informativa folha - ctalmada.pt · AGENDA DE AMANHã Bucha e Estica: Dois malucos à solta...

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Nº 10 - 13 de Julho de 2012 folha informativa © V. Arbelet A peça que o público ele- geu de entre todas como a melhor na edição de 2011 do Festival de Almada, sobe amanhã às 22h00 ao Palco Grande. Que fazer? (o regresso), uma colagem de grandes textos do pensamento ocidental, assi- nada por Jean-Charles Massera e Benoît Lambert (que também encenou), decorre numa es- tranha cozinha, onde um ca- sal de improváveis intelectuais (François Chattot, actor Maior da cena francesa, director do Teatro de Dijon-Bourgogne, e Martine Schambacher) tenta compreender o estado cala- mitoso do Mundo. Assim, as personagens (entre o verosímil e o burlesco) lançam-se numa descoberta ou num regresso aos conceitos que desenco- brem a terrível circularidade dos padrões históricos que a Huma- nidade inexorável e incessante- mente revisita – escolhendo uns em detrimento de outros. Começar de novo Começam por Descartes, pro- pondo-se à dúvida metódica enunciada pelo fundador da filosofia moderna na primeira das suas meditações metafísi- cas: «Notei, há alguns anos já, que tendo recebido desde a mais tenra idade tantas coisas falsas por verdadeiras, e sendo tão duvidoso tudo o que depois sobre elas fundei, tinha de dei- tar abaixo tudo, inteiramente, por uma vez na minha vida, e começar, de novo, desde os primeiros fundamentos, se qui- sesse estabelecer algo de se- guro e duradoiro nas ciências. Agora, pois, que o meu espírito está livre de todos os cuidados, e que consegui um repouso assegurado numa pacífica soli- dão, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade, em destruir em geral todas as minhas antigas opiniões.» ESPECTÁCULO DE HONRA 2012 | QUE FAZER? (O REGRESSO) Para redescobrir posições de combate Uma ementa variada para os espíritos mais exigentes Seguem-se vários outros pen- sadores, num escrutínio sagaz e muito cómico, que passa, designadamente, pelo oráculo maldito de Karl Marx O Capital (em relação ao qual marido e mulher discordam, optando por pô-lo no armário, contudo não descuidando um necessário post-it que colam no frigorífico como lembrete para uso futu- ro), pelo manual de organização para revolucionários de Lenine Que Fazer? (que põem de lado), pelas cartas de Guy de Mau- passant a Gustave Flaubert, em que o escritor defende «a su- pressão das classes dirigentes» ou ainda pelos magníficos escri- tos epistolares de Flaubert: «A democracia não é a sua última palavra, tal como a escravatura não o foi, tal como o feudalisno não o foi, tal como a monarquia também não. O horizonte capta- do pelos olhos humanos nunca é a margem, porque para além desse horizonte, há um outro, e sempre!». Um outro momento encherá de alegria os espíritos mais exigen- tes: aquele em que o casal de bibliófilos de cozinha evoca um pensador contemporâneo intri- gantemente esquecido: o belga Raoul Vaneigem: «Eis por que o sofrimento, inscrito nos funda- mentos da história dos Homens, está de tal forma estampado no rosto dos recém-nascidos. (…) Mas é também o verdadeiro mi- lagre da humana natureza, que sob o tédio da sobrevivência e a corrosão dos pensamentos mortíferos, subsista um fermen- to de vida que aspira a germi- nar, na alegria de um mundo reinventado.» Mas Que fazer? (o regresso) é feito de outras coisas que não livros – quadros, canções, di- cionários de cozinha, e sem- pre a música e a poesia. Um espectáculo de luxo, cheio de ideias suculentas, para redes- cobrir as posições de combate que apenas o Teatro – “esse Outro da política”, como foi lembrado há dias num coló- quio dos Encontros da Cerca – parece poder convocar por estes dias em que a fúria da sobrevivência vota o essencial ao esquecimento. O público de Joaquim Benite U m dos factos mais notá- veis (que se nota, por- tanto, podendo inclusive ser quantificado) associado à intensa actividade teatral a que Joaquim Benite se tem dedica- do desde há mais de quarenta anos, é o público que o ence- nador tem mobilizado para o teatro. Não há quem, vindo pela pri- meira vez a Almada, não fique surpreendido com o público que invariavelmente enche de gente e de entusiasmo as salas do TMA - bem como todas as ou- tras onde decorram espectácu- los da CTA, ou de companhias (portuguesas e estrangeiras) acolhidas nos seus espaços, e de que são exemplo eloquente os que integram o programa do Festival de Almada. Espectácu- los a que invariavelmente esse público comparece, em Almada como em Lisboa, anulando sem demoras nem filosofia a distân- cia simbólica entre as cidades que o rio separou. E esse público é não só nume- roso, mas também generoso, conhecido de resto por isso mesmo: por uma gratidão que toma forma nos aplausos com que sempre enche de alegria os corações dos actores. Mas nem só, pois o público que Joaquim Benite tem sabido mobilizar para o fazer cultural é presença assídua ao longo de toda a temporada no TMA - e designadamente nos concertos de música clássica, que têm trazido a Almada, numa base regular, grandes orquestras portuguesas como a Orquestra Gulbenkian, ou a Orquestra Sinfónica Portuguesa. O Grau de Oficial das Artes e das Letras com que o Estado francês distingue hoje Joaquim Benite (cerimónia na Sala Principal do TMA pelas 21h30) reconhece o contributo que o encenador tem dado em Portu- gal para a difusão e brilho da cultura francesa. Essa contri- buição tem contado com o inte- resse e o entusiasmo constantes de um parceiro sem o qual nada em teatro faz sentido: o público. Sarah Adamopoulos CHATTOT E SCHAMBACHER EM COLÓQUIO NA ESPLANADA François Chattot e Martine Schambacher, protagonistas do Espectáculo de Honra, vão estar no domingo pelas 18h00 na Esplanada da Esc. D. António da Costa para conversar com o público sobre a actualidade de Que fazer? (o regresso).

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Nº 10 - 13 de Julho de 2012 folhainformativa

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A peça que o público ele-geu de entre todas como a melhor na edição de

2011 do Festival de Almada, sobe amanhã às 22h00 ao Palco Grande. Que fazer? (o regresso), uma colagem de grandes textos do pensamento ocidental, assi-nada por Jean-Charles Massera e Benoît Lambert (que também encenou), decorre numa es-tranha cozinha, onde um ca-sal de improváveis intelectuais (François Chattot, actor Maior da cena francesa, director do Teatro de Dijon-Bourgogne, e Martine Schambacher) tenta compreender o estado cala-mitoso do Mundo. Assim, as personagens (entre o verosímil e o burlesco) lançam-se numa descoberta ou num regresso aos conceitos que desenco-brem a terrível circularidade dos padrões históricos que a Huma-nidade inexorável e incessante-mente revisita – escolhendo uns em detrimento de outros.

Começar de novoComeçam por Descartes, pro-pondo-se à dúvida metódica enunciada pelo fundador da filosofia moderna na primeira das suas meditações metafísi-cas: «Notei, há alguns anos já, que tendo recebido desde a mais tenra idade tantas coisas falsas por verdadeiras, e sendo tão duvidoso tudo o que depois sobre elas fundei, tinha de dei-tar abaixo tudo, inteiramente, por uma vez na minha vida, e começar, de novo, desde os primeiros fundamentos, se qui-sesse estabelecer algo de se-guro e duradoiro nas ciências. Agora, pois, que o meu espírito está livre de todos os cuidados, e que consegui um repouso assegurado numa pacífica soli-dão, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade, em destruir em geral todas as minhas antigas opiniões.»

ESPECTáCuLo DE HoNrA 2012 | QUE FAZER? (O REGRESSO)

Para redescobrirposições de combate

Uma ementa variada paraos espíritos mais exigentesSeguem-se vários outros pen-sadores, num escrutínio sagaz e muito cómico, que passa, designadamente, pelo oráculo maldito de Karl Marx O Capital (em relação ao qual marido e mulher discordam, optando por pô-lo no armário, contudo não descuidando um necessário post-it que colam no frigorífico como lembrete para uso futu-ro), pelo manual de organização para revolucionários de Lenine Que Fazer? (que põem de lado), pelas cartas de Guy de Mau-passant a Gustave Flaubert, em que o escritor defende «a su-pressão das classes dirigentes» ou ainda pelos magníficos escri-tos epistolares de Flaubert: «A democracia não é a sua última palavra, tal como a escravatura não o foi, tal como o feudalisno não o foi, tal como a monarquia também não. o horizonte capta-do pelos olhos humanos nunca é a margem, porque para além desse horizonte, há um outro, e sempre!».um outro momento encherá de alegria os espíritos mais exigen-

tes: aquele em que o casal de bibliófilos de cozinha evoca um pensador contemporâneo intri-gantemente esquecido: o belga raoul Vaneigem: «Eis por que o sofrimento, inscrito nos funda-mentos da história dos Homens, está de tal forma estampado no rosto dos recém-nascidos. (…) Mas é também o verdadeiro mi-lagre da humana natureza, que sob o tédio da sobrevivência e a corrosão dos pensamentos mortíferos, subsista um fermen-to de vida que aspira a germi-nar, na alegria de um mundo reinventado.»Mas Que fazer? (o regresso) é feito de outras coisas que não livros – quadros, canções, di-cionários de cozinha, e sem-pre a música e a poesia. um espectáculo de luxo, cheio de ideias suculentas, para redes-cobrir as posições de combate que apenas o Teatro – “esse Outro da política”, como foi lembrado há dias num coló-quio dos Encontros da Cerca – parece poder convocar por estes dias em que a fúria da sobrevivência vota o essencial ao esquecimento.

O público de Joaquim Benite

Um dos factos mais notá-veis (que se nota, por-tanto, podendo inclusive

ser quantificado) associado à intensa actividade teatral a que Joaquim Benite se tem dedica-do desde há mais de quarenta anos, é o público que o ence-nador tem mobilizado para o teatro.Não há quem, vindo pela pri-meira vez a Almada, não fique surpreendido com o público que invariavelmente enche de gente e de entusiasmo as salas do TMA - bem como todas as ou-tras onde decorram espectácu-los da CTA, ou de companhias (portuguesas e estrangeiras) acolhidas nos seus espaços, e de que são exemplo eloquente os que integram o programa do Festival de Almada. Espectácu-los a que invariavelmente esse público comparece, em Almada como em Lisboa, anulando sem demoras nem filosofia a distân-cia simbólica entre as cidades que o rio separou.E esse público é não só nume-roso, mas também generoso, conhecido de resto por isso mesmo: por uma gratidão que toma forma nos aplausos com que sempre enche de alegria os corações dos actores. Mas nem só, pois o público que Joaquim Benite tem sabido mobilizar para o fazer cultural é presença assídua ao longo de toda a temporada no TMA - e designadamente nos concertos de música clássica, que têm trazido a Almada, numa base regular, grandes orquestras portuguesas como a Orquestra Gulbenkian, ou a Orquestra Sinfónica Portuguesa.O Grau de Oficial das Artes e das Letras com que o Estado francês distingue hoje Joaquim Benite (cerimónia na Sala Principal do TMA pelas 21h30) reconhece o contributo que o encenador tem dado em Portu-gal para a difusão e brilho da cultura francesa. Essa contri-buição tem contado com o inte-resse e o entusiasmo constantes de um parceiro sem o qual nada em teatro faz sentido: o público.

Sarah Adamopoulos

CHATTOT E SCHAMBACHER EM COLÓQUIO NA ESPLANADA

François Chattot e Martine Schambacher, protagonistas do Espectáculo de Honra, vão estar no domingo pelas 18h00 na Esplanada da Esc. D. António da Costa para conversar com o público sobre a actualidade de Que fazer? (o regresso).

Page 2: informativa folha - ctalmada.pt · AGENDA DE AMANHã Bucha e Estica: Dois malucos à solta Esplanada da Esc. D. António da Costa 19h00 - Herodíades Teatro da Politécnica 21h00

AGENDA DE AMANHã

Bucha e Estica:Dois malucos à soltaEsplanada da Esc. D. António da Costa

19h00 - HerodíadesTeatro da Politécnica

21h00 - +-0 (Um acampamento no subárctico)Cento Cultural de Belém

21h30 - Múrmurios dos murosCulturgest

22h00 - Que fazer? (o regresso)Palco Grande | Esc. D. António da Costa

rESTAurANTE DA ESPLANADA

- Coq au vin- Chaputa frita- Pataniscas- Panados- Carne assada- Arroz e várias saladas

- Tarte de amêndoa- Bolo de Chocolate

- Veau Marengo- Medalhões de pescada

c/ miolo de camarão- Pataniscas- Panados- Carne assada- Arroz e várias saladas

- Tarte de amêndoa- Bolo de Chocolate

Hoje

Amanhã

18h00 - Encontros da Cerca: O teatro Ibero-Americano e a crise que nos rodeiaCasa da cerca

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Que alterações profundas terá o mundo teatral de sofrer, nomeadamente

nos países ibero-americanos, para conseguir sobreviver à cri-se? Esta será uma das muitas questões a que o colóquio de amanhã, às 10h30, na Casa da Cerca, em Almada, tentará res-ponder. Para tal, conta com um painel de profissionais de teatro de países latinos que tentarão encontrar soluções para os pro-blemas que a actual situação económico-financeira provoca no sector: Carlos Gil (Espanha), director da revista de teatro Ar-tez; Margarita Borja, Coordena-dora do Encontro de Mulheres das Artes Cénicas Ibero-ame-ricanas, do Festival Ibero-ame-ricano de Teatro de Cádis; Ma-rio rojas (Chile), Professor da

ENCoNTroS DA CErCA

Como sobreviver à criseno teatro ibero-americano?

universidade Católica de Wa-shington; Nelsy Echavez-Sola-no (Colômbia/Estados-unidos), Professora da universidade St. John’s, Minesota; Osvaldo obregón (Chile/França), Profes-sor Honorário da universidade Franche-Comté, investigador do teatro latino-americano. o debate será moderado por Pepe Bablé, encenador e director do Festival Ibero-americano de Te-atro de Cádis.Segundo Mario rojas, existem leis e instituições nacionais em alguns países ibero-america-nos “que promovem o desen-volvimento e a sustentabilidade das artes do espectáculo, mas são de curto alcance, o que faz com que os grupos teatrais e de outras artes vivam em crise permanente”, salienta o profes-

sor. Carlos Gil também acredita que o problema no sector teatral precede a recessão. “Antes da involução a que chamam crise, temos de nos reafirmar na defe-sa de uma cultura democrática, universal e não discriminatória que, no campo das artes céni-cas, se resumiria no facto de que deve existir ajuda estatal para a formação, produção e exibição, e todo o dinheiro deve ir funda-mentalmente para o palco e não para as estruturas dos serviços públicos”.No entanto, e apesar de acredi-tar que o conceito de crise sem-pre esteve “ligado ao acto tea-tral”, Pepe Bablé vai mais longe e prevê uma revolução completa no mundo das artes cénicas: “Apesar de o teatro sempre ter estado e estar unido aos acon-

tecimentos correntes, não é por isso que podemos ignorar a importância capital do que se está a gerar, e que vai aumen-tar ao longo do tempo: o facto de nos encontrarmos imersos numa grave crise económica mundial. A escassez de ajudas à produção e exibição de produ-tos artísticos pode agitar todo o sistema profissional europeu e obrigar-nos a uma reciclagem total de todos os parâmetros”.

Pepe Bablé

o Embaixador do Chile em Portugal recebeu hoje para um almoço na Em-

baixada o grupo de encenado-res, investigadores, críticos de teatro e jornalistas que amanhã integram o painel de participan-tes do colóquio dos Encontros da Cerca em Almada. o Embaixador começou por re-ferir os laços de amizade e co-operação que unem a América Latina (e o Chile em particular) a Joaquim Benite e à sua compa-nhia, lembrando que o Festival de Almada «marca a agenda cultu-ral do País, demonstrando como em época de crise continua a ser possível organizar um evento

Laços de amizade e cooperação entre Portugal e o Chiledesta grandeza, dando espaço à criatividade com origem em diferentes pontos do Mundo». Saudando a direcção e a equipa que organiza o Festival, o Em-baixador felicitou todos pelo su-cesso de um projecto «único em Portugal e comprometido com a Cultura e com o Teatro». Lamen-tando ser este o seu último ano em Portugal como Embaixador, Fernando Ayala (que está de partida para o Caribe) afirmou ter passado em Portugal alguns dos melhores anos da sua vida e carreira, um País onde disse ter aprendido muito e feito alguns bons amigos, a quem ficará para sempre ligado.

o director-adjunto da CTA, ro-drigo Francisco, tomou a palavra para dizer que foi com alegria «mas também já com alguma nostalgia» que a Companhia de Teatro de Almada e a organiza-ção do Festival de Almada esti-veram presentes na Embaixada do Chile para um almoço de des-pedida ao Embaixador cessan-te, referindo que Fernando Ayala «já era espectador do Festival de Almada, antes ainda de ter sido nomeado Embaixador do Chile em Portugal» — acrescentando que os contactos de coopera-ção entre a Embaixada e a CTA têm sido constantes e frutuosos, «quer durante a programação de

temporada, quer durante o Fes-tival», e expressando o desejo de que «este afastamento seja apenas geográfico».

Erwan Varas, Cônsul e Conselheiro Cultural do Chile, e o Embaixador Fernando Ayala