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Informativo 798-STF (17/09/2015) Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não terem sido concluído em virtude de pedido de vista: RE 635659/SP ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL DIREITOS FUNDAMENTAIS Sistema carcerário e Estado de Coisas Inconstitucional. DIREITO ADMINISTRATIVO TRIBUNAL DE CONTAS Independência da tomada de contas em relação ao PAD. Citação no processo de tomada de contas. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR ARQUIVAMENTO Ilegalidade de Portaria que não admite o processamento de pedidos de arquivamento de procedimento de investigação. DIREITO CONSTITUCIONAL DIREITOS FUNDAMENTAIS Sistema carcerário e Estado de Coisas Inconstitucional Importante!!! O Estado de Coisas Inconstitucional ocorre quando verifica-se a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional. O STF reconheceu que o sistema penitenciário brasileiro vive um "Estado de Coisas Inconstitucional", com uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios acabam sendo penas cruéis e desumanas. Vale ressaltar que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuída aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), tanto da União como dos Estados-Membros e do Distrito Federal. A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa uma verdadeira "falha estrutural" que gera ofensa aos direitos dos presos, além da perpetuação e do agravamento da situação.

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Informativo 798-STF (17/09/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não terem sido concluído em virtude de pedido de vista: RE 635659/SP

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITOS FUNDAMENTAIS Sistema carcerário e Estado de Coisas Inconstitucional.

DIREITO ADMINISTRATIVO

TRIBUNAL DE CONTAS Independência da tomada de contas em relação ao PAD. Citação no processo de tomada de contas.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

ARQUIVAMENTO Ilegalidade de Portaria que não admite o processamento de pedidos de arquivamento de procedimento de investigação.

DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITOS FUNDAMENTAIS Sistema carcerário e Estado de Coisas Inconstitucional

Importante!!!

O Estado de Coisas Inconstitucional ocorre quando verifica-se a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional.

O STF reconheceu que o sistema penitenciário brasileiro vive um "Estado de Coisas Inconstitucional", com uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios acabam sendo penas cruéis e desumanas.

Vale ressaltar que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuída aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), tanto da União como dos Estados-Membros e do Distrito Federal.

A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa uma verdadeira "falha estrutural" que gera ofensa aos direitos dos presos, além da perpetuação e do agravamento da situação.

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Assim, cabe ao STF o papel de retirar os demais poderes da inércia, coordenar ações visando a resolver o problema e monitorar os resultados alcançados.

Diante disso, o STF, em ADPF, concedeu parcialmente medida cautelar determinando que:

juízes e Tribunais de todo o país implementem, no prazo máximo de 90 dias, a audiência de custódia;

a União libere, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos.

Na ADPF havia outros pedidos, mas estes foram indeferidos, pelo menos na análise da medida cautelar.

STF. Plenário. ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9/9/2015 (Info 798).

Em que consiste o chamado "Estado de Coisas Inconstitucional"? O Estado de Coisas Inconstitucional ocorre quando.... - verifica-se a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, - causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; - de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem modificar a situação inconstitucional. Obs: conceito baseado nas lições de Carlos Alexandre de Azevedo Campos (O Estado de Coisas Inconstitucional e o litígio estrutural. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-set-01/carlos-campos-estado-coisas-inconstitucional-litigio-estrutural), artigo cuja leitura se recomenda. Exemplo: no sistema prisional brasileiro existe um verdadeiro "Estado de Coisas Inconstitucional". Origem A ideia de que pode existir um Estado de Coisas Inconstitucional e que a Suprema Corte do país pode atuar para corrigir essa situação surgiu na Corte Constitucional da Colômbia, em 1997, com a chamada "Sentencia de Unificación (SU)". Foi aí que primeiro se utilizou essa expressão. Depois disso, a técnica já teria sido empregada em mais nove oportunidades naquela Corte. Existe também notícia de utilização da expressão pela Corte Constitucional do Peru. Pressupostos: Segundo aponta Carlos Alexandre de Azevedo Campos, citado na petição da ADPF 347, para reconhecer o estado de coisas inconstitucional, exige-se que estejam presentes as seguintes condições: a) vulneração massiva e generalizada de direitos fundamentais de um número significativo de pessoas; b) prolongada omissão das autoridades no cumprimento de suas obrigações para garantia e promoção dos direitos; b) a superação das violações de direitos pressupõe a adoção de medidas complexas por uma pluralidade de órgãos, envolvendo mudanças estruturais, que podem depender da alocação de recursos públicos, correção das políticas públicas existentes ou formulação de novas políticas, dentre outras medidas; e d) potencialidade de congestionamento da justiça, se todos os que tiverem os seus direitos violados acorrerem individualmente ao Poder Judiciário. O que a Corte Constitucional do país faz após constatar a existência de um ECI? O ECI gera um “litígio estrutural”, ou seja, existe um número amplo de pessoas que são atingidas pelas violações de direitos. Diante disso, para enfrentar litígio dessa espécie, a Corte terá que fixar “remédios estruturais” voltados à formulação e execução de políticas públicas, o que não seria possível por meio de decisões mais tradicionais.

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A Corte adota, portanto, uma postura de ativismo judicial estrutural diante da omissão dos Poderes Executivo e Legislativo, que não tomam medidas concretas para resolver o problema, normalmente por falta de vontade política. Situações excepcionais O reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional é uma técnica que não está expressamente prevista na Constituição ou em qualquer outro instrumento normativo e, considerando que "confere ao Tribunal uma ampla latitude de poderes, tem-se entendido que a técnica só deve ser manejada em hipóteses excepcionais, em que, além da séria e generalizada afronta aos direitos humanos, haja também a constatação de que a intervenção da Corte é essencial para a solução do gravíssimo quadro enfrentado. São casos em que se identifica um “bloqueio institucional” para a garantia dos direitos, o que leva a Corte a assumir um papel atípico, sob a perspectiva do princípio da separação de poderes, que envolve uma intervenção mais ampla sobre o campo das políticas públicas." (trecho da petição inicial da ADPF 347). ADPF e sistema penitenciário brasileiro Em maio de 2015, o Partido Socialista e Liberdade (PSOL) ajuizou ADPF pedindo que o STF declare que a situação atual do sistema penitenciário brasileiro viola preceitos fundamentais da Constituição Federal e, em especial, direitos fundamentais dos presos. Em razão disso, requer que a Corte determine à União e aos Estados que tomem uma série de providências com o objetivo de sanar as lesões aos direitos dos presos. Na petição inicial, que foi subscrita pelo grande constitucionalista Daniel Sarmento, defende-se que o sistema penitenciário brasileiro vive um "Estado de Coisas Inconstitucional". São apontados os pressupostos que caracterizam esse ECI: a) violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; b) inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; c) situação que exige a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades para resolver o problema. A ação foi proposta contra a União e todos os Estados-membros. Medidas requeridas na ação Na ação, pede-se que o STF reconheça a existência do "Estado de Coisas Inconstitucional" e que ele expeça as seguintes ordens para tentar resolver a situação:

O STF deveria obrigar que os juízes e tribunais do país: a) quando forem decretar ou manter prisões provisórias, fundamentem essa decisão dizendo expressamente o motivo pelo qual estão aplicando a prisão e não uma das medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP; b) implementem, no prazo máximo de 90 dias, as audiências de custódia (sobre as audiências de custódia, leia o Info 795 STF); c) quando forem impor cautelares penais, aplicar pena ou decidir algo na execução penal, levem em consideração, de forma expressa e fundamentada, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro; d) estabeleçam, quando possível, penas alternativas à prisão; e) abrandar os requisitos temporais necessários para que o preso goze de benefícios e direitos, como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando ficar demonstrado que as condições de cumprimento da pena estão, na prática, mais severas do que as previstas na lei em virtude do quadro do sistema carcerário; e f) abatam o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são, na prática, mais severas do que as previstas na lei. Isso seria uma forma de "compensar" o fato de o Poder Público estar cometendo um ilícito estatal.

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O STF deveria obrigar que o CNJ: g) coordene um mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução penal em curso no País que envolvamm a aplicação de pena privativa de liberdade, visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f” acima expostas.

O STF deveria obrigar que a União: h) libere, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos. O STF ainda não julgou definitivamente o mérito da ADPF, mas já apreciou o pedido de liminar. O que a Corte decidiu? O STF decidiu conceder, parcialmente, a medida liminar e deferiu apenas os pedidos "b" (audiência de custódia) e "h" (liberação das verbas do FUNPEN). O Plenário reconheceu que no sistema prisional brasileiro realmente há uma violação generalizada de direitos fundamentais dos presos. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios acabam sendo penas cruéis e desumanas. Diante disso, o STF declarou que diversos dispositivos constitucionais, documentos internacionais (o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos) e normas infraconstitucionais estão sendo desrespeitadas. Os cárceres brasileiros, além de não servirem à ressocialização dos presos, fomentam o aumento da criminalidade, pois transformam pequenos delinquentes em “monstros do crime”. A prova da ineficiência do sistema como política de segurança pública está nas altas taxas de reincidência. E o reincidente passa a cometer crimes ainda mais graves. Vale ressaltar que a responsabilidade por essa situação deve ser atribuída aos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), tanto da União como dos Estados-Membros e do Distrito Federal. A ausência de medidas legislativas, administrativas e orçamentárias eficazes representa uma verdadeira "falha estrutural" que gera ofensa aos direitos dos presos, além da perpetuação e do agravamento da situação. Assim, cabe ao STF o papel de retirar os demais poderes da inércia, coordenar ações visando a resolver o problema e monitorar os resultados alcançados. A intervenção judicial é necessária diante da incapacidade demonstrada pelas instituições legislativas e administrativas. No entanto, o Plenário entendeu que o STF não pode substituir o papel do Legislativo e do Executivo na consecução de suas tarefas próprias. Em outras palavras, o Judiciário deverá superar bloqueios políticos e institucionais sem afastar, porém, esses poderes dos processos de formulação e implementação das soluções necessárias. Nesse sentido, não lhe incumbe definir o conteúdo próprio dessas políticas, os detalhes dos meios a serem empregados. Com base nessas considerações, foram indeferidos os pedidos "e" e "f". Quanto aos pedidos “a”, “c” e “d”, o STF entendeu que seria desnecessário ordenar aos juízes e Tribunais que fizessem isso porque já são deveres impostos a todos os magistrados pela CF/88 e pelas leis. Logo, não havia sentido em o STF declará-los obrigatórios, o que seria apenas um reforço.

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TRIBUNAL DE CONTAS Independência da tomada de contas em relação ao PAD

As atribuições do Tribunal de Contas da União são independentes em relação ao julgamento do processo administrativo disciplinar instaurado para apurar falta funcional do servidor público. Em outras palavras, o processo no TCU não depende nem está vinculado ao PAD.

STF. 2ª Turma. MS 27427 AgR/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 8/9/2015 (Info 798).

Imagine a seguinte situação adaptada: Determinado servidor público federal recebeu indevidamente determinada verba. No órgão em que ele trabalhava, foi instaurado um procedimento administrativo disciplinar para apurar o fato, tendo, ao final, este sido anulado. Algum tempo depois, o TCU iniciou um procedimento de Tomada de Contas Especial que impôs ao servidor o pagamento de uma multa e o ressarcimento ao erário. O fato de o PAD ter sido anulado interfere na Tomada de Contas Especial? NÃO. A jurisprudência do STF é consolidada no sentido de que as atribuições do Tribunal de Contas da União são independentes em relação ao julgamento do processo administrativo disciplinar instaurado para apurar falta funcional do servidor público. Em outras palavras, o processo no TCU não depende nem está vinculado ao PAD. Nesse sentido, confira o seguinte precedente:

(...) O Tribunal de Contas da União, em sede de tomada de contas especial, não se vincula ao resultado de processo administrativo disciplinar. Independência entre as instâncias e os objetos sobre os quais se debruçam as respectivas acusações nos âmbitos disciplinar e de apuração de responsabilidade por dano ao erário. Precedente. (...) STF. 1ª Turma. MS 27867 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 18/09/2012.

TRIBUNAL DE CONTAS Citação no processo de tomada de contas

Nos processos administrativos que tramitam no TCU, é possível a citação do interessado por via postal?

SIM. O envio de carta registrada com aviso de recebimento está expressamente enumerado entre os meios de comunicação de que dispõe o TCU para proceder às suas intimações.

O interessado alega que não mora mais no endereço para o qual a carta com AR foi enviada. Contudo, constata-se que esse é o endereço que consta na Receita Federal como sendo do interessado, além do que é o mesmo que está na petição inicial do MS por ele impetrado. A alegação de nulidade da citação deverá ser aceita?

NÃO. Inicialmente, deve-se esclarecer que a validade da comunicação dos atos do TCU não depende de comunicação pessoal do interessado, bastando sua efetivação por meio de carta registrada com aviso de recebimento que comprove sua entrega no endereço do destinatário.

No caso concreto, a a citação foi enviada ao endereço fornecido pelo impetrante no cadastro da Receita Federal do Brasil, que é o mesmo informado na petição inicial do mandado de segurança impetrado. Logo, o STF entendeu que foi comprovada a entrega da carta registrada no endereço do destinatário, de forma que não se podia falar em nulidade do processo.

STF. 2ª Turma. MS 27427 AgR/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 8/9/2015 (Info 798).

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Tomada de contas especial A Tomada de Contas Especial (TCE) é um processo administrativo realizado com o objetivo de apurar a responsabilidade pela ocorrência de dano à administração pública e de obter o respectivo ressarcimento (art. 3º da Instrução Normativa TCU 56/2007). A TCE somente deverá ser instaurada após terem se esgotado todas as medidas administrativas de competência do órgão ou entidade, e não obtido o devido ressarcimento ou saneamento da irregularidade. Citação do investigado por carta Imagine que o TCU instaurou processo administrativo de Tomada de Contas Especial e expediu citação, por meio de carta registrada, que foi enviada para o endereço que constava na Receita Federal como sendo o do investigado. Nos processos administrativos que tramitam no TCU, é possível a citação do interessado por via postal? SIM. O envio de carta registrada com aviso de recebimento está expressamente enumerado entre os meios de comunicação de que dispõe o TCU para proceder às suas intimações. O inciso II do art. 179 do Regimento Interno do TCU é claro ao exigir apenas a comprovação da entrega no endereço do destinatário, bastando o aviso de recebimento simples. STF. Plenário. MS 25816 AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 12/06/2006. No caso concreto, o interessado alegou nulidade da citação sob o argumento de que não moraria mais naquele endereço. Tal argumento foi aceito pelo STF? NÃO. Inicialmente, deve-se esclarecer que a validade da comunicação dos atos do TCU não depende de comunicação pessoal do interessado, bastando sua efetivação por meio de carta registrada com aviso de recebimento que comprove sua entrega no endereço do destinatário. No caso concreto, a citação foi enviada ao endereço fornecido pelo impetrante no cadastro da Receita Federal do Brasil, que é o mesmo informado na petição inicial do mandado de segurança impetrado. Logo, o STF entendeu que foi comprovada a entrega da carta registrada no endereço do destinatário, de forma que não se podia falar em nulidade do processo.

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

ARQUIVAMENTO Ilegalidade de Portaria que não admite o processamento de pedidos de arquivamento de procedimento de investigação

É ilegal Portaria expedida por Juiz-Auditor Militar na qual ele afirma que os pedidos de arquivamento de procedimento investigatório criminal instaurados pela Procuradoria de Justiça Militar não devem ser recebidos ou distribuídos pela Justiça Militar.

A referida Portaria é ilegal porque existe um procedimento previsto expressamente no art. 397 do CPPM para os casos de pedido de arquivamento do inquérito policial ou procedimento investigatório criminal.

Diante de um pedido de arquivamento, compete ao Juiz-Auditor a adoção de duas possíveis condutas: a) anuir (concordar) com o arquivamento proposto; ou b) discordando da fundamentação apresentada, remeter o processo ao Procurador-Geral.

A recusa em dar andamento ao pleito de trancamento configura inaceitável abandono do controle jurisdicional a ser exercido no tocante ao princípio da obrigatoriedade da ação penal.

STF. 1ª Turma. RMS 28428/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 8/9/2015 (Info 798).

Imagine a seguinte situação adaptada: O Juiz-Auditor Militar baixou portaria na qual dizia que os pedidos de arquivamento de procedimento investigatório criminal instaurados pela Procuradoria de Justiça Militar não seriam nem recebidos ou distribuídos.

Essa portaria é legal? NÃO. O STF declarou que a referida Portaria é ilegal porque existe um procedimento previsto expressamente no art. 397 do CPPM para os casos de pedido de arquivamento do inquérito policial ou procedimento investigatório criminal. Confira:

Falta de elementos para a denúncia Art. 397. Se o procurador, sem prejuízo da diligência a que se refere o art. 26, n° I, entender que os autos do inquérito ou as peças de informação não ministram os elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia, requererá ao auditor que os mande arquivar. Se êste concordar com o pedido, determinará o arquivamento; se dêle discordar, remeterá os autos ao procurador-geral.

Há, portanto, evidente conflito entre uma norma de hierarquia inferior (Portaria) com uma norma superior (CPPM), devendo prevalecer, portanto, este último diploma.

Diante de um pedido de arquivamento, compete ao Juiz-Auditor a adoção de duas possíveis condutas: a) anuir (concordar) com o arquivamento proposto; ou b) discordando da fundamentação apresentada, remeter o processo ao Procurador-Geral.

A recusa em dar andamento ao pleito de trancamento configura inaceitável abandono do controle jurisdicional a ser exercido no tocante ao princípio da obrigatoriedade da ação penal. Ademais, o STF afirmou que não se pode admitir que argumentos pragmáticos, como aqueles ligados ao volume de trabalho da Justiça Militar, sirvam para justificar essa Portaria, que viola o devido processo legal.

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OUTRAS INFORMAÇÕES

R E P E R C U S S Ã O G E R A L DJe de 7 a 11 de setembro de 2015

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 898.450-SP

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL.

REQUISITOS. IMPEDIMENTO DO PROVIMENTO DE CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA DECORRENTE DA

EXISTÊNCIA DE TATUAGEM NO CORPO DO CANDIDATO. AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA

ESTATAL DE QUE A TATUAGEM ESTEJA DENTRO DE DETERMINADOS PARÂMETROS. ARTS. 5º, I E 37, I E II DA CRFB/88.

REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

C L I P P I N G D O D JE 7 a 11 de setembro de 2015

RE N. 593.727-MG

RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. GILMAR MENDES

Repercussão geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Constitucional. Separação dos poderes. Penal e processual penal. Poderes de

investigação do Ministério Público. 2. Questão de ordem arguida pelo réu, ora recorrente. Adiamento do julgamento para colheita de parecer do Procurador-

Geral da República. Substituição do parecer por sustentação oral, com a concordância do Ministério Público. Indeferimento. Maioria. 3. Questão de ordem levantada pelo Procurador-Geral da República. Possibilidade de o Ministério Público de estado-membro promover sustentação oral no Supremo. O Procurador-

Geral da República não dispõe de poder de ingerência na esfera orgânica do Parquet estadual, pois lhe incumbe, unicamente, por expressa definição

constitucional (art. 128, § 1º), a Chefia do Ministério Público da União. O Ministério Público de estado-membro não está vinculado, nem subordinado, no plano processual, administrativo e/ou institucional, à Chefia do Ministério Público da União, o que lhe confere ampla possibilidade de postular, autonomamente,

perante o Supremo Tribunal Federal, em recursos e processos nos quais o próprio Ministério Público estadual seja um dos sujeitos da relação processual.

Questão de ordem resolvida no sentido de assegurar ao Ministério Público estadual a prerrogativa de sustentar suas razões da tribuna. Maioria. 4. Questão

constitucional com repercussão geral. Poderes de investigação do Ministério Público. Os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, §

4º, da Constituição Federal, não tornam a investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público.

Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob

investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais

de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula

Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”. Maioria. 5. Caso concreto. Crime de responsabilidade de prefeito. Deixar de cumprir ordem

judicial (art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei nº 201/67). Procedimento instaurado pelo Ministério Público a partir de documentos oriundos de autos de processo judicial e de precatório, para colher informações do próprio suspeito, eventualmente hábeis a justificar e legitimar o fato imputado. Ausência de vício. Negado

provimento ao recurso extraordinário. Maioria.

*noticiado no Informativo 785

RE N. 730.462-SP

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE PRECEITO NORMATIVO

PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EFICÁCIA NORMATIVA E EFICÁCIA EXECUTIVA DA DECISÃO: DISTINÇÕES. INEXISTÊNCIA DE EFEITOS AUTOMÁTICOS SOBRE AS SENTENÇAS JUDICIAIS ANTERIORMENTE PROFERIDAS EM SENTIDO

CONTRÁRIO. INDISPENSABILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO OU PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA PARA SUA

REFORMA OU DESFAZIMENTO.

1. A sentença do Supremo Tribunal Federal que afirma a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de preceito normativo gera, no plano do

ordenamento jurídico, a consequência (= eficácia normativa) de manter ou excluir a referida norma do sistema de direito. 2. Dessa sentença decorre também o efeito vinculante, consistente em atribuir ao julgado uma qualificada força impositiva e obrigatória em relação a

supervenientes atos administrativos ou judiciais (= eficácia executiva ou instrumental), que, para viabilizar-se, tem como instrumento próprio, embora

não único, o da reclamação prevista no art. 102, I, “l”, da Carta Constitucional. 3. A eficácia executiva, por decorrer da sentença (e não da vigência da norma examinada), tem como termo inicial a data da publicação do acórdão do

Supremo no Diário Oficial (art. 28 da Lei 9.868/1999). É, consequentemente, eficácia que atinge atos administrativos e decisões judiciais

supervenientes a essa publicação, não os pretéritos, ainda que formados com suporte em norma posteriormente declarada inconstitucional. 4. Afirma-se, portanto, como tese de repercussão geral que a decisão do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade

de preceito normativo não produz a automática reforma ou rescisão das sentenças anteriores que tenham adotado entendimento diferente; para que tal ocorra,

será indispensável a interposição do recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria, nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial (CPC, art. 495). Ressalva-se desse entendimento, quanto à indispensabilidade da ação rescisória, a questão relacionada à execução

de efeitos futuros da sentença proferida em caso concreto sobre relações jurídicas de trato continuado.

5. No caso, mais de dois anos se passaram entre o trânsito em julgado da sentença no caso concreto reconhecendo, incidentalmente, a constitucionalidade do artigo 9º da Medida Provisória 2.164-41 (que acrescentou o artigo 29-C na Lei 8.036/90) e a superveniente decisão do STF que, em controle concentrado,

declarou a inconstitucionalidade daquele preceito normativo, a significar, portanto, que aquela sentença é insuscetível de rescisão.

6. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

Informativo 798-STF (17/09/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 9

RE N. 795.567-PR

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PENAL. TRANSAÇÃO PENAL. CUMPRIMENTO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITO. POSTERIOR DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE CONFISCO DO BEM APREENDIDO COM BASE NO ART. 91, II, DO CÓDIGO PENAL. AFRONTA À

GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL CARACTERIZADA.

1. Tese: os efeitos jurídicos previstos no art. 91 do Código Penal são decorrentes de sentença penal condenatória. Tal não se verifica, portanto, quando há transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95), cuja sentença tem natureza homologatória, sem qualquer juízo sobre a responsabilidade criminal do

aceitante. As consequências da homologação da transação são aquelas estipuladas de modo consensual no termo de acordo.

2. Solução do caso: tendo havido transação penal e sendo extinta a punibilidade, ante o cumprimento das cláusulas nela estabelecidas, é ilegítimo o ato judicial que decreta o confisco do bem (motocicleta) que teria sido utilizado na prática delituosa. O confisco constituiria efeito penal muito mais

gravoso ao aceitante do que os encargos que assumiu na transação penal celebrada (fornecimento de cinco cestas de alimentos).

3. Recurso extraordinário a que se dá provimento. *noticiado no Informativo 787

AG. REG. NO ARE N. 868.922-SP

RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA: Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Embargos declaratórios opostos na origem rejeitados

monocraticamente pelo relator. Ausência de interposição do recurso cabível. Não esgotamento das instâncias ordinárias. Súmula nº 281/STF.

Prequestionamento. Ausência. Dano moral. Fixação do valor inicial em múltiplo do salário-mínimo. Violação da parte final do art. 7º, inciso

IV, da CF. Não ocorrência. Quantum indenizatório. Discussão. Ausência de repercussão geral. Precedentes. 1. O recurso extraordinário é inadmissível quando interposto após decisão monocrática proferida pelo relator, haja vista que não esgotada a prestação

jurisdicional pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula nº 281/STF.

2. Não se admite o recurso extraordinário quando os dispositivos constitucionais indicados como violados carecem do necessário prequestionamento. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF.

3. É legítima a utilização do salário mínimo quando se tiver por finalidade apenas a expressão do valor inicial da indenização.

4. O Plenário da Corte, no exame do ARE nº 743.771/SP, Relator o Ministro Gilmar Mendes, concluiu pela ausência de repercussão geral do tema relativo à “modificação do valor fixado a título de indenização por danos morais”, dado o caráter infraconstitucional da matéria.

5. Agravo regimental não provido.

*noticiado no Informativo 788

RHC N. 126.917-SP

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME DE ESTELIONATO. ART. 171, CAPUT, DO CP.

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO RESSARCIMENTO DA VÍTIMA. APLICAÇÃO DA REGRA ESPECIAL DO § 2º DO ART. 9º DA LEI 10.684/2003. IMPOSSIBILIDADE.

1. Por se tratar de norma especial, dirigida a determinadas infrações de natureza tributária, a causa especial de extinção de punibilidade prevista no § 2º do art. 9º

da Lei 10.684/2003 (pagamento integral do crédito tributário) não se aplica ao delito de estelionato do caput do art. 171 do Código Penal. Precedentes. 2. Recurso ordinário a que se nega provimento.

*noticiado no Informativo 796

HC N. 125.101-SP

RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA: Habeas corpus. Processual Penal Militar. Tentativa de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, inciso IV, c/c o art. 14, inciso II).

Arquivamento de Inquérito Policial Militar, a requerimento do Parquet Militar. Conduta acobertada pelo estrito cumprimento do dever

legal. Excludente de ilicitude (CPM, art. 42, inciso III). Não configuração de coisa julgada material. Entendimento jurisprudencial da Corte.

Surgimento de novos elementos de prova. Reabertura do inquérito na Justiça comum, a qual culmina na condenação do paciente e de corréu

pelo Tribunal do Júri. Possibilidade. Enunciado da Súmula nº 524/STF. Ordem denegada. 1. O arquivamento de inquérito, a pedido do Ministério Público, em virtude da prática de conduta acobertada pela excludente de ilicitude do estrito

cumprimento do dever legal (CPM, art. 42, inciso III), não obsta seu desarquivamento no surgimento de novas provas (Súmula nº 5241/STF). Precedente.

2. Inexistência de impedimento legal para a reabertura do inquérito na seara comum contra o paciente e o corréu, uma vez que subsidiada pelo surgimento de novos elementos de prova, não havendo que se falar, portanto, em invalidade da condenação perpetrada pelo Tribunal do Júri.

3. Ordem denegada.

*noticiado no Informativo 796

HC N. 128.921-RJ

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Habeas corpus. 2. Código de Trânsito Brasileiro. Direção sem habilitação, art. 309; e, lesão corporal, art. 303. 3. Incidência do princípio da

consunção. O crime de dirigir sem habilitação é absorvido pelo delito de lesão corporal 4. Precedentes de ambas as turmas. 5. Falta de representação

da vítima 6. Ordem concedida para restabelecer a decisão de primeiro grau, que rejeitou a denúncia.

*noticiado no Informativo 796

TRANSCRIÇÕES

Extradição e falsidade de registro civil de nascimento (Transcrições)

(v. Informativo 796)

Ext. 1.393/DF*

RELATOR: Ministro Dias Toffoli

EMENTA: Extradição instrutória. Governo do Paraguai. Nacionalidade do extraditando. Registros civis brasileiro e paraguaio

atestando seu nascimento, na mesma data, em ambos os países. Impossibilidade lógica de sua coexistência. Cancelamento do registro

civil brasileiro, em razão de sua falsidade. Antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional em ação anulatória de registro promovida

pelo Ministério Público. Presunção de veracidade do ato registrário brasileiro afastada (art. 1.604 do Código Civil). Provisoriedade da

Informativo 798-STF (17/09/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 10

decisão. Irrelevância, uma vez que continua a projetar seus efeitos. Existência de prova robusta, nos autos da extradição, de que o

extraditando efetivamente nasceu em solo paraguaio. Assento de nascimento lavrado no Paraguai 10 (dez) anos antes do registro civil

tardio do extraditando no Brasil. Extraditando que foi vereador e prefeito no Paraguai, onde gozou, em sua plenitude, da sua condição

de paraguaio nato. Vedação do art. 5º, LI, da Constituição Federal não caracterizada. Ausência de óbice ao exame de mérito da

extradição. Pedido instruído com os documentos necessários a sua análise. Atendimento aos requisitos da Lei nº 6.815/80 e do Acordo

de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul. Homicídios qualificados (art. 105 do Código Penal do Paraguai e art. 121, § 2º, IV,

do Código Penal Brasileiro). Dupla tipicidade. Reconhecimento. Prescrição. Não ocorrência, tanto sob a óptica da legislação alienígena

quanto sob a óptica da legislação brasileira. Reexame de fatos subjacentes à investigação. Impossibilidade. Sistema de contenciosidade

limitada. Precedentes. Crime político não configurado. Precedentes. Existência de filhos brasileiros. Irrelevância. Súmula nº 421 do

Supremo Tribunal Federal. Compatibilidade com a Constituição Federal. Precedentes. Pedido deferido. Detração do tempo de prisão

a que o extraditando tiver sido submetido no Brasil (art. 91, II, da Lei nº 6.815/80).

1. Como o extraditando foi registrado civilmente no Paraguai e no Brasil e esses registros apontam que ele nasceu na mesma data em ambos os países, a impossibilidade lógica de sua coexistência é manifesta.

2. Nos termos do art. 1.604 do Código Civil, “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo

provando-se erro ou falsidade do registro”. 3. O assento de nascimento brasileiro do extraditando foi cancelado por decisão da Justiça Comum Estadual, que, antecipando os efeitos

da tutela jurisdicional em ação anulatória de registro civil promovida pelo Ministério Público, reconheceu sua falsidade.

4. Afastada a presunção juris tantum de veracidade do ato registrário brasileiro, por decisão que, embora provisória, continua a projetar

os seus efeitos, não há óbice ao exame de mérito da extradição.

5. Embora o extraditando tenha sido registrado civilmente no Paraguai e no Brasil, o assento de nascimento paraguaio foi lavrado 10

(dez) anos antes do brasileiro, o qual foi promovido, sintomaticamente, em conjunto com o registro tardio de seus irmãos, também previamente registrados no Paraguai, circunstâncias que, em reforço à decisão judicial que determinou o cancelamento do registro brasileiro, militam em

favor da presunção de veracidade do primeiro registro realizado no Paraguai.

6. Todos esses fatos, somados à prova robusta produzida nos autos da extradição de que o extraditando nasceu em solo paraguaio e sempre gozou, em sua plenitude, da sua condição de paraguaio nato, tendo sido vereador e prefeito no Paraguai, afastam a vedação do art. 5º,

LI, da Constituição Federal.

7. O pedido formulado pelo Governo do Paraguai, com base no Acordo de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul, atende aos pressupostos necessários a seu deferimento, nos termos da Lei nº 6.815/80.

8. Os fatos delituosos imputados ao extraditando correspondem, no Brasil, ao crime de homicídio qualificado, previsto no art. 121, § 2º,

IV, do Código Penal, satisfazendo, assim, ao requisito da dupla tipicidade previsto no art. 77, II, da Lei nº 6.815/80. 9. Não ocorre a prescrição da pretensão punitiva, consoante os textos legais apresentados pelo Estado requerente e a legislação penal

brasileira (art. 109, I, do Código Penal).

10. O pedido foi instruído com os documentos necessários a sua análise, trazendo indicações seguras a respeito da identidade do extraditando, do local, da data, da natureza, das circunstâncias e da qualificação legal dos fatos delituosos. Está, portanto, em perfeita

consonância com as regras do art. 18 do Acordo de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul e do art. 80, caput, da Lei nº 6.815/80.

11. Os crimes imputados ao extraditando (homicídios qualificados de um jornalista e de sua assistente, mediante recurso que impossibilitou sua defesa), são despidos de natureza política e se inserem na criminalidade comum. Precedentes.

12. É irrelevante, para fins de extradição, o fato de o extraditando ter filhos brasileiros, nos termos da Súmula nº 421 do Supremo Tribunal Federal, que é compatível com a Constituição Federal. Precedentes.

13. De acordo com o art. 91, II, da Lei nº 6.815/80, o Governo do Paraguai deverá assegurar a detração do tempo em que o extraditando

permanecer preso no Brasil por força do pedido formulado. 14. Extradição deferida.

RELATÓRIO: Trata-se de extradição instrutória, encaminhada pelo Ministro de Estado da Justiça e requerida, por via diplomática, pelo Governo do

Paraguai, com base no Acordo de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul, promulgado pelo Decreto nº 4.975, de 30 de janeiro de 2004, em

que se pede a extradição do nacional paraguaio **. Colhe-se da Nota Verbal nº 3/055/2015 que o extraditando está sendo processado naquele país por suposta participação em dois crimes de

homicídio doloso executados em 16.10.14 contra as vítimas ** e **, no Departamento de Canindeyú, República do Paraguai.

Por meio da Resolução Fiscal nº 55, de 18.10.14, o Ministério Público do Paraguai ordenou a detenção preventiva do extraditando e solicitou ao Juizado Penal de Garantias de Curuguaty, Departamento de Canindeyú, a declaração de revelia e a sua detenção, por homicídio doloso (art. 105,

parágrafos 1º e 2º, incisos 2 e 4, do Código Penal Paraguaio), “em conformidade com a ata de imputação nº 55, do dia 29 de outubro do ano 2014” (fl.

212). Em 30.10.14, o Juizado Penal de Garantias de Curuguaty, nos autos da “causa nº 1.527/2014”, declarou a revelia do extraditando e ordenou sua

captura, com fundamento no art. 82 do Código de Processo Penal Paraguaio (fls. 215/218). Posteriormente, em 6.11.14, o mesmo Juizado expediu ordem

de captura internacional do extraditando (fl. 224). Em 6.3.15, nos autos da PPE nº 741, decretei a prisão preventiva do extraditando, por entender preenchidos os requisitos previstos no Acordo

de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul e, nessa mesma data, a Polícia Federal cumpriu o respectivo mandado de prisão.

Em 9.3.15, nos termos do art. 21-A do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, deleguei competência ao Magistrado Instrutor Rodrigo Capez, convocado para atuar em meu Gabinete, para interrogar o extraditando.

Em 8.5.15, o extraditando foi interrogado (fls. 345/347) e apresentou sua defesa (fls. 375/392), instruindo-a com documentos (fls. 396/530).

Sustenta o extraditando, em síntese, sua condição de brasileiro nato, por ter nascido no município de Paranhos, Estado do Mato Grosso do Sul, em cujo Serviço de Registro Civil foi tardiamente registrado em 5.12.88, por ordem judicial, assim como o foram cinco de seus irmãos.

Aduz, em sua defesa, para comprovar sua nacionalidade brasileira, que seus pais se casaram em 7.3.67 no município de Caarapó/MS e, em

12.11.81, registraram seu irmão ** no Serviço de Registro Civil de Paranhos. Acrescenta que seus próprios filhos,** ** e **, nascidos no município de Paranhos em, respectivamente, 1º.1º.05 e em 25.11.97, também são brasileiros natos.

A seu ver, o fato de seus pais, seus filhos e seus irmãos terem sido registrados no Brasil e possuírem documentos relacionados a sua condição

de brasileiros (título de eleitor, CPF, cartão nacional de saúde), bem como o fato de ser proprietário de uma motocicleta registrada no Brasil, comprovariam ser ele brasileiro, tanto mais que sua cédula de identidade foi expedida em 20.6.2000 pela Secretaria de Segurança Pública do Mato

Grosso do Sul, ao passo que sua cédula de identificação paraguaia foi expedida, posteriormente, em 19.12.03.

Alega, ainda, a falsidade de seu registro civil no Paraguai, aduzindo que ele próprio mandou falsificá-lo e o utilizou para eleger-se vereador e prefeito da cidade paraguaia de Ypejhu. Insurge-se, ainda, contra as certidões supostamente comprobatórias de seu nascimento no Paraguai,

apresentadas pelo Estado Requerente.

Ante o exposto, requer o indeferimento do pedido de extradição. O Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, opinou pelo deferimento do pedido de extradição (fls. 534/579).

Informativo 798-STF (17/09/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 11

Assevera Sua Excelência, em seu parecer, que todas as provas indicam que o extraditando é nacional paraguaio e que seu assento de

nascimento no Registro Civil de Paranhos/MS, por ser ideologicamente falso, foi cancelado por decisão do juízo da Vara Única da Comarca de Sete

Quedas/MS, que antecipou os efeitos da tutela jurisdicional em ação anulatória de registro civil proposta pelo Ministério Público, o que afasta a presunção de sua veracidade.

Considerando-se que a Procuradoria-Geral da República, em seu parecer, juntou novos documentos, determinei à defesa que sobre eles se

manifestasse no prazo de 3 (três) dias. O extraditando se manifestou por intermédio da petição nº 32.050/15 – STF, reiterando sua condição de brasileiro nato, nos termos do art. 12,

I, da Constituição Federal, por haver nascido no Brasil, mais precisamente no domicílio de **, conforme depoimento por si prestado, na condição de

testemunha, perante o juízo da Vara de Sete Quedas, nos autos da ação anulatória de registro civil. Requer, outrossim, seja requisitada ao referido juízo cópia da gravação dessa audiência (fls. 573/580).

Por intermédio da petição nº 36.439/15, a Procuradoria-Geral da República, informou que “novos documentos, obtidos após o parecer

oferecido nessa extradição tornam inequívoca a falsidade do registro brasileiro”, esclarecendo que, por determinação do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, foi expedido ofício ao Hospital Municipal de Paranhos/MS para que informasse se a genitora do extraditando nele teria sido atendida

nos anos de 1974, 1975 e 1976, sendo que a resposta foi negativa. Por fim, com relação ao extraditando, o mesmo hospital informou haver o registro

de seu atendimento apenas em 29.2.08. À vista dessa petição e dos novos documentos que a instruíram, determinei que a defesa sobre eles se manifestasse em 3 (três) dias.

A Secretaria Judiciária certificou o decurso, in albis, do prazo assinalado à defesa.

Por intermédio da petição nº 41.454/15 – STF, a defesa do extraditando alegou ter sido errônea a intimação do advogado **, OAB/MS nº **,

para se manifestar sobre os novos documentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República, ao fundamento de que referido advogado

substabeleceu seus poderes ao advogado , OAB/MT nº **.

Requereu, ainda, fosse realizada nova intimação, na pessoa desse último, para a manifestação em questão (fls. 639/641). Esse pedido foi por mim indeferido, pelos seguintes fundamentos:

“Conforme se observa do instrumento de fl. 346, o advogado **, OAB/MS nº ** substabeleceu, com reserva de iguais poderes, o

mandato ao advogado **, OAB/MT nº **.

Válida, portanto, a intimação feita em nome do primeiro advogado. Como já tive a oportunidade de assentar, realizada a intimação em nome de advogado constituído pelo réu, que teria outorgado

substabelecimento, com reserva de poderes, a outro defensor,

‘(...) inegável a jurisprudência da Corte no sentido de que, ‘quando a parte tem mais de um advogado, basta que a intimação

seja realizada em nome de um deles. Se o advogado, ao outorgar o substabelecimento com reserva de poderes, não o faz para o substabelecido acompanhar especificamente a tramitação do processo na superior instância e nem, tampouco, requer que o nome dele

figure nas publicações, inclusive para efeito de intimação, pertinentes ao julgamento da causa, reputa-se inocorrente a invalidade da

intimação’ (HC nº 79.592/MT, Primeira Turma, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 12.5.2000). No mesmo sentido o MS nº 21.209/DF-AgR, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Nelson Jobim, DJ de 3/12/04’ (RHC 118.132/SP, Primeira Turma, de minha

relatoria, DJe de 29.11.13).

Ademais, ‘nos termos da orientação firmada nesta Corte, é válida a intimação realizada em nome de um dos advogados constituídos

pela parte, sendo desnecessária a intimação de todos eles’ (AI nº 726.743/MG-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 5.4.11).

Registro que, no substabelecimento, além da reserva de iguais poderes, não se ressalvou que as intimações deveriam ser feitas

exclusivamente na pessoa do advogado substabelecido, o que afasta a pretendida nulidade da intimação.

No mesmo sentido, destaco trecho do voto condutor do HC nº 114.846/SP-ED, Primeira Turma, Relator o Ministro Roberto Barroso,

DJe de 19.12.14):

‘Conclui-se, portanto, que no substabelecimento não foi mencionado que as intimações deveriam ser exclusivamente no nome do impetrante e, assim, poderia haver intimação no nome de qualquer advogado constituído. Nessa linha é jurisprudência desta Corte

que considera ‘válida a intimação das decisões que inadmitiram os recursos extraordinário e especial interpostos pela defesa em nome

de um dos advogados constituídos pela Paciente, uma vez que, pelos documentos dos autos, não há pedido expresso para intimação exclusiva no nome do Impetrante’ (HC 102.575. Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia)’.

Registro, por fim, que a defesa do extraditando, por intermédio da petição nº 41.455/15-STF, subscrita pelo advogado

substabelecido, efetivamente se manifestou sobre os novos documentos juntados pelo Ministério Público Federal, o que torna prejudicado

o pedido de renovação do prazo para essa finalidade” (grifei).

A defesa do extraditando, por intermédio da referida petição nº 41.455/15-STF, após se manifestar sobre os documentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República, reiterou o pleito de indeferimento do pedido extradicional, aduzindo que, além de ser brasileiro nato pelo critério do

jus solis, por ter nascido em território brasileiro (art. 12, I, a, CF), também o seria pelo critério do jus sanguinis, ao fundamento de que seus pais são

brasileiros e se casaram em 7.3.67, na cidade de Caarapó, Mato Grosso do Sul (fls. 645/667).

É o relatório.

VOTO: Conforme relatado, trata-se de extradição instrutória requerida pelo Governo do Paraguai fundada em título prisional preventivo expedido em

desfavor do extraditando ** no país requerente.

De acordo com a Nota Verbal nº 3/055/2015, o extraditando está sendo processado naquele país por ter sido o suposto mandante de dois homicídios qualificados executados em 16.10.14 contra as vítimas ** ** e ** **, no Departamento de Canindeyú, República do Paraguai.

Preliminarmente, indefiro a conversão do julgamento em diligência requerida pelo extraditando (fls. 579/580) para a requisição de mídia

contendo a gravação da audiência realizada na ação anulatória de seu registro civil brasileiro, uma vez que a defesa já promoveu a juntada dos termos de depoimentos prestados pelas testemunhas de seu interesse (fls. 581/590).

A providência reclamada, portanto, é irrelevante para a instrução do feito.

Superada essa preliminar, a questão a ser enfrentada, por ser prejudicial ao exame de mérito, é a da nacionalidade do extraditando. O extraditando confessou ter dois assentos de nascimento: o primeiro, lavrado no Paraguai, em nome de **, e o segundo, lavrado muitos anos

anos depois, no Brasil, em nome de **.

Como os dois registros apontam que o extraditando nasceu, na mesma data, em ambos os países, a impossibilidade lógica de sua

coexistência é manifesta. Os peritos da Polícia Federal, por meio de exame papiloscópico, constataram que as individuais datiloscópicas do extraditando identificam-se

com as de **, identificado civilmente no Estado de Mato Grosso do Sul sob nº ** (vide laudo da perícia papiloscópica nº 15/2015 no apenso 01). Os peritos, apesar da baixa qualidade da digitalização das individuais datiloscópicas em nome de **, encaminhadas pela INTERPOL,

comprovaram ainda “que a classificação datiloscópica das impressões digitais do prontuário em nome de ** é coincidente com a classificação

Informativo 798-STF (17/09/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 12

primária das impressões digitais constantes na individual datiloscópica em nome de **” (vide laudo pericial nº 3/2015, às fls. 16/17, e laudo de

perícia papiloscópica nº 15/2015, no apenso 01, grifo nosso).

É incontroverso, portanto, que o suposto nacional brasileiro ** e o suposto nacional paraguaio ** são a mesma pessoa. Resta saber se é verdadeiro o assento de nascimento lavrado no Brasil, o que se erigiria em óbice à extradição, haja vista que, nos termos do

art. 5º, LI, da Constituição Federal,

“nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização ou de

comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”.

A resposta é desenganadoramente negativa. Nos termos do art. 1.604 do Código Civil, “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-

se erro ou falsidade do registro”.

Na Ext. nº 1.141/República Oriental do Uruguai-QO, Pleno, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 7.10.14, discutiu-se a existência de dúvida a respeito da nacionalidade do extraditando, registrado civilmente no Uruguai, cinco anos após o seu nascimento, e no Brasil, dezesseis anos

após o seu nascimento.

Nesse julgamento, observou o Ministro Celso de Mello que

“(...) o extraditando suscitou uma questão prejudicial, que é altamente relevante, porque concerne à alegada titularidade, por ele, da condição jurídica de brasileiro nato.

Essa questão prejudicial, se acolhida, representará insuperável obstáculo ao conhecimento da ação de extradição passiva, pois

encontra fundamento na própria Constituição, que proclama a inextraditabilidade do brasileiro nato (CF, art. 5º, inciso LI). Como aqui salientou o eminente Ministro CEZAR PELUSO, o registro civil produz todos os seus efeitos enquanto não for

desconstituído. Essa é uma regra básica que prevalece em matéria registral. Há, aí, uma presunção ‘juris tantum’, meramente relativa, de

legitimidade do ato registral. A cessação da eficácia jurídica do assento de nascimento em causa, lavrado por órgão competente do Registro Civil das Pessoas

Naturais, depende, para efetivar-se, de desconstituição ordenada por autoridade judiciária.

Até que sobrevenha essa desconstituição judicial, subsiste, no que concerne ao mencionado assento de nascimento, a presunção de legitimidade e de veracidade de referido ato estatal, cuja fé pública – é importante salientar – é resguardada pela própria Constituição

Federal, como resulta claro da norma inscrita em seu art. 19, inciso II.

Considerada a presunção de legitimidade e de veracidade que resulta do ato registral em questão, tenho sérias dúvidas a propósito da

subsistência da prisão cautelar, mesmo aquela de caráter domiciliar, do ora extraditando, pois milita, em favor deste, a condição jurídica de

brasileiro nato, como o evidencia certidão de nascimento extraída do Registro Civil das Pessoas Naturais de Bento Gonçalves/RS”.

E, mais adiante, aduziu que

“[a] questão básica consiste em saber se o assento de nascimento, ainda que tardiamente lavrado em órgão competente do Registro

Civil das Pessoas Naturais no Estado do Rio Grande do Sul, teria sido, ou não, desconstituído por decisão judicial, pois, enquanto tal não

ocorrer, esse ato registral produzirá todos os seus efeitos jurídicos, notadamente aquele que atribui a condição de brasileiro nato à pessoa a

que se refere”.

Na espécie, o juízo da Vara Única da Comarca de Sete Quedas/MS, em ação anulatória de registro civil ajuizada pelo Parquet estadual, deferiu pleito de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional e cancelou o assento de nascimento do extraditando no Brasil, in verbis:

“Trata-se de ação anulatória de registro civil ajuizada pelo Ministério Público Estadual em face de **, paraguaio, que atualmente

encontra-se no prédio da Polícia Federal em Campo Grande. Aduziu, em apertada síntese, que o requerido é paraguaio e foi registrado

naquele país na cidade de Ypehu, tendo nascido no dia 13.07.1975, filho de ** e **. Acontece que além da certidão de nascimento paraguaia, o requerido possui certidão de nascimento brasileira, desta feita com o nome de **, com a mesma data de nascimento e nome dos pais,

apenas com a menção de que o nascimento ocorreu na cidade de Paranhos.

Apontou ainda como prova de que o requerido é paraguaio e a certidão de nascimento brasileira não condiz com a realidade o fato dele ter ocupado até pouco tempo atrás o cargo de representante do executivo da cidade paraguaia de Ipehu, dele saindo apenas após ser

acusado pelos órgãos de segurança pública do Paraguai de ser o mandante do assassinato do jornalista ** e da estudante de jornalismo **.

Pediu tutela antecipada para anular o registro civil do requerido, diante da sua inveracidade. Com a inicial vieram documentos. (…)

No caso em tela não há dúvida de que o assento de nascimento lavrado perante o cartório de registro civil de Paranhos é inválido, na

medida em que não representa a realidade. Primeiro, há de se apontar a existência de certidão de nascimento feita no Paraguai, mais precisamente em Ypehu (cidade que faz

fronteira seca com Paranhos) apontando nascimento de ** no dia 13.07.1975, filho de ** e **, sendo tal documento emitido em 09.12.1978.

De outro lado, consta no registro civil de Paranhos o assento - que se pretende anular - de **, filho de ** e **, também nascido no dia 13.07.1975, mas do lado de cá da fronteira, na cidade de Paranhos, pertencente a esta comarca. O documento brasileiro foi feito em

05.12.1988, diante de processo de registro tardio.

Em que pese pequena diferença do nome do autor e de seus pais entre o registro paraguaio e o brasileiro, decorrente basicamente da inserção na certidão brasileira do sobrenome **, dúvida não paira de que se trata da mesma pessoa.

O laudo pericial feito pela Polícia Federal, ainda que diante da baixa qualidade da digitalização do documento oriundo do Paraguai,

não tenha feito o confronto integral, aponta que as classificações datiloscópicas primárias são coincidentes, entre o documento de identificação civil feito no Paraguai por ** e no Brasil por **.

Reforça ainda mais a presente convicção o fato de que seria uma extrema coincidência duas pessoas com nome praticamente iguais,

com nome dos pais praticamente iguais, terem nascido no mesmo dia, cada qual de um lado da fronteira, mormente na década de 1970, oportunidade em que a região era ainda menos povoada.

O requerido ao depor na Polícia Federal diz que nasceu no Hospital de Paranhos, informação que não corresponde [à] de sua

certidão de nascimento, onde figura nascimento em domicílio paterno. Aliás, pouco crível o registro tardio de criança nascida em hospital. Segue agora o maior fundamento para ter a certeza de que o requerido é paraguaio, não brasileiro, pois além de seu registro de

nascimento ter sido feito no Paraguai muito antes do que no Brasil, o próprio requerido admitiu que já foi vereador e prefeito de Ypehu, o que

somente poderia acontecer se fosse paraguaio. Também no depoimento prestado perante a Polícia Federal na data de hoje o requerido admite que deixou o cargo de prefeito diante da acusação de ser o mandante do assassinato de um jornalista e uma estudante de jornalismo.

Basta uma simples conferida nos sítios do Paraguai para conferir que o prefeito de Ypehu que foragiu após ser acusado de mandante

de crime de homicídio é a pessoa de **, conhecido pelo apelido de **, não o seu nome brasileiro **.

Informativo 798-STF (17/09/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 13

Não pode, infelizmente seja bastante comum nesta região de fronteira, sobretudo diante da generosidade da avaliação da prova no

registro tardio no afã de facilitar o acesso à cidadania das pessoas, o sujeito nascido na República do Paraguai e lá registrado, ter outro

documento de registro civil, como se nascido fosse em território brasileiro. Eis, mais que demonstrada, a verossimilhança.

O fundado receito de dano irreparável ou de difícil reparação também está presente, na medida em que há necessidade de

desconstituição do assento de nascimento em questão para que seja levado a cabo o procedimento de extradição do réu, para que em território paraguaio responda às acusações que lhe são dirigidas.

Ante o exposto, defiro o pleito de antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional para o fim de cancelar o assento de nascimento de **,

filho de ** e **, nascido aos 13.07.1975, matrícula n° 0628440255 1988 1 00007 123 0004348 96.”

Desta feita, diversamente da controvérsia retratada na citada Ext nº 1.141/República Oriental do Uruguai-QO, a validade do registro civil do

extraditando no Brasil é objeto de ação própria na Justiça Comum Estadual e os efeitos que dele emanam foram suspensos por decisão

judicial. Como foi judicialmente afastada a presunção juris tantum de veracidade do ato registrário brasileiro, por decisão que, embora provisória,

continua a projetar seus efeitos, não há óbice à análise do mérito do pedido de extradição.

Nesse particular, embora esta não seja a sede própria para a determinação da real nacionalidade do extraditando, inúmeros elementos

de prova constantes destes autos reforçam a convicção de que ele é natural do Paraguai, corroborando a decisão de primeiro grau pelo

cancelamento de seu registro civil tardio brasileiro.

De acordo com a Direção Geral do Registro do Estado Civil do Ministério da Justiça do Paraguai, o extraditando **, filho de ** e de **,

nasceu em 13 de julho de 1975 na cidade de Ypejhu, no Paraguai, e foi registrado naquele órgão em 9 de dezembro de 1978 (vide certidões de “ata de nascimento” às fls. 100 e 102 e as respectivas traduções às fls. 101 e 103).

Diversamente do que sustenta a defesa, não há qualquer dúvida de que 9 de dezembro de 1978 é a efetiva data da inscrição do extraditando no

registro civil paraguaio. Com efeito, a data de 17 de março de 1988, constante da certidão de nascimento de fl. 102, é tão somente a data de emissão desse documento.

Por óbvio, a data de emissão de certidão de nascimento não se confunde com a data da lavratura do próprio assento de nascimento.

E não é só. O extraditando é eleitor inscrito na Justiça Eleitoral paraguaia (fl. 139) e, em 2.3.90, foi registrado civilmente, sob nº 2.675.907, no

Departamento de Identificações da Polícia do Paraguai, constando desse registro que ele nasceu em Ypejhu, naquele País, em 13 de julho de 1975 (fl.

96). Outrossim, o extraditando foi vereador, na legislatura 2006/2010, e Prefeito, de 2010 a 2014, da cidade de Ypejhu, no Paraguai. Não obstante

esse último mandato se estendesse a 2015, o extraditando abandonou o cargo e se evadiu do Paraguai, após a decretação de sua prisão preventiva

pelos homicídios a ele ora imputados. Observo que sua eleição para Prefeito de Ypejhu foi impugnada pelo candidato oponente, ao fundamento de que teria dupla nacionalidade,

brasileira e paraguaia.

Na contestação apresentada ao Tribunal Eleitoral Paraguaio, o extraditando asseverou que era paraguaio nato e se chamaria **, negando,

por outro lado, que se chamasse ** e fosse brasileiro (fls. 154/160).

Aliás, o extraditando constituiu, por instrumento público, os advogados que o defenderam naquela causa eleitoral e, perante a “escrivã

juramentada” (tabeliã), identificou-se como o paraguaio **, apresentando cédula de identidade paraguaia (fls. 161/162).

Também ao ser ouvido pelo Ministério Público do Paraguai em investigações referentes a outros homicídios, o extraditando, em duas ocasiões

distintas (17.2.11 e 18.2.11), qualificou-se como **, paraguaio, natural de Ypejhú (fls. 199 e 202). Ao propor ação penal privada contra o jornalista **, por crimes contra sua honra, o extraditando, mais uma vez, qualificou-se como paraguaio,

assinando a peça inicial conjuntamente com seu advogado (fls. 110/120).

Ao ser interrogado, o extraditando procurou fazer crer que nasceu em Paranhos/MS, mas admitiu que nunca estudou no Brasil e que somente

frequentou escolas paraguaias. Acrescentou que seu pai reside, de longa data, no Paraguai, onde também residia sua falecida mãe.

Outrossim, o único imóvel de que é titular, conforme declarou ao ser interrogado, situa-se no Paraguai.

O extraditando, em sua defesa, alega que seu registro civil paraguaio é falso, mas a justificativa por ele apresentada para essa suposta falsidade é pueril.

Em seu interrogatório, ao ser indagado sobre o motivo de ter sido registrado no Paraguai, o extraditando alegou que, “na época, vendia leite na

rua” e o registrador paraguaio era seu cliente. “Todo dia ele brincava comigo e um dia perguntou se eu tinha registro e eu falei que não”. “Quando eu tinha doze anos ele emitiu esse documento”. Alegou que, embora feito esse registro em 1988, ele foi falsamente antedatado para 1978.

Essa versão, além de inverossímil, é mendaz, por contrastar com a data em que, consoante já exposto, foi lavrado o seu assento civil no

Paraguai: 9 de dezembro de 1978, quando tinha apenas três anos de idade. Conforme também já demonstrado, 1988 é, tão somente, o ano de emissão de uma das certidões de nascimento paraguaias que instruem o presente feito, e não o ano de lavratura do respectivo assento.

À vista de tão robustos elementos de convicção, o extraditando, indubitavelmente, é paraguaio nato, por ter nascido em solo

paraguaio. Não se olvida que, por decisão do Juiz de Direito **, da Comarca de Amambaí, Mato Grosso do Sul (à qual, à época, pertencia o Município de

Paranhos) foi lavrado, em 5 de dezembro de 1988, o assento tardio de nascimento do extraditando no Serviço de Registro Civil de Paranhos, onde foi

registrado como **, filho de ** e de **, nascido em 13 de julho de 1978, em Paranhos, no domicílio materno (fls. 395/400). Esse registro, todavia, como já exposto, foi cancelado por decisão que antecipou os efeitos da tutela jurisdicional em ação anulatória de

registro civil proposta pelo Ministério Público.

Por sua vez, embora, na averbação feita à margem do assento de nascimento, conste que o “registro foi feito de acordo com o despacho do MM. Juiz de Direito Dr. **, da Comarca de Amambaí, em 09-11-88, arquivado neste Cartório” (fl. 400), o oficial do registro, sintomaticamente, não

encontrou em seus arquivos o requerimento de registro tardio e nem a decisão que o autorizou (fls. 397/398 e fl. 73 dos autos da PPE nº 741).

E não é só: o distribuidor da Comarca de Amambaí também não registra qualquer feito em nome do extraditando (fl. 74 dos autos da PPE nº 741).

É certo que, de acordo com o registrador civil de Paranhos, o juiz corregedor dessa serventia, àquela época, despachava no próprio

requerimento de registro tardio e o devolvia ao registrador, sem maiores formalidades, para arquivamento em pasta própria. Ocorre que, como ressaltado, essa pasta também não foi localizada (fl. 399).

Sintomático, ainda, que o extraditando, ao ser ouvido na Polícia Federal, tenha declarado haver nascido no hospital de Paranhos/MS, quando o

registro tardio de nascimento brasileiro aponta que ele teria nascido no domicílio materno, supostamente situado naquele município. Nesse particular, o extraditando, ao ser interrogado em juízo na presente extradição, alegou ter nascido no domicílio materno, em Paranhos.

Ocorre que a defesa promoveu a juntada de termo de depoimento de **, testemunha de defesa nos autos da ação anulatória de registro civil do

extraditando, que apresentou uma terceira e inovadora versão: a de que o extraditando teria nascido no domicílio dessa testemunha (fls. 589/590).

Informativo 798-STF (17/09/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 14

Por sua vez, o Hospital Municipal de Paranhos/MS, de acordo com novos documentos apresentados pelo Procurador-Geral da República,

informou não haver nenhum registro de atendimento de **, genitora do extraditando, nos anos de 1974, 1975 e 1976 (fls. 627/628).

Todas essas contradições evidenciam, uma vez mais, a falsidade do registro tardio brasileiro do extraditando, e sepultam a versão de que teria nascido no Brasil.

Também não se olvida que a defesa, em abono à tese de que o extraditando seria brasileiro nato, apresentou fotocópias de certidão de

casamento e de cédulas de identidade (fls. 405/409) para demonstrar que seu pai, **, seria natural de Ponta Porã/MS; sua mãe, **, seria natural de Caarapó/MS e que ambos teriam se casado no Serviço de Registro Civil de Caarapó.

Ocorre que a certidão de fl. 107 comprova que a avó paterna do extraditando, **, é paraguaia, natural de Ypejhu, mesmo município em que

nasceu o extraditando, e registrou seu filho ** (pai do extraditando), em 9 de outubro de 1948, no serviço de registro civil de Ypejhu,

declarando que ele havia nascido em sua casa, naquela localidade.

Logo, além de fundada dúvida a respeito da nacionalidade brasileira de seu pai, o que milita em seu desfavor, há prova documental de que o

extraditando, seu genitor e sua avó paterna são paraguaios e nasceram em Ypejhu. Todas essas dúvidas se estendem, inevitavelmente, à própria identidade de sua genitora.

O fato de, conforme sustenta sua defesa, o extraditando haver recebido atendimento médico em hospital de Paranhos/MS em 2006, 2008 e

2009, e de ter dois filhos nascidos nesse município (fls. 426 e 429) não infirma a conclusão de que o extraditando é natural de Ypejhu, até porque essas cidades são contíguas, possibilitando a fronteira seca rápido e fácil deslocamento entre ambas.

O próprio extraditando, ao ser interrogado, declarou que, embora residisse no Paraguai, sempre buscava atendimento médico em Paranhos,

porque Ypejhu não tinha hospital.

Analogamente, o fato de ter, no Brasil, cédula de identidade (RG), inscrição no cadastro de pessoa física (CPF) e título eleitoral (fls. 434/435)

não abona a tese da nacionalidade brasileira, haja vista que se trata de documentos baseados no falso registro tardio brasileiro.

Como bem salientado pela Procuradoria-Geral da República em seu parecer,

“[i]nfelizmente, necessário consignar ser evento comum estrangeiros residentes na faixa de fronteira, fraudulentamente, conseguirem registro de nascimento no Brasil com o fito de usufruir dos serviços públicos brasileiros, principalmente os de saúde e previdência, e até

mesmo para envolvimento no tráfico ilícito de entorpecentes e de armas na faixa internacional de fronteira”.

O extraditando, repise-se, teve seu assento de nascimento lavrado no Paraguai apenas três anos após seu nascimento, foi registrado civilmente

na Polícia do Paraguai, sempre estudou nesse país, onde viveu a maior parte de sua vida, é eleitor paraguaio e foi eleito vereador e prefeito naquele País, com base em sua nacionalidade paraguaia.

O extraditando, portanto, sempre gozou, em sua plenitude, da nacionalidade paraguaia, a qual, agora, convenientemente, após se

evadir para o Brasil em razão dos graves crimes a ele imputados, rejeita. Por sua vez, a precedência do registro paraguaio sobre o registro brasileiro, com uma diferença de dez anos entre ambos, reforça a convicção

de que o extraditando é paraguaio nato, ao que se soma a circunstância de seu pai ter requerido o registro tardio no Brasil do extraditando e de seus

cinco irmãos de cambulhada (vide declaração do oficial de registro civil de Paranhos à fl. 73 dos autos da PPE nº 741), os quais, do mesmo modo

que o extraditando, já haviam sido precedentemente registrados no Paraguai (fls. 550/566).

A esse respeito, confira-se: **, nascido em 2/11/81 em Ipejhu, foi registrado civilmente no Paraguai em 17.4.82 (fl. 552); **, nascido em

Ipejhu em 10.8.79, foi registrado civilmente no Paraguai em 10.9.80 (fl. 555); **, nascido em Ipejhu em 25.9.76, foi registrado civilmente no Paraguai em 9.12.78 (fl. 558); **, nascida em Ipejhu em 9.3.69, foi registrada civilmente no Paraguai em 26.12.73 (fl. 561) e **, nascida em Ipejhu

em 1º.2.74, foi registrada civilmente no Paraguai em 9.12.78 (fl. 561).

Como se vê, o extraditando e seus irmãos (todos filhos do mesmo pai e da mesma mãe), nasceram em Ipejhu e foram registrados no

Paraguai, em datas diversas e relativamente próximas a seu nascimento, com larguíssima antecedência em relação ao registro civil tardio de

todos eles no Brasil, realizado de cambulhada, repita-se, numa mesma data, muitos anos após seu nascimento. Todos esses fatos, aos quais se acresce a existência de decisão judicial em que, embora provisoriamente, se cancelou seu registro de

nascimento brasileiro, ao fundamento de sua falsidade, corroboram, uma vez mais, a conclusão de que o extraditando é paraguaio nato.

Superada a questão da nacionalidade, passo ao exame de mérito da extradição. Por meio da Resolução Fiscal nº 55, de 18.10.14, o Ministério Público do Paraguai ordenou a detenção preventiva do extraditando e solicitou

ao Juizado Penal de Garantias de Curuguaty, Departamento de Canindeyú, “em conformidade com a ata de imputação nº 55, do dia 29 de outubro do

ano 2014”, a declaração de revelia e a sua detenção, por homicídio qualificado, nos termos do art. 105, §§ 1º e 2º, incisos 2º (“a ação coloc[ou] em perigo imediato a vida de terceiros”) e 4º (“de forma traiçoeira, aproveitando intencionalmente a condição indefesa da vítima”), do Código Penal

Paraguaio (fl. 212).

Em 30.10.14, o Juizado Penal de Garantias de Curuguaty, nos autos da “causa nº 1.527/2014”, declarou a revelia do extraditando e ordenou sua prisão, com fundamento no art. 82 do Código de Processo Penal Paraguaio (fls. 215/218). Posteriormente, em 6.11.14, o mesmo Juizado expediu

ordem de captura internacional do extraditando (fl. 224).

Os crimes ora imputados ao extraditando foram descritos na Resolução Fiscal nº 55 do Ministério Público do Paraguai (fls. 207/210). Por sua vez, o pedido de extradição formulado pelo Juizado Penal de Garantias de Curuguaty narra minudentemente as circunstâncias em que

os crimes foram praticados:

“”Segundo o Ministério Público, **, com o apelido **, de nacionalidade paraguaia, de 39 anos de idade, estado civil solteiro, nascido

no dia 13 de julho de 1975, na localidade de Ypejhu, domiciliado no bairro Virgen dei Rosário da cidade de Ypejhu, com cédula de identidade nº **, filho de ** e **; mantinha uma inimizade com ** , paraguaio, solteiro, de 58 anos de idade, com documento de identidade Nº **,

domiciliado na cidade de Curuguaty, jornalista, correspondente do jornal ABC COLOR e vítima do crime de homicídio.

A mencionada inimizade devia-se a que ** realizava constantes publicações jornalísticas contra **, a quem lhe atribuía supostas vinculações com o narcotráfico na zona, estas publicações foram feitas antes de sua eleição como Prefeito da cidade de Ypejhú e continuaram

as publicações estando ** em tal cargo. Por causa de tais publicações o senhor ** teria recebido ameaças de morte por parte do senhor **.

Pelos indícios e elementos coletados existentes na pasta de investigação, o Ministério Público sustenta que ** teria mandado chamar o seu irmão ** do Brasil para que, junto a seu sobrinho **, planificassem e realizassem o homicídio de **.

Assim sendo, tal plano foi executado no dia 16 de outubro do ano de 2014, quando **, sua assistente ** e a irmã da mesma **,

retornavam da colônia Crescendo González do Departamento de Canindeyú, depois de tirarem fotografias das pragas que atacavam o cultivo na zona.

Nesse sentido, sendo aproximadamente as 14:10 horas do dia 16 de outubro de 2014, a uma distância de oito quilômetros antes de

chegar à zona urbana da cidade de Villa Ygatimí, Departamento de Canindeyú, República do Paraguai, num caminho dessa zona que liga esta cidade e a Colônia Ko’e Porá, ** e **, utilizando vestimenta militar, haviam interceptado a caminhonete marca MITSUBISHI , modelo

L200, de cor branca, com chapa Nº **, conduzida por **.

Uma vez que o Senhor ** deteve a marcha acreditando que se tratavam de militares, estas pessoas que seriam ** e ** perguntaram se ele era **, o qual respondeu que sim era, e sem dizer mais realizaram vários disparos contra o chofer **, tais tiros também impactaram **, a

qual estava no banco dianteiro. Uma vez executados todos os tiros possíveis para ter como segura a morte de **, ambas pessoas fugiram.

Informativo 798-STF (17/09/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 15

Uma vez comunicado o fato, o agente fiscal se constituiu no local do acontecimento, acompanhado do médico forense de turno Dr. **,

quem constatou que ** já não apresentava sinais de vida, o corpo foi encontrado sentado no banco do motorista dentro do veículo; enquanto

que **, quem estava sentada no banco do passageiro e, ainda apresentava sinais de vida, pelo que foi derivada ao hospital de Curuguaty onde chegou sem sinais de vida. Entretanto, ** quem estava no banco de trás não apresentava lesões de bala, dado que pôde se jogar ao chão da

caminhonete.

Os corpos de ** e ** foram remetidos ao necrotério do hospital de Curuguaty, onde foi realizada a autopsia. O Médico Forense concluiu como causa da morte de ambas as vítimas “Destruição da massa encefálica por disparos de arma de tiro”. Igualmente, segundo o

informe da Divisão Criminalista da Polícia Nacional o Sr, ** recebeu impactos de projétil calibre 9mm e disparos de escopeta calibre 12mm

e a senhorita ** tinha recebido impactos de bala de 9mm. Assim sendo, perante o Ministério Público, prestou declaração como testemunha **, única sobrevivente, quem relatou as

circunstâncias de como aconteceu o fato; igualmente esta testemunha realizou um Reconhecimento de Pessoas por fotografias, em caráter de

Antecipação Jurisdicional de Prova (Prova Antecipada). E assim que, de todas as fotos mostradas para ** sobre os possíveis participantes do crime de HOMICÍDIO DOLOSO, ela reconheceu o rosto de um dos sujeitos que dispararam contra ** e **, tal fotografia corresponde a **,

quem logo foi imputado e cuja revelia foi solicitada por Requerimento Fiscal nº 55 de data 16.10.14, o mesmo, até a presente data encontra-se

foragido e com ordem de captura internacional. Com relação à inimizade existente entre a vítima ** e ** existem vários elementos, como são as constantes publicações nas quais ** o

atribuía como suposto nexo com o tráfico de drogas na zona de fronteira com o Brasil e o cometimento cie alguns crimes de homicídio na

zona de Vil Ia Ygatimí e Ypejhú.

Segundo a informação dada pela Polícia Nacional, logrou-se identificar a ** como o outro participante do homicídio. Nesse sentido, o

pessoal policial designado para a investigação entrevistou um morador das redondezas do lugar do crime, quem manifestou ter visto ** na

casa de um vizinho seu, a quem o escutou perguntar se o motorista da caminhonete que passava nesse momento era **[.] Por outro lado, **, uma vez que confirmou que a pessoa que dirigia a caminhonete era **, teria ligada para ** e ** para comunicar-

lhes esta informação. Esta afirmação se desprende do registro e intercâmbios de ligações telefônicas com que conta o Ministério Público.

Uma vez cumprida com esta missão de acompanhamento, por instrução de **, ** seguiu a caminhonete de **, ultrapassou a mesma e foi encontrar-se com **, para esperar a passagem da caminhonete da vítima. Enquanto isso ** ficou na cidade de Ypejhú, esperando a

ligação de confirmação do homicídio de **.

Cabe assinalar que mediante as evidências coletadas foi possível confirmar que houve várias comunicações entre os imputados, antes, durante e de maneira posterior ao cometimento do crime. ** utilizava o número telefônico**, para comunicar-se constantemente com **,

enquanto que este utilizava o número telefônico N° **, cujo titular da linha era seu chofer ** enquanto que ** utilizava a linha telefônica Nº

**. No dia 08 de dezembro de 2014, sendo aproximadamente 08:00 horas foi detido ** (chofer de **) imputado na presente causa, quem

no momento de dar sua declaração manifestou que no dia 16.10.2014, sendo aproximadamente as 11:00 horas recebeu no número ** a

ligação de ** quem lhe solicitou que passasse a comunicação com **. Acrescentou que escutou a comunicação entre os citados onde **, escutou que confirmou a ** que o senhor ** estava na zona, desde esse momento ficou com seu telefone celular. Posteriormente, ** chamou

** perguntando-lhe se terminou com ‘o trabalho’, e em seguida escutou ** dizer ‘beleza pura’ e desligou a ligação. Igualmente recalcou que

o aparelho celular com o número citado era utilizado pelo seu patrão o cidadão paraguaio **. Também pôde-se confirmar as localizações dos celulares de **, ** e **, mediante o relatório das antenas ou células das telefonias. Em

tal sentido, conforme esta análise, ** e ** foram localizados no lugar e hora do crime, enquanto que ** foi localizado na cidade de Ypejhú na hora em que aconteceu o crime.

Portanto, de acordo com as diligências realizadas na presente causa, para o Ministério Público surgem sérias suspeitas sobre a

participação de ** no crime de Homicídio contra ** e **, fato em que também estão envolvidos como autores diretos: ** e **. Conforme o exposto sustenta-se que ** teria mandado seu irmão ** e a seu sobrinho **, para que acab[ass]em com a vida de **, os quais assim o

realizaram.”

O pedido de extradição, portanto, foi devidamente instruído pelo Estado requerente com cópia da ordem de prisão expedida por autoridade

judiciária competente, havendo indicações seguras a respeito do local, da data, da natureza e das circunstâncias dos fatos delituosos (art. 80 da Lei nº 6.815/80 e art. 18 do Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul).

O Estado requerente possui competência para a instrução e o julgamento dos crimes imputados ao extraditando, descritos nos documentos que

instruem a Nota Verbal nº 3/055/2015, pois eles foram praticados em seu território (art. 78, I, da Lei nº 6.815/80). Os crimes também não possuem qualquer conotação política, afastando-se, portanto, a vedação do art. 77 da Lei nº 6.815/80 e do art. 5º do

Acordo de Extradição entre os Estados Parte do Mercosul.

Neste particular, na Ext. 524, Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 8/3/91, ressaltou-se que

“a noção de criminalidade política é ampla. Os autores costumam analisá-la em face de posições doutrinárias que reduzem a teoria do crime político a um dualismo conceitual, que distingue, de um lado, o crime político absoluto ou puro (é o crime político em sentido próprio)

e, de outro, o crime político relativo ou misto (é o delito político em sentido impróprio). Aquele, traduzindo-se em ações que atinjam a

personalidade do Estado, ou que buscam alterar-lhe ou afetar-lhe a ordem política e social (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., p.

609; Francisco de Assis Toledo, ‘Princípios básicos de Direito Penal’, p. 135, item 119, 3ª ed., 1997, inter plures); este – o crime político em

sentido impróprio – embora exprimindo uma concreta motivação político-social de seu agente, projeta-se em comportamentos geradores de

uma lesão jurídica de índole comum”.

Por sua vez, na Ext. 1.085, Pleno, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de 16.4.10, o Supremo Tribunal Federal decidiu que homicídio praticado em plena normalidade institucional de Estado Democrático de direito, desvestido de propósito político imediato ou conotação de reação

legítima a regime opressivo, não caracteriza crime político. Transcrevo, na parte que interessa, a ementa desse julgado:

“EXTRADIÇÃO. Passiva. Crime político. Não caracterização. Quatro homicídios qualificados, cometidos por membro de

organização revolucionária clandestina. Prática sob império e normalidade institucional de Estado Democrático de direito, sem conotação

de reação legítima contra atos arbitrários ou tirânicos. Carência de motivação política. Crimes comuns configurados. Preliminar rejeitada.

Voto vencido. Não configura crime político, para fim de obstar a acolhimento de pedido de homicídio praticado por membro de organização

revolucionária clandestina, em plena normalidade institucional de Estado Democrático de direito, sem nenhum propósito político imediato ou conotação de reação legítima a regime opressivo (...)”.

Como destacado no voto condutor desse acórdão, em lição inteiramente aplicável à espécie,

“(...) a natureza dos delitos pelos quais o extraditando foi condenado, marcados sobremaneira pela absoluta carência de motivação

política, intensa premeditação, extrema violência e grave intimidação social, não se afeiçoa de modo algum ao modelo conceptual de delito

político que impede a extradição de súditos estrangeiros, ao menos nos contornos definidos e consolidados pela Corte nos precedentes já mencionados (EXT nº 493, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 03.08.1990; EXT nº 694, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, DJ de

Informativo 798-STF (17/09/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 16

22.08.1997; EXT nº 794, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ de 24.05.2002 e EXT nº 994, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de

04.08.2006).

(...) Os homicídios dolosos, cometidos com premeditação pelo ora extraditando, não guardam relação próxima nem remota com fins

altruístas que caracterizam movimentos políticos voltados à implantação de nova ordem econômica e social. Revelam, antes, puro intuito de

vingança pessoal, enquanto praticados contra dois policiais, cujas funções eram exercidas em presídios que abrigavam presos políticos e comuns (i), e dois comerciantes que teriam reagido a anteriores tentativas de assalto a seus estabelecimentos (ii)”.

Nesse contexto, e não obstante o extraditando, ao ser interrogado, tenha procurado dar coloração política às acusações contra ele deduzidas,

não resta a menor dúvida de os crimes a ele imputados (homicídios de um jornalista e de sua assistente, mediante recurso que impossibilitou a sua

defesa), são despidos de natureza política e se inserem na criminalidade comum. O requisito da dupla tipicidade foi preenchido, haja vista que os fatos encontram correspondência no art. 121, § 2º, IV, do Código Penal

Brasileiro.

Também se encontra presente o requisito da dupla punibilidade, haja vista que não ocorreu a prescrição da pretensão punitiva sob a óptica da legislação de nenhum dos Estados (art. 77, VI, da Lei nº 6.815/80 e art. 9º do Acordo de Extradição).

O homicídio doloso, em sua forma qualificada, é punido, nos termos do art. 105, §§ 1º e 2º, do Código Penal Paraguaio, com pena máxima de

trinta anos. Outrossim, de acordo com o art. 102, § 1º, do Código Penal Paraguaio, a prescrição da pretensão punitiva se verifica em quinze anos, quando

prevista pena máxima igual ou superior a quinze anos; em três anos, quando prevista pena privativa de liberdade de até três anos ou multa e, nos

demais casos, no mesmo tempo da pena máxima privativa de liberdade (fl. 253). Como os fatos imputados ao extraditando ocorreram em 16/10/14 não ocorreu, segundo a legislação paraguaia, prescrição.

Do mesmo modo, à luz da legislação brasileira, não se operou essa causa de extinção da punibilidade, uma vez que a pena máxima cominada

ao homicídio doloso qualificado também é de trinta anos de reclusão (art. 121, § 2º, IV, do Código Penal), cuja prescrição se verifica, nos termos do art. 109, I, do Código Penal, em vinte anos.

Portanto, sob todos os ângulos, não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva.

O extraditando, ao ser interrogado, negou ter sido o mandante do duplo homicídio, alegando que essa imputação deriva do fato de ter movido uma ação penal contra a vítima ** por crimes contra sua honra. Disse que sofria perseguição política, acrescentando que era do Partido Colorado, ao

passo que a referida vítima era do partido Liberal, de oposição.

Descabe, todavia, incursionar no mérito dessas alegações. Esta Suprema Corte tem, reiteradamente, assinalado que

“o modelo extradicional vigente no Brasil – que consagra o sistema de contenciosidade limitada, fundado em norma legal (Estatuto do

Estrangeiro, art. 85, § 1º) reputada compatível com o texto da Constituição da República (RTJ 105/4-5 - RTJ 160/433-434 - RTJ 161/409-411 -

RTJ 183/42-43 - Ext 811/República do Peru) – não autoriza que se renove, no âmbito da ação de extradição passiva promovida perante o Supremo Tribunal Federal, o litígio penal que lhe deu origem, nem que se efetive o reexame do quadro probatório ou a discussão sobre o

mérito da acusação ou da condenação emanadas de órgão competente do Estado estrangeiro” (Ext nº 866/PT, Tribunal Pleno, Relator o

Ministro Celso de Mello, DJ de 13.2.04).

Perfilhando esse entendimento, destaco, também, os seguintes precedentes:

“EXTRADIÇÃO. GOVERNO DA ITÁLIA. FORMAÇÃO DE QUADRILHA VOLTADA AO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES,

CONCURSO EM EXTORSÃO E CONCURSO EM LESÕES GRAVES. EXTRADITANDO QUE POSSUI DOENÇA MENTAL ATESTADA POR

LAUDO. PRELIMINAR DE PREJUDICIALIDADE AFASTADA. ANÁLISE QUE CABE AO ESTADO REQUERENTE. PRESENÇA DA DUPLA TIPICIDADE. INOCORRÊNCIA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, TANTO PELA LEI BRASILEIRA COMO PELA LEI

ITALIANA QUANTO AOS FATOS RELATIVOS AOS MANDADOS DE PRISÃO EXPEDIDOS PELA JUSTIÇA ITALIANA. AUSÊNCIA DE

ÓBICE AO DEFERIMENTO DA EXTRADIÇÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA RECONHECIDA, NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. PEDIDO PARCIALMENTE DEFERIDO. 1. Os crimes de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes,

associação para o tráfico, extorsão e lesões graves, pelos quais o extraditando foi condenado na Itália, encontram tipos penais

correspondentes no ordenamento jurídico brasileiro. Presente, portanto, o requisito da dupla tipicidade. 2. Não cabe a esta Corte examinar matéria atinente à eventual inimputabilidade do extraditando, pois no Brasil o processo extradicional se pauta pelo princípio da

contenciosidade limitada. Cabe ao Estado requerente a análise sobre aplicação de pena ou medida de segurança ao extraditando. 3. A

prescrição da pretensão executória regulada pela pena residual em caso de fuga não admite o cômputo do tempo de prisão provisória. Precedentes. Prescrição consumada em 11.06.2006, em relação à sentença penal condenatória proferida pela justiça italiana em 11.06.1994,

nos termos da legislação brasileira. 4. Prescrição não ocorrida, porém, à luz da legislação brasileira, tampouco nos termos da lei italiana,

quanto aos fatos que deram origem aos mandados de prisão expedidos pela justiça italiana. 5. Pedido de extradição parcialmente deferido” (Ext nº 932/IT, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 28.3.08 - grifos nossos);

“EXTRADIÇÃO PASSIVA DE CARÁTER EXECUTÓRIO - INEXISTÊNCIA DE TRATADO DE EXTRADIÇÃO ENTRE O BRASIL E A

REPÚBLICA TCHECA - PROMESSA DE RECIPROCIDADE - FUNDAMENTO JURÍDICO SUFICIENTE - DUPLA TIPICIDADE -

CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO DELITO DE ESTELIONATO - PRETENDIDA NULIDADE DO JULGAMENTO DO EXTRADITANDO, PORQUE ALEGADAMENTE REALIZADO SOB A ÉGIDE DE REGIME AUTORITÁRIO - INOCORRÊNCIA - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE

FAIR TRIAL E DE JULGAMENTO POLÍTICO - AFIRMAÇÃO INCONSISTENTE - PRETENDIDA DISCUSSÃO SOBRE A PROVA PENAL

PRODUZIDA PERANTE TRIBUNAL DO ESTADO REQUERENTE - INADMISSIBILIDADE - SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA - EXTRADIÇÃO DEFERIDA. INEXISTÊNCIA DE TRATADO DE EXTRADIÇÃO E OFERECIMENTO DE PROMESSA DE

RECIPROCIDADE POR PARTE DO ESTADO REQUERENTE. - A inexistência de tratado de extradição não impede a formulação e o

eventual atendimento do pleito extradicional, desde que o Estado requerente prometa reciprocidade de tratamento ao Brasil, mediante expediente (Nota Verbal) formalmente transmitido por via diplomática. Doutrina. Precedentes. EXTRADIÇÃO E RESPEITO AOS DIREITOS

HUMANOS: PARADIGMA ÉTICO-JURÍDICO CUJA OBSERVÂNCIA CONDICIONA O DEFERIMENTO DO PEDIDO EXTRADICIONAL. -

A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro – e, em particular, o Supremo Tribunal Federal – de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País,

processo extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro. O extraditando assume, no processo extradicional, a

condição indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a que foi dirigido o pedido de extradição (o Brasil, no caso). - O Supremo Tribunal Federal não deve autorizar a extradição, se se demonstrar que o ordenamento jurídico do Estado

estrangeiro que a requer não se revela capaz de assegurar, aos réus, em juízo criminal, os direitos básicos que resultam do postulado do due

process of law (RTJ 134/56-58 - RTJ 177/485-488), notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante. Demonstração, no

caso, de que o regime político que informa as instituições do Estado requerente reveste-se de caráter democrático, assegurador das

Informativo 798-STF (17/09/2015) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 17

liberdades públicas fundamentais. EXTRADIÇÃO E DUPLA TIPICIDADE. - A possível diversidade formal concernente ao nomen juris das

entidades delituosas não atua como causa obstativa da extradição, desde que o fato imputado constitua crime sob a dupla perspectiva dos

ordenamentos jurídicos vigentes no Brasil e no Estado estrangeiro que requer a efetivação da medida extradicional. O postulado da dupla tipicidade – por constituir requisito essencial ao atendimento do pedido de extradição – impõe que o ilícito penal atribuído ao extraditando

seja juridicamente qualificado como crime tanto no Brasil quanto no Estado requerente, sendo irrelevante, para esse específico efeito, a

eventual variação terminológica registrada nas leis penais em confronto. O que realmente importa, na aferição do postulado da dupla tipicidade, é a presença dos elementos estruturantes do tipo penal (essentialia delicti), tais como definidos nos preceitos primários de

incriminação constantes da legislação brasileira e vigentes no ordenamento positivo do Estado requerente, independentemente da designação

formal por eles atribuída aos fatos delituosos. PROCESSO EXTRADICIONAL E SISTEMA DE CONTENCIOSIDADE LIMITADA: INADMISSIBILIDADE DE DISCUSSÃO SOBRE A PROVA PENAL PRODUZIDA PERANTE O TRIBUNAL DO ESTADO REQUERENTE. -

A ação de extradição passiva não confere, ao Supremo Tribunal Federal, qualquer poder de indagação sobre o mérito da pretensão deduzida

pelo Estado requerente ou sobre o contexto probatório em que a postulação extradicional se apóia. - O sistema de contenciosidade limitada, que caracteriza o regime jurídico da extradição passiva no direito positivo brasileiro (RTJ 140/436 - RTJ 160/105 - RTJ 161/409-411 - RTJ

170/746-747 - RTJ 183/42-43), não permite qualquer indagação probatória pertinente ao ilícito criminal cuja persecução, no exterior,

justificou o ajuizamento da demanda extradicional perante o Supremo Tribunal Federal. Revelar-se-á excepcionalmente possível, no entanto, a análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de aspectos materiais concernentes à própria substância da imputação penal, sempre que tal

exame se mostrar indispensável à solução de controvérsia pertinente (a) à ocorrência de prescrição penal, (b) à observância do princípio da

dupla tipicidade ou (c) à configuração eventualmente política tanto do delito atribuído ao extraditando quanto das razões que levaram o

Estado estrangeiro a requerer a extradição de determinada pessoa ao Governo brasileiro” (Ext nº 897/TC, Tribunal Pleno, Relator o Ministro

Celso de Mello, DJ de 18.2.05 - grifos nossos).

Nesse sentido ainda, o magistério de Mirtô Fraga, para quem,

“ao apreciar a legalidade e a procedência do pedido, o Supremo examina os pressupostos (art. 77) e as condições (art. 78) da

extradição. Não se manifesta sobre o mérito do pedido, não aprecia a justiça ou injustiça da condenação ou do processo no Estado requerente (...)” (O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado. 1. ed. Editora Forense, Rio de Janeiro, 1985, p. 336).

Por fim, nos termos da Súmula nº 421 do Supremo Tribunal Federal, “não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado

com brasileira ou ter filho brasileiro”.

Irrelevante, portanto, para fins de extradição, o fato de o extraditando ter dois filhos brasileiros. Nesse sentido, Ext. nº 1.074/RFA, Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJe de 13.6.08, de cuja ementa destaco:

“EXISTÊNCIA DE FAMÍLI A BRASILEIRA ( UNIÃ O E STÁ VEL ) , N OTADAMENTE DE FILH O C OM

NACIONALI DADE BRASIL EIRA ORIGINÁRIA – SITUAÇÃO QUE NÃO IMPED E A EXTRADIÇÃO –

COMPATIBILIDADE DA SÚMULA 421/STF COM A VIGENTE CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – PEDIDO DE EXTRADIÇÃO DEFERIDO.

- A existência de relações familiares, a comprovação de vínculo conjugal ou a convivência ‘more uxorio’ do extraditando com pessoa

de nacionalidade brasileira constituem fatos destituídos de relevância jurídica para efeitos extradicionais, não impedindo, em conseqüência,

a efetivação da extradição do súdito estrangeiro. Precedentes. - Não impede a extradição o fato de o súdito estrangeiro ser casado ou viver em união estável com pessoa de nacionalidade brasileira,

ainda que com esta possua filho brasileiro. - A Súmula 421/STF revela-se compatível com a vigente Constituição da República, pois, em tema de cooperação internacional na

repressão a atos de criminalidade comum, a existência de vínculos conjugais e/ou familiares com pessoas de nacionalidade brasileira não se

qualifica como causa obstativa da extradição. Precedentes.”

Portanto, de acordo com minha compreensão, estão presentes os requisitos legais necessários ao deferimento da extradição. Ante o exposto, defiro o pedido de extradição.

Na hipótese de eventual condenação do extraditando pelos crimes que motivaram o pedido extradicional, o Estado Requerente deverá efetuar a

detração do tempo de prisão ao qual ele tiver sido submetido no Brasil, conforme previsto no art. 91, II, da Lei nº 6.815/80 e no art. 17 do Acordo de Extradição entre os Estados Partes do Mercosul, observando-se, para esse fim, que o extraditando foi preso, preventivamente, em 6 de março de 2015.

É como voto.

*acordão publicado no Dje de 10.9.2015

**nomes suprimidos pelo informativo

INOVAÇÕES LEGISLATIVAS 7 a 11 de setembro de 2015

Lei nº 13.163, de 9.9.2015 - Modifica a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para

instituir o ensino médio nas penitenciárias. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 173, p. 1, em 10.9.2015.