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Informativo 682-STJ (04/12/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 682-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL DIREITO À INFORMAÇÃO Jornal poderá acessar dados sobre mortes registradas em ocorrências policiais. DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Não há nulidade do PAD pela suposta inobservância do direito à não autoincriminação, quando a testemunha, até então não envolvida, noticia elementos que trazem para si responsabilidade pelos episódios em investigação. DIREITO CIVIL PESSOAS JURÍDICAS (OUTROS TEMAS) A responsabilidade do ex-cooperado pelo rateio dos prejuízos acumulados não se limita ao prazo de 2 anos contados do desligamento da cooperativa, previsto no art. 1.003, parágrafo único, e no art. 1.032, do Código Civil. OBRIGAÇÕES (COBRANÇA JUDICIAL DE DÍVIDA JÁ PAGA) É cabível o pedido de repetição de indébito em dobro, previsto no art. 940 do CC/2002, em sede de embargos monitórios. OBRIGAÇÕES (JUROS) Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de juros remuneratórios, é dever da instituição financeira informar ao consumidor acerca da taxa diária aplicada. DANOS MORAIS Súmula 642-STJ CONTRATO MARÍTIMO Prescrição para cobrança de valores relativos a sobre-estadias de contêineres (demurrage). CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL É descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS No contrato de prestação de serviços advocatícios não é cabível a estipulação de multa pela renúncia ou revogação unilateral do mandato. ALIMENTOS (ASPECTOS PROCESSUAIS) A oferta de pagamento espontâneo em audiência de conciliação em execução de dívida alimentar pelo devedor perante o Judiciário e com a concordância do representante da parte contrária apto a tanto tem caráter vinculante em relação ao proponente.

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITO À INFORMAÇÃO ▪ Jornal poderá acessar dados sobre mortes registradas em ocorrências policiais.

DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ▪ Não há nulidade do PAD pela suposta inobservância do direito à não autoincriminação, quando a testemunha, até

então não envolvida, noticia elementos que trazem para si responsabilidade pelos episódios em investigação.

DIREITO CIVIL

PESSOAS JURÍDICAS (OUTROS TEMAS) ▪ A responsabilidade do ex-cooperado pelo rateio dos prejuízos acumulados não se limita ao prazo de 2 anos contados

do desligamento da cooperativa, previsto no art. 1.003, parágrafo único, e no art. 1.032, do Código Civil. OBRIGAÇÕES (COBRANÇA JUDICIAL DE DÍVIDA JÁ PAGA) ▪ É cabível o pedido de repetição de indébito em dobro, previsto no art. 940 do CC/2002, em sede de embargos

monitórios. OBRIGAÇÕES (JUROS) ▪ Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de juros remuneratórios, é dever da instituição financeira

informar ao consumidor acerca da taxa diária aplicada. DANOS MORAIS ▪ Súmula 642-STJ CONTRATO MARÍTIMO ▪ Prescrição para cobrança de valores relativos a sobre-estadias de contêineres (demurrage). CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL ▪ É descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese

em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS ▪ No contrato de prestação de serviços advocatícios não é cabível a estipulação de multa pela renúncia ou revogação

unilateral do mandato. ALIMENTOS (ASPECTOS PROCESSUAIS) ▪ A oferta de pagamento espontâneo em audiência de conciliação em execução de dívida alimentar pelo devedor

perante o Judiciário e com a concordância do representante da parte contrária apto a tanto tem caráter vinculante em relação ao proponente.

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DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE ▪ O rol de procedimentos e eventos da ANS é meramente explicativo? CONTRATOS BANCÁRIOS ▪ Bancos envolvidos na portabilidade de crédito possuem o dever de apurar a regularidade do consentimento e da

transferência da operação, respondendo solidariamente pelas falhas na prestação do serviço.

DIREITO EMPRESARIAL

MARCA ▪ Em ação de infração de patente e desenho industrial, é possível a arguição incidental de nulidade de tais direitos de

propriedade industrial, como matéria de defesa, perante a justiça estadual. RECUPERAÇÃO JUDICIAL ▪ O Ministério Público é parte legítima para recorrer da decisão que fixa os honorários do administrador na

recuperação judicial. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL ▪ O § 1º do art. 24-A da Lei nº 9.656/98 prevê a indisponibilidade dos bens das pessoas que exerceram a administração

do plano de saúde nos 12 meses antes do ato que decretar a direção fiscal ou a liquidação extrajudicial; o juiz pode ampliar esse prazo.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO ▪ Juiz não pode se recusar a determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (art. 782, §

3º, do CPC/2015) sob o fundamento de que o exequente teria condições de fazer isso diretamente. AÇÃO MONITÓRIA ▪ É cabível o pedido de repetição de indébito em dobro, previsto no art. 940 do CC/2002, em sede de embargos

monitórios.

DIREITO PENAL

MARIA DA PENHA ▪ Quem julga o crime de estupro de vulnerável praticado por pai contra filha de 4 anos: vara criminal “comum” ou

vara de violência doméstica e familiar contra a mulher?

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO ▪ Depois da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais possível que o juiz, de ofício, converta a prisão em

flagrante em prisão preventiva (é indispensável requerimento). PROVAS ▪ Para o acesso a dados telemáticos não é necessário a delimitação temporal para fins de investigações criminais.

DIREITO TRIBUTÁRIO

ITBI ▪ A nulidade de negócio jurídico de compra e venda de imóvel viabiliza a restituição do valor recolhido pelo

contribuinte a título de ITBI.

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DIREITO CONSTITUCIONAL

DIREITO À INFORMAÇÃO Jornal poderá acessar dados sobre mortes registradas em ocorrências policiais

Caso concreto: o jornal Folha de São Paulo pediu para que o Governo do Estado fornecesse informações relacionadas a mortes registradas pela polícia em boletins de ocorrência. O pedido foi negado sob o fundamento de que, apesar de terem natureza pública, esses dados deveriam ser divulgados com cautela e não seriam indispensáveis para o trabalho jornalístico.

O STJ não concordou e afirmou que não cabe à administração pública ou ao Poder Judiciário discutir o uso que se pretende dar à informação de natureza pública. A informação, por ser pública, deve estar disponível ao público, independentemente de justificações ou considerações quanto aos interesses a que se destina.

Não se pode vedar o exercício de um direito – acessar a informação pública – pelo mero receio do abuso no exercício de um outro e distinto direito – o de livre comunicar.

Em suma: veículo de imprensa jornalística possui direito líquido e certo de obter dados públicos sobre óbitos relacionados a ocorrências policiais.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.852.629-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 06/10/2020 (Info 682).

O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte: O jornal “Folha de São Paulo” pediu para que o Governo do Estado fornecesse informações relacionadas a mortes registradas pela polícia em boletins de ocorrência. O pedido foi negado sob o fundamento de que, apesar de terem natureza pública, esses dados deveriam ser divulgados com cautela e não seriam indispensáveis para o trabalho jornalístico. A recusa do Governo do Estado foi legítima? NÃO. Não cabe à administração pública ou ao Poder Judiciário discutir o uso que se pretende dar à informação de natureza pública. A censura prévia inviabiliza até mesmo a apuração jornalística, fazendo mesmo secreta a informação reconhecidamente pública. A informação, por ser pública, deve estar disponível ao público, independentemente de justificações ou considerações quanto aos interesses a que se destina. Não se pode vedar o exercício de um direito – acessar a informação pública – pelo mero receio do abuso no exercício de um outro e distinto direito – o de livre comunicar. Em suma:

Veículo de imprensa jornalística possui direito líquido e certo de obter dados públicos sobre óbitos relacionados a ocorrências policiais. STJ. 2ª Turma. REsp 1.852.629-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 06/10/2020 (Info 681).

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DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Não há nulidade do PAD pela suposta inobservância do direito à não autoincriminação, quando a testemunha, até então não envolvida, noticia elementos que trazem para si responsabilidade

pelos episódios em investigação

Caso concreto: foi instaurado PAD para apurar a conduta de João, servidor do INSS. Pedro, outro servidor da autarquia que trabalhava no mesmo setor do investigado, foi convocado para depor na condição de testemunha, tendo assinado termo de compromisso de dizer a verdade.

Ocorre que Pedro não apenas confirmou as imputações feitas contra João, mas também confessou que participou dos ilícitos em apuração. Ao final do PAD, João e Pedro foram demitidos.

Pedro alegou que que o PAD que originou sua demissão se encontraria eivado de ilicitude, considerando que foi obrigado a produzir provas contra si mesmo.

Não houve nulidade.

Quando o servidor foi chamado, ele não era investigado. Ele prestou voluntariamente seu depoimento e, em nenhum momento, insurgiu-se contra isso, o que permite concluir que, também voluntariamente, ele dispensou o uso da faculdade de não incriminar a si próprio. Logo, ele não pode, posteriormente, invocar o direito ao silêncio considerando que, por sua própria vontade, apontou, durante sua oitiva, fatos que atraíram para si a responsabilidade solidária pelos ilícitos em apuração.

STJ. 1ª Seção. MS 21.205-DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 14/10/2020 (Info 682).

Imagine a seguinte situação hipotética: Foi instaurado processo administrativo disciplinar (PAD) para apurar a conduta de João, servidor do INSS. Pedro, outro servidor da autarquia que trabalhava no mesmo setor do investigado, foi convocado para depor na condição de testemunha, tendo assinado termo de compromisso de dizer a verdade. Ocorre que, durante o depoimento, Pedro não apenas confirmou as imputações feitas contra João, mas também confessou que participou dos ilícitos que estavam sendo apurados. Ao final do PAD, João e Pedro foram demitidos. Em seguida, Pedro impetrou mandado de segurança alegando que o PAD que originou sua demissão se encontraria eivado de ilicitude, considerando que ele foi obrigado a produzir provas contra si mesmo. O STJ concordou com a alegação? Houve nulidade? NÃO. Não houve nulidade.

Não implica nulidade do PAD, decorrente da inobservância do direito à não autoincriminação, quando a testemunha, até então não envolvida, noticia elementos que trazem para si responsabilidade pelos episódios em investigação. STJ. 1ª Seção. MS 21.205-DF, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 14/10/2020 (Info 682).

Quando o servidor foi chamado, ele não era investigado. Ele prestou voluntariamente seu depoimento e, em nenhum momento, insurgiu-se contra isso, o que permite concluir que, também voluntariamente, ele dispensou o uso da faculdade de não incriminar a si próprio. Quando o impetrante estava prestando o depoimento, ele poderia (e deveria) ter invocado o direito de não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), a fim de se eximir de depor na condição de testemunha.

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Logo, ele não pode, posteriormente, invocar o direito ao silêncio considerando que, por sua própria vontade, apontou, durante a oitiva, fatos que atraíram para si a responsabilidade solidária pelos ilícitos em apuração. “É inconcebível que aquele que depõe na qualidade de testemunha, sem esgrimir previamente qualquer elemento de irresignação, e nessa qualidade narra sua participação no acontecimento, possa, depois de apuradas as lindes de seu atuar, querer dessa inércia se valer para afastar sua responsabilidade.” (STJ MS 20.693/DF).

DIREITO CIVIL

PESSOAS JURÍDICAS (OUTROS TEMAS) A responsabilidade do ex-cooperado pelo rateio dos prejuízos acumulados não se limita ao prazo de 2 anos contados do desligamento da cooperativa, previsto no art. 1.003, parágrafo

único, e no art. 1.032, do Código Civil

Exemplo: João fazia parte de uma cooperativa e saiu formalmente em 2010. Em 2014, a cooperativa ajuizou ação contra João cobrando o pagamento de parte proporcional de prejuízo que a entidade sofreu em 2009.

O STJ afirmou o ex-cooperado pode responder porque não se aplica o limite de prazo de 2 anos, previsto no art. 1.003, parágrafo único e no art. 1.032, do Código Civil:

Art. 1.003 (...) Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

Esses dispositivos mencionados pertencem ao regime das sociedades simples e somente se aplicariam às cooperativas caso a lei fosse omissa (art. 1.096 do CC). Ocorre que o art. 89 da Lei nº 5.764/71 trata sobre o tema e não estipula prazo.

Por fim, vale mencionar que o prazo prescricional para cobrança de ato cooperativo é de 10 anos, nos temos do art. 205 do CC.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.774.434-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 682).

Imagine a seguinte situação hipotética: João fazia parte de uma cooperativa e saiu formalmente em 2010. Em 2014, a cooperativa ajuizou ação contra João cobrando o pagamento de parte proporcional de prejuízo que a entidade sofreu em 2009. O ex-cooperado defendeu-se argumento que não poderia responder pelo débito porque já faz mais de 2 anos que ele saiu da cooperativa, devendo, portanto, ser aplicada a limitação de prazo prevista no art. 1.003, parágrafo único e no art. 1.032, ambos do Código Civil:

Art. 1.003 (...) Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

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Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.

O STJ concordou com a tese de João? NÃO.

A responsabilidade do ex-cooperado pelo rateio dos prejuízos acumulados não se limita ao prazo de 2 anos contados do desligamento da cooperativa, previsto no art. 1.003, parágrafo único, e no art. 1.032, do Código Civil. STJ. 3ª Turma. REsp 1.774.434-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 682).

Esses dispositivos mencionados pertencem ao regime das sociedades simples e somente se aplicariam às cooperativas caso a lei fosse omissa (art. 1.096 do CC). Ocorre que o art. 89 da Lei nº 5.764/71 (Lei das Cooperativas) trata sobre o tema e não estipula prazo a partir do qual o cooperado que deixou a entidade fica liberado do pagamento. Assim, houve um silêncio eloquente no caso:

Art. 89. Os prejuízos verificados no decorrer do exercício serão cobertos com recursos provenientes do Fundo de Reserva e, se insuficiente este, mediante rateio, entre os associados, na razão direta dos serviços usufruídos, ressalvada a opção prevista no parágrafo único do artigo 80.

Vale ressaltar, por fim, que não se trata de hipótese de imprescritibilidade. O prazo prescricional para cobrança de ato cooperativo é de 10 anos, nos temos do art. 205 do CC:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Na ausência de disciplina específica sobre a prescrição da cobrança de ato cooperativo, deve incidir o prazo prescricional geral de 10 anos, previsto no art. 205, do CC. STJ. 3ª Turma. REsp 1.774.434-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/09/2020 (Info 682).

OBRIGAÇÕES (JUROS) Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de juros remuneratórios, é dever da

instituição financeira informar ao consumidor acerca da taxa diária aplicada

Se o contrato, ao tratar sobre os encargos, menciona a taxa de juros mensal e anual, mas não prevê qual é a taxa diária dos juros, há abusividade.

Viola o dever de informação, o contrato que somente prevê uma cláusula genérica de capitalização diária, sem informar a taxa diária de juros remuneratórios.

A informação acerca da capitalização diária, sem indicação da respectiva taxa diária, subtrai do consumidor a possibilidade de estimar previamente a evolução da dívida, e de aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual.

A falta de previsão da taxa diária, portanto, dificulta a compreensão do consumidor acerca do alcance da capitalização diária, o que configura descumprimento do dever de informação trazido pelo art. 46 do CDC.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.826.463-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/10/2020 (Info 682).

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Capitalização de juros A capitalização de juros, também chamada de anatocismo, ocorre quando os juros são calculados sobre os próprios juros devidos. Outras denominações para “capitalização de juros”: “juros sobre juros”, “juros compostos” ou “juros frugíferos”. Normalmente, os juros capitalizados estão presentes nos contratos de financiamento bancário. Carlos Roberto Gonçalves explica melhor:

“O anatocismo consiste na prática de somar os juros ao capital para contagem de novos juros. Há, no caso, capitalização composta, que é aquela em que a taxa de juros incide sobre o capital inicial, acrescido dos juros acumulados até o período anterior. Em resumo, pois, o chamado ‘anatocismo’ é a incorporação dos juros ao valor principal da dívida, sobre a qual incidem novos encargos.” (Direito Civil Brasileiro. 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 409).

Capitalização anual de juros A capitalização de juros foi vedada no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 22.626/33 (Lei de Usura), cujo art. 4º estabeleceu:

Art. 4º É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

O STJ entende que a ressalva prevista na segunda parte do art. 4º (parte grifada) significa que a Lei de Usura permite a capitalização anual. Em outras palavras, a Lei de Usura proibiu, em regra, a capitalização de juros. Exceção: é permitida a capitalização de juros em periodicidade anual. O CC/1916 (art. 1.262) e o CC/2002 também permitem a capitalização anual:

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.

Desse modo, a capitalização anual sempre foi PERMITIDA (para todos os contratos). Capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano Como vimos, a capitalização de juros por ano é permitida, seja para contratos bancários ou não-bancários. O que é proibida, como regra, é a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Ex: capitalização mensal de juros (ou seja, a cada mês incidem juros sobre os juros). A capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano (ex: capitalização mensal de juros) é proibida também para os bancos? Não. A MP n.º 1.963-17, editada em 31 de março de 2000, permitiu às instituições financeiras a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Em suma, é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos BANCÁRIOS celebrados após 31 de março de 2000, data da publicação da MP 1.963-17/2000 (atual MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada. Veja a redação da MP 2.170-36/2001:

Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

O STJ confirma essa possibilidade:

Nos contratos celebrados por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, posteriormente à edição da MP nº 1.963-17/00 (reeditada sob o nº 2.170-36/01), admite-se a capitalização mensal de juros, desde que expressamente pactuada. STJ. 3ª Turma, REsp 894.385/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27.03.2007, DJ 16.04.2007.

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Desse modo, os bancos podem fazer a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano, desde que expressamente pactuada:

Súmula 539-STJ: É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP 1.963-17/00, reeditada como MP 2.170-36/01), desde que expressamente pactuada.

Desde que expressamente pactuada Repare que a súmula 539 do STJ afirma que a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano só é permitida se isso for expressamente pactuado. Na prática, observa-se que os contratos bancários não trazem uma cláusula dizendo: “os juros vencidos e devidos serão capitalizados mensalmente” ou “fica pactuada a capitalização mensal de juros”. O que se verifica, no dia-a-dia, é a previsão das taxas de juros mensal e anual e o contratante, ao assinar o pacto, deverá observar que a taxa de juros anual é superior a 12 vezes a taxa mensal, o que faz com que ela conclua que os juros são capitalizados. A pergunta que surge é: essa forma comum de previsão da taxa de juros dos contratos bancários é válida? O que significa essa terminologia “desde que expressamente pactuada”? De que modo o contrato bancário deverá informar ao contratante que está adotando juros capitalizados com periodicidade inferior a um ano? 1ª corrente: a capitalização de juros deveria estar prevista no contrato bancário de forma clara, precisa e ostensiva. A capitalização de juros não poderia ser deduzida da mera divergência entre a taxa de juros anual e o duodécuplo da taxa de juros mensal (Obs: duodécuplo significa 12 vezes maior). 2ª corrente: a capitalização dos juros em periodicidade inferior (ex: capitalização mensal) à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. Ocorre que o fato de o contrato bancário prever taxa de juros anual superior ao duodécuplo (12x) da mensal já é suficiente para que se considere que a capitalização está expressamente pactuada. Em outras palavras, basta que o contrato preveja que a taxa de juros anual será superior a 12 vezes a taxa mensal para que o contratante possa deduzir que os juros são capitalizados. Na prática, isso significa que os bancos não precisam dizer expressamente no contrato que estão adotando a “capitalização de juros”, bastando explicitar com clareza as taxas cobradas. A cláusula com o termo “capitalização de juros” será necessária apenas para que, após vencida a prestação sem o devido pagamento, o valor dos juros não pagos seja incorporado ao capital para o efeito de incidência de novos juros. O STJ adotou a 2ª corrente: REsp 973.827-RS, 2ª Seção, julgado em 08/08/2012 (recurso repetitivo). Em seguida, foi editada a Súmula 541 para espelhar, de forma mais ostensiva, essa posição:

Súmula 541-STJ: A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.

Exemplo: imagine que em um contrato de financiamento bancário não há nenhuma cláusula dizendo que “fica pactuada a capitalização mensal de juros”. No entanto, existe a previsão de que a taxa pré-fixada de juros será de 3,82% ao mês e 47,34% ao ano. Desse modo, percebe-se que a taxa de juros anual é superior ao duodécuplo da mensal, ou seja, a taxa de juros anual é mais que 12x maior que a mensal. Isso nos permite chegar a três conclusões: 1) há capitalização de juros neste contrato; 2) para o STJ, ao prever as taxas de juros dessa forma, o banco já atendeu a exigência de que a capitalização seja expressamente pactuada; 3) mesmo que o contratante questione a pactuação, o banco poderá cobrar essa taxa anual contratada. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Em um contrato bancário, constaram os seguintes encargos: - Taxa de juros efetiva mensal: 1,47% - Taxa de juros efetiva anual: 19,15% - Capitalização: diária

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Repare que constou, de forma expressa, que haveria capitalização dos juros e também qual seria a taxa de juros mensal e anual. Ocorre que não, a despeito de a capitalização ser diária, não constou qual seria a taxa “diária” dos juros remuneratórios. As informações acima são suficientes para que o banco cumpra seu dever de informação? NÃO. Se o contrato, ao tratar sobre os encargos, menciona a taxa de juros mensal e anual, mas não prevê qual é a taxa diária dos juros, há abusividade. Viola o dever de informação, o contrato que somente prevê uma cláusula genérica de capitalização diária, sem informar a taxa diária de juros remuneratórios. A informação acerca da capitalização diária, sem indicação da respectiva taxa diária, subtrai do consumidor a possibilidade de estimar previamente a evolução da dívida, e de aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual. A falta de previsão da taxa diária, portanto, dificulta a compreensão do consumidor acerca do alcance da capitalização diária, o que configura descumprimento do dever de informação trazido pelo art. 46 do CDC. Logo, o banco deveria ter mencionado, no contrato, qual é a taxa diária. Em suma:

Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de juros remuneratórios, é dever da instituição financeira informar ao consumidor acerca da taxa diária aplicada. STJ. 2ª Seção. REsp 1.826.463-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/10/2020 (Info 682).

OBRIGAÇÕES (COBRANÇA JUDICIAL DE DÍVIDA JÁ PAGA) É cabível o pedido de repetição de indébito em dobro, previsto no art. 940 do CC/2002,

em sede de embargos monitórios

O réu, citado na ação monitória, pode apresentar embargos monitórios, que são uma forma de defesa, semelhante à contestação (art. 702 do CPC). Os embargos podem se fundar em qualquer matéria que poderia ser alegada como defesa no procedimento comum (§ 1º do art. 702).

Assim, o réu pode, nos embargos monitórios, alegar que a dívida já está paga e pedir a repetição de indébito em dobro, nos termos do art. 940 do CC.

A condenação ao pagamento em dobro do valor indevidamente cobrado pode ser formulada em qualquer via processual, inclusive, em sede de embargos à execução, embargos monitórios e ou reconvenção, até mesmo reconvenção, prescindindo de ação própria para tanto.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.877.292-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

Veja comentários em Direito Processual Civil.

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DANOS MORAIS Súmula 642-STJ

Súmula 642-STJ: O direito à indenização por danos morais transmite-se com o falecimento do titular, possuindo os herdeiros da vítima legitimidade ativa para ajuizar ou prosseguir a ação indenizatória.

STJ. Corte Especial. Aprovada em 02/12/2020, DJe 07/12/2020.

Imagine a seguinte situação: Francisco foi diagnosticado com tumor cerebral maligno. O plano de saúde recusou-se a custear o tratamento, mesmo estando coberto pelo contrato. Diante disso, Francisco ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais. O juiz concedeu a tutela provisória de urgência determinando que o plano de saúde custeasse a cirurgia. Logo após o procedimento, Francisco veio a falecer. Os herdeiros de Francisco pediram para serem admitidos no processo como sucessores do falecido. O plano de saúde se insurgiu contra isso afirmando que os danos morais se constituem em direitos da personalidade e, portanto, não podem ser transmitidos. Os herdeiros poderão ser admitidos e prosseguir com a ação indenizatória? SIM. É justamente o que prevê a súmula. O fundamento para essa conclusão é o art. 943 do Código Civil:

Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.

Enunciado 454-CJF: Art. 943. O direito de exigir reparação a que se refere o art. 943 do Código Civil abrange inclusive os danos morais, ainda que a ação não tenha sido iniciada pela vítima.

Embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito. Logo, os herdeiros possuem legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus. Caso a ação já tenha sido ajuizada pela vítima em vida, os herdeiros detêm a legitimidade para prosseguir com ela figurando no polo ativo. Vale ressaltar, mais uma vez, que não é o direito de personalidade da pessoa morta que é transmitido com a herança. O direito da personalidade extingue-se com a morte do titular. O que se transmite, nesse caso, é apenas o direito patrimonial de requerer a indenização. O direito à indenização por danos morais é transmissível aos sucessores do falecido por ter caráter patrimonial. Aprofundando: a súmula falou em herdeiros. O espólio possui legitimidade nesses casos? Vamos entender com calma.

• Herança: é o conjunto de bens deixado pela pessoa falecida. Caracteriza-se, por força de lei, como sendo bem imóvel, universal e indivisível.

• Espólio: é o ente despersonalizado que representa a herança em juízo ou fora dele. O espólio não tem personalidade jurídica. Mesmo assim, o espólio tem capacidade para praticar certos atos jurídicos (ex: celebrar contratos, no interesse da herança) e tem legitimidade processual (pode estar no polo ativo ou passivo da relação processual). O espólio - universalidade de bens deixada pelo de cujus - assume, por expressa determinação legal, a legitimidade ad causam para demandar e ser demandado em todas as ações em que o de cujus integraria o polo ativo ou passivo se vivo fosse.

Quem representa o espólio em juízo (quem age em nome do espólio)? • Se já houve inventário: o espólio é representado em juízo pelo inventariante. • Se ainda não foi aberto inventário: o espólio é representado pelo administrador provisório (art. 613 do CPC).

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A doutrina ensina que, enquanto não há partilha, é do espólio a legitimidade ativa ad causam para pleitear bem jurídico pertencente ao de cujus. Transitada em julgado a sentença que homologa a partilha, cessa o condomínio hereditário e os sucessores passam a exercer, exclusiva e plenamente, a propriedade dos bens e direitos que compõem o seu quinhão. Com a sentença que homologa a partilha, não há mais que se falar em espólio, sequer em representação em juízo pelo inventariante, de tal forma que a ação deve ser proposta ou continuada por aqueles que participaram da partilha, na condição de herdeiros.

O STJ, em todos os julgados que embasaram a edição da súmula, afirmou que o direito à indenização por danos morais “transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio ou os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus” (STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 1446353/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 16/09/2019). Nesse sentido, veja alguns exemplos:

A posição atual e dominante que vigora nesta c. Corte é no sentido de embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio ou os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus. STJ. Corte Especial. AgRg nos EREsp 978651 SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 15/12/2010.

Embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio e os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus. STJ. 3ª Turma. REsp 1040529/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 02/06/2011.

O espólio e os herdeiros possuem legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus. STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 1567104/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 29/06/2020.

Essa é a redação também de uma das teses do STJ:

Jurisprudência em Teses do STJ (Ed. 125) Tese 5: Embora a violação moral atinja apenas os direitos subjetivos do falecido, o espólio e os herdeiros têm legitimidade ativa ad causam para pleitear a reparação dos danos morais suportados pelo de cujus.

O STJ, contudo, sem que o tema tenha sido debatido com profundidade em algum precedente posterior aos julgados acima transcritos, decidiu excluir da redação da súmula a legitimidade do “espólio”, deixando apenas a dos “herdeiros”. Diante disso, a solução mais “segura”, por enquanto, é considerar tão somente os herdeiros como legitimados. No entanto, será necessário aguardar os novos julgados a serem proferidos após o enunciado para podermos ter certeza se o objetivo do STJ, ao mencionar apenas os herdeiros, foi realmente o de negar a possibilidade do espólio continuar ou ajuizar a ação.

CONTRATO MARÍTIMO Prescrição para cobrança de valores relativos a sobre-estadias de contêineres (demurrage)

A pretensão de cobrança de valores relativos a despesas de sobre-estadias de contêineres (demurrage) previamente estabelecidos em contrato de transporte marítimo (unimodal) prescreve em 5 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.819.826-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 28/10/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1035) (Info 682).

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Contrato de transporte marítimo É um acordo escrito mediante alguém (chamado de armador) se compromete com outra pessoa (arrendadora), a transportar, em navio, pelo mar, mercadorias, recebendo, como contraprestação, uma quantia em dinheiro denominada frete. Personagens

• Afretador: quem contrata um armador para transportar suas mercadorias.

• Armador: quem fica encarregado de realizar o transporte marítimo. Faz o transporte de cargas de um porto a outro por meio de navios. Demurrage (sobre-estadia) No contrato de transporte marítimo, o afretador combina um prazo a partir do qual ele irá retirar as mercadorias que foram transportadas nos contêineres. Se esse prazo é ultrapassado sem que o afretador retire as mercadorias, o armador irá cobrar um valor chamado de sobre-estadia (demurrage). Assim, o demurrage (sobre-estadia) é o valor cobrado pelo transportador marítimo em razão de o contêiner ter permanecido no terminal por tempo superior àquele que havia sido contratado. Confira a definição dada pela Resolução Normativa nº 18/2017, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ):

Art. 2º Para os efeitos desta Norma são estabelecidas as seguintes definições: (...) XX - sobre-estadia de contêiner: valor devido ao transportador marítimo, ao proprietário do contêiner ou ao agente transitário pelos dias que ultrapassarem o prazo acordado de livre estadia do contêiner para o embarque ou para a sua devolução;

Transporte unimodal e multimodal de cargas

• Transporte unimodal: é aquele que utiliza um único meio de transporte para realizar o trajeto. Ex: transporte meramente marítimo.

• Transporte multimodal: é aquele que, regido por um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a responsabilidade única de um Operador de Transporte Multimodal (art. 2º da Lei nº 9.61/98). Ex: o contrato prevê que uma parte do transporte será terrestre e outra marítimo.

Qual é o prazo prescricional para a pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia de contêineres (demurrage) em contrato de transporte marítimo após a vigência do Código de Civil de 2002? Depende:

PRAZO PRESCRICIONAL PARA COBRANÇA DO DEMURRAGE

Em caso de transporte MULTIMODAL: 1 ano Temos uma lei específica que rege esse tipo de transporte (Lei nº 9.611/98). Assim, para as ações fundadas no não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal, o prazo prescricional é de 1 ano, nos termos do art. 22 da Lei nº 9.611/98: Art. 22. As ações judiciais oriundas do não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal deverão ser intentadas no prazo máximo de um ano, contado da data da entrega da mercadoria no ponto de destino ou, caso isso não ocorra, do nonagésimo dia após o prazo previsto para a referida entrega, sob pena de prescrição.

Em caso de transporte UNIMODAL: • Quando a taxa de sobre-estadia objeto da cobrança for oriunda de disposição contratual que estabeleça os dados e os critérios necessários ao cálculo dos valores

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devidos a título de ressarcimento pelos prejuízos causados em virtude do retorno tardio do contêiner: o prazo será de 5 anos. • Quando não houve essa prévia estipulação contratual: aplica-se a regra geral do art. 205 do Código Civil, ocorrendo a prescrição em 10 anos.

Não seria possível aplicar o art. 22 da Lei nº 9.611/98 também para o transporte unimodal marítimo? Não, porque existem muitas diferenças entre os dois. No caso do transporte unimodal (marítimo), a responsabilidade do transportador é restrita ao percurso marítimo, que se inicia após o recebimento da carga a bordo do navio no porto de origem, cessando imediatamente após o içamento das cargas e o consequente desembarque no porto de destino. Ou seja, os demais serviços e atos correlatos, tais como desembaraço aduaneiro, transporte, desunitização dos contêineres etc. são de exclusiva responsabilidade do afretador e, por tal motivo, a demora na conclusão desse procedimento pode resultar em demasiado atraso na devolução dos contêineres utilizados no transporte da carga ao transportador. Tal situação não se verifica no transporte multimodal de cargas, visto que este compreende, consoante expressamente disposto pelo art. 3º da Lei nº 9.611/98, além do transporte em si, os serviços de coleta, unitização, desunitização, movimentação, armazenagem e entrega de carga ao destinatário, bem como a realização dos serviços correlatos que forem contratados entre a origem e o destino, inclusive os de consolidação e desconsolidação documental de cargas. Em outras palavras, em nenhum momento a unidade de carga deixa de estar sob a posse e o controle do operador de transporte multimodal, sendo descabido falar, em tal caso, na existência de responsabilidade do contratante por suposta sobre-estadia de contêineres. A diferença existente entre as atividades desempenhadas pelo transportador marítimo (unimodal) e aquelas legalmente exigidas do Operador de Transporte Multimodal revela a manifesta impossibilidade de se estender à pretensão de cobrança de despesas decorrentes da sobre-estadia de contêineres (pretensão do transportador unimodal contra o contratante do serviço) a regra prevista do art. 22 da Lei nº 9.611/98 (que diz respeito ao prazo prescricional ânuo aplicável às pretensões dos contratantes do serviço contra o Operador de Transporte Multimodal). Não havendo legislação específica, deve-se aplicar o Código Civil Desse modo, diante da certeza de que o art. 22 da Lei nº 9.611/98 não alcança as ações de cobrança de despesas de sobre-estadia decorrentes da execução de contrato de transporte de cargas unimodal e de que inexiste lei especial vigente que defina prazo prescricional específico para a referida pretensão, a matéria deve ser regida pelas disposições insertas no Código Civil.

Assim, em se tratando de transporte unimodal de cargas, quando a taxa de sobre-estadia objeto da cobrança for oriunda de disposição contratual que estabeleça os dados e os critérios necessários ao cálculo dos valores devidos a título de ressarcimento pelos prejuízos causados em virtude do retorno tardio do contêiner, será quinquenal o prazo prescricional (art. 206, §5º, inciso I, do Código Civil). Caso contrário, ou seja, nas hipóteses em que inexistente prévia estipulação contratual, aplica-se a regra geral do art. 205 do Código Civil, ocorrendo a prescrição em 10 (dez) anos:

Código Civil Art. 206. Prescreve: § 5º Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

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O STJ fixou a seguinte tese a respeito do tema:

A pretensão de cobrança de valores relativos a despesas de sobre-estadias de contêineres (demurrage) previamente estabelecidos em contrato de transporte marítimo (unimodal) prescreve em 5 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002. STJ. 2ª Seção. REsp 1.819.826-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 28/10/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1035) (Info 682).

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS No contrato de prestação de serviços advocatícios não é cabível a estipulação de multa pela

renúncia ou revogação unilateral do mandato

O Código de Ética e Disciplina da OAB (CED-OAB), ao dispor sobre as relações entre cliente e advogado, assevera expressamente que o fundamento que as norteia é a confiança recíproca.

Assim, em razão da relação de fidúcia (confiança) entre advogado e cliente (considerando se tratar de contrato personalíssimo), o Código de Ética prevê, em seu art. 16, que o mandato perdura enquanto houver confiança recíproca entre cliente e advogado.

Como existe a possibilidade de quebra da fidúcia (confiança) entre cliente/advogado, há o direito potestativo do patrono em renunciar ao patrocínio (sem prejuízo do cliente ser reparado por eventuais danos sofridos), bem como do cliente em revogar o mandato outorgado (sem prejuízo do causídico em receber verba remuneratória pelos serviços então prestados).

Dessa forma, a revogação unilateral, pelo cliente, do mandato outorgado ao advogado é causa lícita de rescisão do contrato de prestação de serviços advocatícios, não ensejando o pagamento de multa prevista em cláusula penal. A mesma lógica pode e deve ser aplicada também quando ocorrer o inverso, na hipótese de renúncia do mandato pelo causídico.

Vale ressaltar, por fim, que é possível a existência de cláusula penal nos contratos de prestação de serviços advocatícios, contudo adstrita às situações de mora e/ou inadimplemento, desde que respeitada a razoabilidade, sob pena de interferência judicial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.882.117-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/10/2020 (Info 682).

É possível que, no contrato firmado entre o advogado e seu cliente, fique estipulada uma multa para o caso de o profissional renunciar o patrocínio da causa ou para a hipótese de o cliente revogar unilateralmente o mandato? Essa cláusula é válida no contrato de prestação de serviços advocatícios? NÃO.

No contrato de prestação de serviços advocatícios não é cabível a estipulação de multa pela renúncia ou revogação unilateral do mandato. STJ. 3ª Turma. REsp 1.882.117-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/10/2020 (Info 682).

Contrato de prestação de serviços advocatícios é baseado na confiança O Código de Ética e Disciplina da OAB (CED-OAB), ao dispor sobre as relações entre cliente e advogado, assevera expressamente que o fundamento que as norteia é a confiança recíproca. Assim, em razão da relação de fidúcia (confiança) entre advogado e cliente (considerando se tratar de contrato personalíssimo), o Código de Ética prevê, em seu art. 16, que o mandato perdura enquanto houver confiança recíproca entre cliente e advogado:

Art. 16. O mandato judicial ou extrajudicial não se extingue pelo decurso de tempo, desde que permaneça a confiança recíproca entre o outorgante e o seu patrono no interesse da causa.

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Quebra da confiança gera o direito de renúncia ou de revogação Como existe a possibilidade de quebra da fidúcia (confiança) entre cliente/advogado, há o direito potestativo do patrono em renunciar ao patrocínio (sem prejuízo do cliente ser reparado por eventuais danos sofridos), bem como do cliente em revogar o mandato outorgado (sem prejuízo do causídico em receber verba remuneratória pelos serviços então prestados). Dessa forma, a revogação unilateral, pelo cliente, do mandato outorgado ao advogado é causa lícita de rescisão do contrato de prestação de serviços advocatícios, não ensejando o pagamento de multa prevista em cláusula penal. A mesma lógica pode e deve ser aplicada também quando ocorrer o inverso, na hipótese de renúncia do mandato pelo causídico. Vale ressaltar, ainda, que, ocorrendo a revogação do mandato por parte do cliente, esse estará obrigado a pagar ao advogado a verba honorária de modo proporcional aos serviços então prestados. Isso significa que é proibida qualquer cláusula penal nos contratos de prestação de serviços advocatícios? NÃO. É possível a existência de cláusula penal nos contratos de prestação de serviços advocatícios, contudo adstrita às situações de mora e/ou inadimplemento, desde que respeitada a razoabilidade, sob pena de interferência judicial.

CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL É descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei

Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária

Entre a pessoa jurídica fabricante (montadora de carros, chamada de concedente; ex: General Motors) e o distribuidor (concessionária), há uma relação de concessão comercial cujo objeto é o veículo a ser vendido ao consumidor. Esse vínculo, sob o ponto de vista comercial, é regido pela Lei nº 6.729/79, conhecida como Lei Ferrari.

Caso concreto: a montadora (concedente) e a concessionária celebraram contrato de concessão de veículos, peças e acessórios por prazo indeterminado. A montadora promoveu a resolução do contrato, sob alegação de que a concessionária teria praticado diversas irregularidades graves, como a adulteração de ordens de serviço.

A concessionária ajuizou ação pedindo o pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari, que diz: “Art. 24. Se o concedente der causa à rescisão do contrato de prazo indeterminado, deverá reparar o concessionário: (...)”

O STJ entendeu que era descabida a condenação da montadora.

O art. 24 da Lei Ferrari prevê uma série de parcelas indenizatórias devidas à concessionária no caso de resolução do contrato, mas esse pagamento só ocorre se o concedente tiver dado causa a essa resolução. Na situação em tela, as irregularidades praticadas pela concessionária foram graves, a ponto de ensejar o reconhecimento de sua culpa pela resolução do contrato.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.683.245-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 06/10/2020 (Info 682).

Imagine a seguinte situação hipotética: Âncora Carros é uma concessionária de veículos. Ela celebrou contrato com a General Motors para vender os carros dessa fabricante aos consumidores finais. Trata-se de um contrato de concessão comercial, sendo regido pela Lei nº 6.729/79, conhecida como “Lei Ferrari”, que preconiza, em seu art. 1º:

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Art. 1º A distribuição de veículos automotores, de via terrestre, efetivar-se-á através de concessão comercial entre produtores e distribuidores disciplinada por esta Lei e, no que não a contrariem, pelas convenções nela previstas e disposições contratuais.

A Âncora é denominada “concessionária” e a General Motors (fabricante/montadora dos veículos) ocupa o papel de “concedente”. O contrato celebrado entra a Âncora e a GM era por prazo indeterminado. Depois de algum tempo, a montadora promoveu a resolução do contrato, sob alegação de que a concessionária teria praticado diversas irregularidades graves, como a adulteração de ordens de serviço. A concessionária não concordou e ingressou com ação pedindo o pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari, que diz:

Art. 24. Se o concedente der causa à rescisão do contrato de prazo indeterminado, deverá reparar o concessionário: (...)

Segundo a concessionária, a resolução foi indevida e, por essa razão, não havia motivo para a concedente encerrar o contrato, devendo, portanto, pagar a indenização do art. 24. Além disso, a concessionária argumentou que, mesmo que ela tivesse eventualmente praticado alguma infração contratual, a concedente deveria ter aplicado as penalidades previstas no art. 22 da Lei, não podendo simplesmente pedir a resolução do contrato como primeira medida:

Art. 22. Dar-se-á a resolução do contrato: (...) III - por iniciativa da parte inocente, em virtude de infração a dispositivo desta Lei, das convenções ou do próprio contrato, considerada infração também a cessação das atividades do contraente. § 1º A resolução prevista neste artigo, inciso III, deverá ser precedida da aplicação de penalidades gradativas. (...)

O argumento da concessionária foi acolhido pelo STJ? NÃO. O STJ entendeu que era descabida a condenação da montadora. O art. 24 da Lei Ferrari prevê uma série de parcelas indenizatórias devidas à concessionária no caso de resolução do contrato, mas esse pagamento só ocorre se o concedente tiver dado causa a essa resolução. Na situação em tela, as irregularidades praticadas pela concessionária foram graves, a ponto de ensejar o reconhecimento de sua culpa pela resolução do contrato. Embora haja o condicionamento da resolução do contrato por infração contratual à prévia aplicação de penalidades gradativas (art. 22, § 1º, da Lei nº 6.729/79), é possível a resolução imotivada do contrato de concessão por qualquer das partes, em respeito à liberdade contratual, sem prejuízo da obrigação de reparar as perdas e danos experimentadas pela parte inocente. Nesse sentido:

(...) muito embora o comportamento exigido dos contratantes deva pautar-se pela boa-fé contratual, tal diretriz não obriga as partes a manterem-se vinculadas contratualmente ad aeternum, mas indica que as controvérsias nas quais o direito ao rompimento contratual tenha sido exercido de forma desmotivada, imoderada ou anormal, resolvem-se, se for o caso, em perdas e danos. 3. Ademais, a própria Lei n.º 6.729/79, no seu art. 24, permite o rompimento do contrato de concessão automobilística, pois não haveria razão para a lei pré-conceber uma indenização mínima a ser paga pela concedente, se esta não pudesse rescindir imotivadamente o contrato. 4. Recurso especial conhecido e provido. STJ. 4ª Turma. REsp 966.163/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/10/2010.

O contrato deverá prever o regime de penalidades gradativas, para atender o comando do § 1º do art. 22. Por outro lado, na hipótese de ausência de pactuação das penalidades gradativas, resta a possibilidade de

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o magistrado emitir juízo sobre a gravidade das infrações imputadas à concessionária, de modo a aferir de quem foi a culpa pela resolução do contrato. Assim, é possível o suprimento judicial da lacuna normativa. Em suma:

É descabida a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária. STJ. 3ª Turma. REsp 1.683.245-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 06/10/2020 (Info 682).

ALIMENTOS (ASPECTOS PROCESSUAIS) A oferta de pagamento espontâneo em audiência de conciliação em execução de dívida

alimentar pelo devedor perante o Judiciário e com a concordância do representante da parte contrária apto a tanto tem caráter vinculante em relação ao proponente

Caso concreto: “M” ajuizou ação de execução de alimentos contra seu pai (“J”) pedindo para receber as parcelas correspondentes aos meses de maio/2007 a abril/2009. O juiz designou audiência de conciliação. “M” não compareceu. “J” se fez presente e propôs o pagamento da dívida relativa aos 2 últimos meses da pensão alimentícia perante o Magistrado e o Promotor de Justiça, tendo a proposta sido homologada com a concordância do advogado de “M”.

Essa proposta feita pelo genitor/executado pode ser considerada como reconhecimento parcial da dívida?

Sim. A proposta de pagamento parcial por devedor de alimentos em audiência de conciliação já na fase de cumprimento de sentença, perante o patrono da parte contrária, vincula o devedor no limite da proposta, restando assegurada nova negociação quanto ao valor remanescente.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.821.906-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

Imagine a seguinte situação: “M” ajuizou ação de execução de alimentos contra seu pai (“J”) pedindo para receber as parcelas correspondentes aos meses de maio/2007 a abril/2009, que estavam em atraso. O juiz designou audiência de conciliação. “M” (exequente) não compareceu, mas seu advogado foi. “J” se fez presente e propôs o pagamento imediato da dívida relativa aos 2 últimos meses da pensão alimentícia. A proposta foi homologada pelo Magistrado, com parecer favorável do Promotor de Justiça e com a concordância do advogado de “M”. Ocorre que, posteriormente, “J” recusou-se a cumprir a proposta e alegou a nulidade da audiência pela ausência da exequente. O juiz não concordou com a alegação e afirmou que a proposta feita deve ser considerada como reconhecimento parcial da dívida. O STJ concordou com o entendimento do magistrado? SIM.

A proposta de pagamento parcial por devedor de alimentos em audiência de conciliação já na fase de cumprimento de sentença, perante o patrono da parte contrária, vincula o devedor no limite da proposta, restando assegurada nova negociação quanto ao valor remanescente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.821.906-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

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Informativo 682-STJ (04/12/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

A oferta de pagamento espontâneo em audiência de conciliação em execução de dívida alimentar pelo devedor perante o Judiciário e com a concordância do representante da parte contrária apto a tanto tem caráter vinculante em relação ao proponente. Na realidade, o alimentante arrependeu-se de ter anuído com o cumprimento de parcelas da dívida cobrada na fase executiva, motivo pelo qual aponta genericamente nulidades processuais que nem sequer foram demonstradas. A sua argumentação, ademais, resta atingida pela preclusão consumativa, porquanto não apresentada no momento processual oportuno.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE O rol de procedimentos e eventos da ANS é meramente explicativo?

Tema polêmico!

O rol de procedimentos e eventos da ANS é meramente explicativo?

• SIM. Posição da 3ª Turma do STJ.

O fato de o procedimento não constar no rol da ANS não significa que não possa ser exigido pelo usuário, uma vez que se trata de rol exemplificativo.

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.874.078-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/10/2020 (Info 682).

• NÃO. Posição da 4ª Turma do STJ.

O rol de procedimentos e eventos em saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS não é meramente exemplificativo.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.733.013-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2019 (Info 665).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, cliente da Unimed, está acometido de uma doença que causa o desgaste de suas vértebras. Seu médico receitou determinado procedimento cirúrgico. Ocorre que o plano de saúde não autorizou o custeio argumentando que esse tratamento não está no rol de procedimento previsto pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Diante disso, João ajuizou ação contra a Unimed sustentando a tese de que o rol procedimentos e eventos da ANS é meramente explicativo (e não exaustivo). O que entende o STJ? O rol de procedimentos e eventos da ANS é meramente explicativo? Antes de responder a pergunta, vamos entender melhor o tema. O que é a ANS? ANS é a sigla para Agência Nacional de Saúde Suplementar. Trata-se de uma autarquia sob regime especial criada pela Lei nº 9.961/2000. Competência para elaborar a lista de procedimentos Uma das atribuições da ANS é a de elaborar uma lista de procedimentos que deverão ser custeados pelas operadoras de planos de saúde. Essa competência está prevista no art. 4º, III, da Lei nº 9.961/2000:

Art. 4º Compete à ANS:

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Informativo 682-STJ (04/12/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

(...) III - elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, e suas excepcionalidades;

Obs: a Lei nº 9.656/98 é a Lei dos Planos de Saúde. Assim, a ANS prepara uma lista de tratamentos que deverão ser obrigatoriamente fornecidos pelos planos de saúde. A Lei nº 9.656/98 também confere essa atribuição à ANS:

Art. 10 (...) § 4º A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS. (Incluído pela MP 2.177-44/2001)

Esse rol da ANS é obrigatório para os planos de saúde? Em outras palavras, se o tratamento estiver ali previsto, o plano de saúde deverá fornecer? SIM. Trata-se de um rol de procedimentos de cobertura obrigatória. Onde está, atualmente, previsto esse rol? Na Resolução Normativa RN nº 428/2017, atualizada pela RN 439/2018. Diretrizes técnicas que norteiam a elaboração deste rol O rol da ANS, em consonância com o Direito Comparado, foi elaborado com base em diretrizes técnicas que levaram em consideração: a) os princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; b) a observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e c) o resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.

Retomando o tema: qual é a natureza do rol de procedimentos e eventos da ANS?

O ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS DA ANS É MERAMENTE EXPLICATIVO?

SIM. Posição da 3ª Turma do STJ NÃO. Posição da 4ª Turma do STJ

O fato de o procedimento não constar no rol da ANS não significa que não possa ser exigido pelo usuário, uma vez que se trata de rol exemplificativo. É inadmissível a recusa do plano de saúde em cobrir tratamento médico voltado à cura de doença coberta pelo contrato sob o argumento de não constar da lista de procedimentos da ANS, pois este rol é exemplificativo, impondo-se uma interpretação mais favorável ao consumidor. STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1.874.078-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/10/2020 (Info 682).

O rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS não é meramente exemplificativo. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui uma garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Se considerarmos que o rol é meramente exemplificativo e que essa cobertura mínima não tem limitações definidas, isso fará com que os preços dos planos de saúde encareçam e fiquem padronizados já que eles serão obrigados, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, acabando com a possibilidade de haver planos com coberturas adicionais. Logo, isso restringirá a livre concorrência. O rol da ANS foi a solução encontrada pelo legislador para harmonizar a relação contratual, garantindo segurança, efetividade e equilíbrio contratual para não se inviabilizar a saúde suplementar. STJ. 4ª Turma. REsp 1.733.013-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/12/2019 (Info 665).

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Informativo 682-STJ (04/12/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

CONTRATOS BANCÁRIOS Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de juros remuneratórios, é dever da

instituição financeira informar ao consumidor acerca da taxa diária aplicada

Se o contrato, ao tratar sobre os encargos, menciona a taxa de juros mensal e anual, mas não prevê qual é a taxa diária dos juros, há abusividade.

Viola o dever de informação, o contrato que somente prevê uma cláusula genérica de capitalização diária, sem informar a taxa diária de juros remuneratórios.

A informação acerca da capitalização diária, sem indicação da respectiva taxa diária, subtrai do consumidor a possibilidade de estimar previamente a evolução da dívida, e de aferir a equivalência entre a taxa diária e as taxas efetivas mensal e anual.

A falta de previsão da taxa diária, portanto, dificulta a compreensão do consumidor acerca do alcance da capitalização diária, o que configura descumprimento do dever de informação trazido pelo art. 46 do CDC.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.826.463-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 14/10/2020 (Info 682).

Veja comentários em Direito Civil.

CONTRATOS BANCÁRIOS Bancos envolvidos na portabilidade de crédito possuem o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, respondendo solidariamente pelas falhas na

prestação do serviço

As instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade, ainda que concorrentes, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento, impondo-se a ambas o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo sobre elas a responsabilidade solidária em relação aos danos decorrentes de falha na prestação do serviço.

Reconhecida a fraude na assinatura do contrato que deu ensejo à operação de portabilidade, impõe-se a reparação dos danos sofridos pelo consumidor.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.984-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

Imagine a seguinte situação hipotética: Paulo, servidor público, era cliente do Banco “A” e tinha celebrado um contrato de empréstimo consignado com essa instituição financeira. Assim, Paulo tinha uma dívida com o Banco “A” e estava pagando mensalmente. Uma pessoa ligou para Paulo, identificou-se como funcionária do Banco “X”, disse que sabia que ele tinha uma dívida com o Banco “A” e que havia a possibilidade de ele fazer a portabilidade desse débito. Portabilidade é a transferência de operação de crédito de instituição credora original para instituição proponente, por solicitação do devedor (art. 1º, parágrafo único, I, da Resolução CMN nº 4.292/2013). Como funcionaria: o Banco “X” iria pagar a dívida de Paulo junto ao Banco “A” e, a partir daquele momento, o cliente abriria uma conta no Banco “X”, que receberia os pagamentos. A vantagem para Paulo seria a redução dos juros, acarretando a redução do saldo devedor. Para ilustrar, em vez de Paulo pagar R$ 2.000,00 por mês, ele iria pagar R$ 1.800,00. Paulo, por telefone, concordou com a proposta.

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O Banco “X” encaminhou ao Banco “A” a autorização de Paulo para fazer a portabilidade. Ocorre que a assinatura nessa autorização era falsificada. Não foi Paulo quem assinou. A despeito disso, os funcionários do Banco “A” não conferiram a autenticidade da assinatura e fizeram a portabilidade. O pior ainda estava por vir. As condições que haviam sido oferecidas por telefone não foram realmente aplicadas e as parcelas a serem pagas por Paulo, em vez de diminuírem, aumentaram. O Banco “X” começou a cobrar R$ 2.500,00 por mês do cliente. Diante disso, Paulo ajuizou ação contra o Banco “X” e também contra o Banco “A”. O Banco “A” argumentou que não tinha nenhuma responsabilidade já que a portabilidade foi feita a partir de tratativas envolvendo Paulo e o Banco “X”. A tese do Banco “A” foi acolhida pelo STJ? NÃO. O STJ decidiu que:

O banco envolvido na portabilidade de crédito possui o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, respondendo solidariamente pelas falhas na prestação do serviço. STJ. 3ª Turma. REsp 1.771.984-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

Todas as instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade, ainda que concorrentes, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento, impondo-se a ambas o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo sobre elas a responsabilidade solidária em relação aos danos decorrentes de falha na prestação do serviço. A formalização do novo contrato de empréstimo consignado com o Banco “X” foi realizada, ainda que mediante fraude, como parte da operação portabilidade de crédito entre instituições financeiras. Tanto o banco de origem quanto a instituição de destino, ao integrarem uma operação de portabilidade, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento de produtos/serviços, responsabilizando-se até que a operação se aperfeiçoe com a extinção do contrato original e a formação definitiva do novo contrato. Extrai-se daí a solidariedade das instituições financeiras envolvidas num contrato de portabilidade pelos danos decorrentes da falha desse serviço, em conformidade com o art. 7°, parágrafo único, do CDC:

Art. 7º (...) Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo.

Constitui dever de toda e qualquer instituição financeira a manutenção de profissionais específicos para detectar fraudes, em razão da natureza da atividade desenvolvida em mercado, a qual induz a responsabilidade pelo risco do empreendimento. Nesse sentido:

Súmula 479-STJ: As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Vale ressaltar que a responsabilidade da primeira instituição fica ainda mais evidente porque o segundo banco possuía informações sigilosas a respeito da dívida que Paulo tinha com o banco “A”. Logo, houve o compartilhamento ou vazamento de dados bancários do consumidor. Reconhecida a solidariedade das instituições financeiras, ambas responsáveis objetivamente pelos danos decorrentes de fraude, impõe-se a elas o ônus de recompor todos os danos sofridos pelo consumidor, restituindo-lhe o status quo ante como decorrência automática da inexistência do contrato fraudado.

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DIREITO EMPRESARIAL

MARCA Em ação de infração de patente e desenho industrial, é possível a arguição incidental de nulidade

de tais direitos de propriedade industrial, como matéria de defesa, perante a justiça estadual

Importante!!!

O art. 175 da Lei de Propriedade Industrial exige que a ação de nulidade do registro de marca seja ajuizada no foro da Justiça Federal, devendo o INPI, quando não for o autor, necessariamente intervir no feito. Não há, na lei, qualquer exceção a essa regra.

O mesmo, porém, não ocorre no que diz respeito à patente e ao desenho industrial.

Os arts. 56, § 1º, e 118, da Lei nº 9.279/96 preveem a possibilidade de arguição da nulidade de patentes e de desenhos industriais como matéria de defesa em ações de infração, de competência da Justiça Estadual, dispensando, nesses casos, a participação do INPI.

Vale ressaltar, por fim, que o reconhecimento da nulidade de patentes e de desenhos industriais pelo juízo estadual, por ocorrer apenas incidenter tantum, não faz coisa julgada e não opera efeitos para fora do processo, tendo apenas o condão de levar à improcedência do pedido veiculado na ação de infração.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.843.507-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 06/10/2020 (Info 682).

COMPETÊNCIA PARA DECLARAR A NULIDADE DO REGISTRO DE MARCA

Imagine a seguinte situação: A empresa Goiás Refrigerantes S/A registrou, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a marca JOCA COLA. Ao tomar conhecimento disso, a “The Coca Cola Company” ajuizou ação contra a empresa Goiás Refrigerantes S/A e contra o INPI pedindo a nulidade desse registro. A autora alegou que a marca impugnada JOCA COLA causa confusão nos consumidores com a marca COCA-COLA, registrada anteriormente. A competência para julgar essa demanda será da Justiça Federal. A competência para examinar qualquer alegação de nulidade do registro de uma marca é da Justiça Federal. Isso porque, nessa situação, haverá interesse jurídico do INPI na demanda, considerando que foi essa autarquia federal que concedeu o registro, incidindo, portanto, na hipótese do art. 109, I, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

No mesmo sentido, prevê a Lei nº 9.279/96:

Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.

Vale ressaltar que a Justiça Estadual não pode declarar a nulidade do registro da marca nem mesmo incidentalmente em uma ação na qual dois particulares discutem quem pode usar a marca Imagine agora outra situação:

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A Escola de Educação Infantil Poliedro Ltda. propôs ação contra o Sistema de Ensino Poliedro Vestibulares Ltda. pedindo que o réu fosse proibido de utilizar o termo “Poliedro” como marca. A competência para julgar essa ação é da Justiça Estadual porque não há interesse direto e específico do INPI, sendo uma disputa entre particulares. O réu apresentou reconvenção alegando que ele é quem é o titular (detentor) da marca “Poliedro”. A Justiça Estadual, incidentalmente, decidiu que essa palavra (“Poliedro”) não poderia ter sido registrada como marca. Logo, o registro seria nulo. Essa decisão não foi acertada porque a Justiça Estadual não tem competência para declarar a nulidade do registro de marca, mesmo que incidentalmente em uma ação de obrigação de não fazer. Nesse sentido:

Não pode o Tribunal de Justiça Estadual, em ação de abstenção de uso de marca, afastar o pedido da proprietária da marca declarando a nulidade do registro ou irregularidade da marca, eis que lhe carece competência. STJ. 4ª Turma. REsp 1393123-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 18/02/2020 (Info 667).

COMPETÊNCIA PARA DECLARAR A NULIDADE DO REGISTRO DE PATENTE E DESENHO INDUSTRIAL

Patente Patente é um título de propriedade temporária concedido pelo INPI para a pessoa que inventou um novo produto, um novo processo ou para quem fez aperfeiçoamentos destinados à aplicação industrial. Em outras palavras, a patente é concedida ao autor de uma invenção ou de um modelo de utilidade. Desenho industrial O desenho industrial protege a configuração externa de um objeto tridimensional ou um padrão ornamental (bidimensional) que possa ser aplicado a uma superfície ou a um objeto. O desenho industrial insere no mercado uma inovação estética em objeto comum ou facilmente reproduzível em escala industrial. Para que um desenho possa ser registrado como “desenho industrial”, ele deverá preencher os seguintes requisitos: a) Novidade (é um conceito difícil de explicar; significa que o desenho não pode ser nenhum que já existe segundo o estado atual da técnica); b) Originalidade (deve ter uma configuração visual diferente dos outros já existentes); c) Utilização ou aplicação industrial (deve ser possível reproduzir este desenho industrialmente). Obs: tanto a patente como o desenho industrial são registrados no INPI. De quem é a competência para julgar ação na qual se pede a nulidade do registro de patente ou a nulidade de desenho industrial? Justiça Federal. A ação na qual se pede a nulidade do registro de patente ou de desenho industrial deve ser proposta contra o INPI e julgada na Justiça Federal (art. 109, I, da CF/88 e art. 175 da Lei nº 9.279/96). E se o pedido de nulidade for incidental, será possível que seja apreciado pela Justiça Estadual? Imagine a seguinte situação hipotética: Alan é um inventor. Ele idealiza coisas novas. Alan registrou, no INPI, uma patente e um desenho industrial. Determinado dia, Alan percebeu que uma empresa estava utilizando, sem a sua autorização, produto que violava a sua patente. Além disso, a mesma empresa usava, indevidamente, o seu desenho industrial em um produto. Diante disso, ele ajuizou ação de infração contra a empresa pedindo para que a ré se abstenha de fabricar e comercializar qualquer produto relacionado com a sua patente e com seu desenho industrial. A empresa se defendeu alegando a nulidade do registro da patente e a nulidade do registro do desenho industrial.

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Essa alegação pode ser feita na Justiça Estadual? O juiz estadual poderá julgar a ação de infração levando em consideração essa alegação de nulidade do registro? SIM.

Em ação de infração de patente e desenho industrial, é possível a arguição incidental de nulidade de tais direitos de propriedade industrial, como matéria de defesa, perante a justiça estadual. STJ. 3ª Turma. REsp 1.843.507-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 06/10/2020 (Info 682).

Quanto à MARCA, vimos acima que o art. 175 da Lei de Propriedade Industrial exige que a ação de nulidade do registro de marca seja ajuizada no foro da Justiça Federal, devendo o INPI, quando não for o autor, necessariamente intervir no feito. Não há, na lei, qualquer exceção a essa regra. Quanto à PATENTE e ao DESENHO INDUSTRIAL, a situação é diferente. O art. 56, § 1º e o art. 118, da Lei nº 9.279/96 preveem a possibilidade de arguição da nulidade de patentes e de desenhos industriais como matéria de defesa em ações de infração, de competência da Justiça Estadual, dispensando, nesses casos, a participação do INPI. Veja:

Art. 56. A ação de nulidade poderá ser proposta a qualquer tempo da vigência da patente, pelo INPI ou por qualquer pessoa com legítimo interesse. § 1º A nulidade da patente poderá ser arguida, a qualquer tempo, como matéria de defesa. (...)

Art. 118. Aplicam-se à ação de nulidade de registro de desenho industrial, no que couber, as disposições dos arts. 56 e 57.

O STJ, ao interpretar esses dispositivos, entende que, embora, não seja possível o reconhecimento incidental da nulidade de marcas, o exame incidenter tantum da nulidade de patentes e de desenhos industriais se mostra perfeitamente possível, decorrendo essa possibilidade de determinação expressa de lei. Não haveria aí uma violação à competência da Justiça Federal? NÃO. Isso porque a competência federal para julgamento das ações de nulidade de registro de patente ou de desenho industrial é uma competência determinada em razão da pessoa (presença do INPI), e não em razão da matéria. Não é a Constituição Federal, mas sim a própria Lei nº 9.279/96 quem determina a participação do INPI nas ações de nulidade de marcas, patentes e desenhos industriais, respectivamente nos arts. 175, 57 e 118. Não há qualquer óbice, portanto, a que essa mesma lei preveja uma exceção a essa regra nos arts. 56, § 1º, e 118, ressalvando expressamente a possibilidade de arguição da nulidade de patentes e de desenhos industriais como matéria de defesa em ações de infração, de competência da Justiça Estadual, dispensando, nesses casos, a participação do INPI. Não faz coisa julgada material Vale ressaltar, por fim, que o reconhecimento da nulidade de patentes e de desenhos industriais pelo juízo estadual, por ocorrer apenas incidenter tantum, não faz coisa julgada e não opera efeitos para fora do processo, tendo apenas o condão de levar à improcedência do pedido veiculado na ação de infração.

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RECUPERAÇÃO JUDICIAL O Ministério Público é parte legítima para recorrer da decisão que

fixa os honorários do administrador na recuperação judicial

A interpretação conjunta da regra do art. 52, V, da LFRE – que determina a intimação do Ministério Público acerca da decisão que defere o processamento da recuperação judicial - e daquela constante no art. 179, II, do CPC/2015 - que autoriza, expressamente, a interposição de recurso pelo órgão ministerial quando a este incumbir intervir como fiscal da ordem jurídica - evidencia a legitimidade do Parquet para recorrer contra a decisão que fixa os honorários do administrador na recuperação judicial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.884.860-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

Administrador judicial Administrador judicial é uma pessoa escolhida pelo juiz para auxiliá-lo na condução do processo de falência praticando determinados atos que estão elencados no art. 22 da Lei nº 11.101/2005. Na antiga Lei de Falências, o administrador judicial era chamado de “síndico”. O administrador judicial deve ser um profissional idôneo, preferencialmente advogado, economista administrador de empresas ou contador. Pode ser também uma pessoa jurídica especializada neste tipo de atividade (art. 21 da Lei). Remuneração do administrador judicial O administrador judicial é um profissional (ou uma empresa e precisará, obviamente, ser remunerado pelos serviços que prestar em prol do processo de falência. O valor e a forma de pagamento da remuneração do administrador judicial são fixados pelo juiz, observados alguns critérios estabelecidos pelo art. 24 da Lei:

• capacidade de pagamento do devedor;

• grau de complexidade do trabalho; e

• os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes. Os parágrafos do art. 24 trazem outras regras específicas sobre a remuneração do administrador judicial. Quem é responsável pelo pagamento da remuneração do administrador judicial? Caberá ao devedor ou à massa falida arcar com as despesas relativas à remuneração do administrador judicial e das pessoas eventualmente contratadas para auxiliá-lo (art. 25 da Lei). Se o juiz fixar a remuneração do administrador judicial e o Ministério Público não concordar com os critérios estabelecidos, o Promotor de Justiça tem legitimidade para recorrer contra essa decisão? SIM.

O Ministério Público é parte legítima para recorrer da decisão que fixa os honorários do administrador na recuperação judicial. STJ. 3ª Turma. REsp 1.884.860-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

O art. 52, V, da Lei nº 11.101/2005 afirma que o Ministério Público deve ser intimado da decisão que defere o processamento da recuperação judicial:

Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato: (...)

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V - ordenará a intimação eletrônica do Ministério Público e das Fazendas Públicas federal e de todos os Estados, Distrito Federal e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, a fim de que tomem conhecimento da recuperação judicial e informem eventuais créditos perante o devedor, para divulgação aos demais interessados. (Redação dada pela Lei nº 14.112/2020)

Isso significa que o Ministério Público intervém na recuperação judicial. O art. 179, II, do CPC, por sua vez, prevê que o Ministério Público pode recorrer em todos os processos nos quais intervir:

Art. 179. Nos casos de intervenção como fiscal da ordem jurídica, o Ministério Público: (...) II - poderá produzir provas, requerer as medidas processuais pertinentes e recorrer.

Desse modo, a interpretação conjunta da regra do art. 52, V, da LFRE com o que prevê o art. 179, II, do CPC/2015 evidencia a legitimidade do Ministério Público para recorrer contra a decisão que fixa os honorários do administrador na recuperação judicial. No caso concreto, o Parquet recorreu porque considerou muito elevada a remuneração fixada ao administrador da recuperação judicial. Logo, está plenamente justificada a interposição do recurso pelo MP como decorrência de sua atuação como fiscal da ordem jurídica, pois é seu papel institucional zelar, em nome do interesse público (função social da empresa), para que não sejam constituídos créditos capazes de inviabilizar a consecução do plano de soerguimento.

LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL O § 1º do art. 24-A da Lei nº 9.656/98 prevê a indisponibilidade dos bens das pessoas que

exerceram a administração do plano de saúde nos 12 meses antes do ato que decretar a direção fiscal ou a liquidação extrajudicial; o juiz pode ampliar esse prazo

O caput do art. 24-A prevê que os administradores das operadoras de planos de saúde que estejam em regime de direção fiscal ou de liquidação extrajudicial, ficarão com todos os seus bens indisponíveis. O § 1º afirma que essa indisponibilidade atinge a todos aqueles que tenham estado no exercício das funções nos doze meses anteriores ao ato que decretar a direção fiscal ou a liquidação extrajudicial.

Esse prazo legal pode ser ampliado pelo juiz para atingir algum ex-administrador que tenha saído há mais de doze meses?

Sim. O prazo do § 1º do art. 24-A da Lei nº 9.656/98 pode ser ampliado pelo juízo da insolvência civil de operadora de plano de saúde para atingir os bens de ex-conselheiro fiscal que deixou o cargo antes dos doze meses que antecederam o ato de decretação da liquidação extrajudicial.

Desde que observados os requisitos legais, pode o Juízo, com base no poder geral de cautela, ampliar o alcance da norma quando verificar a existência de fundados indícios de responsabilidade de determinado agente, a fim de assegurar, concretamente, a eficácia e a utilidade do provimento jurisdicional de caráter satisfativo.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.845.214-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

Liquidação extrajudicial dos planos de saúde Os planos de saúde gerenciam o dinheiro de muitas pessoas que buscam, após anos de contribuição, terem o atendimento médico e hospitalar quando necessitarem. Trata-se, portanto, de uma atividade de enorme responsabilidade e de grande interesse público.

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Informativo 682-STJ (04/12/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

Diante disso, o Poder Público exerce uma intensa fiscalização sobre tais entidades a fim de que os recursos sejam gerenciados com responsabilidade e que os serviços sejam prestados de forma devida. Caso os planos de saúde estejam passando por dificuldades financeiras, em vez de irem à falência imediatamente prejudicando milhares de pessoas, a Lei nº 9.656/98 prevê medidas para evitar a quebra, sendo uma delas a liquidação extrajudicial. Nesse sentido, confira o que diz o art. 24 da Lei:

Art. 24. Sempre que detectadas nas operadoras sujeitas à disciplina desta Lei insuficiência das garantias do equilíbrio financeiro, anormalidades econômico-financeiras ou administrativas graves que coloquem em risco a continuidade ou a qualidade do atendimento à saúde, a ANS poderá determinar a alienação da carteira, o regime de direção fiscal ou técnica, por prazo não superior a trezentos e sessenta e cinco dias, ou a liquidação extrajudicial, conforme a gravidade do caso.

Indisponibilidade dos bens das pessoas que exerceram a administração do plano de saúde A fim de ter condições de quitar todas as dívidas, a Lei prevê a indisponibilidade dos bens das pessoas que exerceram a administração do plano de saúde até que termine a apuração para verificar se elas possuem responsabilidade pela situação:

Art. 24-A. Os administradores das operadoras de planos privados de assistência à saúde em regime de direção fiscal ou liquidação extrajudicial, independentemente da natureza jurídica da operadora, ficarão com todos os seus bens indisponíveis, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liquidação final de suas responsabilidades.

Nas palavras da Min. Nancy Andrighi, “a decretação da indisponibilidade de bens visa a evitar que a eventual insolvência civil ou falência da operadora, causada pela má-administração, provoque um risco sistêmico ao mercado de planos de saúde, assegurando a responsabilidade patrimonial de todos aqueles que concorreram para a instauração do regime de liquidação extrajudicial. Visa, em última análise, à proteção de toda a coletividade envolvida na prestação do serviço privado de assistência à saúde, de inegável relevância econômica e social.” Vale ressaltar que essa indisponibilidade não significa uma perda imediata e automática da propriedade dos bens. A indisponibilidade impõe restrição apenas ao exercício do direito de dispor do bem (alienar). Não impede, contudo, que o titular continue usando da coisa até que se decida se haverá, ou não, o efetivo perdimento. Outro ponto a ser destacado é que a indisponibilidade do caput do art. 24-A acima transcrito decorre da mera instauração do regime de liquidação extrajudicial, não sendo necessária decisão judicial. A indisponibilidade de bens constitui um efeito direto e imediato do regime de liquidação extrajudicial determinado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Quem é atingido pela indisponibilidade? O § 1º do art. 24-A afirma que essa indisponibilidade atinge apenas as pessoas que exerceram a administração do plano de saúde nos 12 meses antes do ato que decretar a direção fiscal ou a liquidação extrajudicial:

Art. 24-A (...) § 1º A indisponibilidade prevista neste artigo decorre do ato que decretar a direção fiscal ou a liquidação extrajudicial e atinge a todos aqueles que tenham estado no exercício das funções nos doze meses anteriores ao mesmo ato.

Esse prazo legal pode ser ampliado pelo juiz (Poder Judiciário) para atingir algum ex-administrador que tenha saído há mais de doze meses? SIM.

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O prazo do § 1º do art. 24-A da Lei nº 9.656/98 pode ser ampliado pelo juízo da insolvência civil de operadora de plano de saúde para atingir os bens de ex-conselheiro fiscal que deixou o cargo antes dos doze meses que antecederam o ato de decretação da liquidação extrajudicial. Desde que observados os requisitos legais, pode o Juízo, com base no poder geral de cautela, ampliar o alcance da norma quando verificar a existência de fundados indícios de responsabilidade de determinado agente, a fim de assegurar, concretamente, a eficácia e a utilidade do provimento jurisdicional de caráter satisfativo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.845.214-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

Por força do art. 24-D da Lei nº 9.656/98, as normas do Código de Processo Civil aplicam-se, subsidiariamente, à liquidação extrajudicial, falência e insolvência civil das operadoras de planos de saúde, no que for compatível com a legislação especial, como ocorre com os dispositivos que versam sobre o poder geral de cautela, sobretudo por se tratar de poder com acento em princípios processuais gerais como o da efetividade da jurisdição e o da segurança jurídica. A decretação da indisponibilidade de bens visa a evitar que a eventual insolvência civil ou falência da operadora, causada pela má-administração, provoque um risco sistêmico ao mercado de planos de saúde, assegurando a responsabilidade patrimonial de todos aqueles que concorreram para a instauração do regime de liquidação extrajudicial; visa, em última análise, à proteção de toda a coletividade envolvida na prestação do serviço privado de assistência à saúde, de inegável relevância econômica e social. Desde que observados os requisitos legais, pode o Juízo, com base no poder geral de cautela, ampliar o alcance da norma que prevê a decretação da indisponibilidade de bens quando verificar a existência de fundados indícios de responsabilidade de determinado agente, a fim de assegurar, concretamente, a eficácia e a utilidade do provimento jurisdicional de caráter satisfativo.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO Juiz não pode se recusar a determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/2015) sob o fundamento de que o exequente teria

condições de fazer isso diretamente

Caso concreto: uma empresa exequente pediu ao juiz a inclusão do nome da executada nos cadastros de inadimplentes, nos termos do art. 782, § 3º do CPC. O requerimento foi indeferido pelo magistrado sob o argumento de que a exequente possui condições de pedir diretamente a inscrição.

O STJ não concordou com a recusa.

O requerimento da inclusão do nome da executada em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/2015) não pode ser indeferido pelo juiz tão somente sob o fundamento de que as exequentes possuem meios técnicos e a expertise necessária para promover, por si mesmas, a inscrição direta junto aos órgãos de proteção ao crédito.

O art. 782, § 3º, do CPC/2015 prevê que, a requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.

O dispositivo legal que autoriza a inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes exige, necessariamente, o requerimento da parte, não podendo o juízo promovê-lo de ofício.

Ademais, depreende-se da redação do referido dispositivo legal que, havendo o requerimento, não há a obrigação legal de o Juiz determinar a negativação do nome do devedor, tratando-se

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de mera discricionariedade. A medida, então, deverá ser analisada casuisticamente, de acordo com as particularidades do caso concreto.

Não cabe, contudo, ao julgador criar restrições que a própria lei não criou, limitando o seu alcance, por exemplo, à comprovação da hipossuficiência da parte. Tal atitude vai de encontro ao próprio espírito da efetividade da tutela jurisdicional, norteador de todo o sistema processual.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.887.712-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/10/2020 (Info 682).

Imagine a seguinte situação hipotética: Determinada empresa ajuizou execução contra Regina, cobrando R$ 100 mil. A executada foi citada e não efetuou o pagamento da dívida devida no prazo legal. Também não foram localizados bens penhoráveis. Diante disso, a exequente pediu ao juiz a inclusão do nome da executada no SERASA e SPC, nos termos do art. 782, § 3º do CPC:

Art. 782 (...) § 3º A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.

(Analista TRF2 2017 CONSULPLAN) O CPC/15 permite que o nome do devedor executado seja incluído pelo juiz, a requerimento do exequente, em cadastro de inadimplentes. (certo)

O requerimento foi indeferido pelo magistrado sob o argumento de que a exequente não é hipossuficiente e, portanto, possui condições de pedir diretamente a inscrição. O STJ concordou com a decisão do magistrado? NÃO. Segundo o STJ:

O juiz não pode se recusar a determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/2015) sob o fundamento de que o exequente teria condições de fazer isso diretamente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.887.712-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/10/2020 (Info 682).

Importância da previsão do § 3º do art. 782 do CPC A inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes (exs: SPC, SERASA), prevista no art. 782, § 3º, do CPC, possui a natureza jurídica de medida executiva típica. Trata-se de importante e eficaz medida para concretizar o princípio da efetividade do processo. Isso porque, com a negativação do seu nome, o devedor terá seu direito ao crédito restringido, o que o forçará a satisfazer a obrigação. Conforme explica Fernando Gajardoni:

“4.2. Ao autorizar que o juiz possa determinar, a qualquer momento ou grau de jurisdição, a inclusão do nome do executado em cadastro de inadimplentes - inclusive no cumprimento de sentença (art. 782, § 5º, do CPC/2015) -, atua-se indiretamente sobre a vontade do devedor, aumentando as desvantagens do não cumprimento da obrigação positivada no título. Afinal, em uma sociedade de consumo globalizada como a que vivemos, o apontamento no cadastro de maus pagadores (art. 44 do CDC) representa enorme limitador do crédito, consequentemente forçando o devedor a buscar a baixa de negativação a fim de recuperá-lo.” (Execução e Recursos: comentários ao CPC de 2015. 1ª ed. São Paulo: Método, 2017, p. 62).

Juiz não pode determinar a providência de ofício Conforme se observa pela redação do dispositivo, essa negativação do nome pela via judicial somente será possível por requerimento da parte, não podendo ser determinada pelo juízo de ofício (sem pedido).

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Juiz está obrigado a acolher o pedido do credor? NÃO. O juiz não possui o dever de determinar a negativação do nome do devedor. Trata-se de uma faculdade do magistrado (“pode”), devendo ser analisadas as particularidades do caso concreto. Assim, após o requerimento, o juiz analisa se esta providência é proporcional no caso concreto. Por que, no caso concreto, o STJ afirmou que a recusa do magistrado foi indevida? O indeferimento do pleito pelo magistrado deu-se unicamente com base no fundamento de que a empresa possui meios técnicos e expertise necessária para, por si mesma, promover a inscrição do nome do devedor nos cadastros de dados de devedores inadimplentes. Esse argumento, por si só, é insuficiente. O juiz não teceu quaisquer considerações acerca da necessidade e da potencialidade do deferimento da medida ser útil ao fim pretendido, isto é, à satisfação da obrigação – o que justificaria a discricionariedade na aplicação do art. 782, § 3º, do CPC/2015. Depreende-se da redação do referido dispositivo legal que, havendo o requerimento, não há a obrigação legal de o Juiz determinar a negativação do nome do devedor, tratando-se de mera discricionariedade. A medida, então, deverá ser analisada casuisticamente, de acordo com as particularidades do caso concreto. Não cabe, contudo, ao julgador criar restrições que a própria lei não criou, limitando o seu alcance, por exemplo, à comprovação da hipossuficiência da parte. Tal atitude vai de encontro ao próprio espírito da efetividade da tutela jurisdicional, norteador de todo o sistema processual.

DOD PLUS – JULGADO CORRELATO

O requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, nos termos do que dispõe o art. 782, § 3º, do CPC/2015, não depende da comprovação de prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro

O § 3º do art. 782 do CPC/2015 prevê que o juiz, a requerimento da parte, pode determinar a inclusão do nome do executado nos cadastros de inadimplentes (exs: SPC/SERASA). Embora o magistrado não esteja obrigado a deferir o pedido de inclusão do nome do executado no cadastro de inadimplentes, visto que a norma do art. 782, § 3º, do CPC/2015 não trata de uma imposição legal, mas mera faculdade atribuída ao juiz da causa, não se revela idôneo condicionar a referida medida à prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro. Assim, o credor pode requerer essa providência diretamente ao juízo, não sendo necessário comprovar que este pedido foi feito antes, extrajudicialmente, para as entidades mantenedoras do cadastro e que elas recusaram. STJ. 3ª Turma. REsp 1.835.778-PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/02/2020 (Info 664).

AÇÃO MONITÓRIA É cabível o pedido de repetição de indébito em dobro,

previsto no art. 940 do CC/2002, em sede de embargos monitórios

O réu, citado na ação monitória, pode apresentar embargos monitórios, que são uma forma de defesa, semelhante à contestação (art. 702 do CPC).

Os embargos podem se fundar em qualquer matéria que poderia ser alegada como defesa no procedimento comum (§ 1º do art. 702).

Assim, o réu pode, nos embargos monitórios, alegar que a dívida já está paga e pedir a repetição de indébito em dobro, nos termos do art. 940 do CC.

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A condenação ao pagamento em dobro do valor indevidamente cobrado pode ser formulada em qualquer via processual, inclusive, em sede de embargos à execução, embargos monitórios e ou reconvenção, até mesmo reconvenção, prescindindo de ação própria para tanto.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.877.292-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

REGRAMENTO DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO NO CÓDIGO CIVIL

Imagine a seguinte situação: João ajuizou ação de cobrança contra Pedro por um suposto débito de R$ 10 mil. Pedro contestou a demanda provando que já havia pagado a dívida. Além disso, na própria contestação, o réu pediu que o autor fosse condenado a pagar R$ 20 mil a ele em razão de estar cobrando uma dívida já quitada. Sob o ponto de vista do direito material, esse pedido de Pedro encontra amparo na legislação? SIM. Há previsão expressa no Código Civil:

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Obs1: essa penalidade do art. 940 deve ser aplicada independentemente de a pessoa demandada ter provado qualquer tipo de prejuízo. Assim, ainda que Pedro não comprove ter sofrido dano, essa indenização será devida. O art. 940 do CC institui uma autêntica pena privada, aplicável independentemente da existência de prova do dano (STJ. 3ª Turma. REsp 1.286.704/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 28/10/2013). Obs2: a penalidade do art. 940 exige que o credor tenha exigido judicialmente a dívida já paga (“demandar” = “exigir em juízo”). Para que Pedro cobre esse valor em dobro, é necessária ação autônoma ou reconvenção, ou ele pode fazer isso por meio de mera contestação? O pedido pode ser feito por meio de contestação:

A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (art. 1.531 do CC 1916 / art. 940 do CC 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção. STJ. 2ª Seção. REsp 1111270-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 25/11/2015 (recurso repetitivo) (Info 576).

Sempre que houver cobrança de dívida já paga, haverá a condenação do autor à penalidade do art. 940 do CC? Não, nem sempre. Segundo o STJ, são exigidos dois requisitos para a aplicação do art. 940: a) a cobrança se dá por meio judicial; e b) a má-fé do demandante fica comprovada. Essa exigência da má-fé é antiga e vem desde o CC-1916, onde esta penalidade encontrava-se prevista no art. 1.531. Veja o que o STF já havia decidido naquela época:

Súmula 159-STF: Cobrança excessiva, mas de boa fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil (atual art. 940).

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(PGM Manaus 2018 CEBRASPE) De acordo com a jurisprudência do STJ e as disposições do Código Civil, uma vez ajuizada ação de cobrança de dívida já paga, o direito do requerido à restituição em dobro prescindirá da demonstração de má-fé do autor da cobrança. (errado) Se João tivesse desistido da ação de cobrança antes de Pedro apresentar contestação, isso o eximiria do pagamento da penalidade do art. 940 do CC? SIM. O CC prevê que a indenização é excluída se o autor desistir da ação antes de contestada a lide:

Art. 941. As penas previstas nos arts. 939 e 940 não se aplicarão quando o autor desistir da ação antes de contestada a lide, salvo ao réu o direito de haver indenização por algum prejuízo que prove ter sofrido.

AÇÃO MONITÓRIA E ALEGAÇÃO DO ART. 940 DO CC NOS EMBARGOS

Imagine agora a seguinte situação: O Banco do Brasil ajuizou ação monitória contra Ricardo cobrando R$ 100 mil que seriam devidos à instituição financeira em decorrência de contrato de mútuo. Relembrando o que é uma ação monitória Ação monitória é um procedimento especial, previsto no CPC, por meio do qual o credor exige do devedor o pagamento de soma em dinheiro ou a entrega de coisa com base em prova escrita que não tenha eficácia de título executivo. Ex1: ação monitória para cobrança de cheque prescrito. Ex2: ação monitória para cobrança de valores baseados em contrato bancário de abertura de conta-corrente. O cheque prescrito e o contrato bancário de abertura de conta são provas escritas do débito, mas que não se constituem em título executivo. Se o credor tem título executivo, pode ingressar desde logo com a execução. Se o credor não tem nenhuma prova documental, só lhe resta a ação de cobrança. Se o credor tem prova escrita que não goza de eficácia de título executivo: cabe ação monitória. Posturas do juiz diante de uma ação monitória proposta Diante da propositura de uma ação monitória, o juiz poderá adotar uma das seguintes condutas: a) Determinar a emenda da petição inicial; b) Receber a petição inicial como procedimento ordinário; c) Indeferir a petição inicial; d) Aceitar a monitória: neste caso, ele reconhece evidente o direito do autor e manda expedir um mandado monitório para que o réu pague a dívida, entregue a coisa ou execute a obrigação combinada no prazo de 15 dias. Aqui o magistrado faz um mero juízo de delibação. Imaginemos que, em nosso exemplo, o juiz aceitou a monitória e determinou a expedição de mandado monitório. O réu (João) foi, então, citado. Posturas do réu O réu citado poderá assumir uma das seguintes posturas: a) Cumprir a obrigação. b) Não pagar nem se defender. c) Defender-se. A defesa na ação monitória é denominada de “embargos à ação monitória” (art. 702 do CPC). Qual é a natureza jurídica dos “embargos à ação monitória”? Os embargos apresentados na ação monitória pelo réu não possuem natureza de ação – como ocorre em relação aos embargos do devedor na execução –, mas sim natureza de contestação.

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Dessa forma, nos embargos à ação monitória o réu poderá apresentar ampla defesa, sem restrições quanto à matéria. Voltando ao nosso exemplo: Ricardo apresentou embargos à monitória alegando que só estava devendo R$ 30 mil e que o banco estaria cobrando um excesso de R$ 70 mil. Pleiteou a procedência dos embargos e a condenação do autor à repetição de indébito, em dobro, dos valores cobrados indevidamente, nos termos do disposto no art. 940 do Código Civil. É cabível o pedido de repetição de indébito em dobro, previsto no art. 940 do CC/2002, em sede de embargos monitórios? SIM. O réu, citado na ação monitória, pode apresentar embargos monitórios, que são uma forma de defesa, semelhante à contestação (art. 702 do CPC). Os embargos podem se fundar em qualquer matéria que poderia ser alegada como defesa no procedimento comum (§ 1º do art. 702). Assim, o réu pode, nos embargos monitórios, alegar que a dívida já está paga e pedir a repetição de indébito em dobro, nos termos do art. 940 do CC. A condenação ao pagamento em dobro do valor indevidamente cobrado pode ser formulada em qualquer via processual, inclusive, em sede de embargos à execução, embargos monitórios e ou reconvenção, até mesmo reconvenção, prescindindo de ação própria para tanto. Em suma:

É cabível o pedido de repetição de indébito em dobro, previsto no art. 940 do CC/2002, em sede de embargos monitórios. STJ. 3ª Turma. REsp 1.877.292-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

DIREITO PENAL

MARIA DA PENHA Quem julga o crime de estupro de vulnerável praticado por pai contra filha de 4 anos: vara

criminal “comum” ou vara de violência doméstica e familiar contra a mulher?

Se o fator determinante que ensejou a prática do crime foi a tenra idade da vítima fica afastada a vara de violência doméstica e familiar? Ex: estupro de vulnerável praticado por pai contra a filha, de 4 anos.

• SIM. Posição da 5ª Turma do STJ:

Se o fato de a vítima ser do sexo feminino não foi determinante para a caracterização do crime de estupro de vulnerável, mas sim a tenra idade da ofendida, que residia sobre o mesmo teto do réu, que com ela manteve relações sexuais, não há que se falar em competência do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1020280/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/08/2018.

• NÃO. Julgado recente da 6ª Turma do STJ:

A idade da vítima é irrelevante para afastar a competência da vara especializada em violência doméstica e familiar contra a mulher e as normas protetivas da Lei Maria da Penha.

STJ. 6ª Turma. RHC 121.813-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

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A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: “M” praticou estupro de vulnerável contra a própria filha, de 4 anos. Surgiu uma dúvida quanto à competência para julgar esse delito: seria da vara criminal “comum” ou vara especializada em violência doméstica e familiar contra a mulher. O Tribunal de Justiça entendeu que a competência seria da vara criminal “comum”. Isso porque o que teria sido determinante para a prática do crime foi a tenra idade da vítima, não tendo o delito sido cometido em razão do gênero. Logo, não seria possível atrair a incidência da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). O Tribunal local não desconsiderou a presença vínculo doméstico na conduta praticada pelo réu. Todavia, entendeu não haver motivação de gênero na referida prática e priorizou a idade da vítima para afastar a competência da vara especializada. O STJ concorda com o entendimento do TJ? O Tribunal está dividido:

Se o fator determinante que ensejou a prática do crime foi a tenra idade da vítima fica afastada a vara de violência doméstica e familiar? Ex: estupro de vulnerável praticado por pai contra a filha, de 4 anos

SIM NÃO

Para que a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica seja firmada, não basta que o crime seja praticado contra mulher no âmbito doméstico ou familiar, exigindo-se que a motivação do acusado seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher. Se o fato de a vítima ser do sexo feminino não foi determinante para a caracterização do crime de estupro de vulnerável, mas sim a tenra idade da ofendida, que residia sobre o mesmo teto do réu, que com ela manteve relações sexuais, não há que se falar em competência do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1020280/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 23/08/2018.

A idade da vítima é irrelevante para afastar a competência da vara especializada em violência doméstica e familiar contra a mulher e as normas protetivas da Lei Maria da Penha. O que importa é constatar que não apenas a agressão sexual se deu em ambiente doméstico, mas também familiar e afetivo, entre pai e filha, eliminando qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema da Lei Maria da Penha, inclusive no que diz respeito ao órgão jurisdicional competente - especializado - para processar e julgar a ação penal. É descabida a preponderância de um fator meramente etário, para afastar a competência da vara especializada e a incidência do subsistema da Lei Maria da Pena, desconsiderando o que, na verdade, importa, é dizer, a violência praticada contra a mulher (de qualquer idade), no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. A Lei nº 11.340/2006 nada mais objetiva do que proteger vítimas, contra quem os abusos aconteceram no ambiente doméstico e decorreram da distorção sobre a relação familiar decorrente do pátrio poder, em que se pressupõe intimidade e afeto, além do fator essencial de ela ser mulher, elementos suficientes para atrair a competência da vara especializada em violência doméstica. A prevalecer o outro entendimento, crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica - segmento especial e prioritariamente protegido pela Constituição (art. 227) - passariam a ter um âmbito de proteção menos efetivo do que mulheres adultas. STJ. 6ª Turma. RHC 121.813-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO Depois da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais possível que o juiz, de ofício,

converta a prisão em flagrante em prisão preventiva (é indispensável requerimento)

Importante!!!

Depois da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), não é mais possível que o juiz, de ofício, converta a prisão em flagrante em prisão preventiva (é indispensável requerimento)

Não é possível a decretação “ex officio” de prisão preventiva em qualquer situação (em juízo ou no curso de investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia, sem que haja, mesmo na hipótese da conversão a que se refere o art. 310, II, do CPP, prévia, necessária e indispensável provocação do Ministério Público ou da autoridade policial.

A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das partes ou representação da autoridade policial.

Logo, não é mais possível, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação ‘ex officio’ do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade.

A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP.

STJ. 5ª Turma. HC 590.039/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).

Em sentido contrário temos a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve: mesmo após as inovações trazidas pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/2019), não há ilegalidade na conversão da prisão em flagrante em preventiva, de ofício, pelo magistrado (STJ. 6ª Turma. HC 605.305-MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 06/10/2020) (Info 682).

Antes da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), a jurisprudência entendia que o juiz, após receber o auto de prisão em flagrante, poderia, de ofício, converter a prisão em flagrante em prisão preventiva. A conclusão era baseada na redação do art. 310, II, do CPP:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (...) II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

Nesse sentido:

Jurisprudência em Teses (Ed. 120) Tese 10) Não há nulidade na hipótese em que o magistrado, de ofício, sem prévia provocação da autoridade policial ou do órgão ministerial, converte a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP.

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Ocorre que a Lei nº 13.964/2019 revogou os trechos do CPP que previam a possibilidade de decretação da prisão preventiva ex officio. Veja:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE

Art. 282. (...) § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Art. 282. (...) § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Conclusões: Antes da Lei nº 13.964/2019, o juiz podia conceder medidas cautelares de ofício? Com base na redação anterior do art. 282, § 2º do CPP, a posição majoritária era a seguinte: • Na fase do inquérito policial: NÃO. Aqui era necessário pedido ou requerimento. Exceção: conversão do flagrante em prisão preventiva. • Na fase judicial: SIM. O § 2º do art. 282 afirmava isso expressamente.

Após a Lei nº 13.964/2019, o juiz pode conceder medidas cautelares de ofício? NÃO. A Lei alterou a redação do § 2º do art. 282 do CPP e acabou com a possibilidade.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Conclusão: foi excluída expressamente a possibilidade que existia antes de que o juiz decretasse a prisão preventiva de ofício (sem requerimento).

E o art. 310 do CPP, foi alterado pelo Pacote Anticrime? Apenas o caput, para deixar clara a indispensabilidade da realização da audiência de custódia. Confira:

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Antes da Lei 13.964/2019 ATUALMENTE

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: (...)

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do

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Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (...)

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

Conclusão: o caput do art. 310 foi alterado para incluir, no texto do CPP, a obrigatoriedade da audiência de custódia. O inciso II não foi modificado.

Depois das alterações promovidas pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), permanece a possibilidade de o juiz converter, de ofício, a prisão em flagrante em prisão preventiva? A maioria da doutrina que comentou o Pacote respondeu que não. Para a doutrina majoritária, esse entendimento estaria superado com a Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), que teria proibido qualquer prisão decretada de ofício pelo magistrado. Veja:

“De acordo com a nova redação do art. 310, II, do CPP, verificada a legalidade da prisão em flagrante, o juiz poderá fundamentadamente converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão, hipótese em que deverá ser expedido um mandado de prisão. Para tanto, é indispensável que seja provocado nesse sentido, pois jamais poderá fazê-lo de ofício, sob pena de violação aos arts. 3º-A, 282, §§2º e 4º, e 311, todos do CPP, com redação dada pela Lei n. 13.964/19.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 8ª ed., Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1052).

E a jurisprudência? Também seguiu no mesmo caminho:

Não é possível a decretação “ex officio” de prisão preventiva em qualquer situação (em juízo ou no curso de investigação penal), inclusive no contexto de audiência de custódia, sem que haja, mesmo na hipótese da conversão a que se refere o art. 310, II, do CPP, prévia, necessária e indispensável provocação do Ministério Público ou da autoridade policial. A Lei nº 13.964/2019, ao suprimir a expressão “de ofício” que constava do art. 282, § 2º, e do art. 311, ambos do CPP, vedou, de forma absoluta, a decretação da prisão preventiva sem o prévio requerimento das partes ou representação da autoridade policial. Logo, não é mais possível, com base no ordenamento jurídico vigente, a atuação ‘ex officio’ do Juízo processante em tema de privação cautelar da liberdade. A interpretação do art. 310, II, do CPP deve ser realizada à luz do art. 282, § 2º e do art. 311, significando que se tornou inviável, mesmo no contexto da audiência de custódia, a conversão, de ofício, da prisão em flagrante de qualquer pessoa em prisão preventiva, sendo necessária, por isso mesmo, para tal efeito, anterior e formal provocação do Ministério Público, da autoridade policial ou, quando for o caso, do querelante ou do assistente do MP. STJ. 5ª Turma. HC 590.039/GO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 20/10/2020 (Info 682). STF. HC 188888/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 6/10/2020 (Info 994).

Em sentido contrário temos a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve:

Mesmo após as inovações trazidas pelo Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/2019), não há ilegalidade na conversão da prisão em flagrante em preventiva, de ofício, pelo magistrado. STJ. 6ª Turma. HC 605.305-MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. Acd. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 06/10/2020 (Info 682).

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PROVAS Para o acesso a dados telemáticos não é necessário

a delimitação temporal para fins de investigações criminais

Não é necessário especificar a limitação temporal para os acessos requeridos pelo Ministério Público, por se tratar de dados estáticos, constantes nas plataformas de dados.

Apesar de o art. 22, III, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) determinar que a requisição judicial de registro deve conter o período ao qual se referem, tal quesito só é necessário para o fluxo de comunicações, sendo inaplicável nos casos de dados já armazenados que devem ser obtidos para fins de investigações criminais.

STJ. 6ª Turma. HC 587.732-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: A juíza, ao deferir medida de busca e apreensão, afirmou que deveriam ser apreendidos aparelhos de telefonia celular, computadores, tablets, hard drives (HDs) e pen drives. Além disso, na decisão, a magistrada deferiu o afastamento do sigilo dos dados telemáticos e informáticos (“quebra do sigilo”), autorizando que a Polícia tivesse acesso imediato aos dados armazenados nos aparelhos apreendidos, inclusive ao teor de conversações por meio de aplicativos de mensagem instantânea, tais como Whatsapp, Telegram, Instagram, Facebook Messenger etc. A defesa impetrou habeas corpus afirmando que, para a juíza autorizar o acesso aos dados telemáticos, ela precisaria fazer a delimitação temporal, ou seja, ela teria que ter dito que os policiais podem acessar os dados referentes aos dias XX até YY. Um dos dispositivos legais invocados pela defesa para fundamentar seu pedido foi o art. 22, III, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet):

Art. 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet. Parágrafo único. Sem prejuízo dos demais requisitos legais, o requerimento deverá conter, sob pena de inadmissibilidade: (...) III - período ao qual se referem os registros.

A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? NÃO.

Para o acesso a dados telemáticos não é necessário a delimitação temporal para fins de investigações criminais. STJ. 6ª Turma. HC 587.732-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 20/10/2020 (Info 682).

Não é necessário especificar a limitação temporal para os acessos requeridos pelo Ministério Público, por se tratar de dados estáticos, constantes nas plataformas de dados. Apesar de o art. 22, III, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) determinar que a requisição judicial de registro deve conter o período ao qual se referem, tal quesito só é necessário para o fluxo de comunicações, sendo inaplicável nos casos de dados já armazenados que devem ser obtidos para fins de investigações criminais. No caso, não se trata de guarda e disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet, e, acaso fosse, a autoridade policial ou o Ministério Público poderia requerer cautelarmente que o provedor de aplicações de internet, por ordem judicial, guardasse os registros de acesso à aplicação de internet, para finalidades de investigação criminal.

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DIREITO TRIBUTÁRIO

ITBI A nulidade de negócio jurídico de compra e venda de imóvel

viabiliza a restituição do valor recolhido pelo contribuinte a título de ITBI

Importante!!!

ITBI significa imposto sobre transmissão inter vivos, sendo tributo de competência dos Municípios.

Segundo o art. 156, II da CF/88, o ITBI será cobrado quando houver “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”.

Exemplo: João vendeu uma casa a Pedro. Sobre essa transmissão, há incidência do ITBI, que foi pago pelo comprador. Suponha, no entanto, que, posteriormente, esse negócio jurídico (compra e venda) tenha sido anulada por sentença judicial transitada em julgado.

Neste caso, conclui-se que não houve a transmissão da propriedade, estando ausente o fato gerador do imposto. Logo, é devida a restituição do ITBI que foi pago.

STJ. 1ª Seção. EREsp 1.493.162-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 14/10/2020 (Info 682).

ITBI ITBI significa imposto sobre transmissão inter vivos, sendo tributo de competência dos Municípios. Segundo o art. 156, II da CF/88, o ITBI será cobrado quando houver “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”. O que acontece com o ITBI pago se a venda é anulada? Imagine a seguinte situação hipotética: João vendeu uma casa a Pedro. Sobre essa transmissão, há a incidência do ITBI, que foi pago pelo comprador. Suponha, no entanto, que, posteriormente, esse negócio jurídico (compra e venda) tenha sido anulada por sentença judicial transitada em julgado. O que acontece com o ITBI que foi pago? Ele deverá ser devolvido ao contribuinte? SIM. Neste caso, conclui-se que não houve a transmissão da propriedade, estando ausente o fato gerador do imposto. Logo, é devida a restituição do ITBI que foi pago.

A nulidade de negócio jurídico de compra e venda de imóvel viabiliza a restituição do valor recolhido pelo contribuinte a título de ITBI. STJ. 1ª Seção. EREsp 1.493.162-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 14/10/2020 (Info 682).

DOD PLUS – TEMA CONEXO

Jurisprudência em Teses (Ed. 55) Tese 18: O fato gerador do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis - ITBI é a transmissão do domínio do bem, não incidindo o tributo sobre a promessa de compra e venda na medida que se trata de contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em contrato definitivo, este sim ensejador da cobrança do aludido tributo.

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Veículo de imprensa jornalística possui direito líquido e certo de obter dados públicos sobre óbitos

relacionados a ocorrências policiais. ( ) 2) Não há nulidade do PAD pela suposta inobservância do direito à não autoincriminação, quando a

testemunha, até então não envolvida, noticia elementos que trazem para si responsabilidade pelos episódios em investigação. ( )

3) A responsabilidade do ex-cooperado pelo rateio dos prejuízos acumulados não se limita ao prazo de 2 anos contados do desligamento da cooperativa, previsto no art. 1.003, parágrafo único, e no art. 1.032, do Código Civil. ( )

4) Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de juros remuneratórios, é dever da instituição financeira informar ao consumidor acerca da taxa diária aplicada. ( )

5) O direito à indenização por danos morais não se transmite com o falecimento do titular, razão pela qual os herdeiros da vítima não possuem legitimidade ativa para ajuizar ou prosseguir a ação indenizatória. ( )

6) A pretensão de cobrança de valores relativos a despesas de sobre-estadias de contêineres (demurrage) previamente estabelecidos em contrato de transporte marítimo (unimodal) prescreve em 5 (cinco) anos, a teor do que dispõe o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002. ( )

7) No contrato de prestação de serviços advocatícios é cabível a estipulação de multa pela renúncia ou revogação unilateral do mandato. ( )

8) É cabível a condenação da montadora ao pagamento da indenização prevista no art. 24 da Lei Ferrari na hipótese em que a resolução do contrato encontra justificativa na gravidade das infrações praticadas pela concessionária. ( )

9) A oferta de pagamento espontâneo em audiência de conciliação em execução de dívida alimentar pelo devedor perante o Judiciário e com a concordância do representante da parte contrária apto a tanto tem caráter vinculante em relação ao proponente. ( )

10) Bancos envolvidos na portabilidade de crédito possuem o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, respondendo solidariamente pelas falhas na prestação do serviço. ( )

11) Em ação de infração de patente e desenho industrial, não é possível a arguição incidental de nulidade de tais direitos de propriedade industrial, como matéria de defesa, perante a justiça estadual. ( )

12) O Ministério Público não é parte legítima para recorrer da decisão que fixa os honorários do administrador na recuperação judicial. ( )

13) O prazo do § 1º do art. 24-A da Lei nº 9.656/98 pode ser ampliado pelo juízo da insolvência civil de operadora de plano de saúde para atingir os bens de ex-conselheiro fiscal que deixou o cargo antes dos doze meses que antecederam o ato de decretação da liquidação extrajudicial. ( )

14) Juiz pode se recusar a determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes (art. 782, § 3º, do CPC/2015) sob o fundamento de que o exequente teria condições de fazer isso diretamente. ( )

15) Não é cabível o pedido de repetição de indébito em dobro, previsto no art. 940 do CC/2002, em sede de embargos monitórios. ( )

16) Para o acesso a dados telemáticos é necessário a delimitação temporal para fins de investigações criminais. ( )

17) Mesmo havendo a nulidade de negócio jurídico de compra e venda de imóvel isso não implicará a restituição do valor recolhido pelo contribuinte a título de ITBI. ( )

Gabarito

1. C 2. C 3. C 4. C 5. E 6. C 7. E 8. E 9. C 10. C

11. E 12. E 13. C 14. E 15. E 16. E 17. E