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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA INÊS DIEGUES SACALOSKI Ética das Virtudes e educação em Aristóteles São Paulo 2015

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UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

INÊS DIEGUES SACALOSKI

Ética das Virtudes e educação em Aristóteles

São Paulo

2015

1

Inês Diegues Sacaloski

Ética das Virtudes e educação em Aristóteles

Dissertação apresentada por Inês Diegues Sacaloski. Como parte das exigências do programa de Pós

Graduação stricto sensu da Universidade São Judas Tadeu para a obtenção do título de mestre em filosofia.

Orientadora:

Profª. Drª Regina André Rebollo

São Paulo

2015

2

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Universidade São Judas Tadeu

Bibliotecário: Ricardo de Lima - CRB 8/7464

Sacaloski, Inês Diegues S119e Ética das virtudes e educação em Aristóteles / Inês Diegues Sacaloski. -

São Paulo, 2015.

93 p. ; 30 cm.

Orientador: Regina André Rebollo Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu,

São Paulo, 2015. 1. Aristoteles. 2. Educação - Filosofia. 3. Ética. I. Rebollo, Regina André. II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Filosofia. III. Título

CDD 22 – 101

3

Dissertação “Ética das Virtudes e educação em Aristóteles”

Defendida em: ......../....../2015.

Nota: ......................................

Banca Examinadora

Profª Drª Cristina Agostini

Profº. Dr. Paulo Jonas Piva

Profº Dr. Paulo Henrique Fernandes Silveira

Profª Drª Sonia Maria Dion

_______________________________________________________________

Drª Regina André Rebollo

Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu

em Filosofia.

4

RESUMO

A dissertação, movida por indagações, algumas delas nascidas da prática em sala de aula e enquanto coordenadora pedagógica de escola pública em São Paulo pretende sustentar o quão é valiosa a Ética das virtudes de Aristóteles na formação do caráter no homem desde a tenra idade, para que o mesmo cumpra a sua finalidade do mundo que é ser feliz. Para Aristóteles o homem é um animal político cujas noções são possuídas em comum. E sendo a sua ética eudemonista, ou seja, aquela que admite ser a felicidade (eudaimonia) o fundamento da conduta humana moral, a finalidade da vida está relacionada à aquisição de virtudes. O nosso propósito é investigar na Ética a Nicômaco, contribuições de Aristóteles e sua ética das virtudes na ação pedagógica do cotidiano escolar nas crianças, desde cedo, e nos jovens, educados para determinadas hexeis (disposições) recebendo desde a mais tenra idade uma condução correta em direção a excelência, pois Aristóteles escreve que adquirimos a hexeis na habituação. Para tanto, investigaremos como o filósofo elabora o conceito de virtude e como apresenta o sujeito moral. Exploraremos também como Aristóteles concebe a educação na aquisição de virtudes.

Palavras-chave: Ética; Educação; Virtude.

ABSTRACT

The dissertation, driven by questions, some of them born of the practice in the classroom and as educational coordinator of public school in São Paulo intends to support how valuable is the Ethics of the virtues of Aristotle in the formation of character of man at an early age, so that it fulfills its purpose in the world that is to be happy. For Aristotle man is a political animal whose notions are owned in common. And with its eudaimonista ethics, that is,the one that admits being happiness (eudaimonia) the foundation of moral human conduct, the purpose of life is related to the acquisition of virtues. Our purpose is to investigate the Nicomachean Ethics, Aristotle and his contributions virtue ethics in the pedagogical action of everyday school life in children from an early age and the young, educated for certain hexeis (provisions) receiving from an early age a correct orientation toward excellence, as Aristotle writes that we acquire hexeis in habituation. Therefore, we will investigate how the philosopher elaborates the concept of virtue and how he presents the moral subject. We will also explore how Aristotle conceives the education in the acquisition of virtues.

Keywords : Ethics; Education; Virtue.

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DEDICATÓRIA

Ao Robert, Roberta e Renata, esposo e filhas. Sem eles eu não teria

ultrapassado a primeira página. Com palavras de incentivo, com amor fizeram-

me acreditar que a travessia por um mar de dificuldades seria exequível,

quando isto me parecia absolutamente impossível.

À minha mãe, Maria Inês, a meu pai Daniel (in memorian) que por terem

existido virtuosamente em minha vida, fizeram de mim um ser humano melhor,

capaz da “excelência” como filha, irmã, amiga, esposa, mãe e educadora.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que me ilumina e me guia em todos os momentos de minha

vida.

Ao Robert que pacientemente suportou o meu silêncio estendido por

horas de leitura e escrita. Com ele aprendi que o amor não necessita de

palavras.

Aos professores da Universidade São Judas Tadeu que muito

contribuíram com suas aulas na elaboração deste trabalho:

Profº. Dr. Floriano Jonas Cesar.

Profº. Dr. Hélio Gentil.

Profº. Dr. Franklin Leopoldo e Silva.

Aos professores, Profº. Dr. Paulo Jonas Piva, Profª Drª Cristina Agostini

agradeço pelas críticas certeiras e edificantes; pelas sugestões e incentivo que

fizeram este trabalho crescer. Suas orientações no exame de qualificação

contribuíram para a superação dos problemas de escrita e melhor

compreensão na leitura de vida.

Aos professores, Profº. Dr. Paulo Henrique Fernandes Silveira e Profª

Drª Sonia Maria Dion, minha gratidão.

Agradeço especialmente e com muito carinho à professora Drª Regina

André Rebollo, minha orientadora. Exemplo de “ser humano virtuoso” que com

seriedade e rigor mostrou sua generosidade em me acolher em todos os

momentos de dúvidas nesta longa caminhada da elaboração desta dissertação.

Aos professores de todas as épocas agradeço do fundo de minha alma.

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SUMÁRIO

Resumo...............................................................................................................4 Abstract...............................................................................................................4 Dedicatória..........................................................................................................5 Agradecimento....................................................................................................6 Sumário...............................................................................................................7 Epígrafe...............................................................................................................8 Introdução............................................................................................................9

CAPÍTULO 1 A FINALIDADE DA VIDA HUMANA..................................................................14

1.1. Compreendendo a moral aristotélica: A Ética à Nicômaco.......................17

1.2. A eudaimonia...............................................................................19

1.3. O ergon (função) e o kalon (nobreza) da espécie humana.........27

1.4. As virtudes...................................................................................28

CAPÍTULO 2 RESPONSABILIDADE MORAL, LIBERDADE DE AÇÃO.................................32

2.1. As virtudes morais e as virtudes dianoéticas..............................................33

2.1.1. Hexis: disposição.......................................................................35

2.1.2. Mesotes: a doutrina do meio.....................................................41

2.2. Ação voluntária, involuntária e não voluntária, ações mistas.....................46

A) Escolha deliberada.......................................................................52

B) Phronesis – Prudência.................................................................57

CAPÍTULO 3 Acrasia...............................................................................................................64

3.1. Traços do caráter a se evitar......................................................................69

CAPÍTULO 4 Educação e experiência na conquista das virtudes..........................................74

CONCLUSÃO....................................................................................................82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................87

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EPÍGRAFE

Virtude

Ó opulenta e explêndida virtude Palácio luculento, quão sublime! Suavidade perene que redime

De ti preciso, mas muito amiúde.

Facho divino, fonte de saúde, Arroubo de poesia, fléxil vime!

Dá-me forças eternas com que anime Esta angélica crença que me ilude.

No livro divinal está escrito,

Caracteres dourados, que matiz! Que Deus dará o prêmio mui infinito

Que os anjos, a cantar, dizem: feliz!

E um trono nobilíssimo, bendito! Àqueles que a ti baixam a cerviz.

Daniel R. Diegues(1949).

(in memorian)

São Paulo

2015

9

INTRODUÇÃO

Com o intuito de realizar apresentação da dissertação, tecerei algumas

considerações sustentando que a ética das virtudes de Aristóteles é essencial

na formação do caráter do homem.

Experiências do cotidiano escolar relativas à vida ética foram responsáveis

por duas razões da escolha do tema. O resultado de exame minucioso realizado

ao longo dos anos dos problemas arrostados no dia a dia, concernentes a

condutas de pessoas nas situações de convívio, de escolhas no agir ético, na

falta de domínio das atitudes foram a primeira razão. A segunda razão, da

necessidade de encontrar soluções para estes problemas descritos. Tais razões

nos impulsionaram para uma busca de respostas na ética.

Somos a favor de uma sociedade livre e justa e por esta razão

defendemos que a escola tem um papel importante na formação da vida ética e

do homem virtuoso. A educação ética é um procedimento para toda a vida. Por

isso, falar de virtudes é dar voz a quem poderá contribuir para que sejamos

mais humanos e dignos. Aristóteles em sua obra “Ética a Nicômaco”1 (E.N)

aborda questões éticas centrais relacionadas ao caráter. Esta obra será o

centro e a fonte de toda a produção desta pesquisa, porque Aristóteles devota

boa parte de sua obra para discutir as virtudes. Ele definiu a virtude como um

traço característico manifestado nas ações habituais. A obra Ética a Nicômaco

de Aristóteles foi escolhida por nós, porque dentre as obras dele que a tradição

nos legou é das mais importantes a respeito do assunto; diz respeito a

problemas centrais na ética que giram em torno da responsabilidade moral,

liberdade da ação; constitui um arcabouço conceitual importante no

desenvolvimento do nosso propósito.

Pretendemos examinar na obra como Aristóteles contribui no forjamento

das virtudes desde a mais tenra idade.

Como afirma Broadie (2009, p. 314): “... muito do que ele tem a dizer na

E.N continua a formar o nosso pensamento sobre questões práticas”.

1 Consultamos duas obras: ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução do grego de Antonio

de Castro Caeiro. Editora Atlas. São Paulo. 2009 e Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross. Optamos pela obra de Antonio de Castro Caeiro para as citações.

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Existem questões de relevância universal hoje que também faziam parte

do pensamento de Aristóteles em sua época e para as quais muito do que ele

escreveu soam como respostas atuais.

É, portanto, uma ideia considerável explorar como Aristóteles concebe a

educação na aquisição de virtudes, e isso demanda aprofundamento nessa

obra por meio de seus grandes intérpretes como: Marco Zingano, Ursula Wolf,

Marcelo Perini, Giovanni Reale, Antoine Hourdakis, Richard Kraut, Alberto

Alonso Muñoz e ainda outros que nos auxiliem no seu entendimento.

Zingano em sua obra Aristóteles: Ethica Nicomachea I 13-III8 / Tratado

da Virtude Moral oferece um belo trabalho para compreendermos as éticas do

filósofo. É interessante destacar que Zingano sustenta que a ética aristotélica é

uma ética da virtude; uma ética que desafia o princípio da codificabilidade

generalizada dos princípios práticos. Ela é avessa ao dever. Além disso, o

homem se torna bom por agir frequentemente de modo correto e, portanto, as

virtudes resultam das ações, das boas ações.

Wolf citando Barnes retrata no seu Prefácio que a Ética a Nicômaco:

[...] é um dos textos mais influentes e efetivos da história da filosofia. Nenhum dos outros escritos de Aristóteles teve tantos comentários, e são poucos ainda os textos antigos que continuam tão atuais em sua contribuição no que diz respeito ao conteúdo em questão. Em sua introdução à filosofia de Aristóteles, escreve Jonathan Barnes:“A Ética, pode ser lida na realidade como um documento histórico – como testemunho da situação da filosofia prática no quarto século antes de Cristo. Mas pode ser lida também como uma contribuição para o debate atual, e os filósofos modernos tratam Aristóteles sempre ainda como um brilhante colega” (Apud BARNES 1982, p. 87)

2.

Os filósofos modernos estudam muitas questões acerca da virtude,

como: a medida de nossa responsabilidade pelo nosso caráter e a vinculação

entre o caráter e a conduta do homem. Então perguntamos: é possível trazer a

Ética a Nicômaco de Aristóteles para a atualidade?

Sim, é possível. Em primeiro lugar porque Aristóteles nos diz:

[...] a sensatez diz respeito à justiça, à beleza, à bondade para o Humano, são estes mesmos os fins em vista dos quais o homem de bem deve realizar suas ações (E.N. 2009, VI, 12, 1137 a 23 – 24).

2BARNES, apud. WOLF, Úrsula. A Ética a Nicômaco de Aristóteles. Tradução Enio Paulo

Giachini. Edições Loyola. São Paulo: 2010. Prefácio, p.9.

11

Segundo,

Assim, também a sabedoria cria a felicidade, pois sendo parte da excelência total, torna quem a possui feliz, isto é, o acionamento da sabedoria é causa da presença da felicidade nele. Além do mais, o trabalho específico do Humano é cumprido, na medida em que é feito de acordo com a sensatez e a excelência do caráter. De fato, a excelência faz do fim um fim correto, e a sensatez abre o encaminhamento nessa direção (E.N.2009, VI, 12, 1141 a 5 – 10).

Ser virtuoso, ou pelo menos, aproximar-se de um agir virtuoso, com

sabedoria e prudência torna quem o possui “feliz”.

ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

O objeto central do capítulo 1 vem a ser a finalidade da vida humana,

uma vez que a Ética a Nicômaco em seu Livro I inicia com o estabelecimento

da noção de felicidade sendo, neste sentido, uma ética eudemonista. A

felicidade é definida como uma certa atividade da alma segundo perfeita virtude

(E.N. 2009, I, 6, 1098 a 16 - 17). Definição que requer o estudo sobre a virtude e o

exame da natureza da virtude moral. Consideraremos a constelação conceitual

da doutrina feita por Aristóteles na Ética a Nicômaco: o sumo bem, a

eudaimonia (felicidade) e o kalon (o eticamente nobre) da espécie humana,

conceitos sustentados no Livro I da E.N. de suma importância para a

compreensão do modelo educativo na formação do caráter do homem, para

Aristóteles, que se traduz num modelo humanitário que conduz o homem à

felicidade. Além do estudo de noções-chave apresentadas por Aristóteles,

recorreremos a textos de comentadores que estabelecem um diálogo com o

autor.

No Capítulo 2, discorreremos sobre a responsabilidade moral, a

liberdade da ação. E ainda neste capítulo, as virtudes morais e virtudes

dianoéticas, a hexis (disposição), a mesotes (justa medida) explorando o papel

da razão e das emoções. Exporemos a teoria da alma em Aristóteles.

Investigaremos a ação voluntária, involuntária e não voluntária; as ações

mistas; a escolha deliberada e a phronesis (prudência) encontrados nos Livros

III, IV, V e VI. Por ser a chave da compreensão de toda a Ética de Aristóteles

12

estaremos atentos ao conceito fundamental de phronesis, excelência ou virtude

de uma das partes da alma capaz de razão, que pelo exercício dela, o ser

humano valoriza a vida e não qualquer vida, mas a vida boa.

No capítulo 3, a Acrasia (falta de domínio) do Livro VII; examinando

essas questões referentes a traços do caráter a serem evitados.

No capítulo 4, buscaremos compreender o que Aristóteles sugere para a

aquisição da responsabilidade moral e como o agente, considerando

circunstâncias sempre diferentes, decide moral e corretamente.

Finalizaremos com a argumentação de que a Ética a Nicômaco de

Aristóteles pode, ainda hoje, nos servir de referência no exercício de virtudes,

tendo como base as teses formuladas por Aristóteles principalmente pelo que

ele mesmo revelou:

Se é melhor obter assim a felicidade através de uma certa aprendizagem e preocupação do que ser feliz por sorte, é mais razoável obtê-la desse modo. Se os entes que existem de acordo com a natureza são de tal modo constituídos que existem da melhor maneira possível, e se assim também é com os produtos resultantes de uma qualquer perícia humana ou de qualquer outra proveniência, assim será, por maioria de razão, com o que é oriundo do fundamento supremo. Confiar o sublime e o mais excelente ao acaso seria completamente absurdo (E.N. 2009, I, 9. 1099 b 20 - 25).

Pelo exercício faz toda a diferença habituar, desde cedo, virtudes porque

o homem se torna moralmente bom por ter agido com frequência e por um

longo tempo de modo correto. E um homem virtuoso se distingue dos outros

porque as suas ações demonstram total controle da razão, fundada na

possibilidade de dizer sim ou não, de fazer escolhas, de agir bem e

nobremente, pois a razão pode apreender o bem verdadeiro.

Portanto, no processo de formação da criança até a fase adulta ao

mesmo tempo em que está sendo orientada através de situações similares às

de um virtuoso vai habituando e aprendendo a agir corretamente e tomando

decisões por conta própria. A educação vai tornando a razão prática correta e é

a ética de Aristóteles uma ética da ação. Consideraremos em nossa pesquisa,

como já foi dito, obras nucleares de Aristóteles tais como: Ética a Nicômaco, A

Política. Outras referências incluem comentadores como: Zingano, Ackrill,

Aubenque, Broadie, e outros.

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Vale lembrar que entendemos não ser de bom senso transportar

Aristóteles em relação direta com a contemporaneidade como se tudo o que

ele enunciou em seus tratados pudesse ser validado em nossa realidade. O

que importa é perceber de que modo as suas reflexões sobre a formação do

caráter do homem nos ajudam a compreender as possibilidades de práticas

intencionais, nas escolas, similares às de um virtuoso que possam ser vividas

pelos educandos no cotidiano escolar. Se Aristóteles pensou que a felicidade é

uma certa atividade da alma de acordo com uma excelência completa e a

aquisição da mesma se dá através do tempo, do exercício e do hábito, pode

ser interessante que a escola, como um lugar onde a vida acontece, possibilite

práticas intencionais, na aquisição de um agir sensato. E a escola pode

contribuir para esse aperfeiçoamento, por meio do hábito, por meio de

processos educativos. Sendo, portanto, possível afirmar que ética possui uma

relação com a pedagogia e os processos educativos são, também, processos

éticos. Cabe à escola, então, um educador que forme indivíduos capazes de

decidir em cada situação particular unindo o que deseja fazer com o que deve

ser feito. E para isso é necessário cultivar esse como fazer.

14

CAPÍTULO 1

A FINALIDADE DA VIDA HUMANA

Os fundamentos do ser e do agir são um tema obscuro, no entanto,

central para a compreensão da nossa existência. O contexto contemporâneo,

no qual se vive transformações não só científico-tecnológicas, mas também

nas formas de pensar a moral é, também, importante para a nossa

compreensão da finalidade da vida humana.

O homem, na sociedade contemporânea, vive numa realidade de

consumismo, individualismo, prazeres momentâneos. Sociedade esta centrada

nos interesses do indivíduo; tudo o que é estabelecido se desfaz muito

rapidamente e o comportamento das pessoas é decidido no contexto e nas

circunstâncias muitas vezes afastadas da vida ética. É neste cenário que

encontramos uma série de abusos, contravenções, injustiças, barbárie. A

sociedade capitalista que também contribuiu para gerar diferenças sociais e

econômicas excluiu pessoas, constituiu sujeitos descomprometidos, egoístas,

com objetivos focados exclusivamente nos interesses pessoais que

abandonaram responsabilidades morais e sociais. Pessoas, cujo ideal de

felicidade é a satisfação de interesses próprios, contudo escravas de modelos

de felicidade impostos e relacionados às prioridades do consumo e do lucro.

Com a realidade do século XXI, e observando o agir humano, na

tentativa de encontrar respostas e caminhos que nos conduzam a uma

mudança desta realidade nos coube questionar: qual é a finalidade da vida

hoje?

Não estamos certos de que o homem, hoje, se preocupe ou tenha tempo

para refletir sobre a finalidade da vida, uma vez que está absorto por uma

sociedade de dimensões assustadoras da barbárie. Mas, certos estamos de

que essas pessoas se sentem órfãs, pois as suas atitudes demonstram que

estão inseguras e desorientadas. Principalmente aquelas que estão

preocupadas com o futuro de seus filhos se a sociedade prosseguir com

práticas que afrontam o sentido de bem comum. É assustador, todo dia, nos

depararmos com as evidências nas situações reais de violência, injustiça,

hipocrisia, matança, traição, corrupção, desigualdade e imoralidade de pessoas

que se dizem seres humanos. Pois é esta a realidade que estamos vivendo,

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que assola a nossa vida e da qual faz parte, não só o adulto, mas as crianças,

que se continuarem a viver esta realidade estarão muito longe de se tornarem

homens dignos, de bem, homens virtuosos e felizes.

Embora o homem viva em função de interesses próprios ele não vive

sozinho e muito menos se sente feliz sozinho. Como afirma Reale

(1994.p.124):

A natureza do homem demonstra que ele é absolutamente incapaz de viver isolado e, para ser si mesmo, tem necessidade de estabelecer relações com os seus semelhantes em todo momento da sua existência.

O homem depende do outro em algum sentido e o limite de ação do seu

“eu” é a existência do “outro”. Ou seja, o homem não se basta a si mesmo

necessita da família, de outras pessoas, tem necessidade de estabelecer

relações com os seus semelhantes para satisfazer suas necessidades da vida

em geral. O comportamento do homem e parte do seu discurso parece revelar

uma preferência por uma vida significativa. Uma vida peculiar ao ser humano,

diferente das plantas, dos animais. Uma vida que expresse a natureza

essencial do gênero humano. A sua função específica.

Faz-se necessário um repensar sobre tudo isso.

A finalidade da vida humana emerge da ação do homem. Ação

constituída de sentido, prazer, de bem estar. O fato é que o homem sempre

procura um bem. E este bem, a maioria o traduz como a felicidade.

Assegurar a compreensão do sentido da vida, sua finalidade, nos parece

de suma importância e nos instiga a retomar um fato extremamente importante

que Aristóteles notou há muitos séculos: o homem possui uma natureza

essencial, a razão; e uma finalidade essencial, o ergon (função) da espécie

humana.

Portanto, propomos uma retomada sobre a finalidade da vida humana

aos moldes de Aristóteles: ser bom e agir de maneira virtuosa. Em A Política,

para Aristóteles, o homem é por natureza um animal feito para a sociedade civil

porque ele quer viver bem, quer ser feliz e para viverem felizes os homens

estabelecem a sociedade civil:

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O homem é por sua natureza, como dissemos desde o começo ao falarmos do governo doméstico e do dos escravos, um animal feito para a sociedade civil. Assim, mesmo que não tivéssemos necessidade uns dos outros, não deixaríamos de desejar viver juntos. Na verdade, o interesse comum também nos une, pois cada um aí encontra meios de viver melhor. Eis, portanto, o nosso fim principal, comum a todos e a cada um em particular (A Política. p. 53).

3

Argumentamos a favor da plausibilidade da ética das virtudes de

Aristóteles na formação do caráter do homem contemporâneo com base no

que o próprio filósofo diz sobre a função do Humano, o viver peculiar a ele,

uma vez que é o único ser capacitante de razão. E também a ideia de preparar

o homem para a vida prática, para a cidadania. Entendemos que ensinando um

“certo saber viver” que permita ao homem acertar no agir correto, a ação o

aproximará da felicidade. Afinal, o desejo do homem é ser feliz. É cumprir a sua

função bem e eticamente nobre (kalon). É praticar ações constituídas de

sentido, de prazer, de bem estar.

Há na obra de Aristóteles um ideal de beleza moral, de nobreza que está

muito longe do que se pode encontrar na moral dos dias atuais. Mas é esse

ideal que torna a leitura de sua obra muito valiosa e nos faz refletir a respeito

da grandeza da alma. Ele nos faz refletir sobre o tipo de pessoa que devemos

ter por objetivo tornar-mo-nos. Afirma que “a presença da excelência no

Humano permitirá restituir-lhe a sua função específica, a de se tornar em si

próprio excelente” (E.N.II, 5,1106 a 24 - 25). Afirma também: “É próprio da

sabedoria, tanto a de cada homem em particular quanto a de todo o Estado em

geral, dirigir suas ações e sua conduta para o melhor fim” (A Política. p. 59).

Analisar a contribuição de Aristóteles, então, implica conhecer

inicialmente a ideia do filósofo sobre a finalidade da vida, o para quê viver, pois

compreendemos assim, a moral aristotélica. Quando o homem reconhece a

necessidade de estabelecer relações com o outro, de que necessita dele não

só para garantir as condições de uma vida em geral, mas para garantir as

condições de uma vida perfeita, uma vida moral, sai de seu egoísmo e vive

conforme o que é verdadeiramente bom, dando assim, sentido à sua vida.

3 ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo. Martins Fontes.

2002.

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Para Aristóteles toda a ação aspira a um bem; deve haver um fim último

para o agir; e esse fim é a felicidade.

1.1. Compreendendo a moral aristotélica – a ética nicomaquéia

O objetivo do trabalho é apresentar a ética nicomaquéia e sua

constelação conceitual. No desdobramento deste capítulo discorreremos sobre

a eudaimonia (felicidade) o kalon (o bem ético) da espécie humana e o ergon

humano.

Aristóteles escreveu quatro grandes obras dedicadas à ética: Magna

Moralia (M.M), Ethica Eudemia (E.E), Etica a Nicômaco (E.N) e Sobre virtudes

e vícios. Segundo Zingano (2008, p.9), a Magna Moralia parece tratar de um

curso de ética proferido por Aristóteles e a sua transcrição teria sido feita após

a sua morte, dado que explicaria detalhes do grego, mais próximo do demótico

do que do clássico ateniense. A Ethica Eudemia é considerada uma versão da

ética de Aristóteles editada por seu discípulo Eudemo de Rodes. Segundo

Zingano originalmente conteria livros comuns da E.N. Como ocorreu o

desaparecimento dos livros IV, V e VI da E.E por alguma desventura eles

teriam sido substituídos pelos livros correspondentes da E.N. Em outros

trabalhos a esse respeito, como os de Anthony Kenny, as opiniões diferem.

Pensa-se que os livros comuns originariamente pertenciam à E.E e foram

transpostos com algumas adaptações (ZINGANO, 2008, p.10).

Não vamos nos ocupar com a Magna Moralia ou com a Ethica Eudemia

nem mesmo com a Sobre virtudes e vícios, porque a nossa investigação irá se

concentrar na Etica a Nicômaco, obra representante da moral aristotélica que

está em consonância com o nosso argumento de que ainda hoje a contribuição

da ética das virtudes de Aristóteles se faz necessária e essencial na formação

do caráter do homem.

A Etica a Nicômaco revela uma maior maturidade filosófica e mais

primor na argumentação de Aristóteles. É sua obra mais conhecida desde a

Antiguidade. Talvez tenha sido escrita após o seu regresso a Atenas, onde

fundou o Liceu. Há controvérsias a respeito do título “Ética a Nicômaco”. Uns

dizem que foi em honra ao pai de Aristóteles que se chamava Nicômaco;

outros, em honra de seu filho com o mesmo nome.

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Na obra, Aristóteles inicia com a noção de eudaimonia e por isso é uma

ética eudemonista, ou seja, aquela que admite ser a felicidade o fundamento

da conduta ética humana. Como afirma Aristóteles em outra obra:

(...) a felicidade consiste na ação, a melhor vida, tanto para o Estado inteiro como para cada um em particular, é, sem dúvida, a vida ativa. Ademais não devemos, como alguns imaginam, restringir a vida ativa apenas às ações que terminam fora, nem aos projetos que nascem da ocasião. Ela abarca também as meditações que tratam dessas ações e desses projetos e que, além do contentamento que por si mesmos proporcionam, ainda tornam a execução mais perfeita (A Política. p.64).

Aristóteles define a felicidade como uma atividade da alma, o que nos

remete diretamente às ações que o homem faz ou deixa de fazer.

Nas palavras do próprio Aristóteles:

A felicidade parece, por conseguinte, ser de uma completude plena e autossuficiente, sendo o fim último de todas as ações possíveis. Mas talvez pareça ser algo já de assente o dar-se à felicidade o sentido de <<o melhor de tudo>>; é, por isso, desejável que seja dito de um modo mais claro qual é a sua essência. Tal pode suceder eventualmente se se captar qual é a função específica do Humano (E.N. 2009, I, 7.1097 b 20-25).

A felicidade, portanto, baseada na ideia de que o homem possui uma

função própria, ligada à sua essência, a vida ativa, segundo a razão.

É que o viver parece ser comum também aos vegetais e o que é procurado é o viver peculiar do Humano. Tem, pois, de se fazer abstração da função vital de nutrição e de capacidade de crescimento. Segue-se uma certa função vital perceptiva, a qual parece ser comum ao cavalo, ao boi e a todo o ente vivo. Resta, então, uma certa forma de vida ativa inerente na dimensão da alma, que no Humano é capacitante de razão (E.N. 2009, I, 7. 1098 a 1-5).

O Estagirita louva a razão no sentido de que esta torna as ações

perfeitas. E a função do homem é buscar esse bem, a felicidade, de forma

excelente.

19

1.2. A eudamonia

Aristóteles abre o Livro I da Ética a Nicômaco com aquilo que o ser

humano almeja como fim último de todas as coisas que realiza, quer na ação

prática, quer através das suas habilidades, quer pelo conhecimento ou ciência,

quer na realização dos seus desejos, anseios, objetivos ou decisões tomadas,

ou seja, o que ele nomeia como certo Bem. Aristóteles coloca o Bem na base

do seu pensamento ético. O Bem para ele é um fim a ser atingido:

Toda perícia e todo processo de investigação, do mesmo modo todo o procedimento prático e toda a decisão, parece lançar-se para um certo bem. É por isso que tem sido dito acertadamente que o bem é aquilo por que tudo anseia (E.N. 2009, I, 1. 1094 a 1 - 2).

Há três teses aqui: a) toda ação aspira a um bem; b) deve haver um fim

último para o agir, um fim ótimo; c) esse fim decisivo é a eudaimonia o bem

viver humano (WOLF, 2010, p. 21).

As palavras de Aristóteles fazem distinção entre as duas modalidades

da ação humana: ações que tem um fim em si mesma e as que têm como fim a

produção de uma obra. Ele afirma que são diversas as ações práticas, bem

como o são diversas as habilidades do homem e as ciências e que, portanto,

assim também são diversos os fins.

Estabelece uma diferença entre os fins e indica dois tipos de fins para as

ações humanas: uns são as atividades, os próprios exercícios ativos (ações) ou

o trabalho específico de cada ser humano; outros fins são os produtos que

resultam das habilidades do trabalho específico do homem. E exatamente em

razão da qualidade da perícia de cada um é que Aristóteles atribui valores

diferentes para os fins. Ele faz uma distinção entre os fins das habilidades que

ele nomeia de “superiores” daquelas habilidades “subordinadas”. E afirma que

os fins das habilidades superiores são preferíveis aos fins das perícias

subordinadas porque os fins das subordinadas são perseguidos em vista dos

fins superiores. Aristóteles assim exemplifica: “a fabricação de rédeas e todas

as outras perícias que produzem instrumentos hípicos estão subordinadas à

arte de montar cavalo” (EN, 2009,I, 1. 1094 a 10 - 14).

20

Como afirma Aristóteles, há um fim último que almejamos e esse fim

será, segundo ele, o Bem. Na verdade, o sumo Bem. O que ele quer sugerir é

que na realidade há um bem que é o melhor de todos:

Se, por conseguinte, entre os fins das ações a serem levadas a cabo há um pelo qual ansiamos por causa de si próprio, e os outros fins são fins, mas apenas em vista desse; se, por outro lado, nem tudo é escolhido em vista de qualquer coisa (porque, desse modo, prosseguir-se-ia até o infinito, de tal sorte que tal intenção seria vazia e vã), é evidente, então, que esse fim será o bem e, na verdade, o bem supremo (E.N. 2009, I, 2. 1094 a 18 – 20).

É importante ressaltar que nas suas obras Aristóteles relaciona os temas

éticos aos políticos e em virtude disto ele julga que o bem verdadeiro é o

mesmo tanto para o homem como para a cidade.

(...) mesmo que haja um único bem para cada indivíduo em particular e para todos em geral num Estado, parece que obter e conservar o bem pertencente a um Estado é obter e conservar um bem maior e mais completo. O bem que cada um obtém e conserva para si é suficiente para se dar a si próprio por satisfeito; mas um bem que um povo e os Estados obtêm e conservam é mais belo e mais próximo do que é divino ( E.N. I, 2. 1094 b 8 a 12).

Aristóteles assevera ser necessário buscar um bem para o homem na

sua vida ativa. Esse bem está no campo da prática. Não é algo abstrato, nem

conceitual. É algo que dá sentido a existência humana no lugar próprio de

ocorrência, ou seja, na sociedade. Ele aponta para a importância de um bem

último, o mais excelente para a vida do homem.

Na medida em que o homem busca em tudo o que faz um bem e esse

bem é assim tão importante quanto um tesouro, ele tem importância decisiva

para uma vida humana boa, é o seu objetivo final. Como o próprio filósofo

escreveu: “não alcançaremos mais facilmente o que é devido, se, tal como

arqueiros, tivermos um alvo a apontar, a perseguir?” (E.N. 2009,I, 2. 1094 a

25). E por ser assim tão importante Aristóteles nos alerta que devemos

conhecer as características essenciais do que poderá ser esse sumo Bem e

assim buscá-lo eficientemente em todas as ações, ciências e perícias. Temos

aqui um “princípio constitutivo da racionalidade prática”, como bem expõe

21

Lawrence em “O bem humano e a função humana” (KRAUT, 2009, p.42). Ou

seja, conhecer as características desse bem humano é uma demonstração da

racionalidade do homem que busca não apenas um bem para si, mas o maior e

o melhor bem.

O que poderá ser, então, o sumo bem? Para Aristóteles parece ser a

felicidade.

Quanto ao nome desse bem, parece haver acordo entre a maioria dos homens. Tanto a maioria como os mais sofisticados dizem ser a felicidade, porque supõem que ser feliz é o mesmo que viver bem e passar bem (E.N. 2009, I, 4. 1095 a 15 – 20).

Cabe notar que ele não ignora no indivíduo os seus interesses ou os

bens individuais, mas acredita que é possível conquistar um bem maior que

seja o fim para todos. Aristóteles pensou a vida humana como algo que se

desenrola na pólis (cidade). Para ele a cidade é o ápice que encerra os valores

do homem. Reconhecemos neste ponto um princípio importante da ética e da

política de Aristóteles. Este princípio se refere à educação, ou seja, na

formação do homem ensinando-o a querer a melhor coisa da vida que possa

ser útil para todas as pessoas.

Sabemos que na sociedade atual alguns homens não se preocupam

com bens que possam ser úteis para todas as pessoas. Isso ocorre em

consequência do seu pensamento egoísta ético, individualista, resultante de

uma total indiferença aos valores que dizem respeito à vida social. Influenciado

pelas prioridades de uma sociedade consumista, pouco ou nenhum espaço

atribui para uma reflexão sobre um sumo bem que possa ser útil para todas as

pessoas, embora o ser humano de hoje também deseje uma vida boa e bem

sucedida. Por isso é muito importante conhecermos como Aristóteles pensou a

vida humana uma vez que acreditamos que a educação pelas virtudes poderá

conduzir o homem à felicidade.

Ao iniciar a Ética a Nicômaco Aristóteles discorre sobre um fim último

para o “agir”, que ele chama de bem. Em seguida, introduz um termo que

amplia o sentido deste bem: o sumo bem.

Isso leva a uma interpretação de que Aristóteles sugere ser esse bem o

melhor de todos; um bem final que caracteriza uma vida humana boa e

abrange todos os bens humanos possíveis. Wolf traz elementos importantes

22

para esclarecer a respeito e não podemos deixar de transcrever a citação que

segue:

Suponhamos que na vida de uma pessoa haja três fins a que ela aspira por causa deles mesmos, por exemplo, honra, riqueza e formação. A fim de que sua aspiração não fique no vazio, bastaria que ela realizasse um, dois ou até os três fins sem ligação entre eles (Wolf, 2010. P. 27). Suponhamos que o sumo bem que ela deseja realizar no todo de sua vida seja a honra; então deveria subordinar os fins da riqueza e da formação ao desejo da honra; aspirar a eles, portanto, apenas na medida em que representam meios que ajudam a alcançar o fim último (WOLF, 2010, p. 28).

É necessário entender o que seja o bem para Aristóteles:

Talvez fosse melhor examinar o sentido do bem universal e passar em revista as dificuldades levantadas acerca do modo como ele é enunciado, ainda que uma tal tarefa nos seja penosa, porque aqueles que introduziram as <<ideias>>são nossos amigos (E.N. 2009, I, 6. 1096 a 11).

Aqui fica claro que Aristóteles se refere à doutrina platônica do Bem

Supremo. Ele examina criticamente essa doutrina:

Além do mais, uma vez que <<bem>> se diz de tantos modos quantos se diz <<ser>> - porque ele é dito na categoria da substância, como, por exemplo, Deus e o poder de compreensão, também, na categoria da qualidade, como, por exemplo, as excelências; na categoria da quantidade, como , por exemplo a moderação; na categoria da relação, como, por exemplo o útil; na categoria do tempo, como, por exemplo, o momento oportuno, e ainda na categoria do espaço, como, por exemplo, as estadias saudáveis etc. - , é evidente que não há nenhum bem comum, universal e uno, porque se assim fosse, não poderia ser predicado de todas aquelas diferentes categorias, mas teria que existir apenas de acordo com uma única ( E.N. 2009, I, 6. 1096 a 25 - 30).

Não é admissível, para Aristóteles, que se pense em um bem que seja

uno para todas as situações e, portanto, há a necessidade de se buscar um

bem para o homem na vida ativa. Essa vida ativa é a razão da existência do

homem.

Aristóteles afirma que parece haver um acordo entre a maioria das

pessoas quanto ao nome desse bem:

23

Tanto a maioria como os mais sofisticados dizem ser a felicidade, porque supõem que ser feliz é o mesmo que viver e passar bem (E.N. 2009, I, 4. 1095 a 20).

O filósofo introduz aqui o conceito de eudaimonia, como fim último ou o

melhor dos fins. Podemos afirmar que o bem último, mais desejável pelo

homem é a eudaimonia. É para alcançar a felicidade que o humano realiza

atos bons. Trata-se de , segundo o filósofo, “viver bem e agir bem”. As

expressões não significam que as coisas vão bem para uma pessoa e que ela

se sente bem no sentido passivo, mas para Aristóteles deve possuir aspectos

ativos e por isso a eudaimonia tem que denotar uma vida humana ativa e

durante toda a sua duração.

Segundo Wolf, o significado de eudaimonia não corresponde ao nosso

conceito de felicidade hoje. “Nossa palavra “felicidade” é por demais pálida;

além disso, ela pode ser empregada tanto para a felicidade interior como para

a felicidade como sorte fortuita” (2010, p. 28). Nós, de certa forma,

organizamos e planejamos nossas vidas almejando a felicidade, e ou, o bem

viver. O significado de eudaimonia para Aristóteles é o bem viver e bem agir,

bem viver e bem conter-se.

Entretanto, o sentido de eudaimonia é do mesmo modo divergente na

opinião das pessoas e o filósofo percebeu isso. Para que pudéssemos

compreender esse sentido ele sugere que comecemos a partir da observação

atenta das formas de viver a vida.

Segundo Aristóteles, há três formas principais de viver a vida: a primeira,

usando das próprias palavras do filósofo, suposta “pela maioria dos homens e

os mais vulgares” de que o bem e a eudaimonia consistem no prazer e no

gozo; a segunda dedicada à ação política e a terceira dedicada à atividade

contemplativa:

[...] a maioria dos homens e os mais vulgares de todos supõem que o bem e a felicidade são o prazer; é por esse motivo que acolhem de bom grado uma vida dedicada à sua fruição. [...] em segundo lugar, a que é dedicada à atividade contemplativa. A maioria dos homens parece estar completamente escravizada e preferir uma vida de animais de pasto. Encontrar um sentido aparente para suas formas de vida, porque muitos dos que detêm o poder têm paixões idênticas àquelas por que passou Sardanapalo. Os que são sofisticados, contudo, e se dedicam à ação prática, supõem, antes, ser a honra (E.N. 2009, I, 5.1095 b 14 - 25).

24

Ele lamenta que a maioria das pessoas se perca no caminho que lhes

promete o prazer, na busca da eudaimonia e mais, lamenta que essas pessoas

encontrem uma maneira aparente para as suas formas de vida, além de serem

escravizadas por esse sentido aparente do bem, o que faz com que as

mesmas escolham o gozo como sendo o bem. Sendo assim, parece que o erro

tem origem no excesso de prazer.4 Ao iniciar a discussão acerca do prazer

Aristóteles afirma:

Pensa-se que o prazer é uma das possibilidades extremas mais profundamente domiciliadas na nossa natureza. Esse é o motivo pelo qual educamos os mais novos a saberem guiar-se, quando se encontram expostos ao prazer e ao sofrimento. Por outro lado parece de uma importância extrema para a realização da excelência do caráter o sentir prazer e aversão a respeito do que é devido (E.N. 2009, X, 1. 1172 a 16 – 24).

As pessoas que escolhem apenas o prazer parecem ignorar o fato de

serem racionais.

A segunda forma de viver, para os que são sofisticados e se dedicam à

ação prática parece ter como fim a honra e se reconhece naqueles que se

dedicam à vida política, criticada pelo próprio Aristóteles como sendo um bem

superficial, exterior e não o fim último, porque parece ser incompleto. Os

homens que anseiam a honra, o fazem porque querem uma prova de que são

bons, de que possuem virtudes. Mas a honra pertence, segundo o filósofo,

mais a quem a concede do que a quem a recebe. O filósofo critica também

aqueles que dedicam sua vida a acumular riquezas:

A vida dedicada a obtenção de riqueza é de certa forma uma violência e a riqueza não será manifestamente o bem de que estamos à procura, porque é meramente útil, portanto, enquanto útil, existe apenas em vista de outra coisa diferente de si (E.N. 2009,I, 5. 1096 a 6 - 9).

Na opinião dele apenas serve para buscar coisas que valem como meios

e não como fins. Ele diz não ser a riqueza o bem de que estamos à procura,

porque é meramente útil, portanto, enquanto útil, existe apenas em vista de

outra coisa diferente de si. Ou seja, é um meio para se chegar a um fim.

4 Aristóteles não nega a importância do prazer.

25

A felicidade nem mesmo seria como indicam os platônicos, o

transcendente, pois para Aristóteles não se trata de um bem transcendente e

sim um bem imanente realizável pelo homem e para o homem. “Platão admite

que haja apenas uma única Ideia do bem desvinculada da realidade da

experiência, que apenas essa Ideia é perfeita e duradoura e que todos os

outros bens são bons pela participação aproximativa nessa Ideia.” (Wolf, 2010,

p. 30). Porém, Aristóteles não pensa assim. Para ele não se pode realizar uma

ideia do bem desvinculada do mundo da experiência.

Em terceiro lugar, a forma de vida dedicada à atividade da contemplação

pura. A atividade desta dimensão pertence a melhor parte do humano: o poder

de compreensão e a suprema forma de eudaimonia.

Parece-nos que o bem, com sentido comum, não existe, afirma o

filósofo. Para cada um há um fim, ou seja, há uma multiplicidade de fins e

escolhemos alguns em vista de outros. Ora, há fins que são perseguidos como

meios para outros fins.

Aquele fim que é escolhido por si próprio e nunca como meio é o fim

absoluto, a eudaimonia, conclui Aristóteles.

Demais, entendemos ser mais completo aquele fim que nunca é escolhido por causa do outro por comparação com aqueles fins que são escolhidos simultaneamente em vista de si próprios e em vista de outros fins. Na verdade, simplesmente completo é aquele fim que é sempre escolhido segundo si próprio e nunca como meio em vista de qualquer outro. Um fim desde gênero parece ser, em absoluto, a felicidade (E.N. 2009, I, 7. 1097 a 30).

O bem absoluto é completo; basta-se a si mesmo e é o fim último de

todas as ações possíveis, aquilo que por si só torna a vida digna de ser vivida,

à qual nada falta. O objetivo de Aristóteles é demonstrar que a eudaimonia

(felicidade) é o fim último do agir humano. Enquanto bem não pode ser meio

para se alcançar outro objetivo. É o fim último.

Para Aristóteles a felicidade não é fruto de sorte e sim de esforços

humanos. O bem mais excelente deve ser buscado no âmbito da prática. Ele

pensa na felicidade como fruto do agir próprio do homem, de sua essência, de

uma função própria do humano. A felicidade é autossuficiente, fim último de

todas as ações possíveis.

Qual seria, então, a essência da eudaimonia?

26

Para Aristóteles, talvez encontremos a resposta a esta pergunta se

conseguirmos captar a função (ergon) específica do homem:

Ou será que haverá certas funções e procedimentos práticos específicos para o carpinteiro e para o sapateiro e nenhuma função para o Humano enquanto Humano, dando-se antes o caso de existir naturalmente inoperante? Ou não será que, tal como parece haver uma certa função própria dos olhos, das mãos e dos pés, em geral, de cada uma das partes do corpo humano, terá também de se supor que há uma certa função do Humano para além de todas elas? Qual poderá ser ela, então? É que o viver parece ser comum também aos vegetais e o que é procurado é o viver peculiar do Homem (E.N. 2009, I, 7.1097 b 30 - 35).

Esse viver peculiar do homem, segundo Aristóteles é certa forma de vida

ativa inerente na dimensão da alma que no Humano é capacitante de razão.

É neste ponto que surge o horizonte teórico da eudaimonia aristotélica.

O homem almeja um bem, ele busca esse bem na realidade da sua vida ativa.

A felicidade é esse bem, segundo Aristóteles; a função do Humano é buscar

esse bem de forma excelente. Ou seja, viver como seres humanos de forma

excelente, virtuosamente. Esse modo de ser não nasce com as pessoas e por

isso Aristóteles afirma ser a excelência dupla, como disposição teórica

encontra no ensino a sua formação e desenvolvimento, por isso requer

experiência e tempo; e como disposição ética resulta de um processo de

habituação. “Daqui resulta evidente que nenhuma das excelências éticas nasce

conosco por natureza” (E.N. 2009, II, 1. 1103 a 20).

O ergon pode consistir-se na própria ação.

O nosso próximo passo é entender o que seja a função específica

(ergon) do homem, “caso haja uma função específica que lhe seja própria”

(E.N. I. 7. 1097 b 30 - 31). Aristóteles parece conceber a essência da

eudaimonia como a atividade da alma e a ação de acordo com a razão de uma

maneira virtuosa. O homem busca esse bem, a eudaimonia na vida ativa e a

sua função é buscá-la da melhor maneira possível, de forma excelente. Ou

seja, a maneira de buscar a felicidade, o agir tem de ser nobre segundo a

razão: (...) uma certa forma de vida ativa inerente na dimensão da alma que no

Humano é capacitante de razão (E.N. 2009, I, 8. 1098 a 3 a 5).

27

1.3 O ergon humano

O ergon humano é a maneira de estar vivo que é peculiar ao ser

humano. Afinal, diz Aristóteles, viver é comum às plantas, aos animais que

assim como nós, também crescem e se alimentam; bem como, assim como

nós possuem sensações. O que se procura é algo peculiar ao Homem. Uma

vida que seja uma expressão da natureza essencial do gênero humano, isto é

a razão. Uma vida capaz de reflexão. Eis o desafio a que Aristóteles se propõe:

encontrar o ergon, a função específica do homem.

A possibilidade capacitante de razão manifesta-se de duas maneiras:

“uma, através da obediência ao sentido orientador, a outra, quando já o possui,

através da ativação do seu poder de compreensão” (E.N. 2009, I, VII. 1098 a 5).

Esse poder faz com que o ser humano faça escolhas acertadas para o bem

agir.

Então, segundo Aristóteles, a nossa função peculiar estaria relacionada

com o exercício, a ação propriamente dita, de uma espécie de vida que inclui

inteligência prática e virtude moral. Mais precisamente, na perfeita atuação

dessa atividade. No conjunto harmonioso de todas as virtudes.

“A felicidade parece, por conseguinte, ser de uma completude plena e

autossuficiente, sendo o fim último de todas as ações possíveis” (E.N. 2009, I, 7.

1097 b 22 – 30). O bem adquirido no exercício da função específica do humano.

Aristóteles parece conceber, então, a essência da eudaimonia, desse

bem humano, como a atividade da alma e as ações de acordo com a razão de

uma maneira virtuosa. A distinção entre o homem e os outros seres vivos é

exatamente que o homem vive no exercício de sua razão e na capacidade de

falar e pensar.

O aprofundamento de Aristóteles na questão o leva a definir tal atividade

humana em vista de uma perfeição própria do homem, uma vez que a sua

função é uma atividade da essência racional, em uso de suas faculdades da

alma.

E o filósofo complementa:

Se, então, a função do Humano é uma atividade da alma de acordo com o sentido ou, pelo menos, não totalmente discordante dele; se, demais, a função que um determinado indivíduo particular exerce é genericamente a mesma que exerce o virtuoso nessa atividade (como acontece com a diferença verificada entre um simples tocador de

28

cítara e o executante virtuoso desse instrumento o mesmo se passando a respeito de outras atividades), apenas acrescentando à função em causa a superioridade conformada pela excelência (isto é, a função do tocador de cítara é apenas a de tocar cítara, mas a do virtuoso é a de a tocar virtuosamente), se assim é, isto é, se admitimos que a função do Humano é uma certa forma de vida, se, por sua vez, essa forma de vida é uma atividade da alma e uma realização de ações conformada pelo sentido; se, a função do homem sério é a de cumprir estas funções bem e nobremente, e se, finalmente, admitirmos que uma ação é bem realizada se for cumprida de acordo com a sua excelência específica – nessa altura, então, o bem humano é uma atividade da alma conformada por uma excelência, e se houver muitas excelências, será conformada pela melhor e mais completa (E.N. 2009, I, 7. 1098 a 9 - 19).

Aristóteles nos diz que é feliz o homem que age durante toda a sua

existência no pleno exercício das suas virtudes. Esse bem é completo, perfeito

e autossuficiente, porque o homem não precisará de mais nada para ser feliz.

Se tornando esta maneira de viver prazerosa e digna de admiração:

(...), contudo, quem faz gosto nas coisas belas, encontra-se com a própria natureza bela que é a delas. São deste gênero as ações realizadas de acordo com a excelência, de tal sorte que estas ações são em si próprias um gosto para quem assim as leva a cabo. A sua existência não precisa de mais nenhuma forma de prazer como ornamento, pois tem o prazer em si própria. Acresce ao que foi dito que não há nenhum homem de bem que não se regozige com ações nobre; nem nenhum homem justo poderá dizer que não se regozija com o modo justo de agir, nem ninguém livre que não se rogozije com as ações realizadas livremente, e do mesmo modo para outras ações realizadas conforme às suas excelências específicas (E.N. 2009, I, 8. 1099 a 13 a 20).

A partir destas afirmações do filósofo estabelece-se a arete (virtude)

humana, a excelência de sua função própria.

1.4 As virtudes

O filósofo mostra que pode haver diversas dessas virtudes e que o

exercício delas deverá ocorrer durante todo o tempo da vida. “Tem ainda de ser

acrescentado:<<durante todo o tempo da vida>>, porque uma andorinha não

faz a Primavera, nem um só dia bonito” (E.N. 2009, I, 7. 1098 a 19 -20).

Isto significa que os que agem corretamente durante toda a vida serão

aqueles que alcançarão as coisas belas e boas.

29

Aristóteles parece ter afirmado que o fato de alcançarmos o que

aspiramos em última instância, a eudaimonia, coincide com o fato de agirmos

de acordo com a função do ser humano: ser bom. Então, ser feliz é exercitar

plenamente as virtudes.

O sentido estabelecido para eudaimonia por Aristóteles é certa atividade

em exercício de acordo com a virtude. Por exemplo: o médico pode gerar a

saúde, mas com o mesmo saber poderia provocar a doença.

Há uma dificuldade levantada por Aristóteles, a saber: se a eudaimonia é

objeto de aprendizagem ou habituação, obtida por disciplina, se chega até nós

por um destino divino ou por acaso. Mas ele próprio considera esta dificuldade

própria para outro tipo de investigação e assevera que:

Mesmo que não seja enviada por um deus, mas surja através da excelência e de certa aprendizagem ou disciplina,é das posses humanas mais divinas que há. De fato, o prêmio e o fim da excelência parecem ser o supremo bem – ser qualquer coisa de divino e de bem aventurado (E.N. 2009, I, 9.1099 b 15 - 20).

Salienta estar ao alcance de todos que não estejam incapacitados para

a excelência através de aprendizagem e preocupação. Para ser feliz, como já

foi dito, é necessário excelência completa e existência completa. Aprendemos

fazendo. Faz parte da natureza humana aprender e aperfeiçoar-se.

Portanto, o autêntico sentido do sumo bem não está no acúmulo de bens

exteriores, não está nos prazeres corporais, nem mesmo nos que se referem à

honra, mas só nos prazeres da alma, já que é nela que consiste o verdadeiro

homem. Assim afirma Aristóteles:

Os bens têm sido distribuídos por três classes, por um lado, os chamados bens exteriores, por outro, os que concernem à alma humana e, por último, os do corpo próprio. Nós dizemos que os bens que respeitam a alma humana são bens de um modo mais autêntico e de uma forma mais extrema. Mas são as ações e o exercício das atividades que dizem respeito à alma humana que dizemos ser a felicidade (E.N. 2009, I, 7. 1098 b 14 - 17)

É evidente a intenção de Aristóteles ao determinar a felicidade como

bem do homem, o fim da ação do homem conforme a razão e demonstrada

através de sua vida virtuosa, um cidadão que realiza ações nobres. Podemos

ver que Aristóteles terá afirmado: “o fato de alcançarmos o que queremos e

30

aspirarmos, em última instância , o fim final ou o melhor dos bens, a

eudaimonia, é idêntico ao fato de sermos bons enquanto homens, ou de

agirmos de acordo com esse ser-bom” (Wolf, 2010, p.39).

Para finalizar, a compreensão da ética do pensamento de Aristóteles

depende de compreendermos a sua teoria da composição psicológica do

homem, a sua Teoria da alma.

Passemos a compreender a virtude humana, não a do corpo, mas a da

alma.5 Mas, que é a alma, para Aristóteles?

Reale comenta:

Para responder a esta pergunta, Aristóteles remete-se à sua concepção metafísica hilemórfica da realidade. Todas as coisas em geral são compostos de matéria e forma, sendo a matéria, potência e a forma, enteléquia ou ato. Isso vale, naturalmente, também para os seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os corpos vivos têm vida, não são vida e, portanto, são como o substrato material e potencial do qual a alma é forma e ato (REALE, 2007, p. 78).

Para definir alma, Aristóteles nos remete para os chamados escritos

exotéricos (diálogos e introduções) cujos enunciados sobre o tema podem ser

aplicados agora para melhor compreensão. A alma, para os gregos, não é algo

composto de partes, mas a totalidade, o princípio vital do corpo. Apenas no

conceito é que a alma pode ser dividida em partes.

Uma das partes da alma é incapacitante de razão, enquanto que a outra

é capacitante de razão.

A parte da alma que é incapaz de razão, Aristóteles explica que é aquela

parte que o homem tem em comum com as plantas, os animais, responsável

pelo crescimento e desenvolvimento nutricional destes seres.

Há outra natureza da alma que se mostra ser não racional, mas que

participa de certa forma da razão. Essa parte contém os apetites, desejos

sensações que funcionam como certa resistência à racionalidade. Mas que por

participarem de certa forma da razão possibilitam obediência a ela. É chamada

pelo filósofo de faculdade desiderativa e está bem constituída quando obedece

a razão. A parte da alma incapaz de razão é, então, dupla e uma dessas partes

5 No contexto da ética nicomaquéia e não no De Anima.

31

domina, por assim dizer os impulsos, desejos, sensações. A esta, Aristóteles

chama de “virtude ética”.

E a parte da alma capacitante de razão Aristóteles chama de “virtude

dianoética ou racional”:

A possibilidade de excelência será também dividida em conformidade com esta diferença. Dizemos que umas excelências são teóricas e outras éticas. A sabedoria, o entendimento e a sensatez são disposições teóricas; a generosidade e a temperança são disposições éticas (E.N. 2009, I, 12. 1103 a 3 - 7).

Aquela que o filósofo chama de “virtude ética” é a que justifica as

inúmeras razões de nossa motivação para o desenvolvimento desta pesquisa

em busca de respostas para uma educação ética de base no meio educacional

e que se constitua num exercício das virtudes para a construção da excelência

moral do homem.

Hoje, cada um de nós tem o desejo de se sair bem em todas as ações,

de se realizar, ser bem sucedido tanto pessoalmente quanto profissionalmente.

Mas, como atingir essa realização? O que é essa realização? E em que

consiste esse se realizar, ser bem sucedido?

As respostas parecem não se distanciar tanto do que Aristóteles propõe

na sua ética: a melhor coisa é alcançar a eudaimonia.

Não encontraremos essas respostas em Aristóteles porque ele não se

preocupa em como conduzimos a nossa vida, mas orienta-nos em como atingir

a felicidade. E isso inclui disposição e virtudes. Assim sendo, o presente estudo

abordará agora o que o próprio Aristóteles ordena como prioridades na

educação: a formação do jovem baseada no hábito, ou seja, acostumar-se a

isto ou aquilo desde muito cedo pode fazer toda a diferença. Aristóteles deixa

claro que os jovens precisam de algo que norteie as suas ações.

Com efeito, não é uma diferença de somenos o habituarmo-nos logo desde novos a praticar ações deste ou daquele modo. Isso faz uma grande diferença. Melhor, faz toda a diferença (E.N. 2009, II, 1. 1103 b 20).

Vimos, no capítulo I, um conjunto ético sobre o agir virtuoso fonte da

eudaimonia, própria da excelência humana e que não é fruto de sorte, mas de

esforços humanos. Agora, passemos a apresentação do Capítulo II.

32

CAPÍTULO 2

RESPONSABILIDADE MORAL, LIBERDADE DA AÇÃO.

Aristóteles afirma que: “as atividades a que nos dedicamos fazem de nós

o que somos”. E acrescenta que “o ignorar que as disposições do caráter

nascem do exercício de uma atividade é próprio de alguém completamente

estúpido” (E.N. 2009, III, 5. 1114 a 10).

O que significa que o homem tem plena liberdade de ação, pois está em

seu poder o agir bem como também está em seu poder o agir

vergonhosamente. E, portanto, é responsabilidade do homem a escolha que

faz, a ação final.

Aristóteles sustenta que todas as ações resultantes da escolha do

homem são voluntárias.

Segundo Aristóteles, uma ação voluntária é muito mais do que um ato

voluntário porque o tipo de ações que o homem escolhe praticar é o que

denota o seu caráter.

Sendo assim, o homem é responsável pela virtude e pelo vício porque

pode decidir.

A ação que resulta de uma escolha pressupõe cuidado, cálculo, reflexão

por parte do homem o que exige tempo e experiência. Desse modo é

necessário investigar o que são ações voluntárias, em que consiste a escolha e

outros conceitos desenvolvidos por Aristóteles na formação do caráter do

homem.

A afirmação sobre a liberdade de ação e a responsabilidade de nosso

caráter, Aristóteles deixou muito claro em E.N. 2009, III, 5. 1114 a 9 quando

diz: “As atividades a que nos dedicamos fazem de nós o que somos”.

Somos responsáveis pelo nosso caráter.

33

2.1 As virtudes éticas e as virtudes dianoéticas

Aristóteles inicia sua exposição afirmando que nenhuma das virtudes

éticas, dado que são numerosas, nasce conosco por natureza, mas através de

um processo que requer experiência e tempo. Resultam da habituação que

pode ser aperfeiçoada:

Sendo a excelência dupla, como disposição teórica [do pensamento compreensivo] e como disposição ética, a primeira encontra no ensino a maior parte da sua formação e desenvolvimento, por isso que requer experiência e tempo; a disposição permanente do caráter resulta, antes, de um processo de habituação, de onde até terá recebido o seu nome, <<hábito>>, embora se tenha desviado um pouco da sua forma original (E.N.2009, II, 1. 1103 a 14).

Ele tem uma posição muito clara sobre o problema de se as virtudes

podem ou não ser ensinadas; como afirma categoricamente: virtude é objeto da

prática, do exercício, e surge ou provém do hábito:

As excelências, então, não se geram em nós nem por natureza, nem contra a natureza, mas por sermos constituídos de tal modo que podemos, através de um processo de habituação, acolhê-las e aperfeiçoá-las (E.N. 2009, II, 1. 1103 a 25).

As excelências são adquiridas por nós porque temos a condição de

possibilidade, ou seja, as colocamos em prática porque ao praticar as ativamos

o que significa que mesmo que não as tivéssemos ativado estariam à nossa

disposição. O homem possui a capacidade de receber as virtudes. Recebe-as

como potência e as desenvolve como atividade, no agir. Como diz Aristóteles:

“Fazer é aprender” (E.N. 2009, II, 1. 1134 a 30). A disposição é dependente

das ações. E é importante destacar que, segundo o filósofo, é a partir do

exercício das mesmas atividades que a excelência é gerada ou destruída. Ou

seja, é a respeito das mesmas situações que se definem comportamentos

contrários.

Ele distingue as virtudes éticas das virtudes dianoéticas ou intelectuais.

Com isso, enquanto que as virtudes éticas resultam de um processo de

habituação, as virtudes intelectuais encontram no ensino a maior parte da sua

formação e desenvolvimento.

34

A virtude moral se desenvolve em nós em função da qualidade de

nossas ações. Portamo-nos de modos diferentes, mas o decisivo é que o

caráter provém das ações que, por hábito, são repetidas. As disposições

virtuosas originam-se das atividades similares às virtuosas. Ora, se as ações

forem sempre boas geram bons comportamentos. Temos aqui, como sustenta

Zingano (2008, p. 96), claramente, a tese da precedência do ato com relação

às disposições. É muito importante atentar ao que concerne às ações, o como

devemos praticá-las. As ações são decisivas para a qualidade das disposições

permanentes do caráter. Ter qualidade na prática faz muita diferença no agir

segundo a reta razão, pois o agente “têm de olhar para as circunstâncias em

vista da ocasião e da oportunidade do momento” (E.N. 2009, II, 2. 1104 a 10).

É necessário considerar que as disposições do caráter são de tal

natureza que podem ser destruídas por defeito (escassez ou falta) ou por

excesso. Mas são conservadas pelo meio entre esses dois extremos. Para

melhor compreensão Aristóteles exemplifica:

O excesso de exercícios físicos, por exemplo, e a falta deles destroem o vigor físico. De modo idêntico a ingestão em demasia ou insuficiente de líquidos e de alimentos sólidos destrói a saúde. Contudo, a medida proporcional produ-la, aumenta-a e conserva-a (E.N. 2009, II, 2. 1104 a 15).

É, portanto, no exercício ativo, na prática que a excelência vai se

constituindo. Para ser corajoso não se pode fugir e ter medo de tudo o tempo

todo. De acordo com a ocasião e as circunstâncias é importante persistir, ser

firme, constante para ter coragem. O que nos faz virtuosos é habituar-mo-nos a

desprezar situações terríveis e ao resistir-lhes.

Aristóteles afirma que a virtude está em nosso poder. O que significa

dizer que o agir bem, o caráter, é nossa responsabilidade. É nossa

responsabilidade porque temos liberdade de ação para fazer as melhores ou as

piores escolhas. A afirmação sobre a liberdade de ação e a responsabilidade

de nosso caráter, Aristóteles deixou muito claro em E.N. 2009, III, 5. 1114 a 9

quando diz: “As atividades a que nos dedicamos fazem de nós o que somos”.

35

2.1.1 Hexis: disposição

“A palavra hexis designa mais ou menos aquilo que chamamos hoje de

disposição de caráter, uma postura duradoura, que determina tanto a reação

afetiva como a ativa diante das situações” (WOLF, 2010. p. 70). O ser humano

possui, naturalmente, condições, possibilidades que o tornam apto a receber as

virtudes e aperfeiçoá-las pela habituação. Segundo Aristóteles isto também é

assim no que se refere às habilidades técnicas. Fazer, diz ele, é aprender.

Assim, adquirimos as virtudes exercitando-as primeiramente:

Por exemplo, os construtores de casas fazem-se construtores de casa construindo-as e os tocadores de cítara tornam-se tocadores de cítara, tocando-a. Do mesmo modo também nos tornamos justos praticando ações justas, temperados, agindo com temperança, e, finalmente, tornamo-nos corajosos realizando atos de coragem (E.N. 2009, II, 1. 1103b 1 - 3).

Aristóteles salienta a importância da formação do hábito correto desde a

infância e a necessidade de um modelo vivo na condução de situações que

resultem no hábito correto:

Se assim não fosse, não precisávamos para nada de um instrutor e todos se tornavam a partir de si próprios bons ou maus a respeito de qualquer atividade. O mesmo acontece com as excelências. Ao agir-se em transação com outrem, tornamo-nos justos ou injustos (E.N. 2009, II, 1. 1103 b 11 – 15).

É importante alertar para o exercício das atividades nas situações de

vida que pelo hábito tanto pode gerar virtudes dignas de honra como pode

destruí-las. É pelas mesmas situações de vida que nos portamos de modos

diferentes e que o nosso comportamento é definido de uma ou de outra

maneira. Por exemplo: agindo em situações de perigo e habituando-nos a

temer ou a ter confiança tornamo-nos corajosos ou covardes. O hábito,

segundo Aristóteles, como já foi dito, requer tempo e experiência, é objeto de

uma prática, de exercício e correção. É necessário que as situações de vida

proporcionadas ao exercício do hábito possuam certa qualidade. Se quisermos

homens justos teremos que agir com atos justos e o mesmo para a temperança

e bravura. Isso nos desperta para uma reflexão sobre “como” as ações devem

ser praticadas pelo homem desde tenra idade. A qualidade no agir fará toda a

36

diferença. Pelos atos que praticamos em nossas relações com as pessoas nos

tornamos justos ou injustos, valentes ou covardes, temperantes ou calmos,

afinal são as ações decisivas para as disposições qualitativas do caráter no

homem.

Segundo Aristóteles, o homem se forma em vista de suas disposições

construídas pelo hábito. A educação é apontada pelo filósofo como

imprescindível para a criação de bons hábitos. Assim como o exercício e o

tempo. Afinal, “Aparentemente, ninguém se torna médico apenas pela leitura

de compêndios de medicina” (E.N. 2009, X, 9. 1181.b - 1).

E como a disposição é constituída?

O que dá início às disposições éticas e que acompanha todas as ações

dos seres humanos são o prazer e o sofrimento. O prazer e a dor são a medida

para as escolhas de nossas ações e a virtude se constitui pela melhor relação

com esses prazeres e sofrimentos. A excelência ética constitui-se em vista de

fenômenos de prazer e sofrimento. Segundo Aristóteles:

Fique, então, assim estabelecido que a excelência prática é tal que se constitui através da melhor relação possível que se pode ter com prazeres e sofrimentos (E.N. 2009, II, 3. 1104 b 25 – 30).

O prazer está conosco desde a infância como bem sugere o filósofo:

“Por isso que é difícil vermo-nos livres dessa afecção incrustada como uma cor

na pele da nossa vida” (E.N. 2009, II, 3. 1105 a 1).

Ora, se o prazer e a dor são a medida para as escolhas de nossas

ações e a excelência ética está em fazer as melhores escolhas resta saber em

que consistem as virtudes. O que é comum a todas as virtudes, a natureza à

qual pertencem. Aristóteles afirma:

Primeiro tem de se considerar que as disposições do caráter são de uma natureza tal que podem ser destruídas por defeito e por excesso tal como vemos acontecer com o vigor físico e com a saúde (é que temos que fazer uso primeiro do testemunho de coisas visíveis antes de chegar às invisíveis) (E.N. 2009, II, 2. 1104 a 13 - 17).

O que diz o filósofo é nunca haver virtude quando há excesso ou falta.

Como se observa, por exemplo, no referente à força e a saúde. Tanto o

37

excesso quanto a deficiência destroem a força. E da mesma forma os

alimentos ou bebidas que ultrapassem os limites destroem a saúde. Tudo

sendo realizado nas devidas proporções produzem e preservam a força ou a

saúde. O mesmo acontece com as virtudes. O homem que foge de tudo tornar-

se-á um covarde; em contrapartida o que não teme absolutamente nada se

tornará temerário. Aquele que se entrega a todos os prazeres torna-se

intemperante, o que evita todos os prazeres se torna insensível. A virtude é,

antes, a justa medida. E é o hábito que leva à constituição da virtude.

Aristóteles afirma ser necessário tempo e exercício. A falta e o excesso

referem-se a emoções (sentimentos, paixões) e ações.

E, portanto, será um homem de bem, virtuoso quem fizer bom uso deles. Quem

estabelecer a melhor relação entre prazeres e dores. Aristóteles indica, assim,

uma condição necessária de controle das emoções para adequação frente às

deliberações da razão. Aristóteles expõe:

Seja, então, dito: 1º que a excelência ética se constitui relativamente aos sofrimentos e aos prazeres; 2º que a excelência ética é incrementada e destruída pelas mesmas ações que a originaram, caso sejam levadas a cabo de um modo contrário ao excelente; 3º que o horizonte em que a excelência ética atua é o mesmo sobre o qual atuam as afecções (E.N. 2009, II, 4. 1105 a 15).

Aristóteles cita como podem ser as nossas escolhas, ou seja, o que

escolher e o que evitar. As escolhas: o belo, o vantajoso e o agradável. A

evitar: o feio, o nocivo e o desagradável. O homem é capaz de escolhê-las. No

homem encontra-se sob o seu poder tanto a excelência como a perversão, ou

seja, o que evitar. As situações nas quais está a nossa liberdade em agir são

as mesmas para as quais podemos não agir. Temos a liberdade para escolher

e é toda nossa a responsabilidade de poder dizer sim ou não.

O homem acrático (perverso) não é capaz de fazer escolhas corretas; ao

contrário escolhe-as erradamente. Será um homem de bem e correto quem

fizer o melhor uso dos prazeres e dos sofrimentos, ou seja, aquele que

desempenhar bem sua função (ergon) de humano. E a virtude será adquirida

pelo homem que agir repetidamente em conformidade com as excelências,

como afirma o filósofo em:

38

Essa qualidade de excelência apenas é adquirida se quem agir nessa conformidade existir de acordo com essa disposição do caráter constituída em si permanentemente. E isso é assim se: 1º souber agir; 2º tiver decidido de antemão agir, e na verdade decidido agir tendo as excelências como fundamento (E.N. 2009, II, 4, 1105 a 30).

É necessário, pois, controlar as emoções. E é mais difícil combater o

prazer do que o impulso, a ira. É por causa do prazer que praticamos más

ações e por causa da dor nos abstemos de ações nobres. A virtude diz respeito

a prazeres e dores e, portanto para Aristóteles é homem de bem o que faz bom

uso deles: primeiramente quando sabe agir, depois quando escolhe por

deliberação, ou seja, fazendo exame minucioso e refletindo antes da decisão,

tendo as excelências como fundamento; por último quando age de modo firme

e inalterável. “A excelência ética constitui-se, portanto, em vista de fenômenos

de prazer e sofrimento” (E.N. 2009, II, 3, 1105 a 1-15).

Aristóteles nos alerta para o fato de que a maioria não age desta forma

e, por conseguinte não compreende a essência do agir da alma de modo

conveniente.

É importante conhecer a concepção de Aristóteles sobre a alma6 para

compreendermos o que o filósofo quer dizer quando se refere a que a maioria

não compreende a essência da alma de modo conveniente. Segundo Reale:

Mas que é a alma? Para responder a esta pergunta, Aristóteles remete-se à sua concepção metafísica hilemórfica da realidade. Todas as coisas em geral são compostos de matéria e forma, sendo a matéria, potência, e a forma, enteléquia ou ato. Isso vale, naturalmente, também para os seres vivos. Ora, observa o Estagirita, os corpos vivos têm vida, mas não são vida e, portanto, são como o substrato material e potencial do qual a alma é forma e ato (REALE, 1974. p. 78).

O homem é um ser vivo dotado de uma alma que lhe dá a vida e que lhe

dá algo mais do que apenas a vida: a razão, faculdade só destinada a ele. Para

Aristóteles, o homem é um ser completo. A alma o capacita ao exercício no agir

ético e em outras atividades humanas. Na E.N. Aristóteles apresenta a parte

irracional da alma que é compartilhada por todos os seres vivos. “Mas há uma

dimensão da alma que é simplesmente incapaz de uma relação com a razão e

6 Como ele a define na ética nicomaquéia e não no De Anima.

39

é comum ao ser vegetal, isto é, trata-se do fundamento responsável pela

função vital nutritiva e pelo crescimento” (E.N. 2009, I, 12, 1102 a 25 - 30).

Esse elemento da parte irracional é voltado apenas para a manutenção física

da vida, e o filósofo a nomeia parte irracional do homem e não há nenhuma

relação com o agir virtuoso.

Há outra parte, a sensitiva ou apetitiva que deve ser considerada, pois

sua função é ser a sede dos apetites e desejos e pode ser subjulgada à parte

racional da alma. Aristóteles a descreve desta forma:

Por outro lado, a dimensão incapaz de razão é também dupla. Em primeiro lugar, incapaz de razão é a função vital meramente vegetativa, que existe sem qualquer capacidade de relação com o elemento racional. Em segundo lugar, a faculdade de desejar e em geral o elemento intencional que são, de algum modo, capazes de razão, mas também podem incapacitá-la (E.N. 2009, I,12. 1102 b 1 28-30).

Para Aristóteles, a alma irracional composta de duas partes, a vegetativa

e a sensitiva, tem uma participação no agir virtuoso. Ele define a duplicidade da

parte racional da alma:

Se o modo específico do acesso dessas dimensões da alma tem uma certa semelhança e uma determinada afinidade com os entes com os quais se relacionam, então as formas de acesso de cada uma destas partes serão diferentes, porquanto a formas diferentes de acesso correspondem diferentes gêneros de ser. Enunciemos cada um destes gêneros: um corresponde à possibilidade de cálculo, ou seja, mais propriamente à possibilidade de deliberar e de calcular. Na verdade, ninguém delibera acerca daquilo que não pode ser de outra maneira. Assim, a possibilidade de cálculo inere numa parte da dimensão da alma que é capaz de razão (E.N. 2009, VI, 1. 1139 a 10-15).

A faculdade calculadora está ligada à execução do agir virtuoso

resultante de uma escolha voluntária, ou seja, uma escolha derivada da

vontade própria. O que distingue as virtudes éticas das virtudes intelectuais

será, então, a relação entre a alma irracional e a alma racional que é capaz de

deliberar.

Por isso, Aristóteles sugere que examinemos o que é a virtude segundo

o gênero uma vez que os fenômenos se geram na alma. E são três gêneros de

fenômenos: as emoções, as capacidades e as disposições (E.N. 2009, II, V.

40

1105 b 19 – 20). Ao falar de emoções Aristóteles se refere ao desejo, ira,

medo, audácia, inveja, alegria, amizade, ódio, saudade, ciúme, compaixão,

tudo que é acompanhado de prazer ou sofrimento. Ao falar de capacidades, ele

se refere às condições de possibilidades para sermos afetados pelas afecções.

E finalmente as disposições de acordo com as quais nos comportamos bem ou

mal. É preciso saber a qual destes gêneros de fenômenos pertence a virtude.

As afecções são uma inclinação natural do nosso ser e por elas é que

buscamos o prazer e fugimos da dor. Aristóteles alerta para o fato de que essa

inclinação natural é diferente entre os homens. Cada um tem apetites ou

desejos diferentes, pois os objetos de prazer e sofrimento são também

diferentes. A vida ética tem como tarefa educar nossas emoções para que

evitemos o vício e busquemos a virtude. A virtude não se refere nem às

emoções e nem às capacidades, então o gênero das virtudes só pode ser uma

disposição do caráter:

Se, então, as excelências não são nem afecções nem capacidades, só resta que sejam disposições do caráter. Fique assim dito o que é a excelência quanto ao seu gênero (E.N. 2009, II, 5. 1106 a 10).

Esse entendimento nos encaminha para a compreensão e a busca da

definição das virtudes, uma vez que nos interessa compreender como,

segundo Aristóteles, as virtudes morais e intelectuais estão relacionadas à

busca da felicidade como o fim último do agir humano e como o sumo bem

buscado segundo a virtude das faculdades racionais do ser humano.

Passemos, então para a definição da doutrina do meio, pois, a virtude é

o justo meio, nem o excesso, nem a falta. É o equilíbrio, a moderação, a

prudência:

A excelência é, portanto, uma disposição do caráter escolhida antecipadamente. Ela está situada no meio e é definida relativamente a nós pelo sentido orientador, princípio segundo o qual também o sensato a definirá para si próprio. A situação do meio existe entre duas perversões: a do excesso e a do defeito (E.N. 2009, II, 6.1107 a

1).

41

Para Aristóteles, a virtude é uma disposição permanente da alma

adquirida pelo exercício constante, pelo hábito; exercício esse sob a orientação

da razão que restitui ao homem a sua função (ergon) específica de modo

correto. Resta-nos então saber que tipo de disposição é a virtude.

2.1.2. Mesotes: a doutrina do meio

Aristóteles, além de dizer o que é a virtude quanto ao gênero, discorre

também sobre que tipo de disposição é a virtude enquanto espécie e, para

isso, ele desenvolve a doutrina do meio. Wolf comenta que a doutrina do meio

é tão conhecida como mal compreendida: “O primeiro passo é geral e apoia-se

na teoria do continuum apresentada por Aristóteles em seus escritos teóricos

(1106a 26-b 16); o segundo passo transfere essa reflexão para a arete ética”

(1106b 16 ss.) (WOLF, 2010, p.72).

Um continnum, segundo o filósofo é um todo divisível do qual se pode

utilizar uma parte maior, uma menor e uma parte igual. “A parte igual é

qualquer coisa como o meio entre o excesso e o defeito” (E.N. 2009, II, 6. 1106

a 29 - 30).

Considerando a natureza das coisas, como o homem poderá ser

virtuoso, segundo o filósofo:

Eu entendo pelo meio de uma coisa o ponto que se mantém a uma distância igual de cada um dos extremos, o qual é um e o mesmo para todas as coisas. O meio relativamente a nós, contudo, é a medida que não tem a mais nem tem a menos. Uma tal medida não é uma nem a mesma para todos (E.N. 2009, II, 6. 1106a 30 - 34).

Assim, quanto à espécie, a virtude é definida pelo filósofo como uma

disposição mediana. Todo homem que compreende algo o faz por meio da

razão. Segundo Aristóteles, para uma escolha virtuosa o homem evita tanto o

excesso quanto o defeito, procurando o meio; não o meio absoluto e sim o

meio relativo a cada um. Para compreendermos o significado do saber moral é

necessário que levemos em conta que a virtude se constitui pelas emoções e

ações. A deliberação, a escolha do justo meio, consequentemente se dará em

vista do justo desejo em harmonia com a justa razão.

É, então, marca da virtude, a mediedade:

42

A excelência é, portanto, uma disposição do caráter escolhida antecipadamente. Ela está situada no meio e é definida relativamente a nós pelo sentido orientador, princípio segundo o qual também o sensato a definirá para si próprio. A situação do meio existe entre duas perversões: a do excesso e a do defeito (E.N. 2009, II, 6. 1107 a 1).

Assim, o erro moral consiste no excesso. Agir em excesso é agir

contrariamente à razão. Zingano sustenta “a tese nuclear da ética aristotélica,

segundo a qual a virtude moral, embora não seja definida pelo prazer ou dor,

está direta e umbilicalmente vinculada a ambos, não sendo possível, assim,

pensar a virtude como supressão de prazer ou de dor, mas como a busca de

sua justa medida” (ZINGANO, 2008, p.107).

As virtudes não podem ter em mira nem aquilo que é muito nem muito

pouco. “Portanto, o meio termo representa o aspecto de retidão, exatidão ou

bondade na definição das virtudes éticas” (RAPP, 2010, p. 413).

Cabe lembrar que essa posição intermediária deve estar de acordo com

o que é o Bem para que seja excelência.

O filósofo alerta, contudo: “nem toda a ação, nem toda a afecção,

admitem uma posição intermediária” (E.N. 2009, II, 6. 1107 a 10), há algumas

ações e afecções que são perversas de forma absoluta e não porque se

aproximam da extremidade dos excessos ou defeitos. Algumas dessas

afecções são citadas por Aristóteles: a falta de vergonha, a maldade, a inveja,

o adultério, o roubo, e o homicídio. O que significa que a respeito destas nunca

há possibilidade de se acertar, pois elas estão sempre erradas. O mesmo

ocorre, segundo Aristóteles, a respeito da injustiça. Praticá-la já é um erro

absoluto. Donde se conclui, para usar as palavras do filósofo:

Não há, portanto, em geral posição intermediária nem no excesso nem no defeito, quando considerados absolutamente, nem em geral há excesso ou defeito na posição absolutamente intermediária (E.N. 2009, II, 6. 1107 a 25).

Esta declaração não se refere apenas às generalidades, mas também às

circunstâncias particulares, segundo Aristóteles.

O filósofo enumera limites singulares das afecções e das ações e cita os

meios-termos. Vejamos alguns: sobre o medo e a audácia o que se coloca na

43

posição intermediária é a coragem; para os que têm excesso de confiança se

diz audaz, mas não há nome para os que têm falta de medo. Enquanto que

demasiado medo e falta de confiança é covardia. O meio termo dos prazeres e

sofrimentos é a temperança, mas o excesso é a devassidão. A deficiência em

relação ao prazer é insensibilidade. O meio termo em relação a dar e receber

dinheiro, é a generosidade; o excesso esbanjamento e o defeito a avareza.

Sobre honra e desonra o meio termo é a magnanimidade; o excesso uma

forma vã de orgulho e o defeito, mesquinhez. Aristóteles ressalta também a

atitude em ansiar pela honra: em excesso o ganancioso, o ambicioso; os que

anseiam menos tem falta de ambição. Não há nome para o que está no meio,

neste caso.

Não é nosso objetivo discorrer sobre a extensa lista exposta por

Aristóteles. Ele fornece exemplos da saúde, do esporte, da alimentação. O

importante para nós é entender como a virtude é compreendida como

disposição para boas ações. Agora, havendo três disposições de caráter duas

são perversas e apenas uma é a virtude. Esta, segundo Aristóteles, é a posição

do meio. As posições extremas são contrárias à posição do meio e contrária

uma da outra. O mesmo ocorre com a posição do meio que é contrária a dos

extremos. Afirma Aristóteles:

O corajoso parece ser audaz relativamente ao cobarde, mas parece ser cobarde relativamente ao audaz; de modo semelhante, também o temperado parece ser devasso relativamente ao insensível, mas insensível relativamente ao devasso; o generoso parece ser esbanjador relativamente ao avaro, e avaro relativamente ao esbanjador (E.N.2009, II, 7. 1108 b 19 - 24).

Os extremos se repelem um ao outro e repelem também o meio. Tentar

encontrar o meio não é tarefa fácil e indica que quem visa atingir o meio deve

afastar-se mais do seu contrário. Mas como isso pode ser alcançado?

Sabemos que constantemente tendemos ao sabor das emoções, do prazer e

do sofrimento, e temos que nos afastar do sofrimento e nos aproximar do que é

agradável. Isto nos fará chegar ao meio, ao modo correto de agir.

Como vimos, a virtude moral é uma disposição do caráter que se pauta

no uso da razão para determinar as escolhas, é próprio do homem de

44

sabedoria prática tornando-o um humano excelente. A virtude encontra e

escolhe o meio termo, ela é uma mediania. Como afirma o próprio Aristóteles:

Tal será a disposição do caráter a partir da qual o Humano se tornará excelente. Isto é, presença da excelência no Humano permitirá restituir-lhe a sua função específica, a de se tornar em si próprio excelente (E.N. 2009, II, 6. 1106 a 23 - 25).

Bem sabemos que nem sempre é fácil fazer a escolha acertada.

Encontrar o meio é uma tarefa difícil. Por isso, Aristóteles nos alerta: “quem

visa atingir o meio deve primeiro afastar-se mais do contrário, como Calipso

recomenda: conduz o navio para fora da bruma e da espuma” (E.N. 2009, II, 9.

1109 a 30 – 33). É importante conhecer a si mesmo para saber a que erros

tendemos mais facilmente a ser levados, pois a escolha é feita pelo

reconhecimento que o prazer e a dor nos atinge de acordo com a situação e

circunstâncias vividas. O virtuoso faz escolhas a partir do prazer, afastando-se

do excesso e da falta e aproximando-se da mediania, fazendo uso da razão,

determinando a escolha, a decisão.

A decisão está na percepção que fazemos diante de circunstâncias

particulares. Segundo Aristóteles:

Isto é suficiente para poder mostrar que a disposição do meio é louvável em todas as situações que se podem constituir e que umas vezes se deve declinar o excesso, outras vezes, o defeito: assim é a maneira mais fácil de conseguirmos atingir o meio e o modo correto de agir (E.N. 2009, II, 9. 1109 b 25).

Para concluir, a virtude moral é um meio termo entre dois males; um

pelo excesso e o outro pela falta. Por esta razão, o bem agir é louvável e belo.

Aquele que tem por objetivo o meio termo deve afastar-se do que é mais

contrário fugindo assim do erro moral o qual se conhece pelo prazer e pela dor

por que passamos. A disposição mediana é em todas as situações louvável e

nos encaminha para o bem.

A ligação entre as virtudes morais e as virtudes intelectuais se dá

exatamente no momento em que a escolha for o equilíbrio entre o desejo e a

razão. O critério para saber o que deve ou não ser desejado é estabelecido

pela reta razão. A mediania surge no movimento contínuo da emoção a partir

45

de um desejo. Esse dinamismo provoca o uso da parte calculativa da alma, a

razão, que numa escolha certa provoca ação correta. Aristóteles concebe a

formação das virtudes morais e a necessidade da mediedade a partir do

desenvolvimento de uma disposição permanente, uma vez que no homem as

virtudes morais são adquiridas pelo hábito. “As excelências, então, não se

geram em nós nem por natureza, nem contra a natureza, mas por sermos

constituídos de tal modo que podemos, através de um processo de habituação,

acolhê-las e aperfeiçoá-las” (E.N. 2009, II, 1. 1103 a 20 - 25).

Segundo Aristóteles:

A excelência é, portanto, uma disposição do caráter escolhida antecipadamente. Ela está situada no meio e é definida relativamente a nós pelo sentido orientador, princípio segundo o qual também o sensato a definirá para si próprio. A situação do meio existe entre duas perversões: a do excesso e a do defeito (E.N. 2009, II, 6. 1107 a 1).

A excelência ética é então uma disposição que observa a mediania, não

em relação ao geral, mas em relação a nós como deliberação em vista da

ação.

A ética aristotélica tem como ponto principal a busca do uso da razão no

agir. O que indica uma ação virtuosa é estabelecer qualitativamente a mediania

pela deliberação presente na parte racional da alma. Excelência essa que

parece ser o objetivo de Aristóteles na busca de um ergon humano.

A racionalidade moralmente sadia é capaz de estabelecer o bom critério

na escolha do que é bom. A avaliação do que é bom ou ruim só pode ser feita

pela razão. A virtude moral é uma disposição que busca a qualidade na razão

considerando paixões e emoções e que se traduz em ação na mediania entre

os vícios contidos nessas emoções e paixões. Como diz Aristóteles:

(...) A disposição do meio é louvável em todas as situações que se podem constituir e que umas vezes se deve declinar o excesso, outras vezes, o defeito: assim é a maneira mais fácil de conseguirmos atingir o meio e o modo correto de agir (E.N. 2009, II, 9. 1109 b 25).

46

A virtude moral é uma disposição fixa e sua marca é a mediedade. A

marca do vício, o excesso e a falta. “A nobreza é de uma única maneira; a

perversão de toda / a maneira e feitio” (E.N. 2009, II, 6.1106 b 35).

2.2. A ação voluntária, involuntária, não voluntária e ações mistas

O exame das noções de ação voluntária, ação involuntária, não

voluntária e mistas é tarefa essencial na compreensão da psicologia da ação

de Aristóteles. É importante diferenciar a ação voluntária da ação involuntária,

uma vez que há louvores e repreensões para as ações voluntárias e para as

involuntárias, às vezes, perdão ou compaixão. Sendo a escolha da vontade

responsável pela melhor ação é necessário compreender o que Aristóteles

define como ato voluntário, ato não voluntário, ato involuntário e as ações

mistas.

No Livro III, o ponto de partida de Aristóteles é o que significa a

excelência. Segundo ele, a excelência é uma disposição no homem que o guia

na escolha. A formação dessa disposição se dá em decorrência da aplicação

de recompensas e punições para as ações praticadas que, por fim, formam o

caráter do homem. Assim, afirma Aristóteles:

Sendo a excelência constituída a respeito das afecções e das ações, havendo louvores e repreensões apenas relativamente a ações voluntárias – porque relativamente a ações involuntárias, às vezes há perdão, outras vezes compaixão -, é necessário, talvez, para quem pretende examinar os fenômenos que concernem a excelência, definir-se a ação voluntária e a ação involuntária, definição de resto também útil aos legisladores não só para a atribuição de honras como também para a aplicação de castigos (E.N. 2009, III, 1. 1109 b 30 – 35).

A análise do conceito de voluntário é essencial para a análise do

conceito de excelência.

Aristóteles parte da definição das ações involuntárias para em seguida

definir ação voluntária:

Involuntárias são, assim, aquelas ações que se geram sob a coação ou por ignorância. Um ato perpetrado sob coação é aquele cujo princípio (motivador) lhe é extrínseco. Um princípio desta natureza é tal que o agente, na verdade, passivo, não contribui em nada para ele (E.N.2009, III, 1. 1110 a).

47

Para Aristóteles, as ações involuntárias são aquelas que se geram ou

por coação ou por ignorância. No primeiro capítulo do Livro III ele investiga o

ato involuntário, quando apresenta exemplos de casos em que se é forçado ou

compelido a agir de determinada maneira. Toda ação é acompanhada de um

princípio no agente. E por esta razão é que Aristóteles assevera que se o

princípio da ação está presente no agente está em poder do agente agir desta

ou de outra maneira. Ou seja, o agente é livre e responsável pelas suas ações.

O ato cujo princípio é exterior ao agente é, portanto, forçado e o agente em

nada contribui para a sua realização. Exemplo: “Como se ventos ou homens

poderosos o levassem para qualquer sítio” (E.N. 2009, III, 1. 1109 a).

Existem, ainda, algumas ações que são consideradas mistas: “Na

verdade são escolhidas no momento em que são praticadas e o fim da ação é

determinado de acordo com a ocasião e a oportunidade do momento” (E.N.

2009, III, 1. 1110 a 11). Aristóteles exemplifica:

(...) quando no meio de tempestades se tem de deitar a carga borda fora. Porque ninguém a deitaria ao mar assim sem mais, voluntariamente, mas apenas com o objetivo de se salvar a si e aos restantes (E.N. 2009, III, 1. 1110 a 9-11).

E para usar as palavras de Aristóteles:

Ações deste gênero são mistas, embora, de fato, pareçam mais ser voluntárias. Na verdade são escolhidas no momento em que são praticadas e o fim da ação é determinado de acordo com a ocasião e a oportunidade do momento. As características do ser <<voluntário>> e <<involuntário>> só podem ser determinadas em função do tempo em que a ação é executada (E.N. 2009, III, 1. 1110 a – 11).

Essas ações poderiam ser consideradas voluntárias por um lado, mas se

pudessem ser evitadas seria melhor, assim são também forçadas,

involuntárias. Por isso são mistas.

Aristóteles descarta a tese tradicional dos antigos de que os atos por

impulso ou por apetite seriam involuntários. Para o filósofo, as características

do ato voluntário e do ato involuntário só podem ser determinadas em função

do tempo em que a ação é executada. Ou melhor, voluntário e involuntário são

ditos com referência ao momento em que se pratica a ação. Age

48

voluntariamente se o poder está no agente de fazer ou não a ação; o princípio

reside nele próprio. Age involuntariamente se o princípio é externo ao agente.

Para ele um ato voluntário é aquele que satisfaz o encontro de duas

condições físicas: 1) o princípio da ação está no agente e 2) o agente conhece

as circunstâncias nas quais a ação se desenrola e as consequências da ação.

No ato voluntário: o poder está em quem age, o que faz sobre o que ou em que

age com o que (instrumento) age, com que finalidade e como age, de que

maneira. A definição de ato voluntário dada por Aristóteles:

Sendo a ação involuntária feita sob coação e por ignorância, a ação voluntária parece ser aquela cujo princípio reside no agente que sabe das circunstâncias concretas e particulares nas quais se processa a ação (E.N. 2009, III, 1. 1111 a 22 – 24).

Ele assevera:

Viso com o termo<<voluntário>>o mesmo sentido que foi primeiramente apurado, ou seja, aquele ato que depende de nós e que é praticado em plena consciência, não ignorando, portanto, nem sobre quem é praticado, nem com que instrumento é executado, nem o motivo pelo qual é feito (...) (E.N. 2009, V, 8. 1135 a 25).

Fica claríssimo ser uma ação cujo princípio está no agente, em seu

poder o agir ou não agir. Aristóteles assegura a liberdade na ação humana, ou

seja, a ética aristotélica firma a responsabilidade do agente na escolha dos

meios na realização dos fins. E ao determinar as ações pelos meios, o agente

determina as disposições que constituem sua natureza e dá preferência na

escolha de certos meios em prejuízo de outros. A base da responsabilidade

moral parece estar na liberdade de escolha.

Já, o ato involuntário, é o ato cujo princípio está fora do agente ou o

agente desconhece as circunstâncias nas quais se desenrola a ação. Tais atos

produzem dor e arrependimento. Na definição de Aristóteles:

Consideraremos involuntário todo aquele ato que for praticado na mais completa ignorância ou, caso não seja praticado por ignorância, não esteja no poder de quem o pratica não o praticar, ou então, seja até obrigado a praticá-lo sob coação (E.N. 2009, V, 8. 1135 a 30).

49

Aristóteles analisa as ações por coação e a ignorância que leva ao ato

involuntário. Por coação são todas aquelas ações cujo princípio é externo ao

agente e, portanto, ele não contribui em nada para a realização da ação. A

ignorância pertence às condições epistêmicas da ação voluntária. Tudo o que

se faz “por” ignorância é não voluntário. Mas, das pessoas que agem “por”

ignorância as que se arrependem são consideradas agentes involuntários e as

que não se arrependem não voluntários. Há também uma diferença entre o agir

“por” ignorância e o agir “na” ignorância. Cabe lembrar que Aristóteles refere-se

à ignorância do universal e a ignorância do particular:

A ação feita por ignorância é toda ela não voluntária, apenas é involuntária quando provoca sofrimento e arrependimento a quem a praticou. Na verdade quem age na ignorância e nem sequer fica vexado com o que fez, não poderá ter agido voluntariamente, uma vez que ficou sem saber o que fez. Mas também não pode dizer-se que terá agido involuntariamente, porquanto nem sequer se entristeceu. As ações feitas por ignorância são assim de dois modos. Por um lado, a ação é involuntária quando o agente se arrepende do que fez. Por outro lado, caso não se arrependa, a sua ação será designada não voluntária (E.N. 2009, III, 1. 1110 b, 19 a 25).

Então, as ações “por” ignorância são aquelas nas quais o resultado de

um ato decorre do desconhecimento de um elemento do contexto em que o

agente agiu, ou nas quais um elemento imprevisível interfere no resultado

previsto. Ou seja, decorrem do desconhecimento do particular. Aristóteles

estabelece assim as ações feitas por ignorância de dois modos:

Por um lado, a ação é involuntária quando o agente se arrepende do que fez. Por outro lado, caso não se arrependa, a sua ação será designada não voluntária (E.N. 2009, III, 1. 1110 b 23).

Há, portanto dois modos de agir por ignorância: quando tanto as

circunstâncias quanto as consequências diferem do previsto, mas não há

arrependimento; e quando tanto as circunstâncias quanto as consequências

diferem do previsto, mas há arrependimento. “É melhor, pois, haver

designações diferentes por parecer tratar-se de modos diferentes de agir” (E.N.

2009, III, 1. 1110 b 24 - 25).

Por outro lado, Aristóteles esclarece que o agir “por” ignorância é

diferente do agir “na” ignorância. A diferença diz respeito a se a falha de

50

conhecimento foi ela própria involuntária ou não. E cita como exemplo o

bêbado e o irado:

O bêbado e o irado não parecem agir por ignorância. Quer dizer, agem sem saber e na ignorância de fato, mas por estarem bêbados e irados (E.N. 2009, III, 1. 1110 b 26).

Uma ação “por” ignorância é, então, aquela em que o agente poderia

escolher agir de outro modo se fosse capaz de prever suas consequências e se

conhecesse todas as particularidades relevantes de sua ação, desde que tal

ignorância não seja ela própria resultado de uma ação voluntária dele.

Aristóteles passa então, a enumerar circunstâncias que têm de ocorrer

para a realização de uma ação e que não podem ser ignoradas:

Defina-se, então, qual a sua forma e o seu número. [Não pode assim ignorar-se:] 1) quem age, e 2) o que faz, 3) a respeito do quê ou de quem é a ação e qual a situação peculiar em que se encontra o agente; por vezes também 4) aquilo com o qual se age, por exemplo, o instrumento com que se executa a ação, e o 5) fim em vista do qual se age, por exemplo , calma ou veemente (E.N. 2009, III, 1. 1111 a 4-5).

A divisão em cinco elementos que Aristóteles faz parece apontar para

uma divisão do erro: àqueles referentes às circunstâncias e os erros referentes

às consequências.

Tendo definido os atos, o filósofo segue a discussão acerca da

proairesis (decisão). Segundo ele a decisão é “o que de mais próprio concerne

a excelência e é melhor do que as próprias ações no que respeita à avaliação

dos caracteres humanos” (E.N. 2009, III, 2. 1111 b 4).

Pois a decisão precede à ação e é mais própria à virtude e mais apta a

discriminar o caráter do que as ações o fazem. A decisão, a escolha relaciona-

se com os meios, com aquilo que está em nosso poder. Não decidimos ser

felizes, mas o modo de chegar à felicidade. E ela se caracteriza pela bondade

ou maldade. A definição do caráter de um homem se dá pelas escolhas que faz

dentre o que é bom e o que é mau. A escolha envolve um princípio racional e o

pensamento. Saber qual curso de ação deve ser preferido a outro qualquer não

é fácil, Aristóteles reconhece:

51

Em todo caso, é difícil em algumas circunstâncias decidir que opção se deve tomar e qual a que se deve preterir, tal como difícil é decidir o que tem de se suportar e em vista do quê. Mas mais difícil ainda é manter-mo-nos fiéis às decisões tomadas. Pois, na verdade, acontece o mais das vezes que o que se pode esperar é doloroso e o que se é obrigado a fazer é vergonhoso. É por isso que há repreensões e louvores para quem age, esteja esse alguém sob coação ou não (E.N. 2009, III, 1. 1110 a 20 - 1110 b 1).

Ele reconhece essa dificuldade, pois às vezes o que está em questão é

escolher entre uma ação enganosa ou o sofrimento.

Já dissemos que a ética aristotélica assegura a liberdade de escolha na

ação humana e firma a responsabilidade do agente na escolha dos meios para

a realização dos fins. O homem é causa para si mesmo da aquisição do seu

caráter moral. Ele é livre no sentido de poder fazer isto ou o seu contrário.

Aristóteles sustenta uma ética da liberdade e fundamenta na possibilidade da

escolha, fazer ou não fazer, dizer sim ou não. Estas afirmações nos permitem

concluir que a aquisição de virtudes tem um lugar relevante, segundo

Aristóteles e que o agente virtuoso se aproxima de sua função (ergon) humana

à medida que adquire a capacidade de deliberar, em situações e circunstâncias

determinadas, “o melhor” a ser feito.

52

A. Escolha deliberada

Após a análise das condições dos atos Aristóteles examina a escolha e

a deliberação:

Definidas que estão às ações voluntárias e involuntárias segue-se agora a discussão acerca da decisão. A decisão é, na verdade, o que de mais próprio concerne a excelência e é melhor do que as próprias ações no que respeita à avaliação dos caracteres Humanos. A decisão parece, pois, ser voluntária. Decidir e agir voluntariamente não são, contudo, a mesma coisa, pois, a ação voluntária é um fenômeno mais abrangente. É por essa razão que ainda que tanto as crianças como os outros seres vivos possam participar na ação voluntária, não podem, contudo, participar na decisão. Também dizemos que as ações voluntárias dão-se subitamente, mas não assim de acordo com uma decisão (E.N. 2009, III, 2. 1114 b 4 – 10).

No Livro III o objetivo do filósofo é concluir que excelência e vício “estão

em poder do agente”, poder este livre, de decisão e de sua inteira

responsabilidade. O que significa dizer que o caráter do agente é de sua total

responsabilidade. A escolha das ações é consequência direta do caráter do

agente. Para Aristóteles a escolha é um estado de conhecimento (epistêmico)

associado a um estado volitivo (da vontade). E, portanto, é importante salientar

que para o filósofo não é a prática da ação reprovável e que determina que o

caráter do agente não seja bom. Ele analisa se há responsabilidade na ação,

que depende da escolha por parte do agente. É a escolha e não a ação que

expressa o tipo de desejo mais frequente no agente e seu caráter. Uma ação

isolada não é suficiente para determinar o caráter do agente e sim, a repetição

constante de um comportamento.

Sendo, então, que o anseio concerne o fim, sendo, por outro lado, os meios para o fim objetos de deliberação e de decisão, então, se as ações concernentes aos meios forem realizadas de acordo com a decisão, nessa altura serão, então, ações voluntárias (E.N. 2009, III, 5. 1113 b 3).

A escolha deliberada é o que tem mais relação com a excelência. Uma

ação resultante de uma escolha deliberada pressupõe cuidado e cálculo por

parte do agente. “A decisão parece, pois, ser voluntária” afirma Aristóteles.

(E.N. 2009, III, II, 1111 b 5). Ele já havia introduzido, quando definiu excelência,

o conceito de decisão ou escolha em II, 6, 1107 a 4:

53

A excelência é, portanto, uma disposição do caráter escolhida antecipadamente. Ela está situada no meio e é definida relativamente a nós pelo sentido orientador, princípio segundo o qual também o sensato a definirá para si próprio. A situação do meio existe entre duas perversões: a do excesso e a do defeito (E.N. 2009, II, 6. 1107 a 4).

A boa deliberação exige apreensão dos princípios adequados e cálculo

correto:

É preciso, por outro lado, também determinar-se o que é a boa deliberação. Ou seja, se se trata de uma espécie de conhecimento científico, se é alguma opinião ou uma boa conjectura ou, por outro lado, se é alguma outra operação. Não parece, contudo, à partida tratar-se de um conhecimento científico. Na verdade, quem está a passar por um processo de deliberação não procura saber nada acerca de coisas que já conhece. Por outro lado, a boa deliberação é uma certa forma de aconselhamento. Quem está em processo deliberativo está à procura e faz cálculos (E.N. 2009, VI, 13. 1142 b 1).

Deliberamos sobre as coisas que estão ao nosso alcance e podem ser

realizadas; não deliberamos sobre coisas que envolvem movimento e que

sempre podem ser da mesma maneira ou a respeito de coisas que ora

acontecem de uma maneira, ora de outra como as chuvas, por exemplo, ou

sobre acontecimentos imprevisíveis ou casuais. A deliberação gira em torno de

coisas a serem feitas pelo agente. O fim não é objeto de deliberação e sim os

meios através dos quais se chega ao fim. E é o homem o princípio das ações.

O objeto de deliberação são as coisas que conduzem aos fins. As coisas, por

sua vez, são aspirações, desejos no homem. São as situações externas que

despertam o desejo no homem. Mas, decidir e agir voluntariamente não são a

mesma coisa. A ação voluntária é mais abrangente. E Aristóteles distingue a

escolha deliberada dos três tipos de desejo: impulso, apetite e querer, bem

como da opinião e localiza a escolha deliberada na reflexão vinculada à ação.

Ela é acompanhada de pensamento e reflexão. O filósofo a define: “Nós

deliberamos sobre aquelas coisas que nos dizem respeito e que dependem de

nós, a saber, sobre as ações que podem ser praticadas por nós” (E.N. 2009, III,

3, 1112 a 30). Deliberamos sobre as coisas que conduzem aos fins. Visto que o

fim é, então, objeto do desejo os meios são objeto de escolha e escolha

deliberada. É, portanto, a partir do desejo de realizar algo que o processo de

deliberação sobre como obter ou realizar algo passa a ocorrer. Aristóteles não

54

deixa dúvidas a respeito disso em E.N. 2009, III, V. 1113 b 3, citado

anteriormente.

A boa decisão, o agir ético, é o resultado de uma disposição duradoura

de uma ação conjunta da aspiração e da deliberação. Por isso Aristóteles

assevera que a virtude está em nosso poder, bem como o vício. O que significa

que se está em nosso poder o agir bem também está o não agir bem. Aquelas

ações cujos princípios estão em nós estarão sob o nosso poder e serão ações

voluntárias. E é por isso que somos responsáveis pelo nosso caráter. “As

atividades a que nos dedicamos fazem de nós o que somos” (E.N. 2009, III, 5.

1114 a 9).

Além disso, a escolha é necessariamente uma operação racional porque

é resultado de uma investigação deliberativa. Toda escolha ou decisão,

segundo Aristóteles, vem após um processo de cálculo em que se ponderam

as consequências de agir de uma maneira ou de outra. Já o desejo, as

aspirações do homem não são racionais, porém capazes de serem

persuadidos pela razão. Assim, é o que constata que é o homem que dá

origem às ações na medida em que sempre pode fazer ou deixar de fazer as

coisas que estão no âmbito de seu poder. A escolha deliberada ideal é aquela

do homem que já habituou, ou seja, que aprendeu a desejar conforme a reta

razão. Então, tornar-se um homem virtuoso é desejar o que é bom segundo

seu correto julgamento.

Segundo Aristóteles:

Por outro lado, as atividades das excelências concernem os meios. Na verdade, a excelência diz-nos respeito e encontra-se sob o nosso poder não menos do que a perversão. Isto é, as situações nas quais está no nosso poder agir são as mesmas em que podemos não agir. Porque, quando está no nosso poder dizer não também está no nosso poder dizer sim. De tal sorte assim é que se estiver no nosso poder o agir bem também estará o não agir vergonhosamente. Inversamente, se estiver no nosso poder não agir bem, também aí estará o agir vergonhosamente. Se está no nosso poder fazer coisas boas e vergonhosas, também está no nosso poder não as fazer. É nisto que consiste o poder ser bom ou mau. Por isso está no nosso poder prestarmos ou não prestarmos (E.N. 2009, III, 5. 1113 b 5 - 14).

Nosso caráter é responsabilidade nossa. Aristóteles conclui que

depende de nós qual ação ética adotamos e que, se alguém pratica ações

más é porque, de fato, quer ser mau. A escolha deliberada define a liberdade

55

no agir uma vez que o poder da decisão entre ser bom ou mau está em nós.

Somos livres para essa escolha.

Muitos estudiosos acreditaram encontrar nesta parte da análise de

Aristóteles o que chamamos de “vontade”, mas sabemos que os gregos

desconheciam esta noção.

Reale comenta sobre esta análise de Aristóteles dizendo:

Melhor do que todos os seus predecessores, entreviu que há em nós algo do qual depende o ser bom ou mau, que não é mero desejo irracional, mas não é tampouco razão pura; porém, em seguida esse algo fugiu-lhe das mãos sem que ele conseguisse determiná-lo (REALE. 2007. p.123).

Aristóteles encerra sua análise deixando claro que a escolha deliberada,

a decisão é tomada a respeito do que depende de nós, incidindo sobre os

meios em direção aos fins:

Apenas se pode decidir daquilo que se julga poder vir a acontecer através de si próprio. Além do mais, anseia-se pelos fins, e decidem-se dos meios, por exemplo, nós ansiamos por restabelecer a saúde, mas apenas decidimos aquilo através do qual viremos a obter a saúde; também dizemos que ansiamos por ser felizes, contudo, dizer que decidimos ser felizes não é adequado. Em geral, parece que a decisão é acerca daquelas coisas que nos dizem respeito e dependem de nós (E.N. 2009, III, 2. 1111 b 25 – 30).

É esta a expressão por excelência da tese aristotélica concernente à

liberdade da ação. Zingano sustenta que:

No domínio da ação humana, em função da presença da razão como procedimento de decisão, àquilo a que posso dizer sim posso igualmente dizer não. A ação que faço está logicamente aberta ao sim e ao não; pela decisão que tomo, ela se faz assim ou de outro modo (ZINGANO, 2008, p. 199).

Nisto consiste o sermos bons ou maus. Nosso caráter é nossa

responsabilidade. Como expõe Aristóteles de modo mais preciso na Metafísica

IX 2-5, “o homem é quem dá origem às ações na medida em que sempre pode

fazer ou deixar de fazer as coisas que estão no âmbito de seu poder”.

56

Se as ações justas, então, dependem de nós, também depende de nós o

não fazer o que é justo. Ou seja, o filósofo argumenta que também a arete

(virtude) e a kakia (vício) dependem de nós.

Ele nos impõe a responsabilidade na escolha do nosso caráter uma vez

que se as ações pelas quais surge o caráter são voluntárias, também o caráter

será voluntário.

A deliberação supõe algumas condições prévias no agente. É preciso

que ele seja de fato capaz de deliberar e que tenha essa capacidade

desenvolvida. Essa capacidade diz respeito a prever as consequências da

ação, inclusive no que diz respeito à formação do caráter e é o que vai tornar o

agente responsável ou não pelas consequências de sua ação. Se ele for capaz

de deliberar e previr consequências, será responsável.

Essa teoria da responsabilidade fica muito clara em E.N. 2009, III, V.

1113 b 12 – 14:

Se está no nosso poder fazer coisas boas e vergonhosas, também está no nosso poder não as fazer. É nisto que consiste o poder ser bom ou mau. Por isso está no nosso poder prestarmos ou não prestarmos.

É necessário, pois, que cuidemos para que as pessoas sejam educadas

desde pequenas para determinadas hexeis (disposições) recebendo desde

cedo uma condução correta em direção a excelência, pois como Aristóteles

escreve adquirimos a hexis desde a mais tenra infância ao sermos habituados

pela educação, caso contrário, qualquer semente não prosperará se o terreno

não for preparado,

A palavra e o ensinamento não têm a mesma força junto de todos, mas a alma do que escuta tem de ser preparada de antemão pelo trabalho através de diversas formas de habituação para poder sentir alegria e abjeção de um modo correto – do mesmo modo que uma terra é preparada para receber uma semente e a fazer fomentar (E.N. 2009, X, 9. 1179 b 25).

Ou seja, o homem não deliberará bem se distanciando do eidos

humano (essência) e, consequentemente, da eupraxia (o bem agir) e da

eudaimonia (felicidade). Ao passo que se as disposições forem geradas pela

repetição de atos em direção ao bem e ao belo, suas deliberações voluntárias

57

terão por foco o agir bem e o agir ético o que favorecerá a busca da coisa certa

a ser feita e o reconhecimento do que seja uma ação boa tornará o homem

prudente sobre o melhor a ser feito.

Passemos então à prudência (phronesis) e como ela opera nas escolhas

deliberadas para o bem agir.

B) Phronesis – Prudência

Nem a alma vegetativa nem tampouco a alma apetitiva são no homem a

parte que promove a sua humanidade. Assim postula Aristóteles:

É que o viver parece ser comum também aos vegetais e o que é procurado é o viver peculiar do Humano. Tem, pois, de se fazer abstração da função vital de nutrição e de capacidade de crescimento. Segue-se uma certa função vital perceptiva , ao qual parece ser comum ao cavalo, ao boi e a todo o ente vivo (E.N. 2009, I, 6. 1197 b 30 – 1098 a 1- 8 ).

Devemos relembrar as duas dimensões da alma humana para tentarmos

compreender de que modo o homem adquire a prudência (phronesis) e como

esta opera na escolha deliberada, afim de que o mesmo tenha um agir correto

em direção ao fim desejado. “Há duas dimensões na alma humana: uma é

capaz de razão, a outra é incapacitante de razão” (E.N. 2009, VI, 1, 1139 a 1-

5).

A dimensão capaz de razão, aquela que concebe uma regra ou princípio

racional também é dividida em duas partes. A uma denominou-se científica e a

outra calculativa. Esta concebe o princípio racional; é a responsável pela

execução do bem supremo no homem, pois é nela que está a disposição

(hexis) de formação do ponto de vista científico e do cálculo, ou seja, a

possibilidade de deliberar e de calcular rumo ao fim desejado.

Segundo Reale:

Para Aristóteles, a felicidade consiste numa atividade da alma segundo a virtude. É claro que qualquer ulterior aprofundamento no conceito de “virtude” depende de um aprofundamento no conceito de alma. Ora, vimos que a alma se divide, segundo Aristóteles, em três partes, duas irracionais, isto é a alma vegetativa e a alma sensitiva, e uma racional, a alma intelectiva. E dado que cada uma dessas partes tem a sua atividade peculiar, cada uma tem uma peculiar virtude ou

58

excelência. Todavia, a virtude humana só é aquela na qual entra a atividade da razão (REALE,1994, p.104).

Na E.N, a phronesis – prudência - é definida como a virtude da parte

intelectual do homem: “uma disposição prática de acordo com o sentido

orientador e verdadeiro em vista do bem e do mal para o Humano” (E.N. 2009,

VI, 5, 1140 b 5).

A prudência versa sobre as coisas humanas que podem ser objeto de

escolha pelo homem. Pois, como diz Aristóteles:

Ninguém delibera sobre o que é eterno, como por exemplo, sobre a ordenação do universo ou sobre o fato de a diagonal e o lado do quadrado serem incomensuráveis.Mas também não se delibera sobre as coisas que estão sempre num movimento regular, seja por necessidade, seja por natureza ou como quer que seja, como é o caso, por exemplo, dos solstícios e do nascer do sol. Nem sobre aquelas coisas que são de modo diferente, como as secas e As chuvadas. Nem sobre as coisas que acontecem por acaso, como a descoberta de um tesouro. Nem sobre tudo que pode sobrevir ao Humano. Ninguém da Lacedemônia deliberará sobre como poderá governar do melhor modo possível a Cítia. Nenhuma destas coisas poderá ser objeto de deliberação porque jamais poderá acontecer através da nossa intervenção Nós deliberamos sobre aquelas coisas que nos dizem respeito e que dependem de nós, a saber sobre as ações que podem ser praticadas por nós (E.N.2009, III, 3, 1112 a 22 – 30).

Ninguém delibera acerca daquilo que não pode ser de outra maneira, ou

seja, os seres invariáveis, cujas causas determinantes não variam. E o homem

delibera bem, cumprindo assim a sua função, quando é dotado de prudência. A

prudência diz respeito à ação e se ocupa com o fato particular, o singular, os

seres variáveis.

Segundo Aristóteles, há na alma três operações que determinam a ação

e o descobrimento da verdade:

A percepção, o poder de compreensão e a intenção. Destas três, a

percepção nunca é origem de nenhuma ação, o que é evidente pelo

fato de os animais, embora tenham percepção, não tomarem parte na

ação (E.N. 2009, VI, II, 1139 a 20).

59

A decisão (proaireses) é origem da ação. Por outro lado, o princípio da

decisão é uma intenção e um cálculo dirigido para um objetivo final. De modo

que: “agir bem e o seu contrário não existem na ação sem o pensamento

teórico nem sem a disposição ética” (E.N. 2009, VI, II. 1139 a 35).

Como afirma Perine:

Para mostrar que phronesis dirige a ação e, portanto, é a virtude da parte calculadora da alma, Aristóteles primeiro desenvolve um raciocínio de tipo silogístico (1140 a 24 – 1140 b 6), que parte da qualidade atribuída ao sábio (phronimos), a saber, a capacidade de deliberar sobre o que é bom e útil para si, não de um ponto de vista parcial, mas da totalidade, em vista da vida feliz (PERINE, 2006, p. 25).

É moralmente necessário que um objeto de desejo conforme o prazer

seja também conforme a razão. O homem virtuoso age conforme uma decisão

em harmonia com o que ele deseja e com a razão. Esta espécie de intelecto e

de verdade é prática. E a chamamos de prudência. A escolha não pode existir

nem sem razão e intelecto, nem sem uma disposição moral; pois a boa ação e

o seu contrário não existem sem a combinação de intelecto e de caráter.

Perine, assim expressa a respeito:

Dado que a ação humana brota de uma decisão, dado que o princípio da decisão é o desejo e o cálculo, e dado que o pensamento não move nada, mas determina os meios para obter os fins desejados, segue-se que a decisão será a união do intelecto e do desejo (PERINE, 2006, p. 84).

É importante lembrar que o intelecto, em si mesmo não provoca a ação;

o que move, o que provoca a ação é o intelecto prático. Como afirma

Aristóteles:

O princípio da ação é a decisão (isto é, enquanto origem da

motivação, não enquanto fim em vista); por outro lado, o princípio da

decisão é a intenção e um calculo dirigido para um objetivo final. Por

esta razão, não há decisão sem o poder de compreensão, nem sem

processo compreensivo, nem, finalmente, sem a disposição do

60

caráter. Na verdade, agir e o seu contrário não existem na ação sem

o pensamento teórico nem sem a disposição ética (E.N. 2009, VI, II,

1139 a 31 – 35).

A boa ação e o seu contrário não podem existir sem uma combinação de

intelecto e de caráter. Neste sentido, o princípio (da ação) é o humano. Então,

se a virtude moral é uma disposição de caráter relacionada com a decisão

(proairesis) e essa decisão é um desejo deliberado (desejo refletido), tanto o

raciocínio quanto o desejo deve ser reto, assegurando assim a melhor escolha;

a função das partes da alma capaz de razão é buscar sempre a verdade,

consequentemente, a boa ação. E a avaliação do que é bom ou ruim, da ação

que deve ser realizada ou não, só pode ser feita pela razão. É por ter em mira

o belo e o bem que a razão orientará para o que se deve, como e quando se

deve fazer.

Assim, a definição geral de virtude intelectual se resume em um estado

habitual segundo o qual a alma racional realiza a sua função que consiste em

dizer a verdade. “A desocultação da verdade é, pois, a função de ambas as

partes da dimensão da alma capaz de razão” (E.N. 2009, VII, 2.1139 b 12 - 13).

Segundo Aristóteles, na descoberta da verdade as disposições da alma,

quer afirmando, quer negando, são em número de cinco operações: a arte, o

conhecimento científico, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão

intuitiva.

No que diz respeito à prudência Aristóteles observou que o homem

“sensato é aquele que tem o poder de deliberar corretamente acerca das

coisas que são boas e vantajosas para si próprio” (E.N. 2009, VI, 4. 1140 a 25 -

26) e, portanto, a prudência não se trata de arte “porque o gênero da ação é

diferente do gênero da produção” (E.N. 2009, VI, 4. 1140 b 5 - 6); nem de

ciência “porque o que acontece no horizonte da ação pode ser sempre de outra

maneira” (E.N. 2009, VI, 4. 1140 b 3 - 4) e no conhecimento científico as coisas

são invariáveis,mas de uma virtude fruto da experiência, do tempo, e da

sabedoria intelectual. A prudência é reconhecida nos homens cujo saber é

ordenado para a busca dos “bens humanos” na prática.

61

Fica estabelecido que é a razão prática e dirige de forma correta as

escolhas do homem racional, delibera sobre o que lhe causa o bem ou o mal e

tem sempre em vista a felicidade (eudaimonia).

É necessário, então, compreender como ela opera nas escolhas

deliberadas ou no agir ético, isto é, o que é uma boa deliberação.

Na tentativa de responder, Aristóteles apresenta três hipóteses. Seria a

prudência conhecimento científico, opinião ou boa conjectura? Como é de seu

feitio descarta as duas hipóteses iniciais para tecer algumas conclusões sobre

a boa deliberação: deliberar é um processo lento, a boa deliberação é uma

certa forma de correção, “pois enquanto se está a pensar não se chegou ainda

a uma declaração final” (E.N. 2009, VI, 9. 1142 b 16 - 17). Deliberar

corretamente é em certo sentido uma forma de bem “é próprio dos sensatos, a

boa deliberação será a correção de deliberação a respeito do que é

conveniente como meio para o fim, do qual a sensatez tem uma concepção

verdadeira” (E.N. 2009, VI, 9. 1142 b 32 – 33 - 34).

Segundo Wolf:

(...), o phronimos deve poder deliberar sobre o que é o bem viver em seu conjunto (pros to eu zen holos, 1140 a 28), sobre as coisas, portanto que perfazem a eudaimonia. Não se trata de um produzir, mas o fim é o próprio agir bem (a eupraxia) (1140 b 7 ) ( WOLF, 2010,

p.151).

Estão aqui estabelecidos os fins do bem viver e que as deliberações

éticas tem a tarefa de promover a eudaimonia (felicidade) através da eupraxia

(bem agir). A vida do phronimos é uma vida de ação (práxis), de boa ação,

ação virtuosa (eupraxia); prática essa que acrescenta ao “que se deve”, o

“como”, “quando” e “em razão do fim pelo qual se deve”. O que significa que é

característico da vida do phronimos o poder deliberar bem sobre o que é bom e

conveniente para ele, sendo a boa ação o seu próprio fim. Como isto

acontece? É pela decisão, pela regra da escolha cuja norma é o bem, o bem

humano, ou melhor, pela boa decisão que o homem une de maneira virtuosa o

desejo ao fim desejado.

Aubenque aponta para o ponto de partida de Aristóteles:

Seu ponto de partida não é uma essência, da qual convém analisar as possíveis determinações, mas um nome – phronimos – que

62

designa um certo tipo de homem que todos sabemos reconhecer, que podemos distinguir de personagens aparentadas e, no entanto, diferentes, e do qual a história, a lenda e a literatura nos fornecem modelos. Todos conhecem o phronimos, mesmo que ninguém saiba definir phronesis (AUBENQUE, 2003, p.62).

Na Ética à Nicômaco VI, II Aristóteles expõe a condição necessária para

que a escolha deliberada seja boa, a razão deve ser verdadeira e a intenção

reta, o que significa que o fim desejado e os meios escolhidos para realizá-lo

devem ser bons. Então, nem a reta intenção que se refere à virtude moral, nem

a razão verdadeira que se refere à virtude intelectual são causa suficiente para

produzir uma boa escolha se estiverem separadas. Como já dissemos é

preciso haver a junção das duas virtudes. Para Aristóteles:

(...) Uma vez que a excelência do caráter é uma disposição que decide e a decisão é uma intenção deliberada, segue-se que, no caso de se tratar de uma decisão séria, o princípio de decisão terá de ser verdadeiro e a intenção correta. O que o princípio afirma terá, portanto, de ser o mesmo que é perseguido pela intenção (E.N. 2009, VI, 1. 1139 a 22 - 27).

Aristóteles afirma claramente que a virtude moral “produz o fim correto” e

a sabedoria produz os meios para o fim:

Assim, também a sabedoria cria a felicidade, pois sendo parte da excelência total, torna quem a possui feliz, isto é, o acionamento da sabedoria é causa da presença da felicidade nele. Além do mais, o trabalho específico do Humano é cumprido, na medida em que é feito de acordo com a sensatez e a excelência do caráter. De fato, a excelência faz do fim um fim correto, e a sensatez abre para o encaminhamento nessa direção (E.N. 2009, VI, 12, 1144 a 6 - 9).

Bem sabemos que a diferença entre escolha e deliberação é que os

meios escolhidos já foram determinados pela investigação deliberativa. Como

diz Aubenque:

Por certo esta escolha é, ela mesma, um desejo, pois somente se quer os meios porque se quer o fim, e a escolha dos meios permanece subentendia à vontade do fim, sem a qual a escolha perderia toda a razão de ser (AUBENQUE, 2008, p. 196.).

63

Aristóteles define a escolha como o desejo deliberado do que está em

nosso poder. Ora, se a causa da ação é a escolha e a causa da escolha é o

desejo, evidentemente a causa final da ação no homem é o fim desejado. Ele

pensava que as excelências são cooperantes com o sentido orientador. Não se

pode ser bom sem a prudência e não se pode ser prudente sem a virtude ética.

O erro, então, consiste no seu contrário, ou melhor, a ação contrária à razão.

Aquele que age erroneamente contraria o que dita a reta razão, sabendo ser

errado, desconsiderando o justo meio, a sensatez. A estes, Aristóteles chama

de acráticos.

No contexto aristotélico a liberdade de ação existe na harmoniosa

relação entre o desejo e a razão. Para Aristóteles o homem se move por fins e

a liberdade está justamente na ação fruto de uma deliberação correta da razão

sobre o desejo. A responsabilidade moral se pauta, portanto, na ação.

Então, proporcionar às crianças e jovens, por meio de ações similares às

virtuosas para que, futuramente, em cooperação com o desenvolvimento da

reta razão eles possam proceder à possibilidade da boa escolha e decisões

autônomas e certas, é a melhor atitude a se tomar.

É importante que recebam uma educação ética que os prepare para

uma vida em comunidade e da melhor maneira possível. Que os preparem

para agir com responsabilidade moral. E isto requer que eles reconheçam o

“outro” como homem de direitos e deveres iguais. Afinal, para Aristóteles a

própria natureza do homem demonstra com clareza que ele é absolutamente

incapaz de viver isolado, necessita estabelecer relações com os seus

semelhantes. Ele diz, também, em A Política que o homem, por natureza, deve

viver numa cidade onde melhor estabelecerá essas relações. O homem não é

feliz sozinho. Depende do “outro” em todos os sentidos e o limite de ação do

“eu” é a existência do outro. A educação ética permite que essa relação seja

reciprocamente um reconhecimento de que os outros são tão dignos como

“eu”. “Agir moralmente é fundamentalmente, reconhecer as outras pessoas

como pessoas de mesma dignidade que eu” (ZINGANO, 2013, p. 16).

Para que possamos desenvolver o quarto capítulo, que versará sobre

Educação e experiência na conquista das virtudes é particularmente importante

64

saber sobre a acrasia e o seu sentido inverso ao dos prudentes. Se quisermos

que a criança e o jovem ajam, quando adultos, da melhor maneira possível à

imagem do prudente, em qualquer circunstância, é melhor não confiar ao acaso

esta tarefa. Aristóteles vincula a virtude moral às habilidades cultivadas na

experiência cotidiana. E esta, sem dúvida, pode ser enriquecida no cotidiano

escolar.

CAPÍTULO 3

ACRASIA

Aristóteles consagra o livro VII da Ética à Nicômaco ao estudo da

acrasia, (característica daquele que não domina a si mesmo). O filósofo

interessou-se por este tema porque considerava absurdo existirem pessoas

que, sabendo qual é a melhor conduta a ser seguida, no momento em que

agem, fracassam e se arrependem depois. Ele indagava: como se pode fazer o

que se sabe ser errado? E a esta falta de domínio ele chamou de acrasia.

As passagens essenciais sobre a acrasia tratam do erro moral. Para o

filósofo a ação ocorre no cruzamento de duas faculdades: a faculdade racional

(prática) e a parte da alma irracional, mas capaz de escutar a razão (ou, em

geral, a afecção ou emoção). O fenômeno da acrasia ou característica daquele

que não domina a si mesmo é explicado por Aristóteles sob a forma de um

conflito, ou seja, entre o que se sabe no momento anterior à ação e aquilo que

se deseja (o apetite). Aristóteles insiste que desejar o melhor não implica fazê-

lo. Neste conflito ora um, ora outro, vence e leva o sujeito para uma ou outra

escolha.

Zingano exemplifica de maneira esclarecedora:

Posso saber que fumar é prejudicial à saúde e, mesmo assim ter vontade de fumar um cigarro; neste conflito entre saber prático e desejo, ora um, ora outro vence e leva o agente em uma outra direção; no caso, pode ocorrer que fume, se o desejo presente prevalecer, ou pode ocorrer que me abstenha de fumar, se tiver força de vontade guiada pelo conhecimento prático (ZINGANO, 2007, p. 428).

Compreender o que Aristóteles expõe no capítulo VII da E.N. sobre a

acrasia é muito importante, uma vez que nossa pretensão reside na reflexão

65

sobre a formação do caráter virtuoso, no homem, pelo hábito, aderindo à ética

das virtudes de Aristóteles, desde a tenra infância. E como o próprio filósofo

postula, a educação consiste em produzir no agente acrático uma mudança

cognitiva sobre o verdadeiro bem para que o prefira a qualquer outro tipo de

conduta, afastando a possibilidade do conflito, e assim evitando o erro moral.

Aristóteles indaga:

Pode, então, agora, levantar-se a questão de saber como é que alguém que tem uma noção correta de que o que vai fazer não está certo perde o domínio de si? Alguns dizem que tal não pode acontecer se essa pessoa tiver um verdadeiro conhecimento da situação (E.N. 2009, VII, 2. 1145 b 21).

Torna-se imprescindível conhecer que Aristóteles concebe um caso em

que o agente, apesar de conhecer o bem, ainda assim prefere o mal.

Zingano esclarece como pensou Aristóteles:

A acrasia é pensada no lugar preciso de um conflito entre o que a razão reconhece como sendo bom (aquilo que deve ser feito) e o que o desejo apresenta, no momento, como aparentemente bom. Mais precisamente, trata-se de um conflito entre o que a razão prática toma como objeto de busca ou fuga e o desejo do que é agradável, aqui traduzido por apetite. Assim, Aristóteles mostra-se contrário à aplicação da noção de acrasia a casos nos quais a razão está em conflito como honra, dinheiro ou impulso, restringindo-a ao conflito com apetites (ZINGANO, 2007, p. 432).

Em algumas passagens Aristóteles sublinha insistentemente a existência

do conflito:

Parece, por outro lado, haver uma certa outra natureza da alma que é [ativamente] incapacitante de razão, mas que, ainda assim, tem uma relação com ela. Esta possibilidade existe tanto no que tem autodomínio como no que o não tem (E.N. 2009, I, XII, 1102 b 13-17).

Os impulsos do acrático são contrários aos da razão:

A coação obriga quem não tem domínio de si a ir por direções que contrariam a decisão tomada pelo sentido racional. Mas, se nos corpos é possível detectar as deslocações a contrariarem as decisões da vontade, o mesmo já não é possível a respeito da alma. Não obstante, temos de verificar a existência na alma humana de um

66

factor incapacitante de razão, que a contraria e lhe resiste (E.N. 2009, I, XII, 1102 b 21).

O acrático age dominado pelo apetite, mas não por razão deliberativa:

Por outro lado, quem não tem autodomínio age cedendo ao desejo, e, desse modo, não age de acordo com uma decisão. Finalmente quem tem autodomínio age, ao tomar uma decisão, mas não age, ao sentir um desejo ( E.N. 2009, III, II, 1111 B 13-14).

Aristóteles deixa muito claro que o acrático é dominado pela paixão, de

modo que não age segundo a razão:

Há, assim, um certo tipo humano que fica fora de si sob efeito da paixão e age contra o sentido orientador, mas de tal sorte que se, por um lado a paixão o domina ao ponto de não o deixar agir em conformidade com o sentido orientador, por outro, a paixão não domina nele ao ponto de o fazer convencer-se de que deve perseguir negligentemente prazeres desde gênero. Este é o que não se domina, e é melhor do que o devasso (E.N. 2009, VII, VIII, 1151 a 20-24).

Portanto, pode-se pensar que se habituar a desejar, desde a tenra

idade, na criança e no jovem, o que é moralmente bom para que o desejo se

harmonize com o saber que está sendo construído é contribuir para uma

formação de caráter virtuoso. O sujeito mesmo experimentando um conflito,

mantém-se firme na sua deliberação, domina o apetite e deseja o que julga ser

o bem fazendo escolhas que, consequentemente, o farão agir bem.

Diferentemente de Aristóteles, para Sócrates se conhecemos a regra

moral, agiremos conforme esse conhecimento. Se agirmos diferentemente é

porque não possuímos, de verdade, o conhecimento moral, “o conhecimento

de todos os bens e males envolvidos na ação” (ZINGANO, 2007. p. 429).

Para Aristóteles, não basta sabermos o que é o Bem ou o que devemos

fazer em determinadas circunstâncias, é preciso desejar fazer o que julgamos

ser o Bem e que este desejo esteja em perfeita harmonia com a razão para, de

fato, fazermos o Bem. O Estagirita parece não concordar com Sócrates no que

se refere à ação final realizada por ignorância porque, segundo ele, isto

tornaria involuntário o ato acrático. E o ato, em si, não é involuntário. Na

67

concepção de Aristóteles, durante a ação, o agente sabe o que “não” deve

fazer e mesmo assim o faz.

A análise do L.VII da Ética à Nicômaco descreve o comportamento da

acrasia.

Inicialmente, a discussão versa sobre as formas de disposições do

caráter que devem ser evitadas. E são elas: a perversão ou o vício, a falta de

autodomínio ou a incontinência e a bruteza. Além disso, a discussão gira

também sobre as opiniões sustentadas sobre o assunto; as aporias

decorrentes dessas opiniões que se formam a respeito das afecções

patológicas da alma humana e soluções formuladas por Aristóteles.

Aristóteles expõe as opiniões que são em número de seis:

a) que o autodomínio e a perseverança são disposições sérias e louváveis, enquanto, da outra parte, a falta de domínio e a lassidão são vis e repreensíveis; b) quem se domina a si permanece fiel às determinações de seu cálculo, enquanto quem não se domina está inclinado a traí-lo; c) o que não se domina, mesmo sabendo o que são ações vis, pratica-as – por causa da afecção patológica. Por outro lado, quem tem autodomínio, sabendo que os seus desejos são vis, não irá atrás deles, em virtude do sentido orientador; d) todos dizem do temperado que tem autodomínio e é perseverante. Mas que todos têm autodomínio e são perseverantes sejam temperados é afirmado por uns, mas negado por outros. Diz-se, por outro lado, indiscriminadamente, do devasso que não se domina e de quem não se domina que é devasso. Outros há, contudo, que distinguem os dois modos de ser; e) a respeito do sensato, uns dizem que nunca perde o autodomínio, outros, porém, dizem que alguns dos sensatos e espertos têm , de quando em vez, perda de autodomínio; f) na verdade, diz-se dos que têm falta de autodomínio que o perderam por causa da ira, pela ambição de honra e pela ganância (E.N. 2009, VII, 1, 1145 b 10).

Estas são as opiniões que se formam a respeito das afecções

patológicas da alma humana e que se revelaram ter uma maior autoridade.

Em seguida, o filósofo expõe quatro passos no que parece ser a solução

do problema da acrasia e evidentemente, para a nossa pesquisa isto nos

interessa muito porque a atualidade tem evidenciado nas atitudes da criança e

do jovem a falta de domínio, a fraqueza da vontade. E os educadores não

podem se furtar ao conhecimento desta realidade e nem negar a

responsabilidade de contribuir na formação de um ser humano melhor

distanciando-se daquele agente (o acrático) que não tem domínio sobre si.

68

Zingano comenta os quatro passos, cujo primeiro é apresentado em

1146 b 31-35: “consiste na introdução da distinção entre saber (em potência) e

saber em ato” (ZINGANO, 2007, p.455). Ou seja: é possível dispor do

conhecimento daquilo que se deve ou não fazer, mas não ter acionado esse

conhecimento no momento da ação. Aristóteles reflete sobre questões que

parecem ser a solução do problema da acrasia. Em primeiro lugar sobre o

conhecimento que ele apresenta de duas maneiras. Há pessoas que conhecem

e não fazem uso do conhecimento (conhecimento em potência) e há pessoas

que conhecem e fazem uso desse conhecimento (conhecimento em ato). Para

as duas situações se diz que ambos conhecem igualmente. Mas, há uma

diferença na prática, no momento de agir, ou seja, “dispor de um conhecimento

daquilo que se deve ou não fazer, mas não o ter acionado em vista do

momento de agir e, por outro dispor desse conhecimento e tê-lo acionado em

vista do momento da ação” (E.N. 2009, VII, 3, 1146 b 35).

No segundo passo (1146 b 35-47 a 10) o filósofo afirma haver dois tipos

de premissas (partes de um silogismo prático) e a conclusão. Revela que

“mesmo quando se dispõe dos dois tipos de premissa, nada pode coibir ainda

de se agir contra esse conhecimento”. Isto é, pode-se fazer uso do

conhecimento da premissa universal e não fazer uso do conhecimento da

premissa particular dada. Ou mesmo, pode-se dispor desse conhecimento mas

não acioná-lo no momento. Aristóteles reflete sobre de que modo podemos

agir por ignorância e qual o tipo de conhecimento está em jogo para os

acráticos. Isto porque, para Aristóteles “quem perdeu o domínio de si não

pensa que age corretamente, pelo menos antes de ter ficado sob o efeito de

uma afecção” (E.N. 2009, VII, 2,1145 b 30).

No terceiro passo (1147 a 10-24), ele explica que o acrático tem as

premissas, mas não possui ou não usa a conclusão do silogismo prático.

Aristóteles expõe a doutrina do silogismo prático: a existência de uma

proposição universal e de uma proposição particular que são conhecidas do

agente, mas que no momento da decisão gera-se um estado de perda de

domínio provocada por um princípio que é contrário ao sentido orientador

(razão). Ou seja, um desejo, um apetite que a contraria. O acrático não possui

uma das proposições ou não faz uso de uma delas.

O acrático tem todas as premissas do silogismo prático e sua conclusão,

mas age contrariamente àquilo que sabe ser o certo, o Bem. O agente sabe,

69

durante a ação, que ele não deveria fazer o que está fazendo, mas devido a

um apetite presente ele faz outra coisa do que sabe ser o certo. Ou seja, as

duas premissas do silogismo prático estão presentes, mas a ação que deveria

concluir o silogismo, não ocorre. A ignorância, a falta de conhecimento está na

conclusão.

No quarto e último passo (1147 a 24 – b 9), põe em realce o papel do

apetite, pois é ele que, ao estar presente, leva o agente a fazer o contrário do

que deveria. Ou seja, no conflito entre um desejo racional e um apetite, sai

vencedor este último.

3.1. Traços do caráter a se evitar.

Pelas palavras do filósofo são três espécies de disposições morais a

serem evitadas, e cujos contrários são louváveis.

Posto isto, tem de ser dito, fazendo um novo começo, que há a respeito das disposições do caráter humano três formas que tem de ser evitadas. São elas a perversão, a falta de autodomínio e a bestialidade. As disposições contrárias às duas primeiras são evidentes. A uma chamamos excelência. À outra, autodomínio (E.N. 2009, VII, 1. 1145 a 15).

O filósofo afirma que a acrasia não é propriamente um vício, nem uma

virtude e esclarece o motivo pelo qual a acrasia deve ser evitada:

Analisemos, assim, primeiro por um lado, a falta de autodomínio, a lassidão e a luxúria, e, por outro o autodomínio e a perseverança. De fato não se pode supor que ambos estes grupos de disposições sejam idênticos, respectivamente à excelência e a depravação (E.N. 2009, VII,1, 1145 b 1 - 3).

Não são o mesmo fenômeno moral a virtude e o vício. São espécies do

mesmo gênero do qual a virtude e o vício também são espécies.

Sócrates acreditava que: “ninguém age contra a noção que tem do que é

o melhor de tudo, mas, quando assim age, fá-lo por ignorância” (E.N. 2009, VII,

2, 1145 b 25 - 28). Segundo Aristóteles o que Sócrates afirmava está em

70

contradição aos fatos da própria vida, pois “quem perdeu o domínio de si não

pensa que age corretamente, pelo menos antes de ter ficado sob o efeito de

uma afecção” (E.N. 2009, VII, 2.1145 b 30). Aristóteles aceita a incapacidade

do homem em se manter firme contra apetites poderosos. Mas ele questiona:

“é possível que o mesmo homem seja sensato e sem domínio de si”? “Pode o

homem de sabedoria prática praticar voluntariamente atos vis?” Sua resposta

já foi enunciada anteriormente, quando tratou a sabedoria prática (phronesis –

prudência): os homens de sabedoria prática são homens de ação capazes de

se ocuparem com circunstâncias particulares e possuem as demais virtudes.

O sensato é atuante, pelo menos, no horizonte prático (o seu horizonte de atuação é o das situações-limite que de cada vez se constituem de modo particular) e, na verdade, atuante, quando detém em si já constituídas as restantes excelências do caráter (E.N. 2009, VII, 2, 1146 a 7).

Portanto, haver um homem sensato e sem domínio de si é uma

suposição absurda, segundo Aristóteles. Ele questiona que tipo de

conhecimento há no caso dos acráticos. Expõe e examina, também, algumas

dificuldades (das opiniões apresentadas) a serem resolvidas sobre a

continência e a incontinência - as aporias - preparando-se para as suas

possíveis soluções. Se a continência implica ter fortes e maus apetites, o

temperante que não possui apetites excessivos, nem maus, nunca será

continente e nem tampouco o continente será temperante porque este último

não possui apetites excessivos e maus. Se os apetites são bons, a disposição

de caráter que nos inibe de seguí-los é má e nem toda continência será boa.

Se os apetites são fracos sem serem maus não é admirável refreá-los. Se os

apetites são fracos e maus, tampouco é grande proeza resistir-lhes. Se a

continência faz um homem sustentar qualquer opinião, mesmo as falsas

opiniões, a continência é má. Se a incontinência faz com que um homem

abandone qualquer opinião haverá uma espécie de incontinência (E.N. 2009,

VII, 2, 1146 a 10 – 35).

Aristóteles não rejeita por completo todas as opiniões e dificuldades

apresentadas: “Tais são as dificuldades que se levantam. Umas têm de ser

71

resolvidas, mas outras ficarão deixadas em aberto. Porque resolver uma

dificuldade é uma forma de descoberta” (E.N. 2009, VII, 2, 1146 b 1).

A apresentação das opiniões nos reportou ao que Aristóteles apresenta

em E.N. I. 12 sobre o que há na alma além da parte racional. Parece haver

outra natureza da alma que é incapacitante de razão e que mesmo assim tem

uma relação com ela. E esta possibilidade tanto pode existir naquele que tem

autodomínio, como naquele que não o tem. Esta outra natureza da alma a

combate e lhe oferece resistência (E.N. I. 12. 1102 b 13-21).

Temos aqui sugerido um conflito na alma do agente, um fator

incapacitante de razão que a contraria e lhe resiste e que resulta numa ação

em vista dos prazeres, pois o agente é dominado pelas afecções e pelos

apetites. Zingano, assim se refere: “neste conflito entre saber prático e desejo,

ora um, ora outro vence e leva o agente em uma ou outra direção” (ZINGANO,

2007 p. 428). Mas, como o próprio Aristóteles sustenta, é possível vencer essa

resistência irracional, fazendo com que essa parte obedeça à razão:

Dissemos, então, que há uma dimensão da alma que é de algum modo, capaz de tomar parte da razão. A possibilidade de autodomínio resulta, efetivamente, da obediência ao comando da razão, mas são as disposições fundamentais do sensato e do corajoso que melhor permitem escutá-la e obedecer-lhe. Tudo neles ressoa em uníssono com a razão (E.N. 2009, I, 12, 1102 b 26 - 31).

Ou seja, o temperante tem como características aquele que tem desejos

sempre em conformidade com a razão. Ao passo que no acrático os desejos

resistem e ele não obedece à razão. Portanto, para o ponto que nos interessa

sobre o acrático vamos nos deter na opinião descrita em E.N. 2009, VII, I, 1145

b 13 -14.

Aristóteles afirma que o acrático tem desejos fortes e maus que se

colocam poderosamente no princípio da sua ação:

Ainda, se quem tem domínio de si se confronta com desejos lascivos poderosos e vergonhosos, o temperado não poderá ter domínio de si não menos do que quem tem domínio de si poderá ser temperado, pois quem é temperado não tem de se confrontar com desejos que passam da medida e são vergonhosos (E.N. 2009, VII, 2, 1146 a 10 - 14).

72

O resultado daquele conflito da alma, ao qual nos referimos

anteriormente, que incapacita de razão o agente, caracterizará a ação final

como acrática ou continente.

O acrático “sabe, durante sua ação, que ele não deveria fazer o que está

fazendo. Isto é crucial para se tomar a sério o fenômeno da acrasia”

(ZINGANO, 2007 p. 436). E este é o ponto central da acrasia, segundo

Aristóteles, quando a pensa sob a forma de um conflito entre a razão e o

apetite.

Há quem concorde com Sócrates em relação à sua teoria de que não

há nada mais poderoso do que o conhecimento e há quem não concorde. Por

esta razão é que dizem que “quem perdeu o domínio de si sucumbe aos

prazeres não tem nenhum conhecimento do que é o melhor, mas apenas uma

mera opinião” (E.N. 2009, VII, 2, 1145 b 35).

Aristóteles argumenta que se pode agir possuindo apenas uma opinião e

que a mesma direciona o agir independente do conhecimento. Portanto, não é

uma questão de possuir ou não o conhecimento como expunha Sócrates. Esta

diferença resulta em algo muito importante: um homem que conhece o que não

deve ser feito e faz. Este é o acrático. (o agente que tem o conhecimento do

que deve ser feito e não faz uso desse conhecimento). Comete, então, o erro

moral. Neste estado, segundo Aristóteles, o homem possui o conhecimento,

possui o saber em potência, mas está incapacitado de recorrer a ele, pois está

sob o efeito das paixões, dos desejos.

Finalmente, Aristóteles declara ter concluído as reflexões a respeito das

questões sobre o conhecimento e acentua o que seja a acrasia: conflito entre

um desejo racional e um apetite, do qual sai vencedor este último.

Ele admite em geral o fenômeno da acrasia. “Ele o recusa para o

prudente, a figura por excelência de seu mundo moral. O prudente não pode

ser acrático, o que Aristóteles afirma por duas vezes em E.N VII: a primeira em

1146 a 7-9, a segunda em 1152 a 6-8” (ZINGANO.2007. p. 441).

Em ambas as passagens Aristóteles justifica a impossibilidade de o

homem prudente não poder ser acrático não no fato de possuir o saber, mas

por possuir as outras virtudes, as virtudes morais, em especial a temperança

que não dá lugar à acrasia.

Em VII, 4.1149 a 9:

73

O sensato é atuante, pelo menos no horizonte prático (o seu horizonte de atuação é o das situações limite que de cada vez se constituem de modo particular) e, na verdade, atuante quando detém em si já constituídas as restantes excelências do caráter.

Portanto, no processo formativo, a escola, os educadores precisam estar

atentos ao modo pelo qual orientam a criança e o jovem, no sentido de que a

trajetória escolar seja permeada por orientações do que seja o melhor a ser

feito através de boas ações porque a regularidade dessas boas ações se

tornarão hábitos, virtudes morais, o que, futuramente, poderão afastar o jovem

do conflito e quiçá da acrasia. No processo formativo da criança e do jovem

deve haver a preocupação com uma formação que possibilite o equilíbrio entre

a razão e as afecções.

Para Aristóteles não basta a prática de uma ação reprovável para

determinar que o caráter do agente seja falso, enganador. É preciso verificar se

há responsabilidade na escolha por parte do agente. Pois é a escolha e não a

ação, propriamente realizada que expressa o seu caráter.

No próximo capítulo exploraremos, então, como Aristóteles sugere em

sua Ética Nicomaquéia uma educação para que haja o equilíbrio entre a razão

e as afecções.

74

CAPÍTULO 4

EDUCAÇÃO E EXPERIÊNCIA NA CONQUISTA DAS VIRTUDES

Muitas de minhas indagações nasceram da prática em sala de aula e

enquanto coordenadora pedagógica da rede pública do município de São

Paulo. Percebemos que a escola não pode silenciar diante da ausência da

orientação ética.

Como afirma Patrício:

Vivemos, axiologicamente, sobre areias movediças. Essa difícil situação humana repercute-se com particular violência na educação, sendo fator de insegurança e angústia para os educadores profissionais que são os professores (PATRÍCIO,1993, p.22. In MARQUES.R. p.63).

Patrício considera que a axiologia educacional é fundamental para o

professor, uma vez que, não há educação sem valores éticos e o compromisso

educativo não é possível fora do compromisso dos valores éticos. Diante desta

constatação e no intuito de responder muitas de nossas indagações nos

reportamos à leitura das obras de Aristóteles. Mais precisamente a Ética à

Nicômaco. A razão da escolha desta obra foi seu foco na vida virtuosa.

Inquietações se transformaram em possibilidades de resposta quando

buscamos aprofundamento na ética aristotélica, em razão do apelo a uma

educação da temperança, da coragem e da prudência entre outras virtudes.

Valores fundamentais para a nossa vida.

À semelhança de Aristóteles também optamos pelo exercício de ações

virtuosas e concordamos quando ele afirma ser a virtude o caminho mais certo

para a felicidade, pois a vida virtuosa traz contentamento, tranquilidade e

serenidade. Para Aristóteles, a felicidade é o bem que todos nós buscamos, é a

finalidade da vida. A natureza humana predispõe o homem a fazer o bem, mas

para que as pessoas realmente cumpram a sua função humana, que é fazer o

bem, é necessário educá-las pela prática, pelos bons exemplos, pelo hábito.

Isso significa realizar plenamente a função própria do homem: viver

autonomamente conforme a sua racionalidade. E a educação torna a razão

75

prática correta, por meio de exemplos, ao aprender a ser moderado, corajoso,

na justa medida.

A escola não pode se limitar a acentuar uma ética mínima e ignorar

valores éticos. Como lugar de educação ela precisa estar aberta não só ao

conhecimento, à reflexão dos saberes da língua, da matemática, das ciências,

mas também precisa prestar atenção ao agir humano. É preciso assumir uma

educação em valores éticos que amenize situações e conflitos enfrentados hoje

em dia não só na escola, mas também na sociedade em geral. São muitas as

queixas de pais, de professores em relação ao comportamento dos jovens e a

nós fica claro que tudo isto pode estar associado à ausência de orientação

ética. A criança e o jovem necessitam de profissionais éticos para exercitarem

valores que os tornem virtuosos também, pois o próprio Aristóteles no livro IX

da Ética a Nicômaco, afirma: “(...) Há certa forma de exercício da excelência

que nasce do viver em conjunto com pessoas de bem” (E.N. 2009, IX. 9, 1170

a 10). E também, no capítulo X analisa modos de como formar pessoas

capazes de fazer escolhas certas, e de escolher o bem. Aristóteles sustenta

que todo o estudo sobre a ação resultou em saber que não basta ter o

conhecimento sobre as virtudes, devemos também tentar possuí-las e exercê-

las:

Ou não será antes verdade, tal como foi dito, que o fim em matérias de ação humana não consiste em construir teorias acerca de cada uma delas ou aceder-lhes cognitivamente, mas antes do próprio agir? Também acerca da excelência não se dá o caso de bastar conhecê-la, mas tem de se tentar possuí-la e aplicá-la, ou de qualquer outro modo tornamo-nos pessoas de bem. Se acontecesse que os discursos nestas matérias fossem por si sós suficientes para fazer de quem os escuta homens excelentes (segundo diz Teógnis), seria apenas preciso redigi-los, para logo ganharem , de uma forma justa, salários de montantes elevados (E.N. 2009, X. 9, 1179 b 1 - 5).

Para que os nossos jovens conheçam os valores e os exercitem para

que se transformem em virtudes é essencial que os mesmos sejam

transmitidos por educadores que dialoguem sobre eles. É importante que os

educadores sejam o exemplo, ajam virtuosamente ou esclareçam como agir

virtuosamente. E a este respeito Aristóteles é decisivo:

A palavra e o ensinamento não tem a mesma força junto de todos, mas a alma do que escuta tem de ser preparada de antemão pelo

76

trabalho através de diversas formas de habituação para poder sentir alegria e abjeção de um modo correto – do mesmo modo que uma terra é preparada para receber uma semente e a fazer fomentar (E.N. 2009, X, 9, 1179 b 25).

A maior parte dos homens nasce com uma predisposição para ser

virtuosa, podendo tornar-se virtude no adulto. A educação pode contribuir se

ocupando da razão e dos hábitos do comportamento desde a tenra infância.

Uma educação de valor é fruto de educadores que vivem virtuosamente e

refletem os valores éticos que possuem na intencionalidade de sua ação

educativa:

Se imaginamos uma criança que vive em um ambiente social onde as relações de reciprocidade praticamente não existem, ela dificilmente desenvolverá a capacidade de pensar as relações sociais por meio da cooperação. Imaginemos outra criança que viva num meio no qual valores como paz, justiça e respeito sejam trocados por outros como, violência, dominação e desrespeito. É bem provável, uma vez que tem a necessidade natural de inserir-se na comunidade que a acolhe, que tal criança não se desenvolva moralmente, pois está submetida a figuras de autoridade que proclamam tais valores – a violência, dominação e desrespeito - e agem inspiradas por eles (La Taille, 2009, p. 144).

Educação de valores é dar o exemplo agindo, praticando-os no cotidiano

escolar. Não pode haver incoerência entre a palavra e a ação. Educamos mais

pelas atitudes do que pelas palavras. E nós educadores devemos lembrar que

nossa influência se eterniza na vida de nossos alunos. Muito mais do que falar

ou escrever sobre os valores éticos, é fundamental praticá-los no dia a dia

escolar. Tanto a criança como o jovem constroem conceitos sobre o que é o

bem e o que é o mal e tantos outros conceitos pelo exemplo, em primeiro lugar

no seio familiar e depois no cotidiano escolar. Sabemos da grande influência

exercida pela família na vida de crianças e jovens. Durante muitos anos

ouvimos de vários educadores que o peso da influência familiar é muito grande

e por vezes negativo devido à situação econômico-social em que vivem esses

educandos. A escola é o lócus do desenvolvimento de regras de convivência

em grupo, similares àquelas que todos vivenciarão em sociedade, valores

éticos que serão encontrados no dia a dia da vida social: o respeito por um

espaço que é de todos, a justiça que não pune o inocente, a honestidade no

lugar da esperteza, a solidariedade, a fidelidade a um amigo, a compreensão.

77

A escola enquanto instituição socializadora forma cidadãos comprometidos,

participativos e transformadores de realidades garantindo assim a harmonia e o

bem estar de todos. Isto não pode ser apenas uma frase bonita há ser escrito

nos documentos intitulados “Projeto político pedagógico” de cada unidade

escolar e sim ser o resultado de ações educativas pautadas numa educação

ética. Educar eticamente requer diálogo, requer o estabelecimento de vínculos

afetivos, confiança, respeito. Rubem Alves divide a educação em duas partes:

educação das habilidades e educação das sensibilidades e ele sustenta que

sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem

sentido (ALVES, R. 2005).

No comentário de Coelho à Ética à Nicômaco de Aristóteles é afirmado:

Apenas na medida em que o homem é também racional surge para ele o desafio de controlar e dominar e por fim educar e conformar o seu desejo, isto é, a parte irracional apetitiva de sua alma, impondo-lhe a direção e a medida tal que lhe indica a sua razão, como sentido orientador (orthos logo). Isto abre para que, ao lado das capacidades (que são condições de possibilidade de o homem ser afetado por afecções, como capacidade de ter afeccções, de se emocionar), surjam as disposições ou hábitos, conceito capital da ética aristotélica, que são aquilo com que o homem se comporta bem ou mal relativamente às afecções (In: CAEIRO, A. de Castro. Ética a Nicômaco. 2009, p. 10).

Mas é preciso dizer que a escola apresenta dificuldades para trabalhar

com ética. Segundo o relato de muitos professores são vários os fatores que

impossibilitam este trabalho tais como: a indisciplina dos educandos, falta de

limites, níveis de aprendizagem insatisfatórios ou, até mesmo, despreparo dos

educadores e falta de estratégias a serem utilizadas como recursos

pedagógicos no desenvolvimento de uma educação ética. O fato é que a

dificuldade existe e talvez fosse necessária uma disciplina específica para o

assunto (Filosofia) e um especialista ( professor graduado em Filosofia) na

condução dessa disciplina desde os primeiros anos do ensino fundamental da

Educação Básica e não apenas no Ensino Médio como já existe. O próprio

Aristóteles deixou evidente a necessidade de um professor especialista:

Assim, é ao tocar cítara que executantes desse instrumento se tornam virtuosos ou maus. De modo análogo se passa com os construtores de casas e com todos os restantes peritos numa determinada perícia. É ao construir bem uma casa que os construtores se tornam bons construtores tal como é ao construir mal

78

uma casa que se tornam maus construtores. Se assim não fosse, não precisávamos para nada de um instrutor e todos se tornavam a partir de si próprios bons ou maus a respeito de qualquer atividade (E.N. 2009, II. 1103 b 10 – 15).

A educação escolar, afirma Marques (2012, p.49) “não é uma escolha é

um direito, um dever. Um direito pessoal e um dever social que agregam

valores que beneficiam a edificação de uma sociedade mais justa e

harmoniosa”.

Educar é permitir a transformação pela autonomia e liberdade

conquistadas através da “habituação como um processo de submissão da

parte inferior da alma à superior, da conquista cotidiana de bons hábitos tais

que resultem na conformação do modo de desejar” (COELHO, Nuno M.M. dos

Santos. In: CAEIRO, A. de Castro. Ética a Nicômaco. 2009, p. 10).

Daí a extrema importância de nos atermos à discussão sobre o prazer

que Aristóteles expõe no Livro X.I: “o prazer é uma das possibilidades extremas

mais profundamente domiciliadas na nossa natureza”. E é esse o motivo pelo

qual na educação é necessário estar atento aos mais jovens expostos às

vicissitudes e no encontro com prazeres e sofrimentos.

Segundo Aristóteles,

Parece de uma importância extrema para a realização da excelência do caráter o sentir prazer e aversão a respeito do que é devido. Prazer e sofrimento estendem-se ao longo de toda a nossa vida. Têm peso e influência sobre a constituição da excelência e a possibilidade em alcançar a vida feliz (E.N. 2009, X. I. 1172 a 23 - 25).

Exatamente por esses fenômenos serem tão importantes para a

constituição da excelência, Aristóteles no Livro X: cita as opiniões correntes a

respeito do tema; desenvolve sua própria representação e faz comentários.

Quanto às opiniões sobre o prazer ele cita duas posições extremas: que uns

consideram ser o prazer o bem; outros dizem que o prazer é qualquer coisa

desprezível que escraviza o homem. “Pensa-se que o prazer é uma das

possibilidades extremas mais profundamente domiciliadas na nossa natureza”

(E.N.2009, X, 1, 1172 a 20). “Prazer e sofrimento estendem-se ao longo de

toda a nossa vida”. “Têm peso e influência sobre a constituição da excelência e

a possibilidade em alcançar a vida feliz” (E.N. 2009, X, 1, 1172 a 25).

79

A nós particularmente interessa-nos conhecer como Aristóteles

desenvolve sua própria representação, pois é preciso admitir que as ações

honestas e virtuosas façam da criança e do jovem aquele cidadão crítico,

participativo e transformador de realidades.

Por isso, no processo educativo os meios podem contribuir para incutir

no jovem o hábito na realização do bem. Aristóteles demonstrou sua

preocupação com os meios que permitem alcançar a virtude. Para ele ninguém

aprende sozinho, mas com o outro, com o modo de ser do outro, com as

virtudes do outro. E também deixou claro o quão é importante o conhecimento

de si próprio.

Deve-se por outro lado examinar relativamente a que erros é que tendemos mais facilmente a ser levados. Todos tendemos naturalmente para coisas diferentes. Isto será melhor reconhecido a partir do prazer e do sofrimento que se formam em nós. Temos de nos arrastar para a direção contrária; e temos de nos afastar amiúde para fora do erro para podermos chegar ao meio e fazer exatamente o que fazem os que aplainam as partes rugosas das madeiras (E.N. I, 1109 b 3 - 10).

O conhecimento de si próprio: saber o que há em excesso e o que está

em falta, facilitando o direcionamento para a melhor escolha, para a mediania.

Durante o processo educativo a escola, pode também, possibilitar à criança e

ao jovem o exercício de atitudes boas, similares às de um virtuoso, que os

tornem homens de bem e corretos; e isto pode se dar pelo exemplo do

professor de filosofia.

Através da racionalidade de outros (adultos) que educam os jovens,

estes podem ver o que é o melhor a ser feito nas circunstâncias particulares e

se utilizando da razão vão aprendendo a agir de modo que os desejos e

apetites estejam em harmonia com a razão aperfeiçoando assim o caráter. A

criança e o jovem orientados e pelo hábito vão se tornando capazes de tomar

decisões por conta própria e agir virtuosamente. Ou seja, passam da ação por

autoridade à ação em vista do fim virtuoso desejado por si próprio em perfeita

harmonia com a razão.

A escola é o lócus da educação. O processo educativo é apontado por

Aristóteles como imprescindível para a criação de bons hábitos, bem como o

exercício e o tempo.

80

Ser educado de uma determinada maneira desde a mais tenra idade, a

fim de nos deliciarmos e de sofrermos com as coisas certas deveria ser a

preocupação das escolas de ensino fundamental desde os primeiros anos.

O percurso traçado até sugere que faz toda a diferença habituar desde

cedo para a escolha correta, para o bem e consequentemente para a aquisição

das virtudes morais. É relevante dar importância a insistência por parte de

Aristóteles sobre a importância do hábito, do tempo e da experiência na

formação ética das crianças e jovens.

Assim, podemos inferir conclusões: o processo educativo, na escola,

tem papel relevante na formação ética de nossas crianças e adolescentes.

Dado que, como diz Aristóteles, o homem é o princípio de suas ações e que as

melhores decisões que realiza devem ter um ponto de união, de equilíbrio do

intelecto (razão) com o desejo, a ação virtuosa será fruto do hábito e a virtude

adquirida a partir da experiência.

Na escola, durante o processo educativo, se pode proporcionar às

crianças e jovens, desde cedo, sistematicamente, à luz de ações similares às

virtuosas, através de circunstâncias do cotidiano, a melhor decisão, de maneira

justa e reta e o justo meio.

É habituá-lo a discernir os aspectos relevantes das circunstâncias particulares para a realização do que é melhor naquela circunstância - habituá-lo ao exercício da virtude da phronesis, que consiste no hábito de decidir, nas circunstâncias concretas, a partir de modelos do bom e do melhor que estão acima de sua individualidade, porque são os modelos que lhe dão a sabedoria, por um lado,e, por outro porque são os modelos estabelecidos pelas leis (AUBENQUE, 2003, p. 86).

Para adquirirmos uma disposição virtuosa, como já dissemos, devemos

praticar atividades similares às ações virtuosas, pois no processo de aquisição

da virtude moral, agimos similarmente ao homem virtuoso. Nesse processo

praticar essas ações mesmo ainda não sendo propriamente virtuosos,

justamente para que se torne um hábito e também para que aprendamos a

raciocinar com prudência. Nas palavras de Aristóteles: “Com efeito, não é uma

diferença de somenos o habituar-mo-nos logo desde novos a praticar ações

deste ou daquele modo. Isso faz uma grande diferença. Melhor, faz toda a

diferença” (E.N. 2009, II, 1, 1103 b 23-25).

81

Aristóteles disse: “se alguém tiver como única excelência a sensatez,

logo terá presente nele todas as restantes” (E.N. 2009, VI, 13, 1145 a 1).

Então, proporcionar às crianças e jovens, por meio de ações similares às

virtuosas para que, futuramente, em cooperação com o desenvolvimento da

reta razão eles possam proceder à possibilidade da boa escolha e decisões

autônomas e certas é a melhor atitude a se tomar porque o prepara para uma

vida em comunidade e da melhor maneira possível; o prepara para agir com

responsabilidade moral e isto requer que ele reconheça o “outro” como homem

de direitos e deveres iguais. Afinal, o homem não é feliz sozinho. Depende do

“outro” em todos os sentidos e o seu limite de ação do “eu” é a existência do

“outro”. “Agir moralmente é, fundamentalmente, reconhecer as outras pessoas

como pessoas de mesma dignidade que eu”.7

Por isso, precisamos nos aproximar do agir corretamente do ponto de

vista moral como é visto por Aristóteles “similar à arte do arqueiro que visa um

alvo”. Revertendo uma cultura que nos distancia de nosso ergon, que nos

distancia de fazermos o bem e agirmos pela razão.

7 ZINGANO, M. As virtudes morais. Filosofias: o prazer do pensar. Coleção dirigida por

Marilena Chauí e Juvenal Savian Filho. São Paulo: Martins Fontes. 2013. p.16.

82

CONCLUSÃO

Há muitas explicações e hipóteses sociológicas para os avanços dos

últimos anos em nossa sociedade. Mas, para os “desvios” de caráter, a

incontinência, a fraqueza da vontade ou ainda a falta de domínio e suas

consequências negativas muitas explicações são discordantes.

Diante do atual contexto marcado pela violência, pelo desrespeito,

preconceito e falta de limites entre outros, estou certa de que a alternativa para

buscar soluções na formação do caráter de nossos jovens é a educação pelos

valores que privilegie a temperança, a coragem a prudência e outros valores

fundamentais para a nossa vida.

Afinal, “não se estuda ética só para que cresça o saber, mas para que

sejam melhores esses seres imorais que somos nós” (PERINE, 2006, p.14).

Escolhi o título “Ética das Virtudes e a educação em Aristóteles, pelo fato

de considerar pertinente e necessário delimitar um espaço, um tempo, para

pensar sobre o exercício das virtudes que, segundo Aristóteles, contribui para a

arte de viver bem e consequentemente o caminho para a liberdade nas

escolhas da melhor ação com responsabilidade.

Fernando Savater no livro Ética para meu filho relata:

Nós, seres humanos, sempre [...]. Podemos dizer “sim” ou “não”, quero ou não quero. Por mais que nos vejamos acuados pelas circunstâncias, nunca temos apenas um caminho a seguir, mas vários. Quando falo de liberdade, é a isso que estou me referindo: ao que nos diferencia das térmitas e das marés, de tudo que se move de modo necessário e inevitável (SAVATER. 2012. p. 24).

Savater, certamente inspirou-se em Aristóteles: ser livre é ter o poder de

dar a si mesmo seu próprio fim e ser para si mesmo seu próprio fim.

Precisamos estar mais atentos para esse “saber viver”, conhecido como vida

ética e nos apropriar-mo-nos desse conhecimento que poderá resultar na

geração de oportunidades para que a criança e o jovem pelo exercício das

virtudes encontrem a eudaimonia (felicidade) tão desejada por todos os

homens. Pois, segundo Aristóteles viver bem é viver uma vida caracterizada

pelo uso excelente das nossas faculdades racionais, e esta existência

caracteriza-se pela aplicação de regras gerais da vida virtuosa a situações

particulares que exigem deliberação moral.

83

O tema é relevante porque o pensamento de Aristóteles e suas

preocupações filosóficas são expressão e interpretação das questões que seu

tempo lhe propunha, não tão distantes do que nos propõe o século XXI.

Sentimos necessidade de uma educação do agir correta e sadia, desde

a mais tenra idade, como bem afirmou Aristóteles: “Com efeito, não é uma

diferença de somenos o habituar-mo-nos logo desde novos a praticar ações

deste ou daquele modo. Isso faz uma grande diferença. Melhor, faz toda a

diferença” (E.N. 2009, II, I. 1103 b 29).

A escola é um ambiente de orientação ética indiretamente. Na escolha

dos conteúdos para a aprendizagem há valores, sejam eles implícitos ou

explícitos.

Segundo La Taille (2009, p. 80 e 81):

Em primeiro lugar porque me parece inconcebível que instituições nas quais as crianças e os jovens passam anos e anos, possam não se preocupar com dimensões de vida que vão além da aprendizagem de determinadas disciplinas. E, em segundo lugar, porque os próprios conhecimentos transmitidos na escola são portadores de sentido que transcendem a especificidade de cada matéria. A escola é uma verdadeira usina de sentidos de vida (ética) e de convivência (moral) e não há outra instituição social de que se possa dizer o mesmo.

Parece de suma importância para a realização da excelência do caráter

nos preocupar com os meios pelos quais as crianças e os jovens estão sendo

educados. Para um homem ser bom e são, deve ser bem educado e adquirir

bons hábitos por meio do exercício. Preparar o exercício de modo adequado

para nutrir a semente, nos parece de extrema importância. A virtude

pressupõe: vontade, dirige a decisão, a escolha e conduz à liberdade, pois é o

homem quem dá origem às ações na medida em que pode fazer ou deixar de

fazer as coisas que estão no âmbito do seu poder.

Propusemo-nos a estudar Ética a Nicômaco por acreditar que nela

encontraríamos uma orientação para a educação ética. Afinal, o nosso maior

objetivo é continuar encantando nossos alunos para que desejem a felicidade,

façam escolhas para o bem, amem, respeitem sejam responsáveis por um

mundo melhor para todos, conquistando assim a felicidade. E a educação ética

tem papel fundamental para essa conquista, pois o próprio Aristóteles

reconheceu:

84

Se é melhor obter assim a felicidade através de uma certa aprendizagem e preocupação do que ser feliz por sorte, é mais razoável obtê-la desse modo (E.N. 2009, I, 9. 1099 b 21 – 23). Confiar o sublime e o mais excelente ao acaso seria completamente absurdo (E.N. 2009, I, 9. 1099 b 25).

Mudança se faz com o agir humano. Ou educamos crianças e jovens

pelos valores para que quando adultos reconheçam os valores humanos ou

estaremos arriscados a conviver com uma geração afastada da sua essência,

desumanizada. Educar pelos valores tem muitos desafios e é uma tarefa árdua.

Mas não é uma tarefa para qualquer pessoa.

O próprio Aristóteles afirmou:

Porque quem propõe como tarefa alterar para uma boa disposição quem quer que seja não poderá ser uma pessoa qualquer, mas, se, de todo, houver alguém que o consiga, terá de ser o perito nessa área, tal como acontece na medicina e as restantes áreas onde operam uma certa preocupação e sensatez (E.N. 2009, X, 9.1180 b 27 - 30).

É necessário um educador que forme indivíduos capazes de decidir em

cada situação particular unindo o que deseja fazer com o que deve ser feito. E

para isso é necessário cultivar esse “como” fazer.

Ao observarmos a vida dos gregos antigos, percebemos que eles eram

guiados pelas condutas dos heróis. Valorizavam formas de expressão dos

jogos, dos espetáculos de teatro. Eles aprendiam nessas formas de expressão

um modo de ser, um modo de viver que salientava a vida daquela sociedade.

Aristóteles, homem dessa Grécia pensou a vida humana como ela se

desenrolava na cidade (polis) percebendo o inacabamento da mesma e a

necessidade da busca de uma finalidade. A essa finalidade ele nomeou de

Bem e na busca dele o homem escolhe o melhor caminho fazendo uso da

razão.

Quando Aristóteles confere importância à educação para o

desenvolvimento de um processo de melhoramento da natureza que visa

formar o homem para ser muito mais do que um animal de logos, ele aponta

para uma tarefa comunitária, ou seja, não se aprende sozinho, mas com o

outro, com a maneira de ser do outro, com as virtudes dos outros.

85

Assim, a educação promove no homem a necessidade de educar-se,

para ser sábio capaz de bem decidir para bem viver. Para Aristóteles a

educação tem em mira a formação de homens bons. O homem é capaz de dar

a sua ação um fim nobre, uma ação responsável refletida e comprometida com

o bem comum.

O próprio Aristóteles escreve sobre o poder de quem compreende:

Mas quem tiver o poder de compreensão, distingue-se no agir. A disposição que primeiramente era apenas semelhante à excelência ter-se-á tornado nessa altura uma excelência no sentido autêntico do termo (E.N. 2009, VI, 13. 1144 b 12).

Quando se aprende a razão do porquê algo deve ser feito, ocorre uma

diferença no agir. Aristóteles escreve que não é a razão, mas a “virtude

natural ou habitual” que fornece a opinião correta sobre os princípios. Nada,

com efeito, impede que tenhamos a inclinação natural para a temperança e isto

desde a mais tenra infância, tampouco nos obriga a tanto; ter de nascença

certas tendências pode ser útil, mas tudo se decide ao longo da formação do

sujeito mediante a educação e os hábitos adotados. (ZINGANO, 2009. p.

495/496).

Para concluir, um homem virtuoso adquire essa condição pelo

hábito. E a escola, através de situações planejadas intencionalmente similares

às de um homem virtuoso contribui para esse aperfeiçoamento, por meio do

hábito.

É possível afirmar que ética possui uma relação com a pedagogia e os

processos educativos são, também, processos éticos. Cabe à escola, então,

como já foi dito um educador que forme indivíduos capazes de decidir em cada

situação particular unindo o que deseja fazer com o que deve ser feito. E para

isso é necessário cultivar esse como fazer.

Faço minhas as palavras de Marques (2012. p.16):

(...) “A colheita só acontece depois do plantio. Então, é importante

fazer germinar essa semente!”

86

É necessário dizer sobre o mar de dificuldades enfrentadas ao construir

o nosso trabalho, mas a contribuição que poderemos oferecer com esta

pesquisa aos educadores que, como nós, se aventurarem a conhecer mais

sobre o filósofo e sua ética das virtudes animou tão pretensiosa ousadia. Deixo

claro, também, para todos que Ética à Nicômaco é uma ética que precisa ser

reinterpretada e remodelada na contemporaneidade. E para terminar só posso

dizer que a pessoa que iniciou este estudo pouco tem a ver com a que o

concluiu.

87

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