O Rei Ubu de Donnellan © John Haynes D - ctalmada.pt · às vozes dos actores no Palco Grande. O...

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Nacho Ciatti, Bernardo Cappa, Romina Paula, Rodrigo Francisco, Sergio Calvo e Facundo Aquinos Nº 9 - 12 de Julho de 2014 Levi Martins D iversidade. Encon- tros oficiais e encon- tros clandestinos. Olhares que se trocam quando já se está de saí- da. Cruzamentos diversos pelas ruas. Pessoas famo- sas. Anónimos. Comen- tários feitos em surdina. Comentários gritados. Cantados. Brisa amena na esplanada. Um helicópte- ro que se tenta sobrepor às vozes dos actores no Palco Grande. O director de um teatro a tremer de frio na plateia. Filas que encaracolam até deixarem de parecer filas. Mensa- gens escritas, fotografias, selfies e bilhetinhos que atravessam a sala até che- garem ao seu destino. Pe- quenos toques acidentais. Pequenos toques proposi- tados. Abraços. Dedicató- rias em livros. Autógrafos. Almoços e jantares em mesas cheias de gente. Conversas intermináveis. Diálogos curtos. Peque- nos acidentes de automó- vel. Um percurso para o hotel com um desvio de quarenta quilómetros. Um homem com trinta mulhe- res atrás de si. Telefones atirados pela janela. Pla- teias onde cabe sempre mais um. Mapas desenha- dos à mão. Poucas horas de sono. Pausas ao sol. À sombra. Discursos. Apon- tamentos tirados à pressa. Gatafunhos. Uma guitarra dedilhada ao pôr-do-sol. Ficção e realidade. A meio do caminho já se sente a saudade com que se vai ficar. Impressões da pri- meira semana. Mural O novíssimo teatro argentino em análise N acho Ciatti, Bernardo Cappa, Romina Paula, Sergio Calvo e Facundo Aquinos, cinco re- presentantes da nova geração de criadores argentinos, estiveram à conversa com o público do Fes- tival, a quem deram a conhecer a realidade do teatro independente de Buenos Aires, cujas condições de produção são substancialmen- te diferentes das europeias: não há subsídios, salas fixas para ensaia- rem e se apresentarem, e o pro- cesso de montagem de uma peça pode atingir os dois anos. Rodrigo Francisco, director artísti- co do Festival de Almada e mode- rador do debate que decorreu na Casa da Cerca, motivou a organi- zação de um ciclo sobre o novís- simo teatro argentino com a dis- tância que o separa daquilo a que Ivica Buljan deu o nome de espec- táculos Benetton, “feitos para ven- der, não para resolver um problema de quem os faz. Na Argentina, pa- rece-me que falam do que vos toca e fazem o que vos apetece”. Com efeito, os participantes afir - maram o peso da sua vontade artística, sobre a necessidade de O Rei Ubu de Donnellan D eclan Donnellan, fundador e director da companhia inglesa Cheek by Jowl, é considerado um dos maiores encenadores da actualidade. A sua criação de Ubu Roi tem sido elogiada por toda a Europa pela vitalidade e carácter inovador – trazendo nova vida àquela que é vista como uma obra precursora do movimento surrealista. A peça de Alfred Jarry estreia ape- nas na próxima Segunda-feira, no Palco Grande. Antes, no entanto, o Autor e encenador estará pre- sente num colóquio em que se discutirá este seu trabalho – mo- derado pela Professora Maria He- lena Serôdio, presidente da Asso- ciação Portuguesa de Críticos de C hegou ontem ao fim a con- versa mantida com Luis Miguel Cintra durante os úl- timos cinco dias. Para o final, dei- xou o tema que lhe é mais caro: a relação com os actores. O seu método de trabalho é aves- so a manipulações e correcções objectivas. Como encenador, procura estabelecer com o grupo uma relação humana e leal, que deixa margem para a esponta- neidade. Reconhece igualmente a importância do “jogo de sedu- ção do actor como interveniente activo no espectáculo” e saúda a forma como Christine Laurent, que também se encontrava pre- sente, consegue obter da sua parte uma dedicação quase to- tal. Para a realizadora francesa, dirigir actores é como “aprender a dançar com alguém, tendo o texto como música”. Luis Miguel Cintra tenta, por sua vez, que a montagem de um es- pectáculo seja “o mais catastrófica possível”, isto é, livre e partilhada. Para combater a frustração que nasce “da falta de generosidade dos actores, das rotinas, das rela- ções estabelecidas e individualis- tas”, persegue o imprevisto, todos os dias, em cada representação. E, embora reconheça a influência do público sobre a prestação dos actores em palco, o orgulho no seu trabalho e o prazer que dele extrai têm sempre primazia: “Sinto uma espécie de prazer católico em ser mártir”, brinca. Mesmo agora, continua a divertir-se, aproveitan- do o conhecimento das persona- gens para inventar os diálogos mais difíceis de decorar: “Meto buchas que eu sei lá. Os meus co- legas de cena é que... Pronto. Têm de ter paciência”. O SENTIDO DOS MESTRES — CINCO DIAS, CINCO TEXTOS O trabalho com os actores marcar uma ruptura ou anunciar uma vanguarda. Simplicidade foi a palavra de ordem, a imaginação e o trabalho colectivo e experi- mental colocados numa espécie de pedestal. Romina Paula con- cluiu: “Não fazemos destas condi- ções uma bandeira. Mas transfor- mamo-las num capital”. Teatro, que este ano se associou aos Colóquios. É já amanhã, na Esplanada da Escola D. António da Costa, pelas 18h30. © Rui Carlos Mateus © John Haynes

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Nacho Ciatti, Bernardo Cappa, Romina Paula, Rodrigo Francisco, Sergio Calvo e Facundo Aquinos

Nº 9 - 12 de Julho de 2014

Levi Martins

D iversidade. Encon-tros oficiais e encon-tros clandestinos.

Olhares que se trocam quando já se está de saí-da. Cruzamentos diversos pelas ruas. Pessoas famo-sas. Anónimos. Comen-tários feitos em surdina. Comentários gritados. Cantados. Brisa amena na esplanada. Um helicópte-ro que se tenta sobrepor às vozes dos actores no Palco Grande. O director de um teatro a tremer de frio na plateia. Filas que encaracolam até deixarem de parecer filas. Mensa-gens escritas, fotografias, selfies e bilhetinhos que atravessam a sala até che-garem ao seu destino. Pe-quenos toques acidentais. Pequenos toques proposi-tados. Abraços. Dedicató-rias em livros. Autógrafos. Almoços e jantares em mesas cheias de gente. Conversas intermináveis. Diálogos curtos. Peque-nos acidentes de automó-vel. Um percurso para o hotel com um desvio de quarenta quilómetros. Um homem com trinta mulhe-res atrás de si. Telefones atirados pela janela. Pla-teias onde cabe sempre mais um. Mapas desenha-dos à mão. Poucas horas de sono. Pausas ao sol. À sombra. Discursos. Apon-tamentos tirados à pressa. Gatafunhos. Uma guitarra dedilhada ao pôr-do-sol. Ficção e realidade. A meio do caminho já se sente a saudade com que se vai ficar. Impressões da pri-meira semana.

Mural O novíssimo teatro argentino em análise

Nacho Ciatti, Bernardo Cappa, Romina Paula, Sergio Calvo e Facundo Aquinos, cinco re-

presentantes da nova geração de criadores argentinos, estiveram à conversa com o público do Fes-tival, a quem deram a conhecer a realidade do teatro independente de Buenos Aires, cujas condições de produção são substancialmen-te diferentes das europeias: não há subsídios, salas fixas para ensaia-rem e se apresentarem, e o pro-cesso de montagem de uma peça pode atingir os dois anos.Rodrigo Francisco, director artísti-co do Festival de Almada e mode-rador do debate que decorreu na Casa da Cerca, motivou a organi-zação de um ciclo sobre o novís-simo teatro argentino com a dis-tância que o separa daquilo a que

Ivica Buljan deu o nome de espec-táculos Benetton, “feitos para ven-der, não para resolver um problema de quem os faz. Na Argentina, pa-rece-me que falam do que vos toca e fazem o que vos apetece”.Com efeito, os participantes afir-maram o peso da sua vontade artística, sobre a necessidade de

O Rei Ubu de Donnellan

Declan Donnellan, fundador e director da companhia inglesa Cheek by Jowl, é

considerado um dos maiores encenadores da actualidade. A sua criação de Ubu Roi tem sido elogiada por toda a Europa pela vitalidade e carácter inovador – trazendo nova vida àquela que é vista como uma obra precursora

do movimento surrealista.A peça de Alfred Jarry estreia ape-nas na próxima Segunda-feira, no Palco Grande. Antes, no entanto, o Autor e encenador estará pre-sente num colóquio em que se discutirá este seu trabalho – mo-derado pela Professora Maria He-lena Serôdio, presidente da Asso-ciação Portuguesa de Críticos de

Chegou ontem ao fim a con-versa mantida com Luis Miguel Cintra durante os úl-

timos cinco dias. Para o final, dei-xou o tema que lhe é mais caro: a relação com os actores. O seu método de trabalho é aves-so a manipulações e correcções objectivas. Como encenador, procura estabelecer com o grupo uma relação humana e leal, que deixa margem para a esponta-neidade. Reconhece igualmente a importância do “jogo de sedu-ção do actor como interveniente activo no espectáculo” e saúda

a forma como Christine Laurent, que também se encontrava pre-sente, consegue obter da sua parte uma dedicação quase to-tal. Para a realizadora francesa, dirigir actores é como “aprender a dançar com alguém, tendo o texto como música”.Luis Miguel Cintra tenta, por sua vez, que a montagem de um es-pectáculo seja “o mais catastrófica possível”, isto é, livre e partilhada. Para combater a frustração que nasce “da falta de generosidade dos actores, das rotinas, das rela-ções estabelecidas e individualis-

tas”, persegue o imprevisto, todos os dias, em cada representação. E, embora reconheça a influência do público sobre a prestação dos actores em palco, o orgulho no seu trabalho e o prazer que dele extrai têm sempre primazia: “Sinto uma espécie de prazer católico em ser mártir”, brinca. Mesmo agora, continua a divertir-se, aproveitan-do o conhecimento das persona-gens para inventar os diálogos mais difíceis de decorar: “Meto buchas que eu sei lá. Os meus co-legas de cena é que... Pronto. Têm de ter paciência”.

O seNtiDO DOs MestRes — CiNCO Dias, CiNCO textOs

O trabalho com os actores

marcar uma ruptura ou anunciar uma vanguarda. Simplicidade foi a palavra de ordem, a imaginação e o trabalho colectivo e experi-mental colocados numa espécie de pedestal. Romina Paula con-cluiu: “Não fazemos destas condi-ções uma bandeira. Mas transfor-mamo-las num capital”.

Teatro, que este ano se associou aos Colóquios. É já amanhã, na Esplanada da Escola D. António da Costa, pelas 18h30.

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À mesa com... Tiphaine Le RoyRESTAURANTE DA ESPLANADA

PRATOS DO DIA

– Febras fritas– Calamares

SOBREMESA

– Mousse– Arroz doce– Semi-frio de iogurte– Fruta da época

Hoje

Amanhã

ESPECTÁCULOS DE RUA

Ode marítima: desde o cais até almada

PRATOS DO DIA

– Carbonada– Pudim de peixe

SOBREMESA

– Mousse– Arroz doce– Semi-frio de iogurte– Fruta da época

Ai sim?

Um encenador espanhol explicou-me a semelhança entre um actor num ensaio

e um cão.

...parece MESMO que eles te entendem!Diz ele que quer quando se fala com um, quer quando se fala com outro...

PALHETA ILIMITADA

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A jornalista da publicação francesa La Scène partilha a mesa com ac-tores argentinos que acabaram de assistir ao colóquio da manhã. O novíssimo teatro argentino interessa-lhe, mas não tanto quanto

o teatro em Portugal e as condições difíceis que por cá se vivem. Tiphai-ne conhece-nos bem: “Já vivi no Porto”, diz em português irrepreensível, “fi z lá Erasmus há uns anos”. Tira da bolsa uma daquelas traquitanas para fumar que se usam agora, das electrónicas. Leva-a à boca com algum embaraço. Agora há de tudo: sabor a melão, chocolate, nêspera confi tada... E o seu? “Aroma natural”, lê-se na ampola com o líquido que se bota dentro da geringonça – mas a cigarro, bem entendido. Apesar de tudo, “não é bem a mesma coisa”, confessa Tiphaine.

O ciclo de Colóquios na Es-planada, ou melhor, ciclo de diálogos entre os criadores

presentes no Festival e o público almadense, contou ontem com mais uma sessão. Natália Luiza, encenadora da peça Ode maríti-ma, levada à cena no dia anterior no Palco Grande da Escola D. An-tónio da Costa, esteve à conversa com Maria João Brilhante.

Início: Quinta das LágrimasA primeira leitura encenada do poema Ode marítima de Álvaro de Campos decorreu em Coimbra, após uma homenagem ao compo-sitor e músico Bernardo Sassetti. Segundo Natália Luíza, essa “noi-te mágica” demonstrou ser pos-sível a criação de uma ambiência

emotiva a partir da obra do hete-rónimo pessoano, bastando para tanto apenas a voz e o texto.

Processo criativoTodas as obras são passíveis de serem trabalhadas e de se transformarem em material céni-co, mas depois daquela primeira leitura, este texto demonstrou ter as características poéticas que pressupõem uma encenação. As-sim, e através de um “processo de depuração”, este poema foi perdendo a sua neutralidade, ao sair do papel “para uma voz que o enuncia”.

Apresentação em AlmadaApós várias apresentações nos teatros São Luiz e São João, em

Lisboa e no Porto respectivamen-te, Almada recebeu esta proposta, em que “a lua cheia foi o projec-tor”. Durante pouco mais de uma hora, foi possível ouvir as palavras de Álvaro de Campos, descre-vendo uma viagem imaginária, ao som de música. A encenadora salientou essencialmente a quase ausência de dimensão plástica, cujo objectivo é, como acontece nos seus trabalhos, manter o foco no trabalho do actor, sem anu-lar o texto. Esta obra exibe uma complexidade poética e emocio-nal que exige, ao actor, um total domínio técnico, simultaneamen-te tornando “as palavras e texto pessoalizados”; só assim, o actor se torna um intérprete, no qual a palavra e o texto se encontram.

AGENDA DE AMANHÃ

COLÓQUIOS

ESPECTÁCULOS DE SALA

O NOVO testaMeNtO De JesUs CRistO seGUNDO JOÃO16h00 | escola D. antónio da Costa

DeCLaN DONNeLLaN 18h30 | escola D. antónio da Costa

BaiNHa21h00 | Praça do MFa

a aRQUiteCtURa Da PaZ17h30 | teatro Municipal são Luiz

sUaDO20h00 | Fórum Romeu Correia

PRisÃO De OCaÑa22h00 | incrível almadense

CINEMA

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