equipamento está em processo de mudança de sede. Com a transferência, as atividades de contação acon-tecem com menor frequência.

Segundo Rildete, “Havia na antiga sede um espaço re-servado para as contações nos fins de semana. Dessa vez, a gente fez já no novo endereço. Iremos retomar essa frequên-cia quando a biblioteca estiver instalada.” O CCBNB funciona atualmente no Centro de Re-ferência do Professor, na Rua Conde d’Eu, 560, Centro.

As escolas também adotam

No Passeio Público, mais uma apresentação do grupo Costureiras de Histórias, em que a oralidade permeia o universo da leitura infantil

Foto: Divulgação

Page 9: Impressões Leitura #2

9IMPRESSÕES – LEITURA

f

elizes para sempre!

a iniciativa de contação de his-tórias, tanto no âmbito privado quanto público. Um dos eixos do PAIC (Programa de Alfa-betização na Idade Certa) é a promoção de treinamento e formação de professores para que trabalhem a literatura den-tro da perspectiva de salas de leitura. O programa disponibi-liza a coleção de livros PAIC, Prosa e Poesia, fomentando a literatura como instrumentali-zação da língua dentro de uma perspectiva lúdica.

Eis um contador Histórias de infância são

sempre inspirações para os contadores de hoje. Estes con-vidam crianças de todas as ida-des para adentrarem o mundo encantado que conheceram então pequenos. “Minha mãe contava muitas histórias para a gente. Muitas vezes não eram histórias que estavam dentro dos livros. As histórias surgi-ram na minha vida antes do processo de letramento”, re-

lembra Paula Yemanjá.Logo que aprendeu a ler, a

atriz adquiriu hepatite e teve que ficar um mês em casa. De-vido ao contágio da doença, Paula ficou afastada de todos da família e ganhou muitos livros do pai. “Eram os mesmos prin-cípios das histórias que minha mãe contava, mas agora era eu quem escolhia o que ler. Então, o meu processo de formação como leitora também perpas-sou a contação de história.”

À beira de fogão à lenha, o cantor Marcos Melo escutou as primeiras histórias de reis, princesas, heróis e assombra-ções. Para Marcos, o processo de contação foi natural. “Escuto histórias desde criança, e, prin-cipalmente, leio desde os três anos, então a contação sempre fez parte de minha vida.”

Com Rebeka Lúcio não foi diferente. Foi na “super” biblio-teca do avô que a atriz apren-deu algumas das histórias as quais conta até hoje, revela. “Desde pequena, sou apaixo-nada pelo mundo mágico das palavras! Passei a maior parte da minha infância e adolescên-cia entre livros e gibis. Fui o que se pode chamar de ‘ratinha de biblioteca’”.

Desenvolvimento infantil

Além de divertir as crian-ças, a contação de histórias funciona como um elemento motivador e desafiador que contribui para a aprendiza-gem. Psicólogos e pedagogos defendem que a prática ajuda no desenvolvimento infantil e é importante para a construção do imaginário da criança.

Jéssica Prata é professora da educação infantil e usa a téc-nica para estimular seus alu-nos. “Eu sento as crianças em uma rodinha no chão, mostro a capa do livro, falo o nome do autor e do ilustrador. Durante a leitura, eu vou fazendo a en-tonação de voz e passando a

emoção para eles”, conta.Para a professora, através de

um livro a criança pode desen-volver vários aspectos. ‘‘A lite-ratura infantil ajuda no desen-volvimento cognitivo – como aprender a ler e escrever – e no desenvolvimento emocional, porque, por meio das emoções de uma história, as crianças po-dem resolver conflitos internos que elas têm”, explica.

Além de estimular a ima-ginação e expandir o vocabu-lário, as histórias contribuem no desenvolvimento da par-te emocional e cognitiva das crianças. Eveline Rodrigues, psicóloga infantil e psicopeda-goga, elucida: “as histórias têm um caráter tanto simbólico quanto projetista. Por isso, são importantes para o desenvolvi-mento geral da criança”.

A psicóloga acrescenta ain-da que as histórias também apresentam valores. “As histó-rias apresentam situações que sempre têm um desfecho vol-tado para a valoração. Então, é um instrumento interessante também no sentido da forma-ção do caráter”, conclui.

Grupos que encantamA arte de contar histórias

envolve encenação, uso de acessórios, roupas coloridas, música e também paixão. É assim que o Grupo Encantos atua. Formado pela professora Carol Bittencourt e mais três músicos, o grupo, que surgiu da proposta de uma mãe que queria uma apresentação no aniversário da filha, transfor-ma as histórias infantis em es-petáculos de contação.

Para esse grupo, a música é um elemento que complemen-ta a história e prende a atenção da criança. Carol explica que somente a narração, muitas ve-zes, não é suficiente para atrair a atenção, sendo preciso a uti-lização de recursos musicais e cênicos. A intenção, no entan-to, não é só produzir um belo

espetáculo. “O grupo não tem essa ideia de fazer a contação só pela contação, o espetácu-lo pelo espetáculo, mas que a experiência traga algum fruto pra aquela criança”.

Carol acredita que a conta-ção de histórias contribui para mostrar que existem produ-ções de qualidade voltadas pra crianças. “Serve também pra quebrar um preconceito, que muita gente está acostumada com coisa pobre pra criança mesmo, muito rasa, que não tem uma elaboração, um zelo, mas ela (criança) pode rece-ber algo bem mais trabalhado, uma palavra bem mais cuida-da”, defende.

Há também o Costureiras de Histórias, que, além de atuar com contação e com formação de mediadores de leitura, pro-move estudos e pesquisas sobre narrativas orais e escritas. A in-tegrante Tâmara Bezerra expli-ca que o nome surgiu da neces-sidade de estabelecer ligações, “costuras” entre as histórias, por meio de músicas, personagens ou temas que se repetiam.

Os resultados dessas pes-quisas são partilhados através das formações promovidas. Tâmara afirma que os encon-tros formativos ajudam a di-fundir a arte de contar e ouvir histórias e favorecem o traba-lho de formação do leitor lite-rário. “Nosso maior público é composto por educadores dos diversos segmentos e vários outros profissionais que usam as narrativas como instrumen-to mediacional de sua atuação profissional”, declara.

A contação faz o público, sem perfil ou idade definida, viajar para lugares distantes, é o que acredita Tâmara. “Vamos assim, conto a conto, ponto a ponto, alinhavando persona-gens, lugares e acontecimen-tos”. E finaliza: “contamos para quem gosta de ouvir histórias, e assim, vamos indo, felizes para sempre!”.

À esquerda, Grupo Encantos, cujas contações misturam narração, dramatização, improviso e música. À direira, apresentação do grupo Costureiras de Histórias, que, além de performances, estuda e pesquisa as contações

Foto: Thinayna Máximo Foto: Divulgação

“As histórias apresentam

situações que sempre têm um desfecho voltado para a valoração. Então, é um

instrumento interessante também no sentido da

formação do caráter

Ilustrações: Juliana Braga

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10 IMPRESSÕES – LEITURA

Fernanda Meireles e Amanda Sampaio acreditam que o Plebeu Gabinete proporciona um relacionamento mais próximo com a leitura em Fortaleza. Além de incentivar à leitura, o Plebeu Gabinete também publicou um livro junto à Imprensa Universitária, “O Demolidor”

A iniciativa da professora e historiadora Adelaide Gonçalves proporciona uma maneira diferente de se relacionar com os livros e com os espaços de leitura no Centro de Fortaleza Por Caroline Portiolli

Em meio ao comércio do Centro de Fortaleza, o Plebeu Gabinete de Lei-

tura reside no terceiro andar do prédio da Associação Cearense de Imprensa (ACI) como um refúgio para os amantes dos livros. Inaugurado no dia do trabalhador, ele leva no nome toda a força dos movimentos operários, dos trabalhadores do Centro da cidade e, acima de tudo, carrega a paixão de compartilhar o conhecimento contido nos mais de dez mil li-vros doados pela professora do curso de História da Universi-dade Federal do Ceará (UFC), Adelaide Gonçalves.

O Plebeu Gabinete é uma iniciativa que propõe um acer-vo rico e de fácil acesso aos in-teressados por leitura. “Todo o acervo da biblioteca vem do acervo pessoal da professora Adelaide Gonçalves. Era um

acervo que ela tinha em casa, que sempre circulou mui-ta gente”, afirma a jornalista Amanda Sampaio, que traba-lha no Gabinete junto com a historiadora Adelaide desde o início do projeto.

Não é só o acervo rico em história social que faz o Plebeu Gabinete ser um recanto na Rua Floriano Peixoto. É um espaço de encontro com os livros e com a mais variada forma de conhe-cimento. Para a socióloga Joana Schroeder, “o Plebeu, por não ser uma biblioteca, oferece um outro tipo de relação com o es-paço da leitura. Porque a gente não tem, em Fortaleza, gabinetes de leitura, que é um espaço para onde você vai, não para escolher um livro, como são as bibliote-cas, mas onde você vai para ler.” Além disso, ela ainda acredita que ali é possível encontrar li-vros que, em outros lugares, não estariam disponíveis.

Disponibilizar conhecimen-to está completamente ligado à iniciativa da professora Ade-laide. O Gabinete de Leitura é um local de compartilhamento de ideias, “ele quer impulsionar isso do amor ao livro e à leitura. Quer proporcionar às pessoas de Fortaleza uma experiência mais próxima a acervos”, con-ta Amanda. Esse pensamento é compartilhado por Fernanda Meireles, mestre em comunica-ção, que acredita serem poucos os lugares em que as pessoas podem ficar perto dos livros sem ter uma relação comercial.

Por Fortaleza não ter tan-

Fotos: Caroline Portiolli

Plebeu Gabinete de Leitura: uma forma de incentivo à leitura e de ser mais plebeu em Fortaleza

Iniciativas Individuais

“Porque livro bom é livro vivo,

livro que as pessoas possam

pegar, possam ler, possam

discutir, possam consultar

Leitura libertadora: a imaginação alçando voo nas praçasPor Saulo Lucas

Na lógica do consumo em que vivemos, conseguir equilibrar ações de manutenção e de doação ao próximo é uma tarefa nada fá-cil. É com essa reflexão que o pro-dutor cultural e jovem empresário William Mendonça avalia a sua tra-jetória profissional de cerca de dez anos. Hoje, proprietário e fundador da WM Cultural - agência que criou em 2009, ele prova que, “apesar dos riscos”, é possível se manter no mercado sem abandonar o en-gajamento social. Foi assim que, no último dia 11 de outubro, em uma praça do bairro Bom Jardim (SER V), William viu o seu sonho dar à luz ao projeto sem fins lucrativos Mer-cadores da Imaginação, resultado de uma inquietação dele em levar para comunidades uma ressignifi-cação dos espaços públicos.

Para ele, a cultura deve ser descentralizada dos equipamen-tos culturais, bem como dos in-vestimentos públicos ou privados na área. Partindo dessa ideia, o empresário idealizou o Merca-dores para ser um projeto que

desenvolve ações artísticas e in-formativas, tendo como espaço físico as praças, e como ponto de partida o incentivo à leitura. “Eu vi que a leitura era uma porta para tudo. Ela é, na verdade, co-meço; ela não é final”, considera.

O projeto trata-se de uma ação itinerante e conta com um trailer que funciona como uma biblioteca móvel e também como um pal-co para apresentações culturais. Acontece sempre nas praças e, apesar de ser voltado para o pú-blico de 8 a 12 anos, é pensado para envolver toda a família e a comunidade. A programação dura um dia inteiro, começando às 9h e segue até as 19h, oferecendo contação de histórias, oficina pe-dagógica, cinema, teatro de rua e shows artísticos infantis.

Com esse projeto, William Mendonça espera desenvolver no público contemplado um senti-mento de merecimento da Cultu-ra e que a semente do gosto pela leitura possa crescer em cada in-divíduo, tornando-os mais livres.

SERVIÇOPlebeu Gabinete de Leitura

Endereço: Rua Floriano Peixoto, 735, 3º andar – Centro

Telefone: (85) 3226 6260

tos locais isentos da relação comercial com os livros, o Ple-beu Gabinete é uma forma de resgatar a leitura na vida das pessoas, incluindo desde os trabalhadores do Centro até os estudantes das Universidades. “A importância dessa iniciati-va do Plebeu é de fazer que os livros circulem, porque livro bom é livro vivo, livro que as pessoas possam pegar, possam ler, possam discutir, possam consultar”, acredita Amanda.

A iniciativa da professora Adelaide proporciona ao leitor de Fortaleza uma nova manei-ra de relacionamento com os livros. Uma relação construí-da através do acervo de livros compartilhados para serem lidos sempre que possível. “É um trabalho de formiguinha, que a gente vai fazendo porque acredita mesmo nisso de que um livro vivo tem que ser com-partilhado. Não adianta nada ter uma biblioteca preciosíssi-ma que fique trancada”, detalha Amanda.

Porém, por ser uma iniciati-va individual e completamente voluntária, a maior dificuldade do Plebeu Gabinete é manter um horário fixo para o funcio-namento. Além disso, também não é possível alugar os livros do acervo, já que não há um bi-bliotecário trabalhando no local. “Um acervo público, mas para consulta local”, diz Amanda. Ela pondera que, se o local fosse es-timulado e se estivesse funcio-nando em diversos horários, as pessoas apareceriam mais.

WM Cultural – Projeto Mercadores da Imaginação

Contatos: (85) 3046 2744/ (85) 9926 9393

Site: wmcultural.com.br

Page 11: Impressões Leitura #2

11IMPRESSÕES – LEITURA

Ex LibrisEspaço de resenhas, contos, poesias e tudo o que a criatividade permitir

Uma pena

Como toda história com final feliz (em-bora o relato abaixo

não exatamente o seja), esta começa com um fato bastan-te clichê: ela se apaixona por ele. Clichê porque, como a es-magadora maioria das jovens, ela era uma daquelas pessoas idealistas que procurava nos braços do amor uma resposta para a mediocridade do mun-do, como se sentimentos ma-gicamente se transformassem em ações e fossem capazes de trazer uma solução para seus anseios irrequietos. Tola, eu diria, mas ela me derrubaria com os olhos de esperança e me convenceria de que, tal-vez, haveria uma chance para os dois. No entanto, minhas preocupações se confirmaram e houve uma divergência do-lorosa na procura da menina: ela encontrou o amor, mas não foi encontrada por ele; ele, por sua vez, sofreu do mal contrário.

Por Giuliana Saragiotto

Conto

PERFILGiuliana Saragiotto, 19, largou a faculdade de Direito e estuda para passar em Medicina, mas é escritora de cora-ção. Conquistou cente-nas de leitores e alguns bons amigos como au-tora de uma fanfiction de Harry Potter (Lílian Evans no Limite) aos 13 anos e não parou mais. Ao ser convidada para escrever para nosso jor-nal, Giuliana disse “Ado-rei você ter me chamado pra isso, fazia tempo que eu não escrevia e ter um motivo pra isso me rela-xou um monte.”

Mesmo assim, eram gran-des amigos, daqueles que a vida fez questão de unir por corredores misteriosos. Quando lhe perguntassem o motivo pelo qual ela resolveu calar sua adoração no princí-pio, ela diria que era porque o conhecia muito bem e sabia que ele não sentia o mesmo,

pelo menos não no momento em que o que eu estou contan-do se passa. Porém, a verdade é que ela se conhecia muito bem e, nessa con-dição, sabia que o peso de uma possível rejeição seria insustentável. Eu contei para ela em sonhos que achava en-graçado como o medo apri-siona os seres humanos - ela arrastou o sofrimento da in-certeza por meses apenas por causa da agonia que seria o não. Preferiria nutrir um fiapo desgastado de esperança a su-portar a certeza negativa (que,

dispensando a neces-sidade de mistérios narrativos, viria de fato num futuro próximo). Já eu,

que sempre obser-vei os dois com certa

imparcialidade, passei a acreditar que eventual-

mente ele seguiria o curso na-tural das coisas e retribuiria o amor dela. Olhando de longe, sempre acreditei que eles for-mariam um belo casal.

Aqui, vale uma ressalva: espero que ninguém tenha

adquirido qualquer gota de compaixão pela ga-rota. É tarde demais

para ajudá-la, e vocês não gostariam de carregar o fardo de salvar uma vida há

muito em estado deca-dente. Mas não se preocu-

pem: hoje, ela continua com a inércia habitual, dona de uma satisfação superficial toda vez que olha para ele - atualmen-te só pelo cantinho do olho, para ele não notar. Torna-se um clichê desgovernado: suas pernas fraquejam, o coração acelera, o fôlego falta. Por pouco não era sintoma de do-ença, e sim só de amor. (E, no fundo, não é a mesma coisa?)

Só sei que quatro meses se passaram antes que ela se cansasse daquela situação de não-correspondência. Era im-possível viver com paranoias no bolso. Cada vez que ele lhe sorria, vinha a ela uma inda-

“Preferiria nutrir um fiapo

desgastado de esperança a suportar a

certeza negativa

N

N

Por Gleydson Moreira

Poesia

Impressões

Certo diaresolveu andar de saia.Não agradou.Nada, nada.Nem ninguém.Ser alguém. Ele mesmo,não decidiu.É tão difícil ser.Qual das saiaseu não posso usar?[ele só queriaexperimentar]Conheceu o medo.No desespero,despiu-se de si.Agora é qualquer um.Privatizou-se. Pequenasdoses de controle.Deixou o topo da lista.O ódio bate menosem sua porta.Agora torta,ele ali não mora mais.

gação indecifrável: será que havia alguma chance de ele amá-la também? Será que os

dois algum dia chegariam a realizar tudo o que ela tinha pintado em cores vívidas dentro de seu cérebro? Ela

descobriria naquele fatí-dico, fatídico dia.

Pensou muito nas pa-lavras certas ao se declarar.

Suas mãos suavam, as famo-sas borboletas dentro de seu estômago nunca haviam vo-ado tão desgovernadamente. No final, o cansaço e o esfor-ço foram desnecessários. Ele disse não. Só assim, sem ex-plicação mesmo.

E até hoje ela fica todas as tardes pensando em tudo que mudaria no passado. Me diz cheia de arrependimento que a hora da declaração foi ino-portuna, que o clima não es-tava propício, que ela deveria ter vestido uma roupa mais bonita. Inútil, viu? O fato in-questionável é que ele nunca teria gostado dela, nem antes nem cem anos depois. Uma pena. Ainda hoje sou favorá-vel da crença que eles teriam formado um lindo casal.

Gleydson Moreira, 24, é pu-blicitário e poeta. Acompanhe suas sensíveis criações na fanpage: migre.me/gBa1d

Ilustrações: Juliana Braga

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12 IMPRESSÕES – LEITURA

Novas tecnologias levam a leitura para quem tem deficiência visual

A leitura pode abrir por-tas para novos con-hecimentos e novas

experiências. Mas quando não se é possível enxergar, o ato de ler torna-se um desafio maior, porém não impossível.

A tecnologia tornou a leitu-ra para cegos uma realidade que vai além da escrita em Braille. Com as versões mais recentes de audiolivros para CD e no formato MP3, além de livros digitais e audiodescritos, o ato de ler se torna mais uma realidade do que um sonho para muitas pessoas com defi-ciência visual.

É disso que se trata o Projeto Livro Falado, da Sociedade de Assistência aos Cegos. “É um trabalho muito útil para eles e muito enriquecedor para nós”, argumenta Sílvia de Paula, ex-voluntária e atual responsável

Por Mikaela Brasil e Taís de Andrade

Com a evolução da tecnologia e da boa vontade de voluntários, ferramentas como os audiolivros e os e-books ampliam o acesso à leitura para quem possui deficiência visual

Antes armazenado em fitas cassete, os audiolivros são guardados em CDs, deixando o espaço mais vazio para novos materiais

Foto: Taís de Andrade

pelo projeto. “Nós temos aces-so à leitura e damos essa pos-sibilidade a eles”, conta.

O projeto funciona desde 1994, com a colaboração de voluntários que emprestam a voz para gravar um livro in-teiro em formato digital. Desta forma, é possível ouvir o livro sem precisar do acervo em Braille. Com a facilidade de armazenagem das novas tec-nologias, não é preciso muito espaço para guardar o livro - que varia de estantes ao disco rígido de um computador -, além de não sair caro, se for levado em conta o custo de gravação de um CD.

Para ser voluntário, é preciso ligar para a instituição e depois comparecer pessoalmente para conversar com uma assistente social. Desta maneira, o volun-tário escolhe os dias que pode

se comprometer com o projeto e também se informa sobre a postura dentro da Sociedade de Assistência aos Cegos.

Vantagens e desvanta-gens dos audiolivros

“Quando se trata de audio-livro, para gente é o mais práti-co porque são pessoas volun-tárias que leem. O material de impressão, que é o CD, tem um custo barato”, avalia Andréa Barros, professora responsável pela Biblioteca Braille Josélia Almeida, da Sociedade de As-sistência aos Cegos.

Uma das formas de leitura mais conhecidas, criada em 1827 pelo francês Louis Braille, o braile é um sistema utilizado pelos deficientes visuais para ler textos, em que as letras são pontos em alto relevo, identifi-cados através do tato.

Para quem considerava que a leitura em Braille era uma opção mais viável, Andréa Barros hoje pondera que os audiolivros têm uma facilidade maior de reposição no acervo, se forem danificados pelos usuários. “Para o Braille você vai ter que digitalizar todo aquele livro, vai ter que codi-ficar, imprimir em material e isso leva muito tempo. Então, para gente, realmente, o livro falado é uma grande evolução”, detalha a professora.

Mas enquanto otimiza o espaço para a armazenagem e o custo de produção, os liv-ros em áudio apresentam uma falha em um quesito. “O que é que fica a desejar no livro fala-do? Justamente porque o cego não vai tocar nas palavras, isso vai afetar na produção textual. No audiolivro, o deficiente vis-

ual perde muito em relação a isso”, acentua Andréa.

A audiodescrição como ferramenta para leitura

Com o objetivo de pos-sibilitar aos estudantes com deficiência visual uma maior autonomia e acesso aos con-teúdos necessários às ativi-dades acadêmicas, a Universi-dade Federal do Ceará (UFC) realiza um projeto para tornar livros e textos acessíveis. A ini-ciativa, que existe por meio de uma parceria entre o sistema de bibliotecas e a Secretaria de Acessibilidade UFC Inclui, é exclusiva para deficientes visuais e tem como finalidade transformar material impresso em arquivo digitalizado, per-mitindo o acesso dos alunos.

Muitas vezes, porém, o conteúdo é ilustrado por figu-

Livro falado

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13IMPRESSÕES – LEITURA

Bolsistas da Secretaria de Acessibilidade UFC Inclui trabalham na audiodescrição de livros e textos

Foto: Taís de Andrade

ras e gráficos, essenciais para a compreensão do assunto, sendo necessário realizar um processo de descrição. “Au-diodescrição é uma técnica para transformar o que é ima-gem em texto”, explica a bib-liotecária Clemilda dos Santos, responsável pelo serviço de conversão e edição de docu-mentos da UFC.

Textos acadêmicos que não possuem versão online são digitalizados em um labo-ratório da Secretaria de Acessi-bilidade, voltado apenas para a realização desse serviço. Quan-do as páginas contêm gráficos, imagens e tabelas, a equipe responsável pela digitalização retira esses elementos e acres-centa textos no local deles, de-screvendo o conteúdo visual retirado. Imagens de histórias em quadrinho que aparecem em alguns materiais, por ex-emplo, são eliminadas e, no lo-cal delas, são colocados textos descrevendo os personagens, o ambiente no qual estavam e as falas de cada um.

Após passar por esse pro-cesso, os textos podem ser acessados por deficientes visuais através de programas eletrônicos. “Existem alguns programas de computador, como o DOSVOX, que fazem uma leitura do material”, cita Davi Cândido, técnico de as-suntos educacionais da Secre-taria de Acessibilidade da UFC. A descrição e edição do con-teúdo são realizadas porque os recursos eletrônicos não leem imagens e fazem uma leitura incompreensível de páginas com mais de uma coluna de

texto ou com notas de rodapé.Ao precisarem do acesso

a um determinado conteúdo, são os próprios alunos com deficiência visual que levam o material à Secretaria de Aces-sibilidade para ser digitalizado. A digitalização é realizada por uma equipe de bolsistas, com-posta por estudantes de diver-sos cursos de graduação da UFC, que passam por um pro-cesso de preparação para de-sempenhar esse trabalho. Eles também são constantemente estimulados a pensar sobre es-tratégias de acessibilidade vol-tadas para a área de estudo de cada um.

A bibliotecária Clemilda dos Santos explica que a au-diodescrição é diferente dos audiolivros. De acordo com ela, audiodescrição é uma técnica que pode ser aplicada não apenas em textos escri-tos, mas também em filmes, peças teatrais, campanhas publicitárias e até mesmo nas obras de museus. Já audio-livro é outro formato e não apresenta cada elemento de modo detalhado. A transfor-mação de um texto em audio-livro, por exemplo, consiste apenas na gravação da voz de alguém lendo aquele ma-terial. “O audiolivro não tem nadavisível no computador. É apenas som”, diz Clemilda.

A bibliotecária afirma ain-da que, na UFC, os audioliv-ros somente são utilizados em último caso, pois os alunos não gostam de utilizar esse formato em literatura cientí-fica. Segundo Cremilda, os deficientes visuais preferem

os livros digitalizados, porque é mais fácil quando desejam retomar a leitura de algum trecho do arquivo. “Manipular o arquivo em áudio é muito diferente de ir com a seta e clicar. É muito difícil voltar para o ponto que quer”, relata. Com os arquivos digitaliza-dos, a produção de trabalhos acadêmicos também é facili-tada, já que os alunos podem copiar e colar os nomes cientí-ficos ou estrangeiros que não sabem como se escrevem.

Eles não usam o braile“Não usamos o braile

porque a maioria dos cegos que são atendidos aqui não sabem braile”, informa Clemilda dos Santos. A bibliotecária justifica que a maioria dos alunos defi-cientes visuais da UFC perdeu a visão após a idade adulta, tendo sido alfabetizados com o código escrito. “Eles não têm nenhuma familiaridade com um braile e tem uns que não querem ter”, enfatiza.

A escolha pela digitalização do material também ocorreu devido à presença de alunos com níveis distintos de defi-ciência visual, pois alguns es-tudantes não possuem com-prometimento total da visão, sendo necessária apenas uma cópia ampliada do material que desejam utilizar. “Como o perfil é muito heterogêneo, a gente teve que criar um for-mato meio “coringa”, que possa se adequar ao público mais diverso”, revela Clemilda dos Santos, explicando ser a digi-talização um recurso eficiente em ambos os casos.

Livros digitais: outra opção?

Enquanto ocorre a discussão acirrada entre defensores de livros físicos e os que preferem e-book, é preciso considerar, ainda, a questão sob outro as-pecto. Com a ajuda de progra-mas de computador que fazem a leitura de livros digitalizados, como o DOSVOX, os e-books se tornam uma opção para além dos audiolivros e também para quem quiser acompanhar alguma obra de literatura em lançamento ou que ainda não foi gravada em áudio.

Além da possibilidade já mencionada com a audiode-scrição, o direito aos livros digitais é garantido por lei. De acordo com a diretriz XII da Lei nº 10.753, sancionada em 29 de dezembro de 2003, é preciso “assegurar às pessoas com defi-ciência visual o acesso à leitura”.

A professora responsável pela Biblioteca Braille Josélia de Almeida, da Associação de Assistência ao Cego, Andréa Barros, considera a importân-cia dos livros digitalizados na instituição, mas diz que a aquisição é complicada: “Os livros publicados eram para serem fornecidos para as insti-tuições digitalizados, para que (a gente) não tivesse o trabalho de digitar, até pela fidelidade. É difícil a gente conseguir. A nossa instituição não consegue parcerias com editoras porque não compra livros, então a gente não recebe visita de nin-guém”, confessa, ressaltando também que a instituição não é maisvinculada ao Governo do Estado do Ceará.

“Para o Braille

você vai ter que digitalizar todo aquele livro, vai

ter que codificar, imprimir em

material e isso leva muito

tempo. Então, para gente,

realmente, o livro falado é uma grande

evolução.

SERVIÇOAssociação de Assistência ao Cego:

A instituição foi criada em 1942 e reúne escola para pessoas com defi-ciência visual, especia-lização para professores nessa área, cursos de de-senvolvimento profissio-nal de cegos ou com baixa visão, além da Biblioteca Braille Josélia Almeida.

Endereço: Av. Bezerra de Menezes, 892 - São Gerardo

Telefone: (85) 3206 6800 Fax: (85) 3206 6836

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14 IMPRESSÕES – LEITURA

Biblioteca Volante:

Livraria Chico Xavier:

Agentes de Leitura:

30

3 mil

}

}

EM NÚMEROS

ônibus circulam no país. Em For-

taleza, um micro--ônibus se loca-liza na Avenida

Beira-Mar

livros e transita no bairro Praia

de Iracema

Possui um acer-vo de cerca de

280

43agentes da Secult

percorrem

municípios do interior, promo-vendo a leitura

Se o cearense não vai até a biblioteca, a bibliote-ca vai até o cearense.

Este é o lema das bibliotecas itinerantes, responsáveis por levar cultura e informação a lugares distantes da Capital, onde muitos nunca tiveram contato com uma biblioteca de verdade.

Vários são os problemas que ainda permeiam a popu-lação de baixa renda no que diz respeito à educação no nosso Estado. Um dos fato-res que mais contribui com os números da alta taxa de analfabetismo entre as comu-nidades carentes é o pouco ou nenhum contato dessas pes-soas com os livros. Não exis-tem limites nem idade para o alcance do conhecimento, e os projetos de bibliotecas que viajam os bairros e municí-pios tem essa missão social: expandir cultura, sabedoria, diversão, e, quem sabe, novos horizontes.

Biblioteca VolanteLevar conhecimento às

pessoas do Interior e, até mes-mo, a bairros distantes da pró-pria Capital é a proposta do projeto Biblioteca Volante. O projeto foi criado em 2006 e é vinculado à Biblioteca Pú-blica Governador Menezes Pi-mentel, que funciona no bair-ro Praia de Iracema. Previsto para durar apenas um ano, foi bem aceito e até hoje realiza seu trabalho, de acordo com a bibliotecária Isabela Rocha, responsável pelo projeto.

O “ônibus-biblioteca” foi adaptado pra adquirir a fun-ção de levar o conhecimento para pessoas de todos os mu-nicípios do Interior do Ceará e Região Metropolitana, além de bairros da própria Capi-tal, diz a funcionária. O acer-vo de aproximadamente três mil livros é distribuído entre obras de referência, literatura estrangeira e brasileira, obras gerais, literatura infantil, in-

fanto-juvenil, e até mesmo acervo em braile.

O objetivo é claro: difun-dir a leitura e o conhecimento àquelas pessoas que desejam e precisam. São pessoas que moram longe e não têm con-dições financeiras de ir até uma biblioteca, ou mesmo que nunca foram a uma e não sabem como funciona o equi-pamento. Além da visitação, a Biblioteca Volante oferece os serviços de oficina de ori-gami e contação de histórias, com o objetivo de despertar o interesse das pessoas pelos livros.

A intenção da biblioteca volante é também incentivar pessoas de outras localida-des a visitar a Biblioteca Pú-blica, para que a população conheça e saiba usufruir de seus serviços. “O projeto ser-ve como uma ponte, para que as pessoas não esqueçam a biblioteca principal”, diz a bi-bliotecária.

Dinâmica A instituição, escola ou

ONG, que desejar ter acesso aos serviços da biblioteca vo-lante deve fazer o agendamen-to de visitas e aguardar. Geral-mente, diz Isabela, o ônibus demora entre 15 a 30 dias pra atender ao pedido.

A cada semana a Biblioteca Volante visita um local dife-rente e lá permanece durante cinco dias. Além de ter aces-so gratuito a todo o acervo da biblioteca volante, os usuários podem fazer empréstimos e ficar com o livro durante a semana, com exceção do In-terior, onde esse serviço não é fornecido devido à dificuldade em retornar a todos os municí-pios. O cadastro para emprés-timo é feito gratuitamente no próprio ônibus e no momento da entrega do livro o usuário recebe a carteirinha da Biblio-teca Pública.

Isabela conta que a solici-tação pela visita da Biblioteca

Quando o conhecimento bate à sua porta: as bibliotecas itinerantes e sua função social Os projetos de bibliotecas itinerantes levam um pedaço das bibliotecas às pessoas de lugares distantes, que não têm condições de frequentar esses espaçosPor Rachel Gomes, Amanda Araújo e Renan Vidal

O micro-ônibus da livraria Chico Xavier chama a atenção de quem passa pela Beira-Mar

Foto

: Ren

an V

idal

Page 15: Impressões Leitura #2

15IMPRESSÕES – LEITURA

}Alcançar quem não vai à bi-

blioteca física: esse talvez seja o objetivo maior das bibliote-cas itinerantes. Mas para além desse contexto de acervos vo-lantes, um projeto de propor-ções, à primeira vista, despre-tensiosas, amplia o conceito de democratização da leitura nos confins do Ceará. Com 280 pessoas percorrendo 43 mu-nicípios do Interior, o projeto “Agentes de Leitura”, da Se-cretaria da Cultura do Estado do Ceará, promove o acesso e apropriação de livros para fa-mílias em situação de pobreza e de extrema pobreza.

O idealizador do projeto, um antigo técnico da Secult cha-mado Fabiano dos Santos, não pertence mais à Secretaria. Porém, o legado de sua ideia,

Agentes de leitura: Projeto da Secult incentiva contato com os livros

Volante é muito grande, tendo em vista que é o único projeto que oferece o serviço no In-terior do Ceará. Atualmente, em Fortaleza, são apenas dois profissionais que viajam junto com o ônibus: Isabel, a biblio-tecária responsável, e o mo-torista. No Interior, uma pe-dagoga da Biblioteca Pública fica responsável pela parte da oficina de origami e contação de histórias.

Para Isabela, além de um trabalho remunerado, ela vê o projeto como um trabalho social. “As pessoas têm a ex-pectativa da leitura, princi-palmente no Interior, onde a

leitura é muito difícil”, conta.

Livraria Chico XavierEm 1986, Chico Xavier

leu um evangelho para um homem que teve seu filho se-questrado. O caso terminou bem, e o homem, em gratidão, decidiu dar um micro-ônibus de presente para Chico, já vis-lumbrando a ideia da divul-gação da doutrina através do veículo. Chico relutou no iní-cio, mas juntos construíram a primeira livraria itinerante Chico Xavier. Hoje são cerca de 30 ônibus rodando pelo Brasil todo.

Parada na movimentada

concretizada em 2006, perdura até hoje. Neste ano, o projeto, já consolidado e com objetivos delimitados, forma profissio-nais que visitam mensalmen-te famílias beneficiadas pelo Bolsa Família e com algum membro em idade escolar, ofe-recendo a eles o empréstimo de livros de literatura, desde o gênero infantil até os escritos populares de cordel. Com uma bicicleta, os agentes de leitura fazem cada um o acompanha-mento, por cerca de dois anos, de 25 famílias leitoras, como são conhecidas.

Conforme Marlia Aguiar, funcionária do apoio adminis-trativo da Secult, os agentes selecionados vão às casas de moradores do Interior do Ceará para cadastrar, levar ativida-

Avenida Beira Mar, o peque-no trailer chama a atenção dos passantes. Com uma estrutura simples, a livraria itineran-te Chico Xavier é conhecida pelo acervo de livros espíritas. A principal função da inicia-tiva, segundo Francisco Klelio Cavalcante, responsável pelo ônibus da Beira Mar, é a di-vulgação da doutrina. A ven-da de livros é para despesas como combustível e energia. A livraria ainda conta com outro ônibus, que circula na periferia.

Apesar da satisfação de trabalhar no que gosta, Kle-lio se queixa da dificuldade

em comercializar os livros. “A venda de livro não é fácil. Vender livro no Brasil já é di-fícil. Espírita, então, é mais di-fícil ainda.” O acervo é sempre atualizado, e grande parte dos livros vem de doações. Para os interessados em espiritismo, a modesta biblioteca é um de-leite para a alma.

Klelio ainda conta com sa-tisfação ter conhecido Chico Xavier em 1958. E completa: “Sou espírita desde crianci-nha. É um prazer trabalhar aqui.” Ele também relata a ex-periência como rezador. “Tem muita gente com problema no espírito. Doença na alma mes-

mo. A gente reza para a pes-soa melhorar.” Renata Almei-da, turista, elogia a iniciativa: “Sou católica, mas achei incrí-vel a ideia do ônibus. Tenho uma queda pelo espiritismo. Até me interessei mais depois de ter visto isso.”

A livraria abriga desde li-vros da escritora Zíbia Gaspa-retto, a quem se destina uma prateleira inteira, até o pró-prio Chico Xavier. A livraria funciona todos os dias, das 17 às 22 horas.

des e promover o “gosto pela leitura”. Cada agente recebe, além da bicicleta que será seu meio de transporte, uma bolsa mensal de R$ 400 e até 256 li-vros, os quais serão empresta-dos para as famílias leitoras ao longo dos meses.

O critério utilizado para se-leção dos municípios que vão participar do programa é base-ado, primeiramente, no índice de focalização de leitura; este leva em conta o índice de de-senvolvimento humano (IDH), a incidência do Bolsa Família e analfabetismo naquela lo-calidade. Segundo Marlia, as cidades com os piores resul-tados são então selecionadas para formarem agentes de lei-tura. Para concorrer à vaga de agente, os candidatos devem

ter entre 18 e 29 anos e pos-suir ensino médio completo.

Para Marlia, o diferencial do trabalho dos agentes de leitura é justamente o vínculo criado entre eles e as famílias visi-tadas. “Eles ficam amigos da família, são mesmo os agen-tes de informação delas, pois mostram opções de alfabetiza-ção no município e funcionam como ponte para a biblioteca e, assim, para a leitura”, explica. Marlia lembra o caso de um se-nhor que deixava de ir para a roça trabalhar no dia da visita do agente de leitura. “No dia que o agente ia, esse pai não ia pra roça, queria ficar e ouvir as histórias de literatura apresen-tadas”, disse.

Embora o projeto esteja em constante aperfeiçoamento, ele

conta com um instrumento de controle: os testes de profici-ência para as famílias leitoras. Essas provas são realizadas no início e término do acompa-nhamento do agente de leitura, para medir os conhecimentos em literatura e interpretação de texto das famílias benefi-ciadas com o projeto.

Marlia destaca que para criar o gosto pela leitura, é preciso desmistificar a ideia de que leitura é coisa obrigatória “de escola”. “Temos a visão de leitura de Paulo Freire, leitura de mundo procede à leitura da palavra. Ou seja, queremos é mostrar uma leitura prazero-sa, que seja não apenas uma atividade de aprofundamento intelectual, mas uma forma de lazer”, completa.

A modesta estrutura e a arquitetura improvisada são marcas da livraria itinerante Chico Xavier”

“Temos a visão de leitura de Paulo Freire,

a leitura de mundo procede à leitura da

palavra

Foto: Renan Vidal

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16 IMPRESSÕES – LEITURA

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Ensaio Fotográfico i

Outras formas de ler

Como foi visto nesta edição do Impressões, o hábito da leitura está em todo lugar. Para entreter ou informar, as pessoas buscam a palavra. Durante um passeio na Praça do Ferreira, por exemplo, encontrei vários senhores enriquecendo suas mentes com a leitura

de jornais (foto 4). Nesse dia, em especial, haviam painéis contando a história da praça e da cultura cearense (foto 5). Saindo do Centro e chegando ao Benfica, conheci um pouco da história do comerciante Paulo Roberto de Castro Almeida (foto 2). Ele há seis meses desenvolve o seguinte trabalho no cruzamento da Av. da Universidade com Av. Treze de Maio: compra livros e revistas, lê-os e, se achá-los interessantes, revende-os. O dinheiro adiquirido é utilizado para comprar novos exemplares e, assim, retomar o ciclo (foto 1). A maioria dos livros tem teor histórico e divulga as ideologias defendidas pelo senhor Paulo. Outra forma que ele achou para exibir seus pensamentos foi mostrando cartazes em sua bicicleta personalizada (foto 3).

Por Tamara Lopes