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Copyhigth © Getúlio Moura – 1997

Getúlio Moura

Capa: Instinto (óleo sobre tela, 45x55cm - 1987)

e Fotografias, design e arte final:

(fotomontagens internas feitas em laboratório químico)

GETÚLIO MOURA

Revisão:

DEINE RIBEIRO DO VALE

2ª EDIÇÃO e-book

ICEC Imperial Casa Editora da Casqueira

2015

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À complexa natureza dos seres, à expressão perfeita do espírito,

à tríplice divindade, mitos e sonhos

aos poetas do mundo, aos homens e mulheres,

aos animais das quatro estações.

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O Sonho é ver as formas invisíveis

da distância imprecisa, e, com sensíveis movimentos da esperança e da vontade

buscar na linha fria do horizonte a árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –

os beijos merecidos da verdade.

FERNANDO PESSOA

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____________________________________________Sumário

PRODUTO NATURAL ... 5 DIÁRIO ... 6 PRELÚDIO DE PINCÉIS ... 8 O CÁLICE E O VINHO ... 9 CORSÁRIO ... 11 TEMPORAL ... 15 LONGA-METRAGEM ... 19 SOLIDÃO ... 22 PULSAÇÕES ... 26 VIDA ... 28 ASAS ... 30 DEZEMBRO ... 31 PONTA DO MEL ... 33 MADRUGADA ... 35 AVISITANTE ... 37 A VISITANTE - O Retorno ... 40 FATAL ... 42 CORRENTEZA ... 44 AFLORAÇÃO ... 46 ABANDONO ... 48 A TENDA E OS CASTELOS ... 49 TRAVESSIA ... 51 RELAÇÃO ... 52 PLURAL ... 53 FOTOGRAFIA ... 55 NO OLHAR ... 56 DIÁLOGO ... 58 DESEJO ... 60 PRIMAVERA ... 62 APOLO E VÉNUS... 64 ANIMAIS DA NOITE ... 66 FORÇA ESTRANHA ... 75 NOSSO MUNDO ... 78 SIMETRIA ... 81 O VENTO ... 84 CROMÁTICA ... 87 TRANSIÇÃO ... 90 ESPIRAL DAS HORAS ... 92

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PRODUTO NATURAL

Uma concepção de poeta em negras letras pintadas

escritas excêntricas exatas

Página branca cifrada

textura explícita de palavras signos abstratos expostos

e cores

Versos implícitos na visão copiados da memória

clara percepção de imagem extrata

Básico efeito de lápis

perfeito reflexo da história traduzido em sinfonia

da fala.

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DIÁRIO

Acordo às cinco da manhã fico de olhos fechados imóvel, revendo atos

passados apressados

Revejo coisas e fatos

que passaram muito lentos mansos, insólitos, intensos

violentos e isentos

Tenho tudo comigo

círculos e quadrados desiguais curvas, retas diagonais

verticais horizontais

Abro os olhos e vejo

paredes duras sem relevos concretas como são os lajedos

sem medos segredos

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Ergo o corpo pesado num levantar displicente

vulnerável, porém insistente exigente

consciente

Desarmo o sono num salto procuro o relógio e sua aritmética

líquida, é hora da dialética estética frenética

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PRELÚDIO DE PINCÉIS

A paisagem do crepúsculo morre aos poucos

negra enquadrada na janela

Um olhar solitário vaga sob o silêncio do fogo

sinuoso da chama viva da vela

Leve movimento de mãos

pintam signos da terra e da lua

na superfície da tela

Quando a chama se apaga o quadro termina iluminado

e o pintor busca outra janela.

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O CÁLICE E O VINHO

Do composto desse gosto faço traços - desfaço

quantos laços são tragos calmos, macios

riscos claros, indícios entorno

transtorno retorno

usando mil artifícios por mãos, bocas e vícios

nascidos do espaço que refaço num abraço

do gosto desse composto.

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CORSÁRIO

Imagens virtuais

da nativa sistemática tonta

sob a fibra ótica da rápida informática

de ponta após três mil anos de rotas castigando o antigo instinto

torto de um gênio aprisionado

numa garrafa de vinho tinto do Porto.

Faz o último apelo, de joelhos

querendo do além um conselho... Recebe a sentença infernal traçada num oceano astral

num rápido reflexo de espelho.

- Vê aquela esfera, rapaz onde a vida se devora?

Terás a revanche rogada serás lançado nessa arena

sobreviver é a prova! Há predadores paralelos! Leva esta lâmpada velha

haverá noites e dias temores, dúvidas e duelos!

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Mil sentidos neuróticos

convergem de toda parte no vil ataque virótico

abordando a nave veloz no instante hostil da viagem a voragem da peste feroz.

- Atacar!!!

O conflito dura três luas

faz um triângulo dos ciclos triplo crucifixo atentado

afetado de quedas da cruz.

- Há marcas na cara!

São espinhos terríveis e raios cravando antenas na aura

sépios sinais captados pintados de sangue e luz.

Ergue-se o valente

exausto é reiniciado o combate

excede a biologia se desenvolve o ataque.

Selvagem são os séculos passados cerebral é a psicologia energética em sintonia.

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- Sinta, guerreiro, és um deus mas também és

um simples mortal!

Estragos à parte reforça a defesa

recorre à sabedoria mentaliza a tecnologia manipula a holografia

simula ser imortal e dispara um míssil

por telepatia como inseticida

explode atinge o alvo que se move

ferido...

- Morram, insetos, ou fujam corram como covardes

chamarei todos de valentes! Esse gênio é forte

pode até lhes decifrar e digitalizar suas almas

bem no fundo da memória!

Um raio de sol aparece amanhece um novo dia.

A chama da lâmpada se apaga renasce a aquarela.

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O fogo do sol ilumina uma garrafa transparente e vazia

sem mapa nem rota sem leme nem vela.

O espírito habita a matéria a arte estilhaça o espelho

absorve as imagens da tela pra viagem dos milênios futuros

podendo ser diamante ou voltando a ser o sal.

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TEMPORAL

O horizonte a oeste acolhia um sol escarlate nítida esfera entre a névoa fina e o mutante espetáculo das cores no lento sumiço do ocaso. Do leste desesperava-se o vento e a impressão de chumbo nas nuvens nimbos-estrato criando uma redoma no tempo. E um jovem pescador dos rios na praia vulnerável viajante espectador extático sem medo, sem culpa. Não havia mais o horizonte e sim uma grande massa escura com aspecto de concreto côncava sobre o mar encrespado. Fez-se absoluta escuridão envolvendo a solidão o silêncio reforçando os sentidos 15

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e os rumores do clima num leve marulhar e os passos do andarilho na areia sem pressa. Invisíveis pingos loucos despencaram vertiginosos fortes gotas esparsas numa viagem suicida caindo desabando numa chuva pesada entre raios que iluminavam a violência da paisagem. Primeiro os relâmpagos... Pouco tempo depois os trovões. De repente os dois juntos se projetavam num rufar ensurdecedor numa luz intensamente branca cegando a visão que já não via nada além da extensa cortina d’água circundante como o oceano abraçando uma ilha. E como tal ficou parado, em pé cruzou os braços para aquecer o corpo e deixou os clarões ao seu redor explodindo sem lhe chamar a atenção. 16

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Que a chuva caísse como um dilúvio! Os trovões que estrondeassem! Já não lhe surpreendia. Sentia o corpo vibrar receptivo às ondas sonoras se fazendo parte do todo completando a esfera. Ou nada sendo ser insignificante diante da grandiosidade que se manifestava potente sobre a sua cabeça de pensamentos soltos em movimentos e cenários que se faziam imagem nas telas de sua visão reversa além dos sonhos que se manifestam pressupostos surrealistas. Implacável foi o frio que lhe invadiu invejando o instante lhe possuindo fazendo o seu corpo tremer entre as estrelas do céu e do mar.

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LONGA-METRAGEM

Estreitas estradas vermelhas pássaros e árvores vales de um verde profundo cavernas e montanhas planícies e desertos dunas inquietas sopros vibrantes e abismos rios, lagos e mares vendavais e tempestades apesar do céu azul com nuvens brancas. Atritos e conflitos das ondas fracas e desaprumadas correndo fora de ritmo sobre taças de vidro. Ritos de escárnio da curtição e do sarro malhação exagerada e ironia nas tramas da cidade da classe debochada intransigente 19

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travestida de poder desafiando o óbvio por trás da falsa imponência arrogante disfarçada de lógica.

Deixem cair a cortina, mascarados, e quebrem a cara! Os aplausos falsos não surtem! Vão às vaias! A indiscutível razão exige passo-a-passo para mudar o ato mudando os atores e o palco. O tempo sentencia confunde e amedronta. É como fluxo de rio sempre em frente até o mar que se evapora em nuvens que chove e novamente corre voltando para o mar. O sol ilumina a terra todo dia. Aquece um lado enquanto o outro esfria. Amanhece, claro, anoitece em perfeita cronometria. 20

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Sob os gritos loucos, agitados o dia se mescla nas horas oculta-se apavorado. A noite é a outra metade... No negrume soberano do ciclo os absurdos se curvam diante da lúcida escuridão. Absoluta é a natureza e os cânticos perfeitos sons, traços e gestos sobre os papéis cifrados ou no computador gravados - cultura, história... Vidas e futuro... Futuro... E o tempo inespugnável vencendo as distâncias do corpo cruzando-se, alimentando-se de absorsiva curiosidade e de mentiras e verdades.

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SOLIDÃO

Quando Deus teve o sol e seus planetas gravitacionais orbitantes já criava outras mil estrelas de rotatividade central. Na distância certa do fogo se fez o corpo da terra oxidante sólidos, líquidos e gases na escala térmica vital. * Átomos misturados moléculas células multiplicáveis multiformes no movimento químico do tempo transformando tudo moldando animais fecundos separados expandindo os movimentos à procura das metades 22

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entre desejos dominantes como imã cúmplices do prazer na prática alquímica da mágica podendo a vida refazer lançando seres superiores num mundo de lugares datas e horas marcadas. * Hábil o espírito vence e sem pedir licença foge do corpo alça voo da terra. Com visão aguçada de uma águia sobrevoa as Américas e a Ásia percorre as ruas de Luanda e Londres vai à Groenlândia, à Tailândia e à Austrália. Os ídolos que muito sabem pouco lhe dizem. Nada. Mergulha em mares revoltos com tubarões e golfinhos. Com outros bichos abissais penetra em cavernas escuras e profundas chega no alto de uma grande montanha e despenca no vazio... 23

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O corpo suado acorda o habitante retorna calado e lúcido. Lá fora tudo ainda é barulho e muito silêncio...

Aqui se encontra em letras... Traços azuis da esferográfica viajando no papel. No trajeto alcança apenas o vinho e o porre de dezenas de cigarros.

Recorre à máquina - letras aferro instiga a velocidade - as teclas metralham o asfalto é frio e noturno - cada palavra é uma esquina passa da lua e das estrelas - detona a brancura do papel vai ver o sol nascer de novo - recriando formas, cores e sons e sonhar novamente - somando tudo pra dividir depois.

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PULSAÇÕES E compreensível o vento o fluxo e o refluxo do mar os pólos magnéticos da terra o dia e a noite, o luar. Mas o tempo esse que a gente usa medindo o curto e o longo não é água nem é fogo tampouco um ponto intermediário de algo sólido, palpável é assim mesmo intocável invisível, indecifrável. Damos idade à árvore, à pedra e à formiga, pequena e frágil "praga dos vegetais" (tá lá no dicionário!) predestinada apenas tenta sobreviver é a sina. O tempo é rápido para as formigas é a nossa impressão. 26

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É lento o tempo na dor ou na espera de algo na solidão, na saudade... Puxa, o tempo quase não passa! Que medida temos nós se de repente o tempo parece voar?! São os seis sentidos animais interpretando tudo no breve encontro do olhar, do toque, do cheiro, do sabor, do ouvir e do pensar. Historiando passados e futuros profundos o tempo passa simplesmente sendo o presente a se desenrolar. Nascer, sentir, viver não enganam o ser brincar, trabalhar, sobreviver sonhar e envelhecer dormir e acordar, dormir... morrer...

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VIDA

Eu sou o tempo livre, leve que descreve infinitas poesias antigas ou modernas noites de lua ou sol de belos dias. Eu quero sempre um novo dia! Rever o passado bom inverter o mal passado beijos, bocas, palavras eternos toques intocáveis presentes... Rastros do futuro na mente onde o corpo é rei e vassalo. Deus, dono perfeito entra, escreve nos meus versos letras misturadas que me traduzem iluminada, lendo-me sua metade, amante, guerreira... Eu, a própria natureza!

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ASAS

Voa liberdade

êxtase da vida passado e futuro são palavras

apenas palavras presente é viver

hoje agora

sou vida existo livre.

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DEZEMBRO

Chove leve desde cedo do dia um chover choroso sem alteração do neblinar do lacrimejar das nuvens abraçadas, compactadas. Já não as vejo agora mas sinto os seus pingos como pedras miúdas batendo na minha cara no meu corpo molhado tremendo de frio e os olhos encharcados tentando divisar a pista que corre a toda velocidade em minha direção. Vejo árvores escuras nas laterais da estrada passarem apressadas caladas... Se falam alguma coisa não consigo ouvir; o ronco do motor faz mais barulho sobre a língua do asfalto violentando o silêncio no meio da noite...

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Plena noite de natal! E não há uma só estrela no céu... É hora da reunião do teatro arpejos de religião da família amizades, desejos da embriaguez e melancolia. E eu aqui sozinho no meio desta solidão perdendo a festa!

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PONTA DO MEL

Quando cheguei no lugar oúltimo bar estava fechando já era mais de meia noite! Afundei os passos na areia macia segui o som de uma música e vozes distantes. Vinham de uma "Caverna"! Lá dentro, em contraste paredes brancas ressaltavam grafismos pretos abstratos. Traços imóveis, duros enquanto corpos balançavam maleáveis no ritmo maneiro do "reggae". Pareciam saltar num curto vôo e descer levemente, cadenciados. Sem perder o compasso alguém me ofereceu um gole "caipirinha" - Valeu! Aproveitei e pedi informações acabei fazendo um amigo - Muito prazer, obrigado! Ao amanhecer conheço melhor o lugar repasso o trajeto da chegada entre quinze quilômetros 33

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vejo dum lado uma serra vermelha dunas brancas e coqueiros do outro lado, o mar. Dentro dele (e fora) uma Pedra Grande. De Porto do Mangue chega-se a Ponta do Mel. Quase meio-dia sol-a-pino subo nos ares, ultra-leve vou ver o lugar lá de cima num vôo suave e tranquilo registro a paisagem capturo um visual comprovando o porquê do nome "Ponta do Mel": uma PONTA de terra branca penetrando no oceano. E o MEL certamente vem Do oxigênio do mar ou da simplicidade e hospitalidade do povo desse lugar.

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MADRUGADA

Total silêncio humano som artificial não há.

O que se ouve de outros sons é uma perfeita sinfonia

grave do trepidar das palhas dos coqueiros

e o sussurro do vento nas telhas ininterrupto.

Agudo do cricrilar dos grilos

marcando o compasso. Incríveis são os galos

como se entre si conversassem através dos quintais

cantando um respondendo ao outro

distante outro mais distante ainda...

De repente um bater de asas sem vôo

surpreendente entonando um despertar

bem perto daqui 35

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num canto admirável melódico, intenso

se fazendo presente com determinação

cumprindo a missão - esses cantores naturais!

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A VISITANTE

Era um vaivém constante num esvoaçar frenético. Às vezes chegava pesada com a aerodinâmica desordenada carregando no bico a palha tecendo sua breve morada. Tão pequeno era o ninho quanto frágil era o galho e a beija-flor, danada valente e veloz brilhante como uma esmeralda enfrentava olhares curiosos e algumas mãos travessas a remexerem o seu galho. Até o ronco dos carros ela encarava noutras vezes se assustava aquele monstro de ferro ligava o motor de surpresa numa trovoada medonha disparando coração e asas. Deixou o mundão de mato lá fora veio conhecer gente , apresentar suas crias: duas bolinhas que ali eclodiram confirmando o milagre da vida 37

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sob nossos olhares admirados saudando as boas vindas. A pequena orgulhosa ora se intimidava era tanta gente que chegava que até uma placa foi fincada bem ali, embaixo de sua árvore: "PRESERVE A NATUREZA" era o nosso presente. A árvore, naturalmente, seria dela se assim quisesse mas preferiu aquele galhinho débil conquistando o desafio intrépida na elegância e simpatia. Em pouco tempo a metamorfose atuou os filhotes já reluziam o seu brilho. Alguns dias depois o ninho estava vazio o abrigo tornara-se pequeno o mundão de mato estava ali em frente sem fronteiras muita coisa tinham que aprender e outros animais ainda tinham que conhecer.

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A VISITANTE - O retorno

Não sei se foi a árvore que adotou essa beija-flor ou foi a beija-flor que adotou essa árvore. Talvez isto seja coisa das duas cúmplices da harmonia. "A árvore, naturalmente, era dela se assim quisesse mas preferiu aquele galhinho débil" Eu disse isso anteriormente! Um ano depois ela reaparece íntima do lugar sem discutir pequenez ou grandeza simplesmente se projeta em movimentos rápidos e certeiros reconstruindo o ninho provando que a vida na Terra prossegue cruzando-se, polinizando renovando a grande natureza. 40

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Mais uma vez recebemos esse "notável passarinho" - como disse Palmeira Guimarães - num clima de movimento industrial sem dispensar a proteção ou duvidar dos seus exemplos imprescindíveis pássaro e árvore refletindo o mundo em refrão partilhando da música de complexa e óbvia relação. Na acústica da natureza surge a canção que diz sermos exatamente o que somos: elos, lógico! E ecos...

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FATAL

Que destino cruel, mariposa de inverno! Desencantas no silêncio da noite fazes uma curta jornada atrai o parceiro, se cruza e se mimetiza no amanhecer. Tão misteriosa tua forma! Quão fascinantes tuas cores! Quem dera pudesses olhar a beleza da manhã assim poderias contemplar os raios do sol nascente. Talvez assim não sofrerias as bicadas sôfregas dos pássaros em canto, ávidos a te devorar. Apenas lamento, mariposa essa função tua ser alimento de pássaros lagartixas e sapos ter a tua vida encantada negra colorida sobreviver um dia ou dois e desovar... 42

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Nos espasmos loucos das asas voar de encontro à luz bater a cabeça na lâmpada tentando achar a saída cair sobre formigas se debater, perdida e morrer lentamente devorada.

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CORRENTEZA

Vejo um longo vale bravio Um antigo"canyon" profundo. Já foi plano e manso este rio, hoje são paredes à prumo. Individual afluente cursando o veio cavernoso viajando desde a nascente deixando um vértice rochoso. Áridos terrenos ligados na superfície de poeira. Nos hectares abandonados, árvores viraram caveiras. *** Sei haverá inverno poderá chover desejo tempestade de felicidade. Afinal não se vive de primavera se não completar o ciclo passando por outras estações. 44

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As águas transbordarão desmoronando as barreiras forrando o leito da nova correnteza hidratando as veias do campo líquido fértil delicado e agressivo... Porque a medida da fúria é do tamanho da calma e vice-versa. Como metades que se juntam dualidade e fusão surge a excessão... Coisa única registrada na memória da natureza.

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AFLORAÇÃO

Parte o vento em ação conduzindo um grão de desejo cantando rimas de tesão sobre o barro rachado, vermelho. Invertendo o som do trovão o ponto penetra inteiro numa plasmática explosão orgasmos inaudíveis, secretos lampejos invisíveis da canção a terra molhada goza na mais perfeita reação da transa do sol com a chuva do contato entre a semente e o chão. Verde vivo, clorofílico célula da natural expansão uma fibra fina e frágil surgindo na solidão de um solo árido fecundado. Involuntários movimentos afloram dos galhos tenros suaves acenos e açoites

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suportando o tempo e a sorte de ser apenas um pé de mato numa planície deserta. Passa-se o tempo e muitos temporais depois com o fim de um longo verão a planta ressequida volta a florir invertendo a letargia no brilho verdejante de novos movimentos mais belos e mais fortes feito árvore frutificando.

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ABANDONO

O que o mundo reserva para ti, menino de roupas rasgadas e sujas? Quantas vezes ainda terás de abrir tuas mãos famintas pedindo mais um pedaço de pão? Quantos dias serão necessários para fazer sorrir teus desejos? Como é difícil caminhar quando não se tem para onde ir!? Ó tempo escorre cruel e violento incitando teus feitos, mal feitos nascidos do medo e da fome. Quantas noites ainda virão, pequenino, subjugando-te ao relento sobre as calçadas frias e duras antes que mais um dia venha e fomente os crimes do teu medo e se faça algoz dos risos teus?

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A TENDA E OS CASTELOS

Numa morada improvisada Um pequeno cão de guarda

De um lado. Do outro

um penico e um fogareiro de lata.

"GERÊNCIA" diz a placa sobre a porta.

Inusitada ironia

encontrada na pobreza abstracionista

ilustrando indigesta a necessidade. Dura realidade

sobrevivendo malabarista com bom humor

num barraco da cidade uma esperança à vista.

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TRAVESSIA

Ser interessante resistente

tentando alcançar alguma coisa num ponto em equilíbrio

no escuro do espaço envolvente uma luz rara

diferente influência da distância imprecisa

da certeza infalível que não se demora.

Permanece tranquilo

tendo na mão o presente persistentemente tranquilo

naturalmente.

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RELAÇÃO

Estava eu aqui pensando escrever uma história um poema descrito no verso ou na prosa que falasse dos seres, das poesias reais que existem feito bichos naturais como grãos de areia aranhas e abelhas - teia e mel pequenas aves, grandes baleias mães mulheres guerreiras, rainhas, sereias umas negras, outras brancas umas bonitas, outras feias todas deusas de si como são os homens até as bactérias são como é a natureza: Simplesmente Deus! Ou Deusa ?! E eu aqui querendo escrever uma história!

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PLURAL

Os sonhos morrem primeiro depois fica a sabedoria de suas almas. Ainda assim, pra existirem sonham novamente diferente rebuscando a essência na eterna função de evoluir e serem sonhos passados uma perfeita realidade no mais recente momento no reflexo e calor das luzes entre o céu e a terra ou na negritude fria das noites na resistência dos sólidos ouro puro, rochas e cristais líquidos grandes e frágeis animais peixes, pássaros e flores espalhados na paisagem ligados por esses quadros do mundo.

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FOTOGRAFIA

Luz do sol nuvens filtrantes - difusor

benditos acessórios naturais um disparo de obturador.

Como pedaços que se juntam

modelo e câmera se fundem

na memória imóvel do papel.

Vê-se a forma iluminada um movimento mágico

registrado um sorriso, um olhar

capturado entre claro e escuro

moldado. Preto e branco a desvendar

sutil espectro de íris transformado

num alvo de um novo olhar.

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NO OLHAR

O traço rápido do corpo em contraste com a noite refletia as luzes da praça

e o físico quase felino em destaque dos gêneros

se movimentava com graça. A estética perfeita

ressaltava a silhueta e o brilho do pêlo

sobre a pele. A cabeça altiva

superava o plano das vozes múltiplas, uníssonas

e vários olhares furtivos encantados

sorviam a dança dos passos silenciosos

e a beleza suplantada numa mulher

como uma tigresa ou uma deusa

original.

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DIÁLOGO

O tempo lento

silêncio na sala o som o susto

a fala dispara incontáveis palavras

em erupção de um vulcão...

Dois! Intercomunicação

sem conclusão o assunto é tanto e tudo tão pouco

tempo rápido trépido

a voz afaga, canta encanta o ego

entregue ao timbre e o tempo

sem perdão sem crença ou licença

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inerente puro

urgente provoca sussurros

incide divide separa

as falas se calam. O silêncio, coitado

inocente esbarra na cara.

O tempo até parece que pára!

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DESEJO

Não sei se é vivacidade ou timidez

da frágil presença do querer

falando tanto um monte de coisas

uma montanha uma lua inteira

um desaguar dum rio verde

flagrante bolas, bolas ora bolas!

Quanto barulho esse silêncio atordoa

desatinado destino

ou é milagre música pássaro

flor harmonia e movimento

vôo aromatizante 60

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dança tempo prata

a noite é branca e tranquila divina inatingível

pensamento dúvida

vida, que vida! Quanta vida que se move

bela involuntária misteriosa.

Segredo da alquimia. Amplo espaço dos sonhos

janela lateral desejo

coração latente tão forte

e tão tímido.

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PRIMAVERA

Sedutora como só uma feiticeira sabe ser

surge de vez em quando sob noites de lua ou velas

esotéricas paisagens cromadas entre dourado e prata

praias e castelos relva molhada

flores polinizadas... Com vinho me banha

me envolve me engole

me faz gozar entre lábios e gemidos

pra lá de prazer como só uma deusa sabe fazer.

Depois some docemente selvagem

fielmente incógnita ocultando-se

projetando essências no tempo criando vértices e rotas

deixando um cheiro magnético no ar.

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APOLO E VÊNUS

Por um momento o desespero tomou conta daquele ser como um centauro capturado... Pégaso, garanhão alado viajante das dimensões fera, deus mortal, dor... Não é de concreto o bloqueio nem é mental a muralha. O tempo avança normal milhões de anos não lhe abala. Não é coisa intransponível este limite invisível deixado por outro animal. Dentro do labirinto vê um touro ferido derrubado jaz abandonado sem barbante, sem saída... Sóbrio e cerebral salta das sombras o ser semi-elemental figurando libertário nos teatros do mundo. 64

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O tempo molda os seres entre cultura/contra-cultura como num conto contado por outro humano. Imaginação?!... Quem dera! Quando é realidade é mitológica a ficção. É fantasia de verdade... Há sensíveis quereres de fêmeas resolutas e belas do alto de suas montanhas absolutas habitando oásis em desertos verticais. Na flora que separa os lagos férteis haverá sempre flores vermelhas exuberantes em exibição exigindo versos sobre papéis em apelos fatais.

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ANIMAIS DA NOITE

Ventava um pouco além do normal. No céu sem nuvens o rebrilhar fantástico das estrelas. A lua pairava a quarenta e cinco graus do horizonte como um enorme olho observador, irradiando sua luz espec-tral sobre os objetos na terra, formando uma tela em preto e branco.

Uma expressão solitária e triste transpare-cia na face daquele espectador. Vivia uma emoção di-ferente, uma sensação de saudade ainda não experi-mentada. Ali onde ele estava não conseguia se encon-trar. O dia-a-dia das incompreensões, cenas da injusta comédia humana... Tudo estava lhe tirando do sério. Olhou para o lado e viu a sua motocicleta escorada no descanso. Parecia agressiva naquela posição. Poderia não ser remédio, mas a moto o tiraria dali, daquela tortura psicológica.

Saiu devagar pela periferia da cida-de.Sentia muito frio apesar de estar agasalha-do.Apontou na saída da cidade e tocou a moto em a-celeradas vigorosas. Trocou de marcha a cada volta do acelerador até a última, e segurou firme...

Algo fazia pressão no seu braço esquerdo deixando-o dormente. Foi quando percebeu que esta-va com o capacete enfiado no braço. Já tinha rodado mais tempo do que imaginava. Resolveu parar e colo-car o capacete em seu devido lugar. O vento já não penetrava mais nas narinas nem nos ouvidos. Sentia o vibrar do motor e podia até correr mais.

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O clima lhe convidava, instigava o instinto

aventureiro, conivente com o perigo e a irresponsabili-dade. Na estrada, uma longa curva à sua frente, mais de noventa graus, mas longa o suficiente para testar a emoção, vendo o corpo levitar bem perto do chão. A-baixo dele uma vasta lista negra como um tapete es-pesso passando a mil pelos seus olhos. Já no final da curva, avistou de longe algumas pessoas caminhando na margem esquerda da estrada. Divisando melhor à medida que se aproximava, notou que botavam as mãos sobre os olhos. Trocou a luz de alta para baixa aliviando-as da cegueira repentina. Ao passar por elas retornou à luz alta e, desesperadamente, vê em sua frente um homem ao lado de um cavalo atravessados no lado direito da pista. Tão grande foi a surpresa quanto imediata foi a reação: abaixou a cabeça de re-pente e deitou a moto para a esquerda... Sentiu ape-nas o cabresto que pendia da cabeça do cavalo bater no capacete como uma chicotada. Imediatamente jo-gou o corpo para o lado direito e fez a moto deitar no-vamente para o lado oposto. Sentiu a iminência da queda ou quase indo de mato adentro. Os pneus de-vem ter passado a milímetros das patas dianteiras do cavalo e certamente ele levantou a cabeça, pois o seu queixo encontrava-se como um alvo em mira do capa-cete.

A adrenalina fluiu pelo corpo, saindo pelos poros e ele agarrado nos punhos da máqui-na,automático, invadido de uma tremenda determina-ção. Rodou mais alguns minutos nesse estado, em torpor. A velocidade havia diminuído ameaçando apa-gar o motor. Retornou as marchas parou. Havia che-gado numa ponte pequena sobre um leito seco de rio.

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Desceu da moto e tirou o que lhe cobria

da cintura para cima. Filetes de suor corriam pela tes-ta e pelas costas, o corpo inteiro transpirava. Apoiou as mãos na varanda de proteção da ponte e sobre os braços o peso do corpo. A ponte estava pintada de branco nessas laterais e a sua forma lhe parecia uma dentadura enorme, uma boca escancarada, estática. O rio sem água serpenteava com sua misteriosa sinu-osidade até onde alcançava a sua visão limitada pela tênue luz do luar. Destacava-se a areia branca do lei-to, o turquesa-escuro levemente amarelado do céu e entre eles a negra vegetação.

Havia algo lhe sufocando, alguma coisa dentro dele e, para expulsar, gritou como um selva-gem, um som primitivo, grave, gutural, sain-do,extravasando-se, estendendo-se longo e potente, ferindo como uma lança o silêncio da noite como um lobo tentando atingir a lua. Instintos primários de an-cestrais que ainda restavam eram evocados naquele instante. Talvez se auto exorcizando.

As silhuetas das carnaúbas e facheiros imóveis, e o balanço dos galhos de imburanas, jure-mas e caatingueiras sob o luar, dançavam o ritual do vento. Ouviu grunhidos e sons replicantes de animais noturnos habitantes dessas paragens. Uma suindara fez uma órbita na ponte emitindo o seu "rasga-mortalha" característico, um grasnado lúgubre, garga-lhando ironicamente. Depois um silêncio persistente tomou conta da paisagem soturna.

A noite que lhe parecia sinistra e vazia, na verdade era viva e fervilhava com a mesma intensida-de do dia. Ele sabia que enquanto os animais diurnos

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dormiam durante a noite, existiam os noturnos que descansavam em suas tocas durante o dia e eram i-nadequados à luz. Os animais se revezavam no ama-nhecer e mais tarde no anoitecer, sucessivamente com suas características extraordinárias.

Recuperou os plenos sentidos, um pouco extenuado, mas aliviado por extravasar toda aquela angústia e por tabela absorver o susto perigoso pelo qual havia passado.

Tocou a moto de volta pra casa e no cami-nho, enquanto pilotava, imaginava como teria sido o susto daquele homem e seu animal, o que pensaram quando aquela bola de ferro barulhenta com sua luz cegante lhes passou de raspão. O homem deve estar se perguntando até agora o que teria passado por ali, o que teria sido aquilo.

Felizmente todos ficaram inteiros. Ele po-dendo contar esta aventura real e o homem do cavalo com sua rudeza e simplicidade, também deve ter con-tado sua história, talvez numa versão dantesca e ini-maginável.

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FORÇA ESTRANHA

Vejo a superfície da terra se enchendo, se aglomerando, explodindo de gente que, desordena-damente, extermina flora e fauna para a concretização das "grandes obras", depredando a espiral biológica.

Os interesses da ambição alucinam as pessoas, as múltiplas religiões difundem regras que as dogmatizam, os meios de sobrevivência as fazem in-sensatas se chocando violentas por desejos banais e muitas vezes por verdadeira necessidade.

Será que as determinações do superego sejam tão incontroláveis como se fosse relação com outra existência, misteriosamente, fazendo coisas fan-tásticas e outras aterradoras, como uma influência mística? Seria uma conexão virtual vinda de longe? Ou será apenas o processo do controle natural, tal qual o cosmo com suas galáxias, seus sistemas de estrelas e planetas e outros bólidos orbitáis, como também os animais e bactérias, com toda sua relativi-dade?

É tão difícil de responder que se torna simplesmente diferente. É um inteiro que na verdade não é um e sim dois! É um que necessariamente é composto de dois: o quente e o frio, o claro e o escu-ro, o forte e o fraco, o sim e o não, até Deus e o Dia-bo. Um não existiria sem o outro. É um positivo mais um negativo que gera uma força, cada uma com sua potência, seu grau de intensidade que, por sua vez, a-tinge objetivos que são opostos de outros. É a destrui-ção para a construção que se destrói seguidamente. É uma espiral que atravessa tudo o que é longe se fa-zendo perto de tudo. E não tem fim.

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E nós, os humanos, como todas as outras

vidas conhecidas, caminhamos nessa incrível trajetó-ria onde nascemos, aprendemos, trabalhamos, nos reproduzimos, envelhecemos e morremos...

É tão maravilhosa quanto surpreendente a nossa existência, mas fantasticamente desconhecida em sua diversidade e grandeza. Exemplo disto é a nossa capacidade psicológica, essa energia explícita que canaliza e controla o tempo, os pensamentos e os atos, valorizando ou descaracterizando fatos.

Somos suspeitos de ter ocupado a Terra, talvez como sobreviventes, como também somos sus-peitos de sermos apenas frutos entre diversos, sendo a espécie mais animada e dominante desse imenso núcleo fecundo, fervilhando de vida, recobrindo todos os recantos da sua superfície, renascendo nessa me-tamorfose implacável que chamamos de vida e morte.

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NOSSO MUNDO

Descobrimos a grandeza do universo e vi-mos que tudo é infinitamente grande. E vimos também que tudo é infinitamente pequeno. Tão grande que os olhos não alcançam os seus limites e tão pequeno que se torna invisível a esses mesmos olhos. E todas as coisas se misturam formando vida, que se torna pe-quena, pois morre, servindo de alimento ao tempo que não depende de pequenez ou grandeza.

Do passado ao futuro, do primitivo ao tec-nológico, não sabemos onde começou o primeiro e não sabemos onde terminará o segundo.

Conhecemos os dois, sentimos na pele o primeiro e presumimos, com certeza, o segundo.

Assistimos controladamente perplexos a consolidação da alta tecnologia, da gigantesca auto-mação industrial e urbana, da criação e manipulação de micro-cérebros eletrônicos, rápidos e poderosos in-terligados globalmente nas casas dos cidadãos.

Mesmo com tanto desenvolvimento dos seres humanos, com tanta bagagem e referência dos erros e acertos das gerações passadas, as nações que tanto já se enfrentaram e sofreram com as guer-ras, enfrentam agora a fria e persistente guerra urba-na, dotada de violentos e extravagantes poderes; e outros atos terrivelmente cruéis por meras futilidades. Chegamos a ver prédios imensos, cheios de gente, desabarem porque intencionalmente explodiram bom-bas.

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Vemos os alienados e fracos fiéis serem

enganados por "pastores" malandros que ludibriam as pessoas de pouca instrução educacional entre truques espertos e a versão "pé-de-letra" do grande livro de história. Afinal, já conhecemos Buda, Maomé, Jesus e tantos outros iluminados que passaram pela terra e deixaram para as gerações seguintes ensinamentos de bondade, verdade, honestidade, fraternidade e tan-tos outros ...dades de qualidade.

Os ditos profetas nunca foram guiados por uma mão divina, tanto quanto os homens e mulheres que foram queimados em fogueiras pela inquisição não eram bruxos ou possuídos por demônios. Eram apenas os estudiosos e sensíveis de suas gerações, com suas maneiras de entender, tentando interpretar as coisas, dando sua versão.

Todos os animais são agressivos por uma questão de defesa e sobrevivência. Os animais se de-voram. Os racionais não fogem à regra e vão muito mais além: devoram tudo. Por necessidade e também por particulares e interesseiros prazeres.

Ainda há muitos "reis" e ladrões, porém-mais refinados, mais sórdidos, maquiavélicos e subter-fúgios. Continuam praticando suas abomináveis má-intenções, os safados.

Apesar dessas e tantas outras coisas, é maravilhoso ver, conhecer ou manipular as admiráveis criações dos humanos, cada vez mais compactas e precisas, fazendo uma rápida transformação das téc-nicas gerais, no aperfeiçoamento das invenções espa-ciais, da medicina e da comunicação. Tudo num gran-de avanço em apenas cem anos, após tantos milênios da nossa existência na Terra.

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Entramos no terceiro milênio da era cristã

com grandes benefícios da ciência e da tecnologia. E isso é só o começo. Os humanos sempre consegui-ram fabricar os seus sonhos. Apesar das temíveis bombas e artefatos nucleares, muita coisa boa ainda está por vir.

O fim trata-se de futuro. Se houver o fim. Para construir qualquer coisa, algo será destruído. A população da Terra continua se multiplicando. Vemos isto a cada ano nas estatísticas. A Terra, nós sabe-mos, já foi muito mais exuberante e hoje parece se encaminhar para sua meia idade, ficando careca.

Podemos ser otimistas e acreditar na me-tamorfose evolutiva das espécies, no espírito e até na paz, na não violência. Acreditar na perpetuação da nossa espécie, em milhões de gerações futuras, chei-os de alternativas à procura de outro mundo. Talvez como novos sobreviventes.

A Terra, logicamente, viverá mais que to-das as vidas que a recobrem, mas viverá exausta, ári-da. Isto se os humanos continuarem com a destruição dos recursos naturais... Também, se antes não lhe vi-er de encontro um astro vagabundo, um meteoro ou coisa parecida dando-lhe uma porrada certeira, ma-tando-a. São impressões... E hipóteses!

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SIMETRIA

Quando busquei o mar para com ele me

aconselhar, aprender a ouvir e a pensar, ouvi apenas o marulhar das ondas a se debaterem inquietas. Risos para um maluco que busca o sentido da vida. A vida que desfrutamos sem saber como e que às vezes a deixamos passar, perdendo-a, despercebidamente. A vida fácil que mata os sentidos do pensar e do saber e, consequentemente, alimenta as casualidades e de-sejos banais.

Na paisagem da tarde, sentado no tapete arenoso da praia, viajei com o sol, mergulhamos jun-tos no horizonte vermelho de fogo. O único sintoma do meu corpo era o pulsar do coração irrigando o cérebro inflamado, estimulando os neurônios para mais uma longa jornada. Meditei profundamente. Reuni todos os meus eus e, em reciprocidade, dialogamos, lutamos num jogo de regras, sem trégua, sem violências ou a-fagos, conquistando as etapas do campo.

Concluímos um consenso, extraímos o e-xemplo do óbvio e o pão foi repartido em fatias do ta-manho da ignorância de cada um para alimentar me-lhor a sabedoria. Sobre a taça da responsabilidade nos servimos da nobre essência, o vinho puro da consciência, moldando melhor o espírito, nos fundindo na matéria do troféu.

Mais um espaço na existência se abriu sem muros nem portas, sem grades ou trancas. Não houve mais necessidade de soluções quando, enfim,

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percebemos que os problemas eram negligenciados pela dúvida e pela acomodação, pelo medo e pelo de-sespero.

Tudo tem o seu caminho e o seu objetivo, apesar de parecermos brinquedos sob mãos invisí-veis. Mas desta vez comprovamos, agora com ótica multiangular, que não nos diferenciamos em nada dos incontáveis humanos que sobrevivem no mundo.

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O VENTO

Já é noite. O vento sopra forte lançando uma estranha sensação de abandono. Caminho na Terra com os olhos em todas as coisas que fertilizam e iluminam as profundezas da vida. Acompanho o tempo e tento suportar suas intempéries.

O entardecer soprava umas correntes de ar gostosas, suaves. No céu um montão de andori-nhas, milhares em turbilhão. Dançavam um balé inimi-tável em seus revôos. Todas juntas em harmonia per-feita. Por mais de doze dias este espetáculo se repe-tiu. Festejavam no ar e se despediam do sol que a ca-da dia insistia em mergulhar no horizonte.

Ao anoitecer vinham todas, num bando só, e aterrizavam como num passe de mágica; se distribu-íam pelas árvores da praça principal do jeito que vi-nham, num mergulho impressionante. Rápidas, pare-ciam combinadas: quem aterrizava em qual árvore, qual galho...

Vez por outra, aparecia um menino com uma andorinha se debatendo nas mãos e alguém re-clamando de uma pedrada... O menino seguia o seu instinto ancestral de caçador. - A presa estava ali, mui-to fácil. - Os inocentes vencedores davam um jeito de exibir o seus troféus, alguns saltitando em frente aos pais que sorriam e outros alertados, puxados pela ore-lha.

As andorinhas, mesmo assim, se hospeda-ram por várias noites nas mesmas árvores. Enfrenta-ram meninos fugidios, macios como felinos. E até os

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próprios gatos. Algumas vezes eu vi os bichanos pas-sarem disparado com um "aviãozinho" na boca.

Noutras vezes, por um barulho maior, tipo uma bombinha de São João, as andorinhas decola-vam mesmo no escuro e bombardeavam quem esti-vesse embaixo. Davam uma rajada de fezes fresqui-nhas, uma verdadeira chuva de bosta. Era uma recla-mação geral. Era gente cagada pra todo lado - alguns insistiam em ficar na praça e outros eram meros desa-visados.

Acho que no susto e no esforço da fuga repentina, elas não podiam fazer outra coisa. Não da-va pra segurar... Logo voltavam às árvores e se aquie-tavam. E um monte de gente "medrosa" ao redor da praça. Alguns indignados e outros fazendo farra (pa-recia uma arena). Um ou dois "valentes" se arrisca-vam a ficar no meio da praça para provocar nova arti-lharia... Foi, sem dúvida, o maior sufoco que as ando-rinhas passaram por aqui. Mas elas sempre voltavam às árvores. Foi assim por quase duas semanas.

Hoje à noite elas não apareceram por lá. Certamente chegou a hora de retomar a viagem. Parti-ram para outro continente.

Estou na ponte da ilha de Santana onde assistia aos seus espetáculos com pano de fundo do por do sol. Fico imaginando essa determinação de en-frentarem o desconhecido, das longas e extenuantes viagens ao redor da terra. Há instinto natural, há um admirável nível de percepção, de orientação e tam-bém muito cansaço e sacrifício. Faz parte da sobrevi-vência. Elas preferiram perder alguns membros da trupe na cidade, entre os humanos, do que perder

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muitos nas pequenas e poucas árvores existentes nos campos de Macau, as quais seriam prato cheio para os predadores naturais.

Agora sinto o vento e o seu rugir melancó-lico, entristecido. Parece uivar para os segredos da natureza, para o ato livre das andorinhas despertando a compreensão além, muito além dos movimentos.

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CROMÁTICA

A Lua vem brotando das árvores, peque-nas árvores secas, parecem até mortas. Se não fosse o balanço dos seus galhos, ainda maleáveis, eu diria que estavam mortas. – Árvores mortas não balançam ao vento! Ficam estáticas, rigidamente cadavéricas!

Enquanto penso sobre isto, a visão que eu tenho é a terra parindo a lua, externando aquela bola enorme, vermelho-amarelada, tornando-se amarelo-avermelhada. À medida que se distancia do horizonte vai ficando menor, mais concentrada. De amarela passa para amarelo-esbranquiçada, depois para bran-ca, sutilmente amarelada.

A luz que inicialmente me fazia ver as ár-vores e pensar nas suas condições, agora é bem mais clara. O próprio pensamento seguindo essa evolução, me faz lembrar que há o inverno, as chuvas, apesar das aparências que os humanos julgam ao “medir” as coisas.

O céu fervilha de estrelas, algumas pe-queníssimas, fugazes, vez por outra se deixam ver re-fulgindo em piscares. Outras fortíssimas no brilhar, mudando de cor em alucinantes pulsares azuis, ama-relos, vermelhos, verdes, brancos... Aí imagine a mis-tura dessas cores! A que me chama mais atenção é a que me fez descrever esta cromática. Não sei se é Al-debaran, Antares ou Átria, conheço pouco as estrelas e suas magnitudes, não sei medi-las ou identificá-las - a não ser meu olhar em reflexo. 87

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A maior de todas as estrelas parecia ali-

mentar a Terra. Foi descendo no horizonte, ficando opaca, apagando-se. A astronomia me dizia planeta Vênus, estrela que não pisca, não tem brilho intermi-tente, uma luz só, uma só cor, é um planeta. Mas o meu rude pensar me dizia Estrela D'alva, companheira de outras estrelas, parceira das Três Marias, do Cru-zeiro do Sul e de outras constelações daquele imenso céu.

As luzes da cidade brilham ao longe, um aglomerado artificial na superfície da linha horizontal. Estou sobre a Serra do Mangue Seco e vejo bem as luzes alógenas, vermelhas e brancas, tremeluzindo distantes. Imagino as ruas e a praça, os bares bêba-dos de gente, com seus rituais, seus círculos resumi-dos, limitados. As pessoas de lá não vêem o que eu vejo daqui, nem pensam, neste momento, isso tudo que acabo de descrever. - Ora, isso não tem a menor importância! As luzes lá na cidade ofuscam as estre-las, o céu da noite. Mas, no mínimo, um casal de na-morados vê a paisagem que eu vejo agora: a lua influ-ente, nítida, envolvente; as estrelas talvez lhes apare-çam de outras formas na fusão dos corpos e no nas-cer de um poema das estrelas e das montanhas, da lua cheia numa noite de sexta-feira treze.

Ao amanhecer serei do sol e do mar, não me restringirei aos dogmas e regras, sorte ou azar. Sendo noite ou dia, serei muito mais terra, onde me encontro navegando as rotas naturais de uma esfera ilimitada.

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TRANSIÇÃO

O sexo, o amor ou apenas a atenção dos outros não podem ser exigidos. Devem ser conquista-dos com sinceridade e respeito. Forçar a barra? Só a própria! Para aprender que os quereres de cada um são loucamente diversos. Há limites! Sempre houve! Já evoluímos “anos luz” dos demais animais. As apro-ximações requerem um fino trato, como requer a de-mocracia: educação e bom senso; sabedoria. Para vi-ver a democracia é necessário interpretar os limites dos povos, de suas condições e culturas. Se isto não ocorre, permanece a lei violenta do mais forte.

Isto está ligado diretamente na intimidade das pessoas e seus pares, na sinceridade das rela-ções.

A bondade praticada pela consciência das coisas não ocorre à toa. Quem já não sentiu aquela sensação de bem estar, de trabalho cumprido, ao pra-ticar uma boa ação? Também não será à toa a sensa-ção de paz-de-espíríto da qual sentimos. Sabemos que o próprio corpo se deteriora no passar dos anos e que um dia qualquer deixará de existir. Compensada-mente, ao longo desse tempo a deterioração é substi-tuída, homeopaticamente, pelas experiências da exis-tência, pelo estado de consciência. O corpo morre mas a vida não perde a sintonia. Por sermos produtos da natureza, seremos aproveitados em algo que des-conhecemos porque ainda não fazemos parte desse estágio.

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Os animais, sendo o humano o mais evolu-

ído, são a ponte entre o material e o imaterial, o virtual o quântico (talvez eu possa assim dizer). O computa-dor é o exemplo primitivo dessa evolução que já ocor-re na natureza.

Os sábios não ocupam Deus. Passam a não "precisar" Dele, naturalmente. Eles sabem que a grande natureza não se ocupa com os lamentos e pa-ranóias daqueles que não podem ou não querem ser o que são, daqueles que tropeçam nos direitos dos ou-tros, que discriminam cor, cara e comportamento pró-prio, coisas que revelam a ignorância, a inveja e o e-goísmo dos pobres racionais sem conhecimento real, que são manejados por políticos que poderiam lhes proporcionar o contrário dessa condição; políticos também sem educação, gananciosos, aproveitadores, ladrões... E que ainda se dizem sábios, posando de autoridades.

Porém, as ações inadiáveis da natureza se processam ininterruptamente. Percebemos apenas na velocidade da terra, no passar dos dias e das horas... De repente o tempo passa e logo virá a hora de acer-tar os “desmandos” devidos.

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ESPIRAL DAS HORAS

O amanhecer é alegre com o nascer do sol. A luz, as formas e as cores das coisas represen-tando renovação. Os movimentos, os sons... É traba-lho. As esperanças se manifestam com novas possibi-lidades.

O meio-dia não tem muita graça. Já o entardecer é nostálgico, esse incrível

entardecer. Mistura tristeza, saudade e solidão; inspira magia no por do sol, onde o pensar é mais sensível, fazendo jus à visão.

A noite é suave. E selvagem! Os sentidos animais se subdividem inumeráveis.

Quando a escuridão se faz em sono e o corpo adormece, a mente, em sonhos, viaja, ultrapas-sa o tempo.

Quando a razão se faz, perdem-se os pe-sos e as medidas. Mas haverá sempre um grande tra-balho adiante!

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Acabou-se de digitalizar este livro nas oficinas da Imperial Casa Editora da Casqueira,

no mês de agosto do ano glorioso de 2015

1ª Edição impressa em 1997