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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
INGRID GOMES
OLHARES SOBRE O OUTRO Estudo das representações do Islã nos jornais Estado
de S. Paulo e Folha de S. Paulo
São Bernardo do Campo-SP, 2012
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
INGRID GOMES
OLHARES SOBRE O OUTRO Estudo das representações do Islã nos jornais Estado
de S. Paulo e Folha de S. Paulo
Tese apresentada em cumprimento
parcial às exigências do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação
Social, da Universidade Metodista de
São Paulo (UMESP), para obtenção do
grau de Doutor. Orientador: Prof. Dr.
José Salvador Faro.
São Bernardo do Campo-SP, 2012
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A tese de doutorado sob o título “Olhares sobre o Outro. Estudo das representações do
Islã nos jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo”, elaborada por Ingrid Gomes
foi defendida e aprovada em 17 de abril de 2012, perante banca examinadora composta
por Dr. José Salvador Faro (Presidente/UMESP), Dr. Laan Mendes de Barros
(Titular/UMESP), Dra. Cicília Maria Krohling Peruzzo (Titular/UMESP), Francisco
César Pinto da Fonseca (Titular/FGV), Belarmino César Guimarães da Costa
(Titular/UNIMEP).
__________________________________________
Prof. Dr. José Salvador Faro
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
__________________________________________
Prof. Dr. Laan Mendes de Barros
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Programa: Pós-Graduação em Comunicação Social
Área de Concentração: Processos Comunicacionais
Linha de Pesquisa: Processos Comunicacionais Midiáticos
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Agradecimentos
Ao meu maravilhoso Deus, pelos sentidos e habilidades perfeitos e pela alegria
de descobrir a cada dia a beleza de experimentar a vida, por estar ao meu lado e enviar
zilhões de anjos, sempre.
Ao meu orientador Profº Dr. José Salvador Faro, pelo conhecimento emitido.
Ao coordenador Profº Dr. Laan Mendes pelas conversas sábias e direção
acadêmica quando mais precisei.
Ao Profº Dr. Adolpho Queiroz pelo conhecimento transmitido, pelo carinho sem
precedente. Obrigada, você é muito especial para mim.
Aos professores que sacudiram meu pensar, Profº Dr. Wilson Bueno, Profª Dra.
Cicilia Peruzzo, Profº Dr. Epstein, Profª Dra. Magalli Cunha, Profº Dr. Denis de
Moraes, Profº Dr. Dema, Profª Dra. Marta e meu querido Profº Dr. Belarmino.
Meus agradecimentos à graciosa secretária do pós-com, Kátia. Ás secretárias do
programa, em especial a Vanete, pela dedicação oferecida.
À Metodista de São Paulo pelo apoio estrutural, acadêmico e amigo que me
proporcionou, na convivência estudantil, esses anos todos.
Ao CNPQ, pelo investimento da Bolsa de doutorado no meu tema e trabalho de
pesquisa; sem essa ajuda, o percurso ia ser imensamente mais difícil.
Agradeço imensamente aos meus pais, pela paciência, pelo amor insubstituível
que me concedem e pela admiração às minhas conquistas. Meu agradecimento à minha
linda e radiante mãe; como tudo fica mais fácil tendo você ao meu lado.
À minha família, em especial ao meu irmão querido, na difícil tarefa, as vezes,
de ser meu irmão. À minha tia Rosa pela cede confortante em São Paulo, pelo chá
calmante e pelo amor que tem por mim e por meus sonhos. À família Carlinha,
Maurício, Tio Carlos e Beatriz, com vocês foi mais fácil suportar o cansaço e a entender
que a tese sempre foi só a tese. Obrigada!
À minha tia Idalina, sempre com palavras bonitas e estimulantes, trouxe com sua
sabedoria muita paz para a conclusão desse trabalho. Ao meu primo Lú, pelo carinho,
pela solidariedade e pelo colo nos desabafos dos últimos anos.
À minha avó, linda e abençoada Ilda. Aos meus tios Márcio e João, pela
coragem de vencer e carinho nas dificuldades. Obrigada!
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Aos amigos de sempre, Vinícius Davoli, Sandra Rigatto, Samuel Gachet, Kátia
M., Mariela Claudino, Raquel Tardeli, Nara, Jucélia, Victor Kraide, Fabricio Cardoso,
Letícia, Laurinha, Tamy, Pinoti pelo ânimo e apreciação aos meus estudos.
Ao amigão Milton (Mirto), pela ajuda, atenção e experiência transmitida.
À minha “miga miga” Val, pelas muitas horas de café e paciência em me ouvir.
À minha amiga Paula, pelas orações e cuidado em saber como estou.
À minha amiga Michele Tomé, sempre na conversa com sábias mensagens.
Ao meu fofo Rogério, pela paixão à vida e pela amizade eterna.
Ao querido Cassandro, em estar comigo em um dos momentos mais cruéis e
difíceis para concluir essa tese, pela ajuda na ética e no carinho em me aceitar assim.
À minha amiga Juliana Degaspre, que retornou à minha vida na fase “terminar a
tese” e já começou a aturar meu mau-humor e cansaço. Obrigada, linda!
Obrigada Gisele Torres, por passar na minha jornada e ter me ensinado a olhar
diferente, tentar ser menos radical e dizer sempre que tenho luz! Amo você onde quer
que esteja. E obrigada aos seus familiares queridos, que estão sempre na torcida, em
especial, à Tia Ozi e à Tati.
À minha amiga do coração Bruna Guimarães, que Deus colocou na minha
estrada para me dar chão e objetivo; sempre para me lembrar que sou capaz. Obrigada,
linda.
À minha amiga e editora Carla Mimessi, pelas horas intermináveis editando meu
trabalho. Tenho muita alegria em ser sua amiga; pela graça em saber que posso contar
com você sempre, sempre. É muito especial na minha vida.
À amiga e melhor professora de português Andréia Bernardineli, pelo combate
ao sono em prol de dias corrigindo esta tese, pela amizade por trás desse empenho;
tenho tanto a lhe agradecer.
À querida Sandra, que na fase mais que final esteve ao meu lado dando luz e
norte ao trabalho final desta tese.
Ao pesquisador de história Alex Degan, que indicou tantos autores, preocupou-
se em contextualizar cada um deles, pelos e-mails desesperados sobre terminologias e
desvios de conduta jornalística identificados. Obrigada, querido!
À amiga Leide, que além de consolo, carinho e descontração me ajudou nos
contratempos da informática, típicos de um Word cansado e bufando. Obrigada, amiga
querida! Prometo sair quando terminar.
Às amigas Grasiela Caldeira e Mariana Salles, obrigada pelo carinho!
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À minha linda e amiga mais meiga de todas, Mirela, por me ouvir nos desabafos
pessoais e me trazer conforto e coragem sempre.
Aos meus colegas de Mestrado Patrícia, Denis Renó, Bruna, Moisés, Thaís e
Flávio, pela ajuda, pelo conhecimento associado e pelas parcerias em artigos científicos.
À minha amiga de especialização (pós-graduação) Marina, tão intensa e sábia.
Aos meus amigos de doutorado, em especial à Maria Cleidejane, pelo carinho
nas conversas, pela preocupação com meus estudos e qualidade de vida. Fofa, obrigada!
Às minhas amigas do grupo de contação de histórias, no Hospital, sem vocês,
meu ânimo não teria reacordado para o término desse trabalho de pesquisa. Meu muito
obrigada por cada uma: Luci, Leide, Roberta G., Tita e linda Márcia.
À querida Audre, tão doce e capaz, colaborou comigo dia a dia, em decisões da
tese e no olhar maduro sobre como executar a análise de discurso, e claro, além da tese
ilustre que me serviu de modelo e paradeiro intelectual. Obrigada!
Ao meu amigo Rodrigo Bassi, que passa por entrega de dissertação agora,
mesmo mais distante, tenho certeza que torce fervorosamente por mim. Obrigada, migo!
Aos teóricos que me iluminaram, aos locais de estudo, ao meu querido Jony por
me amar tanto e estar sempre ao meu lado, aos meus outros dois cachorros Bella (que
foram incansáveis os óculos comidos) e Princesa que me ajudaram a descontrair em
momentos chatos. Obrigada também à energia das músicas estimulantes no término
dessa tese, dentre as bandas e compositores, destaco Beatles, Pear Jam e Paolo Nutini.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 14
CAPÍTULO I — O ORIENTE NA HISTÓRIA
1.1 Formação do Mundo Muçulmano 20
1.2 Diretrizes do Islã 24
1.3 As relações do Islã com o cristianismo e o judaísmo 26
1.3.1 Entrelaço com a primeira religião monoteísta 26
1.3.2 Influências cristãs ao islamismo? 27
1.3.3 Principais diferenças do Islã com as outras religiões 28
1.4 Breve resgate do Islã na história 29
1.4.1 Depois da morte de Maomé 29
1.4.2 A idade de ouro: os primeiros califas 30
1.4.3 Avanço árabe: Império Omíada (661-750) 32
1.4.4 Influências imperiais: Império Abássida (750-1258) 34
1.4.4.1 Características culturais e jurídicas do Islã 35
1.4.5 O mundo muçulmano na Idade Média 39
1.4.6 Império Otomano e o rumo da civilização muçulmana atual 40
1.4.6.1 Resgate do Oriente nas Grandes Guerras Mundiais 45
1.4.6.2 Início da questão da Palestina 47
1.4.6.3 As contradições advindas do petróleo 49
1.4.7 Últimas influências: do século XX ao islamismo 51
1.4.7.1 Muçulmanos no Brasil 53
CAPÍTULO II — HERANÇAS CONJUNTURAIS SOBRE O ISLÃ
2.1 Sobre Fanatismo 56
2.1.1 Fundamentalismo Islâmico 57
2.2 Ocidente como emblema figurativo 60
2.3 Ranços, guerras, impérios e novos conflitos 63
2.4 Estados Unidos & atentados fundamentalistas 66
CAPÍTULO III — A CONSTRUÇÃO DO OUTRO NA HISTÓRIA
8
3.1 O Outro pela Antropologia Cultural 73
3.2 Diferenças, Alteridade e a Formação dos Outros 75
3.2.1 Negociação das Diferenças 75
3.2.2 As intersecções do Outro 80
3.3 Formação das Identidades 85
3.4 Reconhecendo o Outro Islã em sua Alteridade 91
CAPÍTULO IV — O OUTRO ISLÃ NA MÍDIA
4.1 Simplificação, Marcas pejorativas e Discriminação 97
4.2 Oficialismo na Guerra: o jornalismo também perde 104
4.2.1 Cobertura da Guerra do Iraque (2003) 106
4.2.2 Seguindo as trilhas das Fontes Oficiais 112
4.3 Enquadrando o Discurso Jornalístico 117
CAPÍTULO V – JORNALISMO INTERNACIONAL
5.1 Breve Resgate do Jornalismo Impresso 122
5.2 Jornalismo Internacional, Fluxos e Agências 126
5.2.1 Economia determinou o início 126
5.2.1.1 No Brasil 129
5.2.2 Trajetória específica do Jornalismo Internacional 132
5.2.3 Principais Agências Internacionais Impressas 133
5.2.3.1 EFE 134
5.2.3.2 Reuters 136
5.2.3.3 AP 138
5.2.3.4 Monopólio, poder nacional ou interesses rotativos? 139
5.2.4 Fluxos 140
CAPÍTULO VI – BATALHA DISCURSIVA
6.1 Pesquisa Bibliográfica 146
6.2 Análise de Discurso 146
6.2.1 Análise de Descrição do Material Jornalístico 149
I ─ Gênero, II ─ Fontes, III ─ Abordagem predominante do texto, IV ─ Descrição do
Não-verbal (Fotografias, imagens, tabelas, infográficos entre outros) e V ─
Resumo/descritivo do material jornalístico
9
6.2.2 Análise do Discurso Jornalístico 151
I ─ Esquecimentos, II ─ Paráfrase e Polissemia, III ─ Relações de Força, Relações de
Sentido, Antecipação: Formações Imaginárias, IV ─ Formação Discursiva, V ─ a) O
dito e o não dito, V ─ b) Inferências/Implícitos, VI ─ Considerações
6.2.3 Outros elementos para a análise do discurso jornalístico 159
6.3 Complementações das fotos no discurso jornalístico 162
6.4 Etapas, Corpus e Análise 166
CAPÍTULO VII ─ PRESENÇAS DO OUTRO ISLÃ NO “MUNDO”
7.1 Caderno MUNDO mais de 20 anos de história 168
7.2 Marcas terroristas no discurso da Folha de S. Paulo 171
7.2.1 Características principais do Islã no MUNDO ─ Material secundário 205
7.2.1.1 Marcas jornalísticas que indicam alteridades do Islã 205
7.2.1.2 Marcas jornalísticas neutras sobre o Islã 209
7.2.1.3 Marcas jornalísticas que não respeitam a alteridade do Islã 209
7.2.2 Considerações sobre a representação do muçulmano no Caderno Mundo 212
CAPÍTULO VIII ─ ESPORACIDADE DO OUTRO ISLÃ NO
“INTERNACIONAL”
8.1 Conhecendo o Caderno INTERNACIONAL 214
8.2 A discursividade do Islã no Estado de S. Paulo 218
8.2.1 Características principais do Islã no Internacional ─ Material secundário 235
8.2.1.1 Marcas jornalísticas que indicam alteridades do Islã 235
8.2.1.2 Marcas jornalísticas neutras sobre o Islã 237
8.2.1.3 Marcas jornalísticas que não respeitam a alteridade do Islã 238
8.2.2 Considerações sobre o Islã no Caderno Internacional 240
CONSIDERAÇÕES FINAIS 242
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 247
GLOSSÁRIO 257
1.1 Gênero 257
1.2 Fontes 260
10
1.3 Abordagem predominante do texto 261
1.4 Principais temas e manchetes do caderno Mundo, no período de análise 262
1.5 Principais temas e manchetes do caderno Internacional, no período de análise 268
ANEXOS 275
11
Resumo:
A premissa do estudo compreende a existência de forças de poder nos retratos sobre o
Islã no jornalismo internacional. Sabe-se que o Islã, em termos culturais e políticos,
apresenta maior visibilidade a partir dos atos de 11 de setembro de 2001. Nesse sentido,
a pesquisa entende que esse momento desempenha, na história, um fenômeno político
de forte impacto e significação ideológica. Como objeto de análise, o estudo aborda as
representações discursivas (Análise de Discurso) e as interconexões com (e do) Islã na
Folha de S. Paulo e no Estado de S. Paulo, tendo por corpus o material publicado pelos
jornais, na Editoria Internacional, nos 15 dias anteriores e posteriores à data que
marcou, historicamente, os 10 anos do ataque às Torres Gêmeas. A tese também faz um
inventário histórico-cultural da formação do Oriente Moderno e do Islã, da construção
do Diferente na história e do Outro-Islã, além do resgate do jornalismo internacional.
Observou-se, nas generalizações e nas simplificações das representações do Islã da
mídia analisada, um retrato aproximado das ações dos fundamentalistas islâmicos,
instruindo o contexto complexo do Islã como o Outro, o Diferente da história atual,
denegando a ele suas atribuições culturais de autenticidade e de alteridade.
Palavras-chave: Islã, representações, Outro, Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo.
12
Abstract:
The premise of the study include the existence of forces of power in the portrayals of
Islam in international journalism. It is known that Islam, in cultural and political terms,
has increased visibility from the acts of September 11, 2001. In this sense, the research
finds that this moment plays in history, a political phenomenon of strong impact and
ideological significance. As the object of analysis, the study addresses the discursive
representations (Discourse Analysis) and the interconnections with (and) Islam in the
Folha de S. Paulo and the Estado de S. Paulo, with the corpus of the material published
by the newspapers, the International Editorial Board, within 15 days before and after the
date that marked historically, 10 years of the attack on the Twin Towers. The thesis also
makes an inventory of historical and cultural formation of the East and Modern Islam,
the construction of the story Unlike Islam and the Other, and the rescue of international
journalism. There was, in generalizations and simplifications of the media
representations of Islam analyzed, an approximate depiction of the actions of Islamic
fundamentalists, instructing the complex context of Islam as the Other, the different
current history, denying him his cultural attributes of authenticity and otherness.
Keywords: Islam, representations, Other, Folha de S. Paulo and Estado de S. Paulo.
13
Resumen:
La premisa del estudio incluyen la existencia de fuerzas de poder en las
representaciones del Islam en el periodismo internacional. Se sabe que el Islam, en
términos culturales y políticos, ha aumentado la visibilidad de los actos del 11 de
septiembre de 2001. En este sentido, la investigación concluye que este momento juega
en la historia, un fenómeno político de gran impacto y significación ideológica. A
medida que el objeto de análisis, el estudio aborda las representaciones discursivas
(análisis del discurso) y las interconexiones con (y) el Islam en el periódico Folha de S.
Paulo y el Estado de S. Paulo, con el corpus del material publicado por los periódicos, el
Comité Editorial Internacional, dentro de 15 días antes y después de la fecha que marcó
la historia, 10 años del atentado a las Torres Gemelas. La tesis también hace un
inventario de la formación histórica y cultural de Oriente y el Islam moderno, la
construcción de la historia A diferencia del Islam y el Otro, y el rescate del periodismo
internacional. Había, en generalizaciones y simplificaciones de las representaciones de
los medios de comunicación del Islam analizado, una representación aproximada de las
acciones de los fundamentalistas islámicos, instruyendo el complejo contexto del Islam
como el otro, la historia de corriente distinta, negándole sus atributos culturales de la
autenticidad y la alteridad.
Palabras clave: Islam, representaciones, Otros, Folha de S. Paulo y Estado de S. Paulo.
14
INTRODUÇÃO
Olhar diferente urgente se faz
Lançar a semente
Na seda do oriente voar
Rever outras culturas
Brindar todas as misturas
Urgente se faz
Cantar pela paz
Abraçar toda essa gente
Do Acre ao Azerbaijão
Um conto zulu, um tango argentino
Um xote, um baião
Na fé que irmana
Citara indiana
Na carta cigana
Versos do Alcorão
É como lê o meu coração
É como lê o meu coração
Um cocar do Xingu, um mantra do Tibet
Bombo legüero, um mambo, um chamané (...)
Letra da música Olhar Diferente de Zé Alexandre
Primeiro, diz-se sobre o que este trabalho de pesquisa não responderá para
depois mostrar o intuito do mesmo. Ele não tem o objetivo de distinguir qual o caderno
de jornalismo internacional dos veículos analisados é o mais correto, ou melhor, aliás,
em nenhum momento essa ideia foi identificada como propósito, bem como não se
busca explicação determinista sobre as representações dadas.
Por saber da rotina jornalística e de suas dificuldades, às vezes, desumanas em
realizar reportagens em áreas de conflitos, esta pesquisa se baseou em análise de
discurso construída à luz de autores da história, da psicologia social, da antropologia, do
pós-colonialismo cultural, da comunicação e das disciplinas conjunturais correlatas,
como política, economia e teologia.
Com base neste estudo, vislumbraram-se cenários que dariam instigantes ideias:
1- a partir da aproximação do discurso jornalístico internacional brasileiro com o
enraizamento estadunidense verifica-se a presença de colunistas/jornalistas, que estão se
iniciando, com maior descrição do olhar do repórter em detrimento de fontes
entrevistadas, como se vê nos Estados Unidos e em parte da mídia européia.
15
2 – viu-se também um olhar mais etnocêntrico sobre a figura dos Outros em que se
deparam no jornalismo internacional; fatores que podem não indicar um padrão, mas
que foram comuns tanto no trabalho analítico do caderno Internacional quanto do
Mundo.
Entre as interrogações que a autora deste trabalho fez, foi se perguntar: ─ Será
mesmo que no jornalismo internacional existe a possibilidade de se respeitar a
alteridade dos Outros? Não seria uma visão romântica visto que essa profissão se
locomove junto à engrenagem social, cultural, econômica e política? Mas, por outro
lado a partir desta inquietação há variantes: ─ Ao escrever sobre e em áreas de conflitos,
onde existam grupos terroristas, por exemplo, é inaceitável identificá-los como
muçulmano, em princípio, pelo cuidado histórico que esse significado pode ancorar no
imaginário social e, em outras, ao que concerne as práticas jornalísticas, em verificar
com seriedade as fontes.
Outro ponto relacionado a este trabalho é a presença de assuntos sobre o
protagonismo estadunidense ser evidente nas linhas dos Cadernos, fato que coaduna
com o levantamento histórico da tese e do imaginário social sobre a figura dos EUA na
prática de entender e conceituar o discurso “democrático” e “correto” na qual o
jornalismo internacional brasileiro se baseia dando ao conteúdo jornalístico desfechos
morais e valorativos.
Esta pequisa não tem o intuito de responder a todas essas inquietações, ao
contrário, traz mais sugestões de pesquisa do que cumprir o papel pragmático de
concluir o tema e as temáticas discutidas. Nesse caso, o estudo desta tese transcende o
olhar focal, central, único de entender e conceber o jornalismo internacional e suas
representações sobre o Islã, mas aprofunda em questões imprescindíveis sobre a lógica
jornalística dos significados sobre o muçulmano.
Por isso que pensar como a mídia reporta as diversidades de etnias e culturas em
suas produções jornalísticas é um assunto que intriga, e pontuar como, nessa descrição
diversional, o Diferente (o Outro) se moldura, se formula ou é visto, imaginado,
descrito, pensado, é imprescindível para uma pesquisa documental na área da
comunicação social.
Neste trabalho, a autora pretende resgatar esse assunto sobre o Diferente,
captado sob uma ótica atual e polêmica: as representações sobre o Oriente Médio e a
cultura do Islã.
16
O objetivo central foi resgatar a história e a complexa cultura islâmica para
identificar as visões simplistas e generalistas na formação do Islã como Outro na mídia
brasileira, em especial, nos impressos Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Outra
questão vinculada ao objetivo central foi investigar o cenário de influências que se
constituem essas representações midiáticas, como: a) postura jornalística; b) empresas
de comunicação; c) esfera política; d) esfera econômica; e) fluxos culturais. O terceiro
objetivo, não menos importante, que a tese propôs discutir, foi identificar pontos da
constituição da retórica sobre o Islã como o Outro nos últimos dez anos, externados pela
mídia.
A partir desses objetivos, o estudo teve como hipótese norteadora a afirmação de
que o uso de generalizações, de simplificações e a ausência de contextualização sobre os
fatos que trazem o objeto Islã empobrecem seu significado cultural. E, após o marco: 11
de setembro de 2001, essas características jornalísticas contribuíram para reiterar
aproximações do Islã como fundamentalista. Com isso, as visões sobre o Islã acabaram
sendo vinculadas à cultura inferior, arcaica, ou seja, um dos Outros da história
internacional recente.
Para a investigação, a pesquisa teve como corpus de estudo 62 dias das editorias
internacionais dos jornais diários Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, quinze dias
antes, a contar como marco o 11 de setembro, e quinze dias posteriores, em razão da
importância histórica, representada por essa data, e, em especial, por estar vinculada ao
objeto de análise, as representações do Islã. O motivo principal da escolha do corpus é
em razão da expectativa jornalística de apresentar mais conteúdo sobre o Islã, com
pesquisa e contextualização, visto a antecedência para produção de cadernos e
coberturas especiais dos dez anos do ato terrorista de 2001. Para estruturar as
investigações foi usada como método a análise do discurso.
Dentre as justificativas da pesquisa, a autora ressalta o fato de o tema do Oriente
Médio e do Islã serem recorrentes na mídia internacional e, mesmo sendo comuns seus
retratos diários, não se vê contextualização suficiente para o seu entendimento
completo. Outro ponto advém da preocupação humana que o papel do jornalismo ocupa
em relação à consolidação de conflitos atuais, em especial, a inferiorização do Islã como
o Outro.
Para cumprir os objetivos e chegar às hipóteses, a tese se dividiu em oito
capítulos, seis teórico-históricos e dois com as análises.
17
O primeiro capítulo O Oriente na história faz um resgate da história do Oriente
Médio, da formação do Islã e das suas principais influências culturais na passagem
pelos impérios Omíada, Abássida e Otomano, além de contextualizar o islamismo no
Brasil. O segundo capítulo Heranças Conjunturais sobre o Islã contextualiza as
divisões no Islã, em especial retrata o norte fundamentalista explicando sobre o
fanatismo e os principais pensadores dessas vertentes baseadas no islamismo. Também
mostra as reinvenções a partir de 11 de setembro, passando pelo breve inventário do Islã
e suas práticas históricas de distanciamento do Ocidente.
O terceiro capítulo A construção do Outro na história aborda a construção do
Outro a partir de referenciais de Diferença e de Alteridade da antropologia e da
psicologia social, além de resgatar a ideia de Alteridade advinda da formação da
Diferença. Também traz um breve inventário da constituição da identidade e dos fluxos
identitários na contemporaneidade, colaborando para entender a formação do Outro-Islã
e suas possíveis compatibilidades com o Ocidente.
O quarto capítulo O Outro Islã na mídia mostra o debate do posicionamento da
mídia nacional e internacional sobre o Oriente Médio, identificando os estereótipos e as
discriminações sobre essa cultura distante. Resgata também como foi realizada a
cobertura da Guerra do Iraque, reiterando antigas marcas descritas de inferioridade. Na
sequência, explica a importância do uso das fontes oficiais pela mídia, suas
problemáticas e consequentes enquadramentos de discurso.
O quinto capítulo Jornalismo Internacional se inicia com um breve inventário da
constituição do jornalismo impresso e passa pela contextualização histórica do
Jornalismo Internacional e sua trajetória no País. Também aborda o tema das agências
internacionais, explorando o fluxo noticioso e a breve história das principais agências
impressas e suas repercussões no jornalismo brasileiro.
O sexto capítulo Batalha Discursiva realiza uma breve exposição das
metodologias de pesquisa: pesquisa bibliográfica e análise de discurso. Primeiro
contextualizou-se a análise, na vertente utilizada, a linha francesa de análise de discurso
(AD), depois se descreveu como se iniciaria a análise descritiva do material coletado e,
na sequência, foram identificados os elementos da AD que colaboraram para o
desenvolvimento da análise. Também foram brevemente identificadas as técnicas da
fotografia de imprensa propostas como fatores importantes para uma análise estrutural
do uso da fotografia pelo jornalismo. Outro ponto importante destacado no capítulo foi
a contextualização de outros teóricos da área de padrões de manipulação de conteúdo,
18
que ajudaram na AD e, ao finalizar o capítulo, explicou-se como foram executadas as
etapas da análise de pesquisa.
No sétimo capítulo Presenças do Outro Islã no “Mundo”, contém a análise de
discurso do Caderno Mundo na Folha de S. Paulo. Foram resgatados a história do
veículo e do Caderno, as principais temáticas discutidas no período de análise e os
articulistas fixos e alguns convidados; e, na análise, observaram-se onze textos cujo
tema Islã foi recorrente, primário ou secundariamente. Verificaram-se nas análises dois
textos positivos sobre o entendimento do Islã, um texto neutro e os oito restantes com
marcas pejorativas sobre o muçulmano, como “aquele encrenqueiro e terrorista”.
O último capítulo traz a análise do Caderno Internacional do Estado de S. Paulo,
com o título: Esporacidade do Outro Islã no “Internacional”. Além de fazer o breve
resgate histórico do veículo, do caderno e os principais articulistas e temas reportados,
analisaram-se treze textos sobre o Islã. Desses materiais, cinco tiveram uma visão
positiva, uma neutra e sete de distanciamento do Islã em sua alteridade, retratando a
cultura islâmica como exótica e o muçulmano como fundamentalista.
Nas considerações finais, constatou-se nas comparações dos Cadernos que no
Internacional do Estado de S. Paulo houve mais espaço de discussão sobre o Islã, bem
como mais textos voltados à integração do islamismo como vítima do preconceito em
razão da rotina midiática sobre o assunto após o 11 de setembro de 2001. Em
contrapartida no Mundo, verificou-se a caracterização determinista do islamismo como
norteador das futuras gerações de fundamentalistas e terroristas. Contudo, nos dois
jornais, o Islã foi representado como cultura distante e exótica, além de encrenqueiro e,
por vezes, terrorista, alimentando esse imaginário social do muçulmano na lógica do
agendamento midiático.
Em resumo, esta pesquisa, ao debater a constituição do Outro-Islã como
Diferente nas representações dos jornais impressos, analisou-se a constituição
discursiva no material jornalístico, bem como procurou vislumbrar quais são os outros
elementos sociais, culturais, econômicos, políticos que permearam esse cenário,
contribuindo com a formação cognitiva do imaginário social do Islã como o inferior e o
Diferente na atual história do século XXI. Dentre as maiores preocupações da autora,
esteve a problemática do Islã ser lembrado e revisitado no amanhã a partir desse
imaginário e documento mediático, ou seja, se essas representações colocam o Islã
como o Diferente hoje, sua história será deturpada e esquivada da real identidade que a
19
mantém culturalmente viva e operante em parcela significativa na sociedade
muçulmana.
20
“História não é, evidentemente, apenas o que ocorreu, mas a
forma como nós percebemos aquilo que ocorreu” (PINSKY;
PINSKY, 2004, p.11).
21
CAPÍTULO I — O ORIENTE NA HISTÓRIA
1.1 Formação do Mundo Muçulmano
Atualmente, o mundo muçulmano abrange cerca de 1,3 bilhão de pessoas
(DEMANT, 2008, p.13), ou seja, aproximadamente um quinto da humanidade, com
quem as outras religiões e culturas distintas precisam repensar modos de convivência e
de cooperação para permanecerem em regiões tão próximas e, ao mesmo tempo, tão
diferentes culturalmente. “Eles se encontram concentrados num vasto arco, que se
estende da África ocidental até a Indonésia, passando pelo Oriente Médio e a Índia. Em
muitos países desta vasta região, os muçulmanos constituem a maioria da população
local e, em outros, importante minorias” (DEMANT, 2008, p.13).
Além da presença dessa cultura no mundo a história do Islã é fator
preponderante para compreender qualquer conflito atual entre Israel e Palestina,
Fundamentalistas e Ocidente, em especial os Estados Unidos e seus aliados, deve-se
partir do estudo da longa história de constituição do Islã no mundo, que se iniciou há
mais de 1.400 anos e se espalhou por três continentes em variadas sociedades,
solidificando sua religião e seus valores sociais, diferenciando-se entre si e formando
outras vertentes.
O surgimento do Islã ocorreu no começo do século VII, na península Árabe, em
específico na região de Meca. Para entender como isso ocorreu, é necessário traçar um
breve relato dos antecedentes históricos dessa região, bem como compreender as visões
políticas acerca da religião cristã, que constituíam o pano de fundo da emergência do
Islã.
Por volta da década de 330 d.C., a região árabe situava-se à margem das duas
grandes potências do Oriente Médio: a Pérsia e o Império Bizantino. A capital desse
Império era Constantinopla, hoje Istambul, que se originou com a separação do antigo
Império Romano, o do Ocidente e o do Oriente. Alguns anos após, nessa mesma região,
a religião mais seguida era o cristianismo e, em 395, a Igreja Cristã se tornara
autoridade, sobrepondo-se ao poder do Estado, característica chamada de
“cesaropapismo”, que influenciou a própria formação da base do Islã, enquanto
fenômeno por possuir na religião traços e elementos superpostos à ideia da prática
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política. O historiador Peter Demant afirma: “[...] como resultado, disputas religiosas
transformavam-se automaticamente em conflitos políticos” (DEMANT, 2008, p.23).
Nessa mesma época, havia a discussão da natureza dual do Filho de Deus, Jesus
Cristo, pelo cristianismo — uma parte dos fiéis acreditava apenas no lado divino de
Cristo, enquanto a outra defendia o divino e o humano nele. Essa disputa específica,
segundo Demant (2008, p.23), foi acirrada e conflituosa, deixando muitos fiéis
descontentes com a doutrina. Contudo, após alguns concílios, ficou aceita até hoje a
natureza dual do Filho de Deus.
O entendimento da religião cristã sobre a natureza de Jesus satisfez as regiões
centrais do Império, particularmente na Anatólia e nos Bálcãs (DEMANT, 2008, p.24),
mas, no Oriente Médio, o grupo monofisista, por acreditar apenas na natureza divina de
Jesus e não aceitar a visão oficial da natureza dual, começou a chamar a atenção,
inclusive das lideranças religiosas do cristianismo.
Nessa época, não aceitar pontos oficiais da religião era inadmissível, os
monofisistas logo foram estigmatizados como hereges e sofreram perseguição do
império. A cena dos perseguidos e dos insatisfeitos estava no palco em que despontava
uma nova religião local, o Islã; com isso, os monofisistas estavam mais próximos,
eticamente, dos árabes do que dos bizantinos (DEMANT, 2008, p.24).
O Islã, enquanto doutrina revelada, aparece para um homem de meia-idade, nas
redondezas de uma região mais afastada do Império Bizantino, em específico na Arábia
setentrional, em razão da nova rota da Seda, estimulada pelas caravanas comerciais
advindas da China, que faziam o caminho pela Pérsia.
A região setentrional da Arábia situava-se perto da cidade-oásis de Meca, no
espaço conhecido como Hijaz, onde nasceu Maomé, em português, Muhammad, o
profeta que fundou o Islã. Sua família era de ascendência beduína, nômades e pastores,
viviam ou do cuidado de cabras, camelos e rebanho de ovelhas, ou do comércio daquilo
que traziam nas caravanas (DEMANT, 2008, p.24).
O estilo de vida beduíno valorizava acima de tudo a liberdade de
movimento, a honra (ligada em particular ao controle da sexualidade
feminina) e a solidariedade árabe. A organização social era tribal: a
linhagem de uma pessoa, seu parentesco, superava quaisquer outras
lealdades. Como consequência, a cultura oral desse povo enfatizava
uma poesia que glorificava o próprio clã (DEMANT, 2008, p.25).
23
Essa tradição beduína influenciou a maneira de pensar do jovem Maomé, que
cresceu com esses valores. Ele pertenceu a uma divisão dos beduínos chamada Quraysh
(coraixitas), um grupo menor, mas poderoso. “Foi criado como mercador e casou-se aos
25 anos com uma rica viúva, bem mais velha que ele, chamada Kahadija. (...) Aos 40
anos, teria começado a receber visões e ouvir vozes, que acreditou serem de origem
divina: o arcanjo Gabriel (Jibril, em árabe)” (DEMANT, 2008, p.25).
Certa noite, no mês de Ramadã, conta-se, o anjo Gabriel apareceu a
Maomé, que dormia sozinho no monte Hira, e disse: “Recita!” Maomé
hesitou e três vezes o anjo insistiu, até que Maomé perguntou: “O que
recitarei?” O anjo então disse: “Recita em nome de teu Senhor que
criou todas as coisas, criou o homem a partir de coágulos de sangue.
Recita, pois teu Senhor é o mais generoso, que ensinou com a pena,
que ensinou ao homem o que ele não sabia.” Essas palavras, formam
os primeiros quatro versículos do capítulo 96 das escrituras
muçulmanas, conhecidas como Corão2 (LEWIS, 1996, p.59).
Após essas primeiras palavras, vieram outras mensagens, seguindo a mesma
revelação de Deus a Maomé. Como profeta, Maomé passou a levar ao seu povo a
mensagem divina e, em pouco tempo, ele já teria fiéis seguindo-o na constituição da
nova doutrina. “À medida que seus ensinamentos se difundiam, tornavam-se mais claras
as diferenças com as crenças aceitas. Atacavam-se os ídolos dos deuses e as cerimônias
a eles relacionadas; ordenavam-se novas formas de culto, e novos tipos de boas ações”
(HOURANI, 2006, p.37).
A ameaça das revelações de Maomé à elite local fez com que Maomé e seus
seguidores fugissem para outra cidade. Isso ocorreu no ano de 622 d.C. O Profeta e seus
fiéis foram de Meca para Yathrib (LEWIS, 1996, p.60), onde, com o tempo, passou a
ser chamada de Al-Madina (Medina), cujo significado é a Cidade. Esse momento marca
o início do calendário muçulmano e a fuga tem o nome de hijra — migração
(DEMANT, 2008, p.26).
“Em Meca, Maomé fora uma pessoa comum, que lutara inicialmente contra a
indiferença e, em seguida, a hostilidade dos governantes locais. Em Medina, tornou-se o
governante, exercendo autoridade política e militar, além de religiosa” (LEWIS, 1996,
p.60-1).
2 O livro sagrado do Islã pode ser chamado de Corão ou de Alcorão. O “Al” já representa o artigo
definido “o”, então alguns historiadores acham que é pleonasmo dizer Alcorão, e preferem apenas o
Corão, mas, no português, a palavra com o “Al” é mais comum. Portanto, preferiu-se chamar o livro
sagrado de Alcorão, seguindo outras palavras árabes do português, como álcool, algodão e alface.
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Quando Maomé e seus seguidores, agora chamados de muslimin — submetidos
— chegaram a Medina, sofreram forte resistência da sociedade local, ocorrendo “lutas
ferozes”, como pontua o historiador Demant (2008, p.26).
Mas, com o tempo, Maomé e os muslimin impuseram sua superioridade militar
e Medina foi a primeira comunidade a se tornar um Estado muçulmano. Houve
conversões, expulsões e extermínios; os que ficaram em Medina se comprometeram a
realizar uma guerra de expansão do Islã.
Seu poder crescente levou um número cada vez maior de tribos a se
aliar a ele e a aceitar a nova fé. Logo os muçulmanos derrotaram os
coraixitas de Meca, que abriram as portas da cidade para o filho
rejeitado. Maomé limpou a Caaba (considerada pelos muçulmanos a
Casa de Deus) de todas as deidades pagãs, mas não afastou a posição
central de sua cidade natal (outorgando inclusive altas posições a
recém-convertidos da elite coraixita, o que desconcertou alguns
seguidores veteranos) (LEWIS, 1996, p.60-1).
Na época da morte de Maomé (632 d.C.), o Islã já tinha se tornado religião, a
mais comum na região de Hijaz, assim como na maior parte da Arábia central
(HOURANI, 2006, p.40).
O historiador, Bernard Lewis (1996, p.61), explica que, com o falecimento do
Profeta, no dia 08 de junho de 632,
[...] ele completara sua missão de arauto de Deus. O objetivo de seu
apostolado, para os muçulmanos, fora restaurar o verdadeiro
monoteísmo ensinado pelos antigos profetas, e desde então
abandonado ou deturpado, abolir a idolatria e trazer a revelação final
de Deus, que corporifica a verdadeira fé e a lei santa.
1.2 Diretrizes do Islã
Para o Islã, Maomé foi o último Profeta, cuja representação divina personifica o
selo, encerrando, assim, a missão espiritual “[...] de manter e defender a Lei Divina e
levá-la ao resto do mundo. O cumprimento efetivo dessa função requeria o exercício
contínuo de poder político e militar – em suma, de soberania – em um Estado” (LEWIS,
1996, p.61).
25
Como religião, o Islã tem obrigações e proibições. Os pilares dividem-se em
cinco questões:
1 - Shahada (testemunho) – “o testemunho de que só há um Deus, e Maomé é o Seu
Profeta” (HOURANI, 2006, p.201). Essa afirmação deveria ser retomada nas preces
diárias do muçulmano.
2 - Salat (reza que se faz cinco vezes por dia) – Rezas apenas para glorificar e venerar
Deus, nunca para pedir benefícios. O Islã significa submissão e suas rezas são atos de
prostração a Deus. A salat pode acontecer em qualquer lugar, mas os fiéis preferem
realizá-la junto à coletividade muçulmana. Pelo menos uma vez por semana, na sexta-
feira, na prece do meio-dia, eles se reúnem na mesquita para a reza em comunidade. As
preces costumam acontecer cinco vezes ao dia, ao amanhecer, ao meio-dia, no meio da
tarde, após o crepúsculo e na primeira parte da noite (HOURANI, 2006, p.201).
3 - Zakat (esmola) – É a doação de parte de sua renda para fins sociais. Esse terceiro
pilar é uma extensão da salat, os muçulmanos deviam doar parte da sua renda, aqueles
que ultrapassassem certa quantia, para que os homens da religião distribuíssem para os
necessitados (HOURANI, 2006, p.202).
4 - Ramadan (ramadã – é o mês de jejum) – É o ato de jejum com o objetivo de
purificação e penitência para Deus. Também é o mês que o Alcorão foi revelado. Todos
os muçulmanos acima de dez anos deveriam abster-se de comer, beber e de manter
relações sexuais, do amanhecer ao anoitecer. “[...] Faziam-se exceções para os que se
encontravam muito debilitados fisicamente, os doentes mentais, os ocupados em
trabalho pesado ou na guerra, e os viajantes. Isso era encarado como um ato solene de
arrependimento dos pecados, e uma negação do eu em favor de Deus [...]” (HOURANI,
2006, p.202). O fim do Ramadan é comemorado com festas e visitas familiares, as
confraternizações costumam ir do anoitecer até de madrugada.
5 - Hajj (peregrinação a Meca e seus santuários; simboliza a supremacia divina) – A
peregrinação é obrigatória para o fiel, pelo menos uma vez na vida, para a pessoa que
não tem problema de saúde e dispõe de condição para tal ato. Nos anos 20, o hajj
chegou a atrair 50 mil fiéis por ano. Ao aproximar-se de Meca, o muçulmano
purificava-se com abluções, colocava roupas brancas e proclamava falas de
consagração. “A peregrinação era, sob muitos aspectos, o acontecimento central do ano,
talvez de toda uma vida, aquele em que mais plenamente se expressava a unidade dos
muçulmanos uns com os outros” (HOURANI, 2006, p.203-4).
26
1.3 As relações do Islã com o cristianismo e o judaísmo
Há algumas semelhanças entre o cristianismo e o judaísmo com o Islã. As três
religiões têm a mesma genealogia monoteísta, o Islã se considera uma complementação
das duas primeiras religiões, e que Maomé representa o “selo” dos profetas. No Islã, o
ser humano, por ser falível, nunca subirá até Deus, então, nessa lógica, o criador acaba
descendo aos fiéis. Nesse sentido, no Islã, o seguidor tem que ter um comportamento
ético e de crença a Deus, código de conduta que coincide com a moral judaico-cristã,
mas, na ideia de converter os outros, os politeístas, o Islã se posiciona dizendo que as
pessoas “[...] tinham de escolher entre a conversão ou a morte” (DEMANT, 2008, p.28).
1.3.1 Entrelaço com a primeira religião monoteísta
Em torno de 1800-1700 a.C., constituía-se a “era dos patriarcas”, eram
descendentes de Abraão (Ibrahim para os muçulmanos), o primeiro patriarca a acreditar
num Deus invisível, muito forte e benevolente. Nascia, à luz desse entendimento, o
monoteísmo. A Moisés (1300 a.C.), quem trazia ao povo de Deus uma nova maneira de
entender o mundo, coabitado por grupos politeístas e outros, várias regras de
convivência foram reveladas. A nova forma resumiria os padrões de conduta aos
hebreus, intitulada como uma lei, os Dez Mandamentos (DEMANT, 2008, p.30).
A “revolução monoteísta” originou-se na localidade de Israel, chamada de Terra
de Israel ou Palestina. Esse momento inaugurou para os judeus, o povo escolhido,
segundo o entendimento da doutrina, um contrato de deveres e direitos mútuos. “Os
judeus seguiriam minuciosamente a lei sagrada e se transformariam num povo
sacerdotal, voltado ao serviço divino” (DEMANT, 2008, p.31).
Contudo, esse Deus onipotente e totalmente bom lideraria e protegeria seu povo,
diferente da imprevisibilidade dos antigos deuses e da própria natureza desenfreada.
Mas esse homem realizaria sua parte do chamado de povo escolhido, que era,
justamente, seguir os mandamentos de Deus, comprometendo-se a realizar o bem para
seu Deus para ele não precisar exercer qualquer punição. “Esse compromisso do
indivíduo e do grupo com uma vida virtuosa constitui um momento-chave no
desenvolvimento da consciência” (DEMANT, 2008, p.31).
27
1.3.2 Influências cristãs ao islamismo?
Tal como o judaísmo, o cristianismo também influenciou o Islã. Segundo a
história do cristianismo, a religião inicia-se, oficialmente, em 33 d.C., ano da
crucificação de Jesus (Issa para os muçulmanos) de Nazaré ou Jesus Cristo. Este morreu
pela intenção de levar todos os pecados do povo de Deus, fato que inaugurou uma nova
era.
Para seus seguidores Jesus foi considerado o Messias, o ungido
(cristo, em grego), e posteriormente, na teologia de Paulo de Tarso,
uma das três expressões da própria divindade. Era uma visão que
conduziu fatalmente à ruptura com o judaísmo oficial. Mas, graças ao
zelo dos apóstolos, que aproveitaram a existência da diáspora judaica
e de uma eficiente rede de comunicações no Império Romano inteiro,
a mensagem cristã se difundiu rapidamente (DEMANT, 2008, p.34).
O historiador Peter Demant (2008, p.34) afirma que a conversão à nova fé foi
facilitada pelo não cumprimento das obrigações, principalmente, daqueles que não eram
judeus. As primeiras igrejas a se cristianizarem foram as das regiões mais desenvolvidas
do Oriente Médio, como Síria, Egito e Cáucaso. “Dentro de alguns séculos, o
cristianismo se tornaria a principal religião no Império Romano, apesar das
perseguições. Em 330, o imperador Constantino reconheceu a nova religião. Cinquenta
anos mais tarde, todas as outras seriam proscritas” (DEMANT, 2008, p.34).
Difere do judaísmo, quando a nova Igreja Cristã primitiva abandonou rituais
antigos com a justificativa de que Cristo deu sua própria vida para que as pessoas não
sofressem mais, ou seja, o autossacrifício de Cristo salvou a humanidade dos seus
pecados.
Também se mostra diferente do Islã, o cristianismo, pois este requer uma
“barreira”, um “encontro mediado” entre criador e criatura, realizado por instituições
como o clero e a própria Igreja; algo não exigido no Islã.
Na ausência de uma figura mediadora entre o mundo dos homens e o
divino, tal como Jesus Cristo no cristianismo, a própria palavra de
Deus adquire importância ainda maior – daí o papel absolutamente
central do Alcorão no Islã. Escrito em árabe, língua sagrada, ele até
hoje não foi traduzido no uso ritual por muçulmanos: faz-se questão
da sua recriação na versão original (DEMANT, 2008, p.35).
28
1.3.3 Principais diferenças do Islã com as outras religiões
Mais que o cristianismo, o Islã tem características específicas, nele se abrange a
religião em todas as esferas da vida:
Uma questão mais importante é a da originalidade do Corão. Os
estudiosos tentaram situá-lo no contexto de idéias correntes em seu
tempo e lugar. Sem dúvida há ecos nele dos ensinamentos de religiões
anteriores: idéias judaicas nas doutrinas; alguns reflexos de
religiosidade monástica cristã oriental nas meditações sobre os
terrores do julgamento e nas descrições de Céu e Inferno (mas poucas
referências à doutrina ou liturgia cristãs); histórias bíblicas em formas
diferentes das do Velho e do Novo testamento; um eco da idéia
maniqueísta da sucessão de revelações feitas a diferentes povos. Há
também vestígios de uma tradição indígena: as idéias morais em
certos aspectos continuam predominantes na Arábia, embora em
outros rompam com elas; nas primeiras revelações, o tom é de um
adivinho árabe, tartamudeando seu senso de encontro com o
sobrenatural (HOURANI, 2006, p.41-2).
A hibridização dos campos da religião e da política é peculiar do Islã, que
encara, desde a época da comunidade de Medina, constituída por Maomé, o Estado e a
Igreja como único alicerce da religião, fato que se transferiu para o Estado-império
muçulmano, ao longo da história, numa proporção muito maior que a inicial
(HOURANI, 2006, p.40).
Com o falecimento de Maomé, surgiram os suplentes do profeta, que
combinavam a autoridade militar, jurídica e religiosa sobre a comunidade islâmica
(umma), sob o título de khalifa ou, simplesmente em português, califa. “Continuando o
modelo posto em prática por Maomé, o Islã, nos séculos VII e VIII, expandiu-se
rapidamente pelas armas. A umma que se estabeleceu tinha, pelo menos na teoria, uma
mobilização permanente dos muçulmanos para participar em mais conquistas em nome
da fé” (DEMANT, 2008, p.36).
No Islã há também os ulemás, os legistas especializados, que interpretam o Islã à
luz do Alcorão, conforme as realidades que se desenvolvem em torno dos fiéis, mas
esse caráter interpretativo é diferente do realizado pelo mediador, que caracteriza o
clero institucionalizado da Igreja Católica.
29
1.4 Breve resgate do Islã na história
1.4.1 Depois da morte de Maomé
Como já pontuado, depois do falecimento do profeta, era imprescindível que o
importante papel representado por Maomé fosse repassado aos demais fiéis. Surge,
então, o suplente, que recebeu o nome de califa. Conseguiu dar unicidade aos
muçulmanos entre os anos de 632 e 661. Esse período de liderança dos califas, também
chamados de “bem-guiados” (rashidun), correspondeu à primeira fase do Islã
(DEMANT, 2008, p.37).
Em meados do século VII, o mundo já conhecia a ascendência da nova religião e
um novo poder, o império muçulmano dos califas “[...] que se estendia para leste na
Ásia até, às vezes além, às fronteiras da Índia e da China; a oeste, ao longo da costa sul
do Mediterrâneo, até o Atlântico; ao sul, na direção dos povos negros da África;
enquanto ao norte penetrava nas terras dos povos brancos da Europa” (LEWIS, 1996,
p.62).
No Oriente, a transferência para o arabismo e o islamismo dos povos não-
muçulmanos se deu de maneira gradual, porém mais fácil, pois os impostos cobrados
pelos árabes eram relativamente mais baixos do que os arrecadados pelos bizantinos,
principalmente, para os muçulmanos. “O Estado árabe estendeu a mesma tolerância,
legalmente definida, a todas as formas de cristianismo, sem preocupar-se com os pontos
mais sutis da ortodoxia” (LEWIS, 1996, p.63).
Nos locais conquistados, os árabes estabeleciam uma base militar e um centro
administrativo. Contudo, realizavam essa centralidade em cidades que se situavam perto
de lavouras e à beira do deserto, dando origem a novos centros e a novas cidades,
atendendo às necessidades imperiais. As cidades que já exerciam ressalva de centros de
comércio, como Damasco, foram utilizadas como capitais. “As mais importantes dessas
guarnições foram Kufa e Basra, no Iraque, Qomm, no Irã, Fustat, no Egito, e Qayrawan,
na Tunísia” (LEWIS, 1996, p.63).
A língua falada era o árabe coloquial, que mesmo diante de sua variedade de
formas foi penetrante nos territórios onde o Islã se constituía, e o árabe literário
30
permanecia como instrumento principal do comércio, da cultura e do próprio governo3
(LEWIS, 1996, p.62).
A arabização e islamização dos povos das províncias conquistadas, e
não a conquista militar em si, é que constituem a autêntica maravilha
do Império árabe. O período em que eles exerceram supremacia
política e militar foi muito curto e, logo depois, viram-se obrigados a
entregar o controle do império, e mesmo a liderança da civilização que
haviam criado a outros povos. A língua, a fé, e a lei, no entanto,
permaneceram – e ainda permanecem – como um monumento
duradouro a seu domínio (LEWIS, 1996, p.65).
1.4.2 A idade de ouro: os primeiros califas
O império dos califas, de 632 a 661, marcou significativamente a história do
Islã, os quatro subiram ao cargo máximo da doutrina por uma sucessão não-hereditária,
intitulada pelos sunitas como eleitoral. Esses primeiros califas eram chamados de
Rashidun, os “retamente guiados” (LEWIS, 1996, p.68).
O primeiro califa, Abu Bakr, cuja filha ‘A’isha era esposa de Maomé, era velho
companheiro de Maomé, teve um reinado curto, de aproximadamente dois anos, de 632
a 634. Antes de morrer, de causa natural, designou Umar ibn al-Khattab, que reinou por
dez anos e desempenhou importância histórica no desenvolvimento do Estado
Muçulmano. Ele foi aceito pela maioria dos companheiros de Abu e não teve oposição
séria. “Os únicos dissidentes eram os que apoiavam as reivindicações de Ali, primo e
genro do Profeta. Para alguns, essa reivindicação repousava em suas qualidades
pessoais como candidato; para outros, constituía uma espécie de direito legítimo à
sucessão do Profeta” (LEWIS, 1996, p.68).
Umar instituiu um novo título para sua imagem, como o de comandante dos
fiéis, “Amir al Muminin”, por ampliar sua posição como autoridade política, militar e
religiosa. Ele conquistou “[...] vastas áreas fora da península, principalmente, do
Império Bizantino: Egito, Síria, Palestina, Mesopotâmia e partes do Cáucaso caíram nas
mãos dos muçulmanos” (DEMANT, 2008, p.38).
Os primeiros califas não dispunham de guardas e de exércitos próprios, eles
reinavam mais pelo respeito dos fiéis aos seus caracteres pessoais do que pela força
3 Ainda hoje, após mais ou menos 14 séculos do início da constituição do Islã, os países conquistados
pelos árabes, com exceções da Europa, no Ocidente, e do Irã e Ásia central, no Oriente, têm a língua
árabe como língua oficial (LEWIS, 1996, p.62).
31
militar. Isso corroborou na facilidade que os assassinos tiveram em matar os próximos
três califas. Umar foi morto por um escravo cristão descontente, em 644 (LEWIS, 1996,
p.68-9).
No leito de morte, Umar convocou uma comissão (shura) de seis companheiros
com o objetivo de indicar um como próximo califa. Reconheceram Uthman, cuja
origem remetia ao antigo clã de Meca, representava a aristocracia da cidade e era
membro convertido na época do retorno de Maomé às origens (LEWIS, 1996, p.69).
O caráter de Uthman, no entanto, não inspirava o mesmo respeito que
o tributado a seus predecessores. O laço religioso, mais de uma década
após a morte do Profeta, começava a debilitar-se e foi ainda mais
forçado pela gana com que a aristocracia de Meca explorava as
oportunidades que foram concedidas com a ascensão de um de seus
membros ao mais alto cargo. A pressão da autoridade, sempre irritante
para membros de tribos nômades, começava a tornar-se intolerável
(LEWIS, 1996, p.69).
Após a Batalha dos Mastros (654-55), na qual os muçulmanos venceram os
bizantinos, o povo e o Império Muçulmano tiveram um tempo para descanso, resultando
em reflexões, debates e queixas. Disso explodiu uma série “[...] devastadora de guerras
civis entre árabes” (LEWIS, 1996, p.69).
Para o historiador Peter Demant, as riquezas advindas da expansão e exploração
dos territórios ocupados pelo Islã começaram a se dirigir para as mãos dos clãs árabes
mais favorecidos. “As diferenças de renda se tornaram cada vez mais marcantes e a
competição pelo controle do espólio se acirrou” (2008, p.38).
Em 656, um grupo do exército árabe do Egito assassinou o califa Uthman, em
seus aposentos, inaugurando oficialmente uma guerra entre os seguidores do califa e o
próprio exército maometano (seguidores de Maomé). Vitoriosos, os assassinos
empossaram Ali ibn Abi Talib, o primo e genro do Profeta, que recebeu apoio do povo
para liderar um novo regime, acendendo a esperança da época, machucada por tanto
sangue derramado dos conflitos entre os árabes (LEWIS, 1996, p.69-0). Os seguidores
de Ali formaram um partido, cujo nome nasceu como shiatu Ali, e, depois,
convencionou-se, simplesmente, Shia (LEWIS, 1996, p.69-0).
Após cinco anos de califado, Ali foi assassinado em 661 por um membro de uma
seita religiosa árabe. Nessa época, ocorria uma guerra civil, existiam várias facções
inimigas nesse contexto, e foi a liderada por Muawiya ibn Abi Sufyan; governante da
Síria, na qual se sobressaiu. Muawiya era primo do califa Uthman (assassinado) e
32
membro importante da família de Meca; pela tradição dizia-se que ele tinha o dever de
se vingar do parente morto. “Como governador da Síria, na fronteira militar entre os
mundos: islâmico e bizantino cristão, comandava um bem treinado e disciplinado
exército, aureolado pelo brilho da guerra santa e fortalecido pela experiência ganha em
combate” (LEWIS, 1996, p.70).
O califa Ali havia deixado um filho mais velho, Hassan, quem poderia ser
considerado o novo líder, mas preferiu renunciar em prol de Muawiya para fins,
momentaneamente, mais pacíficos (LEWIS, 1996, p.70). Mas, para Peter Demant,
Hassan abdicou do reinado em troca de uma aposentadoria tranquila (2008, p.40).
Os membros do partido de Ali, a Shia, dão novo incentivo ao cenário vigente e,
não satisfeitos com Muawiya, intitulam-no usurpador, inaugurando assim uma facção
do Islã que existe até os dias atuais, os xiitas, cuja esperança era depositada no segundo
filho de Ali, Hussein, pois acreditavam na sucessão por legalidade hereditária.
Em 680, Muawiya foi sucedido por Yazid, seu filho, estabelecendo um “[...]
precedente, seguido pela maioria dos califas posteriores, ao designar em vida o filho
Yazid como herdeiro presuntivo” (LEWIS, 1996, p.70). Ocorreu, nesse mesmo ano,
uma rebelião dos xiitas contra o governo de Yazid, mas a pequena facção foi
exterminada em Karbala, no Iraque, e Hussein foi decapitado (DEMANT, 2008, p.40).
O califado de Yazid foi marcado pela “normalidade” e pela tradição, sunna,
consolidando-se a supremacia omíada que vinha da corrente sunita ortodoxa
conformista, “establishment” (DEMANT, 2008, p.40).
Mas a ala do xiismo não foi erradicada por completo, o partido derrotado
desenvolveu-se em opositores dos omíadas, com tradições próprias e com marcas
singulares, como a crença pelos valores de justiça social vistos pela ótica da ideologia
milenarista e pela empatia com o martírio (DEMANT, 2008, p.40).
1.4.3 Avanço árabe: Império Omíada (661-750)
Para o Império Omíada vinculou-se o nome, na história, de dinastia, que ainda é
entendida como a sucessão do soberano de quem governa ou reina por hereditariedade
e, na maioria das vezes, pelos primogênitos homens.
A dinastia Omíada foi identificada como um período de transição, anteriormente
marcado por uma comunidade religiosa, para se caracterizar como um Estado
centralizado e islâmico.
33
Nessas décadas de Império, houve questões que se sobrepuseram, definindo a
continuidade da história, uma delas é a taxa imperial, o imposto para os que não eram
muçulmanos e depois se converteram em sua maioria, gerando rupturas “fiscais” e
rancores internos entre os árabes.
Os não-muçulmanos eram “protegidos”, enquanto comunidade obediente à
dinastia e eram reconhecidos como dhimmis, podendo exercer sua crença desde que
aceitassem certos símbolos externos,
[...] como determinado tipo de vestuário, marca de sua inferioridade.
Mediante o pagamento da jizya, imposto cobrado, por pessoa, em sinal
do reconhecimento da primazia do Islã, e espécie de resgate do serviço
militar (ou seja, a não participação no jihad, reservada aos
muçulmanos), os dhimmis podiam continuar professando livremente
sua religião e também participar da sociedade (DEMANT, 2008,
p.42).
Segundo o historiador Peter Demant, esse sistema implicou problemáticas
futuras, uma delas envolve o processo de desmilitarização dos dhimmis; isso os deixava
bastante vulneráveis na sociedade islâmica nascente. E, aos poucos, os dhimmis foram
se convertendo ao Islã e, assim, desobrigados de pagar a jizya. Com isso, o império
muçulmano se vê numa situação complicada economicamente, pois ao passo que
deveriam seguir com a expansão do Islã, convertendo os fiéis, eles deixariam de
arrecadar impostos necessários para a manutenção do Império recém-formado. Mas a
própria história indicou salvaguardas aos líderes muçulmanos, os quais presenciaram a
entrada dos antes dhimmis, agora, convertidos ao Islã, no exército muçulmano imperial,
e as perdas em relação aos impostos foram em partes suprimidas pelos espólios de
guerra dos novos convertidos (DEMANT, 2008, p.42).
Além disso, só se inseria no poder político quem fosse muçulmano. Em razão
desse almejo, muitos se converteram já pensando na política, porém, nos anos de
Império Omíada, os novos convertidos, chamados, na época, de não totalmente árabes,
ainda foram discriminados e se viram obrigados a se vincularem às tribos árabes,
posicionando-se num nível inferior e de cunho clientelista, intitulado mawali
(HOURANI, 2006, p.54).
34
1.4.4 Influências imperiais: Império Abássida (750-1258)
Os mawalis, principalmente, os do território da antiga Pérsia, introduziram-se
lentamente na administração do Império Omíada. E esse povo vinha de uma tradição
mais identitária, fato que influenciou muito a constituição do novo Império Muçulmano
que emergia, o Abássida.
Com a integração de funcionários nativos, mais desenvolvidos, o
Império Omíada absorveu nítidas influências gregas e persas. No
entanto, a institucionalização do poder imperial afetou a “pureza
muçulmana” primordial. O califa se tornava monarca semidivino,
absoluto e distante, processo que se completaria sob uma nova
dinastia (DEMANT, 2008, p.43).
Além disso, houve um forte descontentamento dos mawalis e, nos anos 740,
lideraram uma rebelião sob a chefia de Abual-Abbas, cujo parentesco vinculava-se ao
Profeta, mesmo distante, influenciou a época e conduziu seu povo à vitória,
inaugurando uma nova dinastia, a Abássica, igualando os direitos de todos os
muçulmanos, tanto árabes quanto não-árabes. Desse confronto, um herdeiro da dinastia
Omíada se salvou e fugiu para a Espanha, onde essa vertente religiosa se manteve até
meados de 1031 (DEMANT, 2008, p.43).
“Apesar de conflitos e revoltas ocasionais, o califado conseguiu em geral
garantir uma prolongada época de paz interna, além de um mínimo de justiça e
tolerância para com seus súditos” (DEMANT, 2008, p.43).
Os dois primeiros séculos desse império, até 945, formaram o cenário histórico
mais reconhecido pela prosperidade e desenvolvimento cultural, chamado de época de
ouro da civilização muçulmana (DEMANT, 2008, p.43).
Contudo, após esses tempos de ascensão, floresceu antigas brigas e discórdias,
tal como a das minorias com a maioria árabe-muçulmana, produto principal das
pressões e violências impostas pelos anos de regimes muçulmanos.
Desse processo heterogêneo de grupos étnicos, abrigaram-se, no mundo árabe,
quatro vertentes significativas (DEMANT, 2008, p.44):
1- “[...] os arabófonos não-muçulmanos (como os maronitas no Líbano)”
2-“[...] muçulmanos não arabófonos (caso dos curdos e dos berberes no
Marrocos)”
3- “[...] grupos nem muçulmanos nem árabes (os armênios, por exemplo)”
35
4- “[...] cismáticos muçulmanos, muitos deles reunidos em seitas xiitas mais ou
menos radicais e exotéricas (druzos, ismailitas, nusairis, alawitas, etc.), além de
cariditas, bahai e outros”
Esses grupos minoritários ainda existem e, em alguns casos, com outra
nomenclatura; eles se encontram nos famosos “bolsões”, territórios delimitados, sofrem
constantes pressões nas fronteiras, assim como aqueles que passaram por diásporas,
como os judeus, até 1948 (quando foi criado Israel).
Demant afirma que as pressões para a uniformização cultural sempre existiram,
umas mais violentas em relação às outras, e pontua que
[...] os reinos muçulmanos nunca dispuseram dos recursos (nem do
impulso ideológico) que a Espanha, a França ou a Inglaterra forjaram
na Idade Moderna com essa finalidade, tais como a limpeza ético-
religiosa implementada em Castela e Aragão pelos reis católicos nos
séculos XV e XVI ou, na França, por Luís XIV no século XVII. Como
resultado, o mundo muçulmano é heterogêneo. Atualmente, a única
sociedade do Oriente Médio mais ou menos homogênea é a Turquia;
mas tal unidade só foi garantida à custa de genocídios e de trocas
forçadas de populações no século XX (2008, p.44).
1.4.4.1 Características culturais e jurídicas do Islã
A crescente unificação econômica do Oriente Médio levou o Islã a passar por
conflitos internos de interpretação da doutrina, visto que já havia passado gerações do
Profeta e de testemunhos de pessoas que viveram as primeiras elucidações do Alcorão.
Contudo, a religião desenvolveu uma técnica jurídica para interpretar as fontes
religiosas no intuito de facilitar, com mais proximidade à palavra, o gerenciamento das
regras de conduta religiosa e social baseadas na doutrina. Nesse sentido, optou-se pelo
apoio de quatro fontes para a caracterização do pensamento unificado: Alcorão,
rascunhos das palavras de Maomé, ciência crítica (raciocínio analógico) e, se fosse
preciso, o auxílio do consenso entre os ulemás (HOURANI, 2006, p.92-3). Logo os
ulemás representavam “os guadiães da consciência moral da comunidade” (HOURANI,
2006, p.215).
Diante disso, originaram quatro escolas jurídicas ortodoxas (HOURANI, 2006,
p.215-8) — chamadas madhhabs —, ou escolas de interpretação moral e legal, cuja base
está nas escritas originais, e vigoram até hoje no mundo muçulmano:
1- Predominantemente no Oriente Médio, na Ásia e no subcontinente indiano, a
escola hanifita, fundada pelo idealizador Abu Hanifa (699-767).
36
2- A escola malikita, entendida como mais conservadora, idealizada por Malik
ibn Annas (711-795). Hoje, ocupa o território africano ocidental do Islã.
3- A escola shafiita, mais disseminada pelo mundo, ocupa as regiões do Egito
inferior, África oriental, Arábia meridional e Indonésia, foi dirigida por Muhammad ibn
Idris al-Shafi’i (767-820).
4- Na linha mais fundamentalista, Ahmad ibn Hanbal desenvolveu o
hanbalismo, voltando-se às raízes das interpretações, numa postura mais rigorosa. Tem
seguidores em partes da Arábia Saudita e, principalmente, influencia, na atualidade,
núcleos pequenos de muçulmanos fundamentalistas. Um ideólogo significativo dessa
escola foi Sayyid Qutb, egípcio que estudou nos Estados Unidos, nos anos 50-60, e
voltou para o Egito, onde reergueu a bandeira fundamentalista e, após sua morte, foi
considerado mártir (WRIGHT, 2007, p.19-75).
Sayyid Qutb, grande pensador fundamentalista, conduziu o Islã a uma nova
direção, nem tradicionalista nem modernista. O jornalista Lawrence Wright, quem
desenvolveu uma pesquisa aprofundada sobre os novos grupos fundamentalistas até o
11 de setembro, explica, ao resgatar a trajetória de Qutb, que o pensador sofreu
significativa influência ideológica dos anos de modernidade vivenciados nos Estados
Unidos estudando, entre 1948 e 1951.
Qutb escrevia, periodicamente, para os amigos da Irmandade Muçulmana e
contava, principalmente, sobre os abusos do povo americano em relação à vida sexual,
ao excesso de dinheiro, ao consumo e a respeito da ausência de Deus em todos os
valores da vida americana (WRIGHT, 2007, p.36-7).
É claro que ele estava escrevendo não só sobre os Estados Unidos.
Sua preocupação central era com a modernidade. Os valores modernos
— secularismo, racionalidade, democracia, subjetividade,
individualismo, mistura dos sexos, tolerância, materialismo — haviam
infectado o islã por intermédio da colonização ocidental. Os Estados
Unidos agora representavam tudo aquilo (WRIGHT, 2007, p.37).
Qutb pretendia evidenciar, a partir desse contato com o Ocidente, com a
modernidade e com os Estados Unidos, a incompatibilidade do Islã com esse contexto.
Em suas reflexões escritas, Qutb indicava a divergência sobre o assunto. Dizia que a
“[...] separação entre o sagrado e o secular, Estado e religião, ciência e teologia, mente e
espírito [...]” (WRIGHT, 2007, p.37) eram marcas modernas responsáveis pelo
aprisionamento do Ocidente e o Islã tinha a missão de rever essa emergência modernista
37
ocidental, pois pensava que “[...] só restaurando o Islã no centro da vida, das leis e do
governo os muçulmanos poderiam ter esperança de reconquistar seu lugar de direito no
mundo, como a cultura predominante. Era seu dever, não apenas para consigo mesmo,
mas para com Deus” (WRIGHT, 2007, p.37).
Quando Qutb retornou ao Egito, foi convidado por Nasser para trabalhar na área
da educação, como inspetor educacional, e, em paralelo ao trabalho no governo,
desempenhou um importante papel na Irmandade, quando colaborou para o levante cuja
pretensão era tirar Nasser da liderança. Mas o movimento rebelde não conseguiu, em
curto prazo, tal empreitada. Como resultado, Qutb foi enforcado em 1966. O pensador
deixou adeptos fervorosos pelo Egito e arredores muçulmanos; despertou o
fundamentalismo islâmico para uma nova era de significados históricos, inaugurou
como pensamento uma vertente extremista contra a modernidade, o Ocidente e os
Estados Unidos (DEMANT, 2008, p.204-5). Segundo Wright, Qutb morreu como mártir
entre a população egípcia.
“Desde seu martírio, Qutb se tornou o maior guru dos fundamentalistas sunitas.
Sua obra mais extremista, Marcos Miliários (Ma’alim fi al-tariq), tem sido leitura
obrigatória para gerações de fundamentalistas posteriores” (DEMANT, 2008, p.213).
Essas quatro madhhabs centralizaram a lei islâmica no universo sunita com uma
dura luta cultural, em determinados períodos (HOURANI, 2006, p.126).
À medida que os estudos muçulmanos ramificaram as escolas jurídicas, foram
desenvolvidas as correntes de pensamento; tornaram-se clássicas e influentes na
formação de comunidades e na constituição de paradigmas do Islã (DEMANT, 2008,
p.48-52).
Existiram cinco importantes ortodoxias: a xaria clássica, a falsafa, o sufismo, o
xiismo e a adab. A primeira é advinda da escola conservadora, caracteriza-se por rejeitar
quaisquer dimensões não controladas pela religião; a xaria deve ser intérprete das
condutas humanas, as quais serão encaminhadas a serviço de Deus. A segunda originou-
se do contexto tempestuoso do redescobrimento dos clássicos da filosofia grega pelo
mundo muçulmano, que gerou o ponto de partida para uma corrente intelectual
intitulada como “progressiva”, a qual consistia em conhecer antes esse Deus para depois
servi-lo. “Essa enfatizava o poder do livre pensamento: corretamente aplicada, a razão,
por força própria, pode alcançar os mesmos entendimentos sobre o mundo, visível e
invisível, que a revelação divina” (DEMANT, 2008, p.49).
38
A falsafa, como escola progressista, chegou a ser doutrina oficial em 827, mas
não sobreviveu às fortes reações antirracionalistas, isso a levou, a partir de 891, a
violentos embates e perseguições.
O sufismo, hoje é a ortodoxia vigente no Islã oficial, ocupou essa posição de
maneira gradual e lenta, resistindo a muitas guerras e conflitos internos do Islã. Os
sufistas acreditam numa ideia mística das explicações de Deus e da sua divindade; nela
visualiza-se a busca da “reunião da alma com o Criador” (DEMANT, 2008, p.49). Sua
origem veio de líderes religiosos místicos, chamados de sufis (talvez por causa do
vestuário à base de lã- suf).
O espectro da atuação mística no mundo muçulmano é, portanto,
extremamente amplo. Nos últimos séculos, tais ordens sufis têm
representado um papel absolutamente central na expansão do Islã,
particularmente na Ásia central, Indonésia e África. Sem seu impacto,
não se explicaria a recente retomada de crescimento do Islã
(DEMANT, 2008, p.51).
A corrente do xiismo é de caráter contestador da legitimidade califal. Em razão
disso, na história do Islã, sofreram periódicos assassinatos dos seus líderes, os
descendentes do Profeta. Seus adeptos chegaram a permanecer no controle do Irã
setentrional (na época da dinastia abássica) e depois no Iêmen, onde permaneceram até
o século XX. “Os xiitas passaram a adotar a taqiya, negação oportunista de suas
verdadeiras crenças, tática que permitiu sua sobrevivência e re-emergência periódica”
(DEMANT, 2008, p.51).
A omissão dessa época difícil, de muitas perseguições, foi chamada “a Grande
Ocultação”, que consistia na espera por tempos mais tranquilos. “Durante o milênio
seguinte, o xiismo viveu da esperança messiânica do retorno do seu líder (imã5) oculto
— Muhammad al-Mhdi (O Esperado).” Essa corrente assume transformações na
atualidade em razão do seu teor de contestação à ordem vigente, agora não precisando
ser mais califal (DEMANT, 2008, p.51).
A última e pouco influente corrente, a adab, significa a cultura letrada, ou estilo
de vida das classes superiores. De tanto que se importavam e estudavam os saberes
disponíveis, desinteressavam-se pelo culto à religiosidade, desaparecendo do seio do
Islã médio e moderno, enquanto corrente reflexiva (DEMANT, 2008, p.52).
5 O imã é o termo xiita equivalente ao califa sunita, significa aquele que está na frente da congregação.
39
1.4.5 O mundo muçulmano na Idade Média
Entre os séculos XI-XV, o mundo árabe se descentralizou, ocorreram várias
invasões externas e conflitos internos, além de gerar muitas doenças e outras
calamidades, no Oriente Médio, causaram impacto negativo e arrasador. Nesse sentido,
o mundo árabe entrou em declínio, muitos grupos de árabes-muçulmanos se
locomoveram de suas terras natais, expandindo o Islã para a Índia, sudeste asiático e
para a África.
Pode-se se destacar três significativos fatos históricos, neste breve relato,
considerados colaboradores para o afastamento dos árabes-muçulmanos do poder do
Oriente Médio. O primeiro envolve uma questão, bastante frequente, quando se fala nos
conflitos atuais da Palestina. Sua origem advém da conquista cristã de Jerusalém pelas
famosas cruzadas, em 1099. O historiador Peter Demant afirma que houve “[...] um
massacre de toda sua população, assim como outros sucessos iniciais dessas invasões na
região central do Islã, alarmou o mundo muçulmano. Eram as primeiras perdas
territoriais significativas desde o início do Islã” (2008, p.54).
Ao passar dos anos, a queda de Jerusalém, antes no poder do Islã, tornou-se uma
presente simbologia da agressão cristã à religião islâmica. As cruzadas de 1099 a 1187
tiveram o desfecho, no caso de Jerusalém, em especial, da Palestina, favorável ao
mundo muçulmano, que, na liderança de Salah al-Din, popularmente mais conhecido
como Saladino, reconquista a Palestina. O cenário das cruzadas “[...] traduziu a agressão
ocidental e o êxito da resistência muçulmana a esta” (DEMANT, 2008, p.54).
Contudo, somava-se a esse momento a perda dos muçulmanos da península
ibérica, bem como se iniciava a “devastação” que vinha do extremo Oriente com as
invasões mongólicas (HOURANI, 2006, p.122).
Durante o século XIII, a área oriental foi perturbada pela irrupção no
mundo muçulmano de uma dinastia mongol não-muçulmana, vinda da
Ásia Oriental, com um exército formado de tribos mongóis e turcas
das estepes da Ásia interior. Eles conquistaram o Irã e o Iraque, e
puseram fim ao Califado Abácidas em Bagdá, em 1258 (HOURANI,
2006, p.122).
40
Demant afirma que o neto de Genghis Khan ao invadir Bagdá matou o último
califa, massacrou a metrópole e sua redondeza6 (2008, p.54).
O Império Mongol não foi duradouro, estabeleceu-se no mundo muçulmano
oriental, mas sua pequena elite militar foi logo absorvida culturalmente pelo Islã e
transformou-se em mecenas das artes. Todavia, as graves destruições não se finalizaram
ao mesmo tempo das inserções mongóis ao Islã.
A contínua fragmentação política dava início às incessantes guerras civis; passou
ao povo muita insegurança e envenenou o comércio, visto que o Oriente Médio era zona
de trânsito principal da região. Mas esse colapso político-social e a proliferação de
pestes (uma famosa, a qual se denominou peste negra) e outras pandemias, levaram ao
declínio demográfico irrevogável do Oriente (HOURANI, 2006, p.130-8).
Somente no século XV, o mundo muçulmano ressurgia, “[...] sob o ímpeto turco
em particular, mas ao preço de uma marcada rigidez do Islã.” Nessa época, o Oriente
Médio entrou em processo de feudalização, ruralizou a economia, tinha, como principal
dicotomia de governo, o conflito étnico-político da camada turca militar com a
administração-judicial de cultura árabe-persa.
Entretanto, o aparente equilíbrio teve um peso forte na questão cultural-religiosa:
Efetivou-se a restauração sunita, baseada numa ortodoxia muçulmana
que se tornou mais dogmática, escolástica e distante da religiosidade
popular. Esta, desconsiderando o rigor da xaria, refugiou-se, nessa
época de incertezas e confusão, cada vez mais em seitas místicas sufis:
o equivalente sunita da exaltação xiita. A crescente dicotomia
religiosa entre o “Islã alto” dos bazaris e dos ulemás e o Islã popular
se tornou uma marca permanente das sociedades muçulmanas. Nos
dias de hoje, essa divisão funciona como suporte para a atuação de
fundamentalistas, que tentam impor a versão “pura” do Islã às classes
populares (DEMANT, 2008, p.55-6).
1.4.6 Império Otomano e o rumo da civilização muçulmana atual
Para o historiador Albert Hourani (2006, p.287), depois do Império Romano, a
parte ocidental do mundo encontrava no Império Otomano a maior estrutura política,
dominando a Europa Oriental, a Ásia Ocidental e a maior parte do Magreb, e também
conseguiu manter unidas várias diversidades étnicas, como grega, sérvia, búlgara,
6 “Comparando, foi o equivalente à destruição, multiplicada por mil, das torres gêmeas de Nova York –
tanto pelas perdas materiais e humanas quanto pela aniquilação do maior centro da civilização na época”
(DEMANT, 2008, p.54).
41
romena, armênia, turca e árabe. “[...] E várias comunidades religiosas ─ muçulmanas
sunitas e xiitas, cristãos de todas as Igrejas históricas, e judeus. Manteve seu domínio
sobre a maioria deles por mais ou menos quatrocentos anos, e sobre alguns por até
seiscentos anos” (HOURANI, 2006, p.287).
Desse processo, o século XVI desempenhou um papel de divisor de águas na
história do Oriente Médio, pois foi nessa época que o Império Otomano, liderado pelos
muçulmanos turcos, sucedeu a era dos califas e conquistou parte significativa do atual
mundo árabe. Os otomanos implantaram a supremacia sunita, mas a Pérsia (da corrente
do xiismo) não tinha sido derrotada e, durante séculos, os dois impérios se
confrontaram, resultando em uma rivalidade ideológica. “O Irã (o novo nome da Pérsia
desde os anos 1930) é hoje solidamente xiita, enquanto no resto do Oriente Médio –
exceto em alguns redutos isolados – o sunismo é a religião predominante” (DEMANT,
2008, p.56).
Os otomanos se organizaram para viver com maioria sunita e outras tantas
minorias, um sistema millets, ou seja, “[...] nações religiosas: cada comunidade religiosa
tinha sua autonomia interna reconhecida e funcionava como uma nação não-territorial,
ou seja, uma pessoa jurídica coletiva, uma corporação dispersa, (...) cujo líder espiritual
era responsável frente ao sultão [...]” (DEMANT, 2008, p.56). Embora apenas no século
XIX o sultão otamano reconheceria formalmente essas nações religiosas como millets,
ou comunidade separada, segundo o historiador Albert Hourani (2006, p.321).
O clima de contrastes dos millets se agravou com a integração otomana ao
mercado global e com o vínculo ideológico do nacionalismo expoente.
Com todas essas discordâncias contextuais, os otomanos construíram, ainda, um
império resistente, mesmo na época da sua decadência, processo lento, que se deu em
muitos anos. Caracterizaram-se, também, pela tolerância, abarcaram todos os sunitas,
indiferente da língua ou da nacionalidade (árabe ou turca). No entanto, a chegada da
onda nacionalista vinda da Europa, percorria o mundo de modo que inviabilizou a
convivência entre turcos e árabes, pois se aguçava a identidade nacional de cada
localidade, delimitando as territorialidades imperiais e ressurgindo antigos ranços
étnicos.
O historiador Peter Demant explica que o Império Otomano foi o último poder
muçulmano, mas não árabe, a unificar o Oriente Médio, além de parte da Europa.
42
Viveu três séculos de expansão, seguidos de três séculos de
estagnação e encolhimento, até seu desfecho final, após a Primeira
Guerra Mundial. Além do Islã e da força militar, sua emergência e
decadência foram comerciais por fatores econômicos distantes. Assim,
a restauração de ligações comerciais imediatas entre a Europa e a
China após a unificação pelos mongóis estimulou o apetite dos
europeus pelas riquezas (e mercados) orientais. Ora, quem controlava
o mundo muçulmano controlava, por consequência, o acesso ao
Extremo Oriente (DEMANT, 2008, p.58-9).
As implicações dos avanços territoriais otomanos foram, em parte, entravar o
comércio do Ocidente com o Oriente, ocasionando, involuntariamente, as “viagens de
descobrimento” ao continente americano. Essas descobertas e perdas territoriais
marítimas pelo Oriente causaram efeitos colaterais terríveis na economia otomana,
como, por exemplo, a principal: a inflação, problematizando o gerenciamento do
comércio de artesanato, uma significativa fonte de renda do império otomano
(DEMANT, 2008, p.59-0).
Além dos fatores estruturais, existiu, nessa época, no Ocidente, a formação de
estigmas sobre o Oriente Médio. As imagens e estereótipos históricos sobre o mundo
muçulmano agravaram e continuam a se agravar em caricaturas exageradas,
colaborando com o imaginário social, generalizações com características específicas que
transformam fatos verdadeiros em deturpadas formas de compreender essa realidade
distante da Ocidental.
É, no entanto, necessário contrapor essa imagem a outras, também
intimamente associadas ao Islã: a do muçulmano hospitaleiro e
cavalheiresco, tipificado por Saladino, o Aiúbida, líder curdo-egípicio
que no século XII retomou com fidalguia Jerusalém dos cruzados
europeus; e a do paxá gordo e indolente que se entrega às delícias
sensuais de seu harém (DEMANT, 2004, p.17).
Em parte, esses estereótipos advinham da posição culturalmente distante que o
Oriente mantinha (e, em muitos fatores da vida moderna, continua tendo) do Ocidente.
No caminho antievolutivo do processo tecnológico, que ocorria no Oriente, o Império
Otomano não produziu grandes invenções, não se renovou, nem se atualizou, pois o
“[...] Islã como molde organizacional era incontestável, mas a religião praticamente não
evolui mais” (DEMANT, 2008, p.60).
Em 1862, o ministro das Relações Exteriores do Império Otomano, Ali Paxá,
escreveu uma carta a seu embaixador em Paris, dizendo sobre os últimos
43
acontecimentos da Europa em geral, num discurso diplomático, e comentou, inclusive,
acerca da recente unificação nacional italiana, à qual era claramente desfavorável.
Ali Paxá foi um profeta exato, embora a estimativa de “um século”
ficasse aquém da realidade. Ele, na verdade, era melhor profeta do que
observador do cenário da época, uma vez que o vírus do nacionalismo,
que tanto temia e, poderíamos dizer, com razão, acabara de infiltrar-se
no corpo político e iniciara os processos que inflamariam, debilitariam
e, finalmente, destruiriam o Império otomano (LEWIS, 1996, p.280).
Segundo o historiador Bernard Lewis (1996, p.280-1), a raiz do “vírus
nacionalista” iniciou-se com as reflexões da Revolução Francesa, promovida duramente
pelos franceses e aceita esperançosamente por uma minoria da população. As reflexões
despontadas da Revolução ganharam a população e tornaram-se dominantes em pouco
tempo.
A Revolução Francesa foi o primeiro movimento reflexivo advindo da Europa
que repercutiu impactantemente no Oriente Médio iniciando um novo cenário de crítica
por meio das ideias que emergiram sobre a realidade para o povo. Isso só foi possível
por ser um movimento sem alicerce cristão, como foi a Renascença, a Reforma, o
Iluminismo e a própria Revolução Científica, mas as ideias foram interpretadas como
cristãs, portanto, ignoradas pelo Islã (LEWIS, 1996, p.281).
Outro contraste entre a Revolução Francesa e movimentos anteriores
na Europa foi que os franceses tomaram medidas concretas para
promover suas ideias entre os povos do Oriente Médio. No início, foi
mínima a reação à propaganda revolucionária francesa, e confinada
principalmente aos povos cristãos subjugados. Entre eles, porém,
disseminaram-se rapidamente e, sem que passasse muito tempo,
afetaram não só os súditos, mas os senhores do Império. Para adotar
uma símile usada por vários escritores otomanos da época, as novas
ideias francesas espalharam-se como o novo mal francês (LEWIS,
1996, p.282).
No entanto, o lema da Revolução “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” não foi
ideia totalmente nova para o pensamento islâmico. A ênfase da liberdade costumava ser
um conceito bem entendido pelo povo do Oriente Médio, aproximava da interpretação
que o Islã concedia para a “irmandade dos crentes”, bem como o termo igualdade,
representava a unicidade entre os membros do seu povo fiel. As diferenças étnicas entre
os grupos sociais do Islã não faziam parte da religião em si, mas eram visualizadas
(como são até hoje) como ascensões inevitáveis da religião, de caráter tão híbrido.
44
Bernard Lewis ressalta que esses privilégios entre os povos do Islã aconteciam a seu
despeito e “[...] nunca adquiriram a estabilidade e o reconhecimento que desfrutavam na
Europa” (1996, p.282).
O historiador Lewis atenta para uma diferença conotativa do conceito de
Liberdade, comum ao Islã, diferenciando da epistemologia da palavra dos europeus. No
Islã, o oposto de tirania não era liberdade e, sim, justiça. Portanto, o sentido político que
o termo Liberdade encerrava na Revolução Francesa era compreendido na sociedade
islâmica como justiça, qualificação inerente a um bom governo, cujo governante tem o
dever de representar, não como um direito dos súditos. Logo, pode-se avançar para uma
ideia posterior: a visão que o Ocidente tem de cidadania, de participação do povo, que
influiu significativamente nas novas reflexões da Revolução para o Oriente Médio
(1996, p.283).
O Oriente Médio sentiu de perto, pela Grécia (que se dividiu, devido ao Tratado
de Campo Formio, em República Francesa e Império Habsburgo, em 1797), as novas
mudanças práticas se desmembrando: “[...] decretos que privavam a nobreza de
privilégios, libertação dos camponeses de trabalho escravo, realização de eleições e, em
geral, conversas sobre liberdade e igualdade” (LEWIS, 1996, p.284).
Nessa linha de pensamento, emergia ao repertório islâmico duas novas
expressões apaixonantes: “glória antiga” e “liberdade moderna”; estas tinham ainda
mais sentido quando acopladas à luz da ideia de cidadania, reforçando os conceitos
nascentes da época: o patriotismo e o nacionalismo. Da aceitação do país e da nação,
não apenas da religião, como elementos “[...] determinantes da identidade e da lealdade
e, portanto, da legitimidade e da fidelidade” (LEWIS, 1996, p.284) renasceu antigos
conflitos éticos e culturais no Oriente Médio, além da cristalização de raízes
maniqueístas acerca do entendimento da liberdade, da cidadania e, principalmente, da
ideia de unificação igualitária entre os povos.
Lewis explica que na época surgiram resistentes movimentos de oposição a
qualquer ato de unificação das etnias, como iguais, dentre esses houve uma refutação,
distribuída em turco e árabe, salientando o perigo da influência francesa e da
Revolução, remetendo ao povo francês caráter satânico por não ser um povo fiel a Deus
e ao seu ensinamento, fazendo referência ao Alcorão (114:5), este dizia que Satã é “[...]
o intrigante que se esconde e sussurra no coração dos homens” (apud LEWIS, 1996,
p.285).
45
Mesmo diante de significativa oposição aos novos conceitos políticos da Europa,
o patriotismo, enquanto amor à terra natal, dever político — se necessário militar — e
prestação de contas ao governo, consolidou-se no corpo da sociedade oriental e tornou-
se associado a duas outras questões: “[...] unificação de elementos diversos da
população do país em uma única fidelidade nacional e a convicção cada vez maior de
que o povo, não a Igreja e o Estado, era a única e autêntica fonte de soberania” (LEWIS,
1996, p.291).
De meados do século XIX em diante, o patriotismo foi aceito com dificuldades e
facilmente substituído por um conceito diferente, o nacionalismo. O entendimento de
nação engloba questões da língua, da cultura, das raízes étnicas, algo muito além da
ideia do patriotismo. Nesse sentido, a realidade de nação ao Oriente Médio era mais
inteligível do que o patriotismo liberal do Ocidente (LEWIS, 1996, p.292-3).
No decorrer do fim do século, o nacionalismo serviu de ingrediente concreto
para os millets gerarem desentendimentos no império otomano, potencializando as
tensões contestatórias das etnias e, com o florescimento do nacionalismo, as minorias
ascenderam e começaram a traduzir-se em identidades religiosas, em termos
nacionalistas.
As Igrejas-nação se tornaram incubadoras de sentimentos
nacionalistas, e acolheram os novos movimentos que buscavam mais
privilégios, mais autonomia e até a independência para seus co-
nacionais na secessão do império. (...) Esse processo coincidiu com a
penetração imperialista ocidental dentro do império, o que o
enfraqueceu ainda mais (DEMANT, 2008, p.61).
A soma desses fatos sociais deu fim ao Império Otomano, este implodiu em
1914-1918.
1.4.6.1 Resgate do Oriente nas Grandes Guerras Mundiais
O Império Otomano, na primeira Guerra Mundial, entrou oficialmente para o
conflito militar ao lado dos países centrais da Europa, Áustria e Alemanha contra a
Rússia, que já vinha de várias guerras com o Império, e seus aliados da Entente — a
França e a Grã-Bretanha. No desfecho da guerra, os otomanos perderam a disputa.
Nesse mesmo momento, a Rússia apoiou grupos de guerrilhas armênias (uma das etnias
do império otomano), esse ato colaborou na justificativa, pelo Império Otomano, de
deportação em massa dos armênios (DEMANT, 2008, p.88). A ação otomana não se
46
limitou a esse processo, Lewis afirma que foram mortos mais de um milhão, um
verdadeiro genocídio (1996, p.300-1).
Em 1915-1916, eclodiu, na Península Árabe, a Revolta Árabe contra o poder de
Constantinopla, governada pelo xarife Hussein de Meca — religioso otomano da
família dos hachemitas, cujo compromisso era guardar os lugares sagrados do Islã. “Os
hachemitas alegavam descendência do Profeta e Hussein ambicionava a liderança de
um Estado árabe. A Grã-Bretanha apoiou a revolta e prometeu um reino independente
aos árabes” (DEMANT, 2008, p.88).
No ano seguinte, a Palestina, a Síria e a Mesopotâmia foram conquistadas pela
revolta árabe, mas a parte do acordo entre árabes e Grã-Bretanha de que haveria uma
independência árabe não aconteceu, isso se tornou ponto de controvérsias históricas
entre os envolvidos (DEMANT, 2008, p.88).
Logo depois, houve um acordo secreto entre a França e a Grã-Bretanha7, que
“[...] anteviu a partilha dos territórios árabes do Império Otomano entre franceses e
ingleses”. (Ibid) Além disso, a Grã-Bretanha prometera aos judeus um “lar nacional
judeu”, na Palestina, no intuito de mobilizá-los a ficar do lado da Entente, agravando os
desentendimentos e as promessas não cumpridas junto aos árabes (DEMANT, 2008,
p.88).
Desses acordos, sobreviveu do Império Otomano apenas o centro turco na
Anatólia, delimitando, assim, o fim do penúltimo império multinacional do mundo,
visto ainda existir o czarismo da Rússia, que mais tarde se reinventaria em União
Soviética.
Na divisão e partilha do antigo império otomano a “[...] Grã-Bretanha e a França
se fizeram outorgar os territórios árabes como mandatos da recente Liga das Nações, a
primeira recebendo o Iraque e a Palestina e a segunda ficando com o Líbano e a Síria”.
No princípio, o mandatário cumpriria a responsabilidade apenas de desenvolver e
gerenciar o território tutelado para futuras autodeterminações. “Porém, os beneficiários
involuntários dessa imposição experimentaram uma situação de puro imperialismo”
(DEMANT, 2008, p.91).
Na nova realidade, após Primeira Guerra, as fronteiras criadas marcavam os
fragmentos de uma sociedade milenar, na qual mantinha uma economia comum, e
7 O acordo chamava-se Sykes-Picot, devido aos sobrenomes dos negociadores, o primeiro inglês e o
segundo francês (DEMANT, 2008, p.88).
47
adquirira, no último século, a possibilidade, pelo menos de conscientização, de um
destino comum (DEMANT, 2008, p.92).
As vontades de vingança, caracterizadas pelos ranços das promessas não
cumpridas, gerou revoltas antiocidentais e muitos outros protestos, mas foram
rapidamente reprimidos.
Essas convulsões fizeram parte da onda revolucionária internacional
que, desde 1917, estava desafiando o sistema capitalista mundial. Em
1920, uma assembléia pan-árabe em Damasco ofereceu a coroa da
pretensa monarquia árabe ao filho do xarife de Meca, Faissal. Os
nacionalistas foram desalojados e bombardeados pelo exército francês.
As revoltas foram esmagadas com sangue, mas o descontentamento
continuou (DEMANT, 2008, p.92).
Nasciam, violenta e ilegitimamente, os Estados árabes, os quais sofreram árduas
intervenções imperialistas e que, diante da proximidade da língua, da religião e dos
costumes, facilitaram o intercâmbio dos ativistas e fundamentalistas na atualidade
(DEMANT, 2008, p.92).
Portanto “O término da Primeira Guerra Mundial assinalou também o
desaparecimento final do Império Otomano.” (HOURANI, 2006, p.349). E segundo
Hourani o estímulo britânico à criação de um lar nacional judeu na Palestina “[...] gerou
uma situação que ia afetar a opinião nacionalista em todos os países de língua árabe”
(HOURANI, 2006, p.349).
1.4.6.2 Início da questão da Palestina
O território da Palestina tinha sido habitado por judeus, desde a época da
antiguidade, quando ainda era de posse do Império Romano, período que deixaram de
ser a maioria da população local. De época em época, esse núcleo judeu era reforçado
por imigrações, na maioria das vezes, por motivos religiosos. Contudo, os judeus que
viviam na Palestina, até meados do século XIX, eram tolerantes, não tinham
representações de grupos contestatórios. O cenário de quietude se modificou quando, no
final do mesmo século, chegaram à Palestina jovens judeus, vindos de partes da Europa
oriental, já impregnados pelo nacionalismo. Esse grupo de imigrantes tinha como
inspiração o sionismo, cujo significado de movimento representava (e continua a
representar, com pequenas modificações) as tradições religiosas judaicas, incorporava
uma versão do judaísmo com ideologias nacionalistas vigentes na época. O sionismo
48
também buscava “[...] solução para a rejeição e perseguição que sofriam na Europa e,
mais tarde, no Oriente Médio. As colônias que eles e seus sucessores criaram formaram
o núcleo do que eventualmente se tornou o Estado de Israel” (LEWIS, 1996, p.305).
O reconhecimento da Palestina como morada dos judeus fortaleceu-se ao fim da
I Guerra Mundial, quando a Grã-Bretanha reconheceu formalmente, na Declaração
Balfour, em novembro de 1917, um “Lar Nacional para os Judeus”. “Os termos dessa
promessa foram incorporados no mandato da Liga das Nações, sob o qual os britânicos
administravam à Palestina” (LEWIS, 1996, p.305). Tanto o reconhecimento da
constituição do sionismo, quanto a promessa de implementação do “Lar” dos judeus,
pela Grã-Bretanha, geraram discórdia e ranços históricos ao povo árabe.
Esses embates frutificaram no Egito, em 1967, um levante militar contra o
Estado judeu. “A facilidade com que a guerra fria entre Israel e seus vizinhos se
reacendeu ilustra a instabilidade deste quadro: aqui não houve contenção, dissuasão,
nem cálculos racionais [...].” Israel não desejava uma expansão territorial, mas, em
razão do recente genocídio antissemita na Alemanha, preocupava-se com a
possibilidade de um holocausto. Os árabes que iniciaram o conflito estavam
despreparados para a guerra (DEMANT, 2008, p.109).
O resultado da guerra, convencionada de Guerra dos Seis Dias, foi terrível. Para
os árabes foi catastrófico e, para Israel, o embate se deu mais em longo prazo. Israel
ocupou Sinai, do Egito, “[...] dos restos do Estado palestino definido em 1947, mas
nunca erigido”, ocupou a Cisjordânia jordaniana (inclusive Jerusalém oriental) e a Faixa
de Gaza, e, da Síria, ocupou as Colinas do Golã (DEMANT, 2008, p.109).
Israel expandiu seu território, mas ficou com um milhão de palestinos
“atravessados no caminho”, “[...] cuja presença no decorrer dos anos reanimou o dilema
insolúvel entre Estado democrático e Estado judaico – dilema que a ‘limpeza étnica’ dos
árabes palestinos de 1948, com a retirada dos palestinos do território israelense, parecia
ter evitado” (DEMANT, 2008, p.109). O problema maior nesse cenário para Israel foi o
surgimento colateral de um fundamentalismo judaico.
Além da formação de grupos mais radicais, para o teórico americano, Noam
Chomsky, Israel recebe ajuda dos Estados Unidos há anos, inclusive na reposição
militar e para fins econômicos. Chomsky cita, que durante o Setembro Negro de 1970,
os Estados Unidos, não aceitando a Síria proteger os palestinos, e pela razão do país
americano estar “atolado no Camboja”, pediu para Israel intervir, mobilizando a força
aérea e impedindo a Síria de defender os palestinos. Israel se mobilizou e a Síria recuou,
49
resultando num acontecimento ainda pior para os palestinos. Chomsky afirma que, a
partir dessa colaboração de Israel, a ajuda americana quadruplicou, uma situação,
segundo o teórico, existente até hoje. “Israel é a base mais forte e mais confiável. Hoje
em dia, está tão integrada na economia militar dos Estados Unidos que é indistinguível
dela.” (CHOMSKY, 2005, p.133).
A resposta árabe diante da derrota de 1948-9 e das outras opressões contínuas se
deu em 1973, com a Guerra de Outubro, da qual, desta vez, era Israel que saíra
derrotado. A partir dessa guerra, os líderes e as elites árabes chegaram à conclusão que
manter o conflito contra Israel saía caro demais; era impossível ganhá-lo por completo.
Na lógica econômica, o líder do Egito iniciou o processo de paz com Israel e como ele,
aos poucos, outros líderes do mundo árabe também aderiram (DEMANT, 2008, p.110).
Na contramão desse processo de paz, a ala dos fundamentalistas judeus de Israel
emergiu, junto com outro grupo direitista do Estado judeu, no seio da resistência
palestina. Os palestinos, na ofensiva, formaram a Organização para a Libertação da
Palestina – OLP. De ambos os lados desenvolveram posturas prós e contras às
conciliações de paz e o resultado foi que “[...] uma fração mais extremista tanto entre os
palestinos quanto entre os israelenses estava pronta a se utilizar da violência para
descarrilar o processo de paz.” (DEMANT, 2008, p.110).
E dezembro de 2008, Israel lança um bombardeio na Faixa de Gaza, com a
justificativa de que o grupo fundamentalista Hamas lançara, em vários momentos, nos
últimos meses, foguetes sobre Israel. Esse clima de hostilidade e não diplomacia
cristalizou-se nos últimos anos.
1.4.6.3 As contradições advindas do petróleo
Ainda no século XIX, os russos iniciaram a exploração de petróleo no Oriente
Médio, em específico na península de Apsheron, região de domínio russo. O processo
foi se industrializando, concomitantemente, os americanos exploravam petróleo na
Pensilvânia.
“A primeira refinaria surgiu em Baku em 1863, abastecida por um oleoduto,
construído em 1877-88, ligando-a aos campos petrolíferos de Apsheron.” (LEWIS,
1996, p.311). Nos antecedentes da Revolução Russa, os campos de Baku forneciam
95% de todo o petróleo russo (LEWIS, 1996, p.311).
50
Na esteira russa, empresários americanos e europeus procuravam negociar
concessões na área mais ao sul do Oriente Médio, nas, ainda independentes, terras
iranianas e turcas. “No início do século XX, o xá do Irã fez a primeira grande concessão
a um empresário britânico – na verdade, um neozelandês –, chamado William Jnox
D’Arcy. A concessão de D’Arcy foi comprada pela subsequente criada Anglo-Persian
(mais tarde rebatizada de Anglo-Iranian) Oil Company.” (LEWIS, 1996, p.311).
A nova companhia petrolífera inaugurava o cenário no Oriente Médio, de
grandes concessões e outros tipos de negócios à base do uso e exploração do petróleo. A
maioria dos empresários no ramo era britânico, francês, holandês e americano e, sob
acordos e pagamentos de royalties aos governos locais, constituíram, no Oriente Médio,
uma das maiores áreas produtoras de petróleo do mundo.
Até os anos 50 e 60, o petróleo do Oriente Médio era bombardeado para suprir a
demanda das indústrias do norte global, a preços pequenos, irrisórios, segundo Peter
Demant (2008, p.112). “As Sete Irmãs, as maiores companhias petrolíferas do mundo,
pagavam um tributo que permitia um estilo de vida glamoroso aos sultões detentores
dos poços, mas muito aquém de seu real valor econômico.” (DEMANT, 2008, p.112).
Coexistiram, nessa mesma época, tentativas nacionalistas de requererem
a posse dos recursos do petróleo, mas foram reprimidas. A exemplo do ocorrido com o
Irã, a tentativa de nacionalização do petróleo em 1953, pelo líder Muhammad
Mossadeq, “[...] acabou num golpe arquitetado pela CIA e que colocou no trono o
jovem xá Muhammad Reza Pahlevi, mais suscetível aos interesses norte-americanos.”
(DEMANT, 2008, p.112).
As reivindicações ganharam força e, em 1960, fundou-se uma Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (OPEP), esta, desde o início, pressionava para haver
uma divisão mais justa dos espólios. “O Iraque ba’athista foi o primeiro a nacionalizar o
petróleo em 1972. O Kuwait, a Arábia Saudita e outros logo seguiram o exemplo. Desta
vez, os governos ocidentais já não mais arriscaram intromissões abertas, preferindo
buscar arranjos mutuamente aceitáveis.” (DEMANT, 2008, p.112).
Houve uma rápida expansão de enriquecimento nos Estados petrolíferos, mas,
segundo Demant (Ibid), os líderes não souberam aproveitar a oportunidade e o dinheiro,
na sua maioria, foi para gastos improdutivos à sociedade: “[...] luxo para poucos
felizardos, importação de armas e, por fim, investimentos especulativos nos centros
financeiros.”
51
Os resultados foram contrastes ainda mais escandalosos entre ricos e
pobres, uma região hipermilitarizada e um mar de petrodólares a
serem reciclados por meio de empréstimos a países em
desenvolvimento, mas sem petróleo. Não resultou, evidentemente, na
modernização das infraestruturas econômicas (para não falar das
políticas) do mundo árabe. O influxo monetário permitiu aos clãs no
poder (tais como os al-Sabah no Kuwait) subornar classes inteiras da
sua população com o fornecimento de energia, educação e sistemas de
saúde baratos. Não proporcionou, contudo, o desenvolvimento
(DEMANT, 2008, p.112-3).
Nesse clima de “desenvolvimento” desigual, os Estados produtores de petróleo
não ajudaram os vizinhos que careciam da riqueza (através do subsídio da produção da
indústria do petróleo); já havia um distanciamento do mundo árabe, em vários Estados.
“Apelos pan-arabistas – movimento político de raiz nacionalista árabe − para
compartilhar a renda como recurso nacional foi rejeitado. O petróleo aprofundou as
diferenças entre pobres e ricos entre Estados e dentro deles.” (DEMANT, 2008, p.113).
1.4.7 Últimas influências do século XX ao islamismo
Contra a colonização imperialista emergente da Primeira Guerra, os estados
árabes, com base no nacionalismo de outrora, iniciaram um processo de retorno às
origens comuns do mundo árabe, vinculando grupos do Oriente Médio a um novo
movimento ascendente, o pan-arabismo. “A Síria, extremamente dividida entre
comunidades ético-religiosas, tornou-se o centro do nacionalismo pan-árabe – liderado
pelos sunitas – e de protestos contra a partilha do mundo árabe.” (DEMANT, 2008,
p.94).
Nos anos 50 e 60, o movimento do pan-arabismo chega ao poder governamental
em alguns países árabes, como no Egito, na Síria e no Iraque, contudo, o fato da ideia
central dos objetivos do movimento sofrer quatro fortes influências, perdeu, assim, sua
unicidade enquanto reposta de poder à supremacia ocidental e à própria globalização.
A primeira divisão foi o monismo, bastante intolerante diante das diferenças
entre árabes. A própria história árabe evidencia sua multiplicidade cultural, com novos
dialetos, novas unidades administrativas e, mesmo, novas identidades. Nesse sentido, o
pan-arabismo ressaltava o que todos os árabes tinham em comum, como a língua, a
história (desde a glória da época de ouro até as recentes humilhações pelo Ocidente), a
tradição e o costume. Chocou-se, então, a ideia clássica do pan-arabismo com a
realidade híbrida e miscigenada do povo árabe, e, para o monismo, essa negação das
52
diferenças inerentes às novas populações árabes colaborava para uma possível
superação delas, tendo um caráter mais tolerante com as diferenças, ao passo que o pan-
arabismo servia para suavizá-las e apaziguá-las (DEMANT, 2008, p.96).
A segunda, intitulada como “intolerância a minorias”, despontava como
movimento discriminatório contra as minorias não-árabes que viviam no seio da
sociedade árabe, como os berberes, os judeus, os curdos, os armênios, entre outros. “A
incompatibilidade entre sionismo e nacionalismo árabes, e entre estes e os curdos, são
dois exemplos conhecidos.” (DEMANT, 2008, p.96).
A terceira divisão era o autoritarismo. Por mais que o fascismo e o nazismo
fossem mais próximos para as correntes árabes, após a Segunda Guerra Mundial, esses
movimentos perderam legitimidade e o socialismo soviético assumiu a brecha deixada
por essa tendência. Nos moldes árabes, nascia o socialismo árabe, rejeitando, a qualquer
custo, o modelo democrático.
Na visão pan-arabista, a vontade do povo se expressa mediada pelo
partido nacionalista. Outros partidos expressam interesses alheios,
hostis ou (no melhor dos casos) uma “consciência falsa” a ser
erradicada (às vezes, juntamente com o portador da consciência). O
que se instalou então foi uma ditadura com pretensão monolítica,
oprimindo as oposições em graus variáveis de brutalidade (DEMANT,
2008, p.96).
A última e importante influência foi o “sectarismo”8, que segmentou a filosofia
do Islã, reduzindo-a ideologicamente, aproximando sua explicação à luz do
nacionalismo secular. Nesse sentido, o “sectarismo” mantinha um relacionamento
incômodo com a religião, “[...] louvando-a apenas na aparência, mas nunca levando a
sério suas reivindicações com receio de afetar sua própria legitimidade.” (DEMANT,
2008, p.97).
As quatro marcantes influências que apontavam na história da formação do pan-
-arabismo conduziram as promessas do movimento político à derrota, isso influenciou o
futuro do Oriente Médio, no sentido que deixava um vazio ideológico nos seguidores.
Nesse espaço, abriu-se um novo movimento, o islamista, baseado em partes no
8 O termo “sectarismo” segundo o dicionário filosófico André Comte-Sponville “É um misto de
estreiteza, de intolerância e de convicção: certeza de ter razão, mesmo contra todos, desprezo ou rejeição
das outras posições, sempre suspeitas de cegueira ou má-fé (...).” (2003, p.535).
53
nacionalismo secular, mas que ganhava mais justificativas de transgressão ao Ocidente,
recorrentes do processo excludente da globalização.
A despeito da vontade de muitos grupos constituírem uma identidade coletiva no
Oriente Médio, chegava-se à conclusão de que não seria possível, diante de tantas
rachaduras e contra-argumentos de diferença entre árabes, mesmo entre árabes-
muçulmanos.
Pan-arabistas nunca integrariam minorias não-árabes; nacionalistas
regionais tinham pouco a dizer sobre algum comunalismo
civilizacional; comunistas e islamistas propunham programas
coerentes e contestatórios, mas que assustavam mais gente do que
atraíam (...) Poucos observadores teriam antevisto a emergência e a
hegemonia ideológica de uma religiosidade politizada e frontalmente
antimoderna (DEMANT, 2008, p.99).
1.4.7.1 Muçulmanos no Brasil
Verifica-se, na história, que o Islã abarca o Brasil a partir do tráfico de escravos,
advindos de partes islamizadas da África, e ganharam novos adeptos vindos do processo
migratório árabe, no fim do século XIX (MONTENEGRO, 2002, p.65).
Atualmente, constata-se que, no Brasil, o islamismo representa em torno de 1
milhão de fiéis, dispõe de aproximadamente 58 organizações muçulmanas, “[...]
corroborando que os dois principais ramos do islamismo, a vertente sunita e a xiita, se
reproduzem no Brasil na mesma proporção que no plano internacional, 90% de sunitas e
apenas 10% de xiitas.” (MONTENEGRO, 2002, p.65).
A socióloga Silvia Montenegro (2002, p.65) explica que as organizações
muçulmanas do País recebem legalmente o título de Sociedade Beneficente Muçulmana
e pontua que as mais antigas estão localizadas em São Paulo, que tem mais de 70
comunidades reconhecidas.
Uma questão importante a ser salientada na história das Sociedades Beneficentes
Muçulmanas no Brasil é relativizar a ideia de que existe uma minoria “ético-religiosa”.
A qualificação “ético” relaciona-se com a noção de árabe, e a “religiosa”, com o Islã,
contudo, na Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ), houve uma
conversão de 50% de brasileiros ao Islã, enquanto a outra metade seria de descendência
árabe e africana, de diversos países. Verifica-se que não se pode entender, no País, as
54
Organizações Muçulmanas, em especial a SBMRJ (onde se deu o estudo etnográfico da
antropóloga) como identidades axiomáticas, pois a
[...] assunção de uma identidade em que se considera ser árabe e ser
muçulmano como duas faces da mesma moeda faz parte do discurso
nativo de certas comunidades (...) implicaria conceber o islamismo
como aquilo que Obeyesekere define, dentro do budismo, como
identidade axiomática, quer dizer, significaria aceitar que estamos
diante de uma religião cuja posição se define de fato, entre outras
coisas, por uma qualidade que tem sua raiz no nascimento.
(MONTENEGRO, 2002, p.66).
Além do caráter da SBMRJ de dissociar da junção “ético-religiosa”, ela
pertence, desde 1950, quando foi fundada, à vertente sunita do Islã, como afirma
Montenegro (2002, p.66).
Ela acentua, a partir da sua pesquisa de campo, que os muçulmanos, no plano
internacional, desenvolvem estudos especializados sobre o crescimento do islamismo no
mundo e a respeito do olhar da mídia e do Ocidente sobre essa ascensão.
No século XX, foi reconhecido um ressurgimento do Islã enquanto doutrina e,
para esse acontecimento, muitos pensadores do islamismo foram buscar estudos e
aprofundamentos fora de sua terra natal. Sua importância tem a ver com o fato de esse
grupo ter elaborado um programa, uma linguagem e uma forma de pensar o Islã no
século XX, cuja influência impregnou as organizações muçulmanas sunitas como um
todo (MONTENEGRO, 2002, p.75).
Montenegro afirma que nesse momento os intelectuais deram início ao
“Ressurgimento Islâmico” e uma das características “[...] comuns a esses pensadores foi
transitar entre o mundo Ocidental e suas respectivas sociedades. Exilados de seus países
de origem, em sua maioria estudaram em universidades do Ocidente, principalmente,
Inglaterra, França e Estados Unidos” (2002, p.75). Quando retornavam a seu país,
desempenhavam, na maioria das vezes, importante papel em diversas organizações
políticas.
55
“A Guerra Fria acabou, mas as guerras quentes estão sendo
travadas em mais de trinta países e regiões. A imigração dos
territórios pobres para as nações ricas e o influxo de pessoas
das zonas rurais para as cidades alcançou volume sem
precedentes, constituindo o que o Fundo das Nações Unidas
para a População chama de ‘a atual crise da humanidade.’”
(BINYAN, 1993, p.153).
56
CAPÍTULO II — HERANÇAS CONJUNTURAIS SOBRE O ISLÃ
2.1 Sobre Fanatismo
A terminologia “fanático” cunhou-se no século XVIII, caracterizando as pessoas
consideradas partidárias extremistas que se exaltavam por suas causas facilmente, bem
como se portavam como acríticas em relação à religião ou à política (PINSKY;
PINSKY, 2004, p.9-10). A principal preocupação em relação ao “fanático” consiste,
historicamente, no entendimento que ele formula sobre sua Verdade, maximizando suas
explicações sobre a realidade como a única verdadeira, em detrimento de qualquer
questionamento, por mais racional que aparente.
Portanto, no fanatismo, em especial o religioso, ao retratar sua verdade como
absoluta e incontestável, o “fanático” acredita que a Verdade foi a ele revelada e essa
lógica se enraíza numa abordagem irracional de filosofia de vida. Esse entendimento de
mundo explica grande parte das tragédias globais, simplesmente pelo fato do “fanático”
não se nortear pela racionalidade e, sim, no caso do religioso, pelo dogma de fé.
“Aceitar e agir como se grandes cientistas e intelectuais, só pelo fato de terem origem
judaica, pudessem pertencer a uma suposta raça inferior não é, decididamente, uma
abordagem racional e sim uma verdade revelada, da mesma categoria, portanto, das
verdades religiosas”. (PINSKY; PINSKY, 2004, p.10).
Nesse sentido, o fanatismo vincula-se a práticas exaltadas de demonstração de
princípios e crenças, como atos violentos a outras pessoas, resultando até mesmo em
mortes; baseia-se prioritariamente na intolerância e na ausência de alteridade, em razão
do significativo valor que concebe à sua Verdade.
Os fanáticos, como nos explica o escritor Amós Oz, são “aqueles que
acreditam que o fim, qualquer fim, justifica os meios”, que acham que
a justiça – ou o que quer que queiram dizer com a palavra justiça –,
seus valores, suas convicções e crenças são mais importantes do que a
vida. São aqueles que, se julgam algo mau, consideram legítimo
procurar eliminá-lo, junto com seus vizinhos (PINSKY; PINSKY,
2004, p.11).
Atualmente, as religiões desempenham características paradoxais em relação a
suas próprias lógicas divinas, além de representarem discordantes posturas humanas
57
sobre a ética e a sociabilidade entre seus pares. Daí, o início do século XXI ser palco de
massacres, tragédias e, principalmente, de atrocidades realizadas em nome de Deus.
O fanatismo religioso se comporta como “religiões verdadeiras”, como crenças
transcendentais da Verdade do Homem e, com base nisso, estimula, até mesmo, a
formação de estruturas de poder, e tem gerado sofisticados métodos de compreensão
dessa Verdade incontestável.
2.1.1 Fundamentalismo Islâmico
Para o historiador e pesquisador Peter Demant, a vertente fundamentalista,
embasada no Islã tradicional, simboliza, ao mesmo tempo, uma versão moderna e
propõe a volta aos princípios da civilização islâmica para buscar justificativas aos
iminentes choques culturais com a sociedade Ocidental contemporânea (DEMANT,
2004, p.17). Essa parcela de fundamentalistas tem se articulado em comunidades e
grupos organizados, ou não, para reagir ao contexto histórico vigente, em que se
encontram como subalternos à cultura Ocidental. Nesse cenário conflituoso, o
fundamentalismo islâmico contradiz ideologicamente com o retrato consensual de
inferioridade perante as outras civilizações. Conforme Demant (2004, p.19), esse
embate está mais ligado às “inquietações da modernidade” do que os próprios islamistas
gostariam de admitir.
A ideia de modernidade, ressaltada pelo pesquisador, vincula-se com as
características da época histórica recente, em que do Ocidente se distribui,
substancialmente, cultura e novas tendências, como direitos humanos, liberdade
privada, estilo de vida liberal, tanto na afetividade quanto no consumo de mercadorias,
sistema democrático na política e outros valores sociais e econômicos. Nesse sentido,
Demant aponta que essa filosofia de vida das práticas atuais do Ocidente se choca com a
realidade a qual o grupo fundamentalista visiona constituir.
Além das questões já apontadas, vê-se, mais claramente, nos meios culturais, a
construção desse Islã multifacetado, igualando os grupos fundamentalistas a outras
vertentes da doutrina que não são ligadas a qualquer radicalismo e, com isso, interpreta-
se, na constituição do imaginário social, a formação de um único Islã, aquele formado
pelo Ocidente. O especialista em estudos culturais Edward Said (2007) pontua a
existência de um “Islã” — sempre entre aspas — construído segundo as vontades do
Ocidente, e outro, mais próximo do real, o qual se torna sem vida ao passo que é
58
desconhecido pelo Ocidente. O autor embasa-se na ideia de uma invenção do Oriente
pelo Ocidente, chamado de Orientalismo, cujo principal rótulo é uma visão inferiorizada
e radicalizada dos valores e práticas do islamismo. Portanto, Said afirma a existência da
criação de um consenso sobre o tema, perpetuando, a partir disso, a consagração de
peculiares retratos do Oriente e do Islã.
Ao Ocidente, cabe entender como a riqueza histórica do mundo
muçulmano se vincula à sua ira atual – e como o próprio mundo
ocidental é cúmplice, de certa forma, da crise contemporânea do Islã.
Um entendimento da dinâmica interna do mundo muçulmano, assim
como de sua interação com os povos vizinhos, constitui o primeiro
passo para desenhar políticas mais compassivas, e mais efetivas,
frente a ele (DEMANT, 2008, p.13).
O grupo fundamentalista com maior peso atualmente como cerne de conflitos,
em especial no protagonismo do ato terrorista do 11 de setembro de 2001, é a al-Qaeda.
A formação da al-Qaeda caracteriza o tempo histórico das últimas décadas como
exposição clara e violenta da maneira como o fundamentalismo muçulmano se
desdobrou. Nesse movimento, o elemento norteador é sua abrangência global e seu
aprofundamento do conflito entre Islã e Ocidente, de maneira nunca antes vista. Seu
mentor, Bin Laden, considerava “[...] que a luta precisa ser levada ao coração do
inimigo: o próprio Ocidente.” (DEMANT, 2008, p.288).
Osama Bin Laden, o líder do movimento, tem formação em engenharia e era
herdeiro de uma herança milionária advinda de sua família saudita. Diferente de outros
movimentos fundamentalistas, Bin Laden recrutava, além de jovens pobres e perdidos
diante da modernização, e “[...] íntegros pais de família de classe média.” (DEMANT,
2008, p.288).
A ideologia de Bin Laden é bem conhecida por suas declarações
públicas. Filho de uma família ligada aos interesses petrolíferos norte-
americanos rompeu com sua pátria-mãe por considerar o regime
saudita pouco religioso, corrupto e entregue aos interesses ocidentais.
Numa fatwa publicada em 1998, acusa os norte-americanos de três
crimes específicos contra Deus: a ocupação da terra sagrada da
Arábia, o apoio dado à ocupação judaica de Jerusalém e o sofrimento
imposto aos iraquianos. Esses crimes, que o texto considera um
prolongamento das cruzadas cristãs, são passíveis da pena de morte e
obrigam todos os muçulmanos em todos os países a um jihad que
condena à morte todos os norte-americanos, tanto civis quanto
militares (DEMANT, 2008, p.289).
59
Antes de 1998, a al-Qaeda explodiu simultaneamente duas embaixadas
americanas, na Tanzânia e no Quênia, somou trezentas mortes. Depois desses ataques, o
mais dramático dos acontecimentos do início do século XXI foi em 11 de setembro de
2001. Os fundamentalistas da al-Qaeda, organizadores desse terrorismo, eram, em sua
maioria, sauditas que moravam na Alemanha. Eles sequestraram quatro aviões norte-
americanos e os lançaram contra símbolos do poder econômico político e militar dos
Estados Unidos. Dois destruíram as torres gêmeas de Nova York, outro avião
prejudicou a estrutura do Pentágono, em Washington, e o último, com pretensão de
explodir a Casa Branca, foi desviado pelos passageiros e abatido em território neutro,
matando todos os tripulantes. “Estes atos de terrorismo suicida somaram mais de três
mil mortos, quase todos civis — o maior assassinato em massa desde a bomba nuclear
contra Hiroshima em 1945, e sem precedente numa era de paz.” Esse ato também
marcou profundamente a história atual, levou o fundamentalismo muçulmano para
dentro dos lares norteamericanos, abalando o sentimento de segurança da sociedade
americana (DEMANT, 2008, p.289).
Bin Laden se tornou, da noite para o dia, o homem mais conhecido do planeta e
o inimigo número um dos Estados Unidos. O presidente americano da época, George
W. Bush definiu o ato terrorista como uma “declaração de guerra” (DEMANT, 2009,
p.290).
No cenário muçulmano, o acontecimento foi horrível, entre a classe dos ulemás,
principalmente, “[...] a maioria ficou chocada e denunciou este ato de terrorismo como
incompatível com o Islã.”. Outros sentiram vergonha; outros, ainda, afirmaram que por
mais terríveis que fossem as atuações ocidentais em território muçulmano, o terror
praticado pelos fundamentalistas, no 11 de setembro, era deplorável (DEMANT, 2009,
p.290).
Como primeira retaliação, os EUA bombardearam a base da al-Qaeda no
Afeganistão, mas o governo local não quis entregar o islamista. “Os EUA perseguiram
os seguidores da al-Qaeda no país e destruíram seus campos; os sobreviventes se
dispersaram e Bin Laden escapou.” (DEMANT, 2008, p.291).
Após o marco do 11 de setembro, o presidente americano, Bush, lançou uma
luta contra os fundamentalistas “fanáticos”, o que se intitulou como “guerra contra o
terror”. Mesmo diante do término e dispersão da al-Qaeda no Afeganistão, o governo
americano lista países e movimentos enquadrados como “terroristas” e, em especial,
acusa países de fabricarem armamento nuclear e os rotula como “eixo do Mal”, como
60
Iraque, Irã e Coréia do Norte. Nesse sentido, os EUA apontam o Iraque, em 2003, como
o inimigo a ser combatido preventivamente para não desenvolver atos próximos ao do
11 de setembro (DEMANT, 2008, p.291).
“Os EUA acusaram o Iraque de conluio com terroristas islamistas; a
administração de Bush doravante insistiu numa mudança de regime. A oposição
internacional à guerra preventiva e unilateral foi liderada pela França e pela Federação
Russa. A Grã-Bretanha apoiou os EUA na questão do desarmamento iraquiano.”
(DEMANT, 2008, p.292). E, em março de 2003, os EUA invadem o Iraque com aliança
internacional britânica e australiana e apoio local dos curdos. Na guerra e ocupação
americana no Iraque, Saddam Hussein desapareceu e junto com ele as armas de
destruição em massa (DEMANT, 2008, p.292). Mas, em dezembro de 2003, tropas
americanas e rebeldes curdos capturam Saddam, que foi mantido em prisão americana e
julgado em 2006, num julgamento conturbado, e condenado à pena de morte por crimes
contra a humanidade. Saddam foi enforcado em dezembro do mesmo ano.
Outro protagonismo estadunidense foi o assassinato de Bin Laden em 03 de
maio de 2011 no Paquistão. A força tarefa foi realizada pela equipe especial da CIA no
país de maioria muçulmana1.
Para concluir sua argumentação, o historiador Peter Demant observa que o
projeto do fundamentalismo islâmico se delimita a uma pequena minoria dos
muçulmanos, mas vem atraindo adeptos ao longo da história contemporânea,
principalmente, pelo excessivo desgaste humano advindo das injustiças econômicas e
políticas, muitos dos erros cometidos pelo Ocidente (2004, p.29).
2.2 Ocidente como emblema figurativo
Contudo, de onde teria nascido a caracterização do Ocidente como a
personificação do novo mal do Islã radical? A esse recente debate, mas de fecundas
raízes históricas, soma-se as explicações dos professores Ian Buruma (leciona no Bard
College, de Nova York) e Avishai Margalit (leciona na Universidade Hebraica de
Jerusalém). Eles descrevem que intelectuais da Alemanha, após a derrota da Primeira
Guerra Mundial, atribuem tal resultado ao efeito “corrosivo da ‘Ocidentalização’” da
1 Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/05/110503_binladen_euforia_pu.shtml.
Acessado em 28/01/2012. 10h44.
61
Alemanha, ao adotar valores ocidentais tais como: “civilização, liberdade e paz.”
(BURUMA; MARGALIT, 2006, p.61).
Importantes intelectuais alemães influenciaram o mundo islâmico no século XX.
Um deles, como ressaltam Buruma e Margalit (2006, p.57), foi Ernst Jünger, com a obra
“Além da fronteira”, em alemão “Über die Linie”, traduzida pelo intelectual iraniano
Al-e Ahmed, nos anos 60. Al-e Ahmed desenvolveu a expressão “Ocidentoxicação”,
cujo significado seria a influência corrupta e maligna das ideias ocidentais.
Antecedendo os alemães, no início do século XX, os japoneses já desenvolviam
conotações alusivas ao Ocidente, como “venenosa civilização materialista”. “Todos
concordavam que a cultura — isto é, a cultura tradicional japonesa — era espiritual e
profunda, enquanto a moderna civilização ocidental era superficial, desenraizada e
inibidora do poder criativo.” (BURUMA; MARGALIT, 2006, p.09). Em contrapartida,
entendia-se o Ocidente, particularmente os Estado Unidos, como a representação de um
estado “frio” e “mecânico”. Esse mesmo retrato desumano do Ocidente é o que se
convenciona conceituar, pelos autores, como ocidentalismo.
O ódio a tudo o que as pessoas associam ao mundo ocidental,
personificado pela América, ainda é muito intenso, embora não mais
restrito ao Japão. Esse ódio atrai radicais muçulmanos para uma
ideologia islâmica politizada, na qual os Estados Unidos se
apresentam como a própria encarnação do demônio [...] (BURUMA;
MARGALIT, 2006, p.10).
Nesse sentido, a origem do Ocidente como articulador e veiculador de preceitos
ruins inicia-se, para os mesmo autores, no entendimento do conceito de “Comércio”.
Evidentemente o comércio não é uma invenção ocidental, mas o
moderno capitalismo é. O comércio, visto como um sistema universal
– originando-se nas grandes cidades do Ocidente, estendendo-se por
antigos e novos impérios, a clamar pela criação de uma civilização
global – aparece àqueles que se julgam os guardiões da tradição, da
cultura e da fé como uma conspiração para destruir o que é mais
profundo, autêntico e espiritual (BURUMA; MARGALIT, 2006,
p.37).
Portanto, a ideia que o comércio e, atualmente, o moderno capitalismo ocupa no
cenário do Islã radical pode ser compreendida a partir de outras expressões, como
capitalismo anglo-americano, americanismo, sionismo-cruzado, imperialismo
americano ou, simplesmente, Ocidente (BURUMA; MARGALIT, 2006, p.37). Mas, ao
62
mesmo tempo, os autores reconhecem que a forma do desenrolar desse novo
capitalismo é diferente e salientam haver diferença na gestão dos interesses políticos e
sociais das pessoas que o circundam diretamente.
Além do conceito do “comércio”, as correntes radicais do Islã hostilizam
também a ideia de “Cidade”, acoplando-a a imagem de “[...] cosmopolitismo
desenraizado, arrogante, ganancioso, decadente e frívolo [...]”. Tais caracterizações se
relacionam com as mazelas do Ocidente, cuja filosofia se baseia na ciência e na razão, o
homem burguês é sempre bem sucedido, sua existência é a “[...] antítese do herói que se
entrega ao auto-sacrifício; e em relação ao infiel, que deve ser esmagado para dar
passagem a um mundo de fé imaculada.” (BURUMA; MARGALIT, 2006, p.17).
Buruma e Margalit (2006, p.25) compactuam da visão de que os mesmos
radicais acreditam na “perda da alma” do Ocidente por ele representar a “soberba
metropolitana”, ou seja, remete a ideia de que a ambição do “progresso” gera a anulação
da espiritualidade: “[...] os religiosos são atormentados desde a Antiguidade pela
dissipação da espiritualidade na busca pela riqueza.”
O ato de 11 de setembro representa os jihadis dessa lógica histórica, pois Nova
York é a “capital do Império Americano” e, nas Torres Gêmeas, existiam muitas
pessoas, de várias etnias, nacionalidades e credos, que desempenhavam o trabalho do
moderno capitalismo, representando para o “guerreiro santo” “[...] tudo que era
execrável na mais grandiosa Cidade do Homem moderno.” (BURUMA; MARGALIT,
2006, p.27).
Essa ideia foi exposta por Osama Bin Laden, reproduzida pela CNN em 2002.
“Os valores da civilização ocidental sob a liderança da América foram destruídos.
Aquelas impressionantes torres simbólicas que falam de liberdade, direitos civis e
humanidade foram destruídas. Desapareceram na fumaça.” (apud BURUMA;
MARGALIT, 2006, p.19).
A partir desse breve resgate das constituições do significado de ocidentalismo no
mundo, compreende-se que as conotações, frequentemente, voltam-se à América.
[...] deve-se salientar que o antiamericanismo resulta às vezes de
políticas americanas específicas – por exemplo, apoio à ditadura
anticomunista, a Israel, a corporações multinacionais, ao FMI ou
qualquer coisa sob o rótulo de “globalização”, que normalmente é
uma forma simplificada de se referir ao imperialismo americano
(BURUMA; MARGALIT, 2006, p.14).
63
Os autores enfatizam também que alguns preconceitos orientalistas fazem a
sociedade ocidental parecer constituída por seres “[...] menos que adultos plenamente
desenvolvidos [...]” e, portanto, poderiam ser tratados como “[...] uma raça inferior”
(BURUMA; MARGALIT, 2006, p.16).
Ainda, segundo Buruma e Margalit, “[...] reduzir toda uma sociedade ou
civilização a uma massa de parasitas sem alma, decadentes, ambiciosos, desenraizados,
descrentes e insensíveis é uma forma de destruição intelectual.” E pontuam que o
preconceito é natural da condição humana, mas se preocupam quando essa ideia toma
corpo revolucionário e, principalmente, quando gera destruição de seres humanos
(BURUMA; MARGALIT, 2006, p.16).
2.3 Ranços, guerras, impérios e novos conflitos
Essa ideia de ocidentalismo, ou em especial, antiamericanismo é uma faceta do
enredo para entender os vários fatores que alicerçam os preconceitos de ambos os lados.
Diante dessa conjuntura, Robert Fisk em A grande guerra pela civilização (A conquista
do Oriente Médio) identifica antigas caracterizações do universo oriental e às formas
culturais do muçulmano as quais possibilitam o leitor refletir sobre a ancoragem desse
Outro-Islã.
Fisk ressalta que no livro sobre as “aventuras imperiais”, o personagem Tom
Graham era o herói britânico e lutava contra as “selvagerias muçulmanas”, e a obra era
romance típico para as gerações do pai de Fisk.
O resto do romance é um inquietante conto de racismo, xenofobia e
explícito ódio antimuçulmano durante a Segunda Guerra Afegã. Na
segunda metade do século XIX, a rivalidade e o receio anglo-russos
concentraram-se no Afeganistão, cujas fronteiras não demarcadas
transformaram-se em imprecisas linhas de frente entre a Rússia
imperial e o Raj britânico na Índia. As principais vítimas do “Grande
jogo”, como se referiram de forma pouco sensata os diplomatas
britânicos aos sucessivos conflitos no Afeganistão – na realidade,
havia algo tipicamente infantil nos ciúmes entre Rússia e Grã-
Bretanha –, foram evidentemente, os afegãos. Essa terra continental de
desertos, altas montanhas e vales verde-escuros havia sido, durante
séculos, ponto de encontro cultural – entre Oriente Médio, Ásia
central e Extremo Oriente – e ao mesmo tempo campo de batalha
(FISK, 2007, p.70).
64
Como visto no trecho, o conto antimuçulmano de Willian Johnston caracteriza o
olhar agressivo ao Oriente Médio pelo império da época de 1900, a Grã-Bretanha.
Ao longo do conto, o herói Graham encontra membros da etnia patan (da
Peshawar), agora do Paquistão, e fala: “[...] uns seres infames (...). A maioria desses
fanáticos usava esses capacetes justos que dão a seu portador uma aparência diabólica”.
(apud FISK, 2007, p.71).
Também identifica na obra, outros preconceitos e rótulos ao muçulmano como
“olhos cintilantes de ódio”, “indígenas enfurecidos”. Quando os soldados britânicos
caiam em mãos afegãs, eles sofriam; “[...] seus corpos eram atrozmente mutilados e
desonrados por esses demônios com aparência humana”. (FISK, 2007, p.71).
Por mais que as representações preconceituosas advenham de um olhar ficcional,
do romance, elas são reflexões da conjuntura popular de olhar esse outro oriente e
muçulmano. Fisk declara que o texto vai se tornando racista e também anti-islâmico.
(FISK, 2007, p.70) Os muçulmanos são “[...] ignorantes de tudo o que se relaciona a sua
religião para além de suas doutrinas mais elementares”. (apud FISK, 2007, p.73).
Nesse sentido o jornalista Robert Fisk adverte que os Estados Unidos é a nova
versão vitoriana contra os afegãos e o mundo muçulmano, mais agora, depois de 122
anos (FISK, 2007, p.73).
Fisk pontua também que a população e os meios de comunicação não eram tão
coniventes com os imperialismos culturais de ordem militar, como são atualmente. Em
1920 o jornal londrino The Times já se perguntava o porquê da violência contra o povo
árabe, “[...] valiosas vidas serão sacrificadas pela vã tentativa de impor à população
árabe uma administração intrincada e cara, que eles jamais pediram e que não
desejam?”. (apud FISK, 2007, p.215).
Desde o uso de terminologia racista sobre o muçulmano na metade do século
XIX, detectada pelo romance das “aventuras imperiais”, passando pela posição de
colonizar com a cultura ocidental pela Europa e depois pelos Estados Unidos, há no
contexto mais contemporâneo elementos econômicos que consolidam políticas
internacionais de conflitos civis no Oriente Médio.
Algumas décadas depois em 1980 a opressão cobria o Oriente Médio
no Iraque, Irã e Afeganistão. Mas agora com mais complexidades de
interesses envolvidos. O sistema opressor vinha dos regimes
ditatoriais dos países, das ligações petrolíferas com os Estados Unidos
e a Rússia, e nesse enredo o Ocidente era indiferente ao sofrimento de
milhões de muçulmanos. “Arafat jamais se atreveu a condenar a
65
União Soviética depois da invasão ao Afeganistão ─ Moscou
continuava sendo o aliado mais importante da OLP ─ e os reis,
príncipes e presidentes do mundo árabe, que tinham maior
conhecimento do que estava acontecendo no Iraque que seus
homólogos ocidentais, não se pronunciaram sobre as deportações,
torturas, execuções e matanças genocidas perpetradas por Saddam. A
maioria deles castigava com variantes das mesmas técnicas seus
próprios habitantes (FISK, 2007, p.252).
Posteriormente, na guerra entre Iraque e Irã em 1986 o país de Saddam recebia
ajuda significativa dos Estados Unidos para armamento e infraestrutura militar, Fisk
revela que ao caminhar pela capital do Irã, Teerã, nessa época era claro o genocídio
iraniano. Os muçulmanos que viravam mártires recebiam prestígio depois de mortos,
permaneciam nos cemitérios eternamente, enquanto os de vala comum ficavam até os
trinta anos no máximo. “Distribuídos por todo país, esses 312 cadáveres transformam-se
em meio milhão, talvez três quatros de milhão, talvez muito mais. No cemitério de
Behesht-i-Zahra, fora da cidade, jazem às dezenas de milhares.” (FISK, 2007, p.368).
Em nenhum momento entre essas forças de guerra havia interesses humanos que
pudessem refletir a legitimidade desses conflitos. É nesse sentido que Fisk, ao estar no
Iraque em 2003, quando o país foi bombardeado pelas tropas estadunidenses e inglesas
escreveu sobre a diferença factual de para quem serve a guerra? “Os norte-americanos e
os britânicos insistiam em afirmar que estavam destruindo o regime para acabar com o
sofrimento. Na verdade, o sofrimento e a luta agonizante do baazismo iraquiano não
podiam ser dissociados, assim como não se tira um curativo de uma ferida sem fazer
com que o paciente grite de dor.” Pois o mais fácil era argumentar que os males do
Iraque estavam na figura e no governo de Saddam, porque os “[...] iraquianos feridos e
moribundos não viam seu destino exatamente nesses termos. Quem atacava eram os
norte-americanos, não os iraquianos. Bombas e mísseis norte-americanos destruíam
seus lares.” (FISK, 2007, p.1283).
Para o pesquisador Jacques A. Wainberg em A pena, a tinta e o sangue: a
guerra das idéias e o Islã, os poderes governamentais: europeu e norte-americanos não
entendem o fato do Oriente Médio atual não ter a mesma base do século VII. O autor
pontua que o Oriente Médio tem os Estados e regimes que se estabeleceram após o
desfecho do Império Otomano ao término da Primeira Guerra Mundial e afirma que a
ideia européia é “[...] descrente da capacidade de se poder implantar democracia no
Oriente, subjaz a crença de que os muçulmanos nasceram predestinados a serem
66
atormentados, empobrecidos, escorraçados e famintos. Esta situação não é fruto do
destino, mas obra humana desprezível a ser combalida”. (WAINBERG, 2007, p.147).
2.4 Estados Unidos & atentados fundamentalistas
O linguista americano Noam Chomsky é reconhecido internacionalmente pelos
seus estudos na área de direitos humanos em relação à crítica de mídia e ao
imperialismo americano, frente às guerras e outras ações de conflito e intervenções
armadas, as quais denigrem e anulam qualquer tratado de paz e humanidade de fato.
Diante dessas preocupações, numa entrevista que deu origem ao livro Poder e
Terrorismo, Chomsky recupera suas críticas à Guerra do Vietnã e salienta outras
intervenções americanas atuais as quais comprovam seus argumentos. Segundo
Chomsky, os países imperialistas têm saído imunes às atrocidades que cometem e
colaboram para acontecer.
O linguista evidencia a neutralidade que as atrocidades cometidas pelos Estados
Unidos suscitam no cenário mundial e vai além dizendo que, quando essas atrocidades
ocorrem no seu país, a imagem é outra, logo, a imagem construída dos EUA vincula-se
à ideia de vítima. Traz, como exemplo, o bombardeio dos EUA no Vietnã do Sul:
Há cerca de uns dois meses, em março de 2002, houve o
quadragésimo aniversário do anúncio público de que os Estados
Unidos estavam atacando o Vietnã do Sul, de que os pilotos norte-
americanos estavam bombardeando o Vietnã do Sul, e de que haviam
começado a usar a guerra química para destruir as plantações e
começado a expulsar milhões de pessoas para campos de
concentração.
Tudo isso foi no Vietnã do Sul. Não houve nenhum russo, nenhum
chinês, nenhum vietnamita do norte, presumindo-se que eles não
tivessem permissão de estar em seu próprio país. Foi só uma guerra
dos Estados Unidos contra o Vietnã do Sul, abertamente anunciada; e,
decorridos quarenta anos, não há nenhuma comemoração, porque
ninguém sequer sabe disso. Não é importante. É quando eles fazem
alguma coisa contra nós que é o fim do mundo. Agora, se nós a
fazemos contra eles somos perfeitamente normais; por que haveríamos
sequer de falar nisso? (CHOMSKY, 2005, p.25).
Em relação ao ataque de 11 de setembro, Chomsky afirma que a política de
Estado dos Estados Unidos não deve se embasar em questões morais. “Quando se leva a
sério a tentativa de prevenir outras atrocidades, procura-se descobrir quais são as raízes
delas. E por trás de quase qualquer crime, um crime de rua, uma guerra, seja lá o que
67
for, costuma haver alguma coisa que tem componentes de legitimidade, e é preciso levar
em conta esses componentes.” (CHOMSKY, 2005, p.17).
Para o cientista político François Bernard Huyghe, os meios de comunicação
colaboraram com a legitimação do efeito do 11 de setembro na sociedade estadunidense
e mundial. O terrorismo vive em razão “[...] ao impacto que tem nos meios de
comunicação. Antes, nos anos 70, os terroristas eram obrigados a se apoiar nos meios de
comunicação inimigos, nos meios do capitalismo digamos, para que suas ações fossem
difundidas”, pois é a partir da mídia que se afeta o imaginário das pessoas e, sem o
suporte midiático, o terrorismo não existiria. “O atentado contra as torres gêmeas foi o
acontecimento mais filmado da história da humanidade”, afirma Huyghe (2011, p.02).
Nessa direção, Chomsky atenta para as questões contextuais que transcendem o
11 de setembro, como o número de mortes e a “vingança” dos islamistas; propõe uma
discussão árdua e complexa em relação aos interesses dos países envolvidos e suas
culturas e valores históricos. E o principal apontamento feito pelo autor para demarcar o
fim dos conflitos envolvendo o “terrorismo” é deixar de participar deles. “Isso se aplica
a praticamente todos os países de que tenho conhecimento, em graus variáveis, mas se
aplica de forma dramática aos Estados Unidos, à Grã-Bretanha, à Alemanha e a alguns
outros”. (CHOMSKY, 2005, p.17).
Uma das pontuações de Chomsky sobre os Estados Unidos participarem do
“terrorismo” é a sua alta influência nos vetos históricos da ONU. Ele lembra que em
dezembro de 2001, o Conselho de Segurança (da ONU) tentou aprovar uma resolução,
“[...] de iniciativa da União Européia, que pleiteava o envio de observadores
internacionais, apenas para reduzir o nível de violência, o que costuma ter esse efeito.”
Quando há observadores internacionais nas regiões dos conflitos, o cenário de violência
costuma ser menor, entretanto, os EUA vetaram a resolução.
Sobre os conflitos envolvendo a região do Oriente Médio, Chomsky ressalta o
exemplo do “Plano de Paz Saudita”, que está na mesa de discussões há mais de trinta
anos. Quando foi proposto no Conselho de Segurança, em 1976, foi vetado pelos
Estados Unidos. No entanto, o autor afirma que pessoas importantes nesse setor
apoiaram o Plano, até os Estados Árabes e a Organização pela Libertação da Palestina
(OLP) (CHOMSKY, 2005, p. 42).
Além do fator do veto autenticar seu poder na ONU, os Estados Unidos, para
Chomsky, solapam a paz mundial, pior, utilizam a violência para controlar o mundo e
afirmam claramente essa posição, que recebe o título de “ação preventiva”
68
(CHOMSKY, 2005, p.46). Nesse sentido, Chomsky propõe outro argumento, com base
num fato diplomático ocorrido em maio de 2002:
Então, por exemplo, quando o príncipe Abdulah, da Arábia Saudita,
esteve aqui há algumas semanas, ele tentou convencer os dirigentes
dos Estados Unidos a moderarem seu apoio à violência israelense. E o
que Abdulah disse foi que haverá uma revolta no mundo árabe, que
será perigosíssima para nossos próprios interesses, como o controle do
petróleo. (...) O príncipe foi descartado, é claro.
A notícia do fato diplomático saiu no New York Times, inclusive com a ênfase na
resposta americana ao príncipe:
[...] escute, dê uma olhada no que fizemos no Iraque durante a
Tempestade no Deserto. Agora, temos dez vezes aquela força. Se você
quer saber qual é a nossa força, dê uma olhada no que acabamos de
fazer no Afeganistão. É para isso que ela serve, para lhe mostrar o que
pode acontecer se você levantar a cabeça (CHOMSKY, 2005, p.46-7).
Para Chomsky, como para outros intelectuais que lutam pela diplomacia por
meio do diálogo e não pela pressão e outras formas de violência, a atitude do governo
americano foi evidente, ela é ruim para os Estados Unidos e para o mundo.
Com isso, Chomsky afirma que os Estados Unidos têm uma posição de
privilégio frente a determinações da história mundial contemporânea, em razão do
poderio militar esmagador e de outras formas de poder, as quais os consolidam como a
potência mais importante da atualidade. Com base no poder militar desempenhado pelos
Estados Unidos, o pesquisador Lars Schoultz realizou um estudo sobre a correlação
entre a ajuda externa norteamericana e as violações flagrantes dos direitos humanos; as
pesquisas foram publicadas na época que Ronald Reagan assumiu o governo americano,
em 1980, com o foco na “Guerra ao Terrorismo”.
E se concentrou particularmente no que foi chamado, nas palavras do
Secretário de Estado George Shultz, de “o flagelo maléfico do
terrorismo”, uma peste disseminada por “adversários depravados da
própria civilização”, num “retorno ao barbarismo na era moderna”.
Shultz, que era considerado moderado no governo Reagan, disse ainda
que era preciso lidar com o terrorismo através da força e da violência,
e não de meios legalistas utópicos, como a mediação, a negociação e
coisas similares, que eram um simples sinal de fraqueza. O governo
Reagan declarou que a luta se concentraria nas duas áreas em que esse
crime era mais cruel, a saber, a América Central e o Oriente Médio
(CHOMSKY, 2005, p.61).
69
Diante dessa afirmação, Chomsky se volta à interrogação, com base na pesquisa
de Schoultz, e questiona o que teria acontecido na América Central e no Oriente Médio.
O autor afirma que a América Central foi transformada em cemitério, onde
milhares de pessoas foram massacradas, aproximadamente duzentas mil, e houve mais
de um milhão de refugiados, órfãos, muitas pessoas torturadas e aniquiladas moralmente
(CHOMSKY, 2005, p.62). No Oriente Médio, Chomsky destaca terem existido
inúmeras atrocidades patrocinadas pelos Estados Unidos, na época, mas comenta que a
pior delas foi a invasão israelense no Líbano, em 1982, que matou cerca de vinte mil
pessoas (CHOMSKY, 2005, p.66). E pontua isso como “terrorismo internacional”:
E pôde prosseguir porque os Estados Unidos deram o sinal verde,
forneceram as armas e o apoio diplomático – vetando diversas
resoluções do Conselho de Segurança da ONU que tentaram deter a
luta e fazer os exércitos recuarem. E também foi um grande sucesso.
O chefe do Estado-Maior do exército israelense, o general-de-divisão
Rafael Eitan, assinalou prontamente que a operação tinha sido um
sucesso. Ela eliminou a Organização pela Libertação da Palestina
(OLP) como integrante das negociações a respeito dos territórios
ocupados (CHOMSKY, 2005, p.66).
Chomsky explica que o objetivo da guerra era justamente a expulsão da OLP da
região e manter os territórios ocupados no Líbano sob domínio de Israel, evidenciando a
ligação de Israel com os Estados Unidos, a fim de potencializar a força militar
americana junto às disputas históricas no Oriente Médio.
Nesse sentido, é interessante entender a definição oficial de “terrorismo
internacional” pelos Estados Unidos, como “ameaça ou uso de violência para atingir
fins políticos, religiosos, ou de outra natureza através da intimidação, da indução ao
medo [...]”. Logo, fica claro que a invasão do Líbano por Israel é um exemplo de
“terrorismo internacional”, intervenção à qual os Estado Unidos estão diretamente
relacionados, sem nunca, entretanto, terem sido julgados (CHOMSKY, 2005, p.67).
Um segundo ato também envolve a ajuda americana a Israel — o bombardeio à
Túnis, ocorrido dois meses depois da invasão do Líbano. Foi um ataque com bombas
inteligentes, matou cerca de setenta e cinco pessoas e deixou milhares de feridos e
mutilados. Entre as etnias envolvidas, estavam tunisinos e palestinos.
Mais uma vez isso foi terrorismo internacional. Os Estados Unidos
estavam profundamente envolvidos. Para começar, a Sexta Frota, que
fica nessa região, não informou os tunisianos – e a Tunísia é um aliado
70
– de que os bombardeios estavam a caminho, embora, é claro,
soubesse disso.
O secretário de Estado George Shultz reagiu ao bombardeio
telefonando imediatamente para o ministro das Relações Exteriores
israelense, a fim de parabenizar Israel e expressar a solidariedade dos
Estados Unidos à agressão terrorista (CHOMSKY, 2005, p.71).
Essa ajuda americana ficou tão evidente quando o Conselho de Segurança da
ONU aprovou a resolução que condenou Israel por um ato de agressão armada, os
Estados Unidos recuaram e se negaram a votar.
O intelectual explica que esses atos, no meio acadêmico, são tomados como
“medidas proativas” e descritos como necessários para o combate ao “terrorismo” no
Oriente Médio (CHOMSKY, 2005, p.75). Vai além, afirma que são justificativas dos
Impérios, ao logo da história da humanidade. “Quando nós o praticamos com eles, isso
é antiterrorismo ou guerra justa, é levar a civilização aos bárbaros, ou coisa parecida.”
(CHOMSKY, 2005, p.78).
Chomsky termina a discussão da pesquisa de Lars Schoultz e a ideia de
“terrorismo internacional” concluindo com a opinião, em 2002, do líder majoritário da
Câmara dos Estados Unidos, Dick Armey, que deu sua solução para o conflito israel-
palestino: “[...] todos os palestinos devem ir embora”. (apud CHOMSKY, 2005, p.92).
Segundo Chomsky, porque há muitos lugares no mundo onde os palestinos podem se
enraizar, então, por que eles não se retiram, simplesmente.
Com isso, o problema ficará resolvido, o que é a maneira certa de lidar
com “meras coisas” e é, aliás, nossa atitude para com as meras coisas.
Isso é fácil de provar. E também ajuda a explicar a existência de uma
correlação notável entre a ajuda militar norte-americana e atrocidades
pavorosas, inclusive as consequências para a saúde (CHOMSKY,
2005, p.93).
Outra questão discutível é como o 11 de setembro de 2001 formatou o cenário
sobre o muçulmano que vive nos Estados Unidos. Para o advogado internacional e
presidente do Centro para Direitos Constitucionais (CCR), Michael Ratner, acostumado
a lidar com casos de violações de direitos humanos e de liberdades civis por parte do
governo estadunidense, em especial em tribunais estrangeiros e nacionais, incluindo a
Suprema Corte,
o próprio caráter do país mudou com as pessoas comuns aceitando as
violações de suas liberdades pelo governo, as violações do direito
internacional e da nossa própria Constituição. Aceitaram também que
71
o governo pudesse espionar qualquer um sem autorização judicial,
tudo sob a justificação oficial da “guerra contra o terrorismo”. Jamais
teria antecipado tudo isso antes do 11 de setembro (apud BROOKS,
2011, p.01).
Ratner vai além dizendo que “O governo ordenou o registro de todos os homens
muçulmanos entre 18 e 25 anos de idade, originários primeiro de nove países e depois
de 19. Ainda que essas medidas tenham sido suspensas, demonstram os muçulmanos
como uma população altamente suspeita no país, o que prossegue e é muito difícil de
superar.” (BROOKS, 2011, p.02). O fato compromete ideologicamente o governo dos
Estados Unidos e os próprios valores de liberdade privada tão publicizada pelo país nos
seus moldes constitucionais.
Outra questão também de origem do 11 de setembro é a influência do
posicionamento dos Estados Unidos a alguns outros países. Segundo Chomsky, houve
um aproveitamento do 11 de setembro como manobra política de legitimação de
conflitos, como foi o caso do programa repressivo da Rússia na Chechênia e da Turquia,
o primeiro país a “[...] oferecer tropas para a nova fase da ‘guerra contra o terror’, como
sinal de gratidão, assim declarou seu primeiro-ministro, à colaboração dos EUA à
campanha do Governo Turco na sórdida repressão contra a população curda, levada a
cabo com extrema crueldade e crucialmente apoiada pelo fluxo de armas promovido
pelos EUA.” (CHOMSKY, 2005b, p.158).
72
“[...] O diferente paga sempre o preço de estar ─ mesmo sem
querer ─ alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros e
pastores. O diferente suporta e digere a ira do
irremediavelmente igual: a inveja do comum; o ódio do
mediano. O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão,
mas que está sempre certo.
O diferente começa a sofrer cedo, já no primário, onde os
demais de mãos dadas, e até mesmo alguns adultos por
omissão, se unem para transformar o que é peculiaridade e
potencial em aleijão e caricatura [...].” (TÁVOLA, 2010, p.01).
73
CAPÍTULO III — A CONSTRUÇÃO DO OUTRO NA HISTÓRIA
3.1 O Outro pela Antropologia Cultural
Assim como a constituição da história permite compreender os embates
civilizatórios, de ordem cultural, religiosa, política, econômica e outras, a investigação
dos cenários constituídos pela trajetória da humanidade também permite desvendar
quais são os elementos que diferenciam um homem de outro, num dado contexto, seja
este próximo geograficamente ou distante, seja similar no pensar ou antagônico, seja
fisicamente aceito ou não.
Nesse sentido, a pesquisadora Paula Monteiro, no artigo Globalização,
identidade e diferença, publicado na Revista Novos Estudos, propõe discutir como as
relações globais recuperam a ideia de diferente, a partir das forças que constroem seus
papéis simbólicos.
Pontuado como bárbaro e automaticamente como inferior, o diferente foi da
Antiguidade até a Idade Média rotulado como não-humano, por estar fora do domínio
da lei. E passou de herança para a Idade Moderna, “[...] os preconceitos gregos contra
sociedades não-urbanas, sem comércio ou moeda, sem propriedade e não articuladas
territorialmente.” (MONTEIRO, 1997, p.49). A essa constatação envolveram-se mais
roupagens e criações históricas, a partir da entrada do cristianismo e das grandes
conquistas territoriais, respectivamente nos séculos XV e XVI.
Mas foi com a entrada da antropologia como área do conhecimento, em
específico com a linha evolucionista, que se norteou o diferente, o Outro, como
primitivo; dito de outra maneira, na concepção da história natural, instituiu-se, em
meados do século XVIII, a invenção do primitivo como ancestral do civilizado.
Nascendo, com base na ascendência da antropologia física, a biologia, como ordenadora
das categorias dos seres, compôs o atributo da cor como medição da linha evolucionista
do ser humano. “A construção da ideia de raça talvez tenha sido a imagem mais
pervasiva e convincente da percepção da diferença no mundo contemporâneo.”
(MONTEIRO, 1997, p.50). Asfixiando, assim, qualquer possibilidade de reconhecer o
diferente como legítimo.
No caminho dos estudos antropológicos do Outro, a vertente do funcionalismo
colaborou, logo após a linha evolucionista, para uma percepção do Outro que o
diferencia em termos de contexto e de lugar físico. Isso decorre da passagem da ideia
74
evolucionista da unidade constitucional da natureza humana para, na funcionalista,
significar divisões dessa unidade em uma variação de subdivisões.
[...] à ideia evolucionista de “civilização” como “sociedade mais
avançada” se agrega um sentido novo: a civilização começa a ser
pensada como um processo autônomo; as culturas podem aceitar ou
rejeitar esse caminho, que deixará de ser percebido como destino
comum e último da humanidade. É claro que esta percepção só poderá
estabelecer-se no momento em que começa a tornar-se evidente o fato
de que ou os nativos eram incapazes de civilizar-se ou, simplesmente,
eram resistentes à civilização (MONTEIRO, 1997, p.54).
Portanto, ao passo que a linha funcionalista tem influência do momento histórico
de encarar o processo civilizatório como independente e, ao mesmo tempo, natural da
humanidade, gera a caracterização do conceito do Outro como portador de
especificidades culturais e outras particularidades, introduzindo uma ideia de etnia e,
posteriormente, de identidade, principalmente, por entender a cultura local como
particular e portadora de costumes, valores e diferenciações próprias. E o “que a
antropologia havia descrito, a partir do distanciamento geográfico, em termos de etnia
se transforma no interior das nações em reivindicações de etnicidade.” (MONTEIRO,
1997, p.56).
Para tanto, essa variação heterogênea de identidades gerou, do século XX até a
data atual, reivindicações políticas de autenticidade social. E como a antropóloga
evidencia, o conceito de identidade pode ser encarado como “performance simbólica
capaz de realizar politicamente a realidade que se propunha elucidar”. Percepção que,
posteriormente, foi influenciada pelas graves crises sociais de etnicidade nacionais, o
que fez com que os antropólogos se distanciassem progressivamente da visão
essencialista de identidade para entendê-la a partir de um conceito relacional
(MONTEIRO, 1997, p.57).
Ao retomar a visão histórica do Diferente na sociedade, a autora avança
pontuando como o conceito se deslocou para um contexto mais ideológico e mesclado
de readaptações, conforme os interesses em disputa.
Olho para o passado a partir da problemática do presente, na qual se
percebe com clareza uma apropriação política do jogo das diferenças,
para propor que as representações não são simplesmente expressões
simbólicas de realidades materiais, mas, sobretudo apresentações,
como diria Bourdieu (1989), das realidades que se quer ao mesmo
tempo conhecer e dominar (1997, p.49).
75
Consequentemente, “não é mais a diferença que interessa nela mesma, mas o
jogo de forças que organiza o campo de sua construção simbólica.” (MONTEIRO,
1997, p.59). Isso faz com seja necessário à sociedade entender o processo de
constituição da diferença cultural, bem como suas interconexões com os poderes de
constituição, pois, como afirma a antropóloga, deve-se pensar a quem interessa a
diferença.
Para tanto, a articulação do Diferente na sociedade atual midiatizada recupera,
além desse norte antropológico, posicionamentos políticos do imperialismo cultural
entre as nações. A própria ideia de tolerância ao diferente, ao Outro se enviesa a um
conceito concreto e, ao mesmo tempo, relativo. Concreto por embasar, até
juridicamente, consensos de atitudes e valores, e relativo por estar de acordo com as
perfumarias do cenário moralizante desses contextos culturais de superioridade.
A problemática inicial, nesse sentido, é ter ciência que o Diferente, na
constituição histórica revisitada pelo olhar antropológico, ganha roupagem moderna,
sendo inserido numa lógica maniqueísta de geografia do poder, pois, se esse Diferente é
o subalterno, ele certamente sofrerá agregações pejorativas e discriminatórias quando
confrontado com opiniões de interesse. Portanto, é oportuno compreender também quais
são as características de categorização moral que evidenciam a formação dos valores
sociais em uso e como os mesmos colaboram para a negação do Outro e suas
disposições sociais.
3.2 Diferenças, Alteridade e a Formação dos Outros
3.2.1 Negociação das Diferenças
Na mesma linha do Outro-Diferente da antropologia cultural, a psicologia social
atenta tanto para a importância de entender a formação da Diferença na sociedade, como
para as representações sociais hegemônicas que colaboram na constituição dos
elementos identitários.
A doutora e professora da UFRJ, Ângela Arruda (2002), desenvolve, na área do
conhecimento da psicologia social, explicação sobre a diferença e os conceitos que
circundam a sua formação.
Inicia seu trabalho ao enfatizar que a diferença costuma gerar no ser humano um
caráter perturbador, em razão de representar um sentimento surpreendente e, ao mesmo
tempo, novo. Mas, no mesmo interlúdio de perturbar, a diferença busca alianças de
76
reconhecimento para ser incorporada e é, nesta busca de reconhecimento, que se vê no
outro um semelhante, que não consegue se situar. Portanto, “[...] é a sua semelhança que
desconcerta: parece familiar sem o ser.” (MOSCOVICI apud ARRUDA, 2002, p.20).
Arruda questiona, justamente, qual seria o ponto de ancoragem capaz de permitir o
acomodamento do desconcertante, ou seja, de desvendar em cada situação sócio-
histórica esse cerne, o qual, por aparentar semelhança, tende a gerar conflito pelo
distanciamento, que aparentemente é comum para ele. Nesse sentido, explica que as
representações sociais desenvolvidas pelo ser humano, resgatando o passado para fazer
possíveis comparações com o novo, baseiam-se em “modelos edênicos” (modelos de
“Éden”, representante do paraíso terrestre), os quais costumam fazer a ponte de ligação
com o novo e, ainda, estranho, oferecem fundamentos ao homem que acaba “[...]
reutilizando o que lhe é familiar como uma espécie de alavanca e reciclagem da
memória para criar o novo senso comum.” (ARRUDA, 2002, p.22).
A especialista afirma que a partir dessa ideia vislumbra-se qual é a forma de
lidar com a estranheza: “[...] de serenar a inquietação que o desconhecido desperta,
acomodando-o ao que já se conhece”. (ARRUDA, 2002, p.22). Com base na
explanação, pode-se gerar outras variantes como desdobramentos, por exemplo,
interrogar pelo raciocínio lógico: se a ancoragem sócio-cultural nas quais os “modelos
edênicos” se baseiam para a produção do processo de diferenciação, partir de posturas
arcaicas ou mesmo tradicionalistas, ou ortodoxas, é evidente que as representações a
respeito desse novo trará essas raízes. Agora, sabendo que a ancoragem na história da
humanidade é uma constituição duradoura, Arruda diz que são os traços históricos dela
que resultam na construção das representações hegemônicas (2002, p.22) na sociedade.
Arruda expõe essa tese, aplica-a a descoberta da América pelas caravanas
europeias e afirma que, ao chegarem,
[...] criavam uma ponte que aproximava o Novo Mundo do Velho,
integrando-o ao seu imaginário, preenchendo o lugar antes ocupado
pelas terras longínquas que, aos poucos, foram sendo devassadas. De
certa forma, edenizar a América significava “estabelecer com ela uma
camaradagem, uma cumplicidade que repousava no mundo
imaginário. Encontrava-se aqui algo que, de certa forma, já estava
concebido: via-se o que se queria ver, o que se ouvira dizer” (MEYER
apud ARRUDA, 2002, p.22).
Mas o repúdio dos colonizadores em relação à mestiçagem, à música cantada e
tocada pelos negros, à cultura canibalista, em alguns territórios, à variedade de insetos e
77
répteis e ao forte calor da América gerou neles a formação da imagem do “selvagem” e
de “infernizações” em relação ao local descoberto. A partir dessa perspectiva, explica-se
que a ancoragem do novo não se faz apenas por semelhança, no caso, associada à
fertilidade e à abundante vegetação, mas também por contrastes. Arruda completa,
mesmo por contraste, a referência a um padrão sempre existente. Quando os “[...]
jesuítas denegriram a colônia pela falta de trigo, vinho, azeite e carnes: a comparação –
desfavorável – com o familiar tranquilizador homologa a falta que aguça a diferença.”
(ARRUDA, 2002, p.23).
Claro que o exemplo trabalhado por Arruda é peculiar e exige comparação
empírica (como analisado por Arruda a partir da interlocução do colonizador com o
colonizado), todavia, a tese enquanto suporte teórico é transcendente e possibilita tais
generalizações sociais.
Avançando, a pesquisadora pontua que a construção das representações
hegemônicas serve como palco de luta territorial, seja física ou simbólica, pois na
acomodação das diferenças nas representações faz-se opção por uma e outras. “É nesse
desenho que se estabelece uma nova geografia simbólica e emergem os perfis dos
personagens em presença.” E no encontro das diferenças, identificam-se algumas das
mais antigas formas de se representar e de formular seu contexto. Portanto, a construção
das representações humanas é alicerçada tanto no caráter de possibilidades da
ancoragem, quanto no traço moral que procede a uma seleção cuidadosa, direcionada
por valores e outros objetivos, como políticos, econômicos, culturais e demais interesses
(ARRUDA, 2002, p.25).
Para construir, então, o conceito de alteridade, é necessário primeiro entender
que ele se forma num processo histórico e, como tal, é resultado da soma das
conjunturas existentes. Em segundo lugar, a formulação do conceito depende
intrinsecamente das mudanças de representações hegemônicas, as quais,
significativamente, estão subordinadas às novas realidades coletivas, cuja raiz está na
vida cultural, econômica, social, política, religiosa e outras. Diante disso, a alteridade
não é obrigatoriamente uma construção definitiva. “Ela se aparenta a um holograma,
uma projeção do mesmo em movimento, mas também mais do que isso. Ela se dilui no
tempo, dando novos contornos a cada um desses personagens.” (ARRUDA, 2002, p.42).
Todavia, o reconhecimento da alteridade pode gerar num grupo específico, ou
ainda, em determinadas pessoas que vivem em contextos plurais e são costumeiramente
colocadas próximas a outros diferentes, um desfecho excludente e até mesmo racista.
78
Procurando compreender como se dá a formação dessa alteridade “radical”, a professora
da escola francesa École de Hautes Études em Sciensces Sociales, Denise Jodelet,
explica na sua tese sobre a formação da alteridade e que as dimensões resultantes dessa
constituição podem ser negativas e gerar, no processo de formação grupal, exclusão e
distanciamento (1998, p.47).
Para explicar sua tese, ela cita o caso de uma instituição psiquiátrica aberta, onde
os usuários co-habitam livremente na comunidade rural, cujo trabalho gera rendimento
para sua manutenção. Nesse estudo, a pesquisadora teve contato com os documentos
internos, com os doentes mentais e não-doentes, com as famílias dos doentes, com a
comunidade e suas relações de civilidade interna, além de realizar observação
etnográfica com a comunidade (JODELET, 1998, p.60).
A pesquisa tinha como objetivo delimitar as representações sociais da loucura,
sua evolução e compreender a dinâmica das relações estabelecidas com os pacientes, os
comportamentos a eles reservados e as práticas comuns da vida cotidiana da
comunidade.
De início, a pesquisadora observou o distanciamento em relação ao outro
paciente — o tido doente mental — como necessidade da comunidade de garantir sua
identidade. Temendo semelhanças com os doentes, o grupo não-doente, que trabalhava
na comunidade, procurou gerar diferenciação nas práticas cotidianas para distinguir-se
dos doentes.
Sinais exteriores, como um vestuário distinto ou, à falta dele, uma
etiqueta pregada na lapela do paletó, como a estrela amarela, de triste
lembrança. Sinais comportamentais, como o estabelecimento de
espaços reservados nos lugares públicos (igreja, cafés, cinemas),
gestos depreciativos ou agressivos. Sinais verbais como o uso de uma
designação, que opõe aos membros da comunidade — os “civis” —
os doentes mentais “não-civis.” (JODELET, 1998, p.61).
Jodelet caracteriza essa classificação como um estatuto comportamental
definidor das condições dos relacionamentos sociais na comunidade. Devido à renda
oriunda do trabalho agrícola das pessoas portadoras de algum tipo de deficiência mental
desenvolvem na instituição, cujo serviço é de baixa ou de nenhuma remuneração,
situam-se em um patamar social inferior, demarcando o resto do grupo, os não-doentes,
como hierarquicamente superiores. Mas “essa hierarquização não basta, contudo, para
79
contrapor-se à ameaça induzida por um sistema institucional que encoraja nos doentes o
desejo de participação social completa e igualitária.” (JODELET, 1998, p.61).
Então, para exemplificar a formação da alteridade no seio comunitário, a
pesquisadora acompanha o processo por meio de um sistema interdependente de
práticas e representações, porque é a partir das contribuições de cada indivíduo no
estabelecimento da ordem da instituição que se assumem os papéis e as concepções dos
hábitos intersubjetivos. Para isso, Jodelet identifica três importantes práticas
representativas (1998, p.62).
A primeira “[...] empurra o doente para um estado de natureza distinto daquele
do homem normal.” Essa ideia se baseia na teoria funcional do corpo, cuja característica
principal é a existência de um corpo humano perfeito e outros com defeitos funcionais.
Nesse sentido, os doentes mentais apresentariam dispositivos cerebrais problemáticos e,
portanto, anormais, sendo classificados como doentes por apresentarem disfunções no
organismo. “Essa alteridade fundamental vai se expressar nos diferentes níveis de
atividade biológica, motriz, mental e social que escapam ao controle do cérebro e
passam ao dos nervos.” (JODELET, 1998, p.63). A alteridade, nesse sentido, protege os
não-doentes do risco que a “[...] assimilação coloca para a sua identidade e transforma,
através das representações, o processo de diferenciação em processo de exclusão.”
(JODELET, 1998, p.63).
A segunda forma de representação é um desdobramento da primeira, menciona
que o doente sofre de “dano aos nervos”, isso é associado à desordem moral e sexual,
atribuindo ao doente qualidade de criatura perturbada e malvada. Com isso, os doentes
são separados dos outros não-doentes na instituição, “[...] as regras que instituem uma
distância para com o diferente devem ser rigidamente respeitas para manter vigilante a
desconfiança e lutar contra uma tendência à aproximação que o sentimento de
semelhança induz.” (JODELET, 1998, p.63). Essa obediência deve ser atendida pelos
não-doentes como sinal de fidelidade ao grupo, “[...] cuja integridade cada membro
preserva ao instituir uma distância instransponível entre ele e o outro, em nome de uma
alteridade perigosa.” (JODELET, 1998, p.63).
A terceira parte refere-se à possibilidade de transferência da loucura, como
sendo contagiosa, transmitida por meio do contato com secreções corporais (saliva,
suor, mucos). Por mais didático que o corpo médico seja na explicação sobre essa
possibilidade não ter sentido, existe a crença, bastante poderosa, sobre esse contágio. “O
contágio da loucura confere ao doente mental um perigoso poder que ele divide com as
80
velhas figuras do andarilho que vaga sem eira nem beira, e do feiticeiro, sempre
suscetíveis de fazer o mal, e a quem se aplicavam as mesmas medidas de separação dos
objetos de uso pessoal.” (JODELET, 1998, p.64).
Ainda com base na “transmissão da loucura”, há o perigo das mulheres não-
doentes esposarem os homens doentes da instituição, fato tolerado pela comunidade
quando realizado de maneira encoberta, mas, ao tomar proporção oficial, os envolvidos
precisaram sair da região. “A união com os doentes representava, portanto, um
verdadeiro perigo para a identidade coletiva.” (JODELET, 1998, p.64) .
Nesse sentido, ficou claro na pesquisa que
Quando o sentimento de semelhança do outro corre o risco de
conduzir a uma identificação e assimilação que o inserirão
integralmente na matriz social, faz-se necessário construir e afirmar
por todos os meios de expressão social a alteridade do louco, que se
torna a de todos os que se sentem próximos dele. Assim se
multiplicam as barreiras materiais e simbólicas, que só conseguem
permanecer de pé porque elas se apóiam mutuamente (JODELET,
1998, p.64).
Confirma-se, portanto, a tese de que é no social e pelas representações que a
alteridade se desnuda, assim como no fato de fazer parte de um grupo sustentar os
processos simbólicos e materiais de sua produção.
3.2.2 As intersecções do Outro
Ainda partindo da premissa da figura do Outro, como visto pelo processo de
produção da alteridade, poder ser reconhecida apenas como um diferente ou
desenvolver qualidades de distanciamento excludente e racista, a psicóloga Hélène
Joffe, docente na University College London, buscando compreender esse novo outro,
baseia-se na teoria cultural da construção do Outro e identifica “universalizações”, a
partir da defesa da ideia “[...] que o pensamento ocidental se fundamenta ao redor da
degradação e do desejo do outro, e que esta resposta se intensifica em tempos de crise.”
(1998, p.110).
Como argumento inicial da sua tese, Joffe parte do entendimento que a cultura
europeia se fortaleceu enquanto identidade, contrastando-se ao Oriente. “A
superioridade da identidade européia foi construída e afirmada na base em um conjunto
de comparações com povos e culturas não-européias.” Num primeiro momento, esse
81
conjunto de comparações constituía uma visão do Outro, cuja concepção era vista como
diferente do povo europeu. “Mais especificamente, o ‘outro’ foi visto em termos
extremos: fortemente depreciado e também extremamente desejável.” Esse Outro era,
ao mesmo tempo, depreciado e desejável, suas representações advinham de grupos
hegemônicos na sociedade e se caracterizavam pela origem mais simples e “menos
poderosa”. E, nessa lógica histórica, sua forma era revestida de caráter emocional e
espiritual (JOFFE, 1998, p.110).
Nessa vertente “espiritual”, os grupos que não se adequavam ao “progresso
ocidental”, em especial ao da ciência, “[...] são vistos como possuidores de magia negra,
mentalidade primitiva, animismo e erotismo animal.” (FANON apud JOFFE, 1998,
p.110).
Por mais que as características de espiritualidade e de sentimento em relação à
sociedade sejam atreladas a aspectos positivos, como talentos artísticos, seu lado mais
“instintivo” desafia os valores normativos da sociedade contemporânea, como a lei, o
intelecto e a moralidade. Portanto, os valores de espiritualidade se tornam os “outros”
ao contestar à ciência e à racionalidade, marcas cruciais do status quo ocidental.
“Emocionalidade, espiritualidade e o lado instintivo (animal), historicamente associado
com pessoas de países subdesenvolvidos, e com as mulheres, ameaçam os valores que
estão presentes no centro da cultura ocidental.” (JOFFE, 1998, p.110).
Um dos avanços que a psicóloga salienta em sua tese diz respeito à
intensificação dessas representações em relação ao caráter negativo do Outro, em
momentos de crise social. Os Outros, nessa conjuntura, transformam-se em “bodes
expiatórios”; “[...] o ritual transfere o mal do interior para o exterior duma
comunidade.” (DOUGLAS apud JOFFE, 1998, p.111).
Uma das maneiras de a sociedade dominante controlar o medo é
através da degradação do “outro”. Se os grupos humanos podem ser
entendidos como formas inferiores de vida, então o respeito exigido
pela cultura ocidental em relação aos humanos pode ser
negligenciado. A degradação pode ser conseguida através da
desumanização, que implica usar categorias de criaturas subumanas,
tais como animais, ou utilizar categorias de criaturas valorizadas
negativamente, como demônios (BAR-TAL apud JOFFE, 1998,
p.111).
82
Um exemplo dessa afirmação é a simbologia utilizada pelo governo de Hitler
nos textos nazistas, entre 1933 e 1945, na Alemanha, para denegrir os judeus do seio da
sociedade alemã.
Eles descrevem o povo judeu como “vermes”, “bactérias”, “pestes”,
“pragas internacionais”, e também como “satânicos”, “diabos” e
“demônios”. Tais textos foram construídos tendo como pano de fundo
uma imensa crise econômica. Diante de situação extremamente
ameaçadora, que tornou o povo alemão aberto a sentimentos de
fraqueza e vulnerabilidade, um “outro” execrado se transformou no
bode expiatório (JOFFE, 1998, p.111).
Para a representação desses “bodes expiatórios” são escolhidos pessoas ou
grupos sob o pretexto de que são diferentes ou deficientes em relação à normalidade
(DOUGLAS apud JOFFE, 1998, p.111).
A psicóloga explica que esses momentos de crise, por visionarem mudança,
carregam sentimentos de insegurança, isso, por sua vez, produz defesas para tentar
equilibrar a ansiedade provocada. As representações diminutivas e excludentes são
algumas dessas defesas que se tornam também objeto de desejo por serem associadas a
animais e instintos. “O racismo, bem como o preconceito num sentido mais geral, tende
a ser uma combinação de degradação, inveja e desejo.” (HALL apud JOFFE, 1998,
p.111).
Para exemplificar, há o estudo sobre o alcance epidêmico da sífilis, no século
XIX, na Europa ocidental, as mulheres negras e as prostitutas eram geralmente
vinculadas às portadoras da doença e, ao mesmo tempo, ambos os grupos eram
associados a uma sexualidade extrema.
As mulheres negras, em especial, eram representadas em termos de
uma hiperssexualidade e comportamentos sexuais exóticos. Elas eram
percebidas, em sua maioria, como possuidoras de apetite sexual
“primitivo”, com sinais externos disso: genitálias “primitivas”. Das
mulheres negras se dizia que copulavam com macacos, como uma
maneira de igualá-las a eles e ao universo animal. Diagramas e
amostras de genitálias de mulheres hotentotes eram exibidos nos
museus da Europa durante o século XIX (JOFFE, 1998, p.112).
Portanto, a necessidade de diferenciar as genitálias de mulheres negras e
prostitutas, das genitálias das mulheres ocidentais, reside na concepção de encará-las
como espécie inferior.
83
Além desse estudo, a psicóloga também utiliza, como exemplo, o início das
representações acerca dos portadores da AIDS, que se assemelhou ao tratamento dado
aos acometidos pela sífilis. Os grupos de transmissores eram tratados como outros
“alienígenas”, especialmente os gays, os usuários de drogas endovenosas, os
profissionais do sexo e as pessoas negras. Esses grupos alienígenas eram representados
como portadores da AIDS devido às suas caracterizações de anormais em relação aos
costumes vigentes, em especial, por viverem a partir de práticas “perversas”, ou melhor,
que representavam ameaças “à ética da moderação” (JOFFE, 1998, p.113). “A saúde é,
certamente, considerada como um sinal de bem-estar moral no Ocidente (Turner 1984).
Como conseqüência, aqueles grupos que foram associados à doença estão sujeitos a ser
vinculados a várias formas de depravação.” (JOFFE, 1998, p.113).
Embora as narrativas das práticas dos grupos alienígenas sejam muitas
vezes apresentadas em forma de repulsa, são ilustrativas de uma
fascinação com respeito à homossexualidade e à sexualidade africana.
A satisfação é conseguida, o desejo é preenchido, através do olhar
voyeurístico para esses coquetéis de pecado praticados pelos grupos
alienígenas “exóticos”. Talvez a espetacularização das práticas gays,
exercida pela mídia contemporânea, carregue alguma semelhança com
os museus e zoológicos da Europa do século XIX (JOFFE, 1998,
p.114).
Portanto, os dois exemplos sobre crises na área da saúde colaboram para a
formação de uma ideia mais ampla de como a degradação e o desejo do Outro ocorrem
nas representações culturais dos grupos hegemônicos, cujas normas são justapostas à
perversidade dos grupos diferentes deles (JOFFE, 1998, p.113).
A psicóloga Joffe transcende essa tese e salienta que “[...] o padrão
‘degradação/desejo do outro’ também é encontrado em grupos e culturas não
hegemônicas.” (1998, p.115).
A pesquisadora baseia-se na pesquisa antropológica de Ngubane sobre as ideias
do povo zulu, em especial, como esse autor se refere à doença mental e física, atrelando-
as ao Outro. A gênese dessas doenças, na cultura do povo zulu, é introjetada pela
transmissão de espíritos, a partir de relações sexuais e pela forma de possessão. A
primeira maneira seria quando homens não-zulus têm relação sexual com mulheres
zulus. A segunda se daria com a possessão de espíritos por outras raças. “Um
comportamento violento, histérico e suicida é indicação dessa forma de possessão.”
Portanto, as doenças físicas e mentais, ao serem atreladas a essas origens, desencadeiam
84
a percepção de que os espíritos maus desequilibram a comunidade zulu, ou seja, a
doença em si viola o status social do povo estudado e marca o Outro como o estrangeiro
(JOFFE, 1998, p.115-6).
O Outro ocidental e o não-ocidental são aqueles que interferem na ordem
“natural” das sociedades; são como um “[...] repositório de sentimentos e práticas não
desejadas, tanto entre membros de grupos hegemônicos como não hegemônicos.”
(JOFFE, 1998, p.125).
“As representações do ‘outro’ em tempos de crise refletem uma profunda divisão
entre um ‘nós’ correto e um ‘eles’ desordenado, como parte dum processo de
classificação que carrega todas as qualidades da defesa da comunidade contra o caos.”
Contudo, a construção desse Outro como poluidor, fora do controle e perverso, mantém-
se por meio do sentimento da ordem social (JOFFE, 1998, p.124).
Tanto os grupos dominantes como os não-dominantes mantêm um
sentimento positivo de si e do seu grupo, em tempos de crise, através
da estratégia de jogar suas características indesejadas sobre os outros.
O que é “indesejável” na cultura ocidental será totalmente diferente
das qualidades às quais os não-ocidentais possuem aversão. (...) Tudo
o que representa equilíbrio e harmonia numa cultura específica será
mantido, em tempos de crise, e aqueles aspectos que são vistos como
interferências nesses aspectos serão associados à gênese da crise
(JOFFE, 1998, p.125).
Mas o que se pode ressaltar desse conceito mais amplo é a existência de um
controle realizado pelos grupos dominantes do processo de representação na maioria das
sociedades e, em específico, algumas representações conseguem maior amplitude, assim
como existe o silenciamento de algumas vozes. Joffe verifica a existência de um clima
ideológico na consideração de práticas aceitáveis ou não, isso contribui na produção das
representações, bem como reconhece a hegemonia da cultura ocidental no âmbito
mundial (1998, p.125).
Dentro de outros estudos, a visão da constituição desse Outro e da alteridade
podem partir do entendimento mais focado nas narrativas culturais de representação;
item próximo à constituição do objeto de pesquisa desta tese.
O pesquisador Homi Bhabha em O local da cultura, ao lembrar a posição de um
crítico pós-colonial, evidencia o fato de existir um pensamento dialético sobre os
discursos e narrativas contemporâneas com a finalidade de não negar a outridade
(alteridade) que constitui o domínio simbólico das identificações psíquicas e sociais.
85
Mas isso também não significa dizer que há uma absorção do particular no geral, “[...]
pois o próprio ato de se articularem as diferenças culturais ‘nos coloca em questão na
mesma medida em que reconhece o Outro ... nem reduz[indo] o Terceiro Mundo a
algum Outro homogêneo do Ocidente, nem ... vacuamente celebrando o espantoso
pluralismo das culturas humanas.’” (BHABHA, 1998, p.242-3).
A ideia de Bhabha de compreender esse Outro num pensamento voltado à
dialética exclui o que prega as teorias do relativismo e pluralismo cultural, pois tem o
norte da constituição do Outro como a negociação das diferenças do ponto de vista
temporal e ideológico. O teórico visualiza o valor cultural como transnacional e
tradutório. Este pela forma como se constitui o enunciado, aquele pelo deslocamento
que há na história, como as diásporas, por exemplo. O resgate feito por Bhabha sobre o
valor cultural permite entender a respeito do conceito de que, na história, as sínteses
culturais sobre algo nunca foram homogêneas, ou seja, não são estanques de
tranformações e, mesmo, de negociações (BHABHA, 1998, p.242-3). O que pede
atenção é sobre o entendimento da alteridade sobre o Outro não cair na simplificação de
polarizar o contexto: “As polaridades vão sendo substituídas por verdades que são
apenas parciais, limitadas e instáveis” (BHABHA, 1998, p.269); legitimam poder e, em
muitos casos, a discriminação.
3.3 Formação das Identidades
Colaborando com os complexos, mas explicativos conceitos de diferença, de
alteridade e de outro, é preciso buscar entender mais teoricamente como a formação das
identidades ocorreu, nos séculos XIX e XX, e como se desdobrou, atualmente, na
corrente filosófica de teor significativo para os estudos de civilização, de fronteiras, de
culturas sociais, entre outros. Para tal compreensão, o pensador dos estudos culturais, o
intelectual Stuart Hall enfatiza na obra A identidade cultural na pós-modernidade um
estudo sobre a formação da identidade cultural no mundo transitório dos tempos atuais.
Hall divide sua explicação em quatro grandes temáticas: a problemática da crise
de identidade no ambiente pós-moderno (descentramento do sujeito); a questão das
culturas nacionais como comunidades imaginadas; a globalização como fenômeno de
mudança para a concepção do sujeito e de sua identidade; as questões sobre o global em
detrimento do local e o retorno da etnia em se tratando de identidade no terreno
globalizacional.
86
Para entender as recentes ramificações do conceito de identidade, Hall,
inicialmente, demarca a importância de se compreender o contexto histórico da pós-
modernidade para perceber, mais claramente, como a identidade está se desenvolvendo
nesse cenário. Em torno disso, ele esclarece:
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as
sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando
as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e
nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas
localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão
também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que
temos de nós próprios como sujeitos integrados. (...) Esse processo de
mudança é tão fundamental (...) que somos compelidos a perguntar se
não é a própria modernidade que está sendo transformada. Este livro
acrescenta uma nova dimensão a esse argumento: a afirmação de que
naquilo que é descrito, algumas vezes, como nosso mundo pós-
moderno, nós somos também 'pós' relativamente a qualquer concepção
essencialista ou fixa de identidade (...) (HALL, 2003, p.09-10).
Em complemento à teoria de Hall, o pesquisador em história das religiões,
Nicola Gasbarro, intitula esse período da modernidade tardia como pós-modernidade e
explica o fato dela ser fundamentalmente a ideia de uma consciência intelectual e
espiritual de que os tempos da modernidade passaram por força de uma “implosão
cultural”, não por uma explosão histórico-social, como afirmam alguns teóricos do
assunto (2003, p.93).
Gasbarro também destaca que uma parcela significativa das promessas de
desenvolvimento geral não foi cumprida pela modernidade; a simbologia espiritual na
qual a modernidade se inspirava não existe mais e “[...] o generalizado materialismo
econômico deixou pouco espaço para a reflexão e até as alternativas do marxismo ou da
teoria crítica se despontencializaram – perderam-se enfim todas as referências
fundamentais do sentido e da ação social, ‘as grandes narrativas’ de que fala Lyotard.”
(HALL, 2003, p.09-10).
Ao tentar compreender mais profundamente a temática central sobre a crise de
identidade, Hall lança indagações reflexivas as quais estão entrelaçadas, como: Em que
consiste a crise e qual direção ela está indo? Que acontecimentos recentes nas
sociedades modernas precipitaram essa crise? Quais são suas consequências potenciais?
Para justificar essas reflexões que cercam a lógica dos estudos culturais sobre o
período pós-moderno, Hall desenvolve três concepções de identidade, criadas com o
87
intuito de dar suporte à compreensão da “crise de identidade"; são elas: sujeito do
iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno (HALL, 2003, p.10).
O primeiro se refere, como o próprio nome já menciona, ao momento histórico
do iluminismo, ao afirmar a existência de uma concepção baseada no sujeito centrado,
unificado, que, ao nascer, carrega consigo seu núcleo (centro), que é o seu essencial,
demarcando sua característica individual (HALL, 2003, p.10-11). Já o segundo sujeito,
refere-se à identidade formada por interação, leva em conta o ambiente social onde o
indivíduo nasce, sua classe social, sua cultura, ou seja, o seu núcleo, que é sua essência,
assim como no sujeito do iluminismo, mas agora ele também sofre influência do mundo
exterior, das interações que permeiam seu ambiente sociocultural.
Nesse sentido, a identidade vai se constituir a partir das condições com as quais
o sujeito se depara estruturalmente, isso estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos
culturais habitados por eles, "[...] tornando ambos reciprocamente mais unificados e
predizíveis". (HALL, 2003, p.11).
O terceiro tipo de sujeito rompe com aquele unificado do iluminismo e com o
predizível, de acordo com sua estrutura social, pois, devido às características do mundo
atual, o sujeito pós-moderno é fragmentado, sua identidade não é composta de uma
única significação, mas de várias, algumas vezes até contraditórias ou não resolvidas.
"Correspondentemente, as identidades que compunham as paisagens sociais 'lá fora' e
que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as 'necessidades' objetivas da
cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças estruturais e
institucionais". (HALL, 2003, p.12).
Hall coloca esse sujeito pós-moderno vivendo identidades distintas, em
diferentes momentos, identidades não unificadas ao redor de um "eu" coerente, ou seja,
ele sugere que a identidade plenamente unificada é um discurso tratado por um
simulacro histórico, pois o mundo está em modificação e os sistemas de significação e
de representação cultural se multiplicam, isso faz o sujeito se confrontar com uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis; "[...] com cada uma
das quais poderíamos nos identificar ─ ao menos temporariamente". (HALL, 2003,
p.13).
Nesse sentido, Hall (2003 p.14-30) avança na discussão da identidade pós-
moderna, coloca em xeque as próprias características desse descentramento do sujeito
ao perguntar: O que realmente está em jogo na questão das identidades? E argumenta, a
88
identidade se tornou politizada, por isso a importância de um jogo equitativo, com
conscientes da amplitude das regras.
Continuando sua reflexão, Hall aponta os cinco grandes avanços da teoria social
e das ciências humanas ocorridos no pensamento, no período da modernidade tardia ou
pós-modernidade (segunda metade do século XX). Ao conceituar, brevemente, tais
avanços, o primeiro diz respeito às tradições do pensamento marxista, que colocou o
homem como fazedor de sua história, entretanto, apenas sob as condições as quais lhe
são fornecidas, rompendo com a ideia de haver uma essência universal de homem, já
que este só avançaria levando em conta sua estrutura de crescimento cultural, portanto,
diferente entre os seres humanos distribuídos no globo (HALL, 2003, p.34-6).
O segundo lembra os estudos de Freud (apud HALL, 2003, p.36-40) ao definir a
imagem do eu como inteiro e como resultado de um processo, cuja criança trabalha o
aprendizado gradualmente, parcialmente e com grandes dificuldades, mostrando que a
identidade é realmente algo formado ao longo do tempo, e está sempre em processo de
formação. Já o terceiro, associado ao trabalho do linguista estrutural Ferdinand de
Sanssure (apud HALL, 2003, p.40-1), esclarece que os seres humanos não são os
autores de suas próprias afirmações ou dos significados expressos na língua; ele define a
língua como preexistente aos seres humanos, como um sistema social, não como
individual.
Portanto, Hall chama a atenção para o fato de que falar uma língua não "significa
apenas expressar nossos pensamentos mais interiores e originais, significa também
ativar a imensa gama de significados, que já estão embutidos em nossa língua e em
nossos sistemas culturais." (HALL, 2003, p.40).
O quarto avanço é sobre o poder disciplinador das teorias de Michel Foucault
(apud HALL, 2003, p.41-3), ao fornecer um estudo profundo sobre a regulação e a
vigilância às quais o ser humano está subordinado, a partir de locais chamados de novas
instituições, desenvolvidas ao longo do século XIX, a fim de policiar e disciplinar as
pessoas, como oficinas, quartéis, escolas, prisões, hospitais e clínicas. Hall acrescenta a
essa inovação na histórica do homem moderno a reflexão de que "[...] quanto mais
coletiva e organizada a natureza das instituições da modernidade tardia, maior o
isolamento, a vigilância e a individualização do sujeito individual." (HALL, 2003,
p.43).
O último impacto ressaltado foi o modelo do movimento feminista,
caracterizado aos moldes de outros movimentos sociais da década de 60, que deu
89
origem à ideia de "política de identidade", processo responsável, conforme Hall, pela
politização da subjetividade, da identidade e do processo de identificação, com a
generalização reivindicada por cada movimento. "O feminismo questionou a noção de
que os homens e as mulheres eram parte da mesma identidade, a 'humanidade',
substituindo-a pela questão da diferença sexual." (HALL, 2003, p.46).
Nesse sentido, Hall explica que as identidades, atualmente, somam as vivências
do processo histórico da constituição da sociedade e, como na expressão "culturas
nacionais como comunidades imaginadas" (2003, p.47), expõe como as culturas
nacionais são construídas pelo discurso de pertencimento ao local de origem. Reporta
também a formação de um sentimento de identidade e lealdade à ideia de nação,
representada no interior das transformações sociais e políticas. O autor se refere à
maneira como a cultura é narrada pelas histórias vindas da literatura, da mídia e da
cultura popular do cotidiano das pessoas.
A ideia construída de origem da nação, em representar um cenário histórico, a
fim de compreender a "verdadeira natureza das coisas", colabora na problemática de
tentar construir práticas (rituais ou simbologias) que busquem introduzir certos valores e
normas de comportamento por meio da repetição "[...] a qual automaticamente, implica
continuidade com um passado histórico adequado" (HALL, 2003, p.54), o que lembra
bem a ideia de poder disciplinador de Foucault. Outros dois apontamentos de Hall se
relacionam com o mito fundacional, remete a uma história que localiza a origem da
nação (num tempo mítico) e à ideia de um povo puro, original, como se fosse possível
não se hibridizar ou miscigenar em tempos de migração, imigração e guerras. Mas,
como Hall aponta os elementos para se criar uma cultura nacional, implica estabelecer
as forças norteadoras para a aplicação dessa representação de sentido.
Nesse rumo, a formação de uma cultura nacional contribui para criar padrões de
alfabetização universais e colocar uma determinada cultura da nação como hegemônica,
entre várias que circundam o território. Portanto, a educação coerente e unificada,
muitas vezes ou na maioria das vezes, é benefício da classe social em destaque,
intenciona a pacificação do povo e a adesão dele por meio do consentimento ao
pertencimento a uma identidade coletiva nacional (HALL, 2003, p.54-7).
Em função disso, Hall desfaz o conceito de cultura nacional, indicando a ideia de
diferença, miscigenação e a aponta como uma estrutura de poder cultural
representacional, que está se desintegrando pelo complexo ritmo de integração global, a
globalização (HALL, 2003, p.57-8).
90
O autor sugere que todo sistema de representação remete aos conceitos de tempo
e espaço como estruturas bem definidas e, no advento da modernidade tardia, a
dinâmica entre o espaço e o tempo tornou-se outra, pois a aceleração dos processos
globais diminuiu a ideia de mundo e as distâncias tornaram-se mais curtas (HALL,
2003, p.67-9).
O outro apontamento globalizacional sobre a representação de cultura nacional
são os fluxos culturais por permitirem o partilhamento com outras identidades, nas
diversas regiões do mundo, já que o espaço não precisa ser o mesmo.
À medida que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a
influências externas, é difícil conservar as identidades culturais
intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do
bombardeamento e da infiltração cultural. (...) Quanto mais à vida
social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e
imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos
sistemas de comunicação globalmente interligados, as identidades se
tornam desvinculadas ─ desalojadas ─ de tempos, lugares, histórias e
tradições específicos e parecem "flutuar livremente" (HALL, 2003,
p.74-75).
Diferente de alguns intelectuais que pensam sobre a identidade na pós-
modernidade, Hall (2003, p.75-6) afirma que, no mundo global, surge simultaneamente
novas identificações globais e locais, ou seja, uma não anula a possibilidade da
existência da outra. Isso não apaga a desigualdade da direção do fluxo globalizacional
do ocidente desenvolvido e moderno para o oriente "exótico", numa definição próxima
à ideia de geometria do poder (ideia presente nas análises dos capítulos VII e VIII,
também inclusa nas considerações finais), em que o muçulmano é representado como o
Outro, aquele ser também desistoricizado da sua própria constituição cultural pelas
representações da mídia, em especial no estudo desta tese, do jornalismo internacional.
Para Hall, o processo de migração acelerado pela globalização permite afirmar
que em cada nação habita uma diversidade de civilizações, culturas e identidades,
proliferando novas posições de identidade e, juntamente com um aumento de
polarização entre elas, "[...] esses processos constituem (...) a possibilidade de que a
globalização possa levar a um fortalecimento de identidades locais ou à produção de
novas identidades." (HALL, 2003, p.84). Outra possibilidade de identidade é aquela
conceituada por Hall (2003, p.85-6) como retorno à tradição, a mesma tradição já
supracitada das culturas nacionais. Esse recuo ao passado "imaginado, criado" constitui
duas outras formas de preocupação atual, o fundamentalismo e o nacionalismo.
91
O primeiro não suporta pensar em identidades novas, híbridas. Os adeptos ao
fundamentalismo retornam às raízes culturais de origem simbólica para continuarem
vivendo como seres de identidades antigas "enraizadas" no tempo antigo. Criados pela
tradição, preocupam-se que a mistura entre diferentes culturas inevitavelmente
enfraqueça e destrua sua própria cultura. O segundo produz movimentos separatistas e
de independência baseados no pertencimento a seus grupos de "origem". “Esses novos
aspirantes ao status de ‘nação’ tentam construir Estados unificados tanto em termos
étnicos quanto religiosos, e criar entidades políticas em torno de identidades culturais
homogêneas. O problema é que elas contêm, dentro de suas ‘fronteiras’, minorias as
quais se identificam com culturas diferentes”. (HALL, 2003, p.93-4).
Portanto, a formação das identidades, em especial para o estudo desta tese, é
importante para entender a constituição desse sujeito desenraizado, que procura buscar
no seu passado explicações para o seu “eu” (e com isso recua à tradição), desdobrando-
se em sujeitos até certo ponto nacionalistas, ou fundamentalistas, ou mesmo, no reportar
da informação, como jornalistas; identificam as suas raízes culturais, as suas formas e
olhares de compreender o outro. E, no “jogo das identidades”, tornam seus discursos
jornalísticos unilaterais em razão dos textos apresentarem as notícias de forma
dicotômica por entenderem o contexto universal como binário (BHABHA, 1998,
p.240).
3.4 Reconhecendo o Outro Islã em sua Alteridade
O reconhecimento do “eu”, em qualquer cultura, necessita do construir o “outro”
na sua alteridade. Para o pesquisador em história das religiões, Nicola Gasbarro, a
formação do Islã, enquanto religião, não existe sem a autenticação das outras religiões,
enquanto formação de identidade islâmica, tal como o cristianismo, por exemplo, não
existe sem o Islã. Mas o que Gasbarro (2003, p.91) afirma na teoria sobre Nós e o Islã:
uma compatibilidade possível? Vai além da aparente simplicidade da ideia do
reconhecimento do Outro, pois, no processo do reconhecer os outros para se auto-
reconhecer, verifica-se a complexa rede intercultural, cuja formação costuma ser
peculiar, de acordo com cada costume e valor, os quais são originados da tradição
civilizatória, o que difere significativamente, como exemplo, do Oriente para o
Ocidente.
92
É preciso então uma história comparativa das relações entre sistemas
de sentido, bem como uma antropologia radicalmente diferente
daquela construída à nossa imagem e semelhança, sem o orgulho do
próprio pertencimento e, sobretudo, sem o ressentimento contra quem
lhe denuncia a arbitrariedade histórica ou a etnocêntrica pretensão
universalizante (GASBARRO, 2003, p.91).
Mesmo dialogando sobre como a antropologia, como área do conhecimento,
deve posicionar-se em relação aos embates culturais, em especial os religiosos, o estudo
do historiador menciona a possibilidade de socialização no processo de diferenciação
cultural, pois “[...] se o que está em jogo é a nossa relação com a complexidade do Islã,
a comparação tradicional, classificatória e diferencial, não é mais suficiente, porque o
Islã está entre nós, com seu passado e suas aberturas para o futuro, lançando um novo
desafio que certamente não se pode arrastar tão-só com os instrumentos da geopolítica.”
(GASBARRO, 2003, p.91-2).
Seguindo esse raciocínio, Gasbarro (GASBARRO, 2003, p.91-2) afirma que as
civilizações, como toda sociedade, mantêm códigos culturais e relações sociais que dão
suporte social para sua continuidade e segurança. Atualmente, o que tem representado
um problema é justamente o encontro desses macrossistemas civilizatórios e o maior
conflito, em relação ao tema, são as diferenças de formas de sentido que as sociedades,
em confronto, apresentam umas às outras.
[...] não nos admira o fato de vivermos “a oeste de Alá”, mas nos
angustia a impossibilidade de nos comunicarmos no plano histórico e
sociocultural com os fiéis de uma religião monoteísta como a nossa.
Os muçulmanos entram no nosso cotidiano, abalam nosso sistema de
valores, recusam os processos de integração social, reivindicam o
exercício público de seu culto e nos apresentam uma diversidade
cultural irredutível aos nossos atuais sistemas de compatibilidade
política e de tolerância simbólica (GASBARRO, 2003, p.92).
O pesquisador lembra-se dos estudos da modernidade tardia, expostos por Stuart
Hall (2002), suas próprias explicações sobre a simbologia cultural da pós-modernidade
e enfatiza que essa herança conjuntural propõe à constituição das formas de sentido do
Ocidente uma maneira diferente de ver o sagrado, Deus, o cenário divino e outras
vertentes culturais.
Por exemplo, Gasbarro (2003, p.95) explica que a visão estadunidense do
conceito de igualdade remete diretamente ao protestantismo, o qual alicerça a religião
civil, bem como dá força moral à ideia de direito e de política. Quando se diz que todas
93
as culturas têm afinal igualdade de respeito, o cerne dessa lógica baseia-se na
legitimação moral e/ou humanística. “a) Há um Deus, b) cuja vontade pode ser
conhecida mediante os procedimentos democráticos, portanto c) a América democrática
tem sido a principal representante de Deus na história, e d) para os americanos a nação
tem sido a fonte de identidade prioritária.” (HAMMOND apud GASBARRO, 2003,
p.95). O posicionamento atribuído pelo autor ao país americano pode ser estendido
tanto aos outros países democráticos como histórias sociais correlatas.
Então, como acontece a diferenciação daquele sagrado, vindo do Oriente, por
parte da visão que o Ocidente faz de seu Deus e de sua maneira de representá-lo na
sociedade? Outra inquietação promovida por Gasbarro é a afirmação de que a
modernidade é a época de dessacralização e desencantamento, e a próxima época, a
atual (pós-modernidade), deve desconstruir esse cenário simbólico, também ideológico.
Desconstruir a dessacralização seria uma “ressacralização” para o autor. Muitos
pesquisadores acreditam que o processo de ressacralização do mundo resolveria
significativa parte do problema do confronto religioso visto entre os “nós” das
sociedades, mas problematiza uma importante dúvida: “[...] quando o Islã encarna de
forma radical, respondendo ao desafio da globalização com a força de sua tradição,
julgam-na ‘fundamentalista’, incompatível, portanto com o universalismo ocidental,
democrático e moderno.” (2003, p.95).
Nesse contexto, ressalta que se são as diferenças que se tornam radicais e
fundamentalistas, o choque de civilizações é iminente, contudo, sugere que, se for a
tolerância a garantir a convivência e “[...] promover formas brandas de integração
cultural” (GASBARRO, 2003, p.95-6) existe a possibilidade de identificação do Outro,
como componente positivo da alteridade.
Mas, o que o autor desenvolve sobre o significado de “integração cultural” deve
ser compreendido como tolerâncias civis entre os indivíduos, como leis precisas, que
sejam abrangentes e possam acoplar as complexas diferenças do mundo globalizado.
A perspectiva supermoderna requer, portanto, uma política da inclusão
das diferenças, não podendo se limitar à ética da tolerância: se os
novos sistemas simbólicos só podem ser construídos a partir das
compatibilidades práticas, qualquer legitimação transcendental perde
sentido, e a única generalização possível é a do direito historicamente
codificado. Prospectivamente, terão maior poder de sentido aquelas
civilizações capazes de elaborar estruturas simbólicas com o maior
grau de generalização “de direito” e, portanto, mais aptas a governar
94
“de fato” a complexidade das relações entre sistemas (GASBARRO,
2003, p.96).
Outro apontamento que perturba a compatibilidade entre o Islã e o Ocidente é a
compreensão limitada e, excessivamente, comparativa do último a respeito dos
conceitos de “civil” e “religioso” acerca da especificidade cultural do Islã. Gasbarro
afirma que o Ocidente usa paradigmas da ortodoxia laicista. E, em contrapartida, a
religião islâmica nunca se viu utilizando como reflexo os mesmos valores de “cidade”
ou de “civilização”, pois compreende sua religião como “forma de lei”. “O muçulmano
não é um cidadão da ‘cidade de Deus’, conforme a codificação sociocultural de santo
Agostinho, mas, antes de tudo, e em sentido literal, um fiel do Islã.” (GASBARRO,
2003, p.99).
O Islã não possui em sua história nenhuma referência à laicidade nem
muito menos a um fundamento laico do Estado. A estrutura de umma
exclui qualquer fundamento ou princípio que ignore a sua relação com
a Lei de Deus, de modo que qualquer tentativa de compatibilidade
nesse sentido está inelutavelmente destinada ao fracasso (e o
fundamentalismo poderia ser até mesmo a paradoxal resposta do Islã a
uma pretensão considerada tanto aberrante quanto blasfematória)
(GASBARRO, 2003, p.105).
O entendimento que o Islã formula de si, com o “eu”, é intercultural e
multidirecional desde o início; “[...] talvez sua reconhecida capacidade simbólica de
compatibilizar diferenças no interior de uma religião monoteísta e sua grande força
sistemática e reguladora de costumes sociais diversos que possibilitaram sua imediata
expansão cultural e política”. (GASBARRO, 2003, p.97). Essa religião desenvolveu,
segundo Gasbarro (Ibid), uma excessiva fidelidade às tradições e aos fundamentos da fé,
características que soam como paradoxal para o Ocidente, porque “[...] o valor da
verdade histórica, não redutível ao critério empírico da certeza experimental, encontra
fundamento, legitimação, valor e autoridade na tradição.”
Isso porque para o Ocidente,
Um individualismo projetado em nível geral acaba por também pensar
as civilizações como individualidades coletivas que encontram seu
papel no livre-mercado das estruturas simbólicas, legitimado pelos
princípios da democracia liberal. É evidente a estrutura radicalmente
“moderna” dessa visão de mundo tipicamente norte-americana, de
uma civilização que pensa a alteridade apenas com os critérios
95
sincrônicos da eficiência individualista e da eficácia empírica
(GASBARRO, 2003, p.107).
Portanto, a primeira significativa de incompatibilidade diz respeito à diferença
dos valores Ocidentais e islâmicos; enquanto no Ocidente, é concebida uma visão
individual e “naturalista da democracia e do contrato social”, no Islã, vive-se num
sistema holista das “relações sociais e das elaborações simbólicas” (GASBARRO,
2003, p.106-7).
A derradeira conclusão é que a crítica social e histórica dos grandes
sistemas filosóficos sinaliza uma crise mais profunda: a globalização
das relações entre civilizações evidenciou os limites do velho
humanismo metafísico. É preciso então repensar o universalismo
abstrato em termos históricos e antropológicos, mediante uma
perspectiva crítica e comparativa em que a lógica da identidade dê
lugar à prática da compatibilidade. Se não for acompanhada por uma
ortoprática histórica capaz de relacionar os sistemas de sentido, a
crítica das ortodoxias universalistas pode recair no relativismo
desconstrucionista e na anarquia do sentido (GASBARRO, 2003,
p.108).
Pensar a alteridade do Islã é um desafio para as civilizações, não basta traduzir
ideias para a realidade que se deseja modificar, é preciso encontrar um gancho no
acervo emocional e cognitivo existente e, para isso, o mundo deve repensar sobre os
contratos sociais e o simbolismo civil que as sociedades praticam e aceitam. Nessa
lógica de pensamento, a constituição do Outro, nas representações da mídia, precisa de
investigação e análise, pois identificar quais são os olhares e as ideias sobre esse cenário
é tentar entender se essas promessas da alteridade se cumprem na constituição do
imaginário social (assunto para o próximo capítulo).
96
“O que é o outro? Como se vê? Como me vê? Posso me
aproximar? Posso tocá-lo? Posso ver o mundo pelos olhos
dele? Posso me ver através de seu olhar? Ele pode ser uma
ameaça?”
(Folder/Script da peça teatral OTRO, de Enrique Diaz e
Cristina Moura com Coletivo Improviso-RJ).
97
CAPÍTULO IV — O OUTRO ISLÃ NA MÍDIA
4.1 Simplificação, Marcas pejorativas e Discriminação
Como se viu no capítulo anterior, a identificação do Diferente na história da
humanidade é um processo cotidiano, e as afirmações sobre como se constroem essa
identificação dependem tanto de questões culturais, momentos históricos como
políticos, e, mesmo, do posicionamento que representem num contexto de jogo de
poderes sociais. Essas variantes sofrem outras influências no decorrer das épocas e,
atualmente, a posição influente que a mídia desempenha nesse processo é vista com
atenção, tanto por estudiosos da área como por outros advindos da sociologia,
psicologia, antropologia e mesmo da filosofia, pois se vê comumente estudos e
pesquisas que têm a mídia como objeto de questionamento e influência.
Diante dessa leitura de atenção à influência midiática, a pesquisadora em
sociologia, Silvia Montenegro, desenvolveu sua tese de doutorado sobre a formação da
identidade de um grupo islâmico no Brasil, a partir dos retratos da mídia a respeito do
islamismo mundial, bem como através do diálogo dessas visões da mídia no seio da
comunidade islâmica de estudo. Para isso, fez uso da etnografia na comunidade islâmica
carioca, chamada Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ), à
qual estão vinculadas, aproximadamente, cinco mil pessoas (MONTENEGRO, 2002,
p.66).
Nesse estudo, a pesquisadora objetivou entender a dinâmica da identidade social
da SBMRJ a partir da criação e recriação dos agentes da mídia, confrontando os dados
etnográficos com os agentes da própria Sociedade. “Ambas as visões, a ‘própria’ e a
‘externa’, acabam assumindo a forma de um discurso mais ou menos homogêneo ou, no
mínimo, constroem a base de certo consenso sobre um conjunto de temas.”
(MONTENEGRO, 2002, p.64).
A partir disso, o grupo islâmico, junto às suas lideranças intelectuais, recolhia o
que era disposto pela mídia, quando retratava assuntos que o incluía, para “islamizar” o
material e contextualizá-lo à comunidade, tirando as dúvidas e explicando seus erros e
maiores desvios cometidos pelos meios de comunicação.
A SBMRJ realiza a “[...] análise do diálogo entre estereótipos estigmatizantes e
atributos identitários positivos, no marco de processos de reificação de esquemas de
98
atributos promovidos pela mídia, os quais, finalmente, operam como estímulo na auto-
apresentação dos muçulmanos.” (MONTENEGRO, 2002, p.64).
Foi possível, com esse estudo, delimitar o repertório de temas que foram
frequentes pela mídia, constituindo, assim, um eixo central do discurso midiático sobre
o Islã no País.
Silvia Montenegro também pontua na pesquisa que, esporadicamente, os meios
de comunicação do Rio de Janeiro publicam matérias jornalísticas sobre o Islã no País,
que criam, claramente, um “mal-estar” entre os muçulmanos da SBMRJ (2002, p.67).
“Cada vez que uma aparecia em alguma publicação local, era comentada nas reuniões
da mesquita, analisada e, na maioria das vezes, enquadrada na trama de ‘demonização’
em que a imprensa estaria empenhada.” (MONTENEGRO, 2002, p.67).
Para melhor entender a visão “demonizada” desses temas sobre o islamismo, a
autora centraliza dois eixos de análise: o crescimento do Islã e a representação do lugar
da mulher nessa religião. Desses, deriva-se outras imagens discriminadas sobre o
islamismo, como: “[...] sua difícil adaptação ao Brasil, a perigosa junção entre religião,
política e terrorismo e o papel de submissão da mulher.” (MONTENEGRO, 2002,
p.67).
Sobre crescimento, perigo e inadequação do islamismo, a autora explica que
importantes veículos impressos (revista República, revista Isto é, Jornal do Brasil e
Folha de S. Paulo) caracterizam o islamismo brasileiro como uma religião que não se
encaixa no perfil despojado e moderno do brasileiro, intitulando algumas suítes e boxes
com termos ofensivos, como por exemplo: “Axé Maomé”, ao retratar um grupo de
simpatizantes do islamismo na Bahia, o qual não assume compromisso com o Islã, de
fato. Nesse mesmo sentido, há reportagens que afirmam o quanto o islamismo está fora
do contexto das práticas liberais do País, caracterizando o Islã como uma religião de
“excessiva rigidez” (MONTENEGRO, 2002, p.68-9).
Evidencia-se nas análises, ainda, a “face assustadora do Islã”; em uma nota da
revista Isto é declara-se: “espera-se que o Islã, deste lado debaixo do Equador, não tenha
a cara feia que amedronta o mundo” (apud MONTENEGRO, 2002, p.70). Na análise
Silvia Montenegro observa que a revista relaciona a “face assustadora” com o
“fundamentalismo, o terrorismo, a barbárie e o manto negro (em referência ao vestuário
feminino)”.
No eixo temático sobre as imagens da mulher no Islã, evidencia-se uma
separação de dois mundos do islamismo: um tradicional e o outro liberal. O tradicional
99
impede a mulher de frequentar o cinema, escutar música, praticar jogos e ter diversões
mistas, já o liberal permite tais hábitos e práticas às mulheres islâmicas.
A ideia central do artigo é predizer que, se aquele mundo tradicional
triunfar, o Islã será uma realidade restrita aos seus territórios habituais,
mas se o Islã liberal preponderar, “o Islã se tornará uma força mundial
a competir em pé de igualdade com o cristianismo, o judaísmo e as
religiões orientais na dominação do mundo” (MONTENEGRO, 2002,
p.71).
Ainda nesse mesmo eixo temático da análise, a socióloga encontra reiterado o
lado obscuro do Islã no plano internacional. Os conceitos de fundamentalismo,
radicalismo e terrorismo aparecem intrínsecos ao tema da submissão da mulher no Islã,
gerando compreensões que potencializam a ideia de conflitos entre crenças, e mesmo,
naturalizando os embates como normais a uma religião que une fé com política. Com
isso, o Islã é demonizado e qualificado para o Brasil como difícil de ser seguido
(MONTENEGRO, 2002, p.72).
A partir dos atos ao World Trade Center de Nova York, ocorridos em 11 de
setembro de 2001, o mundo islâmico tornou-se centro da opinião pública (2002, p.63).
A discussão do retrato do Islã e dos muçulmanos nos meios de comunicação também
tem gerado reflexões nas publicações muçulmanas, por parte dos intelectuais do mundo
islâmico. Dentre essas, Silvia Montenegro, destaca a revista The Diplomat, English-
Arabic Forum for the Dialogue of Culture and Civilizations, editada na Inglaterra e
distribuída pelo mundo. Nessa revista, há inserções periódicas da “[...] delicada tensão
entre o Islã e a mídia” (MONTENEGRO, 2002, p.72-3).
Na emblemática discussão entre Islã e mídia, os intelectuais apontam uma
dimensão mais ampla, a relação entre o Ocidente e o Islã (MONTENEGRO, 2002,
p.73). A maneira de ver o Islã pelo Ocidente é baseada numa visão maniqueísta é “[...]
recriado à luz de um consenso baseado em oposições do tipo eles/nós, Islã/Ocidente,
ativismo/modernidade, autoritarismo/democracia.” (MONTENEGRO, 2002, p.73).
Diante disso, os intelectuais do SBMRJ levam essas visões da mídia para serem
contextualizadas à luz das explicações religiosas da doutrina islâmica, a fim de
responder e clarear as dúvidas dos fiéis.
Cabe considerar então, que existem diferentes planos, ou esferas, em
que a controvérsia mídia/Islã se manifesta. Certamente, podemos
distinguir como, no plano internacional, os meios de comunicação
desempenham papel fundamental na difusão de certa visão sobre o
100
Islã e os muçulmanos, assim como, no mesmo plano, certos porta-
vozes das comunidades muçulmanas contestam essa visão
(MONTENEGRO, 2002, p.74).
A socióloga afirma que são selecionados temas mais importantes para a
doutrina, que os meios de comunicação fragmentam e descontextualizam, dentre eles o
principal: “Os muçulmanos são violentos, terroristas ou extremistas”. Diante dessa
premissa, os intelectuais e envolvidos na vida institucional do SBMRJ retratam esse
tema à luz de sua verdadeira significação islâmica. Nesse intuito, “foram intercaladas
citações do Corão para reafirmar a denúncia dessa falsa atribuição. Considerou-se
necessário destacar, antes de tudo, que a palavra Islã deriva de uma raiz árabe que
significa paz”. (2002, p.77). Segundo a pesquisadora, a comunidade islâmica, no País,
tem uma influente revista de apoio, a Al- Urubat, da Sociedade Muçulmana de São
Paulo.
Outro tema discutido na mesquita do SBMRJ é a má interpretação que as mídias
estudadas desenvolvem sobre a ideia de jihad, como “guerra santa”, ao invés da noção
real que é mais ampla: “[...] esforço, luta, empenho, uma espécie de luta interior de cada
pessoa contra seus próprios egoísmos, uma luta cujo fim é alcançar a paz interna”
(MONTENEGRO, 2002, p.78).
A temática da opressão da mulher, pela mídia, é respondida pelos fiéis do
SBMRJ como aplicações de práticas de menosprezo às mulheres em locais onde a
cultura corresponde a essa interpretação, pois para a lei corânica não existe essa divisão
opressora; para os dizeres do Alcorão há “[...] equidade entre homens e mulheres”
(MONTENEGRO, 2002, p.78).
E, sobre as roupas específicas das mulheres, o grupo do Rio de Janeiro afirma:
“O chador e o lenço na cabeça são aconselhados e usados entre as muçulmanas do Rio
apenas durante as orações, sendo pouquíssimos os casos de mulheres que assistem a
outras atividades ou permanecem com essas roupas fora dos horários de oração.” (Ibid)
Outra questão que Silvia Montenegro levanta nas suas análises de diário de
campo da comunidade da SBMRJ vincula-se com o equívoco da mídia em afirmar que
todo muçulmano é árabe. Segundo as estatísticas do mundo árabe (MONTENEGRO,
2002, p.82), os muçulmanos que vivem no mundo árabe são apenas 18% do total
mundial.
101
[...] a comunidade do Rio olha para outros horizontes na hora de traçar
suas linhagens, considerando que o arabismo deixa de fora os
muçulmanos negros da diáspora africana e os novos convertidos. Na
comunidade do Rio, o arabismo aparece atentando contra a ideia de
que o Islã reúne per se uma enorme variedade de raças,
nacionalidades, línguas e culturas (MONTENEGRO, 2002, p.82).
Conclui sua pesquisa apontando que alguns dos problemas sobre a produção dos
consensos reinseridos na mídia, que ancoram o imaginário social, estão “[...] arraigados
a sistemas sociais” e por isso “[...] também produzem significados socialmente
situados.” E destaca outros indícios problemáticos, como os constrangimentos da
profissão jornalística, tais como:
[...] a exploração de certos temas (entre eles a violência), o imperativo
do inédito, o ritmo e simplificação em prol da “clareza”, a suposta
construção de uma reportagem “equilibrada” e a própria formação dos
jornalistas, são aspectos importantes na produção das suas
representações (MONTENEGRO, 2002, p.83).
Em complemento às observações sobre as rotinas de trabalho do jornalismo, o
crítico feroz do posicionamento que o Ocidente, em especial os Estados Unidos,
formula sobre o Islã e o Oriente, Edward Said2 (2007, p.xvii) no livro Covering Islam
afirma que existe um trabalho ideológico anterior, de direcionar o olhar da mídia
estadunidense e mundial sobre o Islã como perigoso, o que, segundo Said, ocorre por
meio da postura intelectual de estudiosos que generalizam o fundamentalismo como
sendo o Islã; e vai além: pontua que esse entendimento influencia o pensar de políticos e
de muitos setores culturais formadores de opinião (SAID, 2007, p.xvi-xvii).
As associações criadas deliberadamente entre o Islã e o
fundamentalismo garantem que o leitor comum passa a ver ambos
como sendo essencialmente a mesma coisa. Devido a tendência de
reduzir o Islã a algumas regras, estereótipos e generalizações à
respeito da fé, e de seus fundadores, e de todo seu povo, o reforço de
todo fato negativo veiculado ao Islã ─ sua violência, primitivismo e
atavismo, qualidades ameaçadoras ─ é perpetuado. E tudo isso sem
nenhum esforço sério de definir o termo “fundamentalismo”, ou dar
um significado preciso ao “radicalismo”, ao “extremismo”, ou
contextualizar esses fenômenos (por exemplo, dizer que 5%, ou 10%,
ou 50%, de todos os muçulmanos são fundamentalistas) (SAID, 2007,
p.xvi-xvii) (TRADUÇÃO NOSSA).
2 Na última introdução revisitada pelo autor em 1997.
102
Portanto, Said se preocupa com o rótulo que cerca a ideia atual sobre o Islã,
como sendo todos os seus seguidores fundamentalistas, tanto para explicá-lo ou
“condená-lo indiscriminadamente”, o que acaba se tornando “[...] uma forma de ataque,
que por sua vez, provoca mais hostilidade entre aqueles que se autodenominam
muçulmanos e porta-vozes do Ocidente” (SAID, 2007, p.xv-xvi). “[...] up becoming a
form of attack, which in turn provokes more hostility between self-appointed Muslim
and Western spokespersons”. Esse tipo de simplificação, e ao mesmo tempo,
generalização é para Said inaceitável e irresponsável. O pesquisador expõe que
comumente vêem-se jornalistas, ao descreverem o Islã, optarem pelas declarações
“extravagantes”, regadas de oportunismo e dramaticidade (SAID, 2007, p.xvi).
É o que constata o pesquisador e professor da PUC do Rio Grande do Sul,
Jacques A. Wainberg, em Mídia e Terror: Comunicação e violência política. “O ataque
às torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001 por terroristas
muçulmanos, por isso mesmo, encontrou campo fértil num imaginário ocidental que
estereotipou um Islã militante e agressivo” (WAINBERG, 2005, p.50).
O enraizamento da ideia de Islã como fundamentalista penetrou no imaginário
da sociedade, para Said o “[...] Islã não é nada além de um problema para a maioria dos
americanos” (apud SAID, 2007, p.xv). “To most Americans, Islam was nothing but
trouble”. Em sua pesquisa de análise contextual da mídia americana, e da literatura
estrangeira e nacional ─ Estados Unidos ─ Said detalha a “aura de perigo” que significa
remeter qualquer assunto próximo às questões islâmicas. No texto do New York Times
de 21 de janeiro de 1996, no título, afirmou-se: “A ameaça vermelha acabou, mas eis o
Islã” (apud SAID, 2007, p.xix) “The Red Menace is Gone. But Here’s Islam”.
A retórica dessa descrição de 1996 foi identificada, modestamente, por Said, em
1992, como sendo proveniente da fala de um antigo membro do Conselho de Segurança
Nacional, Peter Rodman, que escreveu na Nacional Review: “Até o momento, o
Ocidente se encontra desafiado por uma força externa militante e ativista guiada pelo
ódio a todo pensamento político ocidental, repetindo antigas queixas contra a
cristandade” (apud SAID, 2007, p.xvii) “Yet now the West finds itself challenged from
the outside by a militant, atavistic force driven by hatred of all Western political
thought, harking back to age-old grievances against Christendom”. As generalizações
de “todo pensamento político ocidental”, e as vagas provas de “antigas queixas contra a
cristandade”, empobrecem a tentativa de argumentação de Rodman, bem como há um
vazio de clareza e de objetividade. No trecho seguinte que Said também transcreve: “A
103
maior parte do mundo islâmico está despedaçada por divisões sociais, frustrada por sua
inferioridade material em relação ao Ocidente, amargurada por influências culturais
ocidentais [...]” (apud SAID, 2007, p.xvii) “Much of the Islamic world is rent by social
divisions, frustrated by its material inferiority to the West, bitter at Western cultural
influences […].” Percebe-se mais claramente a postura de Rodman de inferiorizar o
“mundo islâmico”, sem dizer qual é esse mundo, e nem trazer provas que justifiquem a
sugerida marginalização. O “Ocidente”, que segundo a descrição, vai além de um
espaço geográfico, e se aproxima da ideia de divisão em relação ao Oriente, e à cultura
oriental. Essa conceituação indireta do Ocidente conecta-o com um modelo de riqueza
econômica e de superioridade por tal estrutura social.
Na mesma disposição em generalizar e simplificar pseudoconceitos, em solo
brasileiro, a revista semanal Veja tem gerado inspiração como objeto de estudo de
representativas entidades e pesquisadores, para investigar desde assuntos
comportamentais e políticos a culturais e religiosos.
A pesquisadora Ana Virginia Borges Queiroz, no texto A Ocidentalização da
Informação, que é parte do estudo mais extenso do grupo das Faculdades Jorge Amado,
sob o título: Hereges, Satânicos e Terroristas: o mundo islâmico retratado pela mídia
ocidental analisou a revista no período de 12 de setembro de 2001 a 2005, e identificou
o mesmo ponto de vista de Said em Covering Islam, da influencia da mídia e das
pessoas influentes dos Estados Unidos em caracterizar o Islã como perigoso. Na análise,
a pesquisadora verifica o tom preconceituoso e pejorativo sobre as comunidades
islâmicas, em trecho da revista de 17 de outubro de 2001: “Nesse universo de turbantes,
instalou-se uma síndrome depressiva, provocada pelo atrito entre um passado de glórias
e um presente de fracassos” (apud QUEIROZ, 2005, p.03). Em outro fragmento de texto
da edição de 14 de outubro de 2001: “A Arábia Saudita é mais um dos aliados
fundamentais na campanha dos loucos de Alá que querem incendiar o mundo numa
fogueira integrista” (apud QUEIROZ, 2005, p.04). Segundo a análise, a abordagem é
simplista e ocidentalizada, além de conter elementos qualitativos que incitam diferença
e choque entre Ocidente e Oriente. Para Edward Said essa visão pejorativa da mídia,
segundo seu livro Orientalismo (2003), é cunhada como uma típica maneira ocidental
de entender o Outro, no caso o Oriente, portanto intitulada orientalismo.
Em resumo, os termos que a pesquisadora identificou na Veja, que se referiam
aos muçulmanos foram: “barbudos”, “fanáticos islâmicos ensandecidos”, “sociedades
dos turbantes”, “universo de turbantes”, “loucos de Alá” e “fanático muçulmano”; para
104
se referir aos terroristas foram utilizadas as seguintes expressões: “barbudinhos de
movimentos extremistas”, “fanáticos do Islã”, “soldados numa guerra santa contra o
Ocidente” e “fanáticos muçulmanos” (apud QUEIROZ, 2005, p.04). Contudo, além das
generalizações e discriminação claras na revista, há outro fator em comum com as teses
de Said, a questão do jornalismo de Veja de misturar Islã a fundamentalismo e outras
correntes fundamentalistas.
No complemento das análises de Said e Queiroz o pesquisador Jacques
Wainberg enfatiza que,
A imprensa é também acusada de construir e disseminar rótulos que
ajudam as pessoas a entender o mundo com base em certos
pressupostos ideológicos. Entre esses rótulos estão inúmeras
categorias de pensamento que estimulam a hostilidade contra o
inimigo. A retórica de guerra descreve o opositor como estrangeiro,
diferente, estranho, herege, e outros termos similares que estruturam
as imagens utilizadas nessas disputas. A excitação das emoções com
estereótipos marcantes e poderosos tem sido utilizada nos conflitos ao
longo da história. Suas páginas tornaram-se peças de propaganda
política e ódio. Rótulos estereotipados foram então utilizados à
exaustão na condenação do inimigo (WAINBERG, 2005, p.70).
4.2 Oficialismo na Guerra: o jornalismo também perde
O pesquisador português Silvino Lopes Évora, da Universidade do Minho,
analisa no artigo científico O discurso mediático sobre o terrorismo, a cobertura
midiática, em Portugal, do atentado de 11 de setembro de 2001, um ano depois da
tragédia. Verifica desde editoriais até material noticioso de cunho informativo. Segundo
as primeiras análises, Évora identifica na opinião de editorialistas do jornal Público o
conteúdo em conformidade com a maneira de pensar do então presidente americano
Bush sobre a polarização de ideias, ou seja, de aproximação com o “eixo de Bush”,
contra o “eixo do Mal” (titulações pronunciadas em discursos pelo presidente após os
atentados fundamentalistas de 11 de setembro).
[...] o choque das imagens do colapso das Torres Gémeas, a que
grande parte do mundo assistiu ao vivo pela televisão, criou não só um
novo estado de espírito na opinião pública americana, como permitiu
ao presidente Bush, ao declarar guerra universal ao terrorismo, se
dirigisse a todas as nações, dizendo-lhes que tinham que se definir:
105
“Ou estão conosco, ou estão com os terroristas” (PÚBLICO: 11 /09
/2002 apud ÉVORA, 2011, p.15).
Évora aponta pesquisas realizadas pelo sociólogo francês Michel Maffesoli,
pronunciadas na Conferência Imaginários e Pós-modernidade, em que afirma que o
discurso da “Guerra contra o Mal” é a “denegação do outro, negando assim a
alteridade” (MAFFESOLI apud ÉVORA, 2011, p.16).
Maffesoli explica que a recusa da alteridade faz-se “através da projecção do
outro como o mal que precisa ser domesticado”, postura capaz de autenticar e legitimar,
porventura, uma ação militar, dado que o outro aparece, aos olhos da maioria, como um
ser “selvagem” (apud ÉVORA, 2011, p.17-8).
E vai além, explicando que a forma de simplificação praticada pela mídia
tradicional é entendida como forma deficiente de pensar, ou seja, “[...] nasce da
intolerância ou desconhecimento em relação à verdade do outro e da pressa de entender
e reagir ao que lhe apresenta como complexo” (ÉVORA, 2011, p.16).
Nesse sentido, Évora esclarece que houve uma premissa dicotômica no discurso
de Bush, visando às ações militares de invasão, que se seguiram na história:
Com a preocupação de mobilizar o maior número de países possível
contra o “Eixo do Mal”, é notório que Bush reconheceu, no 11 de
Setembro, uma mudança no paradigma histórico, consubstanciado
naquilo que Todorov considera como a transformação do estado de
equilíbrio inicial da história. O discurso de “Guerra ao Terrorismo”
não é senão a procura de construir um novo equilíbrio, que passa por
reprimir veementemente todos aqueles que são considerados membros
ou apoiantes da ala do mal, fazendo valer a força do bem. Isto
significa, procurar repor uma legalidade, entendendo que a ordem foi
quebrada com a manifestação da “barbárie” (ÉVORA, 2011, p.18).
Contudo, uma das conclusões importante a que Évora chegou na análise foi que
houve uma significativa influência do 11 de Setembro no jornalismo, tamanha que o
próprio jornalismo mudou o 11 de Setembro: “[...] a forma como os media trataram o
acontecimento influenciou sobretudo a percepção do acontecimento por parte do grande
público” (ZELIZER apud ÉVORA, 2011, p.21).
106
4.2.1 Cobertura da Guerra do Iraque (2003)
A Guerra do Iraque ocorreu no início de 2003, com o objetivo, segundo o
presidente americano da época, George W. Bush, de achar as armas de destruição em
massa iraquianas. Os EUA invadiram o Iraque com apoio internacional britânico e
australiano, e colaboração local dos curdos (DEMANT, 2008, p.292).
Diante desse momento histórico, dois correspondentes internacionais, Verónica
Goyzueta e Thierry Ogier organizaram um compêndio de textos especiais com
jornalistas colaboradores da Associação dos Correspondentes Estrangeiros de São Paulo
(ACE-SP), intitulado Guerra e Imprensa: Um olhar crítico da cobertura da Guerra do
Iraque. Ela é jornalista residente no Brasil, onde fornece material jornalístico para
alguns veículos estrangeiros, dentre eles ABC espanhola, e ele jornalista francês
residente no país, que colabora com material jornalístico para alguns veículos na França,
dentre eles: Les Echos e The Economist Intelligence Unt. Entre os jornalistas
convidados para a realização da obra está o britânico, correspondente da BBC de
Londres em São Paulo, Tom Gibb, que no capítulo Ecos de uma outra guerra, escreve
sobre sua estadia de oito anos em El Salvador, quando cobriu a guerra civil do país, na
época, para a rádio da BBC. Gibb descreve o cenário de um correspondente de guerra,
suas dificuldades jornalísticas e meandros de interesse que operam numa guerra. Sobre
a objetividade que se prima cumprir como técnica jornalística declara, ao descrever
sobre o assassinato de um padre e amigos em comum:
Hoje, quando olho as matérias que escrevi na época, a narração fria
dos fatos reflete apenas uma pequena parte da angústia, da raiva e da
tristeza que senti, naquela manhã quente, ao olhar o jardim da frente
da casa deles ainda pegajoso e coberto pelo sangue e pelos miolos
deles. O quanto é difícil para um jornalista — um forasteiro na guerra
— entender e explicar a esperança, o terror, a empolgação e a
crueldade vivida por aqueles diretamente envolvidos (GIBB, 2003,
p.33).
Gibb relembra a cobertura de El Salvador para explicar que naquela guerra o
apoio dos Estados Unidos à ala conservadora do país era claro e, colaborou para o
mascaramento de fatos, inocência de assassinos e permanência da retórica pró governo
salvadorenho. Diante disso Gibb afirma que na época tinha documentos que
evidenciavam a ligação da CIA nas chacinas ocorridas no país. “A CIA estava
comandando grande parte da guerra suja. Especialistas em terrorismo urbano
107
contratados pela CIA ─ vindos dos EUA e do sudeste da Ásia ─ estavam envolvidos no
conflito.” E avança: “Muitos dos coronéis salvadorenhos, responsáveis por crimes
contra a humanidade, estavam na lista de pagamentos da CIA e, posteriormente,
ganharam a cidadania norte-americana.” (GIBB, 2003, p.36).
O correspondente britânico pontua a história e destaca sua preocupação com a
sociedade que consome e digere informações de guerra, e que, de maneira indiferente,
não se choca com algumas informações noticiosas que são emitidas de maneira banal e
descuidadas, como foi a cobertura do Iraque, por parte significativa do jornalismo
mundial, segundo Gibb. “Se os telespectadores ficam com a impressão de que os
Estados Unidos podem lutar numa guerra sem matar muitos civis, eu temo que a
imprensa tenha falhado completamente em sua cobertura.” (GIBB, 2003, p.39).
E nesse mesmo sentido critica a postura dos profissionais da área sobre a falta de
questionamento em alguns detalhes de documentos oficiais e depoimentos de
governantes importantes. Em especial chama a atenção ao discurso da mídia americana,
que enfatizava os “depoimentos”: “[...] aos depoimentos dos oficiais seniores e políticos
que diziam estar fazendo o possível para minimizar as baixas civis”.
Outra ausência apontada por Gibb é a negligência em investigar o lado
iraquiano, no que fosse possível, “Não houve contabilidade de baixas dos perdedores da
guerra ─ e nada indica que haverá agora. Ainda não sabemos em detalhes o que
aconteceu com o exército de Saddam Hussein”. Ele também confessa que seria
trabalhoso para o jornalismo de guerra encontrar os sobreviventes e montar o quebra-
cabeça de um material jornalístico contextualizado e primoroso com a informação, pois
levaria tempo, fato que não combina com a apuração instantânea da maioria dos canais
de tevê mundiais, nem mesmo com as agências de notícias, que fornecem o bruto do
material noticioso para os vários tipos de meios de comunicação3 (GIBB, 2003, p.42-3).
Na mesma obra, Guerra e Imprensa: Um olhar crítico da cobertura da Guerra
do Iraque, o jornalista inglês Stephen Cviic, apresentador de rádio da BBC, enfatiza em
seu artigo Objetividade e reportagem de guerra, o caso que envolve o primeiro-
ministro, Tony Blair, em manipulação de informações para fortalecer os argumentos em
favor da Guerra do Iraque frente à opinião pública britânica, para fins de conquistar a
3 Um exemplo de trabalho árduo, mas bem jornalístico, foi o do jornalista George Steer que ficando em
Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola, conseguiu vários testemunhos, e executar um
contextualizado material jornalístico (GIBB, 2003, p.44).
108
parcela da população do país que ainda estava distante dos argumentos e aliança dos
ingleses com os Estados Unidos (CVIIC, 2003, p. 21).
[...] já havia sido desacreditado após descobrir-se que uma parte fora
plagiada de uma tese de doutorado; o outro ─ publicado em setembro
de 2002 ─ tinha mais credibilidade, mas os jornalistas começavam a
levantar dúvidas inclusive sobre esse relatório. E foi essa reportagem
─ baseada numa conversa entre o jornalista e o especialista em armas
David Kelly ─ que desencadeou a polêmica entre o governo e a BBC
e a morte (aparentemente por suicídio) do cientista (CVIIC, 2003, p.
21).
Mas, a parte mais crítica da análise de Cviic é sobre o “não-jornalismo”
desenvolvido pela mídia, em geral, sobre o uso e apadrinhamento de terminologias
militares norteamericanas na cobertura da Guerra, refere-se à utilização do termo
“bolsões de resistência” pelos porta-vozes estadunidenses e britânicos, para se referirem
a várias cidades. “Essa palavra ‘bolsão’, que sugere uma coisa pequena e de pouca
durabilidade, é parcial. Às vezes a resistência não era tão fraca assim. Acredito que uso
deste termo foi uma falha da nossa parte” (CVIIC, 2003, p.18). E pontua que o “[...] o
emprego das palavras é a parte mais importante em tentar ser objetivo.” (CVIIC, 2003,
p.18).
Outro problema, do uso da linguagem incorreta que contamina o entendimento, é
apontado pelo pesquisador Jacques Wainberg em Mídia e Terror “Os discursos foram
construídos com farta utilização de metáforas e neologismos, em especial o ódio à
“globalização”, termo guarda-chuva que acolhe a conhecida oposição desses grupos ao
capitalismo propriamente dito” (WAINBERG, 2005, p.140). Na análise de Wainberg o
uso de neologismo, referências de ordem comparativa e descrição de metáforas
indiscriminadamente, ou melhor, estrategicamente, leva os linguistas a denominarem
esse tipo de discurso como “falácia”, “[...] ou seja, trata-se de um argumento falso, ou
uma falha no argumento falso, ou uma falha no argumento, ou ainda um argumento mal
direcionado ou conduzido. Uma afirmação falaciosa pode ser composta de fatos
verdadeiros, mas sua forma de apresentação conduz a conclusões erradas.”
(WAINBERG, 2005, p.144).
E vai além, trazendo à luz desse ensaio a preocupação do jornalismo de incitar a
intolerância, que pode ser advinda desse uso errôneo da linguagem. “Por vezes, essas
tensões explodem em conflitos étnicos abertos, perseguições religiosas, homicídios
109
políticos e terrorismo, que desafiam os valores da tolerância.” (WAINBERG, 2005,
p.148).
Os processos de produção da informação pelo jornalismo internacional levam a
interrogações de como estão sendo utilizadas as vertentes de objetividade, de respeito e
de credibilidade às fontes jornalísticas no contexto do fato reportado, visto as várias
problemáticas que jornalistas e pesquisadores têm levantado sobre a cobertura de
conflitos. Wainberg destaca que,
Entre as técnicas de comunicação utilizadas na promoção de tal
insensibilidade está a “linguagem sanitizada”, permeada de
eufemismos, a distorção e a minimização das consequências quando o
resultado da violência é ignorado ou disputado; a justificativa moral
de tais atos de violência; comparações desvantajosas à paz em relação
aos efeitos esperados da violência e da desumanização da vítima
(WAINBERG, 2005, p.152).
Na sequência analítica sobre o uso frequente de terminologias oficiais, que
exercem poder no contexto a que se referem, a jornalista Verônica Goyzueta, em
Jornalismo na Guerra: nossas falhas em evidência, também especula a cumplicidade da
imprensa na guerra. Descreve que quando a pesquisa da Gallup-CNN confirmava que o
discurso do Bush tinha sido convincente para que 67% dos estadunidenses
concordassem com a guerra, Goyzueta acredita que nada justificaria uma invasão
(mesmo os EUA receber o apoio de 67% da sua população), menos ainda a submissão
da imprensa sobre qualquer crítica a essa ação do governo americano. “Nada justifica,
no entanto, uma resposta bélica com cumplicidade da imprensa, com vítimas civis tão
inocentes como as de 11 de setembro, Afeganistão, Iraque, Pear Harbor, Hiroshima.”
(GOYZUETA, 2003, p.52).
Goyzueta cita o renomado jornalista de 64 anos, Robert Fisk, do The
Independent, onde escreveu uma crônica sobre esse assunto das terminologias:
Na sua crônica de 1 de abril de 2003, Fisk criticou o “estilo”da mídia
britânica ao chamar os “invasores anglo-americanos”de “coalizão”ou
de “forças de coalizão”, para descrever a aliança de apenas dois países
com pequenos reforços da Espanha e da Austrália. O termo também
usado pela mídia-americana foi traduzido pela imprensa brasileira na
televisão, nos jornais, mesmo entre veículos considerados
independentes. Fisk critica o uso de termos como “guerra” em vez de
“invasão”; “libertação” em vez de “ocupação”, ou falar de “campanha
aérea” quando “nenhum avião iraquiano deixou o solo.” (FISK apud
GOYZUETA, 2003, p.55).
110
O jornalista Thierry Ogier em O choque, o espanto e o escriba dos tempos pós-
moderno, também expõe sua análise sobre termos usados despreparadamente pela
mídia,
[...] algumas expressões de cunho militar passaram à linguagem
coloquial, como o chamado “fogo amigo”, que, como muitos já
sublinharam, nada tem de amigo. Na França, em particular, muitos
jornalistas de rádio e televisão abusaram do neologismo “securizar”
repetido pelos porta-vozes militares norte-americanos e britânicos
durante a ofensiva rumo a Bagdá, para garantir que tudo estava sob
controle (“O porto de Um Qasr está securizado”, “Securização de
Basrah” etc.) (OGIER, 2003, p. 73).
Nesse sentido, Goyzueta declara que na Guerra do Iraque existiram 600
correspondentes embedded (encaixados, embutidos), que foram obrigados a respeitar
um manual com 19 normas, entre as quais: “[...] não informar o local da notícia nem
revelar o número de baixas norteamericanas nas operações.” (GOYZUETA, 2003,
p.56).
A jornalista Goyzueta, ao lembrar a história criada pela assessoria americana
para fins manipulativos4, da recruta Jéssica Lynch, que hipoteticamente foi capturada
por iraquianos e resgatada por forças especiais dos Estados Unidos oito dias depois,
numa megaoperação, que rendeu audiência mundial. Segundo Goyzueta, graças ao
trabalho de bons jornalistas, a versão oficial foi questionada, e verificaram que Lynch,
uma secretária do Exército de 19 anos, da cidade de Palestine, West Virginia, nos
Estados Unidos, foi capturada quando sua companhia fez uma curva errada saindo da
cidade iraquiana de Nasyriah. As forças especiais atacaram o hospital, registrando os
"dramáticos" momentos em uma câmera com visão noturna.
Goyzueta conta também a história de Salam Pax, que difundiu informações
narrativas sobre o contexto e os bastidores da Guerra do Iraque, que a maioria, ou senão
quase todos correspondentes, agências e enviados especiais a Bagdá, não trouxeram.
Pax postava informações atuais e diárias em seu blog. Depois de análises e muita
repercussão no campus jornalístico internacional descobriu-se que Salam Pax era o guia
de um jornalista britânico. Uma questão interessante desse cenário construído por Pax,
além da questão já bem teorizada e dita em aulas de jornalismo, que as fontes primárias
4 Esta história da recruta faz a autora desta tese lembrar e observar como as histórias reais podem, às
vezes, ser reflexos da ficção. O filme Wag the Dog (em português Mera Coincidência), conta a história
ficcional da fabricação de uma guerra pelos EUA na Albânia, para tirar o foco da mídia e da opinião
pública, do assédio sexual do presidente americano às vésperas de reeleição.
111
e testemunhais são imprescindíveis para um jornalismo equilibrado e honesto, é que
houve a reprodução de uma conversa entre duas jornalistas no saguão do Hotel
Meridien, onde estavam hospedados os jornalistas “encaixados”, e neste diálogo as
jornalistas se referiram uma à outra, que logo mais se encontrariam fora dali, numa
outra cobertura, em razão do fim da pauta (do agendamento da Guerra do Iraque), que já
estaria esgotada para a mídia mundial.
A ironia com que Salam se referiu às duas jornalistas no Hotel é, na
verdade, o humor negro de quem viu a imprensa atrás do marketing
que uma guerra pode proporcionar. Uma guerra da maior potência do
mundo contra o país que detém o petróleo é uma pauta e tanto, é uma
oportunidade para aparecer, para vender jornal, para ganhar audiência
(GOYZUETA, 2003, p.61).
Posturas próximas a essa ideia, de aproveitar os rumores de guerra, soaram em
terra brasileira. A Folha de S. Paulo5 foi o único jornal brasileiro que enviou
correspondentes ao Iraque, para a cobertura da Guerra (GOYZUETA, 2003, p.61). O
veículo, que também reproduziu uma série de artigos de Robert Fisk, do diário inglês
The Independent, mandou um correspondente a Bagdá.
Porém, isto se tornou um grande evento: a Folha chegou a publicar
meia página de propaganda durante vários dias para “comemorar” o
fato de ser o único veículo de comunicação brasileiro a ter um
correspondente na capital iraquiana. A TV Record pegou carona.
Após entrevistas diárias com Ségio Dávila, o âncora Boris Casoy
avisou aos seus telespectadores: “Comprem a Folha amanhã”
(OGIER, 2003, p. 72).
O jornalista Thierry Ogier descreve o evento da Folha e da Record como
“oportunismo barato”, e pontua a atitude como uma via de “instrumentalização da
guerra” (OGIER, 2003, p. 72).
Até mesmo o governo brasileiro, ou melhor, o marketing de projetos do governo
aproveitou a propaganda realizada pelo jornalismo, lançando a campanha oficial do seu
programa Fome Zero, proclamando que “A nossa guerra é contra a fome”, o que
segundo Ogier escancara o oportunismo.
5 A permanência dos jornalistas da Folha de S. Paulo foi rápida. “O jornal informou que retirava seus
jornalistas de Bagdá, Sérgio Dávila e Juca Varella, por medida de segurança e por dificuldades para
enviar dinheiro ao Iraque. Num debate sobre a cobertura da guerra, em São Paulo, Dávila confirmou que
o principal problema para permanecer em Bagdá foi dinheiro.” (GOYZUETA, 2003, p.55).
112
Outra técnica invasiva de propaganda foram as inserções da Coca-Cola entre as
manchetes e a abertura do noticiário. “Resultado: entre as manchetes sobre a guerra e a
apresentação da primeira reportagem sobre a mesma guerra, um minuto de Coca-Cola!”
(OGIER, 2003, p. 74). Normalmente essas inserções costumam ser de trinta segundos,
no máximo.
O formato de informação contínua já mostrou suas limitações e seus
inconvenientes: difusão ininterrupta de comunicados de guerra,
contágio da linguagem militar no vocabulário comum, imperativo na
rapidez da informação, conduzindo, algumas vezes, à superficialidade
─ até o ouvinte/telespectador alcançar a sensação de saturação mental
e de overdose! O Estado de S. Paulo publicou inúmeras matérias de
agências internacionais e reproduziu artigos do New York Times,
Washington Post, entre outros (OGIER, 2003, p. 71).
Ainda para a jornalista Goyzueta, “O caso mais notório e mais criticado dessa
cobertura foi a contaminação da mídia norte-americana pelo espírito de patriotismo que
invade o país desde 11 de setembro” (GOYZUETA, 2003, p.51). Pois a imprensa
estadunidense costuma ser o espelho do jornalismo imparcial e objetivo, praticado por
significativa parcela latinoamericana. Nesse sentido, Goyzueta vê o perigo em
justamente essa mídia brasileira e latinoamericana se espelharem na imprensa
corrompida de patriotismo e de cumplicidade com os ideais do governo americano
(GOYZUETA, 2003, p.51).
4.2.2 Seguindo as trilhas das Fontes Oficiais
A questão da cumplicidade da imprensa americana (que exerce significativa
influência em linhas editoriais de agências internacionais, e, em muitas outras mídias
pelo mundo) com as ações do governo americano é tema de estudo aprofundado pelo
teórico e linguista americano Noam Chomsky. No livro Manipulação do Público com o
outro teórico Edward Herman (2003, p.61), afirmam que a mídia de massa,
[...] serve como um sistema para comunicar mensagens e símbolos à
produção em geral. A função dessas mensagens e símbolos é divertir,
entreter, informar e incutir nas pessoas os valores, credos e códigos de
comportamento que as integrarão às estruturas institucionais da
sociedade maior. O cumprimento desse papel, em um mundo de má
distribuição de renda e de importantes conflitos de interesse de
classes, requer uma propaganda sistemática.
113
Portanto, a mídia mobiliza e reitera muitos interesses empresariais de sua
instituição como mídia e como apoio ao governo em época que acha oportuno. Com
esse entendimento, os teóricos atribuem cinco filtros que a notícia costuma percorrer até
chegar aos receptores. 1 - o porte, a concentração da propriedade, a fortuna dos
proprietários e a orientação para o lucro das empresas que dominam a mídia de massa; 2
- a propaganda como principal fonte de recursos da mídia de massa; 3 - a dependência
da mídia de informações fornecidas pelo governo, por empresas e por “especialistas”
financiados e aprovados por essas fontes primárias e agentes do poder; 4 - a bateria e
reações negativas (em inglês, flak) como forma de disciplinar a mídia, e 5 - o
“anticomunismo” como “religião nacional” e mecanismo de controle. Esses elementos
interagem entre si e se reforçam mutuamente (CHOMSKY; HERMAN, 2003, p.62).
No primeiro filtro, os comunicólogos desenvolvem a ideia central de que as
“mídias dominantes” são grandes empresas controladas por poderosos, ou por
empresários, ou por forças voltadas para o mercado e o lucro; e estão solidamente
unidas por interesses em comum com outras grandes corporações, bancos e
investidores. Nesse sentido, eles ainda afirmam que muitas empresas de mídia estão
totalmente integradas ao mercado e, assim, como para as outras, as pressões de
acionistas, diretores e banqueiros para se focarem em lucros são muito fortes. “Essas
pressões intensificaram-se nos últimos anos à medida que as ações das empresas de
mídia se tornaram favoritas do mercado [...]”, descobrindo com isso que é possível “[...]
capitalizar maiores audiências e receitas de propaganda em valores multiplicados das
franquias de mídia – e grandes fortunas.” (CHOMSKY; HERMAN, 2003, p.66).
Antes de abordar a importância do segundo filtro que diz respeito à “licença da
propaganda para fazer negócios” é necessário esclarecer que antes de a propaganda se
tornar proeminente, o preço de um jornal teria que cobrir os custos do negócio, da
empresa jornalística. Entretanto, com o crescimento e uso da propaganda, os jornais e
veículos de comunicação que atraíam anúncios puderam se permitir vender seu produto
abaixo do preço que custava a produção. O que ocorreu depois, como consequência, não
fica difícil de imaginar. Os jornais que não tinham anúncios ficaram em grave
desvantagem, sendo vendidos por preço maior do que aqueles com anúncios, tendo suas
vendas prejudicadas e tendo menos condições de investir na melhoria estrutural do
jornal ou de outro veículo. Por essa razão, um meio com base na propaganda tenderá,
pela lógica do mercado, a eliminar a existência ou levar à marginalidade as empresas de
comunicação e os tipos de mídia que dependem unicamente das receitas de vendas.
114
Respaldados por essa ideia, os autores dos filtros esclarecem que, “As mídias
baseadas em anúncios recebem um subsídio da propaganda que lhes dá vantagens de
preço, marketing e qualidade, que lhes permite abusar de seus rivais que não utilizam
propaganda (ou que ficam em desvantagem) e enfraquecê-los ainda mais.”
(CHOMSKY; HERMAN, 2003, p.73).
Com isso, pode-se afirmar na constatação de Chomsky e Herman (2003, p.73)
que os anunciantes escolhem criteriosamente os meios de comunicação, e mesmo os
programas e demais formatos jornalísticos (revistas, jornais, programas de rádio e TV),
tomando por base seus princípios, e evitam programas que possam interferir no “poder
de compra” dos consumidores. Assim, muitas vezes, programas com conteúdos
educativos são excluídos da programação com facilidade.
Portanto, no outro sentido, o elo entre produção jornalística e propaganda
resultou num fator relevante: a produção do conteúdo jornalístico ficou comprometida.
Para o comunicólogo Ciro Marcondes Filho (2002, p.117) existe uma linha tênue
entre a economia interna da empresa e seus anunciantes, pois, com a entrada e
hegemonia da propaganda na manutenção dos meios de comunicação, o poder do
jornalismo perdeu seu caráter independente, “[...] a produção de notícias perde o que a
caracterizou e deu força em todo o seu ‘período áureo’, aquilo que Albert Londres
chamava de ‘pôr a pena na ferida.’” (MARCONDES, 2002, p.117).
No terceiro filtro “buscando fontes de notícias de mídia de massa” os jornalistas
necessitam de notícias diárias, cumprem horários apertados e dificilmente estão
presentes nos diversos lugares onde fatos importantes podem acontecer. Percebendo
isso, fontes do governo e das corporações se “esforçam” para tornar as coisas mais
fáceis para a mídia, enviando discursos adiantados de conferências e reuniões, releases
e pronunciamentos de acordo com o horário de fechamento dos jornais. Isso facilita a
atividade da mídia e, em troca, as grandes entidades e o governo obtêm acesso especial
na mesma.
Com isso, a “mídia de massa” é levada a um relacionamento simbiótico com as
poderosas fontes de informação pela necessidade econômica das empresas jornalísticas
e pela reciprocidade de interesse do governo (tanto local quanto prefeituras e outros
departamentos federais) e também de corporações de negócios e grupos comerciais que
são considerados por essa mídia confiáveis e tidos com o mérito de serem fornecedores
regulares. Portanto, estabelece-se nessa lógica um fluxo programado de matérias
pautadas por essas organizações de notícias.
115
Segundo Chomsky e Herman (2003, p.78), as “[...] fontes governamentais e
corporativas também têm seu mérito de ser reconhecíveis e confiáveis por seu status e
prestígio [...]”. Seguindo essa linha de pensamento, Chomsky e Herman apontam outra
razão para o alto prestígio concedido a fontes oficiais: é que a mídia afirma produzir
notícias de caráter objetivo, com a finalidade primeira de manter sua imagem de mídia
objetiva e depois se proteger de críticas quanto às tendenciosidades e de possíveis
ameaças de ações cíveis, já que é necessário que ela tenha, entre seu hall de matérias,
notícias que lhes dê base de precisão. Para os autores,
Trata-se em parte de uma questão de custo: tomar a informação de
fontes que podem ser presumivelmente confiáveis reduz as despesas
de investigação, ao passo que o material de fontes que a uma vista não
são confiáveis, ou que darão margem a críticas e ameaças, exige uma
cuidadosa verificação e uma pesquisa dispendiosa (CHOMSKY;
HERMAN, 2003, p.78).
No quarto filtro, “a bateria de reações negativas e os fiscais de cumprimento”, os
autores usam o termo bateria de reações negativas para se referir às respostas negativas
dadas a um programa ou declaração da mídia que tem a finalidade de regulamentar,
ameaçando e “corrigindo” a mídia, tentando conter qualquer desvio da linha
estabelecida. O noticiário em si está projetado para produzir essa reação. Nesse sentido,
os geradores de reações negativas somam suas forças e reforçam o comando da
autoridade política em suas atividades de gerenciamento de notícias. Segundo Chomsky
e Herman (2003, p.87) o governo é o principal produtor de reações negativas, atacando
a mídia.
O quinto e último filtro ressalta a presença da ideologia do anticomunismo na
produção do material veiculado pelos meios de comunicação. O “anticomunismo como
mecanismo de controle” é utilizado pela mídia como forma de manipulação da classe
dominante, tornando-se um “sistema de mercado guiado” por governos, líderes de
comunidades e acionistas destas mídias.
Isso ocorre com frequência em razão de o conceito do comunismo ainda ser
obscuro no mundo contemporâneo. Portanto, o comunismo em seu sentido pejorativo6 é
utilizado pela mídia contra qualquer um que defenda políticas que ameacem os
interesses de proprietários ou apóie países comunistas. Esse último filtro aparece nas
6 No sentido que aterroriza os proprietários de imóveis e ameaça a raiz de sua posição de classe e de
status superior.
116
mais comuns das matérias veiculadas pelos meios de comunicação criminalizando os
movimentos sociais e outros que estejam a favor de causas sociais que remetam a
estudos das raízes dos problemas sociais, como o exemplo o Movimento dos Sem Terra,
no Brasil.
Portanto, segundo os autores pode-se afirmar que o mecanismo do controle
anticomunista difunde-se na sociedade para exercer profunda influência sobre a mídia.
Em tempos normais, assim como em períodos de Pânico Vermelho, as
questões tendem a ser enquadradas em termos de um mundo
dicotomizado entre forças comunistas e anticomunistas, com ganhos e
perdas distribuídos aos lados em disputa, e a torcida pelo ‘lado norte-
americano’ considerada como uma prática jornalística inteiramente
legitimada (2003, p.89).
Nesse sentido, a legitimidade da opinião anticomunista na mídia mantém traços
conservadores da história dicotomizada da Guerra Fria (EUA e União Soviética) e
permite a observação atual de seu poder na retórica da Guerra do Iraque, por exemplo,
no discurso de Bush e de parcela da mídia (como se viu nas análises dos autores neste
Cap. IV).
Outra influência importante nessa análise das fontes oficiais é o uso das
terminologias trazidas pelo governo americano, na maioria das vezes, reiteradas pela
mídia indiscriminadamente. O jornalista Robert Fisk no texto O Jornalismo e as
Palavras de Poder, pronunciado numa conferência no Canadá, expõe pontualmente as
terminologias que são assimiladas pela mídia americana e reproduzidas sem
questionamento.
Quando nós ocidentais descobrimos que “nossos” inimigos — a Al-
Qaeda, por exemplo, ou o talibã — explodiram mais bombas e
patrocinaram mais ataques do que o esperado, chamamos isso de “um
pico de violência”. Ah, sim, um ‘pico’. Um ‘pico’ de violência,
senhoras e senhores, foi uma frase primeiro usada, de acordo com
meus arquivos, por um general na Zona Verde de Bagdá em 2004
[inicialmente quartel-general da ocupação dos Estados Unidos no
Iraque]. No entanto, nós usamos a frase agora, discutimos a partir
dela, replicamos como se fosse nossa. Estamos usando, literalmente,
uma expressão criada para nós pelo Pentágono. Um “pico”,
naturalmente, significa algo que sobe rapidamente e que em seguida
cai rapidamente. Um ‘pico’, assim sendo, evita o uso do terrível
“aumento da violência” — já que um aumento, senhoras e senhores,
pode não ser seguido por uma redução posteriormente (FISK, 2010,
p.01).
117
Outro exemplo citado faz alusão a quando os generais dos Estados Unidos se
referem a um repentino aumento de suas forças, como um apoio a um ataque contra
qualquer movimento, o Pentágono chama isso de “surge”. “O que esses ‘surges’ são, na
verdade, — para usar as palavras verdadeiras do jornalismo sério — são reforços. E
reforços são mandados para as guerras quando os exércitos estão perdendo essas
guerras. Mas nossos meninos e meninas nos jornais e nas emissoras de TV estão falando
em ‘surges’ sem atribuir isso ao Pentágono!” (FISK, 2010, p.03). Da mesma forma, a
expressão estratégica “Af-Pak” usada pela mídia para simplificar “Afeganistão-
Paquistão”, em operações dos EUA nesses países, foi originalmente “[...] uma criação
do Departamento de Estado, no dia em que Richard Holbrooke foi indicado como
mediador dos Estados Unidos no Afeganistão e no Paquistão”.
Mas a frase evita o uso da palavra “Índia”, de influência no
Afeganistão (cuja presença no Afeganistão é parte vital da história).
Além disso, “Af-Pak” — ao apagar a Índia — eficazmente apaga toda
a crise de Kashmir do conflito no sudeste da Ásia. E assim o Paquistão
ficou sem qualquer papel na política dos Estados Unidos para Kashmir
— afinal, Holbrooke foi nomeado para o “Af-Pak”, especificamente
proibido de discutir Kashmir. E assim a frase “Af-Pak”, que nega
totalmente a tragédia do Kashmir — significa que quando nós
jornalistas usamos a mesma frase, “Af-Pak” — que com certeza foi
criada para nós — estamos fazendo o trabalho do Departamento de
Estado americano (FISK, 2010, p.02).
Fisk, ao concluir, identifica uma questão positiva, dizendo que o público
receptor das mensagens viciadas está atento. “Eles [o público] sabem que estamos
afogando nosso vocabulário na linguagem dos generais e presidentes, das assim-
chamadas elites, na arrogância dos experts do Brookings Institute, ou daqueles da Rand
Corporation ou o que eu chamo de ‘think tanks7’. Então nós nos tornamos parte desta
linguagem.” (FISK, 2010, p.03).
4.3 Enquadrando o Discurso Jornalístico
A pesquisadora na área da comunicação da UERJ, Alessandra Aldé, no artigo
Mídia e guerra: enquadramentos do Iraque promove interessante pesquisa na análise
7 Esse conceito de think tanks (em português, Usina de Ideias) foi redirecionado pelos pesquisadores da
área crítica do uso da retórica de filosofias neoliberais da economia americana. Está relacionado ao
significado de “pensadores que policiam as atribuições valorativas do establishment americano”.
118
dos discursos jornalísticos que retratam o Oriente Médio, em especial em período de
guerra, como deixou transparecer no artigo sobre a Guerra no Iraque.
Ampliando a discussão, Aldé não apenas realiza as análises posicionando os
discursos em seus respectivos “enquadramentos”, como também traz a presença do
Estado, enquanto ator da esfera política no debate de apropriação do discurso da mídia.
E interroga se este Estado, numa democracia como a brasileira e a estadunidense, se
fortalece com os enquadramentos analisados do papel da mídia, ou seja, identifica o
jogo de interesses entre enquadramentos, mídia, Estado e sociedade ─ opinião pública.
“Também interessa a perspectiva da sociedade cujo poder, numa democracia, o Estado
representa, e cujos interesses podem ou não coincidir com os deste último”. Contudo,
diagnostica que em situações de crise o clima entre a mídia e o Estado é singular “[...]
percebemos que os atores políticos oficiais contam com vários recursos para procurar
controlar a cobertura dos meios de comunicação de massa, fornecendo-lhes eventos de
mídia, declarações oficiais, imagens exclusivas ou pitorescas. Para questões políticas,
polêmicas ou não, a imprensa dificilmente deixará de ouvir a versão oficial” (ALDÉ,
2004, p.03). Pois ter os “[...] jornalistas alinhados ao enquadramento oficial é estratégia
fundamental.” (ALDÉ, 2004, p.03).
Nesse sentido, Aldé esclarece que quanto mais pluralidade de enquadramentos
nos discursos da mídia, maiores serão as opções democráticas para a sociedade. E o
inverso é prejudicial à população. “O fechamento de enquadramentos, numa guerra,
pode levar no limite à adoção restrita da versão oficial, reduzindo a possibilidade dos
cidadãos de elaborarem suas opiniões a partir da comparação entre diferentes aspectos e
perspectivas sobre o conflito.” (ALDÉ, 2004, p.06).
Na análise da cobertura jornalística do conflito do Iraque a pesquisadora Aldé
verificou quatro enquadramentos principais,
a) O enquadramento militar ou belicista, centrado nas táticas e
estratégias de guerra, nos arsenais e equipamentos, foi o que enfatizou
as informações sobre armamentos, trajetórias, mapas, manobras,
movimentos, comparação de forças etc. Trata-se de uma perspectiva
naturalmente atraente para os meios de comunicação de massa, dada a
carga dramática e imagética de qualquer conflito, e portanto é
previsível que seja um dos enquadramentos mais recorrentes (ALDÉ,
2004, p.09).
O segundo enquadramento — o econômico — diz respeito às “[...] eventuais
motivações econômicas da guerra, e para as possíveis conseqüências da derrota e
119
ocupação do país inimigo”. Segundo a autora, esse enquadramento permitiu uma
perspectiva mais crítica pela mídia, pois trazia à luz questões da guerra ligadas às
reservas petrolíferas do Iraque (ALDÉ, 2004, p.9).
O terceiro refere-se ao enquadramento humanista que destaca os efeitos da
guerra sobre as sociedades e grupos inclusos da disputa, nas mortes e na destruição
civil, como um todo.
O quarto e último enquadramento, o político, “[...] aponta para os significados
públicos da guerra, o processo de tomada de decisões e exercício do poder, com suas
relações de alianças e repúdios, e seus efeitos para a ordem internacional.” (ALDÉ,
2004, p.9).
Na opinião da pesquisadora, o enquadramento humanista, neste conflito, pode
ser visto, de certa forma, pela pressão das imagens fornecidas pelas redes árabes de
televisão às agências e emissoras internacionais, imagens que, ao passo que deram
visibilidade do enquadramento, forçaram inclusões mais humanas à mídia americana.
A comparação com a cobertura da primeira Guerra do Golfo, em
1991, é esclarecedora. As centenas de milhares de iraquianos mortos
naquela ocasião e nos anos que se seguiram tiveram menos destaque,
nas imagens da mídia, dos que os pássaros grudados nos vazamentos
marítimos de petróleo. Predominaram, em geral, as imagens de
bombardeios esverdeados, ao longe, que reforçavam o caráter “limpo
e cirúrgico” da intervenção americana, enquadramento que se impôs à
cobertura internacional pela censura americana, em uma estratégia
deliberada de desinformação do público (KELLNER apud ALDÉ,
2004, p.10).
Analisando esses enquadramentos na cobertura da mídia brasileira, Aldé
identificou que a revista Veja adotou a perspectiva militarista da guerra, embora
hibridizasse, dependendo do interesse editorial da revista, os enquadramentos políticos e
econômicos. “As capas e maioria das matérias, no entanto, sempre chamavam a atenção
para a disparidade de forças, enfatizando a superioridade americana”. Completa,
afirmando que em várias matérias, nos primeiros meses de 2003, mostravam as
“monstruosidades de Saddam Hussein e seu regime”, dando poucas linhas para
descrever o papel dos Estados Unidos na consolidação de seu poder imperialista. “Em
vários momentos, a revista reproduziu as ridicularizações dos norte-americanos às
manifestações pacifistas de outras partes do mundo, inclusive do Brasil, dando a guerra
como inevitável e tecnológica, política e economicamente eficiente.” (ALDÉ, 2004,
p.10-11).
120
Nas análises telejornalísticas predominaram-se o enquadramento belicista, que
reforçou a visão militar dos mais poderosos no conflito, os EUA e seus aliados. Nesse
sentido, a pesquisadora salienta que ocorreu uma “disparidade de forças”, e mostra que
foi a versão oficial dos invasores que permaneceu nos discursos.
O Jornal Nacional reservou vários minutos de cada bloco dedicado ao
assunto para descrições minuciosas dos equipamentos e rotas de
invasão, com o apoio gráfico de um mapa tridimensional. Trata-se de
um enquadramento evidente, é claro, em se tratando de uma guerra,
mas a ênfase ou fechamento, no caso deste se tornar exclusivo, arrisca
a fortalecer o argumento da força, destacando o caráter “inócuo” das
gestões contra a guerra e as previsões otimistas do lado mais forte
(ALDÉ, 2004, p.12).
Para o pesquisador em cultura contemporânea da UFBA, Antônio Brotas, em
Guerra e Terrorismo: os diferentes discursos e enquadramentos da mídia, houve a
representação contaminada da realidade muçulmana no conflito, em razão desses
enquadramentos estarem ligados a uma visão oficial e, mesmo, de propaganda da guerra
pelos invasores.
Ao aceitar imagens e textos puramente propagandísticos como
verdadeiros acontecimentos, o jornalismo dificulta a formação de uma
cultura de aceitação do outro como seu contemporâneo, não inferior,
mas diferente no seu modo de vida. Os jornalistas realizam uma
extrema simplificação da religião, das reflexões teológicas, das
divisões internas, da complexidade da história, das regiões, das
culturas e dos movimentos políticos que existem nessa vasta região
chamada de “mundo islâmico” (BROTAS, 2005, p.10).
Além do enquadramento oficial, Brotas identifica que as imagens sobre o mundo
muçulmano foram construídas a partir de elementos “[...] etnocêntricos, que associam
toda uma população, ao atraso, ao fanatismo e extremismo religioso” retratando o Outro
Islã em uma representação de inferioridade e distanciamento mais profundo da visão
Ocidental, reproduzida por uma parcela significativa da mídia internacional (BROTAS,
2005, p.03). E conclui que esse discurso “patológico” sobre o terrorismo esconde suas
motivações políticas e todas as questões de fundo que ajudam a compreender a
realidade daquele povo (BROTAS, 2005, p.10).
121
“É ilusão acreditar que as possibilidades virtuais, capazes de
reproduzir imagens de realidades do outro lado do mundo
dentro das nossas salas, nos façam entender aquelas
realidades. Quanto mais a câmera focaliza os detalhes, menos
vemos do quadro completo. Tão perto e, mesmo assim, tão
longe.” (MILZ, 2003, p.67).
122
CAPÍTULO V – JORNALISMO INTERNACIONAL
A formação dos enquadramentos e visões da informação jornalística transcende
suas constituições textuais, imagéticas, sonoras e ilustrativas, depende
significativamente das suas inter-relações com fatores externos e da área jornalística.
Como elementos externos entendem-se as constituições vindas da história (interesses,
políticos, sociais), do repertório cultural das sociedades e da ligação que a mídia
desenvolve com esses elementos. Como área jornalística compreende-se a rotina
produtiva do veículo de comunicação (seus valores jornalísticos internos e sua maneira
de conceber a informação), a postura como determinado veículo se relaciona com os
interesses dos fatores externos, e a forma como, ao desenvolver o jornalismo, é visto e
apreciado pelas audiências, e o quanto esse retorno é reincorporado a essas rotinas de
produção pelo veículo. Nesse sentido, é importante observar e analisar as características
que colaboram para a formação do jornalismo, em especial o jornalismo internacional,
que é a editoria delimitada no estudo desta tese.
5.1 Breve Resgate do Jornalismo Impresso
No decorrer dos tempos, com a complexidade da estrutura organizacional da
vida cotidiana, foi inventada em 14508, por Johann Gutenberg de Mainz, a prensa
gráfica, que tensionou o período em questão com o debate acerca de sua utilidade. Antes
de ser utilizada como órgão publicitário, no sentido abrangente que o termo abriga,
depois de incorporado pela Igreja Católica, — não havia diversidade de temas na
maioria dos livros impressos — no final do século XV e começo do XVI, basicamente
aludiam à vida dos santos (biblioteca azul) e aos romances de cavalaria: “Levando
alguns historiadores à conclusão de que a literatura era escapista, ou mesmo uma forma
de anestesia, além de representar um modo de difundir entre as camadas mais baixas de
artesãos e camponeses os modelos culturais criados por e para o clero e a nobreza”,
afirma Peter Burke e Asa Briggs em Uma História Social da Mídia (2004, p.31).
É nesse cenário inquietante da Prensa Gráfica que o poder político, na
representação do Clero — a maior parte membros do alto escalão da hierarquia da Igreja
Católica — e da nobreza se destacavam como agentes opinativos dos comportamentos e
8 Segundo outros levantamentos históricos, foi na China que se originou a impressão, que era feita em
bloco, no século VIII. Usava-se madeira entalhada para imprimir uma página de texto específico.
123
ideais de pensamento. Logo, a imprensa, no formato de livros literários servia como
extensão das oratórias difundidas nos púlpitos da Igreja. Entretanto, foi nesse mesmo
momento histórico que a organização do comércio crescia por meio das viagens
marítimas (transatlânticas). Com isso, as notícias de como era a vida em territórios
distantes, as várias formas de culturas de outros lugares, as histórias contadas pelos
viajantes, juntaram-se com a invenção da imprensa e o resultado foi a constatação de
panfletos desenvolvidos pelas pessoas interessadas em novas óticas na acepção da vida,
com patrocínio do comércio emergente.
A resposta da Igreja9 veio em seguida, rotulando de errôneos e mentirosos,
realizando a censura dos mesmos por meio de uma lista que foi denominada de Índex
(os livros proibidos). Mas, com o surgimento das teses de contraposição10
aos
ensinamentos que a Igreja Católica pregava no século XIV, Lutero, um ex-monge,
firmou uma postura alternativa à Igreja Católica, fundando a Igreja Protestante, fator
histórico que mudou significativamente o rumo da história das publicações. Primeiro
porque Lutero escrevia na linguagem das pessoas comuns, na maior parte delas
camponeses. Com isso, ele unificou a língua da região (alemã), que se difundia com
certa facilidade, mas de forma gradual11
. No começo, as poucas pessoas que eram
letradas liam coletivamente os escritos de Lutero.
As consequências do aumento do letramento e sua penetração na vida
diária foram muitas e variadas. Cresceu o número de pessoas em
ocupações ligadas à escrita: empregados de escritório, contadores,
escrivãos, notários, escritores públicos e carteiros. Alguns desses
cargos possuíam status social relativamente alto (BRIGGS; BURKE,
2004, p.43).
Paralelo ao evangelho segundo Jesus Cristo, do qual Lutero reescreveu boa
parte, havia outros ensinamentos da nova Igreja Protestante.
As imagens impressas cresciam juntamente com os textos, livros — obras
religiosas, romances — e demais informativos. As notícias já eram vistas como
mercadorias no século XV, e os editores de livros e produtores de panfletos comerciais
9 A Igreja Católica começou a sentir que a imprensa poderia acabar com seu poder sobre o povo, ou que
pelo menos era algum risco à sua hegemonia e o papado criou o Índex com o fim de resolver a
proliferação dos livros e panfletos que os ameaçassem. 10
Uma das descobertas de Lutero era que para conseguir o amor de Deus os devotos não precisavam
castigar-se ao pedir perdão. Era necessário apenas ter fé em Deus e conciliar-se com ele. 11
Com o apoio das Universidades que emergiam na época, dando poder de leitura aos povos através de
debates formais e palestras, entre outros meios de aprendizagem.
124
ou mesmo literários se envolviam cada vez mais em outras formas de publicidade. Com
isso, a inscrição da prática da leitura na vida cotidiana ficava mais comum.
Na França, em 1789, na época da Revolução Francesa, os jornais davam
embasamento histórico para os governantes resgatarem as matérias anteriores para
afirmar que, com a prática revolucionária, o ambiente cotidiano seria outro. Ou seja, os
jornais eram utilizados como documento comprobatório.
Nessa dinâmica Antonio Albino Canelas Rubim (2000, p.19) aponta que
[...] tanto os jornais que proliferaram em torno da Revolução Francesa
e de suas lideranças, quanto os pasquins políticos do século 19 no
Brasil, por exemplo, atuavam como meros amplificadores das
opiniões e idéias políticas e não como meios submetidos a alguma
lógica oriunda da comunicação, a não ser aquela elementar que
garantia a comunicabilidade. A rigor, tais publicações caracterizam-se,
antes de tudo, como extensões da (dinâmica) política e somente nessa
operação (instrumentalizada) podem ser analiticamente elucidadas.
Logo, a imprensa era utilizada para fins de interesses particulares, ou melhor, na
maioria das vezes como órgão multiplicador de opiniões de grupos sociais em certa
hierarquia social de destaque, pois detinham os meios de produção e os discursos
sociais estabelecidos.
Nesse sentido, é interessante repensar de que maneira a imprensa já se
apropriava de valores latentes para reafirmá-los socialmente, operando intelectual e
moralmente na vida das sociedades, o que supõe sempre e simultaneamente
“argumentos, emoções, sentimentos, preconceitos, interesses, etc., todos eles
indissociáveis e inerentes ao relacionamento social e humano. A hegemonia intelectual
e moral operam neste nível de pregnância e complexidade, emaranhando consciente e
inconsciente.” (RUBIM, 2000, p.23).
A impressão gráfica colaborava, em contrapartida, para a apropriação pública de
valores, com o surgimento da leitura crítica, em decorrência do aumento das
oportunidades de se comparar opiniões diversas em livros, panfletos e jornais diferentes
sobre o mesmo assunto. Os primeiros jornais da Europa do século XVIII enfrentavam
os governos locais e encorajaram o público leitor a refletir sobre a política estabelecida.
O amadurecimento da imprensa gráfica ocorreu com o desenvolvimento e
engrandecimento do comércio mundial, que começava a acrescentar a propaganda nos
jornais como forma de mantê-los em circulação. “Em Londres, por volta de 1650, um
125
jornal teria em média seis anúncios; cem anos depois, 50.” (BRIGGS; BURKE, 2004,
p.64).
Os jornais eram publicações vantajosas para os produtores, e uma mercadoria
bem aceita pela sociedade européia. No início do século XVII, a cidade de Amsterdã era
o maior centro de jornais e maior polo industrial e financeiro europeu.
Briggs e Burke (2004, p.67) comentam que entre os jornais — que saíam uma,
duas ou três vezes por semana em latim, francês, inglês e também em holandês —
estavam os primeiros impressos em inglês e francês, The Corrant out of Italy, Germany
e o Courant d’Italie, que começaram a ser publicados em 1620. “A partir de 1662, um
jornal semanal em francês, a Gazette d’Amsterdam, oferecia não somente informação
sobre negócios europeus, mas também críticas sobre a Igreja Católica e às políticas do
governo francês.” (BRIGGS; BURKE, 2004, p.67).
Como foi visto, o desenvolvimento das primeiras máquinas impressoras
significaram um forte aumento da economia capitalista do fim da Idade Média e início
da Idade Moderna na Europa. A imprensa se tornou a nova base de poder simbólico que
tanto poderia ser usada para o engrandecimento das instituições políticas dos estados
emergentes, quanto poderia ser aplicada como forma de reivindicação de autoridade por
instituições religiosas que perdiam cada vez mais seus postos hierárquicos no exercício
do poder simbólico.
Segundo o pesquisador John Thompson, em A Mídia e a Modernidade (2005,
p.54), “O advento da indústria gráfica representou o surgimento de novos centros e
redes de poder simbólico que geralmente escapavam ao controle da Igreja e do Estado,
mas que a Igreja e o Estado procuraram usar em benefício próprio e, de tempos a
tempos, suprimir”.
Essa indústria gráfica era formada por organizações tipográficas e editoras que
se caracterizaram como instituições culturais e econômicas. O duplo caráter marcava
esses lugares como algo mais do que centros de comércio, pois neles se reuniam
frequentemente clérigos, eruditos e intelectuais, e essa miscelânea de opiniões e
interesses demarcavam as dificuldades que os impressores e editores tinham com as
autoridades religiosas, os políticos e outros segmentos sociais.
126
5.2 Jornalismo Internacional, Fluxos e Agências
5.2.1 Economia determinou o início
Foi nessa mesma época do uso da imprensa para fins religiosos e políticos que
parte dos grandes “nomes de família”, como eram chamados os homens de fortuna,
também se utilizaram da imprensa para se informar de questões internacionais, a
respeito da economia e da política. Em torno do século XVI o banqueiro Jacob Függer
von der Lilie contribuiu, a partir das práticas de uso do material impresso que
protagonizava, para o nascimento do “[...] embrião do jornalismo econômico e político,
voltado para assuntos internacionais.” (NATALI, 2007, p.21). O banqueiro europeu, em
1508, já tinha agentes comprometidos a enviar com regularidade informações que
tivessem alguma utilidade para os negócios.
Como, por exemplo, a cotação de determinadas mercadorias nas feiras
nas quais compravam, vendiam e, sobretudo, negociavam letras de
câmbio. Conflitos regionais e a forma com que esses conflitos,
baseados naquela época em questões teológicas, afetavam de maneira
bem mais secular o risco de tráfego pelas estradas, as cotações dos
pedágios nas alfândegas senhoriais ou o preço das apólices de seguro
(NATALI, 2007, p.21).
Além disso, as correspondências impressas de Függer “[...] permitiam a
manutenção de uma rede que fazia as informações circular por circuitos paralelos aos
utilizados por duas redes previamente existentes, a rede diplomática, que orientava
monarcas, e a rede eclesiástica, que orientava dirigentes da burocracia da Igreja.”
(NATALI, 2007, p.22). Esse início, contado na obra do jornalista João Batista Natali,
Jornalismo Internacional, intitula essas correspondências agenciadas pelo banqueiro
como o começo das newsletters, mas com características centradas na economia
política.
Entre os anos de 1610 a 1645 já existiam jornais baseados em informações
econômicas e políticas de terras estrangeiras, que circulavam na Suíça, Áustria,
Hungria, Inglaterra e França (NATALI, 2007, p.23). No entanto, foi apenas com a
industrialização dos correios (o serviço postal), no século XVIII, que o jornalismo, por
meio dessas newsletters, ganhava uma constituição particular de conceber a informação,
ou seja, as informações internacionais exerciam peso muito relevante na prática das
127
gestões políticas e sociais da economia, contribuindo para o nascimento específico do
jornalismo internacional (NATALI, 2007, p.21-3).
Em 1770, aproximadamente, o jornalismo internacional ganhou coberturas
advindas de fatos policiais que ocorriam em outras regiões ou mesmo em países
vizinhos, que poderiam comover o público local. “Estamos no espaço verbal da política
ou da fofoca, num espaço de pauta sem muitas fronteiras geográficas.” (NATALI, 2007,
p.27). Nesse sentido, o noticiário internacional contemplava um caráter mais popular,
além do expressivo serviço de utilidade comercial, que atendia a “comunidade business”
da época (NATALI, 2007, p.27).
Diante desse cenário histórico se verifica que os temas internacionais entraram
no jornalismo impresso tarde, pois não existiam formas de gerar e editar fatos ou porque
o interesse ainda não ultrapassava as fronteiras. Para o jornalista e teórico Guillermo
García Espinosa de Los Monteros:
A primeira agência de notícias internacionais é organizada no segundo
quartel do século XIX. As notícias sobre o exterior ganham seu espaço
na imprensa diária, quase um século depois da Revolução Industrial.
O jornalismo internacional não só tiveram que ser antecedido pelo
desenvolvimento da indústria editorial, como também pela
transformação dos transportes, das comunicações telegráficas e do
comércio internacional de metais e produtos agrícolas, especialmente
grãos e o gado. A difusão em Nova York de notícias sobre preços de
grãos em Londres foi um dos elos genéticos do jornalismo econômico
e das variáveis internacionais do mesmo (LOS MONTEROS, 1998, p.
416).
Los Monteros explica que foram as guerras e os conflitos coloniais na Europa
que impulsionaram temas para o jornalismo internacional, em países como Inglaterra e
França, por exemplo. “Até hoje, as guerras são objeto de interesse primordial para os
jornalistas; as motivações são as mesmas ontem e hoje: a vontade de relatar os dramas
da guerra, a ambição de publicar as notícias que estremecem os leitores, a necessidade
de relatar com imparcialidade os fatores de uma mudança social e política.” (LOS
MONTEROS, 1998, p. 416).
E para Natali o período de guerras é a data adulta do jornalismo internacional,
em especial a Guerra Civil Americana (1861-1865), que foi acompanhada por 150
correspondentes de guerra. Nesse momento mais maduro, os jornais já eram vistos
também como empresas, e como tais procuravam mais informações por um preço
menor. Nesse sentido que as agências de notícias tomam forma. “A idéia consistiu,
128
então, em formar pools pelos quais um mesmo repórter ou equipe de repórteres
produziriam material para muitos órgãos de imprensa. É a idéia da agência de notícias.”
(NATALI, 2007, p.30).
A primeira agência surgiu na França, em 1835, pelas mãos de Charles Havas,
que iniciou a ideia de agência como se concebe hoje, por meio de uma empresa de
tradução de informações publicadas por outros jornais europeus, mas para uso dos
jornais franceses. Ficou chamada agência Havas, hoje AFP ─ Agence France-Presse
(NATALI, 2007, p.30).
Natali descreve que um dos empregados dessa agência pioneira foi um alemão,
Paul Julius Reuter, que, depois de adquirir experiência, desenvolveu um jornalismo
internacional, típico de agência, que captava informações da Europa continental, dos
Estados Unidos e as utilizava para atender às necessidades econômicas dos assinantes
europeus. A empresa Reuters, como ficou chamada, noticiou primeiro o assassinato do
presidente Abraham Lincoln (NATALI, 2007, p.31).
Outra agência que se constitui nessa época foi a AP – Associated Press. A AP
nasceu do pool dos EUA, na guerra com o México, em 1858. Dela ocorreu o primeiro
despacho por cabo telegráfico transatlântico. “O texto, para uso dos jornais norte-
americanos, trazia 48 palavras e se referia a uma rebelião contida na Índia contra os
ingleses” (NATALI, 2007, p.31).
Por meio da constituição das agências o jornalismo internacional ganhou maior
visibilidade.
Um texto distribuído a centenas de jornais que assinam os serviços de
uma agência sai incomparavelmente mais barato que um texto
produzido por um correspondente ou enviado especial cujos custos
são cobertos inteiramente por um jornal ou por uma revista. O
correspondente ou enviado especial passou a ser um diferencial de
peso, mas não o arroz-com-feijão do noticiário (NATALI, 2007, p.31).
Contudo a forma de produção das notícias pelas agências internacionais era
diferente, do que se vê atualmente. O material jornalístico tinha caráter de texto de
crônica e depois, muitas vezes, eram transformados em contos literários, após as
coberturas. Los Monteros conta que o material era produzido com estilo e liberdade, que
cumpriam o propósito de levar a notícia, mas não deixavam de comover com histórias.
“Hoje os textos de informação internacional são em geral informativos e sucintos.”
(LOS MONTEROS, 1998, p. 418).
129
Para Los Monteros a forma mais industrial que se vê na produção das agências
de notícias advém do próprio momento industrial da Inglaterra que agregou a
tecnificação ao jornalismo diário, bem como do que chama de “uma necessidade da
metrópole colonial” de estimular a formação de uma classe intelectual especializada nos
fenômenos internacionais. Nesse sentido caracteriza o correspondente como “[...] o
típico habitante da diáspora jornalística, destinado a trabalhar em um dos lugares onde o
jornal concentra esforços informativos.” (LOS MONTEROS, 1998, p. 419).
E como tese dessa ideia da informação dependente da metrópole colonial Los
Monteros avança afirmando que “os serviços noticiosos sobre os acontecimentos
internacionais e os ensaios sobre as nações são um produto intelectual europeu,
notavelmente francês e anglo-saxão”, em razão de “uma sequela colonial”.
Mas em contrapartida pontua que o correspondente e o papel das agências
descentraram as visões únicas de pesquisadores viajantes.
No princípio, foi só a tradução de reportagens publicadas em jornais
do exterior, mas em duas ou três décadas os despachos jornalísticos
tomaram sua própria identidade. O correspondente se tornou uma
extensão da figura do repórter, e progressivamente adotou suas
características distintivas. O serviço de agências informativas uniu o
jornalismo à observação de fenômenos do exterior. Antropólogos e
historiadores eram, até então, os principais produtores de testemunhos
etnocêntricos sobre sociedades distantes (LOS MONTEROS, 1998, p.
421).
5.2.1.1 No Brasil
No país, o jornalismo internacional se deu mais lentamente, pois as notícias
demandavam mais tempo para chegar ao Brasil do que nos centros estadunidense e
europeu. Por exemplo, os correios paulistas tinham uma única linha de distribuição, que
partia e chegava ao Rio de Janeiro, com escala em Santos. Apenas em 1825 foi aberta
uma linha postal para o interior de São Paulo, em direção a Itu (NATALI, 2007, p.39).
E, anos depois, em 1874, se estendia um telégrafo, no leito do Atlântico, que conectava
o Brasil à Europa. E três anos mais tarde a agência Reuters-Havas abria uma sucursal no
Rio (NATALI, 2007, p.40).
Na edição de 1º de agosto (1877), o Jornal do Comércio trazia
impressas as duas primeiras notícias internacionais que o Brasil
publicava simultaneamente com os jornais europeus. O primeiro
130
telegrama informava que nos estaleiros ingleses de Millwal fracassara
a tentativa de lançar ao mar uma fragata, a Independência,
encomendada pela Marinha brasileira. O segundo telegrama
informava a morte de um ex-embaixador britânico no Brasil
(NATALI, 2007, p.40-1).
A partir do século XIX, o Brasil passou a ser palco de fluxos migratórios,
através dos quais traziam imigrantes europeus para trabalhar nas lavouras de café. A
produção jornalística seguiu esse fluxo cultural de imigração no país. Em São Paulo
nasceram dezessete jornais, entre 1878 e 1901, “O primeiro deles foi o Germania, para
a comunidade alemã”. Esses jornais de cunho estrangeiro foram importantes na história
do jornalismo internacional. Outros exemplos de jornais da época: “A comunidade
italiana teria o Fanfulla (1893), a Tribuna Italiana e Il Secolo (ambos de 1894). Os
espanhóis lançariam, entre 1891 e 1900, o Correo Español, El Heraldo, La Ibéria, La
Gaceta Española e La Voz de España. E a comunidade árabe teria, entre 1896 e 1901, O
Brasil, Al Assmaby, Al Munazer e Al Manarat” (NATALI, 2007, p.41).
No decorrer da história do jornalismo brasileiro, o caráter internacional não teve
fortes influências, em partes em razão de o jornalismo local ter evoluído nas técnicas
jornalísticas e de profissionalização, e em termos pela aproximação com a literatura
brasileira, que em 1900 despontava como alicerce no processo de constituição do
jornalismo. Mas, foi no período da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985) que o
jornalismo internacional teve seu crescimento em visibilidade e amadurecimento
profissional (NATALI, 2007, p.44). Isso ocorreu em razão do descentramento do
jornalismo nacional em informar sobre os problemas internos ─ o país passava por
grave e forte censura midiática. “Nesses anos, o mercado de notícias internacionais era
trazido ao jornalismo pelas revistas Visão, e posteriormente, Veja, em que cumpriam
uma função mais didática na mídia.” (NATALI, 2007, p.44). Com o retorno à
democracia, o jornalismo internacional voltou a ter menor importância.
O jornalismo internacional teve início no rádio com a Jovem Pan (Rádio Pan-
Americana), que trazia um boletim diário de notícias, em 1972, elaborado por um
correspondente em Paris. Só em 1991, a CBN trouxe notícias internacionais, de fato,
com aspectos de boletim de notícias. Anos depois, foi delegada boa parte de seu
noticiário internacional à BBC de Londres (NATALI, 2007, p.46).
Na tevê, o jornalismo internacional era trazido pela TV Tupi Difusora de São
Paulo, em 1950, mas até o início dos anos 60, o “[...] jornalismo internacional sofria os
efeitos da tecnologia insuficiente para dotar os programas de imagens de
131
acontecimentos ocorridos no mesmo dia”. E foi a partir de 1969, por meio dos
transponders de satélite, que o telejornalismo trouxe informações atualizadas do
cotidiano internacional, primeiro pela Rede Bandeirantes, depois pelo Jornal Nacional
(NATALI, 2007, p.47).
Nos anos 70, havia numerosa equipe de correspondentes, em especial do
jornalismo impresso e televisivo. “Há cerca de 25 anos, O Estado de S. Paulo – que
duas décadas antes chegara a manter uma sucursal em Paris – possuía dez
correspondentes permanentes”. A Folha de S. Paulo possuía sete, enquanto o Jornal do
Brasil e O Globo andavam, com equipes equivalentes (NATALI, 2007, p.56). E, hoje, a
questão financeira para manter esses correspondentes é um problema crônico, “[...] as
tarefas das editorias de Política Internacional continuaram a ser cada vez mais atribuídas
aos jornalistas que trabalham nas redações.” (NATALI, 2007, p.56).
Outra data importante na história do jornalismo internacional brasileiro foi o ano
de 1992, que marca a entrada da TVA, primeira rede de programação paga no País.
Com isso, há a abertura também para a importação de programas jornalísticos e, no
Brasil, a Globo e a Bandeirantes lançam canais pagos all news de produção local
(NATALI, 2007, p.47).
Mas para o jornalista brasileiro Antônio Brasil a área internacional passa por
situação de enxugamento profissional, além de se tornar “imóvel e burocrática”. “A
criatividade para buscar alternativas encontra enormes resistências de toda a ordem. O
jornalismo internacional precisa ser sustentado por guerras ou desastres para
sobreviver.” (BRASIL, 2002, p. 66). O jornalista Brasil pontua também que a “pátria de
chuteiras, com o telejornalismo a reboque, esquece o resto do mundo e se torna
apêndice do plantão das agências internacionais. Ou seja, quase nada. A informação
utilitária imediata supera os dividendos de uma cobertura mais ampla, voltada para a
conscientização do público.” (BRASIL, 2002, p. 67). Fato que prejudica a
contextualização e discussão de temas controversos e complexos.
Para a pesquisadora na área da internacionalização da mídia, Anamaria Fadul
(1998, p.79), com a entrada dos satélites de comunicação, na década de 80, permitiu-se
uma cobertura dos grandes acontecimentos pelos mais importantes veículos de
comunicação. Fadul destaca a cobertura da Guerra do Golfo, quando o “[...] mundo
inteiro assistiu a uma única versão dessa guerra: aquela mostrada pelas câmeras da
CNN”. A pesquisadora explica que por meio dessa cobertura unilateral a Europa se
interessou ainda mais pela internacionalização da comunicação. “Esse fato teve grande
132
repercussão na Europa que decidiu criar um serviço especial de notícias televisivas, o
Euronews, é uma colaboração de diferentes países europeus para produzir informações
sob a ótica desses países.” (FADUL, 1998, p.79).
Mas o Brasil, diante do caráter fechado de sua economia antes dos anos 90, não
colocou em prática essas visões estratégicas do poder da mídia em nível internacional,
como fez a Europa. Contudo, anteriormente, surgiram algumas experiências pioneiras
no país. “As primeiras vão se dar no início dos anos 50 quando o grupo Diários
Associados decidiu criar uma edição internacional de sua mais importante revista, O
Cruzeiro. Tratava-se de uma edição latino-americana que teve uma duração de oito
anos, tendo terminado por problemas na distribuição.” (FADUL, 1998, p.87).
5.2.2 Trajetória específica do Jornalismo Internacional
Diariamente, um jornalista internacional recebe em torno de 1.400 textos de
agências internacionais, o que é diferente de 1.400 notícias, pois esses textos são
atualizados pelas agências na medida em que as informações vão ocorrendo e chegando
a elas. Nesse sentido, o jornalista filtra muito do material bruto vindo das agências.
Segundo Natali (2007, p.09) a editoria internacional é a que mais joga no lixo
informações, diariamente.
Dos anos 90 em diante, observa-se que a prática de produção do jornalismo, de
maneira geral, modificou-se em decorrência do uso da internet. O jornalismo
internacional, em especial, sofreu adaptações. O redator também passou a apurar o
material dos repórteres com maior autoridade, mesmo não estando presente onde
correspondentes e outros repórteres estiveram. “De certo modo, desapareceu ou se
tornou bem mais tênue a fronteira que separava o redator do repórter.” (NATALI, 2007,
p.57). Ou seja, a internet fez com que o redator abandonasse seu papel passivo diante
dos despachos das agências. Bem como os repórteres puderam ter mais informações
para contextualizar o material informativo, além dos contatos de fontes de especialistas
pelo hall acadêmico, que antes eram mais burocráticos. Dessa forma, universidades do
país e do exterior introduziam repertório complementar aos assuntos complexos
(NATALI, 2007, p.57).
No decorrer da história, o jornalismo internacional ganhou novas configurações
de profissionais atuantes na área. Atualmente há quatro funções do jornalista
133
internacional (NATALI, 2007): 1-correspondente internacional, 2- enviado especial, 3-
stringer e 4- fixer.
O primeiro, é um repórter fixo que fica baseado numa cidade, costuma ser
responsável em cobrir um país ou região. Seu trabalho é flexível, pois depende muito do
orçamento da cobertura pelo veículo pelo qual é contratado. As emissoras também
aproveitam ao máximo das informações desse correspondente, tanto que dele se origina
material informativo para várias editorias. Ele costuma trabalhar como seu próprio
pauteiro e editor, além de manter-se sempre atualizado com o que acontece no Brasil,
pois não pode perder as referências.
Já o enviado especial é um repórter da redação (não necessariamente da editoria
Internacional) mandado para outro país para cobrir um fato específico (e suas
repercussões, detalhes, desdobramentos, “interesse humano”). Permanece no local
enquanto a cobertura durar. Diferente do correspondente, ele costuma sair da redação
pautado, e, portanto, acaba, num primeiro momento, desenvolvendo suítes
(continuações, desdobramentos da notícia principal), pois só chega no dia seguinte ao
fato.
O terceiro, o colaborador fixo ou stringer, é um repórter que fica baseado numa
cidade (que costuma ser central numa determinada região), e mantém independência
contratual do veículo pelo qual é contratado (como regime de free-lancer), tanto que
pode vender matérias para mais de uma mídia, mesmo sendo mídias concorrentes. Esse
profissional arca com suas próprias contas.
O último, o fixer ou produtor local, como também é chamado, é um repórter
nativo da região, que trabalha para um enviado ou correspondente estrangeiro baseado
em seu país. Tem como objetivo central do trabalho ambientar o jornalista estrangeiro,
indicar fontes, sugerir personagens, abordagens e imagens e se portar como um guia
local. Às vezes, pode ser intérprete em entrevistas, motorista e assistente, de forma
geral. O fixer apresenta um perfil próximo de um repórter da editoria Cidade/Geral.
5.2.3 Principais Agências Internacionais Impressas
O processo produtivo nas agências de comunicação expandiu-se gradualmente
no decorrer dos anos. Algumas agências começaram a ter papel importante na soberania
dos países de origem nacional, sendo caracterizadas como “agências nacionais” que são
“[...] extensões de um ou mais serviços globais, em determinadas áreas. Assim, a
134
Canadian Press é a principal agência do Canadá, e a Australian Associated Press
principal da Austrália.” (HOHENBERG, 1981, p. 192).
Como norte técnico cada agência costuma trabalhar as notícias com regras
editoriais da empresa, quais diferem do uso nos jornais. O jornalista e teórico Jonh
Hohenberg identifica dois aspectos diferentes: a programação e a tiulagem.
A programação: antes do início de cada ciclo, envia-se uma
programação a todos os clientes de um determinado circuito para que
tomem conhecimento do material avaliável para transmissão. Essa
programação ou relação de estoque informa os editores sobre cada
matéria que receberão, com título, descrição, e, às vezes, número de
palavras. Não indica o tempo específico em que cada uma será
transmitida, porque este pode variar. Os furos, enviados no momento
em que acontecem, podem desorganizar a programação mais
cuidadosa (HOHENBERG, 1981, p. 201).
Na “titulagem” o conteúdo não é trazido com títulos das páginas numeradas,
“[...] o material da agência consiste em um primeiro ‘take’ e uma série de adições, para
a maioria das matérias. As adições são facilmente identificáveis porque trazem o título,
local e data do original e seqüência da transmissão”. Pois os títulos, nas agências,
exercem o papel de códigos para indicar urgência ou não na transmissão. “As agências
americanas usam geralmente as indicações: ‘Flash’, Boletim e Urgente, em ordem
decrescente de importância.” (HOHENBERG, 1981, p. 202).
5.2.3.1 EFE
É uma agência de notícias em espanhol, que conta com escritórios e
correspondentes em espanhol, português, inglês, árabe, catalão e galego, apresenta 884
clientes na América Latina. A empresa EFE pontua que “mais de quarenta por cento das
informações internacionais de agências publicadas na América Latina” é proveniente de
sua produção12
.
Uma empresa de informações multimídia formada por uma rede
mundial de jornalistas, que conta com mais de três mil profissionais de
60 nacionalidades que trabalham 24 horas por dia em mais de 181
cidades de 120 países e com quatro ilhas de edição em Madri, Miami,
12
Dados disponíveis em:
http://www.efe.com/quesefe/principal.asp?opcion=1&seccion=0&idioma=PORTUGUES. Acessado em:
19/07/2011. 16h20.
135
Cairo e Rio de Janeiro, procurando atender clientes dos cinco
continentes13
.
Segundo a empresa, a EFE distribui três milhões de notícias por ano em diversas
mídias informativas, trabalha além do texto, com fotografia, áudio, vídeo e multimídia,
“[...] atingindo diariamente mais de dois milhões de meios de comunicação do
mundo”.14
A EFE nasceu em meados de 1865, foi desenvolvida pelo jornalista Nilo María
Fabra. Na época, foi chamada de Centro de Correspondentes e, depois de cinco anos,
por meio do acordo com a Agência francesa Havas, a EFE começou a distribuir notícias
internacionais na Espanha, com característica de agência de notícias. Mas foi no século
XX que a EFE legitimou seu nome como Fundação, entrou no mercado de notícias
como sociedade anônima. Em 1939, a “[...] EFE se une ao grupo de Agências
Associadas. Fica definido que os serviços informativos serão assinados com
denominações diferentes: EFE, para internacional; CIFRA, para nacional; CIFRA
Gráfica, para gráfico e ALFIL, para esportivo”.15
E mais tarde, em 1965, é aberto o primeiro escritório na América Latina em
Buenos Aires, na Argentina. E foi apenas em 1966 que se inaugurou o serviço de
informação internacional de fato, para a distribuição na América Latina, até então o
envio informativo da agência funcionava na Europa e nos Estados Unidos. E seis anos
depois, adquirindo importantes meios de comunicação privados da América Latina,
criou a ACAN ─ Agência Centro-Americana de Notícias, com sede no Panamá,
definindo seu espaço de comunicação no local16
.
Depois do acordo com a agência Havas, a EFE não havia realizado outros
acordos e, em 1984, a Agência se une formalmente à EPA ─ European Pressphoto
Agency, que, na época, além de ser a primeira agência de telefotografia européia,
detinha 20% do capital da sociedade. Cinco anos depois da união, a EFE distribui seus
serviços informativos via satélites de comunicação, diretamente aos seus clientes.
No Brasil, a Agência lança em 2001 um serviço em português, mesmo ano em
que a EFE deixou de depender do Patrimônio do Estado, e passou a fazer parte da
13
Dados disponíveis em:
http://www.efe.com/quesefe/principal.asp?opcion=1&seccion=0&idioma=PORTUGUES. Acessado em:
19/07/2011. 16h20. 14
Ibid. 15
Dados disponíveis em:
http://www.efe.com/quesefe/principal.asp?opcion=1&seccion=1&idioma=PORTUGUES. Acessado em:
19/07/2011. 17h12. 16
Ibid.
136
Sociedade Estatal de Participações Industriais (SEPI). No mesmo ano, período de
grandes fusões, a EFE, por votação de seus jornalistas, aprova o primeiro Estatuto de
Redação da Agência.17
Perante a tecnologia digital, a EFE também se insere no comércio, em 2001
inicia:
[...] a comercialização de um novo serviço, A Agenda Digital
Mundial. A Agenda Digital Mundial pode ser consultada de qualquer
computador com acesso à Internet e reunirá as inumeráveis pautas e
convocações que chegam às redações e delegações da EFE,
espalhadas pelo mundo. Este produto oferece todos os tipos de
atividades culturais, esportivas, econômicas, políticas, sociais, etc.
tanto a curto, como a médio e longo prazo.18
No período de digitalização do seu acervo, a EFE inaugura o serviço de notícias
em árabe, que se localiza no Cairo, “[...] com o objetivo de construir pontes, unir vozes
e trocar conhecimento, em uma frase: ‘informar para aproximar culturas, aproximar
culturas para unir povos’”.19
No ano de 2007, nascem a TVEFE Brasil (em português) e TVEFE América (em
espanhol), em uma aliança estratégica entre Televisão Espanhola (TVE) e EFE, para
criar o primeiro serviço audiovisual de notícias internacionais. Segundo a EFE “[...]
meses depois o produto foi ampliado, com serviços como TVEFE em Árabe e TVEFE
International (em inglês)”.20
5.2.3.2 Reuters
Em 1851 nascia a Reuter, seu fundador foi Paul Julius Reuter, um visionário no
agenciamento de informações. E foi em 1865 que a Agência tornou-se uma empresa,
Reuters Telegram Company, o que colaborou para sua reputação no mercado
emergente.
Reuter opens an office with the help of an 11 year-old office boy at 1
Royal Exchange Building in London's financial centre and located
close to the main telegraph offices. He transmits stock market
17
Dados disponíveis em:
http://www.efe.com/quesefe/principal.asp?opcion=1&seccion=1&idioma=PORTUGUES. Acessado em:
19/07/2011. 17h12. 18
Ibid. 19
Ibid. 20
Ibid.
137
quotations and news between London and Paris over the new Dover-
Calais submarine telegraph cable […].21
Reuter abriu um escritório com a ajuda de um office boy de 11 anos,
no Edifício Royal Exchange, no centro financeiro de Londres, situado
perto dos principais escritórios do telégrafo. Transmite as cotações do
mercado de ações e notícias entre Londres e Paris sobre a Dover-
Calais, novo cabo submarino de telégrafo [...].
Em 1967, a Reuters adquire os jornais The Times of London, e o une com o The
Sunday Times, formando o famoso Jornal Times22
. Depois de duas décadas, entra
definitivamente no mercado de notícias por imagem. No início de 2000, anuncia as
principais iniciativas para explorar a Internet e abrir novos mercados, a empresa já se
inseria no campo de pesquisa de investimentos, gestão na bolsa de valores americana e
européia, e na economia mundial. Dois anos depois, a Reuters lança Reuters Messaging,
[…] a reliable, high-security, high-speed instant messaging service
developed specifically for the global financial services industry.
Developed by Reuters and Microsoft and more than 30 financial
institutions, the service allows financial professionals to communicate
instantly with their colleagues and customers. 23
[...] um confiável, de alta segurança, alta velocidade de serviço de
mensagens instantâneas, desenvolvido especificamente para a
indústria global de serviços financeiros. Desenvolvido pela Reuters e
Microsoft e mais de 30 instituições financeiras, o serviço permite que
profissionais da área financeira se comuniquem instantanêamente com
seus colegas e clientes.
A agência Reuters desempenha, desde seu surgimento, um alinhamento com o
império britânico, que passou, depois da Segunda Guerra Mundial, para a abertura de
comércio, “[...] abriu seu capital na bolsa de valores de Londres”, e foi posteriormente
incorporada, em 2007, pela empresa Thomson Corporation, que gastou 8,7 bilhões de
euros, tornando-se a maior agência noticiosa do mundo, com o título de Thomson
Reuters. “Hoje, disputa o painel informativo financeiro com as especializadas no
assunto (Bloomberg e Dow Jones, subsidiária da News Corporation, de Rupert
Murdoch).” (ESPERIDIÃO, 2011, p.99).
21
Dados disponíveis em: http://thomsonreuters.com/about/company_history/#1890_1790. Acessado em:
19/07/2011, 18h14. 22
Ibid. 23
Dados disponíveis em: http://thomsonreuters.com/about/company_history/#2000_present. Acessado
em: 19/07/2011, 18h34
138
Atualmente a Reuters tem mais de 14 mil funcionários, que operam em 204
cidades e fornece textos em dezenove línguas24
. Para John Hohenberg (1981, p.187-8) a
Reuters disponibiliza um serviço especial de informe econômico para o comércio,
similar ao Dow Jones da AP e ao UNI COM da UPI. “A Reuters compete no mesmo
plano com as agências americanas em certos tipos de notícias estrangeiras importantes,
e tem no Reino Unido fontes de informação que geralmente dão preferência ao seu
serviço. Não se pode dizer, portanto, que os Estados Unidos ocupam posição dominante
no que se refere à origem e transmissão de notícia.” (HOHENBERG, 1981, p.189).
5.2.3.3 AP
A Associated Press ─ AP ─ foi fundada em 1846, segundo dados disponíveis. É
uma agência estadunidense e se intitula como a primeira a aparecer no mercado
americano e internacional. Ela nasceu de um pool entre seis jornais de Nova York, se
considera a “espinha dorsal do sistema de informação do mundo”, servindo a milhares
de jornais diários, rádios, televisões e os clientes online com cobertura em texto, fotos,
gráficos, áudio e vídeo25
.
Headquartered in New York, the AP’s mission is to be the essential
global news network, providing distinctive news services of the
highest quality, reliability, and objectivity with reports that are
accurate, balanced and informed. About 3,700 employees – two-thirds
of them newsgatherers – work in more than 300 locations
worldwide.26
Com sede em Nova York, a missão da AP é ser a rede essencial de
notícias no globo, oferecendo serviços de notícias distintivo da mais
alta qualidade, confiabilidade e objetividade com relatórios que são
precisos, equilibrados e informativos. Cerca de 3.700 funcionários -
dois terços deles newsgatherers ─ trabalha em mais de 300
localidades em todo o mundo.
A AP é uma agência sem fins lucrativos, funciona como uma cooperativa de
notícias entre os jornais e veículos membros, é administrada por um conselho que a
dirige. Dentre seus membros destacam-se mais de 1.200 jornais americanos, embora
menos de 25% de sua receita provenham de seus membros (ESPERIDIÃO, 2011, p.99).
24
Dados disponíveis em: http://thomsonreuters.com/about/company_history/#2000_present. Acessado
em: 19/07/2011, 18h34. 25
Dados cedidos por: http://www.ap.org/pages/about/about.html. Acessados em: 19/07/2011. 19h. 26
Ibid.
139
5.2.3.4 Monopólio, poder nacional ou interesses rotativos?
Além da Reuters, da AP e da EFE há o serviço informativo francês, Agence
France Presse, importante agência competitiva no noticiário mundial. Naturalmente, é
mais comum na França e nos países de língua francesa. Para Hohenberg a France
Presse tem um serviço em língua inglesa, com poucos clientes. “A agência francesa e
sua predecessora, a Havas, sempre foram mais populares na América Latina do que as
agências de língua inglesa. Essa popularidade existe ainda. Mas não atinge o mesmo
nível das ‘3 grandes’ agências mundiais de notícias ─ AP, UPI e Reuters.”
(HOHENBERG, 1981, p. 188).
Nessa discussão de jogo de interesses o jornalista Clóvis Rossi explica que os
jornalistas nacionais são, muitas vezes, reféns da informação estrangeira advinda das
agências de notícias internacionais.
Como os países industrializados controlam inclusive os meios de
comunicação, e como os centros de produção agrícola ou mineral, na
maioria dos casos, não dispõem de estruturas culturais, empresariais e
noticiosas fortalecidas, até as informações sobre mercados, os boatos e
a barragem de notícias forjadas desencorajam uma eficiente defesa de
interesses dos produtores de matérias-primas, porque sua imprensa
local funciona como satélite do mercado noticioso do exterior
(ROSSI, 1980, p. 78).
Rossi descreve que a Associated Press, com sede central em Nova York,
apresenta 8.500 assinantes em mais de cem países, a britânica Reuters tem vínculo de
distribuição de notícias com 69 países, além de vender seu material para 6.500 clientes
(dos quais 4.700 são jornais), e a France Presse possui 92 sucursais e colabora com
conteúdo para 12.400 assinantes. “O resultado dessa extensão das redes das grandes
agências é o seu domínio quase absoluto do mercado: um estudo realizado em 1967
demonstrou que quase 80% das notícias do Exterior divulgadas na América Latina
foram distribuídas tão-somente por duas agências, ambas norte-americanas, a UPI e a
AP.” (ROSSI, 1980, p.81).
Contudo Rossi afirma que o problema nas agências não é apenas do volume de
informações, mas de um peso simbólico que esse volume confere às notícias, no sentido
de que quando chegam às redações brasileiras se sobrepõem como mais importantes ao
material já produzido sobre outro tema, ou mesmo sobre a mesma temática (ROSSI,
1980, p.80-1). Outra questão que Rossi descreve ser inquieto no jornalismo
140
internacional são os enfoques jornalísticos preferirem pautas nos assuntos internacionais
que cercam a Europa e os Estados Unidos. “Essa deformação se torna evidente pela
simples conferência do número de correspondente que as publicações brasileiras têm na
Europa Ocidental e nos Estados Unidos, de um lado, e na América latina do outro.”
(ROSSI, 1980, p.82).
5.2.4 Fluxos
A ideia do fluxo de notícias internacionais surgiu do encadeamento
comunicativo desenvolvido pelas agências de notícias, que protagonizaram, a partir do
século XIX, mais significativamente no século posterior, a intensidade das notícias em
nível internacional.
Essas agências dominaram por várias décadas a maior parte do fluxo
internacional de notícias. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o
surgimento da Guerra Fria, a questão do monopólio exercido pelas
agências se transformou no problema mais importante da área da
comunicação internacional. Por que essas agências não apenas
produziam como distribuíam através do mundo as notícias a partir de
uma ótica de interesse dos países do Primeiro Mundo (FADUL, 1998,
p.76).
Nesse sentido, o mundo complexo das relações da comunicação se tornava parte
integrante, como destaca Fadul, do projeto econômico de hegemonia mundial.
Por isso, o pensar acerca da mundialização do conhecimento do Outro deve ser
examinado, também à luz do conceito de fluxo e contrafluxo, da antropologia cultural,
pois é interessante compreender as civilizações “[...] não como objetos estáticos, mas
como processos limitados de fluxo no tempo” (KROEBER apud HANNERZ, 1997,
p.11). Teóricos sociais já consolidam a palavra “fluxo” como transdisciplinar, e a
entendem como “[...] fluxos de capital, trabalho, mercadorias, informações e imagens: e,
por isso, economistas, demógrafos, pesquisadores da mídia, geógrafos e outros
profissionais, todos lidam com os fluxos.” (LASH; URRY apud HANNERZ, 1997,
p.10).
A ideia de fluxos torna-se necessária à medida que se visualiza suas direções na
sociedade contemporânea. De início, é imprescindível descartar uma falsa compreensão
sobre “as direções dos fluxos culturais” para não cometer o erro da simplificação sobre
conceitos entrecruzados às correntes teóricas em estudo. Quando se remete a fluxos de
141
culturas, automaticamente deve-se negar que não é por que se ganha num lugar que se
perde na origem, eliminando o entendimento prévio de pureza e esvaziamento cultural,
quando se trabalha com a ideia de fluxo cultural, mas, o que se pode afirmar é a
existência de uma reorganização da “cultura no espaço” (HANNERZ, 1997, p.12).
Na lógica dessa reorganização, veem-se redes assimétricas de fluxos culturais,
principalmente, quando se relaciona os posicionamentos imperialistas da história, em
especial nos últimos dois séculos. Por exemplo:
Na disseminação de algumas habilidades fundamentais e formas
institucionais centrais que denominamos coletivamente como
modernidade: é o caso de certos tipos de educação básica e superior de
origem ocidental, práticas administrativas ou biomedicina (mesmo
quando adotadas de forma não exatamente igual ao original)
(HANNERZ, 1997, p.14).
O antropólogo social Ulf Hannerz explica que a “[...] história acumula correntes
de fluxo cultural em padrões cambiantes” (1997, p.14) e que, nesse sentido, houve um
aceleramento do complexo de assimetrias da Europa dos séculos XIX e XX, gerando e
incentivando outras variações, no Ocidente, de fluxos e contrafluxos no mundo.
Contudo, salienta que mesmo diante desse horizonte admirável de produção cultural,
ainda se delimitam os centros das periferias. E se avança na discussão que os
significados e nomenclaturas dados a esses pontos culturais também seguem os níveis
de imperialismo cultural na lógica econômica de poder.
O autor ainda propõe contextualizar a ideia de fluxos e contrafluxos culturais a
partir do entendimento de cultura como um processo para que as questões acerca do seu
significado possam ser problematizadas. E afirma que a ideia dos fluxos culturais não
deve ser vista como uma questão de simples transposição,
[...] simples transmissão de formas tangíveis carregadas de
significados intrínsecos. Ela deve ser vista como originando uma série
infinita de deslocamentos no tempo, às vezes alterando também o
espaço, entre formas externas novamente; uma sequência ininterrupta
carregada de incertezas, que dá margem a erros de compreensão e
perdas, tanto quanto a inovações (HANNERZ, 1997, p.15).
Nesses fluxos para o teórico Homi Bhabha (1998, p.240) existe certo
“indeterminismo” na questão da produção e deslocamente cultural, pois não dá para
firmar segundo Bhabha se o fluxo ou o contra-fluxo inscrevem a cultura
142
demasiadamente ou em menor escala. Portanto traz a tese de que há uma “arbitrariedade
do signo de significação cultural” emergindo no interior das fronteiras reguladas do
discurso social. Logo o significante cultural originaria das “fronteiras reguladas do
discuro social”, ou seja, pela cultura se deslocar nos fluxos encontra nessas fronteiras
suportes estéticos para serem incorporados nos locais de sociabilidade. E a mídia pelo
seu trabalho como tecnologias globais encontra nessas fronteiras formas de traduzir o
sentido cultural em elementos práticos do seu contexto de ação (BHABHA, 1998,
p.241). A questão é que esses elementos práticos são marcados ideologicamente.
Atualmente, os fluxos culturais se tornam cada vez mais polimorfos ao
percorrerem distâncias, devido ao impacto gerado pelo encontro com as culturas locais.
Em termos ilustrativos, para compreender a ideia do polimorfo na pesquisa, imagina-se
um casal de recém-namorados, ele palestino, ela brasileira, que se encontrara no Brasil,
no Rio de Janeiro. Um não fala fluentemente a língua do outro e, ao se encontrarem no
Brasil, recebem influência de alguns setores da sociedade, alguns com maior impacto
sobre as representações que fazem do outro, criam diferentes formas de se olharem,
cristalizando pessoalmente novas, velhas e outras características culturais acerca do que
são.
À medida que a cultura se move por entre correntes mais específicas,
como o fluxo migratório, o fluxo de mercadorias e o fluxo da mídia,
ou combinações entre estes, introduz toda uma gama de modalidades
perceptivas e comunicativas que provavelmente diferem muito na
maneira de fixar seus próprios limites; ou seja, em suas distribuições
descontínuas entre pessoas e pelas relações. Em parte, elas impõem
línguas estrangeiras, ou algo parecido, no sentido de que a mera
exposição não é o mesmo que compreender, valorizar ou qualquer
outro tipo de apropriação (HANNERZ, 1997, p.18).
A cristalização de retratos acerca desse Outro se deve, em parte, pela
constituição histórica de valores universais, advindos da formação e configuração global
de direitos imperialistas e, posteriormente, do direito soberano e do próprio conceito de
Império.
Pensar em formação de Império, na sociedade contemporânea, torna necessário
compreender o elo da história com a emancipação e desenvolvimento do capitalismo e
suas práticas globalizacionais. O que antes era um conflito ou competição entre diversas
potências imperialistas, hoje, tem se modificado para o ordenamento de apenas um
poder, essencializa e legitima uma única força, uma “[...] noção comum de direito
decididamente pós-colonial e pós-imperialista.” (HARDT; NEGRI, 2001, p.27). Esse
143
poder não está em uma nação, como se pensava na articulação social do século XIX ao
fim do século do XX, como Estados Nação, configura-se, no final do século XX e início
do século XXI, em uma nova realidade, inaugurando também uma nova noção de
direito: “[...] um novo registro de autoridade e um projeto original de produção de
normas e de instrumentos legais de coerção que fazem valer contratos e resolverem
conflitos.” (HARDT; NEGRI, 2001, p.27).
O Império está surgindo, hoje, como o centro que sustenta a
globalização de malhas de produção e atira sua rede de amplo alcance
para tentar envolver todas as relações de poder dentro de uma ordem
mundial – e ao mesmo tempo exibe uma poderosa função policial
contra novos bárbaros e escravos rebeldes que ameaçam sua ordem
(HARDT; NEGRI, 2001, p.37).
Os sociólogos Michael Hardt e Antonio Negri, em Império (2001), salientam
que essas mudanças sociais se relacionam “[...] não apenas à lei internacional e às
relações internacionais, mas também às relações de poder no plano interno de cada
país.” (HARDT; NEGRI, 2001, p.28).
É por isso que contextualizar e problematizar os valores universais e a formação
de práticas imperialistas contribui para o entendimento complexo das relações de poder
na ordem mundial em vigor. Nesse sentido, a prática de produção do jornalismo, em
especial do jornalismo internacional, evidencia essas relações de poder, nas quais
imperam, em grande medida, as influências ocidentais e estadunidenses na pauta
informativa brasileira.
144
“A mídia não está fora do mundo que pretende retratar. É
imperfeita, complexa e inacabada como ele, e em seu interior
se movem sujeitos plenos de pensamentos, idéias e interesses a
defender.” (MACHADO; JACKS, 2001, p.02).
145
CAPÍTULO VI – BATALHA DISCURSIVA
Um estudo científico, como uma tese, tem caráter de pesquisa “[...]
experimental, histórica e teórica [...]”, segundo as formulações de Antonio Joaquim
Severino (1996, p.118), que explica: teórica por estudar as mais variadas vertentes do
conhecimento, por exemplo, da sociologia, da filosofia, da antropologia e da psicologia,
isso quando a pesquisa se refere a temas na área das ciências sociais. Histórica por
inventariar um estudo sobre o contexto histórico do objeto. Experimental em razão da
pesquisa se basear em material empírico, e repercutir seus resultados junto às hipóteses
do estudo.
Portanto, a tese apresenta tipologia híbrida: “[...] experimental, histórica e
teórica [...]”. A experimental por analisar os retratos sobre o Islã na Folha de S. Paulo e
no Estado de S. Paulo. A histórica por levantar o contexto sobre a doutrina e suas
produções culturais modernas. A teórica por descrever as teorias dos principais autores
sobre a formulação do Outro-Muçulmano e suas implicações na história do amanhã.
Além disso, é importante destacar o ângulo de abordagem da pesquisa que,
segundo Lucia Santaella (2001, p.186), varia em: “[...] econômico, político, social,
cultural, histórico, técnico, etc.” Devido ao objetivo da tese de investigar como se
formula a representação do Outro-Muçulmano no cenário do jornalismo internacional,
os ângulos que abarcam a temática são de caráter histórico-cultural e técnico. A
importância do ângulo se correlaciona com a hipótese do trabalho da tese de vislumbrar
o jornalismo internacional como um espaço discursivo em que o Outro muçulmano é
caracterizado como subalterno, inferior, e por vezes fundamentalista e terrorista, numa
esfera política internacional polarizada que o evidencia como o mal, o vilão que deve
ser perseguido continuamente.
Como procedimentos metodológicos, o projeto combinou dois métodos de
pesquisa:
1 - Pesquisa Bibliográfica
2- Análise de Discurso (2.1 Análise Descritiva, 2.2 Análise do discurso
jornalístico e 2.3 Padrões de Manipulação).
146
6.1 Pesquisa Bibliográfica
A tese nutre-se, como todo trabalho científico, de referências bibliográficas que
abarcam o contexto do objeto de estudo. Para isso, o estudo apresenta parte significativa
dos capítulos de conceitos, teorias e histórias sobre a temática e as hipóteses que se
pretende evidenciar.
A Pesquisa Bibliográfica colabora na formação de leituras sobre o tema estudado
por ter caráter investigativo e bibliográfico. Contudo, conceitua-se como:
[...] um conjunto de procedimentos que visa identificar informações
bibliográficas, selecionar os documentos pertinentes ao tema estudado
e proceder à respectiva anotação ou fichamento das referências e dos
dados dos documentos para que sejam posteriormente utilizados na
redação de um trabalho acadêmico (STUMPF, 2006, p.51).
Como método de investigação, a pesquisa bibliográfica padroniza procedimentos
para facilitar a realização dos estudos científicos. Primeiramente, inicia-se pela
identificação do tema e dos assuntos que o cercam para melhor delimitar a busca por
leituras e complementos histórico-teóricos. Para tal identificação, costumam-se
selecionar fontes de pesquisa, como bibliografia especializada, índices com resumo,
portais, resumos de teses e dissertações, catálogos de bibliotecas e catálogo de editoras
(STUMPF, 2006, p.56-8).
Depois de realizada a obtenção do material que será definido como fontes de
pesquisa, inicia-se a leitura aprofundada e a transcrição dos dados. Em seguida, realiza-
se o fichamento com as informações mais pertinentes para auxiliar no desenvolvimento
textual da pesquisa escrita, anotando com aspas as palavras do autor, seguidas da
paginação do texto original. Essas transcrições ajudam o pesquisador a desenvolver a
argumentação teórica, histórica e outras, com maior justificativa e credibilidade
intelectual. Na produção da presente tese foi utilizada a pesquisa bibliográfica para o
desenvolvimento dos capítulos.
6.2 Análise de Discurso
A pesquisadora Helena Brandão em Introdução à Análise do Discurso (AD)
afirma que os anos 50 foram decisivos para compreender a AD como disciplina e
visualizar sua aplicabilidade em trabalhos científicos.
147
De um lado surge o trabalho de Harris (Discourse analyisis, 1952),
que mostra a possibilidade de ultrapassar as análises confinadas
meramente à frase, ao estender procedimentos da linguística
distribucional americana aos enunciados (chamados discursos) e, de
outro lado, os trabalhos de R. Jakobson e E. Benveniste sobre a
enunciação (BRANDÃO, 2004, p.13).
Para o presente tema da representação do Islã nos jornais brasileiros levaram-se
em consideração algumas variantes. A presença da empresa jornalística, do conteúdo
padrão enviado pelas agências internacionais, da presença ou não do repórter nas fontes
de pesquisa para a produção jornalística, do caráter históricocultural do assunto junto à
sociedade, e outros elementos peculiares das reportagens e das notícias. Esses
pressupostos sociais foram determinantes para a definição do método analítico do
conteúdo jornalístico.
A análise de discurso entende a linguagem como além do texto enunciado, se
preocupa com seu significado no contexto social presente, nesse sentido a análise
discute e reflete a interpretação gerada do enunciado, ou seja, a classificação e
entendimento de mundo que se faz do tema em pauta. Portanto, desta ideia defini-se que
o discurso é o espaço em que emergem as significações.
Contudo, faz-se necessário compreender, antes de entrar nas diferenciações da
AD, alguns conceitos chave sobre esse cenário teórico. A pesquisadora Ingedore Koch
em A interação pela linguagem diferencia as concepções que a linguagem foi
concebida, em diferentes momentos da história, em três principais: “a. como
representação (“espelho”) do mundo e do pensamento; b. como instrumento
(“ferramenta”) de comunicação; c. como forma (“lugar”) de ação ou interação” (2007,
p.07).
A primeira classificação é a mais antiga, mesmo que ainda hoje existam
correntes de estudos que a defendam. Nessa concepção o ser humano representa para si
o mundo por meio da linguagem, ou seja, a função da língua é representar o pensamento
deste ser humano, como conhecimento de mundo. A segunda concepção da autora
entende a linguagem como transmissão de informações, ou seja, a língua neste caso
funciona como um código. E a última concepção tem a linguagem como atividade,
como forma de ação, ou seja, “[...] ação individual finalisticamente orientada; como
lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais
diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e/ou comportamentos,
148
levando ao estabelecimento de vínculos e compromissos anteriormente inexistentes”
(KOCH, 2007, p.07).
Essa terceira ideia de função da língua permite afirmar que há uma interlocução
entre os elementos envolvidos na atividade da linguagem, além dos que produzem e
recebem as mensagens produzidas, vão se delineando outras “regras” no ato da
interlocução (KOSCH, 2007, p.07-08). Esse entendimento colaborou para o surgimento
de estudos que explicassem o processo de constituição da linguística do discurso, que é
uma linguística “[...] que se ocupa das manifestações linguísticas produzidas por
indivíduos concretos em situações concretas, sob determinadas condições de produção”
(KOSCH, 2007, p.09-10). E como funcionalidade a linguística do discurso visa
descrever e explicar a (inter) ação humana por meio da linguagem, “[...] a capacidade
que tem o ser humano de interagir socialmente por meio de uma língua, das mais
diversas formas e com os mais diversos propósitos e resultados” (KOSCH, 2007, p.10).
Foi a partir dessa classificação que a análise de discurso procura compreender a
língua como um “trabalho simbólico”, em que parte do trabalho social resulta do
homem e de sua história (ORLANDI, 2010, p.15). Em decorrência, a AD emergiu como
disciplina para teorizar a interpretação (ORLANDI, 2010, p.25).
E como teoria a AD pretende compreender como um objeto simbólico produz
sentidos, “[...] como ele está investido de significância para e por sujeitos”. E pensar
essa compreensão implica explicitar, por exemplo, como um texto se organiza, quais
são os elementos que dele despontam “gestos de interpretação”, que relacionam sujeito
e sentido (ORLANDI, 2010, p.26-7). Lembrando que compreender significa mais que
interpretar. Compreender está relacionado aos sentidos que emergem de um objeto
simbólico, como um enunciado, um texto, uma pintura entre outros. Portanto a
compreensão “[...] procura a explicitação dos processos de significação presentes no
texto e permite que se possam ‘escutar’ outros sentidos que ali estão, compreendendo
como eles se constituem.” (ORLANDI, 2010, p.26).
Além do dado linguístico que se poderá discorrer a análise dos textos
informativos dos veículos de comunicação pode-se afirmar que há informações mais
complexas e primordiais para a análise, que estão exteriores a esse dado linguístico,
visto essa realidade de análise se determinou, para o estudo dessa tese, a aplicação da
linha francesa de análise de discurso. Pois a AD, na perspectiva francesa, ao se apoiar
em métodos e conceitos da linguística considera imprescindível analisar: “O quadro das
instituições em que o discurso é produzido, as quais delimitam fortemente a enunciação;
149
Os embates históricos, sociais etc. que se cristalizam no discurso; e o espaço próprio
que cada discurso configura para si mesmo no interior de um interdiscurso.”
(MAINGUENEAU apud BRANDÃO, 2004, p.17). Portanto a linguagem é entendida
como fenômeno em que se sistematiza interna e externamente, no campo interno como
formação linguística e no espaço externo como formação socioideológica.
Uma prática discursiva não pode se explicar senão em função de uma
dupla competência: 1- uma competência específica, sistema
interiorizado de regras especificamente linguísticas e que asseguram a
produção e a compreensão de frases sempre novas ─ o indivíduo eu
utilizando essas regras de maneira específica (performance): 2- uma
competência ideológica ou geral que torna implicitamente possível a
totalidade das ações e das significações novas (SLAKTA apud
BRANDÃO, 2004, p.18).
Como explicitado os conceitos de ideologia, e de discurso vão influenciar a
corrente francesa. Em especial a teoria dos aparelhos ideológicos de Estado, do estudo
do teórico Althusser, de quem foi cunhado o termo “formação ideológica”, e a teoria do
discurso de Foucault (Arqueologia do Saber) da qual se extrairá o termo “formação
discursiva” (FD). Ambas as expressões formação ideológica e formação discursiva
serão significativas para a análise de discurso.
6.2.1 Análise de Descrição do Material Jornalístico
Antes de realizar a AD é preciso pontuar o corpus de análise e como será a
análise descritiva do material informativo. Serão analisadas 62 edições dos jornais
impressos, sendo 31 da Folha de S. Paulo e 31 do Estado de S. Paulo. O marco (da data)
foi definido a partir do 11 de setembro de 2011, em razão da realização de dez anos do
atentado às Torres Gêmeas, ao Pentágono e a Casa Branca dos Estados Unidos pelos
fundamentalistas islâmicos. Serão 30 dias contando quinze dias anteriores ao 11 de
Setembro e quinze dias posteriores, somando 31 dias de material diário, de ambos os
jornais. A definição da data do corpus de análise foi demarcada pela expectativa
jornalística de os cadernos desenvolverem material especial sobre os dez anos do ato
terrorista, pois desta forma haveria conteúdo com perspectiva menos emocional e mais
contextualização, em razão do maior tempo para reportagens especiais. A escolha dos
veículos Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo decorre da importância que os
impressos apresentam nas embaixadas em São Paulo, e no País, bem como em razão da
150
alta tiragem e da circulação de ambos no território brasileiro. Para cumprir essa análise
serão descritas as categorias de análise do material informativo.
Segue tabela das três primeiras categorias27
de análise descritiva:
I ─ Gênero
Notícia
Reportagem
Nota
Entrevista
II ─ Fontes
Primária
Secundária
Testemunhal
Expert
Oficial
Oficiosa
Independente
III ─ Abordagem predominante do texto
Descritivo
Analítico/Interpretativo
Investigativo
IV ─ Descrição do Não-verbal (Fotografias, imagens, tabelas, infográficos entre
outros)
Natureza do não-verbal: descrever se o material não-verbal teve origem de
agência de notícias, ou se foi de produção do veículo, do repórter ou ainda de outra
fonte de pesquisa.
Formato do não verbal: além de descrever se o não-verbal é uma fotografia,
uma imagem produzida, uma tabela, um infográfico ou outro da mesma origem, serão
descritos seus tamanhos, cores e posicionamentos nas matérias jornalísticas em relação
aos textos.
Conteúdo do não-verbal: será descrito resumidamente o conteúdo e significados
do não-verbal em sua tipologia.
V ─ Resumo/descritivo do material jornalístico
27
Pensando no maior esclarecimento para pesquisadores e leitores de outra área do conhecimento, a
autora dispôs em glosário as explicações conceituais referentes à gênero, às fontes e à abordagem
predominante do texto, respectivamente em glossário 1.1 Gênero; 1.2 Fontes e 1.3 Abordagem
predominante do texto.
151
Logo depois desse processo de descrição dos elementos que constituem o
material informativo dos jornais será pontuado um breve resumo das matérias
jornalísticas, da categoria informativa ─ nota, notícia, reportagem e entrevista. O
principal objetivo desse resumo do conteúdo é para facilitar o entendimento, do leitor da
tese, sobre os questionamentos levantados pela AD, posteriormente.
6.2.2 Análise do Discurso Jornalístico
O principal objetivo do uso da AD de perspectiva francesa para esse estudo de
tese foi em razão da AD constituir-se como disciplina mais completa para a
interpretação do discurso jornalístico, que se forma a partir do material textual dos
diários Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. A partir do quadro teórico levantado
pela AD tornar-se-ão presentes nos capítulos de análise (Capítulo VII e VIII) as
seguintes formulações:
I ─ Esquecimentos: Segundo M. Pêcheux (apud ORLANDI, 2010, p.34-5) há duas
formas de esquecimentos no discurso, a primeira conceituada como número dois, e a
segunda conceituada como número um. O esquecimento número dois é da ordem da
enunciação. “Ao falarmos ‘sem medo’, por exemplo, podíamos dizer ‘com coragem’, ou
‘livremente’ etc. Isto significa em nosso dizer e nem sempre temos consciência disso”
(ORLANDI, 2010, p.35). Ou seja, quando o indivíduo fala de uma maneira e não de
outra; e ao longo desse dizer, formam-se “famílias parafrásticas” que indicam que o
dizer sempre podia ser outro. Para Orlandi esse “esquecimento” produz no indivíduo a
impressão da “realidade do pensamento”. E, logo, essa impressão, que se denomina na
AD como “ilusão referencial”, é que faz o indivíduo acreditar que há uma relação direta
entre o pensamento, a linguagem e o mundo, nesse sentido essa relação é tão
fundamentada que o quê é dito, falado, dá o significado que só poderia ser dito e falado
com aquelas palavras, e não com outras. E a autora vai além afirmando que o
esquecimento é parcial, “semi-consciente e muitas vezes voltamos sobre ele, recorremos
a esta margem de famílias parafrásticas, para melhor especificar o que dizemos. É o
chamado esquecimento enunciativo e que atesta que a sintaxe significa: o modo de dizer
não é indiferente aos sentidos” (ORLANDI, 2010, p.35).
O esquecimento número um, também conceituado como esquecimento
ideológico, “[...] é da instância do inconsciente e resulta do modo como qual somos
afetados pela ideologia”. Por meio desse esquecimento tem-se a ilusão, do indivíduo
152
que fala, ser o primeiro a se expressar com aquelas palavras, quando na realidade, se
retoma sentidos já existentes no cenário social.
Na realidade, embora se realizem em nós: eles são determinados pela
maneira como nos inscrevemos na língua e na história e é por isso que
significam e não pela nossa vontade. [...] Essa é um determinação
necessária para que haja sentidos e sujeitos. Por isso que dizemos que
o esquecimento é estruturante. Ele é parte da constituição dos sujeitos
e dos sentidos (ORLANDI, 2010, p.36).
Nesse sentido é importante que os “sujeitos” tenham esse esquecimento, para
que ao se identificarem com o que dizem, constituam sujeitos. Para Orlandi é desta
forma que as palavras constituem sentido, pois é assim que os sujeitos se significam ao
retomarem palavras que existam como se elas surgissem primeiramente deles, portanto
é nesse cenário que sentidos e sujeitos estão sempre em movimento. “Sempre as
mesmas, mas ao mesmo tempo, sempre outras” (ORLANDI, 2010, p.36).
II ─ Paráfrase e Polissemia: são processos, no funcionamento da linguagem, que
permitem o discurso se constituir, no resultado da tensão entre eles. Os processos
parafrásticos representam a memória, o dizível, ou seja, são aqueles elementos que se
mantém em todo dizer. “A paráfrase está do lado da estabilização” (ORLANDI, 2010,
p.36). E a polissemia está do lado do deslocamento, da ruptura de processos de
significação, porque os processos polissêmicos representam o novo, o diferente.
Essas duas forças que trabalham continuamente o dizer, de tal modo
que todo discurso se faz nessa tensão: entre o mesmo e o diferente. Se
toda vez que falamos, ao tomar a palavra, produzimos uma mexida na
rede de filiação dos sentidos, no entanto, falamos com palavras já
ditas. E é nesse jogo entre paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o
diferente, entre o já dito e o a se dizer que os sujeitos e os sentidos se
movimentam, fazem seus percursos, (se) significam. [...] Daí dizemos
que os sentidos e os sujeitos sempre podem ser outros. Todavia nem
sempre o são. Depende de como são afetados pela língua, de como se
inscrevem na história. Depende de como trabalham e são trabalhados
pelo jogo entre paráfrase e polissemia (ORLANDI, 2010, p.36-7).
A partir desse entendimento que a AD diferencia o que é criatividade do que é
produtividade. O modo de processar o discurso em sua dimensão técnica é
produtividade, ocorre a “reinteração de processos já cristalizados”. A produtividade é
regida pelo processo parafrástico, bem como mantém o indivíduo num retorno constante
ao espaço do dizível, reproduzindo sempre uma variedade do mesmo. Ao contrário da
153
criatividade, que implica na ruptura do processo de produção da linguagem. Isso ocorre
por meio do deslocamento das regras, possibilitando a intervenção pelo diferente, “[...]
produzindo movimentos que afetam os sujeitos e os sentidos na sua relação com a
história e com a língua. Irrompem assim sentidos diferentes.” (ORLANDI, 2010, p.37).
Contudo Orlandi adverte que para que haja criatividade é necessário um trabalho
que ponha em conflito o já produzido e o que se vai instituir. “Passagem do irrealizado
ao possível, do não-sentido ao sentido.” (ORLANDI, 2010, p.38). Por isso que se pode
afirmar que a paráfrase é o cerne do sentido, não há sentido sem repetição e nem
identidade com o saber discursivo, e a polissemia é a fonte da linguagem, pois é dela
que há os movimentos distintos de sentido no mesmo objeto simbólico. “Esse jogo entre
paráfrase e polissemia atesta o confronto entre o simbólico e o político. Todo dizer é
ideologicamente marcado. É na língua que a ideologia se materializa. Nas palavras dos
sujeitos. Como dissemos, o discurso é o lugar do trabalho da língua e da ideologia”
(ORLANDI, 2010, p.38). Portanto a partir da compreensão de relação entre a paráfrase
e a polissemia (entre mesmo e diferente) afirma-se que é possível entender como o
político e o linguístico se “[...] interrelacionam na constituição dos sujeitos e na
produção dos sentidos, ideologicamente assinalados” (ORLANDI, 2010, p.38). Ou seja,
como o sujeito (e os sentidos), pela repetição, “[...] estão sempre tangenciando o novo, o
possível, o diferente. Entre o efêmero e o que se eternaliza. Num espaço fortemente
regido pela simbolização das relações de poder.” (ORLANDI, 2010, p.38).
III ─ Relações de Força, Relações de Sentido, Antecipação: Formações
Imaginárias. Esses são os fatores que condicionam a formação dos discursos. O
primeiro a relação de sentidos parte da premissa que não existe discurso que não se
relacione com outros. Ou seja, os sentidos dos discursos resultam de processos de
relação, sempre. “Um dizer tem relação com outros dizeres realizados, imaginados ou
possíveis.” (ORLANDI, 2010, p.39).
A antecipação funciona como um mecanismo em que o indivíduo se antecipa ao
seu interlocutor, quanto ao sentido que suas palavras produzem. E desta forma “[...] esse
mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo ou de
outro, segundo o efeito que pensa produzir em seu ouvinte” (ORLANDI, 2010, p.39).
Logo, o mecanismo de antecipação define o processo de argumentação, e isso se dá
estrategicamente, ou seja, o resultado desse processo objetiva efeitos sobre o
interlocutor (ORLANDI, 2010, p.39). Complementando essa ideia as pesquisadoras e
154
professoras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Marcia Benetti Machado e
Nilda Jacks, no estudo O discurso Jornalístico, afirmam que o jornalista
[...] fala tendo como horizonte um leitor de sua fala. Pesquisas de
opinião procuram enquadrar esse leitor em certas definições
normalmente, referentes às condições socioeconômicas e culturais.
São as formações imaginárias que possibilitam a diferenciação de
linguagens e estilos entre os veículos. O jornalista tem sempre em
mente, mesmo que de modo internalizado ou intuitivo, o seu “público
leitor” (MACHADO; JACKS, 2001, p.05).
A relação de forças se explica com a ideia de que o lugar, o cenário, o contexto
do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz, por exemplo, “[...] se o sujeito fala a
partir do lugar de professor, suas palavras significam de modo diferente do que se
falasse do lugar do aluno.” (ORLANDI, 2010, p.39). As sociedades, de maneira geral,
apresentam hierarquias sociais, e as mesmas exercem relações de força, que são
sustentadas no “poder” desses diferentes lugares, os quais são reincorporados e
mantidos no processo comunicativo.
As formações imaginárias ocorrem da hibridização desses fatores que
condicionam a formação do discurso. Delas se explica que as imagens projetadas dos
lugares sociologicamente concretos e inscritas na sociedade são as formações que atuam
no cenário imagético do discurso, e que apresentam relação com o contexto, com a
memória e com as posições dos lugares (ORLANDI, 2010, p.40).
Orlandi destaca um exemplo de como a formação social consolidada na história
pode ser regida sob as relações de forças, de sentidos e pelo mecanismo de antecipação
no funcionamento da formação imaginária:
Em nossa formação social, se pensamos, por exemplo, a Universidade
podemos explorar algumas dessas possibilidades: a imagem que o
professor tem do que seja um aluno universitário, a imagem que um
aluno tem do que seja um professor universitário, a imagem que se
tem de um pesquisador, a imagem que o aluno (o professor, o
funcionário) tem de um Reitor, a imagem que o aluno (o professor, o
funcionário) tem de um dirigente de um diretor acadêmico, a imagem
que o aluno (o professor, o funcionário) tem de um dirigente de um
associação de professores universitários etc. Mas, pelo mecanismo da
antecipação, também temos, por exemplo: a imagem que o dirigente
sindical tem da imagem que os funcionários têm daquilo que ele vai
dizer. E isto faz com ele ajuste seu dizer a seus objetivos políticos,
trabalhando esse jogo de imagens. Como em um jogo de xadrez, é
melhor orador aquele que consegue antecipar o maior número de
“jogadas” [...] (ORLANDI, 2010, p.41-2).
155
Portanto, pode-se concluir que o entendimento que se tem, por exemplo, de
professor, não veio do nada, a imagem foi constituída do confronto do político com o
simbólico, num processo que liga discurso e instituições de poder, por isso que a
formação do imaginário faz parte do funcionamento da linguagem, como um importante
fator nessa lógica da produção dos sentidos (ORLANDI, 2010, p.42).
IV ─ Formação Discursiva: Para o pesquisador e teórico da AD, Dominique
Maingueneau, em Os termos-chave da Análise do Discurso, (1997, p.50-1) as
formações discursivas designam todo o sistema de regras que “[...] fundam a unidade de
um conjunto de enunciados dos sócio-historicamente circunscritos”, ou seja, a formação
discursiva determina o que pode e deve ser dito, mas leva em conta para sua
constituição as formações ideológicas dadas ─ a partir de uma posição e uma conjuntura
histórica social dadas. Desse entendimento as pesquisadoras e professoras Marcia
Benetti Machado e Nilda Jacks também entendem as formações discursivas como
ancoradas nas “[...] formações ideológicas também regras de existência, mas agora de
estruturas de pensamento”. Pois a forma com que o indivíduo formula seu mundo deriva
de um modo específico (MACHADO; JACKS, 2001, p.06).
Incluem-se aí a elaboração e o uso de conceitos sobre o mundo dos
objetos e o próprio conhecimento, o posicionamento a respeito dos
papéis ocupados historicamente pelos sujeitos, a visão do passado e do
futuro, a consciência, ainda que difusa, a respeito do que desejamos
ser e de como devemos agir, as noções de moral e de ética, enfim,
tudo que pode ser sistematizado de forma mais ou menos estruturada
como regras de visão, desejo e ação (MACHADO; JACKS, 2001,
p.06).
Orlandi (2010, p.43) destaca dois pontos importantes da formação discursiva. A
primeira parte da premissa de que o discurso se forma em seus sentidos, porque a fala
que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva, com isso passa a ter um
sentido específico e não outro, aleatório. Nessa lógica permite afirmar que as palavras
não apresentam um sentido nelas mesmo, mas derivam seus sentidos das formações
discursivas em que se inscrevem.
As formações discursivas, por sua vez, representam no discurso as
formações ideológicas. Desse modo, os sentidos sempre são
determinados ideologicamente. [...] Tudo que dizemos tem, pois, um
traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. E isto não está
na essência das palavras, mas na discursividade, isto é, na maneira
156
como, no discurso, a ideologia produz seus efeitos, materializando-se
nele. O estudo do discurso explicita a maneira como linguagem e
ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca
(ORLANDI, 2010, p.43).
Contudo, vale ressaltar que a formação discursiva não se apresenta como blocos
homogêneos, que funcionam independentes, são constituídas por um processo de
contradição, são heterogêneas e apresentam suas fronteiras fluídas, num mecanismo de
configurar-se e reconfigurar-se de acordo com suas relações (ORLANDI, 2010, p.44).
Outra questão importante que Orlandi destaca nesse primeiro ponto da formação
discursiva é o entendimento de metáfora, como noção imprescindível no cenário da AD.
Ela afirma que a metáfora não é considerada, como na retórica, como um termo que se
trata de uma figura de linguagem, a metáfora na AD é definida como “transferência” ─
tomada de uma palavra por outra ─ desta forma a metáfora estabelece a maneira como
as palavras significam. E é por meio dessa superposição (transferência), “[...] que
elementos significantes passam a se confrontar, de modo que se revestem de um
sentido” (PÊCHEUX apud ORLANDI, 2010, p.44). Portanto o sentido acontece
precisamente em razão das relações de metáfora ─ que se apresentam em forma de
sinônimos, paráfrases, como efeito de substituição. Em decorrência dessas relações de
metáfora a formação discursiva é historicamente um lugar provisório.
O outro ponto que Orlandi pontua na formação discursiva é sua importância
sobre o ato de compreender, no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos.
Esclarece que palavras iguais podem ter significados diferentes, pois se inscrevem em
formações discursivas que também são diferentes. Dá o exemplo da palavra “terra”, que
para o índio tem um significado, para o agricultor outro, e para um agricultor sem terra,
outro ainda. Ou seja, a palavra “terra” foi usada em condições de produção diferentes, e
para tanto, podem se apresentar em diferentes formações discursivas. Por isso que como
método para o analista, no trabalho de análise dessa tese, deve se observar as condições
de produção, “[...] verificando o funcionamento da memória, ele ─ o analista ─ deve
remeter o dizer a uma formação discursiva (e não outra) para compreender o sentido do
que ali está dito” (ORLANDI, 2010, p.45).
Portanto é possível afirmar que a formação discursiva permite compreender o
processo de produção dos sentidos, verificar sua relação com a ideologia e colaborar ao
analista como estabelecer regularidade no funcionamento do discurso (ORLANDI,
2010, p.45).
157
V ─ a) O dito e o não dito: A ideia do não dito na AD torna-se, metodologicamente,
necessário para a análise, em razão do dizer ter relação intrínseca com o discurso.
Orlandi (2010, p.82) a partir da teoria de Ducrot (1972) diferencia duas formas de não
dizer: “pressuposto”, como aquilo que não é dito, mas que se origina da própria
linguagem, e o “subentendido”, como aquilo que se observa a partir de um determinado
contexto. Por exemplo, Orlandi trabalha na ideia “Deixei de fumar” (2010, p.82), o
pressuposto é que “eu fumava antes”, e só poderia dizer essa informação se eu
realmente fumava antes. Nesse mesmo exemplo o “não dito”, subentendido, seriam as
questões subsidiárias do dito, se “deixei de fumar”, poderia ser por que faz mal a saúde
ou outra razão subentendida, ou seja, precisa entender o contexto para que o
subentendido se desnude.
Segundo Orlandi (2010, p.83) há outras formas de conceituar o não dito, a partir
da perspectiva do conceito de “silêncio”. Separa em “silêncio fundador” e “política do
silêncio”. O silêncio fundador “[...] indica que o sentido pode ser sempre outro”, e
também faz com que o dizer signifique. A política do silêncio se distingue em “silêncio
constitutivo” e “silêncio local”. O silêncio constitutivo entende que uma “[...] palavra
apaga outras palavras”, ou seja, se constar “sem medo” anula a ideia de “com coragem”,
a autora ressalta que para “[...] dizer é preciso não dizer”. Já o silêncio local se vincula a
ideia de censura, o que não poderia ser dito em determinado contexto e determinada
circunstância, “[...] numa ditadura não se diz a palavra ditadura não porque não se saiba,
mas porque não se pode dizê-lo” (ORLANDI, 2010, p.83).
Entre os conceitos do dizer e do não dizer desenrola-se todo o espaço de
interpretação no qual o sujeito se movimenta. Nesse sentido é importante salientar as
diferentes funções do sujeito na AD:
Locutor: é aquele que se representa como eu no discurso. Enunciador:
é a perspectiva que esse eu constrói. Autor: é a função social que esse
eu assume enquanto produtor da linguagem. O autor é, dentre as
dimensões enunciativas do sujeito, a que está mais determinada pela
exterioridade (contexto sócio-histórico) e mais afetada pelas
exigências de coerência, não-contradição, responsabilidade
(BRANDÃO, 2004, p.84-5).
Portanto o enunciador “[...] é a voz de um ‘ponto de vista’, de uma ‘perspectiva’
a perspectiva de uma posição ideológica que permite ao locutor falar. O locutor é
aquele que fala e que pode ser claramente identificado como o responsável ao menos
158
imediatamente pelo enunciado”. O enunciador deve ser entendido como “a pessoa de
cujo ponto de vista é apresentado aos acontecimentos” (DUCROT apud MACHADO;
JACKS, 2001, p.07).
O locutor é quem fala, o enunciador é aquele “a partir de quem se vê”,
interpelando o sujeito para que se coloque como locutor naquela
posição. O enunciador deve ser localizado, na análise, como a
perspectiva da qual o locutor enuncia. Nesse sentido, podemos ter
locutores distintos enunciando sob a perspectiva de um único
enunciador. Por outro lado, um mesmo locutor pode se mover entre
dois ou mais enunciadores (em um exercício de argumentação isso
pode ficar claro, quando o locutor se move entre diversas perspectivas
para convencer seu interlocutor) (MACHADO; JACKS, 2001, p.07).
V ─ b) Inferências/Implícitos: são os conteúdos que, em princípio, não são os
verdadeiros objetos da enunciação, mas que nascem (se originam) do conteúdo
explícito. Dominique Maingueneau (1997, p.58) divide o implícito em duas vertentes, o
implícito semântico e o implícito pragmático. Maingueneau propõe o exemplo: “O
Paulo já não vive em Londres, mas em Paris”. O implícito semântico nesse exemplo
orienta-se, pelo contexto do discurso, que o Paulo vive atualmente na França, e que o
Paulo vivia antes em Londres, ou seja, é possível pela semântica direcionar formas
implícitas do discurso. No implícito pragmático o co-enunciador pode retirar do
exemplo, num dado contexto, que talvez Paulo não possa aceitar um convite, ou receber
uma carta, do pragmático verifica-se formas implícitas de acordo com as condições de
produção dada (MAINGUENEAU, 1997, p.58).
VI ─ Considerações
É importante pontuar que o texto é a unidade que o analista da AD tem diante de
si e da qual ele parte. Orlandi interroga: “O que faz ele diante de um texto?”, responde
que o analista deve imediatamente remeter o texto a um discurso que se “[...] explicita
em suas regularidades pela sua referência a uma ou outra formação discursiva que, por
sua vez, ganha sentido porque deriva de um jogo definido pela formação ideológica
dominante naquela conjuntura” (ORLANDI, 2010, p.63).
Pensando nesse aspecto do discurso a tese entende o jornalismo, enquanto
atividade informativa, como um trabalho sob a perspectiva discursiva. Segundo as
pesquisadoras e professoras Marcia Benetti Machado e Nilda Jacks “A informação
159
jornalística é o dado, o fato, a declaração, o fenômeno apreendido em sua singularidade”
(MACHADO; JACKS, 2001, p.01). Nesse sentido:
O indivíduo cindido em vários sujeitos só pode falar porque se desloca
e se descentra. Esse sujeito disperso fala por meio do que Foucault
circunscreveu como formações discursivas. Uma formação discursiva
é comumente definida como aquilo que pode e deve ser dito, em
oposição ao que não pode e não deve ser dito. Parece uma definição
obscura e intransponível, porque depende de si mesma para se fazer
compreensível. Mas, quando entendemos que o sujeito sempre fala de
um lugar, e que este lugar pode ser diferente daquele que ocupou há
um minuto, a noção começa a fazer sentido. Para “agarrar” uma
formação discursiva, tarefa sempre difícil, o analista de discurso
precisa trabalhar com certas regras de formação, ou seja, com aquelas
regras que definem como um mesmo sentido é construído ao longo de
enunciados distintos (MACHADO; JACKS, 2001, p.03).
Portanto é imprescindível identificar e investigar o “dito e o não dito”, suas
intenções, seus interesses e sua força, nas formações discursivas. Pois se tem como
premissa que o discurso nunca se dá fora do contexto social, é por estar sempre em
relação com a exterioridade que: “Sabemos que o jornalismo é uma narração do real
mediada por sujeitos (no exercício de suas subjetividades) e que as escolhas se dão da
pauta à edição, passando pela apuração, pela seleção das fontes e pela hierarquização
das informações” (MACHADO; JACKS, 2001, p.06). Por isso que o processo de
“relações de força”, “relações de sentido”, “antecipação” e, finalmente, “formações
imaginárias” devem ancorar a análise de discurso, pela importância primária das
formações ideológicas que esses processos indicam, e logo, os sentidos que se originam,
e para que efeitos suas condições de produção ocorrem.
Concluindo o analista de discurso deve partir da materialidade do discurso,
identificando as formações discursivas, e mapeando “[...] as suas respectivas formações
ideológicas para então, a partir destas, chegar aos enunciadores aqueles que realmente
definem o discurso” (MACHADO; JACKS, 2001, p.08).
6.2.3 Outros elementos para a análise do discurso jornalístico
O jornalista Perseu Abramo (2003) foi outro teórico que desenvolveu estudos
sobre padrões de conduta do discurso jornalístico, identificou características da mídia
brasileira que são significativas para o entendimento pontuado das formações do
discurso no jornalismo impresso. Abramo (2003, p.24-36) conceitua quatro padrões de
160
manipulação. O primeiro refere-se ao “padrão de ocultação”, que diz respeito à ausência
e à presença dos fatos reais na produção da imprensa, ou seja, é o “[...] padrão que opera
nos antecedentes, nas preliminares da busca da informação, isto é, no ‘momento’ das
decisões de planejamento da edição, da programação ou da matéria particular [...]”.
Entende-se que para se tornar real, a priori deve-se existir como fato jornalístico. O que
acontece nesse padrão é a inclusão de um dado, de uma informação, ou a não seleção
desse dado, dessa informação como membros do fato jornalístico. Abramo adverte que
o fato real ausente deixa, simplesmente, de ser real para se transformar em imaginário e
o fato presente (real ou ficcional) passa a tomar o lugar do fato real. Ambas as
ocultações induzem o leitor à conotação de uma realidade diferente da real, algo criado,
portanto artificial.
Um segundo item desenvolvido pelo autor é o padrão de fragmentação. Nele,
parte-se de uma construção que seja estilhaçada, fragmentada em vários fatos
particularizados, desconectados entre si, “[...] despojados de seus vínculos com o geral,
desligados de seus antecedentes e de seus conseqüentes no processo em que ocorrem, ou
reconectados e revinculados de forma arbitrária e que não corresponde aos vínculos
reais, mas a outros ficcionais e artificialmente inventados." (ABRAMO, 2003, p.27) .
Esse padrão acarreta dois procedimentos: a seleção de aspectos, ou
particularidades, do fato e a descontextualização. No primeiro, os fatos são decompostos
em aspectos, e a imprensa seleciona os que apresentarão ou não ao público. O segundo é
uma decorrência da seleção de aspectos, porque isolados como partes de um fato, a
informação, o dado, perdem a essência do seu significado verdadeiro, original, e
recebem outro significado, diferente, que pode ser até antagônico ao significado real.
O terceiro padrão mais utilizado é o da inversão. Ele opera tanto no
planejamento como na coleta e na transcrição das informações, “[...] mas que tem seu
reinado por excelência no momento da preparação e da apresentação final, ou da edição,
de cada matéria ou conjunto de matérias.” (ABRAMO, 2003, p.28-29). Visualizam-se
quatro tipos mais empregados pela grande mídia: inversão da relevância dos aspectos,
inversão da forma pelo conteúdo, inversão da versão pelo fato e inversão da opinião
pela informação (ABRAMO, 2003, p.28-32).
Detalhar-se-á cada um deles:
Inversão da relevância dos aspectos – nesse padrão, ocorre a troca da informação
principal pela secundária, com o objetivo de diminuir o entendimento, ou anular a
compreensão sobre o que seria essencial no fato, ou dado.
161
Inversão da forma pelo conteúdo – nesse padrão, o formato que o texto toma se
torna mais importante do que o que ele reproduz, ou seja, a palavra, a frase, se
desenrolam principais nas matérias jornalísticas, muitas vezes, impedindo a clareza da
explicação para que justamente seja impedido o real na informação.
Inversão da versão pelo fato – nesse padrão, visualiza-se no texto jornalístico a
versão do fato que o órgão de imprensa quer apresentar, negligenciando a observação e
a exposição dos fatos originais, que existem no mundo natural e social.
Inversão da opinião pela informação – esse último padrão de inversão ocorre
com maior frequência no cenário do jornalismo informativo. Nele, substitui-se, inteira
ou parcialmente, a informação pela opinião que se quer enraizar sobre a informação
real. Os três padrões de inversão acima expostos levam quase inevitavelmente ao padrão
de inversão da opinião pela informação.
Todos esses padrões colocados por Abramo (2003) conduzem ao padrão de
indução, que retira do receptor da informação jornalística a realidade original do dado,
do fato e cria outra realidade que não é verdadeira, mas se passa por tal. Entretanto, ela
foi artificialmente criada, induzindo o receptor a uma compreensão equivocada da
realidade original.
Com isso, avança-se na discussão de que existe uma complementaridade entre a
forma de controle social e o formato de produção de notícias. Para dissecar esses
conceitos, Luiz Gonzaga Motta (2002, p.126-131) propõe explicação em separado.
As formas coercitivas de controle, que podem variar desde controles políticos e
econômicos realizados pelos diretores, chefes de redação, proprietários ou acionistas
dos veículos de comunicação, de forma direta, ou ainda fora do ambiente dos mídia,
exercem poder coercitivo de maneira indireta como empresários, grupos de opinião,
executivos entre outros, sobre as atividades profissionais do jornalista. É no tratamento
ao exercício da profissão do jornalista que o poder coercitivo dessas pessoas se
reproduz, levando em consideração seus interesses por fontes, pautas, condução da
matéria, ausência de foto, enfim, um complexo arsenal de dispositivos que coloca ao
leitor, ouvinte ou telespectador da mídia a lógica desse jornalismo que sofreu fortes
formas de controle social.
Pelo segundo conceito (produção da notícia) que o pesquisador Gonzaga Motta
explicita, existe uma visão mais crítica desse processo coercitivo. Menciona-se: “[...] as
distorções não intencionais internalizadas nos procedimentos profissionais que inclinam
as instituições midiáticas a favor do status quo” (MOTTA, 2002, p.131). Contudo,
162
verifica-se que há na não intencionalidade um elemento fomentador da manutenção da
estabilidade social. Com isso, pode-se afirmar ainda que a produção de notícias de
forma consensual está localizada no embrião da sociedade humana em suas formas de
viver, agir, comportar-se, interagir, entre outras maneiras de representar-se
culturalmente. Entretanto, o que não se pode negar é que a mídia reforça essa produção
consensuada de “ver a vida”. Os próprios filtros do Controle da Notícia (o modelo de
propaganda comentado por Herman e Chomsky, visto no Capítulo IV) são formas
naturalizadas que se configuram numa lógica em que o poder dos mídia se entrelaça
com a cultura política, conceituada de manutenção do status quo.
6.3 Complementações das fotos no discurso jornalístico
A ideia de entender a fotografia, e na sequência, o fotojornalismo, no estudo
desta tese, como mensagem junto ao texto verbal da matéria jornalística, compreende a
mensagem, o sentido do discurso jornalístico no seu contexto ─ a fotografia, e o texto
discursivo ─, e nas suas respectivas formações ideológicas e conjunturais do dito e do
não dito. Desse momento até chegar a essas caracterizações de uma análise das técnicas
da fotografia jornalística o texto discorrerá numa introdução à análise da imagem
(JOLY, 1996) para contextualizar os elementos técnicos principais de uma análise
fotográfica (BARTHES, 2007).
O autor de Introdução à Análise da Imagem, Martine Joly, comenta que a
generalização do uso da imagem criou um cenário ameaçador sobre sua leitura, e
explica que um dos motivos pelos quais ela pode parecer ameaçadora é
[...] que estamos no centro de um paradoxo curioso: por um lado,
lemos as imagens de uma maneira que nos parece totalmente
“natural”, que, aparentemente, não exige qualquer aprendizado e, por
outro, temos a impressão de estar sofrendo de maneira mais
inconsciente do que consciente a ciência de certos iniciados que
conseguem nos “manipular”, afogando-nos com imagens em códigos
secretos que zombam de nossa ingenuidade. No entanto, nenhuma das
duas impressões se justifica por inteiro. Uma iniciação mínima à
análise da imagem [...] ajudá-nos a escapar dessa impressão de
passividade e até de “intoxicação” e permite-nos, ao contrário,
perceber tudo o que essa leitura “natural” da imagem ativa em nós em
termos de convenções, de história e de cultura mais ou menos
interiorizadas (JOLY, 1996, p.10).
Além disso, a imagem apresenta um caráter universal, o fato de o homem ter
produzido imagens no mundo todo, em espaços de tempo longínquos (da pré-história
163
aos dias atuais) e das sociedades acharem ser capaz de reconhecer uma imagem em
qualquer contexto históricocultural. Para Joly achar que a sociedade consegue, por uma
leitura universal da imagem, lê-la, revela uma ideia conflituosa. Ele concorda que a
humanidade possui esquemas mentais ligados à experiência comum, mas apenas isso
não a torna merecedora da interpretação, que é um bem particular “[...] vinculada tanto
ao seu contexto interno quanto ao seu surgimento, às expectativas e conhecimentos do
receptor.” (JOLY, 1996, p.42). Por isso conclui a ideia de que reconhecer motivos nas
mensagens visuais e interpretá-los são dois processos mentais, que são complementares.
Por outro lado, o próprio reconhecimento do motivo exige um
aprendizado. De fato, mesmo nas mensagens visuais que nos parecem
mais “realistas”, existem muitas diferenças entre a imagem e a
realidade que ela supostamente deveria representar. A falta de
profundidade e a bidimensionalidade da maioria das imagens, a
alteração das cores (ainda maior com o preto e branco), a mudança de
dimensões, a ausência de movimento, de cheiros, de temperatura etc.
são igualmente diferentes, e a própria imagem é o resultado de tantas
transposições que apenas um aprendizado, e precoce, permite
“reconhecer” um equivalente da realidade, integrando, por um lado, as
regras de transformação, e, por outro, “esquecendo” as diferenças
(JOLY, 1996, p.43).
Joly afirma que esse esquema de aprendizado, e não a leitura da imagem, que
ocorre de maneira “natural” na cultura.
Na pesquisa do teórico Roland Barthes (2007) as imagens carregam signos, os
quais têm o poder de significar no seu contexto, e sempre a partir deste. Nesse sentido
em A Mensagem Fotográfica Barthes define a fotografia no jornalismo como fotografia
de imprensa e a considera uma mensagem. Explica que o resultado dessa fotografia foi
constituído por:
uma fonte emissora ─ a redação do jornal e dentre seu grupo técnico elegeu
alguém para bater a foto, tratá-la, e preparar a legenda;
um meio receptor ─ que é o público que lê o jornal;
um canal de transmissão ─ que é o próprio veículo de comunicação e as
mensagens no material jornalístico.
Nesse sentido o teórico completa que essas constatações não são aleatórias no
desenvolvimento do jornalismo, e que a produção da foto deve apresentar um método
específico de análise de suas técnicas,
164
[...] pois quaisquer que sejam a origem ou o destino da mensagem, a
foto não é apenas um produto ou um caminho, é também um objeto,
dotado de uma autonomia estrutural: sem de nenhum modo pretender
separar esse objeto de seu uso, torna-se necessário prever aqui um
método particular, anterior à própria análise sociológica, e que não
pode ser senão a análise imanente dessa estrutura original, que uma
fotografia é (BARTHES, 2007, p.326).
No entanto, para início de análise Barthes toca numa questão paradoxal da
imagem fotográfica de imprensa. Primeiro afirma que a imagem da fotografia não é o
real, mas apreende do real, essa constatação da fotografia como um “perfeito analogon”
caracteriza-a como uma mensagem sem código, mas portadora de uma mensagem
contínua. Pela fotografia ser um objeto que comporta outros elementos técnicos, como
quando passa da produção à recepção, tende ser trabalhada, escolhida, construída,
tratada e muitas vezes, esteticamente modifica para uso profissional técnico ou mesmo
ideológico, pelas linhas editorias dos veículos de comunicação. Portanto o paradoxo que
Barthes salienta diz respeito ao teor da fotografia de imprensa representar-se conotação
e denotação. A ideia da denotação é a construção do próprio objeto analagon, e a
conotação ─ que possui códigos ─ se refere à ordem de como a sociedade lê e pensa
esse objeto. A fotografia por se apresentar de início apenas como constituição denotada,
por ser plena e indescritível, quando pensada no seu uso como fotografia de imprensa
soma o caráter conotado, por apresentar-se como além da sua forma plena, analógica,
pois se inclui características portadoras de signos e significados ao definir-se como
mensagem informativa constituída por variadas formas de produção. Ou seja, o
“paradoxo fotográfico seria então a coexistência de duas mensagens, uma sem código
(seria o análogo fotográfico) e outra com código (seria a ‘arte’ ou o tratamento ou a
‘escritura’ ou a ‘retórica’ da fotografia).” (BARTHES, 2007, p.328-9).
Nesse sentido o processo conotado, que inclui formas de se conotar, dar valor,
que significam, dispõe de técnicas fotográficas que permitem ser analisadas, no
contexto da informação jornalística. Barthes (2007, p.330-3) descreve e explica seis:
1─ Trucagem: se define como uma técnica fotográfica que constituí um efeito de
aproximação, vista claramente como artificial, mas que em determinado contexto pode
significar-se como um código histórico. No exemplo que Barthes ressalta da fotografia
publicada numa das épocas de maior receio ao sistema comunista, o período de Guerra
Fria, quando difundiram a fotografia de um senador americano conversando, bem
próximo ─ por um efeito de trucagem ─ a um famoso líder comunista. O significante da
165
conversa entre ambos foi repreensível pela sociedade americana, no determinado
contexto (BARTHES, 2007, p.330).
O interesse metódico da trucagem é que ela intervém no próprio
interior do plano de denotação sem avisar; ela utiliza a credibilidade
particular da fotografia, que não é, conforme se viu, mais que seu
poder excepcional de denotação, para fazer passar como simplesmente
denotada uma mensagem que na verdade é fortemente conotada; em
nenhum outro tratamento a conotação toma completamente a máscara
“objetiva”da denotação (BARTHES, 2007, p.330).
2 ─ Pose: Barthes cita o exemplo de uma campanha americana, em que o
presidenciável Kennedy faz uma pose, olhando para o céu, com as mãos juntas, e numa
foto estilo perfil do personagem. Nesse contexto a forma fotográfica de pose do
candidato orienta à leitura dos significados de conotação de “juvenilidade”,
“espiritualidade” e “pureza”. Portanto a pose retira da imagem o efeito do seu princípio
analógico, pois o que vale, enquanto mensagem, por meio da pose, é o “Kennedy
orando.” (BARTHES, 2007, p.330-1).
3 ─ Objetos: é a ideia anterior de pose, mas dos objetos fotografados. “O
interesse reside em que esses objetos são indutores correntes de associações de ideias
(biblioteca-intelectual), ou (...) verdadeiros símbolos [...]”. Ao passo que esses objetos
dizem por eles seus significados, constituem-se elementos importantes de significação,
“[...] o que é para um signo uma qualidade física; e outro remete a significados claros,
conhecidos; são, portanto, os elementos de um verdadeiro léxico estável a ponto de se
poder facilmente erigi-los em sintaxe”. Desta forma dando sentido em seu contexto
(BARTHES, 2007, p.331).
4 ─ Fotogenia: é quando a mensagem conotada “[...] reside na própria imagem”,
por exemplo, quando é tecnicamente embelezada, por meio dos recursos de iluminação,
impressão, desta forma a estrutura informativa, enquanto mensagem, se apresenta
marcadamente de fotogenia (BARTHES, 2007, p.332).
5 ─ Estetismo: é quando a fotografia pretende se caracterizar como pintura, de
uma forma em que sua substância visual (para significar, por exemplo, sutileza), seu
“anunciado estetismo”, dá-lhe forma complexa e próxima, “maliciosamente”, a uma
composição artística (BARTHES, 2007, p.332).
6 ─ Sintaxe: nesse caso o significante de conotação se encontra no
encadeamento de uma sequência fotográfica, e não nos fragmentos da imagem. É o
166
movimento provido desse encadeamento das fotografias que o significante se constituirá
(BARTHES, 2007, p.333).
Em resumo as três primeiras técnicas são provenientes da modificação do
próprio real, enquanto as outras três não passam por esse processo.
Na sequência Barthes explica que, possivelmente, a fotografia de imprensa virá
com outros fatores externos, que ajudam a definir o significante, como os textos de
legenda, título e o próprio corpo do texto principal da matéria jornalística. Para o teórico
o texto representa uma mensagem parasita, “destinada a conotar a imagem, isto é, a lhe
‘insuflar’ um ou vários significados segundos”. Nesse sentido é a fotografia que se torna
uma espécie de “vibração segunda”, pois o texto, mesmo uma aparente curta legenda,
incorpora à fotografia uma cultura, enraizada de moral, de imaginação e de retórica. Em
resumo o texto amplifica um conjunto de “conotações já incluídas na fotografia”, e às
vezes, também “[...] produz (inventa) um significado inteiramente novo e que é de
algum modo projetado retroativamente na imagem, a ponto de aí parecer denotado [...].”
(BARTHES, 2007, p.334).
Bem como salienta Barthes, essa tese entende que a apreensão da linguagem,
numa análise de discurso do fotojornalismo, deve estudar as fotografias e o uso de suas
técnicas a partir de uma abordagem que leve sua prática como orientada por uma lógica,
em função determinada, considerando os vários organismos externos da cultura nessa
relação de produção.
6.4 Etapas, Corpus e Análise
Primeira etapa: Como mencionado antes o corpus de análise serão 62 edições
dos jornais impressos, sendo 31 da Folha de S. Paulo e 31 do Estado de S. Paulo. O
início será a edição da data de 25 de agosto, e o término 25 de setembro de 2011, tendo
o 11 de setembro o marco central de seleção (quinze dias antes e posteriores). Dessa
seleção serão analisadas as matérias jornalísticas de cunho informativo (nota, notícia,
reportagem e entrevista) que dizem respeito ao objeto de estudo da tese, o Islã.
Segunda etapa: Definido e contabilizado o corpus será descrito o material para
a análise da AD, como consta na categorização do item 6.2.1 deste capítulo, levando
como pontos de análise: gênero, fontes, abordagem predominante do texto, descrição do
não verbal e resumo/descritivo do material jornalístico.
167
Terceira etapa: Depois da análise descritiva do material, que o resultado será
inserido nessa terceira etapa, serão analisados discursivamente pela AD, explicitada no
item 6.2.2. Os fatores da AD para essa etapa serão: esquecimentos, paráfrase e
polissemia, relações de força, relações de sentido, antecipação, formações imaginárias,
formação discursiva, o dito e o não dito e inferência/implícitos. O material fotográfico
será estudado à luz das técnicas: trucagem, pose, objetos, fotogenia, estetismo e sintaxe.
Quarta etapa: Serão realizadas considerações relacionais entre: material
analisado com base nos elementos da AD (itens 6.2; 6.2.1 e 6.2.3), material estudado de
cunho fotográfico (item 6.3); e material desenvolvido de fundo histórico e conjuntural
(capítulos I e II), de fundo antropológico (capítulo III), e de fundo sociocultural
(capítulos IV e V).
168
CAPÍTULO VII ─ PRESENÇAS DO OUTRO ISLÃ NO “MUNDO”
7.1 Caderno MUNDO mais de 20 anos de história
A Folha de S. Paulo teve início em 1921, com o Grupo Folha, já atingiu
circulação recorde no País com o número de 1.117.802 exemplares, quando entrou para
o livro de recorde (Guinness Book) de tiragem e vendas na história de jornais e revistas
do Brasil no ano de 1996. Tal façanha deu-se em razão do investimento que a Folha
realizou na política de fascículos encartados ao jornal, isso garante o jornal, que logo no
primeiro fascículo lançado, o Atlas Folha/The New York Times, a Folha bate esse
número celebrado pela empresa de comunicação, que via no encarte uma nova ideia de
ver a informação internacional28
.
Mesmo antes de 1996, a Folha reorganiza seu noticiário em cadernos mais
modernos e temáticos, de circulação diária. Essa modernização se deu em 1991
introduzindo as seções Ilustrada, Brasil, Mundo, Dinheiro, Cotidiano e Esporte, este,
que segundo informações do acervo Folha na internet é autônomo aos domingos e
segundas-feiras29
.
No mesmo ano, outro dado importante que a empresa disponibiliza no site da
Folha é que ela “[...] é o primeiro órgão da imprensa brasileira a pedir o impeachment
do presidente Fernando Collor de Mello”. E em novembro, do mesmo ano, lança cinco
edições regionais (Sudeste, ABCD, Nordeste, Norte e Vale)30
. Como norte ideológico, a
Folha descreve-se como “[...] jornalismo crítico, apartidário e pluralista”31
.
Ainda em 1996, é lançado pelo Grupo Folha o Universo Online, que segundo
dados da empresa Folha é o primeiro serviço online de importância no País. E nesse ano
também, o Universo Online e o Brasil Online, do Grupo Abril, se fundem e dão origem
ao Universo Online S.A32
.
A Folha de S. Paulo, depois da morte de Octavio Frias de Oliveira, em 2007,
mantém como presidente o empresário Luiz Frias e, como diretor editorial, seu irmão
Otavio Frias Filho, ambos filhos de Oliveira.
28
Acessado em 27/12/2011. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_93_94.htm 29
Acessado em 27/12/2011. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_90_92.htm 30
Ibid. 31
Acessado em 03/01/2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/historia.shtml. 32
Ibid.
169
Segundo a empresa Folha, ela é o jornal de maior tiragem33
e circulação entre os
diários nacionais. Os números são auditados pelo Instituto Verificador de Circulação
(IVC). “Circulação paga ─ Novembro/2011: Domingos: 323.511 exemplares
Dias Úteis: 281.495 exemplares. Média Seg. a Dom.: 287.497 exemplares” 34
.
Em 2000, a Folha passa a publicar uma compilação semanal de “[...] reportagens
e artigos de alguns dos melhores jornais do mundo, como o ‘The New York Times’, dos
EUA, e o diário de economia britânico ‘Financial Times’” 35
.
O caderno “Mundo”, circulando desde 1991, recebeu prêmio “Folha”, na
categoria reportagem, de 1996, com o texto “Bombardeio foi um erro, afirma Israel”,
pelo repórter Igor Gielow.
O espaço da editoria Mundo varia de uma a três páginas ao longo da semana e
pode chegar a cinco aos finais de semana. Mas comumente, a Folha de S. Paulo tem
dado três folhas ao Caderno durante a semana e, aos finais de semana, cinco folhas.
Mantém o destaque à manchete do caderno, ocupando a primeira página do Mundo e às
outras reportagens costumam dividir espaço de duas reportagens maiores por página,
com um ou dois anúncios grandes. O Caderno apresenta ¼ de página de artigo fixo, que
varia a cada edição, desenvolvido por articulistas contratados do jornal:
Segunda-feira: Luiz Carlos Bresser-Pereira
Terça-feira: Clóvis Rossi (e outros dias também)
Quarta-feira: Roberto Abdenur ou Mark Weisbrot
Quinta-feira: Clóvis Rossi
Sexta-feira: Moisés Naím
Sábado: Paul Kiugman
Domingo: Clóvis Rossi
Convidados: Rubens Ricupero; Wolfgang Munchau ─ Financial Times; Newon
Carlos ─ Analista sobre a Líbia e assuntos internacionais; Jodi Kantor ─ do New
York Times; Stephen Jewkes ─ da Reuters de Milão e outros menos frequentes.
Quando o Caderno apresenta mais de quatro folhas, o conteúdo jornalístico
chega a quase três folhas e o restante é destacado para publicidade. Principais
33
Mas segundo o site da Associação Nacional de Jornais a Folha de S. Paulo é o segundo jornal de maior
tiragem, perdendo o posto de primeiro para o diário de Minas Gerais, Super Notícia. Disponível em:
http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-brasil/maiores-jornais-do-brasil 34
Acessado em 03/01/2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/institucional/circulacao.shtml. 35
Acessado em 27/12/2011. Disponível em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_2000.htm
170
patrocinadores do Caderno Mundo: Brookfield incorporações, CVC, Casas Bahia,
Queiroz Galvão, Abyara, Brasil Brokers, EZTEC, General realty even, Rossi, ACS
incorporadora, Tecnisa, Masa, Construtora Imobiliária WZARZUR, Gafisa e
Construtora CPD.
Outros menos comuns: Faculdade Estácio, KIA, Hotéis decolar.com, Telha
Norte, Dell, Ez Aclimação Hotel, Nextel, Banco ABC Brasil, Central Concursos, Extra,
Dicico, Hopes, Edalco, Esser, Feirão Trip, Fecomercio, DPNY Hotel, Claro, Kalunga,
Aiport Bus Service, Localiza, SWU, Uniseb, Albert Einstein, Globo News Jornal das
10, Recal da Honda, ADU tour, Uol, Ponto Frio, SBT, Imac, Fasshop, Ministério da
Educação, Aviso de licitações do Governo (ministérios) e Folha grandes arquitetos.
O conteúdo varia em poucas reportagens, mais notas e notícias, que na maioria
das vezes são apresentados junto com agências de notícias, mais comuns Reuters e
Associated Press, pelo crédito das fotos, pois, nas matérias, o indicado é “Com agências
de notícias”, sem de fato descrever qual ou quais. O Caderno apresenta jornalistas como
autores de significativa parte do seu conteúdo36
, variando de autores na cobertura nos
países.
Temas predominantes por continentes
46%
20%
21%
13% 0%
América
Ásia
Europa
África
Oceania
Dos temas trazidos pelo Caderno Mundo, os que envolvem os Estados Unidos
são os mais pautados pelo jornal, variando de política, economia, cultura até
entretenimento. Depois do país estadunidense vem o Brasil sob a ótica das questões
36
Seguem no glossário 1.4 os principais temas e manchetes do Caderno Mundo, no período de análise.
171
internacionais e, minimamente, Chile, Argentina, Venezuela, Haiti, México, Equador,
Bolívia e Cuba.
Do continente asiático se destacam Síria, Palestina, Israel, Irã, China e Iêmen e,
em menor porcentagem, Afeganistão, Paquistão, Japão e Índia.
O assunto econômico da União Européia e da Grécia é o destaque do continente
europeu, além de pautas da França, Turquia, Alemanha, Reino Unido, Portugal e
Espanha com menor fluência.
No continente africano, o tema corrente é a Líbia e o desdobramento da
derrubada do ditador Muammar Kadafi com países europeus, brasileiro e com os
Estados Unidos.
Tema sobre o 11 de setembro de 2001 no Caderno Mundo
Análise “Imprensa relembra as vítimas com sobriedade” por Nelson de Sá,
Mundo na A9. 12 de setembro.
Artigo sobre o “11 de setembro, dez anos depois” por Luiz Carlos Bresser –
Pereira na A-11. Segunda, 12 de setembro.
Tema sobre caso Palestina na A3-OPINIÃO
Opinião “Tendências e Debates O Estado palestino em questão”. “É a ONU que
deve agir agora” pelo embaixador da palestina no Brasil, Ibrahim M. Alzeben e
“Para uma paz duradoura” pelo embaixador de Israel no Brasil, Rafael Eldad. 20
de setembro A-3.
7.2 Marcas terroristas no discurso da Folha de S. Paulo
A-14 mundo. 25 de agosto de 2011. “Ao saber que somos brasileiros, rebeldes nos
acusou de pró-Gaddafi” – Depoimento do repórter Samy Adghirni. Nota/Crônica.
ANEXO F1
Fontes Repórter-Participante/Testemunho e Diretor do Hotel que estavam hospedados
(Fonte primária).
Texto com predomínio de abordagem descritiva/coloquial.
Não há recurso não-verbal na matéria.
Resumo da matéria:
172
Com o chapéu (expressão que se localiza antes das notas e reportagens e que traz
o foco principal do texto a ser lido, lembra, às vezes, o tema da editoria) “Depoimento”,
o repórter Samy Adghirni narra a história da chegada dele e do fotógrafo à “residência
dos engenheiros da refinaria de petróleo”, que servia como hotel para o jornalista e o
fotógrafo e, nessa história, há apenas o comentário dizendo da chegada, da ausência de
atendimento justo e, principalmente, do problema do “proprietário do local” ter passado
o quarto do jornalista e do fotógrafo para os rebeldes líbios.
Análise:
O repórter usa da presença de fatos para caracterizar os rebeldes líbios e os
demais “combatentes” como portadores de hábitos “insalubres”, sinônimos de
prejudiciais a saúde, “O apartamento não era um luxo e estava insalubre de tão imundo,
mas nos garantia um paradeiro seguro” e, logo depois, traz a informação de que esses
combatentes além de deixarem o local “insalubre” também são bagunceiros,
desrespeitosos e muçulmanos: “Pedimos licença aos novos ocupantes do apartamento
para recuperar nossos estoques de comida, já que a residência só oferece jantar para os
rebeldes que observam o jejum do Ramadã, o mês sagrado dos muçulmamos”.
Entretanto, há um fato novo na discussão, além da questão dos “combatentes”
apresentarem-se como insalubres, agora, por ocuparem o apartamento em que o
jornalista e o fotógrafo estavam, estes serão obrigados a “recuperar” o estoque de
comida. Nessa situação aparece um problema maior, segundo o jornalista: “[...] já que a
residência só oferece jantar para os rebeldes que observam o jejum do Ramadã”, ambos
terão que recuperar a comida que deixaram no local, pois os muçulmanos que fazem o
jejum do Ramadã teriam ocupado o apartamento e, possivelmente, se alimentado das
comidas guardadas, e jornalista e fotógrafo enfrentariam novo problema: não teriam
jantar no “hotel”, pois não eram “daqueles que fazem o jejum do Ramadã, o mês
sagrado dos muçulmanos”.
Ao decorrer do texto, o jornalista afirma que tudo já havia sido consumido, “[...]
com exceção de duas garrafas de água mineral, latas de atum e biscoitos recheados, a
base da nossa alimentação nesta cobertura”. Segundo a fala do repórter, sobrou, depois
da ocupação dos rebeldes que fazem o jejum do Ramadã, ou seja, os muçulmanos,
pouca comida, sendo biscoito, atum e água, e a primeira pergunta que se levanta: “─ Se
são muçulmanos e, por isso, realizam o jejum nesse período, como justificar que eles se
alimentaram da comida? Principalmente porque o repórter não afirma se o período que
173
ficaram foi durante o dia, pois, se foi, a religião islâmica tem como indicação se
alimentar no mês de agosto (sagrado/Ramadã) ao pôr- do- sol, à noite. E depois, ele fala
que as guarnições que sobraram é a base da alimentação dele e do fotógrafo nessa
cobertura no Líbano. Então as sobras são a base e, se são a base, não tem como
significar que “[...] tudo já havia sido consumido”.
Ao longo do texto jornalístico o repórter declara que de muito implorarem (ele e
o fotógrafo) conseguiram jantar no “hotel” e até foram chamados, por ser brasileiros, de
pró-Gaddafi, pelos “combatentes” que agora são lembrados como “insurgentes”.
Continua dizendo que o problema da hospedagem foi passageiro “graças” “[...] a um
solitário jornalista norueguês que pôs à nossa disposição dois colchões sem lençóis no
quarto de uma casa abandonada situada dentro da mesma refinaria”. E ao falar que o dia
será de muito calor, afirma que irão agir com respeito aos muçulmanos, assim como foi
cordial o norueguês com eles: “Em respeito ao Ramadã, evitamos beber água em
público. Para comer durante o dia só temos os quitutes que são levados na mochila”.
As questões que surgem: ─ O repórter e o fotógrafo irão dar um tratamento
honrado e respeitoso com os que fazem jejum ao longo do dia, no Líbano, vão evitar
beber água em público, pois em “[...] respeito ao Ramadã, evitamos beber água em
público”. E quando vão se alimentar, ao longo do dia, “[...] só temos os quitutes que são
levados na mochila”, ou seja, eles comem em público? Por que o jejum dos
muçulmanos, no mês sagrado de Ramadã, também se estende para alimentos. Para os
leitores que não sabem que no Ramadã o jejum, de alimento e de líquido, vai até o pôr-
do-sol para a cultura muçulmana, a afirmação está solta e fragmentada e, neste caso,
deixa de ser entendida na sua clareza, que os muçulmanos realizam as refeições e
consomem água apenas à noite, ao longo de todo o mês.
Caminhando para a análise de discurso quando a pesquisadora Orlandi (2010, p
34-5) relembra que o “esquecimento” produz no indivíduo a impressão da “realidade do
pensamento”, explica que causa uma “ilusão referencial” relacionando o pensamento, a
linguagem e o mundo. Nesse sentido, quando se analisa a matéria em destaque, percebe-
se que há a marca do “esquecimento” quando não se explica, ou mesmo quando não se
descreve claramente que o mês do Ramadã, em agosto, é um período sagrado para o
Islã, e nele os muçulmanos fazem jejum ao longo do dia, realizam as refeições e bebem
bebidas (menos as alcoólicas), no período da noite, quando o sol ou a luz do dia se foi.
Há dois momentos do texto em que o Ramadã é citado no texto, causando essa
marca de “esquecimento”, como característica de formação da realidade, inclusive como
174
pensamento sobre o Ramadã sem problematizar o contexto, deixando-o sem significado
original com o Islã.
A forma como é descrita o Ramadã no texto causa a impressão de que essa
citação pode ser dita e falada dessa maneira, ou seja, o esquecimento (ORLANDI, 2010,
p.35) número dois que Orlandi explica como o quê a sintaxe atesta significando. Na
presença do esquecimento dois, o esquecimento número um, de origem ideológica
(Ibid) argumenta que a naturalização do incorporado como Ramadã (do esquecimento
dois) desenrola-se como uma forma de construção da realidade como estruturante,
mesmo antes da afirmação do repórter a forma como o Ramadã se inscreve e causa
sentido no texto já foi estruturado como marca ideológica ao se expressar com aquelas
palavras, quando, na realidade, se retoma sentidos já existentes no cenário social.
Logo, se ambos os esquecimentos um e dois, apontados por Orlandi (2010,
p.36), situam o sentido de Ramadã destas formas: “[...] Ramadã, mês sagrado dos
muçulmanos” e “Em respeito ao Ramadã, evitamos beber água em público. Para comer
durante o dia só temos os quitutes que são levados na mochila”, pode-se trazer algumas
interrogações. Como primeiro: há um mês sagrado, o que fazem nesse período? Há só
um mês sagrado? E no segundo: os jornalistas se fizeram “respeitosos” não bebendo
água em público para não atiçar os muçulmanos que por ventura passassem perto deles.
As afirmações, além de não explicarem o significado do Ramadã na sua origem,
rememoraram raízes ideológicas que menosprezaram o sentido desenvolvido pela ideia
do Ramadã.
Ao passo que dizer “[...] Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos” e não dizer
qual é esse mês, qual a diferença desse mês para os outros, a questão do “sagrado” passa
a questionar o Islã como religião que pode não ser uniforme em sua doutrina, se há só
um mês em que os muçulmanos encaram como sagrado, bem como senão há a
explicação histórica e mesmo teológica desse mês sagrado é como dizer também que os
muçulmanos podem entender a “sacralidade” como pouco importante, visto que
apresentam no Islã apenas um mês sagrado, o Ramadã.
Contudo, outra questão importante dentro dos elementos da análise de discurso é
a ideia do “não dito”, com a descrição do Ramadã, como mês sagrado, solto no texto,
sem suas devidas explicações contextuais, se pergunta: ─ Qual seria o subtendido desse
dito, visto que se preferiu mencioná-lo no texto, apesar de estar apresentado de forma
fragmentada? Qual o porquê ou porquês desse dito?
175
Dentro do contexto do Islã, ou melhor, das leis na doutrina religiosa, são vistas e
representadas em textos no ocidente, ou outro de influências não islâmicas, satirizando,
ou podem ser representados como fiéis radicais anticivilizados, inferiores e mesmo
como outro, diferente do “eu”, da visão mais comum de onde se escreve, ou seja, do
veículo de comunicação que reporta o texto jornalístico. Portanto, pensar por que trazer
o mês sagrado, lembrando a lei muçulmana, da importância religiosa do Ramadã, sem
contextualizá-la, pode-se afirmar que um subtendido que se origina é o pouco repertório
sobre o Islã diante de suas leis mais importante do calendário muçulmano. Diante disso,
pode-se apontar um requisito básico do jornalismo interpretativo e contextual:
entrevistar especialistas, no caso um teólogo ou mesmo uma fonte primária, muçulmano
que caracterize o Ramadã em sua raiz religiosa.
Outro “não dito” importante na análise do texto jornalístico advém do conceito
de “silêncio”, em que Orlandi (2010, p.83) traz como “política do silêncio”, em
específico na vertente do “silêncio constitutivo” em que para “[...] dizer é preciso não
dizer”: “Em respeito ao Ramadã, evitamos beber água em público. Para comer durante o
dia só temos os quitutes que são levados na mochila”. No trecho, o repórter salienta no
“dito” que respeitam os muçulmanos e não os atiçaram ao longo do dia bebendo água
perto deles, ou em pontos em que algum muçulmano possa ver, entretanto, na próxima
frase, fechando o parágrafo e o texto, ele e o fotógrafo não deixaram de comer seus
“quitutes” durante o dia e omite nessa frase a questão que estão desrespeitando os
muçulmanos que, por ventura, virem-nos comendo os quitutes; pois, no Ramadã, a
doutrina pede jejum ao longo do dia, seja de água e de qualquer alimento, postergando
para a noite as refeições.
Nesse contexto, não dizendo do jejum de alimento, no período do dia, retira-os,
jornalista e fotógrafo, de auto julgá-los como desrespeitosos e, assim, podendo manter o
respeito deles para com os nativos muçulmanos porque evitaram beber água em público,
em pleno mês de Ramadã.
Orlandi (2010, p.38) diz que “[...] Todo dizer é ideologicamente marcado. É na
língua que a ideologia se materializa [...]”, pensando nessas afirmações de Orlandi para
expor o significado da relação entre paráfrase e polissemia, o trecho do texto jornalístico
convida a analisá-lo à luz do escrito da pesquisadora: “Pedimos licença aos novos
ocupantes do apartamento para recuperar nossos estoques de comida, já que a residência
só oferece jantar para os rebeldes que observam o jejum do Ramadã, o mês sagrado dos
muçulmanos”.
176
Na cultura de texto brasileiro, o mais comum nesse trecho seria o uso da palavra
“cumprem” ou “seguem” ou ainda “respeitam” o jejum, ao invés de “observam o
jejum”, preferiu-se o uso da polissemia do “observam” a “seguem”, de conhecimento
comum. A questão é: se “todo dizer é ideologicamente marcado” e “é na língua que a
ideologia se materializa”, entender o “observam” como “mais suave”, “com menor
poder em obedecer”, faz sentido num parágrafo que além de pontuar que os
muçulmanos observam o jejum também os põem como aqueles que ocuparam o
apartamento do jornalista e do fotógrafo, como também foram aqueles que saquearam
“quase tudo” de “quitutes” que tinham para a cobertura jornalística no Líbano.
Caminhando para o aprofundamento da análise de discurso, encontram-se outros
elementos ricos em comparações explicativas. No contexto geral do texto jornalístico,
“Ao saber que somos brasileiros, rebelde nos acusou de pró-Gaddafi” vê-se a formação
da “relação de sentidos” entre os dizeres ditos e os imaginados ou possíveis.
Na estrutura de narração testemunhal do jornalista no texto, identifica-se a
construção intimista com o leitor, permitindo opiniões camufladas de “fatos possíveis”,
a partir das afirmações que são efetuadas no decorrer do texto, por exemplo, “Nós só
conseguimos jantar após implorar por uma mesa na sala de jantar da residência.
“Nosso pedido foi atacado a contragosto, um dos insurgentes, ao saber que
éramos brasileiros, acusou-nos de ser pró-Gaddafi”.
Depois de negado quarto no local, ficarem sem “quase tudo” de suprimentos
para a cobertura, tiveram que implorar mesa para jantar e ainda um dos “insurgentes”,
ao saber que jornalista e fotógrafo eram brasileiros, acusou-os de pró-Gaddafi.
Certamente o leitor desenvolve a cena de dó que ambos sofreram para, no final do texto,
saírem como respeitosos de não consumirem água em relação ao ensinamento de jejuar
água no mês sagrado. A construção pelo discurso imaginado e pelo contexto ideológico
permite afirmar que os muçulmanos que “observam” o jejum do Ramadã foram
desrespeitosos em ocupar o apartamento, saquear os alimentos e serem muçulmanos,
claro.
Para pontuar o jornalista ressalta: “[...] um dos insurgentes, ao saber que éramos
brasileiros, nos acusou [...]”. O texto no argumento anterior: “[...] nosso pedido foi
acatado a contragosto, e um dos insurgentes ao saber [...]” “antecipa” (ORLANDI,
2010, p.39) ao leitor uma característica negativa do local e do contexto causando no
decorrer do texto a continuação do processo argumentativo de negação, mesmo que
representativamente esse texto ressalte “um insurgente” taxou os brasileiros como pró-
177
Gaddafi, o que no contexto do tema na Líbia significa dizer contra a democracia, a paz,
e a favor da guerra, da ditadura.
E nesse sentido, a “relação de forças” (ORLANDI, 2010, p.39) do lugar que o
jornalista ocupa no texto, narrando um depoimento pessoal de sofrimento frente aos
obstáculos do ser jornalista, traz a ele a sustentação de poder do sujeito que ocupa o
texto, ou seja, altamente credível.
Tanto a “relação de sentidos” como a “antecipação” e a “relação de forças”
condicionam a formação do discurso numa imagem projetada, como conceitua Orlandi
(2010, p.40) “formações imaginárias”. Dessas formações imaginárias as questões mais
importantes a se destacar são: elas influenciam na memória e na posição dos lugares.
CADERNO ESPECIAL 11 DE SETEMBRO
1) Descrição das Entrevistas ANEXO F2:
Na entrevista “Morte e sobrevivência. Pós-11/9 coloca em lados opostos a
última resgatada com vida do WTC e o iraquiano que perdeu 5 filhos em Bagdá” traz
dois depoimentos de dois personagens que foram diretamente prejudicados com o
impacto do World Trade Center.
Genelle Guzman-McMillan, 40 anos, mora em Nova York, foi, segundo o
repórter Diogo Bercito, a última pessoa a ser socorrida com vida dos escombros.
No segundo depoimento, do proprietário de um café em Bagdá, Hadji
Muhammad al Khashali, 76 anos, concedido ao enviado especial a Bagdá, Igor Gielow.
Hadji perdeu cinco filhos em um atentado em Bagdá, depois da invasão no Iraque pelos
Estados Unidos.
Juntos, os depoimentos somam uma página, a E07 do especial da Folha de S.
Paulo do 11 de setembro de 2011. São depoimentos advindos de entrevistas temáticas,
sobre o elo do 11 de setembro de 2001 em suas vidas, realizadas por repórteres
diferentes, com espaços proporcionalmente divididos, mas com fotos de cor e de
tamanhos diferentes.
Resumo dos Textos:
Texto 1: Depoimento de Genelle Guzman-McMillan de 40 anos para Diogo
Bercito de São Paulo.
178
No depoimento, Genelle conta que é “a prova de um milagre”, por ter
sobrevivido ao 11 de setembro de 2001. Ela estava na Torre Norte, no 64º andar do
WTC, quando o primeiro avião se chocou com o edifício. Segundo trecho do resumo de
sua história, o “[...] prédio se desfez enquanto ela estava no 13º, a caminho do térreo”.
Comenta sua angústia ao saber que poderia morrer e “[...] assistir sua própria morte”,
conta que passou 27 horas embaixo dos destroços da Torre, com uma perna esmagada,
sem conseguir se mover. Ao longo do depoimento ela se pergunta por que saiu viva em
detrimento de tanta gente morta naquela tragédia e afirma preferir se fortalecer na sua
crença, em que “[...] Deus realmente tem um propósito para mim. Escolhi ter fé, em vez
de medo”.
Depois fala que sua vida mudou muito, dá um salto na história dizendo que não
comemorou a morte de Osama bin Laden. E que hoje trabalha como supervisora na
autoridade portuária, no aeroporto de La Guardia, em NY. Afirma que leva uma vida
normal, diz não ter medo de aviões e que possui uma ferida na perna que foi esmagada,
e por isso manca, mas que mesmo assim usa salto de 12 centímetros.
A foto parece Genelle em um templo em NY, como afirma a legenda. A foto é
maior que o conteúdo em colunas do depoimento. Está colorida e ressalta Genelle ao
centro do templo com as inscrições de que “Deus é amor”, com Genelle ajoelhada, num
móvel específico para isso no templo, de características cristãs. A foto tem o crédito de
Catrine Genovese da Time & Life Pictures.
Texto 2: Depoimento de Hadji Muhammad al Khashali ao enviado especial a
Bagdá, Igor Giellow, Hadji conta que dia 05 de março de 2007 foi abrir seu café
Shabandar cedo, como de costume. Seu filho Mohammed estava lhe ajudando, enquanto
os outros quatro filhos estavam na sua loja de impressão, que ficava ao lado do café.
Percebeu que um sujeito desceu de uma caminhonete Kia, que teria capacidade
para duas toneladas de carga, parando ao lado do café. E, depois, afirma que só viu seu
filho Mohammed nos escombros, sem as pernas, quando ficou desesperado. Percebeu
que sua loja de impressão estava em ruínas e seus quatro filhos mortos. Afirma também
que sua esposa faleceu dois meses depois. Segundo Hadji, a imprensa falou que
morreram 30 pessoas, mas que o pessoal da rua contabilizou em torno de 70, 20 apenas
vaporizadas pela explosão.
Hadji explica: “[...] É claro que o idiota que fez isso estava no meio de uma
guerra sectária sem sentido algum. Era terrorista sunita. Mas estamos sob ocupação,
então a culpa maior é dos ocupantes. É dos norte-americanos.”
179
E logo afirma que a marca do povo iraquiano é o perdão e que não pretende se
vingar, entretanto, não consegue explicar para seus netos o que aconteceu, acha que um
dia eles vão querer perguntar para George W. Bush por que seus pais morreram.
Também afirma que é uma injustiça, ele é velho e continuar vivo tendo que
trabalhar para manter a família de órfãos. É proprietário do lugar há 53 anos e descreve
que o Iraque mudou muito. Antes xiita e sunita davam as mãos, conversavam de vários
assuntos no local, mas “[...] veio Sadan e depois essa confusão dos americanos. É
triste.”
Finaliza dizendo que o café foi reconstruído, mas que carrega na parede as fotos
dos cinco filhos, o que afirma não ter como reconstruir.
Análise dos textos
Primeiramente, vale ressaltar que quando se transcreve uma entrevista ou/
depoimento para um texto formatado completamente em primeira pessoa do singular
costuma-se adequar à linguagem, com alguns cortes e enquadramentos textuais, para se
adequar à leitura. Portanto, na análise que segue, terá como base o discurso presente no
texto dos depoimentos finais, encontrados na página 07 da Folha Especial sobre o 11 de
setembro de 2001.
Analisando o primeiro depoimento de Genelle a Diogo Bercito, verifica-se o
elemento da análise de discurso de “relações de força”, na qual explica que a ideia do
lugar, do cenário, do contexto constituem a importância discursiva do sujeito
(ORLANDI, 2010, p. 39). Ou seja, Genelle Guzman-McMillan fala de Nova York,
Estados Unidos, afirma que fortaleceu sua crença depois do envolvimento com o 11 de
setembro, tornando-se mais humilde. A foto dela no templo cristão é o dobro de espaço
da foto de Al Khashali, o iraquiano proprietário do café em Bagdá37
. Por meio do local
de onde fala, Nova York, da presença dela na foto, de suas características de destaque
profissional, bem-estar social, equilíbrio espiritual, estas enquadram o poder de seu
depoimento como cristão americano, ocidental em relevância e positivamente.
Quando Genelle afirma no trecho “Deus realmente tem um propósito para mim.
Escolhi ter fé, em vez de medo”, verifica-se o elemento “subentendido” do “dito e o não
dito” da Análise de Discurso (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82), o qual explica
que a partir da observação de um determinado contexto subentende-se o dito no não
37
Em relação ao discurso das fotos será desenvolvido uma análise em separado, após a análise do texto,
em razão de sua complexidade.
180
dito. Nesse sentido, a frase analisada do depoimento revela, no contexto sócio-religioso,
que a vida de Genelle é valiosa, “tem propósito”.
Na continuidade de entender mais em profundidade o sentido do depoimento o
“não dito”, traz o conceito de “silêncio constitutivo” (ORLANDI, 2010, p.83) em que
uma expressão ou palavra pode apagar outra, ou outros sentidos, como se exemplifica
na expressão abaixo do “propósito da vida de Genelle”, quando fala que “Ficou feliz”
ao saber da morte de Bin Laden, mesmo sendo um momento humilde para ela. “[...] Eu
não comemorei a morte de Osama Bin Laden; foi um momento humilde para mim.
Fiquei feliz. Estava na hora de eles conseguirem”.
A presença do “Fiquei feliz” anula a ideia de que ficou triste com a morte de
outra pessoa, bem como retira a possibilidade dela “discordar” com o assassinato do
terrorista tão procurado. Contudo, o “Fiquei feliz” não ficou “tão feliz” no parágrafo,
em razão da presença, que representa o padrão de manipulação mencionado por Abramo
(2003, p.25) da existência desse parágrafo para minimizar o realce do “Feliz”, ou seja, a
“presença” da frase mais calma, para apaziguar a alegria da morte, em questão. A frase
antecessora: “[...] Eu não comemorei a morte de Osama Bin Laden. Foi um momento
humilde para mim”, diminui o impacto da expressão “Fiquei Feliz”.
Mesmo que Genelle não tenha comemorado a morte de Osama, ela ficou feliz e
o protagonista desse desfecho foi os Estados Unidos, a perseverança do seu exército e
órgãos especiais não desistirem de procurarem um dos mentores da tragédia no ato
terrorista do 11 de setembro de 2001. Portanto, “eles conseguiram” e já “estava na hora”
dos EUA darem um pouco de felicidade à Genelle e à sociedade estadunidense, em
especial.
No depoimento do iraquiano Al Khashali, que perdeu cinco filhos num ato
terrorista, as suas propriedades e redondezas da comunidade em que trabalha há 53
anos, traz sentidos ideológicos.
Al Khashali afirma que não pretende se vingar, pois “[...] a marca do povo
iraquiano é o perdão”, mas logo no próximo trecho Al Khashali se isenta de que seus
netos podem cobrar respostas, quando descreve: “[...] Mas não consigo explicar para
meus netos o que aconteceu, e acho que um dia eles vão querer perguntar para George
W. Bush por que seus pais morreram.”
A presença do nome do ex-presidente estadunidense, que autorizou a invasão no
Iraque em 2003 para averiguar e procurar armas de destruição em massa, como são
chamados os armamentos nucleares, na frase que identifica os culpados pelas mortes
181
dos filhos de Al Khashali sentencia pela “presença” (ABRAMO, 2003, p.25) a
descrição de Bush como membro envolvido e, mesmo parte do contexto das mortes, ou
seja, alguém que colaborou com os assassinatos dos pais dos netos de Al Khashali.
No parágrafo “[...] A marca do povo iraquiano é o perdão. Não pretendo
vingança. Mas não consigo explicar para meus netos o que aconteceu, e acho que um
dia eles vão querer perguntar para George W. Bush por que seus pais morreram”
verificam-se também outros elementos da Análise de Discurso. A conjunção “mas”
nega e separa dois sentidos antagônicos. O primeiro que os iraquianos assim como Al
Khashali não são vingativos porque sabem perdoar, entretanto, no segundo sentido, o
“mas” problematiza e interroga se os netos do iraquiano terão o mesmo valor de perdão,
pois ao passo que suas orientações pelo avô não são suficientemente explicativas.
Portanto, o “mas” propõe pela “presença” (ABRAMO, 2003, p.25) o indicativo
de que o sentido que veio antes do “mas” é contraditório à afirmação que vem na
sequência, ou seja, de que possivelmente os iraquianos podem pedir ou desejar
explicações mais factuais sobre o ato terrorista que matou os cinco homens, filhos de Al
Khashali e de que não conseguiram perdoar os protagonistas e envolvidos do contexto
do ato terrorista.
Na “relação de sentidos” que Orlandi (2010, p.39) explica como “[...] Um dizer
tem relação com outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis [...]” aproxima-se
da ideia da “relação de sentidos” que os trechos do depoimento de Al Khashali têm com
os significados históricos da Guerra do Iraque, com Estados Unidos e Inglaterra. Na
“relação de sentidos” (ORLANDI, 2010, p.39), no depoimento, demonstra a exploração
pela ideia e repertório de vingança do povo iraquiano pelos entes mortos e assassinados,
pela guerra iniciada pelos Estados Unidos, causando divisões civis no Iraque, chamada
pelo iraquiano Al Khashali como “guerra sectária sem sentido algum”. Nessa “relação
de sentidos”, além da relação com os dizeres realizados, no contexto da guerra do
Iraque, há a relação com os dizeres imaginados e possíveis, que nesse sentido poderiam
ser o pensamento vingativo das futuras gerações no Iraque, no caso os netos órfãos de
Al Khashali.
Análise fotográfica
Descrição
Na análise das fotografias, que são duas, e podem ser vistas no ANEXO F2 é
verificado na observação descritiva alguns elementos:
182
A foto 1 traz a sobrevivente da destruição do Word Trander Center em 11 de
setembro de 2001, Genelle Guzman-McMillan, à frente e ajoelhada no genuflexório
(móvel típico para rezar) rezando. Atrás dela há várias cadeiras do templo cristão,
identificado na legenda “Genelle Guzman-McMillan, em templo em NY”, e nos
símbolos na parede, no final do espaço religioso, como uma pomba, que costuma
significar o Divino Espírito Santo, e acima dele a expressão “God is love”, “Deus é
amor”, vinculado ao cristianismo de vertente evangélica. A foto foca a Genelle e seu
contexto, o templo vazio e colorido pelas cadeiras unidas.
A fotografia foi mantida em sua cor de origem, colorida, de tons laranja,
magenta, vermelho e verde, todos foscos, Genelle veste uma bata, blusa mais larga de
lembrança indiana, azul clara, com bordados leves distribuídos. Ela é de etnia branca,
com características de mestiçagem negra, cabelos preto lisos, amarrados e está com
brinco azuis pequenos, anéis, pulseiras e relógio. A foto vem com o crédito de Catrina
Genovese da Times & Life Pictures e apresenta 19 cm de altura e 20 cm de largura.
A foto 2 traz o proprietário de um café Hadji Muhammad al Khashali,
identificado pelo jornalista Igor Gielow como café tradicional em Bagdá no Iraque. A
foto esta na cor PB (preto/branco) e posa o personagem no centro da fotografia rodeado
de um possível miniescritório, que traz objetos como arquivos atrás, calendário
pendurado, janelas aos lados e na frente de Al Khashali uma mesa revestida de vidro em
cima, trazendo notas de dinheiro, antigas, embaixo do vidro, como enfeites da mesa. No
porta retratos da mesa, escritos, que parecem árabes, mas sem fotografias. Al Khashali
está sentado olhando para o fotógrafo, com o braço e mão esquerdos escorados no que
parece outra cadeira. Apresenta semblante sério e pensativo. Na legenda: “Al Khashali,
em seu café em Bagdá”, de crédito de Igor Gielow/ Folhapress, com 10,5 cm de altura e
20 cm de largura.
Análise
Como visto no capítulo de metodologia da pesquisa, em que se descreveu os
conceitos e etapas que a análise de discurso percorre nesta tese, verificou-se a partir da
observação, descrição e construção analítica das fotografias da página 07, do especial
dos dez anos do 11 de setembro de 2001, da Folha de S. Paulo, que ambas representam
papéis discursivos de expressão e forte complemento com o texto dos depoentes.
A fotografia 1 traz a técnica da “pose” (BARTHES, 2007, p.330-1) em que
pressupõe que Genelle está posando para a foto, apresenta um estilo central como foco e
183
também explora o espaço ao seu redor, o templo e sua cor e magia. No discurso da foto,
Genelle se apresenta rezando, orando, está espiritualmente identificada, direcionando a
“pose” para a linha de equilíbrio espiritual e religioso. Na imagem trazida pela
fotografia posada, a leitura dos significados traz Genelle com característica de “pureza”,
“identidade segura e equilibrada” e, ao mesmo tempo, por meio das cores de seu
vestuário e do templo identifica-se vida e luz à fotografia. No contexto da foto, as cores
são atreladas à própria vida de Genelle, que foi a última resgatada dos escombros do
Word Trade Center, vida que emana equilíbrio, pureza, cristandade e, claro, otimismo e
bondade.
Na foto 2, a técnica utilizada foi desenvolvida a partir dos “objetos”, descrito por
Roland Barthes (2007, p.331) como símbolos, que associados ao personagem central,
caracterizam-no e dizem por eles seus significados no contexto da foto. Na mesa, à
frente de Al Khashali, sentado, propõe o sentido de que o iraquiano se relaciona com o
dinheiro, com o estilo de vida de guardar antiguidades, de antigo, principalmente pelo
cinza da fotografia. Esses objetos existem com a foto e dão sentido à representação de
Al Khashali na imagem.
Tanto as fotos 1 e 2 apresentam “fotogenia” (BARTHES, 2007, p.332) em que a
mensagem conotada “[...] reside na própria imagem”, ou seja, quando a própria imagem
se apresenta embelezada, provida de recursos de iluminação, impressão entre outros. A
foto 1 apresenta cores vivas e alegres, identificando na impressão seus elementos de
fotogenia, de forma positiva. Já a fotogenia da foto 2, traz, a partir da cor escolhida,
preto e branco uma conotação triste, cinza, escuro, sem vida, sem alegria e, quando
atrelada, no encadeamento da primeira, representa negativamente o contexto da foto.
A diferença da cor, do tamanho e dos elementos de “pose” e “objetos” das
fotografias identificam a foto 2, do iraquiano, como inferior da foto um, que tem
Genelle como destaque. E do movimento provido pelo encadeamento das fotografias 1 e
2 que o significante de desigualdade se constitui.
Análise de Texto e de Fotografias Encadeadas
Na análise que junta elementos textuais do discurso e questões observadas no
discurso das fotografias visualiza-se “implícitos” e “inferências”, conceitos da Análise
de Discurso (MAINGUENEAU, 1997, p.58) que se originam de marcas explícitas do
conteúdo analisado. Podem ser divididos em duas vertentes, o implícito semântico e o
implícito pragmático. (Ibid) Na análise do texto 1, sobre Genelle e, do texto 2, sobre Al
184
Khashali, o material explícito leva a implicar o implícito semântico ao pragmático, de
que a religião cristã perdoa, reconhece que ao fazer o bem sobre a morte de Bin Laden
(“[...] Estava na hora de eles conseguirem”) torna-a mais justa, bem como mais
“humilde”, como o próprio explícito ressalta em: “[...] Foi um momento humilde para
mim”. Ou seja, elementos positivos do cristianismo são associados à religião da
estadunidense Genelle e vale ressaltar que são valores bem vistos no Ocidente, como
repertório de mundo são os “heróis” da história, aqueles que são humildes e sabem
escolher pelo correto, mesmo que a decisão seja a morte de uma pessoa. Nesse sentido
do texto, a felicidade de Genelle foi justificada, porque o ato foi uma decisão que veio
de entidade (EUA cristãos) de princípios cristãos. Em contraponto, há o explícito do
iraquiano, que ele não conseguirá explicar para seus netos órfãos o que aconteceu com
seus pais, dando a entender que: “[...] um dia eles vão querer perguntar para George W.
Bush por que seus pais morreram”, de que não são humildes, não perdoam de fato, ou
seja, num sentido do implícito pragmático, o que se pensa do Islã nessa comparação
com o Cristianismo? É possível ser tolerante ao Outro-Diferente comparando
características culturais díspares como dos depoimentos de Genelle e Al Khashali?
Nesse contexto de guerra e invasões político-econômicas, as soberanias cultural-
religiosas se consolidam na mídia, de forma geral, seja na escolha da fonte, no caso do
depoente, da posição e características das fotos, da escolha das falas da entrevista ou
depoimento, e da formação discursiva (ORLANDI, 2010, p.44) que os implícitos dos
textos e fotos encadeiam. Segundo Maingueneau (1997, p.50) as formações discursivas
designam todo o sistema de regras que “[...] fundam a unidade de um conjunto de
enunciados dos sócio-historicamente circunscritos”. Nesse sentido, a formação
discursiva se baseia nas formações ideológicas dadas a partir de uma posição, e das
conjunturas histórica e social dadas.
Portanto, a “formação discursiva” na análise entende a presença de “relações de
forças” (ORLANDI, 2010, p.39) dos Estados Unidos soberano versus Iraque coagido, e
da decisão cristã correta, em contrapartida da opção frustrada de morte do iraquiano e
seus netos. Quem fala, como fala, o que fala e de onde fala exercem elementos
importantes para entender a “relação de forças” entre os textos 1 e 2.
A estadunidense Genelle, que sobreviveu ao ato terrorista do 11 de setembro, ao
falar de Nova York, da “pose” bela do templo cristão, cheio de cores e vidas, ao
ressaltar sua sobrevida, como milagre, às vítimas do atentado e seu sentimento de
“humildade” à morte de Osama, mesmo tendo confessado ter ficado feliz com a notícia,
185
esclarece que “[...] Estava na hora de eles (EUA) conseguirem” desempenha o poder
histórico de valores ocidentais e imperiais, agora, estadunidense sobre valores mais
fracos de quem fala do outro lado, no caso abaixo, do depoimento de Genelle, o
iraquiano e sua feição séria e cinza.
2) “Uma história, várias lições. Em salas de aula de quatro países Folha vê que
aprendizado sobre o 11/9 traz sementes para conflitos futuros” – Reportagem de Igor
Gielow. Enviado Especial aos EUA, ao Afeganistão, ao Paquistão e ao Iraque. P.06
Especial Memórias do 11/9. ANEXO F3
Fontes: Sharon Craig, 52, dá aulas para imigrantes nos EUA; ONG americana Children
of September 11; Sean Fitzpatrick, 10, aluno estadunidense; Patricia Bell, 35, professora
de duas escolas privadas nos EUA; Karrar Heider, 13, aluno iraquiano, Munsar Heider,
10, aluno iraquiano; Alaa Najeem, 30, atriz de teatro e professora na periferia do Iraque;
Omã Noura, 65, professor no Iraque; Abdel Hakim Khan, 48, professor em Cabul;
Abdel Warez, 17, aluno no Afeganistão; Avesha, 10, aluna em Cabul; Tahir Malik, 40,
pesquisador na Universidade Nacional de Línguas Modernas em Islamabad; Amir, 18,
faz papel de professor de urdu; Mohammad, chefe de Amir; Abran, 11, aluno de Amir;
Hamza Khan, 14, aluno de Amir.
Todas as fontes ocupam o papel de primária e testemunhal, com exceção da ONG
americana que é fonte independente, do terceiro setor, e do professor pesquisador da
Universidade de Islamabad Tahir Malik que é de expert e secundária.
Texto com predomínio de abordagem descritivo-analítica.
Recurso não-verbal na reportagem: Foto 10 cm de altura por 23 de largura, colorida.
Legenda ao lado: “Professor Amir (à esq.) e seus alunos no madraçal (escola religiosa)
da Ghri Afghanan, no Paquistão”, crédito da fotografia: Igor Gielow.
Resumo da matéria: O texto da reportagem destaca qual a repercussão do 11 de
setembro em países chave, envolvidos direta ou diretamente com o ato histórico,
Estados Unidos, Iraque, Afeganistão e Paquistão. O gancho da reportagem é sobre como
os professores apresentam o 11 de setembro de 2001, como o material escolar difunde
esse acontecimento e como os alunos, desses vários países, têm assimilado o assunto
para a educação futura. A reportagem norteia-se em quatro momentos interligados.
O primeiro de “Um terço de página” ressalta a fala do aluno Sean, dos EUA, que
tinha quase oito anos quando os aviões atingiram as Torres Gêmeas de Nova York e
186
hoje, com 10 anos, acaba de começar a sexta série na escola pública Lincoln em Nutley,
em Nova Jersey. Esse momento também traz a explicação da professora de Sean, sobre
quão pouco os EUA remetem as explicações do 11 de setembro e uma pesquisa da ONG
Crianças do 11 de setembro, e do professor da ONG, Sharon Craig de 52 anos.
No segundo momento, o repórter Igor Gielow traz em “Terrorismo e Soldado”
versões de alunos do Iraque de 10 e 13 anos, além dos professores dos alunos e suas
implicações em saber como explorar o tema do 11 de setembro sem serem pressionados
pelas famílias dos alunos e pela história. E nesse espaço, destaca o problema da
remuneração dos professores, que chega a ser simbólico, dependendo da região do
Iraque.
No terceiro momento “O Direito à pelada”, acompanha a discussão da pouca
remuneração dos professores, mas agora no Afeganistão, na capital Cabul, o
entendimento de que professores defendem a luta do Taleban, e passam essa ideia aos
alunos de 17 e 10 anos.
Na parte final “No ninho da serpente”, o repórter traz mais incisivamente pela
opinião do pesquisador de Islamabad, capital do Paquistão, Tahir Malik como é o
ensino nas madraçais, que são escolas mantidas pelo Taleban e dinheiro dos
fundamentalistas, como afirma Gielow, e o víeis antiamericano pregado pela educação
dessas escolas, que o repórter chama de “Ninho da serpente”.
Análise:
No terceiro parágrafo, após o início com o lead da reportagem, de dois
parágrafos, o repórter Igor Gielow introduz um trecho sobre o conteúdo que as escolas
infantis públicas dos EUA estão apresentando sobre o 11 de setembro às crianças e
adolescentes, no caso na escola da fonte primária Sean Fitzpatrick, de 10 anos. “[...]
Tudo o que o livro de história lhe conta sobre o evento central da história americana
recente está resumido em um terço de página, sem grandes adjetivações”. Nesse trecho
há a presença dos “esquecimentos” (ORLANDI, 2010, p.34-5) que a pesquisadora
Orlandi ressalta. No esquecimento número dois, de ordem enunciativa, explica que o
“esquecimento” produz no indivíduo a impressão de “realidade do pensamento”, ou
seja, como se aparentasse que o trecho só poderia ser dito dessa forma, só que no
aprofundamento do discurso vê-se que a expressão pode ser dita de outra forma, mas
que essa “ilusão referencial” dá a acreditar que o trecho significa a realidade a qual está
dizendo, pois a “ilusão” tem relação direta com o pensamento, a linguagem e o mundo
187
(ORLANDI, 2010, p.34). Por isso quando Gielow afirma “[...] está resumido em um
terço de página, sem grandes adjetivações” induz ao sentido de realidade de pensamento
que dilui a ideia dos “adjetivos” à história americana, contada nas escolas, alimentando
uma educação heróica e sobressalente aos outros países e etnias. Nesse sentido, o
“esquecimento número um” (ORLANDI, 2010, p.35), de ordem ideológica, reafirma
com o trecho um viés ideologicamente marcado sobre a cultural dos EUA, sem
complexizar as realidades envolvidas numa educação histórica sobre o 11 de setembro
de 2001. E o “esquecimento número dois” recupera a retórica ideológica do adjetivo
“herói de guerra” para consolidar sua estrutura de “realidade do pensamento”.
No próximo parágrafo há a entrada da única fala da professora estadunidense, a
qual leciona educação infantil em escolas particulares nos EUA. “Não podemos alienar
eles, mas acho que também não precisamos criar paranóia. E, claro, evitamos qualquer
acusação ao islã como religião”, no trecho ocorre a “antecipação” da análise de discurso
(ORLANDI, 2010, p.39), funcionando como um mecanismo em que o indivíduo se
antecipa ao seu interlocutor, em relação ao sentido que as palavras ditas produzem. E
segundo o conceito, a partir dessa forma “[...] esse mecanismo regula a argumentação,
de tal forma que o sujeito dirá de um modo ou de outro, segundo o efeito que pensa
produzir em seu ouvinte” (ORLANDI, 2010, p.39). Por isso que o mecanismo de
“antecipação” é tão importante, pois define o processo de argumentação, o que se dá
estrategicamente, e o resultado objetiva efeitos sobre o interlocutor (ORLANDI, 2010,
p.39). “[...] E, claro, evitamos qualquer acusação ao islã como religião” não precisaria
ser a resposta escolhida, filtrada pelo repórter para compor a fala da entrevista sobre o
assunto, certamente havia outras respostas, talvez mais condizentes com o conteúdo que
a professora leciona aos alunos, baseado em qual vertente educativa entre outros
argumentos mais importantes para emancipá-lo do assunto da reportagem. Entretanto,
optou-se pela escolha desse trecho, que “antecipa” o fator Islã no tema. Por que
“antecipar”? E, em que sentido a religião islâmica entra para significar? Se a
“antecipação” é estratégica, e objetiva definir o argumento, e se o argumento é que
“sobre o Islã se evita qualquer acusação como uma religião”, isso ausenta a educação
estadunidense de qualquer preconceito, de discriminação à religião islâmica.
O sentido que o argumento traz sobre a educação estadunidense em se preocupar
com o que dizem sobre o Islã, como religião, é verificado no próximo parágrafo, em que
o repórter opina. “Orientação politicamente correta semelhante é dada pela ONG
americana Children of September 11 (crianças do 11 de setembro), que aconselha pais e
188
professores”. Como visto o trecho ressalta a opinião do repórter acerca da ideia de que é
“correto” haver uma “orientação” “[...] para evitarmos qualquer acusação ao islã como
religião”. Mas pensar no Islã, original, não há como separá-lo em desempenho religioso
dos outros elementos constituintes à religião, pois são inerentes; pensar muçulmano não
é pensar laicamente a religião, a política, entre outros. A questão do trecho ressalta o
padrão de “inversão da opinião pela informação” (ABRAMO, 2003, p.30), em que o
repórter coaduna com a ideia da professora, do trecho anterior, alimentando a opinião da
“[...] orientação politicamente correta semelhante [...]”, ao invés da informação sobre o
ensino mais aprofundado do que seria “evitar acusações” à religião islâmica, e como são
os conselhos dessa ONG para os pais e professores.
No decorrer da reportagem, a fala de Craig (membro da ONG), que dá aulas para
imigrantes “[...] em processo de naturalização, muitos muçulmanos ‘que querem
esconder sua religião’” levanta algumas questões da frase para que ela faça sentido de
existir no texto jornalístico. Se, são “muitos muçulmanos”, quantos seriam eles? Diante
de que número são representativos na ONG? Já que não foi informado quantos
imigrantes a ONG atende, para afirmar que destes muitos são imigrantes muçulmanos, a
ideia da frase fica “fragmentada” e no encaixe da reportagem “descontextualizada”
(ABRAMO, 2003, p.30). Principalmente em razão de o trecho destacar que esses
imigrantes, “muitos muçulmanos”, “escondem sua religião”. A “fragmentação” ocorre
quando um fato é estilhaçado, desconectando entre si seus elementos que formam a
coerência do fato, como um todo. Sem identificar a origem dos dados numéricos de
imigrantes, e imigrantes muçulmanos, a relevância dessa informação descontextualizada
“[...] em processo de naturalização, muitos muçulmanos ‘que querem esconder sua
religião’” ressaltam aspectos do fato que caracterizam problematicamente o
muçulmano, como aquele que quer “esconder sua religião”, e por quê? Pelo preconceito
que deve sofrer? O discurso enunciado forma um discurso imaginado, em que o
muçulmano apresenta características étnicas as quais o naturalizam xenofobicamente
diante das pessoas não imigrantes nos EUA, e pela ONG atender “crianças do 11 de
setembro”, fica a pergunta: ─ Qual a “relação de sentidos” (ORLANDI, 2010, p.39) que
há com os “imigrantes muçulmanos” e o atentado do 11 de setembro? E dos
muçulmanos que querem esconder sua religião com os terroristas que praticaram o 11
de setembro?
Os sentidos dos discursos resultam de processos de relação, sempre, como
afirma Orlandi (2010, p.39), essa relação fica mais nítida no intertítulo que segue a
189
reportagem, logo abaixo dos “[...] muitos muçulmanos ‘que querem esconder sua
religião’”: “TERRORISTA E SOLDADO”, em caixa alta.
A palavra “terrorista”, logo depois do texto em análise, traz na “presença”
(ABRAMO, 2003, p.24), mais ainda em caixa alta, a recuperação negativa do
radicalismo com base religioso do grupo que praticou o 11 de setembro que foram
imigrantes. A inclusão do dado “terrorista” depois de “muçulmanos querem esconder
sua religião” apresenta uma “relação de sentido” (ORLANDI, 2010, p.39) a qual indica
“formações discursivas” (MAINGUENEAU, 1997, p.50-1) que designam enunciados
social e historicamente comprometidos com uma formação ideológica, a partir da
conjuntura cultural dada.
Na primeira frase, depois do intertítulo “Como seria de se esperar, os jovens
iraquianos sob ocupação americana não têm exatamente como ficar indiferentes à
realidade do pós-11 de setembro” traz, na expressão “como seria de se esperar”, um
início de versão sobre o fato que está sendo desenvolvido ao longo do texto jornalístico.
Na sequência “‘A gente brinca de terrorista e soldado’, diz com um sorriso Karrar
Heider, 13. Ele e o irmão Munsar, 10, mostram suas pistolas de brinquedo bem realistas.
E os americanos? ‘De vez em quando, a gente mata uns junto com os terroristas”,
visualiza-se a diferença de apresentação do garoto americano Sean dos garotos
iraquianos, como visto na frase em análise. Sean foi contextualizado, na idade, na
escola, no contexto em geral, e os irmãos Heider foram identificados brincando, com
armas “bem realistas”. A expressão para as armas “bem realistas” é colocada de forma
irônica, pois está falando com crianças, mas a interrogação que se faz na análise casa
com a dos trechos anteriores de opinião e de versão do repórter, dando continuidade na
ideia de que as crianças iraquianas, em questão, já estão inclusas na lógica do
“terrorismo e soldado”, até brincam com isso, portanto, isso “é de se esperar”, ou seja, o
repórter mantém e complementa a versão do tema no discurso sobre a realidade de
como esses garotos estudam e entendem o mundo, principalmente o Iraque, após a
morte de Sadann Husein e a ocupação americana.
Ainda na análise do trecho em destaque, ressalta-se a pergunta do repórter
incentivando um possível conflito da visão do garoto iraquiano com a ocupação
americana no Iraque, na questão: “e os americanos?”. A “presença” (ABRAMO, 2003,
p.28) desta questão dá continuidade à versão deturpada do fato inicial da reportagem,
além de impulsionar o sentido do discurso à “formação imaginária” (ORLANDI, 2010,
p.40) que reside na ideia de construção de cenários imagéticos para corresponder com o
190
contexto criado na “relação de sentidos” (ORLANDI, 2010, p.39) do discurso. E a
“relação de sentidos” está entre quem esses garotos representam e os americanos.
“Relação” que causa a partir da “formação imaginada” um olhar banal da vida dos
americanos, ou seja, se os garotos matam uns americanos, no jogo, junto com
terroristas, eles não têm cuidado com a vida do outro americano.
No próximo parágrafo, destaca-se outra frase, agora do garoto Munsar: “‘Meus
professores não falam nada, mas acho que nem precisa, né? É só olhar na rua, todas
essas barreiras e arames. É tudo culpa dos americanos’”. Orlandi (2010, p.41-2)
esclarece que a ideia de “formação imaginária” trata-se da imagem que foi constituída
pelo confronto do político com o simbólico, num processo que liga discurso e
instituições de poder, e no trecho visualiza-se que dos elementos institucionais
representados pelo “povo iraquiano” e os “americanos” a figura do repórter em dar
margem de existência à fala do garoto Munsar sobre “É tudo culpa dos americanos”,
identifica o garoto e o povo iraquiano numa posição imagética conflituosa, pela
presença das “pistolas bem realistas”, do brincar com um jogo hostil matando uns
americanos junto com os terroristas, agora com a ideia declarada de que os professores
não precisam falar nada, porque é óbvio que o Iraque está nesse cenário de guerra por
estar em período de pós-invasão americana. E os americanos nessa construção
imagética? Os americanos foram ouvidos no início da reportagem, apresenta-se além do
garoto Sean receoso sobre o terror do 11 de setembro, o texto dispõe de uma ONG para
driblar qualquer preconceito com o imigrante muçulmano, portanto, volta-se na
pergunta: E os americanos? Na análise até aqui eles são vítima e não só toleram como
respeitam o outro islã.
Após a fala escolhida pela reportagem do garoto Munsar, o repórter afirma “Há
uma espécie de stalinismo misturado com o politicamente correto no material didático
que ambos os garotos recebem na escola pública”. Nesse trecho pergunta-se quem foi
Stalin? A retórica do stalinismo para junto com o “politicamente correto” serem
acoplados ao material didático que a escola dos garotos ensina seus alunos, significa
dizer que o material passado aos alunos iraquianos por mais que sejam de origem
autoritária são embasados numa vertente educativa politicamente correta sobre o 11 de
setembro. No trecho, há claramente a opinião do repórter sobre o que ele acha como
“correto” sobre o material educativo, bem como sobre sua mistura ter traços
autoritários, em rotular o mesmo material como stalinista. E além da “inversão da
opinião pela informação” (ABRAMO, 2003, p.30) há também a presença da
191
continuidade da versão que o repórter vem solidificando no texto jornalístico, “inversão
da versão pelo fato” (ABRAMO, 2003, p.30), a versão de que os garotos iraquianos
recebem uma educação marcada pelo “stalinista”, ou seja, autoritariamente ruins.
No decorrer da análise, há um parágrafo que ressalta a fala de uma professora no
Iraque, que também é atriz, Alaa mantém os dois empregos para sobreviver, segundo a
reportagem. No trecho “Para mim é difícil. Uma vez um avô de um menino me
ameaçou, dizendo que eu falava pouco do islã [...]”, depois não volta a trazer outras
maiores explicações em respostas de Alaa. Nisso se destaca a presença do “não dito”
(DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) da análise de discurso. Os “subentendidos” se
desnudam a partir de um determinado contexto. Se para o avô, que ameaçou a
professora, falava-se pouco do Islã, significa entender que ele gostaria que se falasse
mais sobre o Islã. E pelo fato do trecho apresentar a visão hostil do avô, que no cenário
é alguém bem muçulmano, como aquele que ameaça pela educação falha sobre o Islã,
seria interessante entender melhor esse “ameaça”, mas depois do trecho não prolonga
essa discussão sobre: ─ Como o avô ameaçou a professora Alaa? O que será que ele
gostaria de ver ampliado do Islã na educação do neto? E o pai do garoto não ocupa o
papel de interventor, por que o avô? Será que o pai é vivo? E, afinal, o que de pouco a
professora fala do Islã? Faltou problematizar, principalmente, de como era a educação
antes da guerra e da invasão americana, havia apostilas? Os professores têm
treinamento? Por que não há incentivo do atual governo para melhorar os salários dos
professores e investir em treinamentos nessa área educativa? O “silêncio constitutivo”
de que “[...] dizer é preciso não dizer” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.83) explica
a estratégia dessa ausência de problematização e de fôlego em contextualizar o essencial
para o melhor entendimento do fato.
Caminhando para o conteúdo do terceiro intertítulo, no terceiro parágrafo, o
jovem de 17 anos, Abdel, afirma que no Afeganistão “A gente conversa na escola, meu
professor sempre defende a luta do Taleban”. No trecho se desnuda o “implícito
semântico e o pragmático”, o implícito semântico se orienta a partir do contexto do
discurso, e o pragmático nasce como intervenções do semântico. Na análise do trecho, o
semântico aparece porque no próprio enunciado se esclarece que os professores no
Afeganistão são a favor do Taleban e, portanto, de grupos fundamentalistas radicais do
Islã. E do pragmático pela razão de que saem informações do implícito semântico,
como: os professores são contra as tropas americanas no Afeganistão.
192
Três parágrafos adiante, outro garoto, agora de 15 anos, ainda falando da
educação no Afeganistão, afirma que os professores acham mesmo ruim a ocupação
americana no país. “Eu não quero que os americanos vão embora. Meus professores
sempre falam que a ocupação é ruim, mas acho que a segurança vai piorar sem eles”. Há
a presença de “relação de forças” na ideia do trecho, salientada anteriormente, mas mais
clara nesse discurso. Na “relação de forças” (ORLANDI, 2010, p.40) se explica com a
ideia de que o lugar, o cenário, o contexto do qual fala o sujeito é constitutivo do que
ele diz, há relação de poder entre os envolvidos no fato, forças benevolentes das tropas
americanas “que ocupam” o Afeganistão, com o ensino transmitido pelos professores do
país que acham ruim os americanos estarem “ocupando” o Afeganistão.
No conteúdo do último, quarto intertítulo “NO NINHO DA SERPENTE”,
presencia-se, a partir do texto do intertítulo, a continuidade do padrão de “inversão da
versão pelo fato” (ABRAMO, 2003, p.30) pela reportagem, bem como a “inversão da
opinião pela informação” do repórter sobre as futuras gerações de muçulmanos
educados no “ninho da serpente”, ou seja, serem “serpentinhas”. A construção dessas
gerações como futuros terroristas é vinculada à ideia de “formações discursivas”
(MAINGUENEAU, 1997, p.50-1) que entendem um conjunto de enunciados como
demarcados ideologicamente, a partir de posições do enunciado que levam em conta a
conjuntura histórica e social dadas.
Na sequência da reportagem, apresenta-se um parágrafo com a fala de um
pesquisador da Universidade Nacional de Línguas Modernas em Islamabad, Malik, que
fala “Quero que você vá para um madraçal bem pobre para ver como é”, e nos próximos
dois parágrafos da reportagem Igor Gielow destaca o que seria as escolas madraçais e
traz dados dessas escolas no país, 8 mil registradas e 30 mil informais, mas esses dois
parágrafos contextuais não apresentam fonte, como crédito da informação, talvez
tenham vindo do pesquisador da Universidade em Islamabad, entretanto, Malik não foi
apresentado como fonte secundária de tais informações pontuais que contextualizam a
realidade das escolas madraçais na capital do Paquistão, bem como no país como um
todo, segundo os dados informados pelo repórter.
No decorrer da análise há o seguinte parágrafo: “A Folha visitou uma em Gahri
Afghanan, área rural em Taxila. ‘Não ensinamos terrorismo, mas você tem que entender
que este é um país atacado pelos EUA, e nada melhora com eles aqui’, disse Amir, 18,
que faz o papel de professor de urdu para 35 alunos entre cinco e 15 anos”. Nesse
sentido, confiando na tradução do repórter, percebe-se que a escolha deste trecho de
193
Amir para ilustrar o conteúdo do intertítulo do “ninho da serpente” demonstra pela
contradição da conjunção “mas” que por mais que o professor de urdu, cujo idioma
nacional é do Paquistão (idioma também oficial no Afeganistão e Índia é baseado na
cultura persa, turca e árabe), não ensine terrorismo aos seus 35 alunos, ele pede atenção
ao repórter para entender a complexidade de que é ensinar urdu num país que foi
atacado pelos EUA, e, mesmo diante da permanência das tropas americanas no local, a
situação dele, dos alunos, da família, da política, da área de educação, do saneamento
básico entre outros não melhora. Nessa colocação do professor Amir, o repórter deixa o
leitor pensar, pela simplificação da frase sem outras questões para complementá-la, que
o professor deve ensinar algo contra a invasão americana, mesmo que não seja o
terrorismo, mas que tenha no ensino dose de insatisfação sobre o país do ocidente,
podendo gerar na insatisfação conflitos sobre esses grupos invasores, já que também
esses madraçais são sinônimos de “ninhos da serpente”.
Nos parágrafos seguintes, a ideia de que o Islã faz parte dessa educação, que
pode não chegar a ser terrorista, mas que incentiva conflitos, torna-se real no discurso.
“‘Se o governo reclama, por que não põe dinheiro?’, questiona seu chefe, Mohammad.
Cada criança custa o equivalente a R$ 20 mensais, e o dinheiro é recolhido na vila.
‘O islã fala que não devemos matar inocentes, mas inocentes são mortos em todos os
lugares do nosso país”, afirma Abnan, 11, que quer virar sacerdote”.
Para analisar esses trechos é oportuno o resgate do conceito de “formações
discursivas” que segundo Dominique Maingueneau (1997, p.50) são elas que designam
o sistema de regras que “[...] fundam a unidade de um conjunto de enunciado dos sócio-
historicamente circunscritos”. Nesses parágrafos, a presença da “formação discursiva”
de que os EUA não têm melhorado a situação da educação paquistanesa, do Paquistão
de forma geral, e, portanto quem paga a manutenção educativa para netos e filhos
estudarem são as pessoas das vilas, os familiares das crianças e adolescentes, que são de
formação islâmica. Ou seja, a “formação discursiva”, além de incluir os muçulmanos
como mantenedores das escolas, reafirmam-nos na fala do repórter, como aqueles que
alimentam o “ninho da serpente”.
Nos parágrafos finais da reportagem, o repórter afirma, agora com base na fonte
de Malik, que não há literatura recente no país. E depois, opinando, sentencia: “De fato,
entre um grupo de jovens da escola pública do setor H-9 de Islamabad, havia grande
ignorância dos detalhes da vida política do Paquistão, o ‘ninho da serpente’ do terror
jihadista”. A presença do padrão de “inversão de opinião pela informação” e da
194
“inversão da versão pelo fato”, ambos os conceitos de Perseu Abramo (2003, p.30),
norteiam o entendimento da ideia de que a educação lecionada aos alunos paquistaneses
é fraca e rudimentar, “havia grande ignorância”, além de perigosa por incentivar
conflitos com os EUA e com todos aqueles que não fazem parte do teor ideológico do
jihad. E a “formação discursiva” (MAINGUENEAU, 1997, p.50) que, a partir dessas
inversões levam até a frase “‘ninho da serpente’ do terror jihadista”, serve como prova
final da “formação ideológica” em que a reportagem conduziu o sentido da luta
islâmica, do Islã, da educação islâmica, da forma dos muçulmanos pensarem sobre seus
países e sobre quem os invadem, enfim, sentidos que conduz no discurso uma
ancoragem negativa, conflituosa e primitiva de educar e viver a religião Islã nesses
países Paquistão, Afeganistão e Iraque.
Quando Dominique Maingueneau (1997, p.58) explica que as “inferências ou
implícitos” são elementos que se originam da enunciação discursiva, isso permite ao
analista voltar ao trecho “De fato, entre um grupo de jovens da escola pública do setor
H-9 de Islamabad, havia grande ignorância dos detalhes da vida política do Paquistão, o
‘ninho da serpente’ do terror jihadista” e visualizar que no “implícito semântico” a jihad
é o mal representado pela serpente, além de significar um animal peçonhento que
costuma estar preparado para o bote ao “inimigo”. E como a jihad na frase leva também
a outra característica, a de terror, no “implícito pragmático”, que leva em conta o
contexto do semântico, a jihad é além de perigosa, é o horror que está sendo educado
para envenenar mais alunos à guerra contra o inimigo. E qual seria esse inimigo?
A resposta está no “implícito semântico” (MAINGUENEAU, 1997, p.58) da
próxima frase que finaliza a reportagem: “Mas há antiamericanismo. ‘Não acho que o
que Bin Laden fez foi certo. Mas também não é certo bombardearem muçulmano
inocentes com esses aviões-robôs”, disse Hamza Khan, 14. Ele quer fazer ‘sua parte’:
ser piloto da Força Aérea e ‘um dia lutar contra americanos’”. Além do “implícito
semântico”, visualiza-se também, desde o início do texto jornalístico, as “formações
discursivas” que designam os sentidos a partir do discurso e das regras sócio-históricas
dadas, além dos elementos ideológicos do contexto. E se há antiamericanismo e o
garoto de 14 anos sonha em pilotar aviões para lutar contra os americanos, os sentidos
tornam-se mais claros e convincentes ao pensar que são vindos de falas de alunos das
escolas madraçais e que são preparados, envenenados para serem terroristas em prol da
jihad contra o americano invasor, desde suas brincadeiras com pistolas “bem realistas”,
195
até no sonho profissional, em fazer “sua parte” para “um dia lutar contra os
americanos”.
Fotografia
Foto 10 cm de altura por 23 de largura, colorida. Legenda ao lado: “Professor
Amir (à esq.) e seus alunos no madraçal (escola religiosa) da Ghri Afghanan, no
Paquistão”, crédito da fotografia: Igor Gielow.
Análise fotográfica
A foto é significativa em tamanho, cor e o número de pessoas em foco, somando
onze alunos e um professor. Além dos garotos e do professor, a foto encaixa partes de
cinco bancos de madeiras, no lado superior esquerdo, o chão é pintado de verde e parece
ser cimentado e a parede, no fundo dos alunos, amarelo claro, para branco. Sete alunos
estão com o chapéu muçulmano masculino, em especial vestem quando oram em
público ou em mesquitas, e há quatro garotos, que parecem ser os mais novos sem o
adorno da cabeça. Diferente dos chapéus muçulmanos clássicos, mais refinados, esses
parecem ser feitos a mão com pontos de tricô. O professor já veste hijab, o véu islâmico,
de cor branca, como véu masculino, mais solto, e deixa o rosto aparecer. E o vestir de
todos são as túnicas masculinas típicas da cultura árabe, com as cirwals, que são
próximas às calças, túnica e cirwal do mesmo tecido e cor. Um dos garotos apresenta o
abaya, que durante o dia é um adereço lateral à túnica e em tempos mais frios, como nas
noites, é usada como capa para proteger e esquentar. Todos de cabelos bem curtos. O
professor, em razão do véu, não dá para ver o cabelo, apresenta barba e bigode
discretos.
A fotografia apresenta a “fotogenia” de uma foto bem focada, de impressão com
boa resolução colorida. Para alguns focados na foto, é novidade o ato de posar para a
foto, já para outros, há a segurança de ser um ato recorrente ou mesmo divertido. A pose
do professor é um pouco séria. Estão todos sentados e alguns semissentados para a pose
da foto.
Por estarem posando para a fotografia, há na leitura da foto elementos diferentes
para cada pessoa focada. O que universaliza a foto como elemento da “pose” de Roland
Barthes (2007, p.330) é o parentesco de roupas e adereços do vestuário árabe que os
padronizam. Logo, a partir dos “objetos” (BARTHES, 2007, p.331) que vestem os
alunos e professor são identificados como pertencentes à cultura árabe, neste caso, a
árabe muçulmano.
Relação da Análise da Reportagem com a Análise Fotográfica
196
As crianças e adolescentes na foto são alunos em um madraçal no Paquistão e,
segundo a reportagem, eles frequentam o “ninho da serpente” e serão o futuro jihadistas
do terror contra os Estado Unidos. E se eles estudam para serem terroristas e se
apresentam de forma característica árabe, a identidade cultural em vestir-se, a cultura
árabe está sendo atrelada às questões negativas do “ninho da serpente”. E vendo a foto,
vinculando-a com os intertítulos da reportagem, dá a impressão comprometida do
muçulmano árabe, como aquele que é padrão, sem vida (pelas cores comuns das roupas)
e sem esperança.
3) “No Brasil, estudantes misturam desinformação com tolerância.” – Nota de Diogo
Bercito. p.06 Especial Memórias do 11/9. ANEXO F4
Fontes: Alunos da Escola Estadual Clarice Seiko Ikeda Chagas, em Interlagos na cidade
de São Paulo-SP: Ana da Silva, 11; Sameir Dahonk, 11; Rebeca dos Santos, 11; Nicolas
Fernandes, 12; Isabela Bombardi, 12. As fontes são primárias.
Texto com predomínio de abordagem descritiva.
Recurso não-verbal na reportagem: Foto 15,5 cm de largura por 11 cm de altura,
colorida. Legenda ao lado: “Desenho feito pelo americano Sean Fitzpatrick, 10, após
sua primeira visita ao Marco Zero, em agosto”, crédito da fotografia: Reprodução.
Resumo da matéria:
Em treze parágrafos curtos a reportagem “No Brasil, estudantes misturam
desinformação com tolerância” completa à reportagem principal da página 06 do
Especial da Folha “Memórias do 11/9”. A matéria traz uma conversa com cinco alunos
de uma escola pública em Interlagos, bairro de São Paulo, são alunos de 11 e 12 anos.
Em especial o repórter foca na ideia do que esses alunos sabem sobre o 11 de setembro,
e o que aprenderam dessa história na escola.
Análise
O primeiro parágrafo “Um grupo de cinco alunos se reúne ao redor de uma
fotografia de Osama Bin Laden” traz o argumento da nota sobre conversas dos cinco
alunos de 11 e 12 anos sobre a fotografia de Osama. A primeira interrogação “por que
esse assunto em discussão com os alunos?” A “presença” (ABRAMO, 2003, p.29) do
início desse trecho sobre a discussão que virá sobre Osama Bin Laden é
estrategicamente inserida para comandar o argumento do texto, e demarca o sentido que
o discurso formará.
197
No segundo parágrafo apresenta-se: “São estudantes da escola estadual Clarice
Seiko Ikeda Chagas, na periferia de Interlagos. Um deles, por coincidência, é filho de
palestinos”. Nesse trecho salienta-se o conceito de “dito” (DUCROT apud ORLANDI,
2010, p.82) em que Orlandi explica que o “não dizer” como “pressuposto” é a afirmação
que se origina do dito, mas que não necessariamente esteja no enunciado com o
“implícito”, usado por Maingueneau.
No parágrafo em análise, se não fosse mencionado que um deles é filho de
palestinos, a informação da nota não faria diferença, mas ao passo que o repórter
destacou que “um deles, por coincidência, é filho de palestinos”, traz no “dito”
(DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82), mesmo que tenha um “por coincidência” no
meio, um sentido pressuposto. O que o garoto tem a ver com Osama Bin Laden, seria só
por que ele é de parentesco familiar étnico do mesmo Oriente Médio? O que um garoto
que mora no Brasil, filho de palestino, se liga com o terrorista assassinado Osama?
Segundo a ideia do “pressuposto” que há na frase da “coincidência”, a presença do
garoto entre os outros quatro brasileiros e o assunto se tratar de Osama Bin Laden dá
sentido de envolvimento. Nesse sentido, o dizer significa, embora o repórter pudesse ter
optado por simplesmente enquadrar o garoto, filho de palestino, por mais um brasileiro
junto à turma de amigos brasileiros que talvez também tenham parentesco com italiano,
português etc.
Fica mais claro o “pressuposto do dito” (DUCROT apud ORLANDI, 2010,
p.82) três parágrafos à frente, quando numa conversa de “quem sabe mais”, “quem
sabe”, o repórter destaca uma impressão da fala do garoto, filho de palestino, destoante
dos outros e da própria conversa. “‘Sei que o número de mortes é de ...’, diz Rebeca, em
tom de ditado. ‘Ei, também decorei isso!, briga Sameir. ‘Deixa eu falar meu texto”. Por
meio do contexto, retira-se do enunciado a “inferência pragmática” (MAINGUENEAU,
1997, p.58) de que por ele ser o filho de palestino, teve que se destacar e “brigar” para
responder antes, ou mesmo responder ao repórter. E como no próximo parágrafo, o
repórter não volta à questão da “briga”, pergunta-se se não seria mais oportuno o verbo
“retrucar” ao invés de “brigar”? A ideia do brigar remonta à “realidade imaginada”, que
sintoniza com o “filho de palestino” do parágrafo inicial.
Mais à frente, no discurso “Os estudantes têm opiniões moderadas”, caracteriza
o conceito de “antecipação” que funciona como um mecanismo em que o indivíduo se
antecipa ao seu interlocutor, quanto ao sentido que suas palavras produzem. Para
Orlandi (2010, p.39) a antecipação define o processo de argumentação e por isso é
198
estratégico, ao passo que o resultado desse processo objetiva efeitos sobre o
interlocutor. E qual seria o efeito de sentido que o discurso produz? A partir de “Os
estudantes têm opiniões moderadas”, se eles têm opiniões moderadas, como fica a fala
do filho de palestino que já arrumou briga para falar? O resultado da “antecipação” se
dá ao leitor no próximo trecho: “Condenam os atentados (“Não é porque sou árabe que
vou achar que está certo”, afirma Sameir), mas também desconfiam da participação dos
EUA”. Outra questão que aparece com esse “dito”: Se os alunos brasileiros condenam
os atentados por que do “dito” entre parênteses? Também pelo repórter não
problematizar (contextualizar) a questão de que o garoto é árabe, pode deixar a entender
que tem relação com o mundo islâmico, pois mesmo que seja árabe pode não ser
muçulmano. Há, contudo, ao longo da nota, principalmente nesse último trecho em
análise, a presença de “relações de sentidos” do “filho de palestino”, da “coincidência”,
do “brigar”, da frase se justificando “Não é porque sou árabe que vou achar que está
certo”, pois todo discurso se relaciona com outros. “Um dizer tem sempre relação com
outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis” (ORLANDI, 2010, p.39). Logo, a
nota disse que o garoto é filho de palestino, que é uma coincidência tal entrevista com
ele entre o grupo, e que o garoto querer falar em tom de “briga”. A “relação de
sentidos” relaciona esses elementos que significam e colaboram na construção
imagética [“formações imaginárias” (ORLANDI, 2010, p.40)] dos cenários sobre esse
sentido. Das “formações imaginárias” explica-se que as imagens projetadas dos lugares
sociologicamente concretos e inscritas na sociedade são as formações que atuam no
cenário imagético do discurso, e que apresentam relação com o contexto, com a
memória e com as posições dos lugares na história (ORLANDI, 2010, p.40). Nas
“formações imaginárias” (ORLANDI, 2010, p.40) o filho do palestino será aquele que
quando quer falar não esperará seu amigo, partirá para o desentendimento, para a briga,
caso necessário, mesmo sendo um garoto.
“Vida noturna restrita sobrevive às guerras”, “Após anos de conflitos, Iraque tem
noitadas com cerveja, prostituição e bingos; no Afeganistão, restam duelos de pipas”
por Igor Gielow, enviado especial a Bagdá e Cabul. A15 Terça-feira, 13 de setembro de
2011. No chapéu: “11/9/2011 O dia que marcou uma década”. ANEXO F5
Fontes: A fonte primária Mohammad, gerente do restaurante italiano em Bagdá; a fonte
secundária, de pesquisa, do Manual de Instrução para Soldados Americanos no Iraque
na Segunda Guerra Mundial; a fonte primária da atriz Naila Marouf de 28 anos; a fonte
199
primária de Pahlawan Karim, proprietário do Mercado Shor e a fonte primária do
jornalista Ali Ahmad de 32 anos.
Texto com predomínio de abordagem descritiva e narrativa.
Recurso não-verbal na reportagem: Foto 20 cm de largura por 12 cm de altura,
colorida. Legenda a baixo da foto: “Iraquianos passam a noite jogando bingo e bebendo
cerveja no clube da União dos Cinematógrafos, em Bagdá”, crédito da fotografia: Igor
Gielow.
Resumo da matéria:
A reportagem traz em vinte parágrafos em ½ da página A15 o assunto da vida
cultural nas capitais do Iraque e do Afeganistão. O texto é desenvolvido em argumentos
descritos sobre os locais de entretenimento das cidades e utiliza a narração do repórter
como jornalista observador/participante, apresentando falas reduzidas dos entrevistados
e mais argumentos com base na descrição e no depoimento do autor/repórter.
A reportagem se divide em dois momentos. No primeiro, resgata a “vida
noturna” de Bagdá e costumes de diversão; e, na segunda parte, traça um perfil de
entretenimento na cidade de Cabul. No início da reportagem, o repórter comenta que
“Uma balada em Bagdá não parece exatamente o mais provável dos programas para
quem está acostumado com a ideia de uma cidade desfigurada por anos de guerra,
violência sectária, atentados, toques de recolher e barreiras de todos os tipos.” Ao longo
dos sete primeiros parágrafos, traça a ideia dessa “balada” dos iraquianos em Bagdá, em
especial sobre o comércio de bebidas alcoólicas praticado por não muçulmanos e a
compra de cerveja e de destilado de anis por todos nesses encontros de diversão
noturnos. Para isso, traz, como única fonte, o gerente do restaurante italiano da cidade
Mohammad: "Eu só parei de servir vinho aqui porque abriram o escritório da TV do
Hizbollah aqui na frente, e ameaçaram explodir minha casa. Mas todos ainda me
pedem". Segundo o repórter, o restaurante é o único de Bagdá “[...] fora dos domínios
ocidentais ─ hotéis e a ultraprotegida Zona Verde”.
No próximo assunto, Igor Gielow fala das prostitutas do lugar: “Aqui e ali
aparece uma moça solitária que aceita ‘passear’ no matagal à beira rio pelo equivalente
a R$ 40. Uma versão mais sofisticada, por assim dizer, ocorre nos restaurantes da rua
Arasat al Hindya. Locais como Al Awad ou o Blue Dan são frequentados por homens
de negócios. Ali, as prostitutas eventuais são cantoras que se apresentam à noite.” E no
próximo parágrafo destaca a fonte do manual de Instrução para Soldados Americanos
no Iraque na Segunda Guerra Mundial, que, em 1943, “alertava” para o assunto das
200
mulheres sozinhas “‘Nunca dê em cima de muçulmanas, é problema certo. E, de todo
jeito, não levará a lugar algum. Prostitutas não andam nas ruas, ficam em instalações
específicas’”. E no decorrer da matéria, o tema é modificado para a questão da
dramaturgia “A dramaturgia tenta viver um renascimento, com uma temporada fixa de
peças no velho Teatro Nacional. ‘Mas ainda é muito difícil, tenho que fazer bicos’”.
A partir desse fato, o repórter explica os lugares de fumar e a presença dos
iraquianos na União dos Cinematógrafos. Daí ressalta que quando o governo iraquiano
tentou fechar os bares frequentados por esse grupo, ocorreu uma revolta deles, tendo o
governo de manter os estabelecimentos abertos. Desse assunto, até o final da
reportagem, fala-se sobre o entretenimento no Afeganistão. “Já no Afeganistão, a balada
é mais, digamos, familiar. Em Cabul, a outra capital que foi violentada pelos anos de
conflito, álcool só é consumido de forma discreta, em casa ou em hotéis que atendem
estrangeiros.” Destaca-se também a paixão do afegão pela prática de soltar pipas com
cerol, e entrevista o proprietário do mercado de Shor, Pahlawan Karim.
"Em 40 anos vendendo pipas, só tivemos problemas mesmo na época do Taleban,
quando éramos obrigados a vender panos e roupas aqui para disfarçar o negócio
escondido. Hoje, é o que sobrou de diversão na cidade". E para finalizar comenta que há
na cidade muitas publicidades e anúncios em que modelos homens apresentam-se de
forma esculturais, bastante musculosos, e, nesse sentido, finaliza a reportagem com a
fala do jornalista Ali Ahmad que palpita sobre uma hipótese para o culto ao
fisiculturismo: “‘Eu acho que tem a ver com a ideia de ser forte contra tantos problemas,
mas sinceramente é só um chute’”.
Análise
No final do segundo parágrafo, quando o repórter fala de “Noitadas regadas a
cerveja e destilado de anis, escondem combinações tão exóticas quanto prostituição e
bingos.” A ideia de exótico é um adjetivo que diz respeito a países estrangeiros, quando
se fala em “animais exóticos”, bem como a outros sinônimos como esquisito,
extravagante e estranho. Nesse sentido, o “exótico” refere-se ao hábito cultural do povo
iraquiano. Logo depois, no terceiro parágrafo, Gielow traz uma inquietação: “Álcool em
país muçulmano?”. Na sequência: “Pois é. Por conta do legado secularista da época da
monarquia (1921-1958) e dos anos de Saddam Hussein (1968-2003), o consumo é visto
com poucas reservas”. O trecho caracteriza duas épocas históricas no Iraque como
heranças culturais a “pouca reserva” do muçulmano tradicional ao consumo de álcool.
201
Na ideia do texto, o “exótico” e “o muçulmano, aquele que, agora, vê o álcool
com poucas reservas”, são características atribuídas ao povo iraquiano e também ao
“país muçulmano”. Nesse sentido, por meio do “implícito semântico”
(MAINGUENEAU, 1997, p.58) há como inferir que antes, nesse país, os muçulmanos
não consumiam bebidas alcoólicas e, no “implícito pragmático” (MAINGUENEAU,
1997, p.58), que em razão disso são “exóticos” ao repórter, em que o hábito cultural é
visto de forma rotulada. Inferência pragmática, algo visto no próximo parágrafo.
“Muçulmano não pode vender bebida, mas sempre há um cristão, como o dono do Al
Rif ou da minoria religiosa iezida disposto a fazer o sacrifício e auferir os lucros. Mas
beber pode”. Logo, o significado de “exótico” fica mais claro, como adjetivo ao
muçulmano que não fica com o lucro da venda da bebida, pois não vende, apenas bebe.
Na ideia posterior, o texto desenvolve a questão da prostituição na cidade de
Bagdá. Para isso, o repórter destaca como fonte de pesquisa o manual de Instrução para
Soldados Americanos no Iraque na Segunda Guerra Mundial, que fala em tom de
“alerta” que, já em 1943, os soldados estadunidenses no Iraque não devem flertar com
nenhuma muçulmana. “Nunca dê em cima de muçulmanas, é problema certo. E, de todo
jeito, não levará a lugar algum. Prostitutas não andam nas ruas, ficam em instalações
específicas.” Quando o repórter, enquanto sujeito na reportagem, destaca uma afirmação
utilizando-se como fonte o dito de um manual de Soldados Americanos, já insere no
discurso a “relação de forças” entre Estados Unidos e Iraque, em que os “soldados
americanos” devem se proteger (pelo alerta do manual de instruções) da cultura
“exótica” do inimigo, no caso do muçulmano iraquiano. Na “relação de forças”
(ORLANDI, 2010, p.39), o repórter se reveste da força do “manual de Instruções dos
Soldados Americanos” e quem ele irá combater no uso desse material instrutivo da
Segunda Guerra Mundial? A cultura muçulmana do Iraque, em especial na conduta da
muçulmana. Além do poder da fonte oficial do manual, há também a “relação de
sentidos” (ORLANDI, 2010, p.39) discursados pelo texto. Lembrando não haver
discurso que não se relacione com outros, ou seja, os sentidos dos discursos resultam de
processos de relação, é por isso que, ao utilizar a fonte do manual para esclarecer como
lidar diante da procura do soldado americano à prostituição, ou a qualquer mulher
muçulmana, embasa-se no sentido de discurso desenvolvido pelo olhar estadunidense
diante da cultura local, além desse olhar estar fundado numa lógica imperial da Segunda
Guerra Mundial, como consta a época do manual.
202
No decorrer da análise o repórter afirma que “O governo tentou fechar esses
bares, e a disputa no [sic bar] da União dos Escritores foi o estopim da versão iraquiana
da Primavera Árabe”. A retomada da expressão “primavera árabe” popularmente trazida
pela mídia para caracterizar as revoltas populares dos países que enfrentam e/ou
enfrentaram governos ditatoriais, na maioria, no Oriente Médio, desde o início de 2011
até a data atual de janeiro de 2012, revela uma aproximação simplificada e deturpada de
analisar os fatos históricos. A mesma expressão foi e está sendo usada massivamente
pela maioria dos veículos de comunicação, a expressão é “[...] publicitária, grotesca,
distorcida, que nada diz sobre o grande despertar árabe/muçulmano, que está sacudindo
o Oriente Médio [...]”, explica Robert Fisk38
. Do ponto de vista histórico, a expressão
“primavera árabe” trata com eufemismo a realidade de “revolta”, manifestada pela
sociedade em questão, contra regimes ditatoriais no Oriente Médio.
No trecho em análise, o repórter traz a expressão da “primavera árabe” como
“algo parecido” com a “versão iraquiana”, da reivindicação do grupo da União dos
Escritores contra o possível fechamento dos bares frequentados por eles em Bagdá. Essa
comparação das revoltas no Oriente Médio com a contraposição do grupo ao
fechamento de bares em Bagdá caracteriza de forma vazia e pobre, de caráter político, a
reivindicação no Oriente Médio.
Ainda para o jornalista Robert Fisk,
O que levou os árabes, às dezenas de milhares e depois aos milhões,
às ruas das capitais do Oriente Médio foi uma demanda por dignidade:
a recusa em aceitar os ditadores e famílias e claques de ditadores que,
de fato, viviam como se fossem donos de seus respectivos países. Os
Mubaraks e os Ben Alis e os reis e emires do Golfo (e da Jordânia),
todos acreditavam que tinham direitos de propriedade sobre tudo e
todos. O Egito pertencia à Mubarak Inc.; a Tunísia, a Tunisia à Ben
Ali Inc. (e à família Traboulsi) etc. Os mártires árabes, das lutas
contra as ditaduras, morreram para provar que seus países pertencem a
eles, ao povo.
Logo, o esvaziamento do que significa as revoltas populares, de parte
significativa de civis, nos países que sofrem em ditaduras por décadas, demarca um
caráter despreocupado do repórter com a realidade histórica que está sendo gerada por
meio do material informativo. Além disso, as palavras derivam seus sentidos das
38
No artigo traduzido do The Independent. Disponível em: http://www.outraspalavras.net/2011/12/12/os-
banqueiros-sao-os-ditadores-do-ocidente/ Acessado em 18/01/2012.
203
“formações discursivas” em que se inscrevem, ou seja, as formações discursivas
representam no discurso as formações ideológicas (ORLANDI, 2010, p.43).
Desse modo, os sentidos sempre são determinados ideologicamente.
[...] Tudo que dizemos tem, pois, um traço ideológico em relação a
outros traços ideológicos. E isto não está na essência das palavras mas
na discursividade, isto é, na maneira como, no discurso, a ideologia
produz seus efeitos, materializando-se nele. O estudo do discurso
explicita a maneira como linguagem e ideologia se articulam, se
afetam em sua relação recíproca (ORLANDI, 2010, p.43).
O sentido, construído a partir do trecho enunciado, permite, ideologicamente,
afirmar que há o esvaziamento político da realidade histórica sobre os acontecimentos
de revolta em países no Oriente Médio, bem como “o estopim da versão iraquiana da
Primavera Árabe” se enquadra em um cenário histórico-político desconectado com o
ocorrido na revolta, portanto, incoerente na analogia, moralizando a “versão iraquiana”
política e culturalmente. Especialmente, ao pontuar que a reivindicação da “versão
iraquiana” é pela permanência de bares para o grupo da União de Escritores, no sentido
de que um “bar” valha prestígio entre o grupo, pela “revolta” fazer sentido de
comparação.
Avançando na análise “A Meca da produção de pipas fica a 20 minutos dali, no
mercado de Shor. Lá está a loja mais famosa da cidade, de Pahlawan Karim, que tem
desde pipas baratas de R$ 1,60 até elaborados modelos de até R$ 32”. No trecho, o
mesmo não cuidado com expressões de significado ideológico permite afirmar que o
repórter ao opinar sobre uma característica descritiva da loja que vende pipas em Cabul,
desenvolve uma discursividade marcadamente ideológica (ORLANDI, 2010, p.43). E
nesse caso, a palavra “meca” remete a origem do Islã, a cidade mais sagrada para o
islamismo, onde Maomé nasceu e para onde vão peregrinos muçulmanos todo ano, além
de simbolicamente os muçulmanos orarem em “direção à Meca”, em honra à cidade
sagrada. Portanto, quando o repórter aponta que a loja é a “meca da produção de pipas”
em Cabul, remete um sentido sagrado a um espaço logístico, ou seja, descaracteriza a
“Meca” como um local importante para a religião islâmica, com a tentativa
despreocupada em caracterizar a loja de pipas como ponto referência (talvez cultural) da
produção de pipas da cidade.
Na parte final da reportagem, o repórter traz a ideia de que no Afeganistão há
uma moda atual de valorização à estética corporal, no sentido de ter e apresentar
204
músculos definidos. “Fisiculturismo, por algum motivo insondável, é outra mania
nacional, com cartazes de homens ridiculamente musculosos por todos os cantos de
Cabul”. A presença de “homens ridiculamente musculosos” ressalta a versão opinativa
do repórter, que também adjetiva esse homem musculoso como ridículo. Esse é um
padrão de manipulação da “inversão da opinião pela informação” (ABRAMO, 2003,
p.30), bem como da “inversão da versão pelo fato” (ABRAMO, 2003, p.31) que o
repórter tem diante do assunto da busca de homens por corpos musculosos, em especial
em Cabul. É uma versão porque o repórter optou pela qualificação de “ridículo” do
corpo musculoso ao invés de tentar entender esse momento cultural na cidade, e talvez
no Afeganistão, se é algo tão importante para esse destaque ao final da reportagem. E é
claramente uma opinião pois “ridículo” é a expressão que o repórter utilizou para
descrever a forma de “musculoso”, na fonte do jornalista Ali Ahmad que fecha a
reportagem não há descrição dessa expressão que adjetiva: “‘Eu acho que tem a ver com
a ideia de ser forte contra tantos problemas, mas sinceramente é só um chute’”.
Contudo, na reportagem, construiu-se “formações imaginárias” em que as
imagens projetadas dos lugares, sociologicamente concretos e inscritas na sociedade,
são as formações que atuam no cenário imagético do discurso, e que apresentam relação
com o contexto, com a memória e com as posições dos lugares (ORLANDI, 2010,
p.40). As “formações imaginárias” foram do iraquiano que reivindica, confronta o
governo local, pela permanência de bar, mesmo sendo os iraquianos, em parte
significativa, muçulmanos. Mas, ao mesmo tempo, as imagens a eles são de “exotismo”,
pois bebem e não podem vender bebidas alcoólicas. Dos afegãos, as “formações
imaginárias” são de muçulmanos que cultuam o corpo musculoso e têm adoração por
soltar pipas, de forma sagrada. E pensar que o repórter se baseia no manual de Instrução
para Soldados Americanos no Iraque na Segunda Guerra Mundial para realizar a
cobertura aos países, em especial ao Iraque, como fonte e resgate à direção de conduta
comportamental às mulheres iraquianas; disso infere-se o cenário imagético do discurso,
autenticando o que ele disse no enunciado do texto jornalístico sobre as sociedades
indicadas.
Resumo da Fotografia
A foto apresenta espaço de 20 cm de largura por 12 cm de altura. Na legenda, a-
baixo da foto: “Iraquianos passam a noite jogando bingo e bebendo cerveja no clube da
União dos Cinematógrafos, em Bagdá”, por Igor Gielow. A fotografia colorida destaca
205
um cenário ao ar livre de um bar, em que há muitas mesas com cadeiras de plástico e
apenas homens no local, um ou dois homens passando pelo local, e todos os outros
sentados conversando, entre amigos, poucos com turbante, todos no foco estão com
camisas, ou camisetas e calças jeans ou sociais. Há ao centro um poste de luz que
também serve de ventilador que borrifa água.
Análise da fotografia
Na fotografia apresentam-se vários elementos significando o ambiente de
entretenimento que num estabelecimento de bar reside, as pessoas sentadas, cadeiras e
mesas, na maioria das vezes, de plástico e mesas repletas de objetos, como copos,
garrafas, pratos de comida, petiscos, além das pessoas conversando. Nesse sentido, os
objetos são as associações que induzem a simbologia que significa no caso o significá-
los como adeptos ao jogo de entretenimento e demais associações dos objetos. Como
“objetos” “[...], o que é para um signo uma qualidade física; para outro, remetem a
significados claros, conhecidos; são, portanto, os elementos de um verdadeiro léxico,
estável a ponto de se poder facilmente erigi-los em sintaxe” (BARTHES, 2007, p.331).
Dessa forma, dando sentido ao seu contexto, no caso, a um ambiente de bar, com todas
as mesas ocupadas, frequentado por homens, e pela foto, apenas um caracterizado como
muçulmano pela vestimenta, do turbante, e na foto são muitos para apenas um se vestir
com característica cultural muçulmana, para generalizar sobre se são de fato
muçulmanos, ou estrangeiros e/ou adeptos de outras religiões.
Na legenda “Iraquianos passam a noite jogando bingo e bebendo cerveja no
clube da União dos Cinematógrafos, em Bagdá”, o repórter, que é o mesmo autor da
fotografia, indica que os iraquianos, além de saírem simplesmente ao bar, também
jogam bingo, fato novo à foto. Mas na legenda, há novamente, junto com o texto da
reportagem, a repetição do “bebendo cerveja”, dizendo na construção da “formação
imagética” (ORLANDI, 2010, p.40): não esqueçam que os iraquianos bebem cerveja!
7.2.1 Características principais do Islã no MUNDO ─ Material secundário
7.2.1.1 Marcas jornalísticas que indicam alteridades do Islã
1) “‘Nos EUA, se você se chama Muhammad, é uma fonte de terrorismo’”, e
subtítulo “Comunidade árabe reclama de preconceito em Nova York, mas diz que em
outros locais situação é ainda pior”. Repórter Álvaro Fagundes, de Nova York, na A22
206
de Domingo, 04 de setembro de 2011. No chapéu especial na página “11/9/2001 O dia
que marcou uma década”. ANEXO F6
A reportagem traz em quinze parágrafos, com pouco menos de ¼ da página, sem
fotografias, um texto jornalístico comprometido em informar o aumento do preconceito
sobre a população árabe que vive em Nova York, em especial nos últimos dois anos. Na
fonte expert o presidente da Associação Árabe-Americana de Nova York, o palestino
Ahmad Jaber fala que parte desse momento histórico é um complicador político, em que
o Islã vem sendo “atacado como inimigo” pelos republicanos. “Segundo ele, dez anos
depois dos ataques, o governo continua a considerar que, ‘se você se chama Muhammad
ou Yusef, é uma fonte potencial de terrorismo”. Além das observações da Associação, o
repórter descreve por outras fontes de expert, agora da nova-iorquina Márcia Kannry,
presidente do Dialogue Project (organização que auxilia na integração do imigrante),
que comenta de uma senhora de um bairro tradicional italiano sobre o preconceito
contra árabes, e por não saber distinguir árabe de muçulmano, segundo a presidente, a
senhora é claramente racista. E caminhando para o fim da reportagem, o repórter
Fagundes traz a fala de um rabino, que tem um trabalho conjunto com a comunidade
islâmica, e afirma que atualmente as pessoas estão menos indiferentes às diferenças
culturais, e vê esse dado como positivo. E na parte final, de dois parágrafos, informa
sobre a pesquisa do Censo e não conclui se houve crescimento da comunidade árabe em
Nova York, pois o método da pesquisa não faz distinção das divisões étnicas, só
informa que 42% do total da população nova-iorquina advêm de asiáticos e hispânicos.
Nas reportagens, notícias e notas, no período de análise, houve poucos assuntos
sobre o Islã cujo foco tenha sido positivo ou pelo menos que colaborassem com um
olhar mais realista e respeitoso sobre a religião islâmica. O texto é curto, não apresenta
fotos, ou outro material iconográfico, mas traz elementos informativos sobre a
existência do preconceito em Nova York, algo visto, inclusive na reportagem, como
“Nações Unidas”, e indaga: Se Nova York apresenta essa situação de preconceito,
imagine uma outra cidade ou estado estadunidense?
Achar uma fonte que queira falar sobre preconceito, de ter sofrido ou ser
preconceituoso é raro no cotidiano de entrevista no jornalismo. Por isso, diante do tema
da reportagem, do espaço da matéria, e dos entrevistados e dados coletados, a
reportagem pode ser considerada, viabilizando o cenário conflituoso existente entre os
olhares sobre o mundo muçulmano vividos em Nova York, além de deixar claro que
207
muito do preconceito é infundado até na diferenciação da origem árabe com a opção
religiosa muçulmana.
O texto da reportagem constrói, a partir da escolha do tema e das fontes, a
“formação discursiva” (MAINGUENEAU, 1997, p.50-1) do Islã encarando dificuldades
de liberdade de pensamento e intolerância cultural, ou seja, como vítima e “bode
expiatório” da política de grupos republicanos nos EUA que alavancam o Islã como
inimigo. A ideia de “formação discursiva” (MAINGUENEAU, 1997, p.50-1) leva em
conta a formação ideológica e as conjunturas históricas e sociais.
As formações discursivas, por sua vez, representam no discurso as
formações ideológicas. Desse modo, os sentidos sempre são
determinados ideologicamente. [...] Tudo que dizemos tem, pois, um
traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. E isto não está
na essência das palavras mas na discursividade, isto é, na maneira
como, no discurso, a ideologia produz seus efeitos, materializando-se
nele. O estudo do discurso explicita a maneira como linguagem e
ideologia se articulam, se afetam em sua relação recíproca
(ORLANDI, 2010, p.43).
Portanto, o fato do tema estar presente no caderno Mundo, recuperando a
realidade do preconceito que assola as comunidades árabes, muitas muçulmanas, em
Nova York, representa a “formação discursiva” pela formação ideológica
correspondente ao Islã na sua alteridade, questionando e problematizando as relações de
sentido vistas no contexto.
2) “Minha história Maher Arar, 40. Tortura é para sempre. Vítima da Guerra ao Terror,
canadense passou 12 meses preso na Síria após ser entregue por autoridades americanas,
sob a acusação de terrorismo; inocentado, relembra seu ‘pesadelo’”. Depoimento a
Luciana Coelho de Washington. Na A15 de quinta-feira, 08 de setembro de 2011. No
chapéu especial na página “11/9/2001 O dia que marcou uma década”. ANEXO F7
O texto depoimento ocupa a A15, com espaço dividido para uma publicidade de
cruzeiro de ¼ de página, traz resumo e fotografia de Maher Arar pelo fotógrafo Tom
Hanson da Associated Press. A questão para a análise está ao lado da matéria principal,
numa retranca/box “saiba mais” de sete parágrafos curtos. No texto “EUA enviaram
suspeitos a países que torturam” informa que Maher, no depoimento, é fonte primária;
foi um de dezenas de prisioneiros da “Guerra ao terror” enviado a prisões “[...] em
países onde a tortura é permitida”. Além de a pequena nota trazer informações do
número de suspeitos torturados, data outros dados sobre o caso de Maher Arar e, no
208
último parágrafo, fala da opinião de Arar sobre a presença da mídia na questão do
preconceito sobre a religião islâmica. “Para ele, a mídia dos EUA faz cobertura rasa
sobre questões de segurança e ajuda a perpetuar o preconceito sobre o Islã”.
O parágrafo fecha a nota e argumenta sobre a importância do papel da mídia. É
uma crítica da postura à mídia estadunidense sobre as prisões ilegais de suspeitos de
terrorismo, sem julgamento, sem respaldo social entre outros fatores imprescindíveis
para a aceitação de prisões. Além do argumento “pressuposto” de que tal cobertura pela
mídia perpetua o preconceito sobre o Islã, ou seja, ao fato da mídia não problematizar
sobre a segurança de muçulmanos, como Maher Arar, ao governo estadunidense e
aliados, se cria a herança cultural discriminatória e perversa.
Nos conceitos de “pressuposto” e “subentendido”, Orlandi ressalta que o
“pressuposto” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) é a ideia de que se origina do
enunciado, se diz “deixei de fumar” significa que “fumava antes”, e o “subentendido”
(DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) são ideias subsidiárias ao pressuposto, como
“tenha deixado de fumar por fazer mal à saúde”.
Como “pressuposto” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82), há a ideia de que
se a mídia estivesse interessada em colaborar com um olhar de respeito sobre o Islã, ela
deveria ser mais contextual, se aprofundar mais nas questões correlacionadas com a
religião islâmica. E, como “subentendido” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82), de
que o exercício do jornalismo não é praticado beneficamente ao Islã, pela mídia
estadunidense, e que as “questões de segurança” são más problematizadas e informadas
pelo mesmo setor de comunicação.
Logo a presença dessa frase com a fala, no discurso indireto, da fonte de Maher
Arar, traz “pressuposto” e “subentendido” de que o entendimento sobre o Islã, pela
mídia estadunidense, ao trazer de forma “rasa” esse tema, não só empobrece seu
significado como “perpetua o preconceito” sobre a religião islâmica. A presença da
importância da mídia para a história que é e será contada do Islã não é comum pela
mesma mídia, mesmo que seja internacional. Contudo, o reconhecimento pela mídia da
fraqueza do seu papel social e histórico alimenta a ideia de que a representação feita do
Islã é fragmentada e, portanto, não comprometida com a realidade. Pelo fato do Caderno
Mundo recuperar essa ideia de que o Islã é vítima de preconceito das coberturas “rasas”,
pela mídia estadunidense, favorece um olhar mais crítico à mídia e mais exigente da
representação feita sobre o Islã.
209
7.2.1.2 Marcas jornalísticas neutras sobre o Islã
1) “O mártir. Folha visita cidade na Tunísia em que imolação do vendedor de frutas
Mohamed Bouazizi deu início à Primavera Árabe”, pelo repórter Marcelo Ninio,
enviado especial a Sidi Bouzid (Tunísia). A22, Domingo, 25 de setembro de 2011.
ANEXO F8
A reportagem traz, em uma página, o contexto histórico-político da Tunísia nos
antecedentes do ato de Mohamed e, depois de seu suicídio, que representou o ápice de
desleixo social à população tunisiana, e culminou com os conflitos árabes contra as
ditaduras políticas sofridas há décadas. No texto, a fonte do amigo de Mohamed,
Wissem Dhaoui, 29, exercendo o papel de fonte primária sobre o tema, fala que a
“insatisfação era enorme. Só faltava uma faísca para explodir tudo”, explicando sobre a
origem do ato de Mohamed. E logo depois, o texto comenta que Wissem “[...] não
considera o amigo um mártir, pois o suicídio é proibido pelo islã”.
A afirmação de que na religião islâmica, dentro do contexto da reportagem, não
aceita suicídio, traz simplesmente uma explicação sobre a proibição do suicídio no Islã.
Representa um aposto, explicativo sobre a diretriz, que prima à vida. A passagem sobre
o Islã aparece no meio para o final da reportagem e está entre parágrafos, argumentam a
fim de questões sobre a “primavera árabe”, a “mãe de Mohamed Bouazizi” e a “situação
econômica da Tunísia”. E numa nota, ao lado desta reportagem principal, fala-se sobre a
nova marca política do país, a constituinte.
7.2.1.3 Marcas jornalísticas que não respeitam a alteridade do Islã
1) “Livro para colorir sobre 11/9 irrita muçulmanos nos Estados Unidos”. Por Alison
Flood, do Guardian. A16, Sexta-feira, 02 de setembro de 2011. ANEXO F9
Na nota de cinco parágrafos, há uma fotografia, reproduzindo a imagem do livro
de colorir infantil sobre o 11 de setembro de 2001, onde há um soldado americano
mirando uma metralhadora para Osama bin Laden, protegendo-se atrás de uma
muçulmana. A reprodução é maior em relação às duas colunas de nota, a legenda:
“Reprodução de livro infantil sobre atentados de 11 de Setembro e morte de Bin
Laden”.
O texto ressalta, nos quatro primeiros parágrafos, a fala da editora do livro, esta
ocupa o papel de fonte primária, pontuando sobre o que está escrito nas legendas das
210
ilustrações para colorir, como “[...] extremistas muçulmanos islâmicos radicais que
odeiam a liberdade”, e no último parágrafo traz a fala do Conselho para Relações
Islâmico-Americanas (CAIR, na sigla em inglês), que está no papel de fonte
independente, condena a publicação e afirma que dessa forma “caracteriza todos os
muçulmanos como ligados ao extremismo, terrorismo e radicalismo, isso pode levar as
crianças a acreditar que todos os muçulmanos foram responsáveis pelo 11 de Setembro
e que os seguidores da fé islâmica são seus inimigos”.
Ao passo que a nota traz mais espaço sobre o livro e a opinião da editora,
deixando para um parágrafo a defesa do CAIR sobre a independência do islamismo do
terrorismo, a imagem que se sobressai do Islã é a ideia do muçulmano vilão, daquele
como diz no título se “irrita”. Os muçulmanos poderiam, ao invés de se “irritar”, serem
contrários à publicação? Como: ─ CAIR é contra livro para colorir sobre 11/9. Além
dessa evidência do espaço maior para o olhar da editora, e do verbo “irritar” adjetivar
negativamente o muçulmano, a nota não amplifica a discussão do texto por outras
fontes testemunhais, como famílias de muçulmanos, o que pensam os pais? De
muçulmanos e não muçulmanos? E a posição da secretaria de educação? E a voz de um
psicólogo para argumentar sobre a influência de imaginários infantis na consolidação do
eu e do outro na fase inicial da vida? O que publicações como estas comprometem o
pensar da criança?
O “subentendido” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) do “irrita” do título
com o contexto da nota traz o muçulmano como personagem vilão, aquele que se irrita,
que não tem voz atuante para se defender, bem como aquele que ganha papel caricatural
no livro infantil estadunidense. Pois, se no texto não há problematização do conteúdo do
livro, do existir do livro, sobre sua verdade, sentencia a visão positiva do olhar do livro,
da editora, sobre o Islã, e os muçulmanos do título são aqueles que se irritam com a
verdade do livro, qual seria o subentendido do contexto? Que o livro traz a verdade
sobre o Islã e que o muçulmano se irrita com os EUA por isso, ou seja, o islamismo
prega a censura e inibe liberdades de expressão, em especial, as estadunidenses.
Portanto, o Islã, além de ser um radical, extremista, também é contra a modernidade e
suas mais variadas liberdades que são as representações de “herói”, quem? Os Estados
Unidos.
211
2) “Medo de ataques afetou crianças, afirma pesquisa”, por Luciana Coelho de
Washington. A15, Segunda-feira, 05 de Setembro de 2011. No chapéu especial na
página “11/9/2001 O dia que marcou uma década”. ANEXO F10
A reportagem é composta por nove parágrafos e divide a página com mais dois
textos, uma nota e outra reportagem, de assuntos paralelos à reportagem em análise.
Destes dois outros textos maiores à folha A15 apresenta um gráfico e uma fotografia de
Spencer Platt e Getty Images da France Presse que traz pessoas caminhando perto do
World Trade Center, na legenda: “Vista do World Trade Center, que se prepara para
lembrar os dez anos do ataque às torres”.
Na reportagem em análise, descreve e reflete que a “política do medo nos EUA”
afeta mais crianças e adolescentes do que o 11 de setembro, e cita a pesquisa recém-
publicada pela fonte de expert, no caso, também primária da Associação Americana de
Psicologia. O trabalho foi desenvolvido por Nacy Eisenberg (Universidade Estadual do
Arizona), Roxane Gohen Silver (Universidade da Califórnia) e baseado em outras
pesquisas do assunto. Na tese se “[...] afirma que o impacto dos ataques de 11 de
setembro de 2001, entre os mais jovens, teve mais reflexos em suas atitudes sociais e
políticas do que em sua saúde mental”. No decorrer da reportagem, o texto traz fatos
importantes da tese e sua repercussão social nos Estados Unidos. Depois do intertítulo
“Preconceito”, na sequência dos três últimos parágrafos, há uma fala de Brian Michael
Jenkins, da consultoria Rand de segurança, que ocupa o papel de fonte primária, diz:
“Muita gente me pergunta se estamos mais seguros agora. É pergunta errada, porque ela
vem da perspectiva da vítima”. E no parágrafo posterior, a repórter afirma que
consequência disso é o que alerta a tese, de tema da reportagem, “[...] pode ser um
aumento do preconceito em relação a determinados grupos ─ neste caso, muçulmanos
(a Al Qaeda, rede terrorista por trás dos ataques, defende o fundamentalismo islâmico)”.
E logo depois, no último parágrafo, resgata integral no trecho os estudos, sem trazer
melhor a explicação do envolvimento desses grupos, em especial os muçulmanos, com
o 11 de setembro, com a fala da perspectiva da vítima e com a Al-Qaeda.
No trecho, a inclusão dos “muçulmanos” e, entre aspas, a explicação da rede Al-
Qaeda demarcam a descontextualização do significado de “muçulmanos”, enquanto
seguidores do Islã, do entendimento comum com o grupo terrorista Al-Qaeda, entre
parênteses na passagem. A “descontextualização” é um padrão de manipulação da teoria
de Perseu Abramo (2003, p.27) que explica quando num trecho textual há a recuperação
de um conceito, frase, ou fala, tirando do original seu significado para que o trecho, ou
212
expressão, no outro local incluso na matéria jornalística passa a significar outro dizer,
num contexto díspare do original, em que seu teor ideológico passa a resignificar. “[...]
despojados de seus vínculos com o geral, desligados de seus antecedentes e de seus
conseqüentes no processo em que ocorrem, ou reconectados e revinculados de forma
arbitrária e que não corresponde aos vínculos reais, mas a outros ficcionais e
artificialmente inventados." (ABRAMO, 2003, p.27).
No parágrafo em análise, os “muçulmanos” e depois a presença da explicação do
que é Al-Qaeda, entre parênteses, passa a direcionar os “muçulmanos” como fiéis
fundamentalistas, tal como os seguidores da Al-Qaeda. Nesse sentido, outro diagnóstico
preciso nos trechos, primeiro na fala de Brian Michael Jenkins, da consultoria Rand de
segurança, de que: “Muita gente me pergunta se estamos mais seguros agora. É
pergunta errada, porque ela vem da perspectiva da vítima”, ou seja, existe uma vítima
nessas relações de sentido entre EUA, preconceito, muçulmanos e 11 de setembro. A
partir desse entendimento, há a segunda questão que o grupo de “muçulmanos” é
caracterizado por ter de enfrentar “um aumento de preconceito”, logo autentica os
mulçumanos como comprometidos com a segurança estadunidense e como inseridos
nesse contexto de estudo em que os fazem estar no espaço de réu, em que passa na
“descontextualização” (ABRAMO, 2003, p.27) o resignificado de muçulmano como um
fiel ao Islã terrorista e deturpador da segurança estadunidense.
7.2.2 Considerações sobre a representação do muçulmano no Caderno Mundo
Do material analisado, antecessor da data do 11 de setembro, a partir do dia 25
de agosto de 2011, a Folha de S. Paulo, no Caderno Mundo, trouxe apenas um texto
jornalístico, no perfil de depoimento/crônica desenvolvido por um repórter. Nesse texto,
por ainda estar incluso no mês do Ramadã, em agosto, trouxe considerações sobre o
olhar do repórter sobre o outro muçulmano, identificando-o num cenário em que ele e o
fotógrafo se comportaram de forma "respeitosa" ao espaço que co-dividiam no país com
a cultura islâmica, mas que o mesmo olhar de respeito não foi condicionado a ele e sua
equipe, de forma que o muçulmano foi caracterizado como o vilão, em contraponto a ele
de "vítima". Também receberam o estereótipo de salteadores de comidas em quarto do
hotel e de não respeitosos, além da jornalista trazer, simplificadamente e de forma
descontextualizada, a ideia do significado do Ramadã.
No especial do 11 de setembro e na data no Caderno Mundo, houve três
matérias, uma entrevista, uma reportagem e uma nota da reportagem. Na entrevista
213
ressaltou o outro Islã como apto à vingança e a polarização do entender o mundo
muçulmano entre Estados Unidos e Iraque, além do reforço dessa ideia pelas fotos da
entrevista. A reportagem se caracterizou pela abordagem opinativa do repórter,
caricaturando o muçulmano fundamentalista como aquele que desde garoto aprende na
convivência no "ninho da serpente" a ser a semente de desentendimento. Na
simplificação dos contextos, também se destacou o muçulmano como o gerador dos
"futuros conflitos". E na ideia da reportagem, a nota do especial do 11 de setembro traz
para o Brasil, o assunto para ser discutido entre grupo de adolescentes de São Paulo,
onde identifica o filho de palestino como briguento e antiamericano.
E no período pós-11 de setembro, verifica-se uma reportagem com versão e
opinião e descuido no uso de expressões genéricas e preconceituosas pelo repórter.
Utiliza também enquadramento de pensar na fonte oficial, coloca o muçulmano como
aquele que bebe bebidas alcoólicas e apresenta uma cultura exótica.
Do material secundário do período de análise, observa-se em um trecho do
depoimento de Maher Arar, a crítica da fonte, que sofreu tortura pelos Estados Unidos
por ser um suspeito de terrorismo. Na frase analisada, Arar cita que a mídia
estadunidense faz cobertura rasa sobre o Islã, gerando preconceito e discriminização
sobre o islamismo. E na outra matéria com dado positivo sobre o Islã, traz uma notícia
sobre o preconceito ao muçulmano em Nova York, citando pesquisa e fontes
diversificadas, num espaço regular.
Ainda no material secundário, verifica-se em uma reportagem com citação sobre
o Islã, em que a religião é vista de forma neutra, com um simples aposto explicativo. E
duas outras matérias, na nota sobre a polêmica do Livro de colorir infantil, que traz o
muçulmano como igual à radical, extremista e aqueles terroristas do 11 de setembro de
2001. Na reportagem sobre um estudo do psíquico e a violência na mente da sociedade
após o 11 de setembro de 2001 enfatiza o muçulmano, num trecho, como igual a Al-
Qaeda, o grupo terrorista.
214
CAPÍTULO VIII ─ ESPORACIDADE DO OUTRO ISLÃ NO
“INTERNACIONAL”
8.1 Conhecendo o Caderno INTERNACIONAL
O Estado de S. Paulo, desde 1875, é o mais antigo dos jornais da cidade de São
Paulo ainda em circulação, segundo dados históricos do acervo Estado. A primeira
circulação tinha o nome de “A Província de S. Paulo”, que durou de 1875 a 1890,
quando passou a ser chamado com o nome conhecido até hoje. “O jornal foi fundado
por 16 pessoas reunidas por Manoel Ferraz de Campos Salles e Américo Brasiliense,
concretizando uma proposta de criação de um diário republicano, surgida durante a
realização da Convenção Republicana de Itu, com o propósito de combater a monarquia
e a escravidão”39
.
Como marca histórica, o jornal descreve que, em 1992, a Agência Estado, em
que o grupo Estado detinha, adquiriu a Broadcast, e no ano seguinte fez modificações na
cor do logotipo para azul. Nesse caminho, as pautas do Internacional, na ativa desde o
início do jornal, ganharam em 1950 a 1970 mais destaque, em razão da época de
significativa censura sobre o noticiário nacional. E, em 2000, ocorre a importante fusão
dos órgãos Estado, Agência Estado, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde
possibilitando em tempo real a visualização do portal Estadao.com.br. O site do Estado,
depois de três anos de lançamento, chega à marca de um milhão de visitantes mensais
“[...] consolidando sua posição de liderança em consultas a veículos de jornalismo em
tempo real no Brasil”40
.
Segundo informações obtidas pelo site do Estado “Pesquisas de mercado, há
décadas, apontam o jornal como aquele que desfruta da maior credibilidade dentre todas
as empresas jornalísticas brasileiras”41
. Hoje, o jornal tem em média 236.369 de tiragem
diária, variando 11%, e, aos finais de semana, principalmente domingos, esse número
aumenta significativamente42
. Ocupa o quinto lugar na tiragem de jornais do País.
Atualmente, além do Jornal Estado de S. Paulo, o Grupo Estado publica o Jornal
da Tarde (na ativa desde 1966) e controla a OESP Mídia (1984), empresa que atua no
39
Acessado em 23/12/2011. Disponível em: http://www.estadao.com.br/historico/resumo/conti7.htm 40
Ibid. 41
Ibid. 42
Acessado em 03/01/2012. Disponível em: http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-
brasil/maiores-jornais-do-brasil.
215
ramo de Publicidade por meio de Classificados. Também pertencem ao Grupo Estado as
rádios Eldorado AM e FM (1958) e a Agência Estado (1970). Quando Júlio de Mesquita
Neto faleceu em 1996, o jornal passou a ser dirigido por seu irmão, Ruy Mesquita, que
hoje ocupa o cargo de diretor de opinião do Grupo Estado. Em dias atuais, no Conselho
de Administração Presidente está Plínio Villares Musetti; o Editor Responsável é
Antonio Carlos Pereira.
Hoje, apresenta dois colunistas fixos Gilles Lapouge e Mac Margolis, além dos
esporádicos comentaristas, articulistas, repórteres correspondentes e outros, que
escrevem quase diariamente, com maior visibilidade aos finais de semana.
O caderno Internacional varia de duas a oitos páginas por edição na semana, de
segunda-feira já chegou a apresentar duas páginas e, aos fins de semana, o número
aumenta significativamente, chegando até a oito páginas. Mas o caderno fica na média
de quatro páginas, somando duas páginas de publicidade e de anúncios.
Principais patrocinadores: Brookfield incorporações, CVC, Casas Bahia,
Queiroz Galvão, Abyara, Brasil Brokers, EZTEC, General realty even, Rossi, ACS
incorporadora, Tecnisa, Masa, Construtora Imobiliária WZARZUR, Gafisa e
Construtora CPD.
Outros patrocinadores menos comuns: Faculdade Estácio, KIA, Hotéis
decolar.com, Telha Norte, Dell, Ez Aclimação Hotel, Nextel, Banco ABC Brasil,
Central Concursos, Extra, Dicico, Hopes, Edalco, Esser, Feirão Trip, Fecomercio,
DPNY Hotel, Claro, Kalunga, Aiport Bus Service, Localiza, SWU, Uniseb, Albert
Einstein, Globo News Jornal das 10, Recal da Honda, ADU tour, Uol, Ponto Frio, SBT,
Imac, Ministério da Educação, Fastshop e Trânsito Estadão.
Apresenta o padrão de título e linha fina, ou subtítulo, mais explicativo, com
fotos nos textos de maior destaque. As reportagens costumam apresentar dez parágrafos
com intertítulo, ou intertítulos. Recebe notas, notícias e reportagens de agências como
se verifica no material analisado e observado diariamente. As agências mais comuns nas
páginas do Internacional são, em ordem de frequência, a AP, AFP, EFE e Reuters.
Entretanto, há mais conteúdo assinado por jornalistas correspondentes, freelances entre
outros.
O Caderno apresenta dois espaços fixos: a coluna “Websfera” e a coluna de
artigos e análises “Visão Global”.
A coluna “Websfera” ─ notas, seleção de três à seis fatos sensacionais dos
jornais internacional ─ é fixa no Jornal, variando de três a seis notas de um parágrafo.
216
O espaço “Visão Global” ─ artigos e textos aleatórios de articulistas ou dos
autores especialistas listados abaixo ─ é uma análise mais aprofundada de um tema que
está em pauta na edição do Internacional; há dias da semana que pode não estar presente
no Caderno, mas é raro.
Os principais articulistas do Estado de S. Paulo: Gilles Lapouge ─
Correspondente em Paris e Mac Margolis ─ colunista do Estado, correspondente da
“News-Week” no Brasil.
Outros autores de maior destaque entre os especialistas (políticos, jornalistas e
escritores) convidados e/ou artigos comprados em outros veículos estrangeiros:
J.M. Berger ─ Foreign Policy, editor do site intelwire.com;
Rick Gladstone ─ Jornalista do New York Times;
Road Nordland ─ Jornalista do New York Times (convidado para escrever sobre
crise Líbia);
Yoani Sánchez ─ Jornalista Cubana, autora do blog Generación Y;
Joseph Nye ─ Project Syndicate, é professor na University Harvard, autor de
“The future of power” e ex-secretário adjunto Americano de defesa;
Ayad Allani ─ do The Washington Post, foi primeiro-ministro do Iraque e
atualmente lidera o maior bloco político do parlamento do país;
Brian Michael Jenkins ─ TWP, é coeditor do livro “The long Shadow of 9/11:
America’s response to terrorism”;
Gareth Evans ─ Project Syndicate, Presidente Emérito do Internacional Crisis
Group e ex-chanceler da Austrália;
David KirkPatrick & Rod Nordeand ─ reporters do New York Times;
Helene Cooper ─ reporter do New York Times;
Roger Cohen ─ reporter do New York Times;
Ronald K. Noble ─ do New York Times, é scretário-geral da Interpool;
Patrick J. McDonnell ─ Los angeles Times;
Thomas Friedman ─ do New York Times (mais comum dos autores no Estado);
Neil Macfarquhar ─ jornalista e escritor;
Felix Marquardt ─ The Internacional Herald Tribune, é fundador da empresa
Atlantic Dinners;
Jenn Yardley ─ repórter do New York Times;
Jorge C. Castañeda ─ Project Syndicate (ex-chanceler do México).
217
Do conteúdo no período analisado43
(como se verifica no gráfico abaixo) se
destaca que no continente africano, o assunto mais comentado e pautado em diversas
vertentes foi sobre a derrubada do ditador Muammar Kadafi, na Líbia. Muito distante
em número de material jornalístico desse assunto, vêm questões sobre o Quênia, o Egito
e a Somália.
Na parte européia se destaca os países da França, Inglaterra, Alemanha, Espanha
e Turquia.
Os Estados Unidos é destaque na América, sobre economia, questões políticas e
assuntos internacionais que envolvem falas do presidente Barack Obama e secretários
de Estado, secundariamente há material especial sobre o 11 setembro de 2001. Depois,
no continente americano, o Brasil é retratado no enquadramento do caso da Líbia, da
Síria e da Autoridade Palestina pelo Estado Palestino na ONU. Argentina, Hugo Chávez
da Venezuela, Reivindicações dos estudantes chilenos, Colômbia e Cuba vêm na
sequência.
No continente asiático, Palestina e Israel são os assuntos predominantes nas
notas, notícias, reportagens e artigos. Distantes em porcentagem desse assunto, saem os
países Irã, Paquistão, Afeganistão, Síria, Iêmen, Arábia Saudita, Iraque, China, Rússia
Oriental, Índia e Japão.
Tema sobre o 11 de setembro de 2001 na A2-OPINIÃO
“O mundo não mudou com o 11 de Setembro” por Rubens Barbosa. Artigo A2
de 13 de setembro.
“11/9/2001, recordações e reflexões” por Celso Lafer. Artigo no A2 de 18 de
setembro.
Tema sobre caso Palestina na A2-OPINIÃO
“Palestina Mutilada” por Demétrio Magnoli. Artigo na página A2 de 15 de
setembro.
43
Seguem no glossário 1.5 os principais temas e manchetes do Caderno Internacional, no período de
análise.
218
Temas predominantes por continente
22%
28%32%
16%2%
África
América
Ásia
Europa
Oceania
8.2 A discursividade do Islã no Estado de S. Paulo
1) A-18 Internacional. 25 de agosto de 2011. “Oposição Líbia toma missão de Kadafi
no Brasil”. Bandeira rebelde é hasteada na embaixada de Trípoli em Brasília;
embaixador se isola. Lisandra Paraguassu. Notícia. (ANEXO E1)
Fontes: Família do embaixador Salem Zubeide, como fonte testemunhal e fala oficial
do Itamaraty.
Texto com predomínio de abordagem descritiva.
Presença de duas fotos, uma mostrando a bandeira verde, que representa o governo de
Kadafi, na residência oficial do embaixador Salem Zubeide; outra, ao lado, mostrando a
bandeira da oposição ao governo de Kadafi na sede da embaixada Líbia em Brasília.
Ambas realizadas pelo fotógrafo Wilson Pedrosa da Agência Estado, de tamanhos
aproximados com a seguinte legenda: “Divisão. Residência oficial (E) ainda ostenta
bandeira de Kadafi, ao contrário de sede da representação diplomática (D)”.
Resumo da matéria:
A notícia, de caráter descritivo, apresenta como chapéu “sob nova direção”,
escrito por Lisandra Paraguassu e de título: “Oposição Líbia toma missão de Kadafi no
Brasil”, expõe-se sobre a repercussão no Brasil, e em especial, na embaixada Líbia pelo
governo de “rebeldes líbios”. No texto, descreve-se que o embaixador líbio, no país,
esteve pela última vez no prédio da embaixada na tarde de segunda feira, “[...] quando
219
outros diplomatas e líbios moradores no Brasil ocuparam de vez o prédio, resgataram
fotos de Kadafi e hastearam a bandeira rebelde”. E também descreve que a reportagem
do Estado procurou o embaixador em sua residência na noite de terça-feira, mas que,
segundo a família do embaixador, ele não estava mais em Brasília. Comentou-se que a
embaixada não havia movimento na quarta, “[...] apenas três funcionários brasileiros ─
um segurança, uma secretária e um jardineiro ─ estavam no local” e encerra a notícia
com a frase “Durante o mês sagrado do Ramadã, os muçulmanos só aparecerem (sic.
aparecem) para as tarefas do dia no final da tarde”.
Análise: Ao longo de quase todo o texto, a repórter descreve o impasse de troca
de governo, representado ora pela bandeira, ora pela fala da família e descrição dos
“rebeldes” na embaixada líbia. Contudo, na última frase da notícia de quatro parágrafos,
faz menção ao “mês sagrado do Ramadã” e, automaticamente, aos muçulmanos.
Na frase, verificam-se algumas formulações da análise de discurso conectadas
com o tema da frase do texto. Quando a repórter prefere dizer “Durante o mês sagrado
do Ramadã, os muçulmanos só aparecem para as tarefas do dia no final da tarde”,
propõe no enunciado uma “impressão de realidade do pensamento”, causando ao
indivíduo a impressão de uma relação direta entre o pensamento, a linguagem e o
mundo, conceito de “ilusão referencial”, desenvolvido pelos estudos de Orlandi (2010,
p.35). Na “ilusão referencial”, identificada no texto, ou melhor, na frase, caracteriza-se
na questão do “[...] aparecer para as tarefas do dia no final da tarde”, ou seja, os
muçulmanos só aparecem no final da tarde e logo só trabalharão nesse curto período. A
gravidade contextual aparece também no conceito de “esquecimento número um”
(ORLANDI, 2010, p.35) que pode ser chamado de esquecimento ideológico o qual
propõe que é na instância do inconsciente que ocorre o maior “afetamento” do poder
ideológico do esquecimento número dois, pois é, no enunciado, que se faz conexões
com o sentido que ele ocupa na língua e na história. Portanto, quando Lissandra afirma
que, no mês sagrado, os muçulmanos só trabalham no final da tarde, como era o dia
descrito na notícia, entende-se que esse muçulmano trabalha pouco ou quase nada nesse
mês do Ramadã, ou seja, para o brasileiro ou mesmo outro leitor não muçulmano e não
compreendido da doutrina islâmica, quem “folga” durante o dia e só trabalha no final da
tarde, ou é muito rico e não precisa trabalhar, ou é folgado e preguiçoso, ou ainda pode
ser os dois. E no cenário bipolar da notícia entre “rebeldes” e “pró-Kadafi”, os
muçulmanos podem também se encaixar no cenário como pró-Kadafi, por não
220
aparecerem no local da embaixada para celebrarem a passagem de governo, pela troca
de bandeiras.
Nessa parte da análise sobre os “esquecimentos” (ORLANDI, 2010, p.35),
questiona-se: será que a repórter gostaria de conversar/entrevistar algum muçulmano na
embaixada líbia ao ir até o local no período do dia, em pleno mês do Ramadã? Que ela
não sabia da informação sobre o mês do Ramadã? Ou ainda, não poderia em razão do
horário do seu trabalho no jornal? Das três questões levantadas, pode-se concluir o
desleixo sobre o contexto do Islã jornalisticamente.
Além do esquecimento, há a presença da “antecipação” (ORLANDI, 2010, p.39)
quando “durante o mês sagrado do Ramadã, [...]” espera-se, aguarda-se explicação do
que acontece durante o mês sagrado do Ramadã e a antecipação argumentativa vem
negativizar o sentido de como o muçulmano desempenha suas atividades profissionais,
trabalhando apenas no final da tarde. “[...] os muçulmanos só aparecem para as tarefas
do dia no final da tarde.” Ainda nessa ideia há o padrão de manipulação da “inversão da
versão pelo fato” (ABRAMO, 2003, p. 28-32) em que, ao invés de expor sobre o que os
muçulmanos fazem no mês do Ramadã, jejuar e rezar de dia até a tarde para depois, por
meio de um especialista ou mesmo um muçulmano, perguntar quando retorna às
atividades e como se posiciona nas tarefas profissionais num país que não seja de
cultura islâmica.
Pois nesse sentido, sem caracterizar o fato principal do mês do Ramadã, o jejum,
ao trazer a informação que os muçulmanos só “[...] aparecem para as tarefas no final da
tarde” pode ser entendida como versão, negligência à observação e exposição dos fatos
originais. Outra questão é a característica apresentada na frase que foi fragmentada e
encaixada num contexto díspare de sua origem. Nesse padrão (ABRAMO, 2003, p.27),
os fatos são separados em aspectos e a imprensa seleciona os que apresentarão ou não
ao público e, depois de determinado, a partir do tema/fato, ele será isolado como
fragmento de um fato e, em decorrência, ao ser acoplado a outro texto ou informação,
perde a essência do seu significado verdadeiro, original e, portanto, recebe outro
significado. Talvez a informação de que os muçulmanos que trabalham na embaixada só
“[...] aparecem para as tarefas do dia no final da tarde” tenha vindo dos três funcionários
brasileiros que não foram claramente entrevistados, pelo menos não aparecem como
fontes. Pois, de onde veio essa informação? Quantos, afinal, eram os muçulmanos que
trabalham na embaixada? São questões que pela fragmentação e pela
descontextualização deixa-se de responder.
221
Voltando à análise de discurso, percebe-se que na frase “Durante o mês sagrado
do Ramadã, os muçulmanos só aparecerem (sic. aparecem) para as tarefas do dia no
final da tarde” “o dito” (ORLANDI, 2010, p.82) de trazer esse assunto do Ramadã. No
final da matéria, sem conexão intrínseca com o explorado no texto, subentende-se que a
repórter gostaria de deixar evidente que os muçulmanos só “[...] aparecem para as
tarefas do dia no final da tarde”, sendo que os brasileiros estão lá, trabalhando desde
cedo. E o “não dito” (ORLANDI, 2010, p.82) sobre o Ramadã, no final do texto, para
compreender na origem seu significado, foi dito como “silêncio fundador” em que “[...]
indica que o sentido pode ser sempre outro” (ORLANDI, 2010, p.82), bem como faz
com que o dizer signifique. Ao não explicar problematizando a raiz do Ramadã,
preferiu-se significar que os muçulmanos não trabalham durante o dia. Nisso silenciou-
se uma explicação que possivelmente não daria margens a outras significações, como a
que a repórter Lissandra ressaltou sobre o trabalho.
Contudo, no discurso do texto, evidencia-se a “formação discursiva”
(MAINGUENEAU, 1997, p.50) a qual explica que todo o sistema de regras “[...]
fundam a unidade de um conjunto de enunciados dos sócio-historicamente
circunscritos”. Nesse sentido a “formação discursiva” constitui o que é dito a partir das
formações ideológicas recuperadas e a partir das conjunturas históricas e sociais dadas.
Para tanto, a “formação discursiva”, na análise descrita, traça o muçulmano como
aquele que não cuida do emprego, não apresenta responsabilidade com o trabalho, e o
Islã como detentor do tempo de trabalho do muçulmano, ou seja, uma religião que inibe
o trabalhador de agir profissionalmente.
2) A-16 Internacional. 26 de agosto de 2011. El País. Cidade espanhola veta
construção de mesquita. Conteúdo de nota, retirados da Internet. “Websfera. O melhor
da internet”. (ANEXO E2)
Fontes: El País.
Texto com predomínio de abordagem descritiva.
Sem presença de conteúdo não verbal.
Nota: “As autoridades de Salt, na Espanha, vetaram a construção de uma mesquita no
município. A pressão para que a licença de obra não fosse concedida veio do PxC,
partido de ultradireita que ganha força na região com a crise econômica que afeta o
país”.
Análise:
222
Na nota “Cidade espanhola veta construção de mesquita” traz apenas o fato de
que em Salt, na Espanha, vetaram a construção de uma mesquita. Por ser uma nota,
ocupa pouco espaço no Estado de S. Paulo, que apresenta uma coluna de nome
“Webfesra ─ o melhor da internet” em que Felipe Corazza seleciona de quatro a seis
fatos importantes para ocupar espaço na coluna. Entretanto, nesse mesmo espaço, a
maioria das informações colocadas vem de ordem impactante/incomuns, como, por
exemplo, nas notas ao lado desta em análise: “Trote sobre um panda assusta cidade nos
EUA”; “Homem é condenado por matar urso em casa”.
A “presença” (ABRAMO, 2003, p.24) da nota nesse espaço já salienta o texto
como caráter incomum e, como se destaca o tema religioso, pode-se contextualizá-lo
como exótico, entretanto, há a “presença” também da proibição por parte do partido
ultradireita PxC da construção da mesquita, além da informação de que esse partido
ganha força na região [Européia] com a crise econômica que afeta o país. Logo, ao
passo que se identifica o “padrão de ocultação por presença” (ABRAMO, 2003, p.24),
na edição do Internacional, deste dia 26 de agosto, também se pode perguntar por que
não seria interessante dar à nota espaço de notícia, ou reportagem, visto que a prática
xenófoba do poder em vetar a construção da mesquita no município pode se prolongar
como comum, num país que costuma abrigar mestiçagem étnica e religiosa sem
discriminação. Nesse sentido, a “ausência”, como padrão de “ocultação por ausência”,
explica que um fato real ausente deixa de ser real para se transformar em imaginário e o
fato presente (real ou ficcional) passa a tomar o lugar do fato real. (ABRAMO, 2003,
p.24) A partir dessa lógica de análise da nota jornalística a ausência (Ibid) do texto com
maior contextualização e, mesmo a problematização do fato, permite enquadrá-lo como
discurso que não permitiu que as informações essenciais pudessem existir como reais ao
leitor, como uma reportagem em que interagissem fontes de especialistas, primárias e
testemunhais da cidade.
Com a falta de informações contextuais, identificam-se elementos no texto
enunciado que interrogam, levam à “inferências” (MAINGUENEAU, 1997, p.58). No
conceito de “implícito semântico” (MAINGUENEAU, 1997, p.58) a partir do trecho “A
pressão para que a licença de obra não fosse concedida veio do PxC, partido de
ultradireita que ganha força na região com a crise econômica que afeta o país”, percebe-
se que se a pressão no veto da construção da mesquita veio do partido e este é de
ultradireita, tem ganhado força na Espanha, questiona-se inferindo: Será que esse veto
poderá ser expandido para outras cidades e regiões da Espanha? Já que o partido tem
223
ganhado força? E num sentido mais político: Com o crescimento do partido de
ultradireita haverá a diminuição do islamismo em Salt? E na Espanha como ficará? Será
uma tendência ao não-Islã?
E na ideia do “implícito pragmático” (MAINGUENEAU, 1997, p.58) em que se
verificam formas pragmáticas originadas do conteúdo explícito, visualiza-se na nota
esse sentido. Ao se afirmar que em Salt, o partido vetou a construção da mesquita e que
o partido tende a crescer em razão de ter ganhado força, pode-se direcionar o fato de
que os muçulmanos em Salt não são do partido de ultradireita, nem têm tendência a
serem, além dos praticantes da fé islâmica se sentirem excluídos de suas atividades
religiosas, bem como estarem deslocados como “Outro” das “normas comuns” de
religiosidade da cidade de Salt. Finalizando a análise, volta-se ao título “Cidade
espanhola veta construção de mesquita”, no subentendido do “dito” (ORLANDI, 2010,
p.82), afirma-se que a “cidade” de Salt, na Espanha, vetou a construção da mesquita,
entretanto, não foi a cidade quem vetou de fato a construção, foi o poder do partido
ultradireita, que tem crescido, mas ainda não é o total da cidade, aliás, é uma afirmação
determinista para se citar.
A partir do “dito” “cidade espanhola”, interroga-se sua veracidade logo no corpo
do texto da nota, que esclarece que o veto vem do partido PxC. O “não dito”, ou seja, o
subentendido da afirmação em análise é de que o “todo”, “a cidade”, é contra o Islã, na
ideia de que vetaram a construção de um templo típico muçulmano, local onde rezam
em coletividade.
Especial Estado de S. Paulo “11.09.2001 A marca do terror no início do século” de 12
páginas, com ilustração, infográficos, material fotográfico e articulistas convidados. O
especial circulou no jornal no domingo 04 de setembro de 2011.
1) Especial p.01. 04 de setembro de 2011. Texto introdutório da capa do especial, com
quatro parágrafos. Sem crédito de autor. (ANEXO E3)
No texto inicial do especial sobre o 11 de setembro de 2001, interrogaram-se
sobre o porquê da tragédia, quais seriam as motivações dos terroristas. Comentou-se
sobre o contra ataque estadunidense no Afeganistão e no Iraque, citou também alguns
problemas atuais consequentes do 11 de setembro de 2011 aos EUA.
224
Mesmo diante de quatro curtos parágrafos observam-se problemas no enunciado
que prejudicam a representação do Islã, na formação dos sentidos.
No primeiro trecho, há uma citação sobre o Islã em que se identificam
muçulmanos com terroristas, igualando seus significados. “O mundo mudou em questão
de horas. A primeira reação após a catástrofe de 11 de setembro de 2001 foi questionar:
por quê? O que levou 19 muçulmanos a sequestrar jatos comerciais com 40 mil litros de
combustível e transformá-los em bombas contra civis?”. Muçulmanos são os devotos do
islamismo, diferente de fundamentalista islâmico, de extremista, de islamista, bem
como de terrorista. As 19 pessoas que praticaram o ato terrorista em 2001 são
conceituadas como terroristas. Nessa versão, em igualar significados distintos pela
“presença” ─ tornar real ─ (ABRAMO, 2003, p.24) a expressão “muçulmanos”,
observa-se também a “relação de sentidos” em que “[...] um dizer tem relação com
outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis” (ORLANDI, 2010, p.39). A
construção imaginada do muçulmano como terrorista no trecho em análise, resulta,
nesse sentido, de um repertório histórico cultural de proximidade que deturpa e denigre
o imaginário social sobre o Islã, sobre o muçulmano.
O segundo trecho problemático: “A escassez de explicações fez do cientista
político Samuel Huntington o profeta do momento. Ele passou os anos 90 defendendo
que o mundo Pós-guerra Fria seria marcado por conflitos entre identidades culturais,
entre as quais, a islâmica era a mais encrenqueira”. Nele se destaca a religião islâmica
como “encrenqueira” passando o peso do julgamento à teoria de Huntington, sem de
fato citar a página do livro em que o pesquisador descreve tal singularidade sobre o Islã,
bem como sem colocar entre aspas a expressão difamatória como fala do autor do
“choque de civilizações”. Pode-se afirmar na análise de discurso que com base na
formação ideológica do muçulmano como terrorista, do trecho inicial, constrõe-se a
“formação discursiva” desse Outro Islã como o “encrenqueiro”, pois o discurso é
ancorado em formações ideológicas que além das regras existentes, formula, agora,
estrutura de pensamento (MACHADO; JACKS, 2001, p.06) em que o muçulmano é
visto como o causador de conflito, o “encrenqueiro”, aquele que será o terrorista, o mal
em situações díspares, conflituosas.
Ao final dos parágrafos, há uma evidência terminológica que coloca o sujeito,
jornalista responsável pelos parágrafos, próximo à sua crença e “formação imaginária”
(ORLANDI, 2010, p.40) de agir e pensar: “Pouco depois, Bush mandou grampear
telefones e e-mails de cidadãos sem permissão judicial. Viajar de avião virou uma via-
225
crúcis”. Quando se fala “via crúcis” que é uma expressão cristã em latim que significa
“caminho da cruz” se retoma uma forma de imaginar e se inscrever na sociedade. No
conceito de “formações imaginárias” (ORLANDI, 2010, p.41), Orlandi destaca que é
por meio dessas formações que ocorrem a formação do discurso. Foi a partir de uma
formação imaginária cristã que o muçulmano foi caracterizado nesse texto inicial; sendo
marcado como terrorista e encrenqueiro.
2) Especial p.10. 04 de setembro de 2011. “Islamofobia, o efeito colaterial dos
ataques”. E subtítulo “Hoje, 1/3 dos americanos acha que muçulmanos deveriam ser
proibidos de ocupar a Casa Branca”. Gustavo Chacra/ Correspondente em Nova York.
Reportagem. (ANEXO E4)
Fontes: Fala do ex-presidente estadunidense George W. Bush, de peso oficial.
Entrevista com a fonte secundária James Zogby, presidente do Instituto Árabe-
Americano; Informações do Conselho de Relações Islâmicos-Americanas que traz
dados primários, mas ocupa papel de fonte independente; Pesquisa do Pew Research
Center, como secundária; Dados da Revista Time, fonte secundária; Estudo do Instituto
Center for American Progress, que também traz dados primários para a reportagem, mas
como Instituto é fonte independente e a fonte de pesquisador do Professor Peter
Gottschalk (que está como fonte primária pois origina a discussão do foco principal da
matéria), do Departamento de Estudos da Religião da Universidade Wesleyan e autor do
livro “Islamophobia: Making Muslims the Enemy” (Islamofobia: fazer os muçulmanos
o inimigo) com o outro pesquisador Gabriel Greenberg.
Texto com predomínio de abordagem descritiva e analítica.
Presença de uma foto de crédito da agência Reuters da data de 11/09/2001.
Fotografia
Na imagem fotográfica que ocupa ¼ da página 10 do especial, localizada do lado
direito da reportagem, apresenta 26 cm de altura e 17 cm de largura, com imagem
colorida do 11 de setembro de 2001, em que há cinco pessoas correndo, na Broadway e,
atrás a nuvem de poeira, chegando a eles. Legenda: “Pânico. População corre de nuvem
de poeira levantada por queda das Torres Gêmeas, na Broadway”.
A imagem não faz relação direta com o texto da reportagem, que poderia ter
trazido como ilustração do tema suas fontes primárias, cópias dos estudos, os
pesquisadores, enfim, fontes entrevistadas. Ao invés de uma foto datada do 11 setembro
de 2001, que só se relaciona com o início da reportagem, quando o repórter destaca que
226
a imagem construída do muçulmano após o 11 de setembro é preconceituosa. Portanto,
não há presença de análise relacional ao Islã.
Resumo da reportagem:
A reportagem apresenta dados de alguns estudos sobre o aumento do preconceito
aos muçulmanos nos EUA, em especial no estudo do Instituto Center for American
Progress. Há informação de que algumas importantes fundações financeiras do país
patrocinam, a dois anos, projetos direcionados à “islamofobia”. “Esses grupos, segundo
o estudo, são o Donors Capital Fund, Richard Mellon Scaife Foundations, Lynde and
Harry Bradley Foundation, The Russell Berrie Foundation, Becker Foundation,
Anchorage Foundation e The Fairbook Foundation”. Um dado ressalta que já foram
investidos em projetos e “think-thank” cerca de US$ 40 milhões. Segundo a pesquisa, o
texto da reportagem, os receptores desse dinheiro são “[...] ativistas classificados como
islamofóbicos pela Liga Anti-Difamação, como Daniel Pipes, Pámela Geller e Robert
Spencer, que costumam atacar o Islã e os muçulmanos”.
A partir desse momento da reportagem, vincula-se o caráter mais prático desse
preconceito ao Islã. Segundo o repórter, com base na pesquisa, o jornal New York
Times afirmou que as recomendações do advogado David Yerushalmi (incluso na lista
dos ativistas islamofóbicos), da Society of Americans for Social Existance, “[...] foram
praticamente recortadas e coladas nos textos aprovados nos estados do Texas, Alasca e
Carolina do Sul, que mudaram a lei local para vetar o código legal do Islã. Outros 20
estados dos EUA estudam adotar a mesma medida”.
Além desse fato de discriminação, o repórter destaca que o plano de construir
uma mesquita no Marco Zero, nas características da “Associação Cristã dos Moços”,
não foi aceito por alvo dos grupos antimuçulmanos, prossegue descrevendo a campanha
“islamofóbica” da ex-governadora do Alasca Sarah Palin e por outros políticos da ala
republicana, citada no Estudo do Instituto. E cita o político Bloomberg, que está na
mesma lista de ativistas, mas do lado contrário, seu nome foi citado no estudo como o
republicano que combate a “islamofobia”, já ganhou até prêmio do Conselho de
Relações Islâmicos-Americanas ─ Cair ─ por esse combate.
Análise:
Primeiramente é necessário observar que a expressão “islamofobia” do título da
reportagem é uma palavra de significado preconceituoso ao islamismo, além de ser
incorporada na fala cotidiana da mídia estadunidense, em especial, como um dizer que
só poderia ser falado desse modo, não de outro; são as palavras, as expressões que
227
teóricos e jornalistas, como Robert Fisk, chama de “palavras de poder”. Como visto
nesta tese, no Capítulo IV, é comum o uso de terminologias trazidas pelo governo
americano, ou por setores ideologicamente alinhados a esse sentido “islamofóbico” que
a mídia reitera, muitas vezes, indiscriminadamente. Como foi o caso de “um pico de
violência”. “Um ‘pico’ de violência, senhoras e senhores, foi uma frase primeiro usada,
de acordo com meus arquivos, por um general na Zona Verde de Bagdá em 2004
[inicialmente quartel-general da ocupação dos Estados Unidos no Iraque]. No entanto,
nós usamos a frase agora, discutimos a partir dela, replicamos como se fosse nossa.” E,
como Fisk explica o “pico de violência”, evita o uso de “aumento de violência” “[...] já
que um aumento, senhoras e senhores, pode não ser seguido por uma redução
posteriormente”, como a ideia de “pico” (FISK, 2010, p.01).
A expressão “islamofobia” significa medo ou pavor do islamismo, pois o
composto “fobia” junto à ideia do islamismo exerce a função gramatical de adjetivo. Se
é vinculado um adjetivo ao Islã, o substantivo religioso de “islamismo” é visto na ótica
gramatical como doença, epidemia, pois a fobia é tratada, e o que se trata na sociedade,
em termos de saúde pública, são as doenças, as pestes que assolam a sociedade. Outra
questão que se interroga, por que, ao invés de chamar de “islamofobia”, não se chama
simplesmente anti-islâmica, anti-islã, antimuçulmana? Como comumente se lembra os
anticristãos, antijudeus. A simbologia em representar esse Outro Islã advém de
“formações imaginárias” (ORLANDI, 2010, p.40) com a memória e de característica
arcaica, do Islã como exótico e apavorante; e de tão apavorante, ele se torna pela
história, e seus vários processos estruturantes, como o Outro demoníaco, que deve ser
tratado como algo no âmbito espiritual, fora das projeções concretas da ciência, daí
resulta o quadro de adjetivos moralizantes sobre o Islã na sociedade Ocidental.
Voltando à análise do corpo do texto central, identifica-se, ao contrário da
conivência ao usar a expressão “islamofobia” no título, uma reportagem marcada pela
presença crítica do preconceito sobre o Islã nos Estados Unidos.
No início da reportagem, o repórter traz a ideia, na contextualização do assunto,
de que o muçulmano era visto de forma neutra e, com o 11 de setembro, a retórica
mudou. Nesse sentido, introduz o fato jornalístico da presença de preconceito sobre os
“devotos do Islã” no Ocidente, em especial, nos Estados Unidos. Dessa ideia, inclui a
fala do presidente do Instituto Árabe-Americano, James Zogby, sobre como o tema foi
apropriado para uma versão política nos Estados Unidos, em específico, pelo uso
recorrente da aproximação da conjuntura de Obama com o preconceito ao Islã. A
228
presença da fonte do Instituto traz um caráter à reportagem de conteúdo de credibilidade
e propõe um espaço de diálogo com órgãos ligados ao estudo mais independente em
relação à etnia árabe e a religião islâmica. Pois, para falar do “preconceito ao Islã”, é
necessário entidades de pesquisa ligadas ao tema de forma mais independente,
comparando com os órgãos oficiais, que costumam ser os únicos presentes nas notícias
e reportagens sobre o assunto.
Na mesma lógica de fonte credível, o repórter apresenta a ideia do Conselho de
Relações Islâmico-Americanas (Cair) e do Pew Research Center. Na sequência,
identifica, no estudo do Instituto Center for American Progress, que “nos últimos dois
anos, uma ampla campanha islamofóbica foi lançada nos EUA [...]”, trazendo dados
pontuais sobre a quantidade de investimento, quem são os investidores entre nomes,
empresas e entidades, e quem são os membros da mídia estadunidense que realizam a
“ampla campanha” preconceituosa. “Os receptores da dinheirama incluem
comentaristas e ativistas classificados como islamofóbicos pela Liga Anti-Difamação,
como Daniel Pipes, Pamela Geller e Robert Spencer, que costumam atacar o Islã e os
muçulmanos.” E relembram, a partir de dados do estudo, a correlação dos nomes dos
ativistas contra o Islã com as últimas tragédias internacionais. “Os três tiveram seus
nomes citados dezenas de vezes, de forma elogiosa nos escritos deixados pelo terrorista
extremista norueguês Anders Breivik, que matou 77 pessoas em duplo atentado em Oslo
e na ilha de Utoya no mês passado.”
Ainda na sequência de ações que estão acontecendo discriminadamente contra
os muçulmanos nos Estado Unidos, a reportagem recupera a influência desses ativistas
no setor político e judiciário do país. Foram cinco parágrafos citando três pesquisas de
importante credibilidade junto ao tema da reportagem e expondo como estão sendo
inseridas na sociedade americana as “formações imaginárias” do Islã.
As “formações imaginárias” são projetadas dos lugares sociologicamente
concretos e inscritas na sociedade; são as formações que atuam no cenário imagético do
discurso e que apresentam relação com o contexto, com a memória e com as posições
dos lugares (ORLANDI, 2010, p.40). Nesse conteúdo, houve o cuidado na “formação
imaginária” sobre o Islã, alertando sobre o que tem ocorrido nos Estados Unidos sobre o
cenário de preconceito acerca do muçulmano.
Além do alerta sobre a discriminação ao Islã a reportagem traz no texto uma
“formação discursiva” que revela a realidade das raízes do preconceito, das práticas
229
discriminatórias ao muçulmano. A “formação discursiva” entende a forma como o
significado se estrutura no discurso.
Incluem-se aí a elaboração e o uso de conceitos sobre o mundo dos
objetos e o próprio conhecimento, o posicionamento a respeito dos
papéis ocupados historicamente pelos sujeitos, a visão do passado e do
futuro, a consciência, ainda que difusa, a respeito do que desejamos
ser e de como devemos agir, as noções de moral e de ética, enfim,
tudo que pode ser sistematizado de forma mais ou menos estruturada
como regras de visão, desejo e ação (MACHADO; JACKS, 2001,
p.06).
Nesse sentido a “formação discursiva”, que o texto ressalta na reportagem,
caracteriza o muçulmano como aquele que é vítima do preconceito dos vários setores
sociais dos Estados Unidos. Essa ideia da “formação” continua na reportagem até
chegar ao gancho que destaca a politização do preconceito, por parte de partidos
políticos e, em especial, de políticos, como “[...] a ex-governadora do Alasca Sarah
Palin, a pré-candidata republicana Michele Bachmann e seu rival nas primárias Herman
Cain. Na imprensa, o principal difusor do ódio são blogs independentes, mas com
grande presença dentro do eleitorado conservador e também a rede de TV Fox News,
segundo o estudo [do professor Peter Gottschalk]”.
Dessa politização do ativismo anti-islâmico, ressalta-se que, para uma
reportagem jornalística ser aprovada dentre sua hierarquia empresarial, observa-se o
elemento de originalidade no gancho jornalístico e a politização, ideia de um gancho
importante para a reportagem, traz o assunto político/eleitoral nos Estados Unidos,
mesmo falando ainda do crescimento do preconceito sobre o Islã e do poder cultural que
há nessa disputa. Daí para o final da reportagem se destaca, com base nos estudos,
ativistas pró-Islã.
Michael Bloomberg recebeu o prêmio do Cair por ser o líder político
que mais combate a islamofobia. O governador de Indiana, Mitch
Daniels, foi o eleito pelo Instituto Árabe-Americano por sua luta
contra os islamofóbicos. A comunidade islâmica também elogia o
governador de Nova Jersey, Chris Christie, e o do Texas, Rick Perry,
que disputa as primárias e, apesar de cristão fervoroso, admira o
islamismo (CHACRA, 2011, ESPECIAL 11/9, p.10).
E para finalizar, o repórter esclarece que “Tirando o independente Bloomberg,
todos são republicanos, mostrando que o partido possui os maiores islamofóbicos, mas
também alguns dos que mais combatem a islamofobia”.
230
Contudo, a “relação de sentidos” que a reportagem desenvolve ao longo do
discurso sobre o Islã tende a reunir sentidos que fortalecem a ideia inicial da “formação
discursiva” de alertar que econômica, cultural e politicamente nos Estados Unidos o
crescimento do preconceito sobre o Islã é uma realidade, está sendo usada como
interesse, ora para setores financeiros, ora para reiterar culturalmente questões jurídicas,
por exemplo, e ora como bandeira de ativismo político para ganhar eleitorado. Nessa
relação, o resultado é de um Islã vítima, que, por vezes, tem o papel funcional de “tema”
de interesses maiores no país.
1) A-17 Internacional. 17 de setembro de 2011. “França proíbe muçulmanos de rezar
em público”. “Medida, em vigor desde ontem, afeta 5 milhões de fiéis ─ a maior
comunidade islâmica da Europa; espaços de oração foram oferecidos como
alternativa”. Agências: AP, DPA e Reuters. Notícia. (ANEXO E5)
Fontes: Fala pontual de “manifestantes” (que não se pode afirmar que são fontes); fala
do ministro do Interior da França, Claude Gueant, que é uma fonte oficial; “Um dos
fiéis” (que não se pode afirmar que é fonte); a fonte primária do xeque Mohammed
Salah Hamza; fala do líder do partido de extrema direita Frente Nacional da França,
Marine Le Pen, que é fonte oficial; a frase de uma muçulmana, fonte primária e fala do
presidente francês, Sarkozy, fonte oficial.
Texto com predomínio de abordagem descritiva.
Presença de uma foto de 15 cm de largura e 9 cm de altura, colorida de crédito Michel
Euler/ AP. Legenda: “Passado. Muçulmanos rezando na rua antes da proibição; política
pode usar a força contra fiéis”.
Resumo do texto:
O texto de oito parágrafos apresenta um resumo, o lead, na notícia, e o
desenrolar do assunto pelo gancho. O lead se trata da nova lei que proíbe fiéis
muçulmanos de rezar em público na França e que entrou em vigor dia 16 de setembro
de 2011. O governo francês alugou dois lugares, paralelos às mesquitas existentes, para
suprir os espaços para os 5 milhões de muçulmanos que vivem no país. A notícia traz,
como fontes para contextualizar o assunto, a fala de revolta de “manifestantes”
muçulmanos sobre a lei, a ideia da proibição pelo ministro do Interior da França, Claude
Gueant, um dois fiéis para falar do espaço improvisado pelo governo e do xeque
Mohammed Salah Hamza que comenta sobre o novo espaço como “um início de
solução”. E no decorrer da notícia, no gancho sobre do porquê dessa lei, há a ideia de
231
que a nova proposta de “banir orações nas ruas” veio do líder do partido de extrema
direita Frente Nacional da França, Marine Le Pen. Além da descrição desse norte da
matéria, há a fala de “uma muçulmana” que autentica que essa lei veio do partido de
extrema direita e encerra a notícia com a fala recuperada do presidente francês, Sarkozy,
este alegou em abril de 2011 que a presença do véu islâmico “contraria valores
seculares da França”.
Ao lado da notícia, há uma retranca, ou seja, ou gancho da notícia, mas num
espaço independente da matéria principal, como um box. Com o título “Holanda
anuncia que banirá o uso do véu islâmico”, discute em um parágrafo a nota oficial do
governo da Holanda que anuncia proibir o véu islâmico, hijab, no país.
Análise do texto:
Na notícia, logo depois do lead, no primeiro parágrafo, sobre o fato da proibição,
o texto destaca a fala de “manifestantes” na rua Mryha, que havia se tornado um ponto
de encontro para a reza dos muçulmanos na França. Na fala dos supostos
“manifestantes”, está uma afirmação indignada: “‘É mais digno rezar na grama do que
em uma falsa mesquita’”. Na fala da fonte dos “manifestantes” não se pode afirmar que
elas existiram falando isso, nesse momento, pois são “manifestantes”, não apresentam
nomes, profissões, idade, pensamentos singulares, ou seja, questões que são
características de um texto jornalístico quando se coleta as informações sobre as fontes
para escrever e publicar um fato jornalístico. Nesse sentido há a “relação de forças”
exercida pela manifestação jornalística do texto (ORLANDI, 2010, p.39). As
sociedades, de maneira geral, apresentam hierarquias sociais e as mesmas exercem
“relações de força”, que são sustentadas no “poder” desses diferentes lugares, os quais
são reincorporados e mantidos no processo comunicativo. A fala dos “manifestantes” é
trazida por um texto jornalístico; parte-se da premissa social que o jornalista ao incluir
informações num texto de notícia, ele coletou aquele fato, entrevistando esses
“manifestantes”. Contudo a “relação de forças” está na autenticidade da lógica
profissional (no habitus) do jornalismo. Entretanto, quando se generaliza com
“manifestantes” sem identificar quem são eles, a veracidade do falado sobre o tema é
empobrecida. Outra questão nessa mesma ideia é que esses “manifestantes” não apenas
afirmam se indignar com a proibição, como “esbravejam”.
No texto, está “‘É mais digno rezar na grama do que em uma falsa mesquita’,
esbravejam manifestantes [...]”. Portanto, o tom de “falar com fúria”, “berrar” do
232
esbravejar pede, ainda mais, alguém para assumir a veracidade da afirmação, pois a
notícia não diz que os manifestantes se reuniram em grupos para realizar passeata de
manifesto contra o ato do governo, num sentido que teria como o jornalista gravar falas
únicas da passeata, da multidão, do grupo como quórum.
Seguindo na análise, o próximo parágrafo da notícia destaca que “Agora, quem
estender seu tapete e apontá-lo para Meca sofrerá represálias.” A fala do “[...] ministro
do Interior, Claude Gueant, de que a polícia francesa está autorizada a usar a força
contra os fiéis, se necessário” se transformou como alicerce para: “Agora, quem
estender seu tapete e apontá-lo para Meca sofrerá represálias.” Primeiro a ideia central
da expressão seria que “poderá sofrer”, ao invés do peso do significado de “sofrerá”. E
em segundo, qual o “subentendido” pragmático que há em definir essa expressão do
“sofrerá” para existir na frase?
Nessa ideia, o “subentendido” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) que é o
“não dito” do dito de “sofrerá” se desnuda da afirmação enunciada e do contexto da
frase no cenário conjuntural do tema. A posição da notícia, em sua “relação de força”,
investe-se de poder para afirmar com autoritarismo que “Agora, quem estender seu
tapete e apontá-lo para Meca sofrerá represálias.” Além desse poder, o trecho
jornalístico em “sofrerá” incorpora a simbologia de autoridade da fonte oficial, do
ministro do Interior, que já apontou que a polícia francesa está “autorizada a usar a
força, se necessário”.
No próximo parágrafo, inclui-se novamente a fala de uma fonte genérica, sem
nome, profissão, idade entre outros fatores que consolidariam a veracidade da fonte.
“‘Aparentemente, nós chocávamos as pessoas’, disse um dos fiéis no antigo quartel do
Corpo de Bombeiros convertido em local de reza para 2,7 mil pessoas no norte de
Paris”. Na tradução das agências, a palavra “chocávamos” representa no texto, em seu
contexto, uma “relação de forças” no sentido de que se um muçulmano chega a
conclusão de que sua cultura, em especial no ato de rezar em lugares públicos, “choca”
a sociedade francesa. Certamente ele assina que o governo francês está correto na
proibição. Logo a frase, ao utilizar o peso do verbo chocar, garante que um muçulmano
pensa dessa forma sobre sua cultura causando uma “relação de força” em que esse
reconhecimento do “chocávamos” induz a um sentido positivo da coerção que proíbe a
reza publicamente.
E, nessa ideia, há a “relação de sentidos” que parte da premissa que não existe
discurso que não se relacione a outros. Ou seja, os sentidos dos discursos resultam de
233
processos de relação. “Um dizer tem relação com outros dizeres realizados, imaginados
ou possíveis” (ORLANDI, 2010, p.39). Portanto, o significado na “relação de sentido”
do muçulmano se autorreapresentar como alguém que “choca” em rezar em público e
estar inserido numa cultura laica na França, tem passado por fase rígida em relação aos
hábitos culturais do imigrante islâmico, demarca o sentido de que os muçulmanos na
França se veem como infringindo as regras cotidianas, dissipando o desentendimento
cultural. Nesse sentido, a cultura muçulmana é a culpada pelo significado do chocar o
outro francês.
No caminho da “formação imaginária” (ORLANDI, 2010, p.40) do muçulmano
como desconecto da cultural local, laica francesa, a expressão “Invasão” do intertítulo
da notícia finaliza a ideia do estrangeiro da cultura islâmica como invasor. Na notícia, a
fala que autentica o intertítulo vem da fonte oficial do líder do partido de extrema direita
da França, Marine Le Pen, que apresentou a proposta de banir as orações nas ruas.
“Marine disse que as orações nas ruas francesas ─ que aumentaram nos últimos [sic
anos], por causa da chegada de mais imigrantes muçulmanos ao país, são uma
‘invasão’”.
Mesmo quando a fala impactante vem da fonte, no caso oficial, de representar os
muçulmanos como invasores na França é opção do jornalista e do veículo em trazer esse
elemento de significado ideológico para destaque num intertítulo, pois, nesse sentido, o
texto assume essa expressão como parte da discursividade da notícia, o que é diferente
dessa mesma expressão estar na fala da fonte, somente.
O assumir da ideia da invasão da cultura muçulmana, norteia a continuidade do
discurso, no próximo parágrafo, em que o texto remete a comparação da “invasão” à
entrada de Paris por nazistas alemães, dando o crédito ao Le Pen, mas sem citar a época
da semelhança (que se imagina ser os anos de Hitler na Alemanha). “Ele chegou a
comparar o ‘fenômeno’ à invasão de Paris por nazistas alemães”.
O peso negativo que o nazismo ocupa no imaginário social da história é
resgatado para adjetivar a cultura religiosa do muçulmano. O invasor agora não é apenas
aqueles que praticam orações em público nas ruas, mas também aqueles que se
enquadram à cultura muçulmana.
A pesquisadora Orlandi explica que as imagens projetadas dos lugares
sociologicamente concretos e inscritas na sociedade são as formações que atuam no
cenário imagético do discurso e que apresentam relação com o contexto, com a memória
e com as posições dos lugares. (2010, p.40) Portanto, o muçulmano é entendido na
234
“formação imaginária” do discurso como invasor, hostil ao ambiente laico francês e que
no “subentendido” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) é imaginado como
encrenqueiro, que deve ser direcionado às regras novas para civilizar-se no contrato
social francês, porque senão sofrerá represálias. Aquele que sofre represálias costuma
ser “marginal” e, muitas vezes, é preso pelos atos ilegais. Mas como no texto ele
também é “invasor” e comparado “a invasor de um período de guerras”, esse
muçulmano “invasor” e encrenqueiro é inimigo, vilão das leis laicas da França.
Nessa abordagem, o sentido do texto desencadeia “formações discursivas” que
além de levar em conta para sua constituição as formações ideológicas dadas ─ a partir
de uma posição e uma conjuntura histórica social dada ─ também designam todo o
sistema de regras que “[...] fundam a unidade de um conjunto de enunciados dos sócio-
historicamente circunscritos” (MAINGUENEAU, 1997, p.50-1), A “formação
discursiva” trabalha esse muçulmano como inimigo invasor e desestabilizador, o qual
entra em conflito com a cultura laica francesa. Essa “formação discursiva” do
muçulmano é complementada no Box ao lado da notícia, “Holanda anuncia que banirá o
uso do véu islâmico” reiterando que caso a “invasão” se alastre à Holanda o país já está
agindo para coibir tal “fenômeno”.
Fotografia
Resumo da fotografia:
A fotografia traz no foco três fileiras de fiéis muçulmanos (aproximadamente 60
homens) voltados a um grande paredão, ajoelhados e curvados ao chão, em posição de
oração muçulmana, numa calçada. Atrás das fileiras de muçulmanos rezando há muitas
pessoas em pé olhando, observando e conversando, provavelmente sobre o ato.
A fotografia é colorida e tem 15 cm de largura e 9 cm de altura, apresenta o
crédito de Michel Euler/ AP. E na legenda: “Passado. Muçulmanos rezando na rua
antes da proibição; política pode usar a força contra fiéis”.
Análise da fotografia:
No discurso fotográfico há a presença da “pose” em que Barthes explica que por
meio dessa técnica há uma mensagem retirada dos próprios princípios e valores da
imagem configurada na pose da fotografia. (2007, p.330-1) Na “pose” da fotografia em
análise veem-se muitos muçulmanos orando numa rua diante de um público espectador.
O sentido que essa imagem caracteriza traz o muçulmano e sua cultura parando pessoas
para olharem o ato religioso, ou seja, quebrando a rotina de passagem livre dessas
235
pessoas, na cultura laica, aparentemente francesa, pois não há indicação do local na
França, na legenda.
A mensagem da fotografia se relaciona com os sentidos propostos pela análise
da notícia. Primeiro, na “formação imaginária” (DUCROT apud ORLANDI, 2010,
p.82) da cultura islâmica exótica, em que a imagem do muçulmano é aquela de origem
cultural religiosa exótica, que desloca o olhar das pessoas (não muçulmanas) nas ruas
francesas ao avistarem o cenário de oração. E segundo, por agora, diante da nova lei,
esse exotismo acontecer num local que não seja público, pois na “formação discursiva”
(MAINGUENEAU, 1997, p.50-1) a proibição das orações em público o exotismo
religioso islâmico foi absorvido como inaceitável. O muçulmano na França, ao renegar
as normas civilizatórias do laicismo, terá que aderir a lugares onde não possam ser
vistos, ou seja, em que as pessoas não muçulmanas não vejam o cenário de oração.
8.2.1 Características principais do Islã no Internacional ─ Material secundário
8.2.1.1 Marcas jornalísticas que indicam alteridades do Islã
1) “Maioria dos islâmicos nos EUA rejeita a Al-Qaeda”. Internacional/A17. Quinta-
feira, 1 de setembro de 2011. Repórter Gustavo Chacra/Correspondente em Nova York.
(ANEXO E6)
Trecho principal:
A maioria dos muçulmanos dos EUA não apóia a Al-Qaeda, condena
atentados suicidas, demonstra preocupação com o extremismo
islâmico e acha que seus líderes religiosos não têm feito o suficiente
para combater o radicalismo. As informações são de uma pesquisa do
Instituto Pew apara tentar retratar a comunidade islâmica dez anos
depois dos atentados do 11 de Setembro (CHACRA, 2011,
A17/INTERNACIONAL).
Na reportagem além de trazer explicações sobre como pensam comunidades de
muçulmanos que vivem nos Estados Unidos, com base nos dados obtidos pelo Centro
de Pesquisa Pew, renomado nos Estados Unidos, caracteriza separadamente
muçulmanos, devotos do Islã do outro segmento minoritário e, mais difundido na mídia
nacional, os extremistas islâmicos ou os radicais islâmicos.
236
2) Entrevista Ali Salabi, xeque e líder espiritual da revolução líbia. “‘O Islã terá de ser
parte da Constituição’” por Lourival Sant’Anna, enviado especial à Trípoli. Entrevista
na A8 de segunda-feira, 05 de setembro de 2011. (ANEXO E7)
A entrevista apresenta sete questões pontuais sobre o futuro da Líbia. O repórter
Lourival Sant’Anna traz um perfil de Salabi de quatro parágrafos, como contexto do
entrevistado desconhecido. No espaço da entrevista, há uma fotografia do entrevistado
de 7 cm de altura por 10 cm de largura, colorida com a legenda: “Governo. Para Salabi,
escolha popular deve ser respeitada”. O conteúdo da entrevista ocupa ¼ da página A8
do Internacional e traz a opinião de uma fonte importante do conflito na Líbia, que
desenrolou na queda do ditador líbio, Muammar Kadafi. O perfil desse entrevistado não
costuma fazer parte do noticiário internacional. Mesmo diante de um título “‘O Islã terá
de ser parte da Constituição’”, fragmentado e descontextualizado o conteúdo na íntegra
traz observações informativas importantes para o contexto do “Caso da Líbia” e o Islã,
como na resposta da questão, pergunta “Que papel o Islã deve desempenhar?” Resposta:
“O Islã é parte da cultura dos líbios. Foi o combustível dessa revolução que levou o
povo a resistir contra a injustiça e a ditadura. O povo acredita que Deus ama a justiça e a
igualdade. O Islã terá sempre de ser parte da Constituição”.
3) Com título “FBI detém suspeito de ameaça terrorista”, e subtítulo “Nova York
reforça segurança, mas presença de policiais de uniformes nas ruas é normal”. Repórter
Gustavo Chacra, correspondente em Nova York. Reportagem na A16 no sábado, 10 de
setembro de 2011. (ANEXO E8)
Na reportagem Gustavo Chacra descreve no lead a diferenciação que o possível
terrorista se enquadra, distanciando do termo “muçulmano”, bem como citando a fonte
do Ministério Público da cidade, nos Estados Unidos, como determinador do termo
“radical islâmico” ao albanês.
Um albanês que vive em Nova York foi preso enquanto se preparava
para viajar ao Paquistão para juntar-se a um grupo radical islâmico
que planeja ações contra alvos americanos, informou o Ministério
Público da cidade. O anúncio ocorreu horas depois de as autoridades
americanas alertarem para a possibilidade de um ataque terrorista às
vésperas do aniversário de 10 anos dos atentados de 11 de setembro de
2001 (CHACRA, 2011, A16/INTERNACIONAL).
4) Na notícia “Ex-presidente é assassinado no Afeganistão” de crédito do jornal New
York Times e da agência Reuters ao final do texto de ¼ de página, traz uma pequena
237
foto do ex-presidente assassinado, Rabbani numa imagem de pose colorida. Notícia na
A15 quarta-feira, 21 de setembro de 2011. (ANEXO E9)
Na notícia simples escrita em dez parágrafos traz o uso do termo “radicais
islâmicos” para designar a separação de grupos terroristas de outros religiosos do Islã.
Rabbani era um dos sete soldados mujahedin (soldados islâmicos) que
lutaram com apoio militar e financeiro da CIA contra os comunistas
nos dez anos de ocupação soviética no Afeganistão, entre 1979 e
1989. Após vitória sobre os russos, ele foi nomeado presidente
interino e, com a ascensão do Taleban ao poder, liderou a única força
coesa de oposição contra os radicais islâmicos (NYT & REUTERS,
2011, A16/INTERNACIONAL).
Nos quatro itens citados foram transcritos os trechos que trouxeram o Islã como
foco ou que o relembram de alguma forma. São exemplos de momentos nos textos que
apresentaram assuntos correlatos ao Islã e que tenderam a diferenciar o muçulmano
comum, tradicional, de qualquer prática terrorista ou derivada. Além do descrito, não
foram contextualizados ou ampliado nenhum argumento sobre o Islã nas notícias.
Representam evidencias do jornalismo informativo trazendo pela “presença”
(ABRAMO, 2003, p.24) contextos reais do universo islâmico que saem do imaginário e
passam a ser presentes no fato jornalístico, colaborando na construção de “formações
discursivas” (MAINGUENEAU, 1997, p.50) vinculadas com a história factual e
pertinente a uma formação ideológica mais próxima a respeitar o Islã, nas suas
singularidades e diferenças.
8.2.1.2 Marcas jornalísticas neutras sobre o Islã
1) “Civis desafiam violência para testemunhar queda”. Repórter Lourival Sant’Anna,
enviado especial à Trípoli. A15 de quinta-feira, 25 de agosto de 2011. (ANEXO E10)
Com ¼ de conteúdo na página A15 há dois trechos na notícia, de sete
parágrafos, que traz elementos escritos que se conectam ao Islã. No primeiro, há
simplesmente um aposto explicando, contextualmente, o que é o Ramadã. “Embora
fizessem muito barulho, disparando fuzis para o alto, eram poucos. Trípoli é uma cidade
semideserta, pela combinação do Ramadã, o mês sagrado em que os muçulmanos
jejuam à luz do dia e, de tensão com as escaramuças e a instabilidade na cidade,
abandonada por muitas famílias e por partidários do regime.”
238
E no segundo trecho que traz a fala de uma fonte, aparentemente muçulmana, na
rua de Trípoli, comemorando a tomada da cidade pelas tropas de contra ação ao regime
de Kadafi.
A maior parte das pessoas na Praça dos Mártires era de combatentes.
Uma das exceções era Fawzie Hajjaj, uma viúva de 40 anos, que veio
com seu filho, Khalil, de 9. “É o mesmo sentimento que os
muçulmanos têm pela liberação de Meca”, comparou Fawzie,
referindo-se à conquista do Profeta Maomé há 13 séculos. “É a
sensação da vitória. Antes, isso parecia impossível” (SANT’ANNA,
2011, A15/INTERNACIONAL).
8.2.1.3 Marcas jornalísticas que não respeitam a alteridade do Islã
1) “Seis colonos judeus são presos por ataque a mesquita”, nota de crédito pela
Associated Press ─ AP, Reuters e EFE. A12 na terça-feira, 6 de setembro de 2011.
(ANEXO E11)
A nota apresenta três parágrafos e uma foto ao lado, maior que ela, de 15 cm de
altura por 10 cm de largura, colorida, com a legenda: “Alvo. Palestino em mesquita
incendiada e pichada em Ousra”. O crédito da foto é de Nasser Ishtayeh/AP.
A menção ao Islã na nota se apresenta na última frase do último parágrafo
“Pouco depois da demolição, homens usaram pneus em chamas para atear fogo ao salão
de estudos da mesquita em Ousra, Cisjordânia. Além de uma estrela de Davi e do nome
do assentamento pichados nos muros do templo, uma inscrição chamava o Profeta
Maomé de ‘porco’, ofensa gravíssima no Islã.”
O “dito” (DUCROT apud ORLANDI, 2010, p.82) sobre o Islã de forma
agressiva e pejorativa conduz a uma ideia discursiva negativa. A simplificação em nota,
a não problematização do assunto e, consequentemente, a ausência de elementos
interpretativos críticos sobre o “porco”, e a história dos entraves político-culturais nos
assentamentos da Cisjordânia recuperam a visão pejorativa do Islã, como conflituoso,
denegrindo a religião.
2) A nota “Crianças ganham fuzis em concurso na Somália”, na coluna Websfera, de
crédito do jornal MSNBC, reproduzido por Felipe Corazza. A16 de sexta-feira, 23 de
setembro de 2011. (ANEXO E12)
239
Nota: “Um concurso promovido por extremistas islâmicos da milícia Al-Shabab,
ligada à Al-Qaeda, premia crianças com fuzis e granadas na Somália. A competição
entrega os prêmios aos meninos que conseguirem decorar de forma mais completa o
Alcorão”. Na leitura da nota, verifica-se a separação do fiel do Islã em “extremistas
islâmicos”, contudo, nesse trecho, só a separação em grupos diferenciados de religiosos
não é o suficiente para não vincular o Islã às conotações pejorativas, pois se observa, no
final, que a premiação de fuzis é concedida aos meninos que decorarem o Alcorão de
forma mais completa, ou seja, o fiel que estiver mais ligado à alma do Islã (o Alcorão)
receberá a recompensa de guerra, a arma. Ao não haver espaço numa nota, ou mesmo
numa reportagem maior que trate o assunto em profundidade explicando os elementos
simbólicos da nota de forma contextual, o Islã será aproximado a uma religião rotulada,
como aquela que premia com arma e que faz de meninos seus “guerreiros”, meros
decoradores dos seus ensinamentos.
3) Título: “Chacina em prisão líbia é crime mais lembrado” e subtítulo: “Vala comum
achada ao lado do prédio de Abu Salim materializa ferida aberta com matança de 1.269
presos, admitida só 8 anos depois pelo regime”. Por Lourival Sant’Anna, na A13 de
terça-feira, 27 de setembro de 2011. (ANEXO E13)
Reportagem de 1/3 de página, com uma foto de 10 por 10 cm, colorida em que
traz em pose o professor sobrevivente da chacina, Mustafa Dahmani. Legenda:
“Sobrevivente. Dahmani escapou de massacre em 1996”.
O professor Mustafa Dahmani é um dos sobreviventes do massacre.
Ele contou ao Estado que foi preso em julho de 1993, assim que
voltou de sua peregrinação a Meca, na Arábia Saudita, quanto tinha 28
anos. Um dos cinco deveres de todo muçulmano, a peregrinação,
assim como a oração antes do amanhecer, era proibida por Kadafi, que
se sentia ameaçado por movimentos fundamentalistas islâmicos ─ a
única oposição que restara (SANT’ANNA, 2011,
A13/INTERNACIONAL).
No texto, há esse trecho que, ao citar que Mustafa fez a peregrinação a Meca,
fala, no mesmo parágrafo, que assim como a peregrinação e a oração antes do
amanhecer eram proibidas por Kadafi, pois o ditador se sentia ameaçado por
movimentos fundamentalistas islâmicos, ou seja, o enunciado expôs fundamentalistas
islâmicos como àqueles que realizam a peregrinação a Meca e rezam antes do
amanhecer. Nesse sentido há um problema de conceito. Segundo Demant, a vertente
240
fundamentalista, embasada no Islã tradicional, simboliza, ao mesmo tempo, uma versão
moderna e propõe a volta aos princípios da civilização islâmica para buscar
justificativas aos iminentes choques culturais com a sociedade Ocidental contemporânea
(DEMANT, 2004, p.17). Realizar peregrinação a Meca e oração antes do amanhecer
não identificam o muçulmano como fundamentalista.
Fiéis de qualquer religião que se norteia por essa vertente mais fundamentalista,
seja ela judia, cristã, islâmica entre outras, possibilita no imaginário social atual
aproximar esse significado religioso do extremismo, radicalismo e mesmo terrorismo.
Por isso, o cuidado ao retomar termos e explicações controvérsias no universo
significante do discurso.
8.2.2 Considerações sobre o Islã no Caderno Internacional
Do material analisado antecessor à data de o 11 de setembro, a partir do dia 25
de agosto de 2011, o Estado de S. Paulo, no Caderno Internacional trouxe uma notícia
curta que teve descomprometimento em explicar termos-chave do Islã, como o sentido
de Ramadã, colocando o muçulmano como aquele que não cumpre seu trabalho integral
de forma correta em razão do tempo que a religião o compromete. Na nota, expressões
generalizadas demarcam a não aceitação do muçulmano em Salt, na Espanha.
O Especial de o 11 de setembro identificou o muçulmano no texto introdutório
como fundamentalista e encrenqueiro. A reportagem do especial caracterizou o Islã
como vítima, desenvolvendo no texto um alerta do crescimento do preconceito sobre o
islamismo nos Estados Unidos
E, no período pós-11 de setembro, verifica-se na notícia que o muçulmano foi
equiparado como estrangeiro invasor, além de ressaltar que a cultura islâmica é
“chocante” para o laicismo francês.
Do material secundário do período de análise, observam-se quatro textos que
desenvolveram um discurso favorável ao Islã. Na primeira reportagem, dividiram-se os
significados de terrorista e extremista de muçulmano, além de dar espaço para a
descrição sobre o preconceito que os muçulmanos têm enfrentado nos Estados Unidos.
Na entrevista identificou-se espaço importante ao líder espiritual da revolta líbia, que é
muçulmano. Na outra notícia também se separou a ideia de muçulmano de radical
islâmico, bem como foi o que ocorreu na última notícia da visão positiva do entender o
Islã. Na visão mais neutra sobre o islamismo, houve uma notícia que abriu o aposto
241
explicativo sobre o Ramadã, não influenciando o significado da religião. E sobre os
textos negativos a respeito do muçulmano se destacaram três textos jornalísticos. A
primeira nota que julga pejorativamente o Islã; na segunda, ao não aprofundar mais
sobre a religião, caracteriza os meninos muçulmanos como sendo preparados para a
guerra, guerreiros do Islã e, no último texto, a reportagem coloca o muçulmano como
tendo o mesmo conceito de fundamentalista.
242
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação
de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa,
fixa, de representação que, ao negar o jogo da diferença (que a negação
através do Outro permite), constitui um problema para a representação
do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais.
(BHABHA, Homi K., 1998, p.117)
No decorrer do estudo, observou-se como ocorre um processo de dominar a
diferença com o intuito de homogeneizar o discurso sobre o Outro. Neste trabalho o
Outro é o muçulmano e analisou-se as marcas discursivas da construção de estereótipos
negativos sobre os muçulmanos, em especial, em razão das simplificações sobre a
cultura islâmica apresentadas no material selecionado do jornalismo internacional da
Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo.
Para tanto, quando se caracteriza o muçulmano como fundamentalista se
homogeniza diferenças do Islã. E a quem isso interessa? A quem favorece esse
discurso? Esse Outro não apresenta controle discursivo algum sobre sua representação
no jornalismo internacional estudado e sua diferença é ressaltada como o velho
exotismo conceituado pela antropologia cultural e reestudado pelos autores do pós-
colonialismo cultural. A questão é esse “exótico” ser reconfigurado na lógica político-
social contemporânea como marginal pelo discurso jornalístico apresentado, e as
características culturais-religiosas desse Islã são problematizadas como
fundamentalistas ou terroristas dentro do cenário liberal que os valores sociais
modernos do Ocidente sobrepõem ao modo de viver do Outro-Islã; identificando o
muçulmano como fundamentalista, extremista, radical ou mesmo terrorista.
Dessa forma, como resposta à hipótese da tese, a alteridade do Islã é relegada ao
estereótipo. “A construção da alteridade e do mesmo se move ao compasso das
conjunturas históricas. As mudanças de representações hegemônicas correspondem a
novas necessidades coletivas, oriundas da renovação de projetos políticos, econômicos,
sociais, de situações culturais e outras.” (ARRUDA, 2002, p.41). Diante disso, o
jornalismo assim como seus pressupostos empresariais e políticos semeiam construções
de discurso que ferem a alteridade, e impedem o fazer jornalístico, de desenvolver (de
243
constituir) a representação do muçulmano como um Outro mais conectado com seus
valores complexos, pois os olhos do repertório jornalístico se alicerçam na hegemonia
social atual. Essas forças hegemônicas impõem ao jornalismo estudado a não
movimentar a representação do muçulmano em sua alteridade histórica, pois os critérios
de noticiabilidade e o fazer jornalístico estão ancorados nos aparelhos de poder das
forças sobressalentes sobre o discurso ocidental acerca do Islã.
“A definição e a escolha daquilo que é noticiável ─ em relação àquilo que, pelo
contrário, não o é ─ são sempre orientadas pragmaticamente, isto é, em primeiro lugar,
para a «factibilidade» de produto informativo a realizar em tempos e com recursos
limitados.” (WOLF, 1992, p.191). Logo, a ideia de procurar valores notícia pressiona
para que o fato jornalístico se insira na lógica do fazer jornalístico, o que
consequentemente interfere na simplificação e no não aprofundamento do tema ou fato.
Outra ideia importante observada no estudo da tese foi entender a existência de
pensamentos, com base na discursividade do material jornalístico, imersos no
entendimento unilateral de construção das representações humanas alicerçadas em
significados morais. “[...] ‘para a organização de uma imagem de natureza pedagógica e
tirânica’, em que ‘as informações oferecidas ao leitor constroem uma percepção unívoca
do universo através de um significado moral construído em meio à descrição.”
(ARRUDA, 1998, p.25). No jornalismo, o significado moral presente na versão
discursiva alimenta um olhar turvo e, ao mesmo tempo, centrado nas forças
hegemônicas de constituição da realidade, em especial as representações do muçulmano
nos veículos analisados.
Do material jornalístico analisado do Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo,
observa-se a partir da descrição realizada pelos jornalistas nos locais dos fatos
ocorridos, o uso de terminologias e discursos embasados nessa visão unívoca sobre o
Outro-Muçulmano. No caderno Internacional do Estado de S. Paulo, apresentou-se
menos descrições opinativas com o entendimento unilateral sobre o Islã, incluindo mais
fontes de pesquisa, de instituições, organizações e entidades ligadas ao árabe, ou
especificamente ao muçulmano, ou aos direitos humanos de forma geral, além da
presença de pesquisas independentes como fontes principais de extensas reportagens.
Em contrapartida, no caderno Mundo da Folha de S. Paulo, visualizou-se mais fontes
oficiais governamentais seja do poder militar estadunidense ou outros como
representantes de governos da França e Estados Unidos, que trouxeram com suas falas
244
além do simbólico conjuntural, expressões problemáticas sobre o islamismo, que
significam no universo ideológico extraenunciado dos textos.
A posição dos repórteres dos dois jornais nos Estado Unidos, isto é, do lugar que
enunciam, colaborou com o uso frequente de termos oficiais, não sobrando espaço para
a problematização do conteúdo, questionando e interrogando sobre o assunto, com
exceção de duas matérias do Estadão e uma da Folha de S. Paulo. Ainda sobre os casos
de textos preocupados com o significado do Islã na história o caderno Internacional do
Estado de S. Paulo, trouxe reportagens sobre o preconceito que o muçulmano tem
enfrentado em Nova York e nos Estado Unidos de forma geral, além de contextualizar
os conceitos diferentes sobre o que é muçulmano, fundamentalista e terrorista.
Ambos os jornais, no fazer jornalismo internacional, não se preocuparam com a
formação do significado do Islã na conjuntura histórica. Nesse sentido, a ideia do
agendamento reconhece o poder da informação pela mídia e afirma que ela tem “[...]
uma capacidade espantosa para dizer aos seus próprios leitores sobre que temas devem
pensar qualquer coisa.” (WOLF, 1992, p.145). Fato que se torna mais preocupante
quando se constata que no agendamento do tema do Islã na mídia ocorre a repetição da
presença do muçulmano como fundamentalista e, por vezes, como extremista, islamista
e terrorista.
Outra questão entendida nas considerações da tese é a resposta de recuperação
conflituosa e moralista advinda dos momentos de crise humanística, que acaba
caracterizando o Outro no seu estado pejorativo, ou seja, desdobra-se uma simbologia
construída culturalmente que confronta com os fatores que estão em cheque na dinâmica
do “conflito”. Por exemplo, no contexto dos dez anos de o 11 de setembro de 2001,
identificou-se na mídia o resgate de elementos sub-humanos para caracterizar o
muçulmano como aquele que está educando suas gerações na linha fundamentalista
radical, identificada no texto de Igor Gielow como o “ninho da serpente”. Além de
também recordar construções imaginadas de um Islã arcaico e problemático.
Terminologias similares ao Outro-Islã no século XIX que caracterizava-o como
fanáticos, de “aparência diabólica”, “indígenas enfurecidos” e “demônios com aparência
humana” retratados por Robert Fisk (2007, p.71). Na mesma reflexão o jornal da Folha
de S. Paulo trouxe na cobertura internacional dos confrontos na Líbia o repórter Samy
Adghrini em situação conflituosa no dormir, descansar e se alimentar e que no seu
limite recupera a ideia do muçulmano como “fiéis radicais anticivilizados” e que não
merecem o respeito que o repórter e o fotógrafo tiveram de não beber água em público,
245
em razão do mês do Ramadã. O muçulmano é o subalterno na cultura, na “civilidade” e
no hábito de viver.
Na visão ainda das fontes de pesquisa e das fontes de expert, os jornais
preferiram incluir opiniões nas seções de comentários e artigos, desta forma a maioria
do conteúdo analisado ficou empobrecido diante da ausência de fontes de especialistas
de várias áreas, questão que comprometeu a contextualização e favoreceu a
simplificação sobre o islamismo.
O caderno Internacional do Estado de S. Paulo apresentou mais conteúdo de
agências de notícia comparando com o Mundo da Folha de S. Paulo, entretanto, ainda
assim o conteúdo do Estadão teve menos posicionamento de agências na totalidade das
notícias. Nesse sentido, a Folha de S. Paulo teve mais presença de repórteres em locais
dos acontecimentos e dos temas reportados. Mas o Internacional do Estado de S. Paulo
apresentou o conteúdo mais acertado sobre o Islã em sua alteridade, preocuparam-se
com o preconceito sobre o Islã e deram espaço considerável sobre o tema, por fontes
independentes.
Na tese, averigou-se que as representações do Islã caracterizam o muçulmano
como o Outro, o Diferente, o da cultura distante e anticivilizada, aquele que é
preocupante, encrenqueiro e desleal, que pode representar o terror por ser vingativo e
fanático. Os elementos da alteridade islâmica ainda são tintas raras nos pincéis dos
jornalistas que cobrem o internacional, fato este comprovável na reportagem sobre o
preconceito contra o Islã nos Estado Unidos, desenvolvida pelo repórter Gustavo
Chacra do Estado de S. Paulo.
Contudo, alimenta-se o desejo de mais que um jornalismo internacional
tolerante, um jornalismo internacional que respeita a alteridade, nas suas diferenças e
contradições, pois só assim se compreende por que outras pessoas são verdadeiramente
diferentes. “Há história e tradições. Esta é outra das formas em que o jornalismo serve
ao intercâmbio de informação entre as nações.” (LOS MONTEROS, 1998, p. 423).
Finalizando como argumenta Arruda os “[...] traços históricos da ancoragem que
resultam na construção das representações hegemônicas na sociedade” (2002, p.22) são
pela mídia, e pelo jornalismo internacional, reportados e configura ao Outro, no estudo
o Islã, como desistoricizado, como um não sujeito da sua própria história (BHABHA,
1998, p.273). Pois a negação da alteridade age no jornalismo internacional como um
poder invisível, como visto na conjuntura do Islã e nas análises. A presença da
desumanização em relação a qualquer Outro fere a lógica jornalística do servir à história
246
factual, além de construir ao amanhã uma realidade controvérsia e saturada de
polarizações e conflitos, sejam religiosos ou de ordem de simples comportamentos. O
jornalismo diante do respeito ao Outro nas suas diferenças é um resgate imprescindível
a um ambiente social mais equitativo e tolerante à esfera pública. Nesse sentido a
alteridade no jornalismo propõe também vislumbrar que há questões complexas sobre o
Islã que estão num espaço fora (extra) da área de atuação jornalística noticiosa e,
portanto que deve ser privada de qualquer intromissão simplista que deteriore sua
historicidade. Há funções de informar que é papel do historiador e de outros
pesquisadores, e seus comentários têm sido pincelados nas notícias ou reportagens,
como cores que não combinam com a rapidez da leitura de um noticiário. Logo,
repensar até mesmo os gêneros jornalísticos para assuntos de ordem complexa é um
bom começo para o jornalismo internacional servir ao leitor conteúdo com respeito e
integridade ao Outro Islã, e aos Outros de forma geral.
“Imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz”, simples assim. Na inspiração
da letra de John Lennon “Imagine there's no countries/It isn't hard to do/Nothing to kill
or die for/and no religion too/Imagine all the people/Living life in peace. You may
say/I'm a dreamer/But I'm not the only one/I hope some day/You'll join us/And the
world will be as one.” Assim como o atributo cultural que é a música, que entra, sacode
o pensar e inspira, o jornalismo contextualizado respeita o Outro e pode trazer no
refletir possibilidades de entender as realidades numa ótica que preze a alteridade, bem
como as histórias que as cercam. Pois o jornalismo, em especial o internacional do
estudo desta tese, possa pelo processo da alteridade mostrar nos contrastes dos ‘Outros’
outras construções de diferenças do Eu, e não permitir que o estranhamento dele (Outro)
sirva a “nós” (eu) pontos de eternos desencontros.
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257
GLOSSÁRIO
1.1 Gênero
O material analisado será o de caráter informativo, em que se encontram:
notícia, reportagem, e nota. Além dessas, serão analisadas também as entrevistas, que se
situam em uma categoria à parte dos gêneros jornalísticos.
Notícia: é um texto, normalmente curto, que traz informações de um evento,
acontecimento, de algo novo que aconteceu ou está se desdobrando, mas costuma por
essência se apresentar de maneira objetiva, contemplando os elementos do lead
jornalísticos, que são as informações básicas que um texto informativo deve conter.
Nilson Lage (2001, p.18) chama o lead como proposição completa, isto é, com as
circunstâncias de tempo (quando), lugar (onde), modo (como), causa (porque),
finalidade (com quê finalidade) e instrumento (o quê). “As notícias são comunicações
sobre fatos novos que surgem na luta pela existência do indivíduo e da própria
sociedade.” (ERBOLATO, 2004, p.52). A notícia também é o texto básico do
jornalismo, informa sobre os aspectos mais relevantes da informação. Para a produção
da notícia o jornalista deve apurar sobre a informação que se transformará em notícia e
trazer as falas das fontes que colheu para escrever e relatar o fato. No contexto
jornalístico costuma-se trabalhar duas ideias de notícias, as quentes e as frias. As
quentes se referem aos acontecimentos que são mais atuais e se não publicadas suas
informações naquele dia, hora, minuto, talvez a informação se torne dispensável do
cenário de mídia. E as notícias frias são aquelas que podem ser trazidas no dia seguinte,
que não pereceram, costumam ser aquelas de menor impacto, e programadas (como
datas comemorativas, calendário de campanhas dos Ministérios de Educação, Saúde,
entre outras) (LAGE, 2001). As matérias frias costumam se desdobrar em reportagens ─
que são os textos informativos mais aprofundados nos fatos ─ pois ao serem mais
trabalhadas pelos jornalistas desenvolvem-se e tendem a originar mais fatos gerados de
interesse, que são os temas que norteiam a busca pela elaboração da notícia.
Nota: é uma pequena notícia, dependendo da informação jornalística a ser
descrita não se contemplam todas as questões do lead tradicional, e a opção para trazer a
informação ao público é por meio de um texto bem curto (varia de um a cinco
parágrafos curtos), com poucos parágrafos que costumam advir de dados de agência de
notícia, de boletim de ocorrência e de fatos que não apresentaram o teor de
258
noticiabilidade necessário para se tornarem notícia ou reportagem (LAGE, 2005, p.38-
40).
Reportagem: esse texto jornalístico é a alma do jornalismo, dizem muitos
teóricos, pesquisadores e jornalistas. O texto da reportagem é formado pelas
informações das fontes de pesquisa, como a notícia, e a nota, mas que necessariamente
requer profundidade nos elementos de constituição do lead, que, por sua vez, gera
posicionamento editorial e ganchos jornalísticos. O marco editorial se insere nas
reportagens sob a ênfase de fatos geradores, no corpo do texto informativo, com
argumentos e depoimentos de fontes de entrevista, o quê às vezes pode trazer marcas
opinativas do veículo de comunicação ou do jornalista. Os ganchos são os elementos
jornalísticos que nascem do fato gerador de interesse, são aquelas informações sobre
determinado tema que está sendo descrito que ganha mais amplitude, de acordo com a
natureza do fato, talvez o porquê ou o como do lead. A produção da reportagem
costuma ser mais desenvolvida e requer mais tempo do jornalista para produzi-la, por
isso que é o carro chefe de cadernos especiais dos jornais impressos e das revistas
semanais e mensais. Mas também mantém espaço garantido nas páginas dos diários em
cadernos comuns como cotidiano, internacional, político entre outros. O tamanho do
texto costuma ser mais extenso (LAGE, 2001; 2005; ERBOLATO, 2004; COIMBRA,
2004; PEREIRA JÚNIOR, 2006).
Entrevista: por excelência a entrevista é a expansão da consulta às fontes, que
tem como objetivos a coleta de interpretações e a reconstituição de fatos, mas neste caso
de estudo da tese, se contempla o significado da entrevista como matéria publicada que
traz informações que foram coletadas por jornalistas (LAGE, 2001, p.73). Nesse sentido
a entrevista se divide em três formas de ser publicada: modelo ping-pong, modelo de
notícia e modelo expositiva. O ping-pong é muito comum, em partes pela sua maior
facilidade de execução. Pode ser chamada também de entrevistas estilo pergunta e
resposta, são transcritas e editadas ─ para melhor clareza do leitor ─, mas as falas
reportadas dos entrevistados costumam ser fidedignas (LAGE, 2001, p.85).
No modelo entrevista como notícia o procedimento é o mesmo de quando se faz
o resumo noticioso de um documento: selecionam-se as posições mais relevantes dentre
aquelas das respostas, “[...] ordenam-se da mais relevante para a menos relevante e
transcrevem-se nessa ordem, intercalando as informações ambientais (quem, que,
quando, onde, por que, para que, circunstâncias eventuais) e procurando alternar
discurso direto e indireto”. Esse modelo de entrevista é comum no relato de coleta de
259
informações de entrevistas concedidas pelo entrevistado no formato de entrevista
coletiva ─ que são aquelas entrevistas em que a circunstância teve a presença de vários
repórteres, num ambiente determinado pela fonte entrevistada, que pode ou não
programar quais serão as questões sabatinadas pelos repórteres presentes (LAGE, 2001,
p.84-5).
No último modelo de entrevista como ponto de partida para uma exposição, é de
uso mais comum pelas revistas semanais e mensais, nele se aproveita as declarações do
entrevistado para embasar afirmações genéricas que o próprio repórter faz, a partir
delas. Por exemplo, o repórter pode utilizar a fala do entrevistado de que teve
dificuldade de obter um visto de permanência no Brasil e precedê-la com um tópico
mais geral: a burocracia quase impediu os brasileiros de conhecerem tal pessoa ─ o
entrevistado. Também são comuns no uso de abertura de artigos e ensaios jornalísticos,
como resumo biográfico ou histórico (LAGE, 2001, p.85).
O título não é um gênero jornalístico, mas deve ser lembrado e pontuado, pois é
um fator significativo na constituição da informação jornalística, na nota, na notícia, na
reportagem e na entrevista. O título se caracteriza como um enunciado bastante
resumido do fato principal, da matéria jornalística, bem como é a marca, a identidade da
síntese de uma matéria. Na rotina jornalística pode ser chamado também de
“superlides”, que seria um resumo (no mínimo de palavras) da questão mais importante
do fato principal do lead jornalístico. O título “[...] processa uma interpretação do texto,
que dirige o entendimento do público sobre a notícia”, e num sentido mais crítico o
autor de Guia para a Edição Jornalística, Luiz Costa Pereira Junior, afirma que o título
também “[...] denuncia, na prática, como o veículo pensa o assunto retratado. É opinião
decantada, bem disfarçada, em emissão neutra” (2006, p.148-150).
Pereira Junior destaca a marca histórica dessa herança dos títulos
serem curtos, com poucas palavras, e chamativos, tanto na tipologia
como no sentido do texto.
Com décadas de dependência da venda em banca, os jornais
consolidaram o modelo Pulitzer. As manchetes com grande tipologia
atraíam o leitor e facilitavam a apreensão do cardápio informativo.
Quanto mais garrafais os títulos, mais exemplares exibidos nas laterais
das bancas, para deleite dos passantes, e bom faturamento dos
jornaleiros (2006, p.148).
Contudo as condições que levaram ao uso de títulos chamativos já não se
aplicam mais na atualidade, pois os jornais em sua maioria são vendidos por assinatura,
ou seja, não precisaria mais “chamar a atenção dos passantes nas bancas”. Hoje além
260
das manchetes ─ títulos principais na capa do jornal ─ há textos curtos, de média de
dois parágrafos, ou apenas um, explicando mais as manchetes e outros títulos
secundários na capa do jornal (PEREIRA JUNIOR, 2006, p.149).
Como característica os títulos costumam apresentar verbos, e na maioria verbos
de ação. Os títulos que se apresentam sem verbos, os chamados referenciais ou
anafóricos, são mais utilizados em revistas, suplementos, cadernos culturais entre
outros, mas como enunciado de material jornalístico, em geral, trazem nos títulos verbos
(PEREIRA JUNIOR, 2006, p.149).
1.2 Fontes
Como visto no quarto capítulo desta tese as fontes são importantes para se
produzir o material informativo no jornalismo, que é o carro chefe do dia a dia de
jornais impressos, telejornais, jornalismo na internet e programas de rádio jornalismo. A
divisão das fontes jornalísticas seguirá a constituição do teórico Nilson Lage (2008,
p.49-73).
Divide as fontes em: primária, secundária, testemunhal, expert (especialista),
oficial, oficiosa e independente. A primária é quando a partir da fonte se origina o fato
gerador de interesse ─ que é o tema que determinará o interesse pelo fato se tornar um
fato jornalístico. No caso de uma notícia sobre a exploração de novas formas de
agricultura no semiárido brasileiro, a fonte primária seria os agricultores que estão
explorando essa nova forma de economia e de subsistência (para colher o essencial de
uma matéria), a fonte secundária nesse mesmo exemplo poderia ser um geólogo ou um
agrônomo, para comentar e explicar tecnicamente essa vertente agrícola.
A fonte testemunhal é aquela que participa ou assiste a um evento, que se tornará
fato gerador de interesse para a cobertura jornalística, e a do expert deriva da opinião de
um especialista sobre o fato gerador de interessante. Por exemplo, diante de uma
enchente num mercado municipal, a fonte testemunhal serão as pessoas que estavam
passando pelo local e foram levadas pela força das águas, ou que simplesmente
sofreram com a tragédia, como os comerciantes e vendedores. A fonte expert nesse caso
poderia ser um arquiteto urbano para comentar sobre a construção do mercado, ou
mesmo, um profissional na área de geografia e meteorologia, para falar do clima e das
mudanças climáticas na área urbana. Um exemplo de fonte oficial nesse caso poderia ser
os bombeiros, que fizeram o resgate das pessoas envolvidas. Além dos bombeiros todos
os seguimentos públicos ligados a órgãos governamentais (do Estado) representam
261
fonte oficial. Já a fonte oficiosa seria aquela que é reconhecidamente ligada a uma
instituição, entidade (ou a um indivíduo), mas que não a representa, e nem está apto a
falar em nome dela/e. E a fonte independente “[...] são aquelas desvinculadas de uma
relação ou interesse específico em cada caso.” (LAGE, 2008, p.63).
1.3 Abordagem predominante do texto
Descritivo: a abordagem descritiva apenas formula o texto informando sobre os
fatos, de maneira, em que o relato se desnuda em descrições do ocorrido, do evento, do
acontecimento. Nela o lead é informado em sua completude, mas não saí da ordem da
descrição de seus elementos. Não há contextualização dos fatos a serem reportados no
texto. Dependendo da complexidade do acontecimento ou do fato a ser reportado essa
abordagem descritiva prejudica seu entendimento ao leitor, e, mesmo, pode até distorcê-
lo. É a abordagem mais comum no jornalismo, de maneira geral (COIMBRA, 2004,
p.84-100).
Analítico/Interpretativo: nesse segmento o texto segue informando e orientando,
também contribui para enriquecer o acervo de conhecimentos do leitor. Isso se efetiva
por intermédio de informações que esclarecem o que está acontecendo e não é
percebido claramente pelo público. Os fatos são, portanto, esclarecidos, explicados,
detalhados. Deve se ater que a interpretação é um julgamento objetivo, baseado no
conhecimento acumulado de uma situação, tendência ou acontecimento. Nesse texto
também se identifica causas e motivos, com o objetivo de compreender a significação,
efetuar análises, comparações e realizar previsões (SEQUEIRA, 2005, p. 146-155).
Investigativo: A jornalista e pesquisadora Cleofe Monteiro de Sequeira, em
Jornalismo Investigativo: O fato por trás da notícia esclarece que embora qualquer
prática jornalística pressuponha alguma investigação, a categoria do jornalismo
investigativo se diferencia das outras pelo seu processo de trabalho, pelos métodos de
pesquisa e estratégias operacionais incluindo o tempo para produção. O texto da
reportagem investigativa é completo e traz as informações contextuais do fato e além
delas. Nesse estilo de reportagem houve historicamente um divisor de águas, em seu
estudo, a partir dos anos 1972, nos Estados Unidos, com a série de matérias que
começaram a ser publicadas sobre o caso Watergate (que culminou com a renúncia do
ex-presidente americano Richard Nixon, em 1974) por dois repórteres do The
Washington Post. O objetivo específico da reportagem investigativa é não se limitar a
informar o factual, pois visa esmiuçar os acontecimentos e denunciar situações que
262
prejudicam a sociedade, em busca da “verdade jornalística” (SEQUEIRA, 2005, p. 15-
98).
1.4 Principais temas e manchetes do caderno Mundo, no período de análise
Fantasma da dívida e risco de recessão derrubam Bolsas;
Obama anunciará plano de obras contra desemprego;
Reino Unido investiga ligação com tortura;
China sai vencedora, mas futuro é incerto;
“Sacoleiro do Taleban” lucra com ataques;
Brasil reduz seu efetivo em força de paz no Haiti em 11%;
Brasil envia 1º navio com alimentos para a crise de fome na África;
Lula deve ir à Argentina para ato em apoio à reeleição de Cristina;
Norte-americanos ainda temem ser vítimas de ataque;
Medo de ataques afetou crianças afirma pesquisa;
Obama manteve foco de política antiterror nas ‘vulnerabilidades’;
BC Europeu pressiona Grécia e Itália a cumprirem metas fiscais;
Fim da fome na Somália é impossível, diz médico;
‘Brasil e Turquia superestimaram Obama’;
“Segredos do Itamaraty” Folha Transparência;
EUA e Reino Unido enviaram presos à Líbia;
Brasil sofreu pressão dos EUA contra ‘Lei do abate’;
Década da guerra deixa legado turbulento;
‘Nos EUA, se vê se chama Muhammad, é uma fonte de terrorismo’;
Paquistão financia atividades do Taleban;
EUA fecham o mês de agosto sem criar postos de trabalho;
Regulador processa bancos dos EUA por perda na crise;
Oposição pede que Berlusconi cumpra ameaça de renúncia;
Ocupação no Rio afeta tropas no Haiti;
Após morte de jovem em protesto, cai chefe da polícia no Chile;
Mídia internacional faz críticas a nova divulgação do Wikeleaks;
Rica, Líbia privilegiou lealdade a Gaddafi;
263
Turquia expulsa embaixador e reduz relações com Israel;
EU proíbe importações de petróleo da Síria;
Casa Branca corta pela metade a previsão de crescimento dos EUA;
Otan manterá ataques indefinidamente;
Marcas da maldade; “minha história”. Shweyga Mullah, 30, babá de dois netos
de Gaddafi, em estado grave de agressão e queimaduras;
Acusados de mercenários, negros se escondem em porto;
Acuado, filho de Gaddafi rejeita rendição;
Líder estudantil chilena pede mediação do Brasil para crise;
Portugal fará maior corte de gasto em 5 décadas;
Criança de 11 anos recebe pena por furtar lixeira;
Ex-senador brasileiro teve nome revelado pelo Wikileaks;
Rebeldes líbios rejeitam força estrangeira;
Líbia tem que seguir modelo ‘inclusivo’ para a redemocratização (entrevista
Daniel Terwer ─ especialista em construção de nações no Midde East Institute);
Greve no Chile;
Desastres – Caso Irene;
Revolta na Líbia;
Brasil na Líbia;
Crescimento da economia brasileira;
Mortes sumárias na Líbia;
Ajuste fiscal na França;
Steve Jobs deixa comando da Apple;
Obama pendura quadro sobre segregação no Salão Oval;
Rancor contra Obama cresce em região carvoeira;
Libertação de jornalista na Líbia;
Rebeldes buscam Gaddafi;
Rebeldes líbios invadem bastão de Gaddafi;
Obama, Grécia e BC Europeu derrubam bolsas;
EUA ficam alerta às vésperas do 11/9;
Infográfico de uma página sobre o que tem no memorial do 11 de setembro;
Queima de carros intriga autoridades da capital alemã;
264
Suspeita envolve mães de maio e Cristina;
Candidato favorito na Guatemala quer armas brasileiras;
Barack Obama em tendências e debates falando das parcerias que precisam;
Obama revela plano pró-emprego sob críticas;
Presidente do BC Europeu culpa governos por crises;
América Latina quer reduzir tropas no Haiti;
Aviões-robô têm papel central na guerra;
Pacote de empregos de Obama será de US$ 300 milhões;
Justiça aprova a participação alemã em plano de resgate
Rebeldes fazem caça aos aliados de Gaddafi;
Em Jerusalém, Roberto Carlos faz show religioso e “atrevido”;
Dia 11/9 nos deixou mais duros, diz pai de brasileiro morto (em entrevista);
Tortura é para sempre. Memória/depoimento de Maher Arar a Luciana Coelho;
Turquia afirma que o ex-aliado Israel é ‘criança-mimada’;
Haitiano confirma abuso sexual de militares uruguaios da ONU;
Rebeldes líbios esperam rendição negociada;
EUA matem 7.500 agentes infiltrados em solo paquistanês;
Berlusconi rebate greve com mais arrocho;
Hamas evoca luta armada pela criação da Palestina;
Israel anuncia construções na parte leste de Jerusalém;
Paquistão eleva o tom contra os EUA e se aproxima dos chineses;
Premiê grego pede solidariedade à Europa;
Grécia aprova novo imposto imobiliário;
Merkel precisa convencer políticos e mercado;
Morales suspende estrada, mas não detém crise política;
Anistia Internacional condena decapitação no México;
Sabatina Folha Jeff Koons. “Minha arte deve melhorar a vida dos espectadores”
– artista ameriano, que está no Brasil para mostra que celebra os 60 anos da
Bienal de São Paulo, diz que arte “é algo terapêutico e é autoajuda” e nega que
seja irônico;
Faccebook anuncia que vai financiar candidatos nos EUA;
Começa o julgamento do médico de Jackson;
265
ONU inicia debate sobre adesão da Palestina;
Exército americano cortará 50 mil vagas;
Ex-embaixador nos EUA lança livro hoje;
Ministra da Bolívia deixa posto após repressão;
Explosão misteriosa mata um na Argentina;
Fidel volta a publicar reflexões e critica discurso de Obama na ONU;
Crise faz União Européia discutir o impensável;
Novos cortes levam a greve que para o transporte na Grécia;
Portugal faz planos para reorganizar municípios;
OIT vê risco de alta do desemprego no G20;
Otimismo sobre solução de crise na Grécia eleva Bolsas européias;
Mulheres sauditas ganham direito de voltar;
Rebeldes líbios dizem ter encontrado 1.200 corpos em vala coletiva;
Fidel mostrou “apreço” por Collor em crise política;
Igreja em Havana vive de “truques e subterfúgios”;
Brasil e Cuba trocaram apoio para cargos nas Nações Unidas;
Comando Sul provocou atritos entre EUA e Brasil;
Grandes bancos fazem apelo à Europa;
Órgão mantém otimismo sobre economia dos países emergentes;
Bolívia terá referendo sobre rodovia paga pelo governo do Brasil;
Senado da França terá maioria de esquerdistas;
Amorim vetou diálogo com dissidentes;
Plano de estímulos criou poucas vagas nos EUA;
FMI vai fazer revisão para saber se está preparado para crise;
O mártir. Folha visita na Tunísia em que imolação do vendedor de frutas
Mohamed Bouazizi deu início à Primavera Árabe;
Putin diz que disputará eleições presidenciais;
Tiro de arma de pressão fere segurança do papa;
No Japão, brasileira some após tempestade;
China censura blogueiro que fez ‘relogiômetro’ do governo;
Nova estratégia põe palestinos em rota incerta;
Papa Bento 16 faz críticas a políticos na Alemanha;
266
Sob pressão, pedido palestino vai à ONU;
Na Cisjordânia, haverá festa, mas Hamas proíbe celebração em Gaza;
Vídeo mostra a morte de ativista por governo sírio;
Rebeldes líbios encontram armas químicas;
Justiça argentina exige fontes de jornalistas;
ONU defende suspensão de obra financiada por BNDES na Bolívia;
Ditador volta ao Iêmen e conflito cresce;
Cai mais tendência de crescimento do comércio mundial;
À espera de juízo divino, fiéis se trancam em igreja de Cuba;
Ataque a países ricos foi decisão de Dilma;
Justiça argentina declara que não quer dados pessoais de jornalistas;
Palestinos fazem festas na Cisjordânia;
Palestinos pedem Estado e ONU sedia duelo com Israel;
Fed manobra para tentar reduzir juros;
Agência rebaixa nota de bancos dos EUA;
Alpinistas dos EUA são libertados no Irã, depois de dois anos presos;
Papa vai enfrentar protestos na Alemanha;
Obama diz não haver ‘atalho’ para Estado;
Leia a íntegra do discurso da presidente;
Na ONU, Dilma ataca ‘teorias velhas’ dos ricos contra a crise;
Gays assumidos poderão servir nas Forças americanas;
Atentado mata ex-presidente e expõe frágil situação afegã;
No Iêmen, 12 são mortos apesar de cessar-fogo;
Palestinos buscam 3 votos para ‘vitória moral’ em Conselho;
ONU hasteia a nova bandeira da Líbia pela 1ª vez;
Dilma e Barack Obama pedem ação conjunta contra a crise;
Tribunal do Equador mantém multa a jornal;
FMI diminui projeções de crescimento;
Iêmen tem um novo dia de massacre e mortos são 53;
ONU deve protelar decisão sobre Palestina;
Crise síria deverá abrir o mercado local ao Brasil;
Grécia tem de reduzir setor público, afirmam credores;
267
Obama anuncia cortes e desafia oposição;
China tira do ar sua versão de ‘Ídolos’, por estimular “democracia” no público;
Ex-diretor do FMI admite ‘falha moral’;
Subsídios ajudam a explicar favoritismo de Cristina;
Republicanos criticam taxas para ricos;
Por ‘proteção’, minorias na Síria defendem o regime;
Marrocos tenta lucrar com revoltas no norte da África;
Israel prepara pacote de leis de emergência;
EUA investigam acidente durante uma corrida aérea;
Dalai-lama encerra giro com evento pop;
Berlusconi balança após atacar Merkel;
Rebeldes líbios prometem que não vão disputar pleito;
‘Apoio internacional a palestinos mostra isolamento de Israel’;
‘Vizinhos financiam reação à revolução’;
Após sete meses, egípcios disputam o espólio da revolução;
Ato-relâmpago é tática da oposição síria;
Dalai-lama defende autonomia da religião;
Espanha cria novo imposto para taxar mais ricos do país;
Corte interamericana libera a candidatura de opositor a Chávez;
Palestinos querem ser aceitos como ‘Estado pleno’;
Brasil reconhece os rebeldes da Líbia como novo governo do país;
Periferia de Damasco vive guerra popular;
Brasil desconfia de programa iraniano;
Para Egito, acordo com Israel “não é sagrado”;
‘Ocidente ama violência’, diz porta-voz do governo sírio;
Dalai-lama acha paciência budista em SP;
Vândalos ingleses tinham antecedentes;
Após trens, Buenos Aires tem acidente com metrô;
Principais BCs anunciam créditos a bancos europeus;
FMI alerta para tensões causadas por crise global;
Oposição nos EUA faz plano pró-emprego rival ao de Obama;
Bolivianos querem regularizar carros roubados no Brasil;
268
Regime sírio mantém lealdade na capital;
Estudantes chilenos compram carro novo para aposentada;
Agência reduz a classificação de dois bancos franceses;
Espanhóis voltam ao campo, tomando lugar de africanos;
China aproveita crise para fazer cobranças à União Européia;
Acidente com trem mata 11 na Argentina;
Ataques do Taleban em Cabul matam 9;
Richard Hamilton, pai da arte pop, morre aos 89;
Pobreza nos EUA atinge o pior nível nos últimos 18 anos;
Chefe do FMI aprova compra de títulos europeus por Brics;
Anistia acusa rebeldes líbios de violar direitos humanos;
Vida noturna restrita sobrevive às guerras;
Explosão mata 75 em favela do Quênia;
Acidente em central nuclear deixa um morto na França;
Medo de um calote grego é ameaça a bancos franceses;
Casa Branca financiará plano de empregos de Obama;
Chilenos vão às ruas para lembrar seu 11 de setembro;
EUA esquecem divisões nos 10 anos do 11/9.
1.5 Principais temas e manchetes do caderno Internacional, no período de análise
Tropas anti-Kadafi cercam cidade leal a ditador e dizem saber onde ele está;
Entrevista: ‘O Islã terá de ser parte da constituição’;
Strauss-Kahn volta à França sem apoio político;
Tufão mata 20 e deixa 50 desaparecidos no Japão;
Turquia vai levar Israel à Corte Internacional;
Al-Qaeda sem Bin Laden perde carisma;
‘É possível derrotar o kirchnerismo’ entrevista de Ricardo Affonsén;
Comércio determina laços com árabes;
Diplomacia turca se afasta de autocratas;
Revolta árabe aproxima EUA e Turquia;
Turquia expulsa embaixador de Israel;
269
Tropa secreta dos EUA cresce 13 vezes;
Wikeleaks libera os documentos secretos dos EUA sem edição;
União Européia impõe embargo a petróleo sírio;
Demora em encontrar Kadafi começa a causar divisões entre rebeldes líbios;
Irritado, Berlusconi insulta país que dirige;
Caracas ameaça desconhecer decisão de corte;
Houve abuso de força contra flotilha, diz ONU;
Al-Qaeda quer ver EUA ‘sangrarem até a bancarrota’;
Otan promete manter ataque à Líbia e cúpula libera US$ 15 bi a rebeldes;
Kadafi declara Sirte nova capital líbia;
Insurgentes lançam ataque a possível esconderijo de ditador
Líbios esperam por liberação de recursos para salários;
Brasil só reconhecerá rebeldes líbios após aval da ONU
Maioria dos islâmicos nos EUA rejeita a Al-Qaeda;
Obama é mais popular entre muçulmanos;
Corte Interamericana deve decidir futuro de opositor de Chávez;
Sarkozy recebeu doação ilegal, diz testemunha;
Filhos de Kadaffi dão declarações contraditórias;
Potências definem em Paris futuro da Líbia, de olho em contratos e petróleo;
Brigada chefiada por filho de Kaddafi usava armas brasileiras;
Revolta na Líbia;
Caso Ditador;
Greve no Chile;
CNE desmente antecipação de eleição presidencial venezuelana
Embaixada de Israel é invadida no Egito;
FBI detém suspeito de ameaça terrorista;
Rebeldes líbios põem fim a cessar-fogo e avançam contra redutos de Kadafi;
Salas de Odebrecht são saqueadas em Trípoli;
Áudio derruba versão de que caças evitariam ataques;
EUA ajudam a buscar mísseis líbios saqueados;
Ex-presidente do BC boliviano é preso;
EUA anunciam que vetarão Palestina como integrante plena da ONU
270
Marinha da Turquia escoltará navios a Gaza, diz premiê;
Queda de avião mata equipe de hóquei russa;
Em meio a tensão com Israel, premiê turco anuncia visita oficial ao Egito;
EUA ‘desprezam’ palestinos e árabes, afirma líder da OLP;
EUA põem instalações militares em alerta;
Kadafi estaria a 60 Km de Trípoli, diz rebelde;
Partidário de Kadafi fogem para Níger com fortuna do BC da Líbia;
Negócios do Brasil na Líbia devem ser mantidos;
Turquia ameaça enviar força naval à costa de Israel;
Incêndios florestais destroem mais de mil casas no Texas;
Com ultimato prestes a expirar, forças anti-Kadafi cercam reduto de ditador
Surge vídeo de vôo que caiu na Pensilvânia;
Israelenses denunciam humilhação na Turquia;
Seis colonos judeus são presos por ataque a mesquita;
Israel complica negociações de paz ao anunciar ampliações de assentamentos;
Saudita é sentenciada a 10 chibatadas por dirigir;
Ministro iemenita escapa de atentado no sul do país;
CNT toma porto de Sirte, mas não controla cidade;
Egito terá 1º turno de eleição parlamentar em 28 de novembro;
Choque entre trens deixa 271 feridos no metrô de Xangai;
Crise indígena derruba mais 2 no governo Evo;
BNDES susta financiamento de estrada;
CS começa a debater pedido palestino e Bibi rejeita congelar assentamentos;
Palestinos buscam autonomia e vaga na OMC;
Chacina em prisão líbia é crime mais lembrado;
Ministro de Evo renuncia após repressão;
Comunidades temem invasão de cocaleiros;
Tráfico decapita jornalista no norte do México;
Primeira africana nobel da paz morre no Quênia;
Na Rússia, Medvedev demite ministro por insubordinação;
Abbas quer adesão plena na ONU antes de negociar com israelenses;
Presidente é recebido como herói em Ramallah;
271
Mulheres sauditas conquistam direito ao voto;
Medida indica reforma maior, avalia piloto;
Encontrada na Líbia vala com 1.700 corpos;
Saleh promete antecipar eleições no Iêmen;
Alpinistas soltos agradecem pelo esforço do Brasil;
Ministro das Finanças se rebela contra Medvedev;
Esquerda ganha maioria no Senado francês;
Abbas pede pressa à ONU sobre adesão e diz que plano do Quarteto é
inaceitável;
Entrevista com arquiteto dos Acordos de Oslo, Yossi Beilin “Os dois lados não
levaram em conta o poder das minorias”;
Putin anuncia que disputará presidência;
Premiê é a imagem da nova Rússia;
Censura ocultou resistência a Kadafi em Trípoli;
Moradores se mobilizaram contra ditador;
Estado não precisa da ONU para existir;
Desconfiança norteia política externa de Israel;
Na véspera de discursos decisivos na ONU, Clinton culpa Bibi por impasse;
Jordânia critica Israel e ameaça abrir nova crise;
Palestinos protestam contra Obama;
Ato pró-palestino reúne intelectuais de Israel;
Causa palestina une árabes e sul-americanos;
Apesar de protestos, EUA executam condenado;
EUA vêem elo paquistanês em ataque taleban;
Operação na Líbia acabará em três meses, diz general da Otan;
Crianças ganham fuzis em concurso na Somália;
Blindados brasileiros são encontrados em Sirte;
Abbas pede reconhecimento pleno de Palestina, mas Israel mantém oposição;
CS da ONU começa a analisar pedido palestino na 2ª – feira;
Editorial “Uma causa na mira do mundo” (sobre causa Palestina);
Protestos causam morte na Cisjordânia;
Escândalo de comissão ilegal envolve ex-ministro de Sarkozy;
272
Saleh retorna ao Iêmen e pede trégua com oposição;
Cristina faz ‘lista negra’ de jornalistas;
Irã liberta alpinistas americanos;
Rebeldes líbios admitem pesadas baixas em Sirte;
Tufão Roke mata cinco no Japão;
Sarkozy faz proposta alternativa para superar impasse na ONU;
Na ONU, Obama agrada a Israel e irrita palestinos;
Confrontos com militares espalham-se pela Cisjordânia;
Ato reúne 15 mil palestinos em Ramallah;
Dilma diz que crise pode causar desequilíbrios;
Na ONU, Dilma prega nova ordem na economia e apóia Estado palestino;
EUA cobram coerência dos brasileiros;
‘País está pronto para a responsabilidade de ser membro permanente do
Conselho’. Discurso na ONU da presidente Dilma Roussef na íntegra;
Ex-presidente é assassinado no Afeganistão;
Carro-bomba mata 3 e fere 15 na capital da Turquia;
Embaixada de Israel no Cairo reabre após invasão;
Combatentes tomam reduto de Kadafi no sul da Líbia;
Palestinos buscam mais 2 votos no CS da ONU;
Fogo destrói abrigo em Lampedusa;
Confrontos no Iêmen deixam mais 23 mortos;
Israel ameaça com represálias econômicas;
Governo de Abbas lidera festa; povo se mantém indiferente;
Polícia impede colonos judeus de marchar até Ramallah;
Em discurso hoje na ONU, Dilma deve defender vaga no CS e Estado palestino;
Obama pedirá negociações direta entre israelenses e palestinos;
Em 1947, divisão também marcou criação de Israel;
Chegam a 53 os mortos em tremor na Índia;
Dilma pedirá na ONU fim de embargo a Cuba;
Navegador que bebeu causou acidente russo;
Vitória de aliado no Chado fortalece Cristina;
Em 2 dias de protestos, 54 morrem no Iêmen;
273
Palestinos esperam retaliação americana, diz pesquisa;
Sociedade civil de Israel busca paz por meio de acordo paralelo;
Proposta expõe divisão palestina e resistência do Hamas em aceitar Israel;
Obama e Netanyahu são acusados pela crise;
Palestinos duvidam que adesão mude o dia a dia;
Luta política deve se acirrar após revolução líbia;
Em abertura de sessão histórica na ONU, Dilma dará apoio a palestinos;
Entrevistas com o embaixador de Israel no Brasil, Rafael Eldad ‘Palestinos
querem Estado sem negociar com Israel’, e com o embaixador da Autoridade
Palestina no Brasil, Ibrahim Alzebem;
Agenda eleitoral leva Obama a assumir risco;
Votação na ONU marca recuo nas negociações;
Se adesão fracassar, Autoridade Palestina pode ser desfeita;
Expropriações dão prejuízo a Hugo Chávez;
Islâmicos e laicos se distanciam na Líbia;
EUA tentam dividir com aliados o ônus de vetar Palestina na ONU;
Reviravoltas marcam combates na Líbia;
Dilma chega a NY, onde abrirá reunião da ONU;
Satrauss-Kahn admite ‘falha moral’ e nega estupro;
Chávez inicia em Cuba 4ª sessão de quimioterapia;
Tremor de 6,9 graus mata ao menos 16 na Índia e no Nepal;
Corte Interamericana reabilita rival de Chávez;
Livro sobre Palin fala de sexo e traição;
Brasil acata, na ONU, governo interino líbio;
Na Líbia, premiê turco ameaça presidente sírio;
França proíbe muçulmanos de rezar em público;
Restaurar a economia será desafio palestino;
Abbas ignora pressão e anuncia que buscará status pleno para a Palestina;
Dalai-lama chega para dar palestras no Brasil;
Britânicos anunciam nova descoberta de petróleo nas Malvinas;
Bibi diz que irá à ONU barrar palestina;
Campanha antipalestinos toma ruas de Nova York;
274
Heróis entre líbios, Sarkozy e Cameron prometem pegar Kadafi;
Forças anti-Kadafi entram em cidade natal do ex-ditador;
Prevenção do HPV divide republicanos nos EUA;
Perry é acusado de ceder a lobby da Merck;
EUA tentam conter a ação palestina na ONU;
Israel divulga vídeo antipalestino;
Irmandade Muçulmana pede que Turquia não tente dominar região;
Irã, agora, nega ‘iminente’ libertação de americanos;
Cameron e Sarkozy fazem 1ª visita de Estado à Líbia sob regime anti-Kadafi;
EUA preparam reabertura de embaixada em Trípoli;
Rebeldes divulgam ‘nova Líbia’ no exterior;
Turquia programa caças para atacar alvos de Israel;
Acidente de trem na Argentina mata 11;
Venezuela marca eleição para outubro de 2012;
Taleban aterroriza Cabul em ataque a embaixada dos EUA e sede da Otan;
Explosão em usina nuclear mata 1 e assusta França;
Explosão em oleoduto mata 75 e fere 100 em favela no Quênia;
Brasil ajudará em resgate de náufragos na Tanzânia;
Irã inaugura usina nuclear de Bushehr;
Rússia não apoiará sanções à Síria na ONU, diz Medvedev;
Líder no Iêmen autoriza vice a negociar transição;
Turquia prepara navios de guerra para escoltar ajuda a Gaza, diz jornal;
Congresso investigará Mães da Praça de Maio;
Polícia invade escritório da TV Al-Jazira no Egito;
Cerimônia discreta une parentes em Boston;
Emocionados e tensos, americanos lembram mortos do 11 de Setembro;
Ameaça de novos ataques marca as principais cerimônias no país.
275
ANEXOS
276
FICHA CATALOGRÁFICA
G585o
Gomes, Ingrid
Olhares sobre o outro: estudo das representações do Islã nos
jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo / Ingrid Gomes.
2012.
275 f.
Tese (doutorado em Comunicação Social) --Faculdade de
Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo, 2012.
Orientação: José Salvador Faro
1. Jornalismo internacional 2. Islã 3. Política - Folha de S.
Paulo (Jornal) 4. O Estado de S. Paulo (Jornal) I. Título.
CDD 302.2