Instituto de Ciências Políticas e Relações internacionais ... · ... se comparo o tempo que uma...
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Universidade de Braslia
Instituto de Cincias Polticas e Relaes internacionais
Departamento de Relaes Internacionais
A Poltica de Integrao do Setor Automotivo Argentino e
Brasileiro para o MERCOSUL
LUS PAULO ARAJO DAYRELL
Braslia2001
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A poltica de integrao do setor automotivo argentino
brasileiro para o MERCOSUL
Dissertao de Mestrado
Lus Paulo Arajo Dayrell
Universidade de Braslia Instituto de Cincias Polticas e Relaes internacionais
Departamento de Relaes internacionais
2001
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A poltica de integrao do setor automotivo argentino e
brasileiro para o MERCOSUL
Universidade de Braslia Instituto de Cincias Polticas e Relaes Internacionais
Departamento de Relaes Internacionais Braslia, dezembro de 2001
Lus Paulo Arajo Dayrell
Banca:
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Sair de rbita no significa ser revolucionrio,
mas todos que revolucionam necessitam de "acompanhar" os astros.
Foi muito rapido o meu mestrado, se comparo o tempo que uma poltica leva para
amadurecer O tempo de estudo no "escritorio'' parece artificial diante dos fenmenos humanos no
laboratorio social Por isso. e necessrio acelerar e compensar os tempos entre esses dois
ambientes. Essa compensao talvez acabe afetando ambos lugares, que inevitavelmente saem um
pouco da orbita prevista.
Preciso dizer que muito do que foi escrito aqui foi retomado em um artigo. Neste foi
possvel reescrever as concluses que pude fazer a luz dos valiosos comentrios recebidos durante
a defesa. No oh-tante. para o leitor, espero que desfrute dessa dissertao e deixe lembrar o meu
agradecimento a minha orientadora. Maria Helena Santos, a meu pai Gilson Davrell. que me
ajudaram muito. No esquea, leitor, da professora Maria Izabel . do Lytton Guimares, da Maria
das Graas Rua. da Julie Schmiedt. do professor Alcides Vaz e do Gabriel Alvarez.
A gentileza e o trabalho da equipe de bibliotecrios do Senado Federal, do Itamaratv e da
Embaixada da .Argentina merecem ser registrados. Aos meus amigos. Francisco. Igor. Debora.
Fernanda. Soraya. Marcelo e a meu primo Joo Paulo, obrigado pelo carinho e ateno.
III
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Resumo
A poltica de integrao do setor automotivo o tema desta dissertao, em que investigo
o padro de processo decisrio dos atores mais diretamente envolvidos Estes so burocracias
ministeriais, os sindicatos de trabalhadores, os empresrios e a OMC. que expressam seus
interesses, negociando regras, lucros, benefcios, salrios, estrategias de competio e soluo de
conflitos. Cada ator esta em um nvel particular e tem tipos de poderes propnos devidos a sua
posio no sistema poltico.
No Perodo Preparatrio (1988-1994). a poltica dos governos da Argentina e do Brasil
motivou os empresrios a direcionarem o comercio para o Mercosul, intensificando o intercmbio
de autoveculos e autopeas Em se orientando a organizao produtiva para esse mercado, os
atores incrementaram o debate sobre as disparidades de investimento e os desequilbrios dos
benefcios prove entes do comrcio automotivo Ponderando as demandas dos atores, o governo
brasileiro criou, durante o Perodo dos Acordos (1994-1999), um regime automotivo prprio,
contestado pelo Japo. Coreia do Sul. EUA e Unio Europeia, na OMC. O regime automotivo
brasileiro excitou as transnacionais a investirem no pas, mas a integrao no Mercosul
desacelerou devido a disputa pelos investimentos Em conseqncia disso e da desvalorizao do
Real. o comrcio de muitos setores produtivos minguou, ao extremo de surgirem contenciosos
entre o Brasil e a Argentina, ameaando a continuidade do Mercosul, sobretudo a partir de 2000
em diante.
O conflito forma o padro decisrio dos atores presentes na poltica de integrao
automotiva: esta a concluso do autor.
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Abstract:
The theme here is the automotive sector integration policy in which I researched the
decision making pattern of the directly involved actors. Those actors are ministerial bureaucracies,
trade unions, entrepreneurs and WTO They express their interests negotiating rules, profits,
benefits, salaries, competition strategies and resolution of conflicts. Each actor is on a specitic
level and has his own particular powers due to his position in political system.
During the preparation period (1988-1994). Argentina and Brazil governmental policy
has motivated the entrepreneurs to direct automotive trade to MERCOSUR exchanging autoparts
and autovehicles. As soon as the productive organization turned to this market, the actors have
lifted a quarrel about investment disproportion and unbalanced benefits coming from automotive
trade. Pondering ctors' demands. Brazilian government has created, in the Agreements' period, its
own automotive regime, which was questioned by Japan. South Korea. EL A and EU at WTO.
The Brazilian automotive regime has teased multinational corporations to invest in the country,
but integration inside MERCOSUR went slower due to investment disputes. Therefore, besides
Real's devaluation, trade of many productive sectors have decreased as extreme as controversies
between Brazil and Argentina have appeared threatening MERCOSUR's continuance, mostly
since 2000 and beyond
Conflict forms decision making pattern of the actors present in automotive integration
policy. That is the author's conclusion
Key words: MERCOSUR, automotive industry Argentina. Brazil, policy, decision making, and
competition
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ndice:
I) Introduo
II ) Captulo 1: Modelo terico-conceitual
1.1 Procedimentos metodolgicos pg. 4
1.2 Modelo analtico pg. 5
III ) Capitulo 2: A indstria automobilstica
2.1 A indstria automobilstica mundial pg.21
2.2 Polticas automotivas do Brasil e da Argentina pg.32
IV) Capitulo 3: Surgimento do MERCOSUL
V) Capitulo 4: Questes, atores e regimes
4.1 MERCOSUL e a poltica de integrao automotiva: pg.54
4.2 Concluso pg.101
VI) Referncias Bibliogrficas
VII ) Anexos
VI
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I) Introduo
Esta dissertao tem sua analise concentrada no perodo de integrao do setor automotivo
entre os anos 1988 a 2001, na America Latina, mais precisamente, no Brasil e na Argentina.
Destaca-se nesta analise especialmente o perodo quando se institucionaliza o MERCOSUL A
escolha do setor automotivo, entre varias outras possibilidades em todo o MERCOSUL. justifica-
se pelo comercio ascendente de veculos e autopeas, cujos valores se apresentam na tabela abaixo
que. entretanto, mostra a situao do setor apenas durante 5 anos.
Tabela 1
Comercio Intra-MERCOSUL e Comercio automotivo (USS milhes)
E interessante observar que durante esses cinco anos iniciais o MERCOSUL representou
ganhos, de que tanto a Argentina quanto o Brasil se beneficiaram, num jogo de soma positiva. Os
ganhos so inquestionveis, mesmo admitindo que no existe unanimidade em relao aos valores
do comercio automotivo. Dependendo dos critrios adotados, obtem-se nesta tabela diferentes
valores relativos ao modo de separar o que efetivamente e utilizado pelo complexo da industria
automobilstica e o que so bens que aparecem agregados na pauta de exportao a categoria
automotiva, mas que so utilizados em outros complexos industriais. De todo modo. se esses
valores no so precisos em termos automotivos so indicadores valiosos do comrcio de parte
considervel das industrias do MERCOSUL2
Por outro lado. a industria automobilistica produz cerca de 10% do PIB industrial tanto do
Brasil quanto da Argentina (Fonte: ANFAVEA e ADEFA). O tema e relevante pela peculiaridade
de que os pases do MERCOSUL priorizaram um modelo de desenvolvimento que enfatiza o
1A partir de 1997. o comrcio deixa de crescer e os benefcios tomam-se discutveis. Tanto o Brasil quanto a Argentina perdem fatias de mercado
um do outro.
Principalmente, fazem pane do complexo automotivo a indstria siderrgica, metalrgica, metal-mecnica. de material eletrico e eletrnico, qumica. petroqumica e. eventualmente, at mesmo de artigos de couro e papel.
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transporte automobilstico rodovirio O interesse no tema continua vivo. visto que os analistas
ainda no responderam satisfatoriamente por que a integrao do setor automotivo se constituiu de
modo atpico4, em comparao com os outros setores produtivos submetidos as normas comuns
do MERCOSUL. De fato. a especificidade do setor automotivo e evidente, desde que este toi
transitoriamente excludo do livre comercio intrazona e das polticas comuns.
A especificidade do setor e reconhecida por Jose Botafogo Gonalves. Embaixador do
Brasil junto ao MERCOSUL Ele diz que o setor automotivo servira de modelo para integrar
outros setores envolvidos em disputas comerciais, tais como calados, txteis, frangos, aucar e
cereais, que j estavam, em sua maioria, funcionando dentro da zona de livre comercio"
Botafogo pe as claras que o modelo do setor automotivo sempre foi diferente e que por isso pde
ter mais sucesso, dado que mereceu ateno especializada dos negociadores internacionais.
Com respeito a integrao automotiva, foi limitado o estudo aos casos do Brasil e da
Argentina, porque esses pases representam 95% do comercio de veculos no MERCOSUL. O
Brasil detem posio predominante. De fato. ele produzira 1.85 milhes de veculos no ano de
2001. enquanto a Argentina produzira 245 mil. segundo estimativas da ANFAVEA e ADEFA. O
Paraguai no produz automoveis e o Uruguai apenas monta os veculos, importando as peas1
H dependncia dos pases-membros do MERCOSUL em relao ao Brasil. A Argentina,
por exemplo, ja chegou a exportar metade da sua produo para o mercado consumidor brasileiro.
Quase 90% das exportaes automotivas argentinas vo para o Brasil, enquanto que 50% das
exportaes desse ultimo tiveram como destino esta outra, durante grande parte da dcada de 90.
evidente, portanto, que o Brasil tem destaque no setor automotivo. O estudo que ser
desenvolvido leva em considerao a posio hegemnica do Brasil, ainda que a posio
argentina esteja sempre presente como contraponto.
Genericamente falando, essa caracterstica no exclusiva do Cone Sul. pois os paises da OCDE tem uma tima infra-estrutura rodoviria, que
comportou um trafego duplicado nos ltimos 20 anos. apesar de o transporte ferrovirio e fluvial se destacarem.
5 O setor aucareiro tambm e atpico. Este tem um grupo ad hoc no mbito do Grupo Mercado Comum encarregado de liberalizar o comercio ultrazona. Entretanto, o estudo do setor aucareiro foge ao escopo deste trabalho.
Jomal do Brasil. 25 3 2000. Acordo do Brasil ser mais amolo" o.14.6
Existem industrias uruguaias fabricantes de pneus e outros componentes, mas que so pouco significativas considerando todas as peas que so necessarias para montar um veculo.
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O estudo desenvolvido analisou a posio desses pases a partir tambem dos interesses
particulares de atores relevantes. As iniciativas governamentais e as aes da integrao
industrial entre os pases do MERCOSUL tm uma contrapartida das empresas automotivas. As
montadoras transnacionais tm objetivos e projetos especficos para o MERCOSUL. que so
negociados com os administradores do setor publico. O jogo entre esses atores e assimtrico, ja
que. por exemplo, uma empresa automobilstica como a General Motors e a Ford lucram ao todo.
anualmente, mais do que a soma dos PlBs da Indonsia, do Egito, do Paquisto e da Nigria
juntos. (Nossa Comunidade Global. 1996. p.20)
A industria automobilstica e to poderosa que ja foi ou e protegida em todos os pases
produtores, por tarifas de importao A proteo as grandes corporaes da industria
automobilstica foi resultante do empenho das empresas na defesa de seus interesses . quando elas
ja formavam o maior oligopolio internacional, instalado em pouqussimos pases do mundo. As
montadoras automobilsticas empenharam-se. a medida que o MERCOSLL progrediu com
tratados e acordos, na representao corporativa de seus interesses diante da integrao da
produo Por sua vez. a integrao da produo de automoveis no MERCOSUL atetou os
trabalhadores, que tambem se mobilizaram para defender as suas propostas e representar
eticientemente os seus interesses,
O problema investigado no presente estudo consiste em analisar a participao dos
empresrios do setor automotivo, dos sindicatos e das burocracias na poltica de integrao,
especificamente, no processo decisorio dos orgos competentes do MERCOSLL A questo que
norteou esse estudo pode ento ser formulada como se segue. Qual o padro decisrio da
poltica de integrao do setor automotivo para o MERCOSUL? Como participam os sindicatos,
os empresrios e as burocracias ?
Jos Tavares de .Arajo Jr. (Arajo. 1998) evoca a tora dessa indstria que se detendeu tambm em momentos histricos relevantes atravs de outras medidas. Vale citar o Acordo de Restries Voluntrias de Exportaes de 1981. entre EUA e Japo: as estratgias de industrializao por substituio de importao na .Argentina. Brasil e Mxico, nas dcadas de 50 e 60; o Pacto Canad Estados Unidos de 1965; a competio dos governos estaduais na oferta de incentivos fiscais nos EUA Unio Europeia (UE). Brasil, etc.
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Captulo 1***
1.1) Procedimento metodolgicoO problema de pesquisa foi abordado em etapas. Em primeiro lugar, foi feito um
levantamento de informaes sobre o tema. Trabalhou-se com fontes primarias e secundarias para
o Brasil e a Argentina. Esse trabalho comportou um levantamento bibliogrfico, em livros,
peridicos. documentos, jornais e na internet. Em segundo lugar, foi feita uma listagem dos
principais atores envolvidos, tanto governamentais quanto do setor empresarial e sindical, no
mbito do setor automotivo. Tambm foram levadas a cabo a pesquisa e a seleo de dados sobre
comercio e atos normativos. De posse desse material, foi feita ento a analise da poltica de
integrao para o setor automotivo no Brasil e na Argentina.
Deve-se observar que pane significativa desse estudo esta realizada dentro de um desenho
de pesquisa que privilegia a inferncia descritiva (King. Keohane e Verba. 1994). A ordem na
apresentao das informaes foi pensada com vistas a facilitar as inferncias do tipo descritivo.
Enfatizou-se o comportamento dos atores estratgicos, composto pelas preferncias, postura em
relao aos objetivos, modo de agir e de organizar as idias.
O modelo analtico construdo especialmente para esta poltica e utilizado aqui foi baseado
nos modelos de deciso de Easton. Lindblom e Putnam. No segundo capitulo, foram
desenvolvidos os parmetros da poltica de integrao automotiva. Os parmetros so referentes a
historia da industria automobilstica e dos seus diversos atores, tanto em nvel regional da
Amrica Latina quanto global. No terceiro captulo, analisou-se o MERCOSUL No capitulo final,
principalmente foi encarado o objetivo primeiro dessa dissertao que foi descobrir padres no
processo decisorio da poltica de integrao do setor automotivo, de modo a permitir a construo
de hipteses tericas sobre o MERCOSUL
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1.2)Modelo analtico
Os modelos analticos utilizados nesse trabalho integram aspectos da poltica
desenvolvidos em estudos de diferentes autores, como Easton. Lindblom e Putnam. A
apresentao ser feita com o fim de salientar os aspectos aproveitados dos seus modelos,
portanto, no pretendendo ser exaustiva. A utilizao de modelos diferentes atende ao propsito
de explorar o rendimento analtico de teorias de processo decisrio. diante do caso de uma poltica
de integrao entre pases em desenvolvimento.
Neste particular, houve uma inteno de estabelecer uma interlocuo entre as teorias,
confrontando-as aos fatos empricos, com o objetivo de deduzir o padro decisorio da poltica de
integrao automotiva. Na pesquisa sobre o padro decisorio. privilegiou-se a construo de um
modelo analtico conjugado, utilizando teorias que tratam tanto do aspecto domestico quanto
externo da poltica de integrao do setor automotivo.
O campo de estudos de processo decisrio comeou a desenvolver-se no final dos anos 50
e incio dos 60 Tais estudos surgem dentro do campo de polticas publicas, que vai se
sistematizando a partir de contribuies de varias disciplinas, tais como economia, administrao,
cincia poltica. psicologia e mesmo engenharia. Supunha-se na poca que aumentando o nvel de
conhecimentos seria possvel auxiliar os tomadores de deciso, em assuntos polmicos como a
poltica de distribuio e welfare.
Nesse estudo particular, e preciso definir o conceito de processo decisrio e outros
conceitos como o de poltica (policv). David Easton define a poltica (policv) como:
"uma teia de decises e aes que aloca valores a partir da autoridade. Seria errado conceber que a cincia poltica
pretende entender o modo pelo qual a sociedade aloca todos os seus valores. A cincia poltica diz respeito apenas
a alocaes com autoridade (authoritative)." (EASTON, 1965. p. 131)
Alm disso, uma nica deciso no constitui uma poltica Uma deciso e apenas uma
seleo de alternativas que expressa a inteno dos atores ou dos grupos de interesses. Chegar at
uma deciso representa identificar uma das questes que estabelece a poltica em estudo, mas no
e o todo da poltica em relao a um problema. A poltica tem a ver com o conjunto das decises
ou o processo decisrio. Ela pode tambm ser definida e analisada, em termos dos seus elementos
constituintes, principalmente formulaes e implementao. Neste sentido, existe um modelo
desenvolvido por Easton capaz de isolar estruturalmente os elementos da poltica e de fornecer
uma viso do seu todo. Esse modelo tem como caracterstica ser simples, elucidativo e o
primeiro que considero aqui.
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Modelo N 1
Meio ambiente Meio ambiente
O sistema poltico tem inputs. processos e outputs. Os inputs so todas as foras internas e
externas que influenciam o processo de tomada de deciso e que podem surgir tambm do interior
do proprio sistema poltico, sendo ento chamados de withinputs. Os inputs principais adicionam
demandas ou apoio ao processo decisorio. Para isso. precisam ser traduzidos em fatos
perceptveis como relevantes, pelos funcionrios e polticos que trabalham no sistema. Os inputs
so normalmente enviados e interpretados pelo sistema poltico, sob a forma de decises ou aes
governamentais. Neste processo, o sistema poltico agrega os inputs em questes (issues)8
Easton busca nos estudos de eleio a definio de issue. Questo e todo tipo de:
"declaraes em que so alegadas diferenas entre os partidos contendores ou candidatos e que se
tomam assunto de disputa entre eles. Esses assuntos formam questes polticas, porque so vistos como
alternativas realistas a panir das quais uma seleo provavelmente ser feita, no que diz respeito aos outputs do
sistema". (Easton. 1965, p. 142)
A questo surge ento da polmica dos contendores e distingue-se das outras demandas, no
sentido de tomar-se uma base para implementao no futuro imediato. Easton separa questo em
l Um exemplo de issue na poltica de integrao do setor automotivo foi a disputa entre os atores sobre qual seria a composio do ndice de
nacionalizao dos veculos (exigncia para considerar o veculo como produto nacional). No MERCOSUL. com o Acordo de Complementao
Econmica 14. ACE-14. o sistema poltico decidiu manter o ndice de 85o para veculos mtercambiados entre Brasil e Argentina. Esta deciso
uma resposta ou output a respeito desse issue.
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duas categorias: a de deciso e a de orientao. Questo decisria lida com o contedo substantivo
das alternativas possveis para a deciso e a ao. A partir das alternativas e antecipado que os
tomadores de deciso faro provavelmente alguma seleo de compromisso. Questes de
orientao referem-se a diferenas de qualidade entre contendores a um cargo: quais pessoas ou
partidos so melhores, mais experientes, honestas, capazes, representativas e outros que dependem
de critrios de avaliao.
Existem as questes que tm caracterstica legislativa. Elas surgem como produto das
diferenas entre os legisladores ou entre o Executivo e o Legislativo. E existem questes privadas
que podem se com erter em publicas. Easton define tambm as questes administrativas, que so
demandas que tomam forma em organizaes administrativas e so levadas em considerao, em
um numero manejvel pelo sistema A formao de uma questo administrativa esta intimamente
ligada ao mecanismo de reduo de inputs. Os administradores realizam a reduo da variedade e
do numero de inputs. considerando-os em grupos menores do que os formados na sociedade. A
questo funciona como um nucleo em tomo do qual gravitam as preferncias dos diversos atores
sociais. A questo refere-se mais a categoria geral do que aos valores especficos expressos nas
preferncias
Toda questo e principalmente uma demanda convertida administrativamente. A
converso dos inputs e uma alocao de valores com autoridade, pois os administradores da
converso tm posio critica em termos de poder e controle no sistema poltico. O controle sobre
o patrocnio ou a colocao (sponsorship) das questes e uma importante predio sobre a
distribuio de poder dentro de um sistema.
Interessa saber no so como os inputs so convertidos em questes, mas tambm como as
respostas ou outputs so produzidos Os outputs so sempre lanados no meio ambiente, de modo
a produzir, principalmente, os bens e servios para a sociedade e/ou comunidade internacional,
que. por sua vez. responde com novos mputs. que realimentam o sistema Esses inputs adicionam
apoio ao sistema, se os outputs forem satisfatrios. No caso dos outputs no satisfazerem a
sociedade, os inputs adicionam novas demandas, de modo que existe fluxo continuo.
Utilizando esse esquema de sistema poltico, o processo decisrio pode ser compreendido,
de modo que a categoria de inputs serv e para tratar das demandas ou do apoio manifestados pelos
diversos atores. Por sua vez. a categoria dos outputs lida com as decises lanadas ao meio
ambiente. O processo poltico, entretanto, nem sempre e claro para o analista. Alis, muitos
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entendem que o sistema poltico permanece como uma caixa preta, insondvel analise, a menos
que algumas variveis explicativas sejam selecionadas ou alguns pressupostos sobre o
comportamento dos atores sejam assumidos. Espera-se abrir essa caixa preta com o modelo do
professor da universidade de Yale, Charles Lindblom.
Lindblom, em seu livro, O processo de deciso poltica. mostra como se pode fazer a
analise do processo de deciso. De acordo com o livro de Lindblom. necessrio fazer uma
descrio objetiva do processo decisrio. O autor diz que antes de poder avaliar o processo
preciso que ele esteja muito claro para o analista. Para tanto, deve-se identificar as caractersticas
dos participantes, os papis que eles desempenham, a autoridade e os poderes que eles detm
relativamente, dentro do jogo poltico. Ademais, Lindblom salienta que o objetivo de estudar o
processo decisrio no deve ser o de explicar por que os atores tomam certas decises, mas de
explicar o como isso acontece
Lindblom sustenta a hiptese de que o processo decisrio no estanque, mas de tal
sorte que as etapas se sobrepem uma as outras, sendo que ele e recorrente e prolongavel, pois
seus limites so incertos. O modelo de processo decisrio de Lindblom incremental. Esse o
nosso segundo modelo de processo decisrio. Os tomadores de deciso buscam as solues dos
problemas gradualmente, sem a introduo de grandes modificaes nas situaes j existentes e
sem provocar rupturas de qualquer natureza. A melhor deciso no aquela que maximiza os
valores, mas aquela que assegura um acordo satisfatrio entre os interesses envolvidos.
O mtodo gradual ou incremental o que apresenta melhor rendimento. No artigo "The
science of muddling throuhg", Lindblom mostra que a diferena entre o mtodo incrementai e o
racional analoga diferena entre a prtica do tomador de deciso e a teoria do analista de
politica. Lindblom acredita que o tomador de deciso aloca valores atravs de uma sucesso de
comparaes limitadas que reduzem sobremaneira as opes de escolha. O mtodo incrementai
difere do racional, na medida que sublinha as limitaes de alternativas para o tomador de
deciso.
O mtodo racional tendo uma preocupao maior em explicar a poltica acaba separando
artificialmente os meios dos fins. No intuito de explicar todos os fatos, o mtodo racional
proporciona uma extrapolao da descrio emprica. O mtodo incremental, ao contrrio, no
proporciona a separao entre os meios e os fins, pois sob a sua perspectiva, esses so escolhidos
simultaneamente. Ainda assim, com o mtodo incremental, a poltica e analisada
cronologicamente. A poltica um processo de aproximao sucessiva a objetivos almejados, que
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so continuamente reconsiderados. O mtodo incremental postula que o desenvolvimento da
poltica em aproximao aos objetivos almejados desenha o processo decisrio.
Por outro lado. o processo decisrio existente na realidade tem limites Lindblom lembra
que em nenhuma democracia, a riqueza e os privilgios dela decorrentes nunca foram discutidos
com a profundidade necessria. Fica. ento, claro que o processo decisono tem parmetros. Neste
sentido, vale a pena explorar quais so as regras gerais do jogo poltico. As regras disciplinam o
comportamento dos jogadores, que so os formuladores de polticas. Os jogadores so
constrangidos, na arena poltica, por regras acordadas ou impostas quer pelo uso da violncia ou
atravs de sanes ou por outras formas de coao.
As regras conseguem controlar os comportamentos polticos dos atores. A anlise parcial
da poltica um dos mtodos mais eficazes de controle, usado no jogo de poder. Ademais, o
controle pode ser feito pela ameaa ou ser baseado em favores, reciprocidade ou dinheiro. Outra
forma de controle obtida atravs do uso da autoridade, que o fundamento da deciso poltica e
a base do prprio sistema de governo. A distino entre os que possuem autoridade e que,
portanto, comandam e os que obedecem marca a estrutura do processo decisrio. Uma estrutura
que se flexibiliza muito, pois construda atravs da barganha, da negociao e de ajustes mtuos
entre os jogadores polticos, durante o processo de deciso.
Essas regras e tambm outras no so suficientes para explicar as polticas do governo
pois no momento da implementao pelas burocracias que as decises ganham seus contornos
definitivos. Lindblom diz mesmo que o processo decisrio poltico est predominantemente a
cargo das burocracias, pois elas freqentemente alteram as decises, na implementao, o que
imprevisvel. A implementao, entretanto, costuma ser imprevisvel, em virtude de dificuldades
diversas, tal como o descontrole sobre o comportamento da burocracia. verdade que h
para limitar o comportamento burocrtico, como a remunerao, as promoes e o prestgio, mas
no so suficientes para garantir que a implementao das polticas seja eficaz.
Para Lindblom, outro ator relevante no processo decisrio o homem de negcios. Esse
ltimo tem uma posio privilegiada no processo de deciso poltica, pois o governo concede aos
empresrios tudo o que eles necessitam para assegurar o funcionamento da economia. Alm disso,
os empresrios, s vezes, participam diretamente do processo decisrio, pois vrios grupos
consultivos empresariais funcionam associados a rgos do governo. Vale citar que os
empresrios tambm exercem controle do processo decisrio atravs das anlises parciais, do
intercmbio e da autoridade. Inclusive, o poder dos empresrios e anterior consecuo do
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processo decisrio, pois eles financiam as campanhas eleitorais, de modo a conquistar o
compromisso dos polticos com suas demandas.
Os empresrios tm funo publica importante, pois deles depende a distribuio de
recursos, o desenvolvimento dos investimentos, a organizao da fora de trabalho, etc. Alm
disso, para Lindblom toda empresa um grupo de interesse e. portanto, desempenha uma
atividade que influencia o processo de deciso na esfera publica. Os grupos de interesse so
constitudos pela presena massiva dos empresrios, apesar de outros setores tambm estarem
representados. Os grupos de interesse participam de modo importante no processo decisrio, pois
introduzem as suas anlises parciais que influenciam os formuladores das polticas, financiam as
eleies e interagem com as burocracias, pressionando e fiscalizando a implementao das
decises.
No sentido de completar os aspectos da poltica que Lindblom analisa, deseja-se trazer
contribuies de uma das mais atuais teorias em relaes internacionais, o jogo de dois nveis de
Putnam.
Putnam abre o seu artigo 'Diplomacy and domestic politics- the logic of two level games,
afirmando que a poltica domstica e as relaes internacionais esto interligadas (entangled).
perda de tempo procurar numa dessas duas qual a direo da causalidade. Vale mais perguntar
quando e como a poltica domstica e as relaes internacionais afetam uma outra. O jogo de
dois nveis uma tentativa de explicar a relao entre a poltica de ratificao domstica ou nvel
2 e a negociao internacional ou nvel 1. Os jogos so o nosso terceiro modelo de tomada de
deciso.
Putnam desenvolveu uma srie de conceitos que fazem a ponte terica entre esses dois
nveis. O objetivo de sua teoria mostrar como os Estados cooperam e em que medida a
cooperao influenciada pela poltica domstica. Em primeiro lugar, para Putnam, a cooperao
materializada em acordos internacionais resultantes das mesas de negociao. Na negociao
dos acordos ou regimes, h dois momentos bem precisos que Putnam define nos jogos de dois
nveis, o momento de negociao internacional e o de ratificao domstica. Obviamente, separar
os momentos dos jogos atende a fins didticos ou de exposio. De fato, a negociao e a
ratificao misturam-se, porque uma afetada pela outra, devido s expectativas dos
negociadores.
A ratificao sempre limita e pressiona o negociador internacional, pois o mesmo age
tendo em vista a aprovao domstica do acordo. Por outro lado, para tirar o melhor proveito de
um acordo internacional, o negociador tem de pensar se os outros interlocutores conseguiro a
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ratificao domestica em seus proprios Estados. O negociador est diante de trs ordens nos jogos
de dois nveis, o plano de negociao com os seus pares, o mbito domstico de seus pares e o seu
prprio mbito domstico.
A ratificao pode ser a aprovao do tratado pelo Congresso, atravs de votao ou pode
ser qualquer tipo de processo de deciso que leve ao endosso domstico. Neste caso, incluem-se a
implementao pelas burocracias, a cooperao dos sindicatos, grupos de interesse e mesmo a
aprovao pela opinio pblica A ratificao domstica dos acordos internacionais um
fenmeno que parece ser especfico dos paises democrticos, mas que pode se referir a diferentes
arranjos de poder poltico.
Um conceito fundamental criado por Putnam o de win-set, que tem a seguinte definio: """""""''win set o conjunto de todos os possveis acordos do nvel 1 que 'vencem', isto obtm a necessria
maioria entre os eleitores ou o grupo de interesse [constituents] no momento da eleio. Os contornos do win-set
no nvel 2 so importantes para entender os acordos no nvel 1" (Putnam, 1993, p.439 )
Como um certo conjunto, o win-set tem propriedades. Quanto maior o win-set maior a
probabilidade de acordo no nvel 1, ceteris paribus. Em outras palavras, se os ganhos de um
acordo ou os custos de um no-acordo aumentam, multiplicam-se as possibilidades da
cooperao, ou seja, maior a probabilidade de acordo internacional, desde que as variveis sejam
mantidas constantes. O inverso verdadeiro tambm. Quanto menor o win-set menor a
probabilidade de acordo no nvel 1. Repetindo, quanto mais baixo o custo do no-acordo para os
eleitores, menor o win-set.
Os elementos do win-set so os acordos, mas, por definio, apenas os acordos bem
sucedidos incluem-se (fali within) simultaneamente nos win-sets domsticos de cada pais
envolvido. Ento todo acordo que est na interseco de ambos win-sets o possvel. Apenas
quando os win-sets se sobrepem (overlap) existem acordos possveis. Quando no h
sobreposio, chega-se ao impasse, ao beco sem sada, (deadlock). Nesta altura no existe nenhum
acordo com possibilidade de ser ratificado. Donde a regra geral: os acordos so ratificados quando
h uma coincidncia ou sobreposio de interesses entre os win-sets domsticos. Putnam diz que
ocorre uma sobreposio entre os nveis 2, pois a estrutura domstica est em sintonia com as
vantagens percebidas pelos negociadores. Se existe acordo no nvel internacional porque ele
contemplou os ganhos de uma coalizo domstica vencedora que aprova o acordo. Porm, quando
a extenso dos ganhos no nvel domstico diminui, o risco de fracasso do acordo internacional
aumenta.
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O win-set tem 3 determinantes: as preferncias e coalizes do nivel 2. as instituies do
nvel 2 e as estratgias dos negociadores do nivel 1. As instituies, por exemplo, influenciam o
tamanho do win-set. No caso de ser necessrio 2/3 de votos para aprovar o acordo no Congresso
mais difcil haver um win-set ampliado do que quando necessrio a maioria simples. Uma forte
disciplina partidria que sustente o governo aumenta o win-set, pois o negociador tem mais base
de apoio. No caso de uma estrutura partidria frgil, h reduo do win-set e a conseqente
dificuldade de fazer o acordo.
Quanto s coalizes e preferncias domsticas, o win-set refere-se aos possveis ganhos
obtidos com a aprovao do acordo internacional, ou seja, uma determinada estrutura de ganhos
domstica, a ser auferida com o resultado da negociao. Putnam sugere que as preferncias se
manifestam no s em termos dos ganhos resultantes da ratificao, mas pelo "vis ideolgico".
Assim, o autor difere os isolacionistas dos intemacionalistas. Os primeiros opem-se cooperao
internacional em geral, enquanto os outros do apoio s iniciativas de cooperao. Movimentos
sociais, grupos de presso, ONGs, todos tm preferncias e criam um win-set domstico.
H uma outra variao importante no tipo de preferncia. Trata-se da distino entre
homogeneidade e heterogeneidade. Se os interesses dos interlocutores domsticos esto dispostos
de forma homognea e h apenas um nico ponto de disputa, ento existe mais probabilidade de
veto ao acordo. Ao contrrio, quando a disputa est centrada em diferentes pontos, os interesses
so heterogneos e h mais probabilidade de fechar o acordo. Interesses heterogneos facilitam o
acordo, pois existem mais alternativas de negociao do que em casos de interesses homogneos.
Em terceiro lugar, a ltima determinao do win-set a estratgia negociadora. O
constrangimento mais importante ao negociador o seu prprio win-set. A estratgia de
negociao situa-se sempre no nvel 2. O negociador precisa tratar de modificar o
constrangimento relativo ao win-set (seja o seu prprio ou o de seus pares negociadores) atravs
da manipulao de variveis que influenciam na cooperao. O negociador pode sinalizar
vantagens (os side-payments), pode mobilizar grupos contrrios ao acordo (Hawks) com poder de
veto, e definir a agenda de negociao. Existe sinergia (synergistic linkag) entre os dois nveis,
quando o negociador manipula esses nveis de negociao. A sinergia implica que o negociador
ultrapassa o limite estabelecido pelos seus interlocutores internacionais, pois conseguiu negociar
um acordo mais vantajoso e ampliar o seu win-set. O negociador cria um novo arranjo poltico,
porque o jogo de dois nveis resulta numa estrutura de ganhos, previamente no identificada pelos
demais negociadores e interlocutores domsticos. (Putnam, 1993, p.448)
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Os atributos mais importantes do negociador so o poder de veto ao acordo internacional e
o poder de conciliar os dois nveis. O negociador tem uma autonomia relativa. No jogo de dois
niveis. quanto maior a autonomia do negociador em relao aos seus interlocutores domsticos,
maior a sua possibilidade de manipular a interao sinrgica entre os dois nveis. Como resultado
do jogo de dois niveis, ocorre o contrario da viso do senso comum. A fraqueza interna ou a
diviso pode significar fora externa, pois o negociador evita concesses no plano internacional,
j que estas no seriam ratificadas no plano domstico. O inverso pode ocorrer tambm, o
fortalecimento domstico pode enfraquecer a posio de barganha do negociador.
O nico constrangimento formal ao processo de negociao em dois nveis que, uma vez
que os acordos tenham sido ratificados, no pode haver emendas aos acordos, sem que as
negociaes sejam de novo abertas. A ratificao final tem de ser votada sem emendas, pelo
Congresso. Para Putnam, o acrscimo de emendas implica que ser preciso negociar um novo
acordo. Pode acontecer tambm de haver a defeco do acordo. A defeco reflete em muitos
casos um clculo poltico definido. Pode ser voluntria ou involuntria. A defeco pode ser
explicada, dentre outros, por uma situao de perda dos ganhos com o tempo, ou seja, o acordo
passa a ser desvantajoso.
A aplicao de Putnam construo de um quarto modelo analtico desenvolvido
profcua, pois tem a ver com o artigo de Maria Regina Soares de Lima. Essa autora conclui
(Lima, 1999) que no Brasil no existe uma separao ontolgica entre poltica externa e interna,
desde que a primeira adquiriu feies setoriais distributivas, a partir do governo Collor. O
tratamento da poltica de integrao do setor automotivo tem que contemplar, portanto, os
aspectos interno e externo Argentina, ao Brasil e ao MERCOSUL. O modelo de Putnam satisfaz
essas exigncias.
Ademais, Maria Regina concede destacado papel ao jogo de dois nveis de Putnam, em
comparao a outras teorias de Relaes Internacionais. A autora diz que o modelo dele
possibilita examinar o peso causal da poltica domstica na formao da poltica externa. Claro
que neste nterim, ela destaca certas mudanas que se tomaram muito claras na integrao
automotiva. Vale destacar que a poltica externa com as mudanas internacionais e domsticas
passa a negociar interesses setoriais, alm de representar os interesses coletivos. Maria Regina
argumenta na sua concluso (idem, p. 19) que "artificial a separao entre a poltica externa e a
poltica domstica, quer no plano terico como no emprico". Analogamente, mostra-se que a
conjugao dos autores de poltica aqui selecionados pode enriquecer a anlise terica e emprica.
Estas ltimas requerem uma composio bem estruturada de modelos destes autores para que haja
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rendimento e eficincia no modelo criado e utilizado para dar conta da poltica de integrao
automotiva.
O quarto modelo analtico construdo aqui trata tanto do aspecto interno quanto externo da
poltica, especificamente, da poltica de integrao do setor automotivo. Neste sentido,
fundamental a contribuio de autores, como acima referidos que souberam pr em relevo certos
aspectos da poltica. Easton articulou num modelo os elementos constituintes da poltica. Ele
utilizou conceitos descritivos como o sistema poltico, inputs, processos e outputs.
Particularmente, um conceito importante para o quarto modelo analtico o de issue (questo). As
questes aparecem de modo recorrente na poltica de integrao do setor automotivo e com o
conceito de questo fica fcil estruturar os problemas e disputas desse setor.
E preciso estar atento tambm que existe deficincia no modelo de Easton. A descrio do
sistema poltico esquemtica, mas o conceito de meio ambiente encontra-se muito referido a
fronteiras (boundaries) bem demarcadas. Com a globalizao as fronteiras que separam o externo
do interno ficaram mais tnues. A categoria do meio ambiente tal como definida por Easton
precisa ser ampliada e revista neste modelo. A contribuio de Putnam que se refere relao
complexa do meio domstico e do internacional supre as limitaes de Easton, como ser visto adiante.
Por outro lado, C. Lindblom ocupa-se do sistema poltico, mas tratando de descrever o
processo decisrio e de formular teorias que consigam compreender e avaliar as polticas pblicas.
Lindblom classificado como defensor da viso pluralista. O pluralismo abriu o campo das
relaes internacionais para anlises que relacionam a poltica exterior com a poltica interna em
campos que se aproximam, o da cincia poltica e o das relaes internacionais. A partir da
unidade de anlise pluralista, o processo decisrio analisado segundo os diversos atores estatais
e os atores no-estatais, que tm grande relevncia.
No quarto modelo analtico, ampliado o papel das burocracias. Para Lindblom, as
burocracias participam do processo decisrio apenas na implementao. No esse o estatuto
delas nesta dissertao, pois as burocracias freqentemente participam na formulao das
polticas. As preferncias das burocracias so muitas vezes modificadas pela poltica, porque as
burocracias podem se aliar com altas autoridades administrativas, grupos de interesse e homens de
negcios. Esses ltimos participam de maneira privilegiada no processo decisrio e foram
selecionados como atores de destaque, devido anlise de jornais e de artigos especializados.
Por fim, o jogo de dois nveis de Putnam uma tentativa de revalorizar a poltica
internacional, mas com uma dimenso domstica. De certo modo, Putnam serve-se tanto da
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unidade de anlise realista, que tem o Estado como ator unitrio, quanto da pluralista, pois o jogo
de dois nveis contempla o nvel de negociao internacional e o de ratificao domestica. Putnam
desdobra a categoria do "meio ambiente, utilizada por Easton. de modo a pr em evidncia a
ligao entre o ambiente nacional e o internacional.
A poltica de integrao automotiva no MERCOSUL tem faces que revelam muitas vezes
maior complexidade do que o modelo de Putnam. Por exemplo, o regime automotivo brasileiro
teve a mesa de negociao internacional desdobrada em duas. A primeira era a negociao com o
governo argentino e por trs dele, com os empresrios argentinos. A segunda ocorreu entre o
governo brasileiro e os pases desenvolvidos, consoante disciplina multilateral de comrcio do
GATT e da OMC
Ainda que se admita que o jogo de dois nveis se revela eficiente para captar o que
aconteceu nessas mesas de negociao, mesmo assim existem problemas. Joo Paulo Veiga
determina, em sua tese, as limitaes que o modelo de Putnam tem ao lidar com o caso da
indstria automobilstica, mais complexo que os casos analisados no artigo Diplomacy and
domestic politics- the logic of the two levei games, de 1993. Veiga conclui em sua tese que o
maior problema do modelo de Putnam diz respeito formao das preferncias polticas. Veiga diz:
"Constatou-se que uma das insuficincias tericas do jogo de dois nveis encontrava-se no conceito de win-set.
especialmente na caracterizao dos interlocutores domsticos e na manifestao de suas preferncias polticas,
combinadas quelas definidas pelo negociador internacional.9 (Veiga, 1999, p.219)
A dificuldade do modelo de Putnam reside exatamente no imperativo de explicar os fenmenos
ao invs de descrev-los. Veiga critica Putnam neste pargrafo:
"no fica claro de que forma acontece a interao entre os diferentes tipos de interlocutores domsticos nem como
esses "enquadram o negociador", Movimentos sociais, grupos de presso. ONGs, transnacionais. todos cabem de
forma indistinta dentro do win-set domstico." (idem, p. 27)
Ora, sabe-se que esses atores no se equivalem. Suas preferncias impem-se na medida
do poder que cada qual possui e do seu nvel de articulao. Por isso, a leitura de Lindblom e
Easton proveitosa. Easton descreve a poltica, ressaltando o seu funcionamento orgnico.
Lindblom mostra a necessidade de descrever os atores e o processo decisrio. Esses so alguns
dos elementos eleitos desses autores, que justificam a composio de um modelo analtico
ampliado.
9 Veiga comprova essa afirmao terica ao inferir que a .Argentina mesmo estando com seu governo em posio negociadora fragilizada e oferecendo uma economia de escala cinco vezes menor do que a do Brasil consegui atrair novas empresas e garantir vantagens indstria automobilstica nacional.
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De cada um desses modelos, que se debruaram sobre aspectos especficos da poltica. so
utilizados elementos e conceitos para o modelo analtico. que resultado de uma composio. Os
aspectos selecionados so complementares, porque no antagonizam uns com os outros. Cada
autor escolheu pr em relevo certos aspectos da poltica sem desprezar a importncia dos outros
Atribuindo aos autores a sua especificidade, o modelo analtico criado e utilizado nesse trabalho
fica esquematicamente representado como se segue.
Modelo N 4
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Este quarto modelo no se pretende universal, mas aqui e considerado adequado para
estudar o processo decisrio no MERCOSUL. Neste particular, elegeram-se. por deciso
metodolgica, os acordos automotivos como instantneos de algumas resultantes. No se
desconsideraram as no-decises como resultantes. Apenas ocorreu que no caso do setor
automotivo as proposies de contedo foram mais freqentes, porque em um processo de
integrao o valor est alocado na produo de decises efetivas.
Os elementos do modelo esto assim dispostos. O sistema politico tem inputs, processos e
outputs que esto diretamente relacionados interao do meio ambiente internacional e
domstico. Essa interao reflete dois momentos da negociao dos acordos ou regimes, o
momento de negociao internacional e o de ratificao domstica. Os acordos so ratificados
quando uma parte das preferncias domsticas predomina e coincide com a negociao
internacional. Neste trabalho, as preferncias dos atores burocrticos e empresariais so
destacadas apesar de nem sempre serem decisivas.
Um output que ratifica um tratado pode levar tanto a um input de apoio pela coalizo
vencedora quanto a input de nova demanda pelos perdedores. O processo decisrio caminha na
medida que produz novas decises, influenciadas pelos inputs elaborados, filtrados no sistema
poltico e agregados em questes (issues) A partir de uma dada questo, as preferncias dos
atores definem-se. O negociador ento manipula essas preferncias, mas sem garantias de alcanar
a cooperao e sim um acordo satisfatrio dos interesses, atravs de uma resultante dessas
preferncias. Essa resultante o output lanado no meio ambiente domstico e internacional, que
por sua vez responde com novos inputs, que realimentam o sistema.
E necessrio ainda definir alguns conceitos importantes, relativos diferenciao do atores.
Vamos tratar dos conceitos por ordem de complexidade, empregando uma metodologia de
delimitao.
A participao dos empresrios no processo decisrio da poltica de integrao foi
diferenciada de acordo com a atuao das empresas no complexo automotivo. A indstria
automobilstica um complexo produtivo que envolve uma cadeia bem mais ampla que as
montadoras de veculos. Conceitua-se cadeia produtiva como o conjunto de atividades que
transforma, nas diversas etapas de processamento ou montagem, matrias-primas bsicas em
produtos finais. Em uma estrutura industrial razoavelmente desenvolvida praticamente
impossvel a delimitao, no sentido estrito, de cadeias produtivas dada a interdependncia geral
das atividades, alm da possibilidade de substituio de insumos. Essa noo, entretanto,
fundamental para a conceituao de complexos industriais, definidos como conjunto de cadeias
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produtivas que tm origem nas mesmas atividades ou convergem para as mesmas indstrias ou
mercados. (Haguenauer. Bahia. Castro. Ribeiro. 2001. p.6)
Dentro do complexo automotivo, a liderana cabe s montadoras, que por deterem o
completo conhecimento de sua base tcnica de atuao, tm o comando do processo produtivo,
determinando o ritmo da inovao e a concorrncia entre os elos da cadeia, (idem, p.32) O elo
mais frgil dessa cadeia o setor de autopeas, que e espremido tanto pelos seus fornecedores
(principalmente siderurgias e outros produtos metalrgicos) quanto pelos seus compradores (as
montadoras). Assim, a primeira distino dos atores empresariais diz respeito a separao entre as
empresas de autopeas e as montadoras.
preciso tratar do problema da definio dos atores empresariais quanto a quem domstico
e quem estrangeiro ou internacional. Sem isso, o win-set no fica claro. Na indstria
automobilstica, existe uma confuso. As montadoras so chamadas Ford do Brasil, GM do Brasil,
etc. Sabemos que so empresas transnacionais, mas isso suficiente? preciso perguntar qual o
comprometimento que elas tm com o pas, pois h dvida em como podem ser classificadas
segundo o esquema analtico de Putnam. So atores domsticos ou internacionais? Melhor
responder atravs do modo como a Constituio do Brasil classifica as empresas.
No Artigo 171, revogado em 1995, est escrito que "so consideradas:
I_ empresa brasileira a constituda sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administrao
no Pas;
II_ empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em carter
permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas fsicas domiciliadas e residentes no
Pas ou de entidades de direito pblico interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a
titularidade da maioria de seu capital votante e o exerccio de fato e de direito, do poder decisrio
para gerir suas atividades. (...)"
De acordo com esses critrios, as empresas montadoras no so brasileiras de capital nacional.
Cabe fazer o questionamento que mesmo certas empresas que se enquadram nesse artigo, como
algumas de autopeas, enviam os seus lucros para o exterior numa proporo muito maior do que
e investido na regio. Aqui existe o problema antigo do enriquecimento ilcito. A lei N5 4.131 de 3
de setembro de 1962 j trata desse assunto. As empresas que no declaram os bens e valores que
possuem no exterior so objeto de processo criminal (Art. 17 e 18).
No foi por acaso que a Constituio trata desse ponto no artigo 172, mas focando o envio de
lucros das empresas estrangeiras. L est escrito que:
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"A lei disciplinar, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro,
incentivara os reinvestimentos e regulara a remessa de lucros".
Alm disso, precisa ser tratada a questo da disparidade entre o numero grande de
empresas nacionais de autopeas e o numero reduzido de estrangeiras, mas que do ponto de vista
da origem do capital, essas ltimas tm a maioria. Assim. 60.8% das empresas de autopeas so
nacionais e apenas 26,9% estrangeiras (existem as mistas que no trato aqui para evitar
complicar). O capital total, diferentemente, est repartido em 69,0% para as estrangeiras e 31,0%
para as nacionais. O poder das empresas estrangeiras mais forte, porque, em primeiro lugar, so
mais ricas. Em segundo lugar, elas organizam-se com maior facilidade, pois elas so em menor
numero.
A questo dos atores empresariais e bastante complexa. O fato de no ter sido encontrado
apenas um modo de classific-los eficientemente um problema que persiste no decurso da
dissertao e que deve ser parcialmente resolvido na descrio de seus comportamentos. Adianta-
se que as empresas transnacionais, porque j esto inseridas no processo de globalizao,
manifestam maior comprometimento com a integrao acelerada dos mercados. So atores
estrangeiros que mobilizam e interferem no mbito domstico, enquanto as empresas nacionais
so os interlocutores a quem os governos escutam com mais ateno para formar as posies de
negociao (Almeida, 1999, p.78).
Para as burocracias, utilizou-se, com modificaes, o critrio de Bizzozero e Grandi10 de
classificao dos atores de acordo com o seu nvel de atuao (nacional ou regional) e segundo o
grau de influncia no processo decisrio. Assim, foram selecionados os atores burocrticos do
chamado "ncleo decisrio". No circulo de influncia com atuao em nvel nacional esto os
dirigentes governamentais, as burocracias ministeriais e com atuao em nvel regional, as
mximas autoridades polticas (as Cpulas presidenciais) e as instituies do MERCOSUL,
Conselho do Mercado Comum, Grupo Mercado Comum. (Almeida, 1999, p. 72)
O problema que apesar das instituies serem diferentes, os homens pblicos que as
ocupam so os mesmos. Por isso, o conflito tradicional entre as burocracias na integrao um
conflito de competncias.
Sobre os sindicatos, o seu conceito ainda o tradicional. A entidade de classe que luta por
mais empregos, melhores salrios e at luta pela cidadania e melhor qualidade de vida. A
transnacionalizao das prticas sindicais no um fenmeno to recente, mas pela prpria
ioCitado por Alcides Costa Yaz. "A integrao no MERCOSUL: novos atores e o desafio da participao poltica e social" In: .Almeida.
MERCOSUL. NAFTA E ALCA. a dimenso social 1999. p.72
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pulverizao de poder representado em novos interlocutores sociais, como as organizaes no-
govemamentais (ONGs), os sindicatos perderam um pouco a fora de afirmao de identidade
coletiva (Veiga, 1999. p. 171). Por isso, o sindicalismo esta em crise e h queda nos nveis de
sindicalizao em muitos pases.
possvel identificar os ganhadores e os perdedores, mostrando o padro de todos win-sets
relativos a cada regime celebrado. Para tanto preciso que o conceito de regime seja definido.
Este tem vrias formulaes provenientes do funcionalismo, neofuncionalismo. linkage politics,
transnacionalismo, idealismo.
Neste trabalho, ser usada a definio de regime, elaborada por Krasner. Segundo a viso
realista, Krasner define pgina 2 de seu artigo "Structural causes and regimes consequences:
regimes as intervening variables" os regimes como
"os conjuntos de princpios, normas, regras implcitos ou explcitos e procedimentos de tomada de
deciso, em torno dos quais as expectativas dos atores convergem numa dada area das relaes internacionais."
Robert Keohane apresenta uma definio semelhante e junto com Stein acreditam que a
existncia dos regimes altera o clculo dos interesses, atravs da mudana dos "incentivos e
oportunidades".
Krasner entende que os regimes facilitam padres especficos de comportamento, de modo
que podem fortalecer ou enfraquecer os recursos de poder dos atores. No s a distribuio de
poder importa para explicar a criao e o funcionamento dos regimes, mas tambm o
conhecimento e a compreenso que os atores tm sobre os regimes. O aumento nos fluxos de
transaes entre os atores pode mudar os interesses que levaram criao dos regimes. O
transcorrer do tempo contribui para essa mudana, pois proporciona mais facilidade de
conhecimento e de compreenso aos atores, que vo desenvolvendo expertise e descobrem, no
regime, os modos para criar direitos de propriedade.
20
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Captulo 2
2.1) A indstria automobilstica mundialA inveno do automvel foi um esforo conjunto dos europeus. Em 1771, o francs
Nicolas Joseph Cugnot criou um trator de trs rodas, movido a vapor e destinado a rebocar peas
de artilharia. Mais tarde. os engenheiros ingleses Griffith, Hill e Hanock projetaram e fizeram
diligncias a vapor que circulavam em Londres e seus arredores; mas coube ao vienense Siegfried
Marcus a distino de inventor do automvel, pois suas mos criaram o primeiro veculo movido
a petrleo.
At os primeiros anos do sculo XX, os automveis eram produzidos artesanalmente, em
diversas fbricas espalhadas pela Europa e posteriormente pelos Estados Unidos. Os modelos
eram adaptaes das carroas puxadas pelo cavalo. Thomas Gounet relata que o regime de
trabalho nas fbricas era lento, pois uns poucos operrios montavam um carro de cada vez. Esse
modo de produo encarecia os automveis. Havia muito mais fbricas de automveis do que
hoje. A Gr-Bretanha, por exemplo, possua 89 fbricas, em 1922 e a Alemanha tinha 51, em
1927. Levava-se 12 horas e meia, em mdia, para montar-se um veculo. (Gounet, 1999, p.21)
Womack et alli descreve a produo artesanal como tendo as seguintes caractersticas:"1) Uma fora de trabalho altamente qualificada em projeto, operao de mquinas, ajuste e acabamento.
Muitos trabalhadores progrediam atravs de um aprendizado abrangendo todo um conjunto de habilidades
artesanais. Muitos podiam esperar administrar suas prprias oficinas, tomando-se empreendedores autnomos
trabalhando para firmas de montagem
2) Organizaes extremamente descentralizadas, ainda que concentradas em uma s cidade. A maioria
das peas e grande parte do projeto do automvel provinham de pequenas oficinas. O sistema era coordenado por
um proprietrio/empresrio, em contato direto com todos os envolvidos: consumidores, empregados e
fornecedores.
3) O emprego de mquinas de uso geral para realizar a perfurao, corte e demais operaes em metal ou
madeira.
4) Um volume de produo baixssimo, de 1 mil ou menos automveis por ano. sendo poucos (50 ou
menos) conforme o mesmo projeto. E. mesmo entre estes 50. no havia dois que fossem idnticos, pois as tcnicas
artesanais produziam, por sua prpria natureza, variaes." (Womack, Jones & Roos, 1992, p. 12)
Esse modo de produo criado na Europa vem a ser ultrapassado pela ascenso de Henry
Ford que reorganiza a fbrica de automveis nos EUA. Ele inventa a produo de massa, segundo
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o princpio essencial da completa intercambialidade das peas e na facilidade de ajust-las entre
si. A linha de montagem em movimento continuo no deixa de ser importante, mas ela apenas
mais um atributo desse modo de produo. Para conseguir a intercambialidade de peas, Ford
insistiu que o mesmo sistema de medidas fosse utilizado para cada pea e durante todo o processo
de fabricao. As inovaes de Ford levaram a sua fbrica a ter imensa vantagem competitiva
sobre as demais, de sorte que houve uma diminuio drstica no nmero de empresas montadoras.
As outras indstrias automobilsticas americanas e europias precisaram adaptar-se ao modo de
produo fordista para no desaparecerem. certo que houve excees, como a Ferrari italiana,
que limitou a sua produo demanda por carros de luxo. Essa empresa apostou no mercado
segmentado.
H muitos aspectos para serem discutidos com a implementao do fordismo. Primeiro, o
modo de produo fordista causou a diminuio do tempo empregado para montar um veculo e a
revoluo nas relaes entre trabalhadores/sindicatos, sindicatos/patres. Ford abriu o caminho
para o emprego macio de mo-de-obra no especializada numa produo, que, em seu conjunto,
altamente especializada. Um operrio tem um tipo de trabalho especializado porque faz apenas
uma tarefa, mas o operrio em si desqualificado, pois no tem no seu trabalho o sentido de
conjunto. Esse trabalho super especializado pode ser at mesmo o de apertar um parafuso numa
linha de montagem.
Essa forma de fabricar automveis permitiu o estabelecimento de plantas industriais em
qualquer parte do mundo, havendo ou no tradio industrial no local Com a internacionalizao
ou globalizao do trabalho operrio, criou-se um reservatrio de hindus, paquistaneses, turcos,
gregos, italianos, africanos, espanhis, na Europa Setentrional e de porto-riquenhos, mexicanos e
outros latino-americanos que foram acrescentados ao reservatrio de trabalho mais mal pago
constitudo, sobretudo, de negros nos Estados Unidos. (Ianni, 1998, p. 86). Todos esses
trabalhadores eram explorados, ou seja, recebiam cada vez menos pelo seu dia de trabalho, porque
proporcionalmente se instala uma competio encarniada entre as indstrias automobilsticas.
A competio foi hipervalorizada desde que o lema das empresas inglesas, baseado no
free-trade, foi substitudo pelo das americanas, a fair competition. As leis que garantiam a
competio nos EUA facilitaram a monopolizao do mercado, pois no havia preocupao de
proteger as empresas mais fracas. A competio acabou arruinando a concorrncia nos EUA e as
grandes empresas surgiram s custas da formao de enormes trustes na economia e na indstria
automobilstica, em particular. Por outro lado, a popularizao do automvel simboliza a
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expanso do dito consumismo". desde ento sob a tutela das multinacionais11 ou transnacionais.
A caracterstica delas e de serem um modo tipico que os norte-americanos encontraram de vencer
os cartis produtivos liderados pela Inglaterra.
A empresa automobilstica tem crescimento fabuloso, pois, a maior delas, a General
Motors, comprou dezenas de outras e implementou a estratgia de exercer o domnio do mercado,
atravs da concentrao de capital. A GM passou a lanar um novo modelo de automvel a cada
ano. Somente gigantescas empresas poderiam refazer, uma vez por ano, boa parte da sua linha de
montagem, de seus estampos e moldes, de seus desenhos industriais. No existiam
aperfeioamentos tcnicos com essa velocidade, apenas uma estratgia de investir em publicidade
de novos modelos, ou melhor, de novas aparncias dos velhos modelos. Doze anos depois desse
golpe inventivo, havia apenas 10 fabricantes de veculos nos EUA. j em plena depresso, na
dcada de 30, coincidindo inclusive com a primeira crise da produo de massa.
A crise pode ser tanto pelo problema da reduo dos salrios, da tendncia reduo do
lucro, pela estagnao das vendas, pela compra de mquinas mais modernas, etc. Os constituintes
do modo de produo estavam separando-se ou desagregando-se, depois que a produo ficou
concentrada nas trs grandes empresas de Detroit: a GM, Ford e Chrysler, detentoras de 90% do
mercado de automveis americanos. De todo modo, essa crise foi superada por fatores externos a
ela. O mais citado pelos autores o aquecimento econmico merc da guerra mundial. As
empresas automobilsticas fabricaram vrios produtos blicos. A GM fez, dentre outros, os
tanques usados pelos aliados no combate. (Sloan Jr., 2001)
inegvel tambm que, no ps-guerra, a massificao do uso do automvel, em nvel
mundial, deveu-se ao baixssimo preo do baml de petrleo de 1945 a 1972. O custo
insignificante de US$1,80 por barril de 150 litros, ou seja, o custo de menos de 15 centavos de
dlar por litro era um preo inferior ao de qualquer outro lquido, inclusive gua mineral sem gs.
En revanche ao consumo massificado do automvel, havia uma ilha fechada a essa
seduo ocidental. A economia japonesa era talvez a mais protecionista do mundo. O pas
reestruturou-se no ps-guerra, de modo a contrapor-se alienao da produo em massa. O
Japo estava desenvolvendo um novo modo de produo de veculos automotores, chamado de
toyotismo, porque criado por Taiichi Ohno nas fbricas da Toyota, desde a dcada de 50.
Explicada a origem do nome, como era a produo no sistema toyotista?
11 A expresso corporao multinacional" foi utilizada peia primeira vez. em um trabalho de um economista americano David Lilienthal. em 1960. Foi popularizada em 1963. pela revista Bussmes Week. que publicou na ocasio o primeiro de uma srie de relatrios sobre as "corporaes multinacionais ", (Kucinski. 1981. p.7)
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E um sistema que mescla o tipo de produo artesanal com a produo em massa e tem
como princpio fundamental a luta patronal contra o "cio" operrio. ( Gounet, 1999. p.29) O modo
de produo japons inova ao determinar que o carro deve ser puxado em direo ao trabalhador e
no empurrado pelo mesmo, como acontece na produo de massa. A medida personalizada da
produo artesanal adaptada, pois o trabalhador sabe todas as etapas da produo. Ele
comandado na fbrica pelo semforo de trnsito que fica sinalizando o que deve ser feito. As
cores amarela, verde e vermelha indicam cada qual um problema de certa gravidade, mas todas
significam: no pare nunca, pois nada pode retardar a produo. Aliado a essa linguagem, o
mtodo produtivo do Just-in-time e o Controle de qualidade total compem o sistema de
produo toyotista ou enxuta.
De volta ao mundo ocidental, a competio recrudesce quando os europeus recuperados da
guerra na dcada de 60 comearam uma febre de fuses, nunca antes vista to acelerada no
continente. Na Gr-Bretanha houve a fuso entre a British Motor Holdings e a Leyland Motor, em
1968. depois que essas empresas j haviam comprado dezenas de outras. Na Alemanha, os dois
grandes Volkswagen e Daimler-Benz associaram-se num empreendimento novo Deutsche
Automobil Gesellschaft. Na Frana a Peugeout-Citroen (que j era uma fuso) aprofundou suas
relaes com a Renault.
Convm trazer para a cena tambm variveis polticas que afetaram a indstria
automobilstica desses pases. O fato da criao da Comunidade Europia em 1957, com o
Tratado de Roma e a unificao da Europa comearam a afetar marginalmente as indstrias
automobilsticas nacionais a partir da dcada de 70, atravs de Resolues produzidas nos rgos
da integrao. A caracterstica dessas Resolues era o seu carter tcnico. Diziam respeito,
sobretudo, a temas de segurana, como mecnica, acessrios e parte eltrica dos carros, proteo
ambiental, emisso de gases e diminuio dos rudos.
Havia, tambm, normas para regular a concorrncia e assegurar a competitividade das
indstrias europias em geral, mas que no se remetiam especificamente indstria
automobilstica. Essa inespecificidade deveu-se ao fato de que a presso contra a indstria
automobilstica europia no havia atingido um certo nvel.
preciso dizer que paralelamente a essas transformaes na Europa, o modo de produo
enxuta foi crescendo num Japo que recusa, at 1972 e mesmo depois, a entrada de qualquer
fbrica estrangeira de automveis. Na terra do sol nascente, a indstria automobilstica que
determina o nvel das tarifas de importao (Hedberg, 1970, pp. 145 e 146). Alm disso, a classe
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produtiva comeou com uma estrutura juvenil, em que os salrios dos trabalhadores da indstria
automobilstica so em sua maioria a quarta parte de um salrio de um colega de 50 anos12.
Claro que nesse ambiente no foram pagos os custos sem sofrimento da sociedade.
Segundo o analista sueco Hedberg, digno de nota que em junho de 1969 se descobriu que 2,5
milhes de automveis mal construdos rodavam nas ruas do Japo. Ademais, um editorial de um
jornal japons, no mesmo ano, denunciava que os gases poluentes se acumulam em nuvens cada
vez mais densas sobre as cidades japonesas. Em 1969, o Japo liderou a lista mundial de
acidentados no trfego. Uma das razes que nas cidades no havia caladas, porque os terrenos
eram muito caros. Ento oportuno dizer que pelo menos inicialmente a sociedade japonesa no
estava adaptada para o automvel. No entanto, mesmo diante desse quadro, notvel que houve
mudana na relao de foras mundiais com a produo de automveis japoneses. Atravs de seu
sistema prprio, a indstria automobilstica japonesa lana-se como a mais competitiva no
mercado mundial.
A Europa e os EUA nem podiam imaginar o desafio que receberiam do oriente, como
ocorre principalmente na dcada de 80, quando os japoneses disseminaram, globalmente, o
toyotismo ou o modo de produo enxuta de veculos. Ento, a regulao da indstria
automobilstica da Europa passou a ser efetiva no controle, por exemplo, dos investimentos, pois a
alocao de recursos precisaria esperar decises baseadas tambm no Protocolo Europeu de 1989.
Para ser aprovado pelas polticas da Comunidade Europia, o investimento em novas plantas
industriais precisava atender aos critrios de desenvolvimento social.
Direcionando o investimento a locais mais pobres, a Comunidade Europia acaba
indiretamente fazendo as empresas automobilsticas sediadas na Europa mais competitivas, graas
ao menor custo da mo-de-obra. A tabela abaixo mostra a evoluo da produo nos principais
pases produtores. notvel na tabela que o Japo tenha sido o lder mundial entre 1980/1994. A
situao dos pases europeus progrediu pouco, sendo que a maioria manteve a estabilidade na
produo, com exceo da Espanha.
No Japo., existe uma hierarquia tambm em termos de idade do trabalhador.
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Tabela 2
Produo de autoveiculos nos maiores pases produtores (milho de veculos)
Fonte: ANFAVEA
Em paralelo ao caso europeu, os EUA procuraram bloquear a invaso dos carros
japoneses, atravs de medidas protecionistas. Os EUA no estavam conseguindo competir com os
carros japoneses tecnologicamente mais avanados e mais baratos. As empresas sofreram com o
golpe nipnico e os trabalhadores foram massacrados.
"Inclusive, o mercado norte-americano, drasticamente reduzido, hoje partilhado com as montadoras
japonesas (2.3 milhes de carros/ano). Os trs grandes da indstria automobilstica dos EUA acumularam em
1991 dficits por um total de US$7.5 bilhes. A General Motors decidiu fechar 21 fbricas e dispensar 74 mil
trabalhadores. A Ford est aplicando um programa de reduo de gastos de US$3 bilhes com base na demisso e
aposentadoria compulsria de seus funcionrios." (Schilling, 1992, p.79)
Num segundo momento, os empresrios norte-americanos tentaram copiar o modo de
produo japons nas suas fbricas. Essa ltima experincia obteve resultados mais positivos
quando foi acompanhada da fuso de empresas americanas com japonesas em algumas plantas
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industriais. De todo modo. a crise na indstria americana e europia perdurou at que os
empresrios ocidentais viraram o jogo, num terceiro momento.
Estudo realizado para o IPEA (Haguenauguer. Bahia. Castro e Ribeiro, 2001) mostrou que
o ocidente procurou um novo paradigma, chamado pelos autores citados de "carro mundial. um
paradigma de produo que postula o "desenvolvimento de projetos bsicos para comercializao
em varios mercados e/ou estabelecimento de bases de produo especializadas por modelos e
certos componentes." E ainda mais relevante para esta dissertao, os autores afirmam:
"frente ao avano japons, essa estratgia foi mesclada com uma diversificao multirregional que busca
proteo contra barreiras comerciais, regras de contedo local e oscilaes cambiais, alm de buscar a
proximidade fsica entre fornecedores (viabilizando o "just-in-time"). Alm disso, alterou-.se a relao com
fornecedores, buscando reduo da integrao vertical reduo do nmero de fornecedores diretos e adoo de
global sourcing." (Haguenauguer, Bahia, Castro, Ribeiro, 2001, p.33) [itlicos meus]
Essa estratgia afetou sobremaneira os pases perifricos, pois repete-se a ttica que a
General Motors aplicou nos anos 20, mas ampliando-a para a escala planetria. O modelo mundial
lanado e fabricado simultaneamente em todos os pases e montado com partes produzidas em
todo o mundo. Inicia-se uma nova fase de monopolizao na indstria transnacional de veculos,
atravs da superao do conceito de desenvolvimento e produo de modelos novos primeiro na
matriz e, portanto, no pas sede da empresa, para depois, apenas s vsperas da obsolescncia,
transferir os desenhos e estampos periferia.
No NAFTA (North Free Trade Agreement), o Mxico tomou-se uma plataforma de
exportao de automveis para os EUA, porque os produzia com custos mais baixos. Oswaldo
Ribas diz no ttulo de seu artigo que o Mxico vira a Meca da indstria automobilstica(Folha,
25/2/93). Isso aconteceu porque os EUA querem recuperar a competitividade frente ao Japo.
Ribas diz que o trabalhador mexicano tem desempenho prximo dos padres do Primeiro Mundo.
A estratgia de competio visvel, pois no Mxico as montadoras passam a ter comportamentos
de concorrncia.
"Na indstria automotiva, que viu as exportaes explodirem enquanto a demanda domstica
despencava, foi dado aos trabalhadores da Ford um aumento de salrio de 25%. um dos maiores do pas (embora
provavelmente ainda fique abaixo da taxa de inflao de 95). que atingiu os trabalhadores de Cuautitln,
Chihuahua e Hermosillo. Ainda sim muito embora a Ford sempre tenha estabelecido o padro para os aumentos
salariais na indstria manufatureira. a maioria dos analistas argumentava que tal no seria o caso dessa vez. Os
trabalhadores da Nissan, por exemplo, obtiveram um aumento de apenas 13%. "(Vigevani, 1996, p.254)
Essa diferena salarial entre a montadora japonesa e a americana no foi mero acaso. Ela
aponta que a indstria automobilstica, apesar do processo de fuses transnacionais, guarda
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diferenas estratgicas visveis. O problema e que a integrao pelo modo de produo do carro
mundial torna os pases mais especializados, pois as vantagens que cena regio apresenta fazem
dela o destino lgico dos investimentos regionais ou transnacionais. A logstica empresarial define
a sua misso nas seguintes palavras: Uma regio tende a especializar-se na produo daquilo que
tiver vantagem econmica para faz-lo. (Bailou, 1993, p.23)
As informaes acima revelam muito, principalmente, para a insero do MERCOSUL,
pois o Mxico, mais do que recolhendo benefcios, est pagando todos os custos do ajuste de sua
economia ao NAFTA. Sabe-se que nesse ajuste, as empresas que se abalaram menos pela crise
mexicana foram as maquilladoras. pois estas apenas montam os produtos importando os
componentes e exportando a maior parte da produo. No so muito diferentes neste aspecto das
montadoras de automveis que adotam o modelo de produo do carro mundial.
Os pases do MERCOSUL no tiveram to rpido e facilitado acesso ao mercado
americano. O caso do Brasil mostra, inclusive, infortnios da concorrncia globalizada, pois, uma
fbrica de motores da Ford em So Paulo, por exemplo, foi fechada, em virtude do seu fraco
desempenho comercial e pela falta de perspectivas de auxlio da matriz. De modo geral, os pases
do MERCOSUL enfrentaram um processo chamado por Alexandre Comim de globalizao
assimtrica. (Comin e Oliveira, 1999, p. 101) O MERCOSUL passou a importar produtos
automotivos do mundo todo, mas a exportar apenas para reduzido nmero de pases, dos quais os
sul-americanos representam a parte mais significativa.
Para o Brasil e a Argentina, o fluxo comercial de veculos cresceu mais dentro da fronteira
do MERCOSUL. Em 1990, as importaes e as exportaes de automveis e autopeas
aumentaram. O crescimento da exportao de veculos acabados, entretanto, foi menor no Brasil
(de US$417 milhes para US$534 milhes, entre 1990 e 1994). Aps o plano Real ocorre a virada
crucial. As importaes explodem e as exportaes comeam a cair no Brasil.
Tabela 3
Participao dos veculos procedentes da Argentina nas vendas internas do BrasilAno 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Veculos
nacionais
97,5 96,9 93,8 86,5 78,6 87,1 84,4 77,4 85,7
Importados
outros pases
de 2,0 1,4 4,0 11,0 19,2 6,9 6,6 8,1 6,1
Importados
Argentina
da 0,5 1,7 22 2,5 22 6,0 9,0 14,5 8 2
Fonte: ANFAVEA
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Tabela 4
Vendas internas de veculos na Argentina e a participao dos importados13
Ano 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Veculos
nacionais137.175 243.363 311.213 360.721 224.961 215.143 228.297 221.971 220.553
Veculos
Importados28.631 105.882 109.637 147.431 103.021 161.000 198.029 233.401 159.549
Total 165.806 349245 420.850 508.152 327.982 376.143 426.325 455.372 380.102
%impoitados no total
17.26% 30.31% 26,05% 29,01% 31,41% 42,80% : 46,45% 51,25% 41,97%
Fonte: ADEFA
A partir da tabela 3 observa-se que o ano de 1996 representa a virada para a participao
dos automveis argentinos nas vendas internas do Brasil. J no caso da Argentina que absorvia em
1990 apenas 5% das exportaes brasileiras de veculos, 1995 o ano em que ela passa a absorver
mais de 50%. Esse ndice cresce para 58,4% em 1997 e retrocede para 54,7% em 1998. O Brasil
enviou, em 1997, 189.384 veculos para a Argentina e no ano seguinte, 163.280, que
representaram, respectivamente, 95% e 69% das vendas de importados na Argentina. (Comin e
Oliveira, 1999, p. 101-103)
O Uruguai e o Chile tambm so compradores importantes e ocupam lugar destacado
como destino das exportaes brasileiras de automveis. J as importaes brasileiras de
autopeas provm, em sua grande maioria, dos pases sede das principais montadoras instaladas
aqui, como Itlia, EUA e Alemanha. O Japo tambm um grande exportador para o Brasil.
Segundo fontes do Ministrio da Fazenda, em 1994, o Japo exportou produtos automotivos
avaliados em USS200 milhes, para o Brasil, enquanto que a Argentina exportou pouco mais de
US$100 milhes.
Alexandre Comim mostra que quase todas as montadoras brasileiras e argentinas tm, cada
vez mais, a estratgia de direcionarem as exportaes para o MERCOSUL e Amrica do Sul e,
quanto s importaes, de realizarem-nas a partir das matrizes, (idem, p.91) A exceo essa
regra so as montadoras de origem europia que esto globalizadas com menos assimetria do que
as norte-americanas. A Fiat da Itlia importa o Palio, carro mundial produzido no Brasil.
Ademais, a fbrica de caminhes da Volkswagen em Resende, RJ, pretende vend-los na Europa e
mesmo em outras regies.
13 A ADEFA no informa sobre a participao de veculos provenientes do Brasil sobre o total de importados, (www.adefa.com.ar)
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http://www.adefa.com.ar
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No comrcio intra-industrial. isto . de autopeas. Comim e Oliveira destacaram um forte
controle das montadoras sobre o fluxo comercial. Segundo estudo apresentado no IPEA
(Haguenauguer, Bahia. Castro. Ribeiro, 2001, p.33) as montadoras tm um comportamento de
oligopsnio ou at de monopsnio, pois elas so em pequeno numero e compram de fornecedores
numerosos. Neste caso, o monopsnio acarreta exigncias de preos baixos, conformidade
tcnica, inovao e reduo de custo do componente em relao ao valor da produo. Na
avaliao dos analistas Haguenauguer. Bahia, Castro e Ribeiro, o segmento de autopeas foi o que
mais modificou suas estruturas, quando iniciou a abertura comercial no Brasil.
Na Argentina a mudana estrutural comeou um pouco mais cedo. As empresas de
autopeas sofreram e ainda sofrem o processo de uma acentuada desnacionalizao, atravs de
fuses e aquisies. Essas empresas j passavam por esse processo na Argentina desde o incio
dos anos 90 e no Brasil, elas foram muito prejudicadas pelo regime automotivo brasileiro de 1995.
Comim observou que os lucros das autopeas brasileiras despencaram para US$ 340 milhes, em
1995, enquanto as montadoras numa estimativa conservadora lucraram meio bilho de dlares.
Devido tendncia das montadoras de transferirem para os fornecedores a confeco de
todas as partes de montagem que no implique perda estratgica, o segmento de autopeas
recuperou-se. Mesmo assim, a supremacia das montadoras inegvel. Os seus impactos para
frente e para trs da cadeia produtiva so os maiores da indstria. Cada emprego gerado nas
montadoras acarreta mais cinco outros postos de trabalho ligados produo de autoveculos. Ao
anunciarem os seus investimentos em certas regies, as montadoras carregam junto as empresas
de autopeas. Alm disso, no est ao alcance das empresas de autopeas pressionarem os seus
prprios fornecedores, pois esses so siderurgias e outros produtores metalrgicos que esto
altamente concentrados e com preos e rgida especificao de produtos atrelados s tendncias
internacionais.
O processo de desnacionalizao das empresas de autopeas amplifica a presso
internacional de uma globalizao desequilibrada no Brasil e na Argentina. Veja o quadro no
Brasil.
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Tabela 5
Empresas produtoras de autopeas associadas ao SINDIPEAS
Segundo a origem do capital
Ano: 1999
Fonte: SINDIPEAS
Dados do IPEA mostram que entre 1996 e 1999 a indstria automobilstica apresentou
queda de produo fsica de 7% ao ano, e o setor de autopeas 5% ao ano. (Haguenauguer, Bahia,
Castro, Ribeiro, 2001) Na mesma data, a exportao de motores e peas para veculos apresenta
crescimento de apenas 1,8%, enquanto que a exportao de autoveculos (automveis, caminhes
e nibus) avana um pouco mais, acumulando alta total de 13%. Interessante notar esses
contrastes entre a produo e a exportao. O que vem acontecendo que a produo de
autoveculos caiu muito e as vendas internas mais ainda. Em contrapartida, houve aumento
moderado das exportaes.
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Pretende-se analisar mais detalhadamente esses dados adiante e aprofundar a discusso
sobre globalizao assimtrica. Adianta-se que os acordos automotivos celebrados no
MERCOSUL e tambm na Amrica Latina so uma soluo incompleta que melhor
compreendida, se for analisado o modo pelo qual se desenvolveu e progrediu a indstria
automobilstica do Brasil e da Argentina.
2.2) Polticas automotivas do Brasil e da ArgentinaAntes de 1930. subsidirias da General Motors e da Ford j montavam veculos no Brasil,
importando as peas. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Fbrica Nacional de Motores, FNM,
de propriedade do governo federal inicia a construo de caminhes. Em 1950, j havia 250
estabelecimentos vinculados a indstria automobilstica, principalmente empresas de autopeas
medias e pequenas, fbricas de pneus e de montagem de veculos. O marco que os historiadores
escolheram, entretanto, para sinalizar quando as indstrias automobilsticas estrangeiras se
implantaram no Brasil foi o decreto-lei de 1956, que estabeleceu as diretrizes oficiais para a
produo de veculos e que criou o Grupo Executivo da Indstria Automobilstica (GEIA) que era
responsvel pela poltica automotiva14.
A indstria automobilstica instalou-se no Brasil, marcando o desenvolvimento nacional.
Todas as facilidades foram criadas para atrai-la. O Grupo Volkswagen, por exemplo, veio para o
Brasil na poca do plano de metas de Juscelino Kubitschek e as antigas subsidirias das empresas
estrangeiras transformaram-se em fbricas, pois trouxeram equipamentos obsoletos do seu pas de
origem, para iniciar a produo prpria aqui. digno de nota que a verticalizao da indstria
automobilstica foi proibida pelo CDI. As montadoras contam com o fornecimento das empresas
de autopeas, que puderam ter um desenvolvimento nacional no pas. (Carvalho, 1989, p.27)
No campo econmico, o Brasil firmava a poltica de substituio de importaes,
consolidada, posteriormente, atravs da Instruo n2 70 da Superintendncia da Moeda e do
Crdito (SUMOC) que, dentre outros, aumentava as tarifas de importaes. Esse tipo de medida
aliada ao crescimento da economia domstica causou, desde essa poca, o aumento da produo
de veculos progressivamente. Em 1962, o Brasil j produzia 191 mil veculos. Em 1967, a
produo estagnou em virtude do baixo crescimento econmico, de modo que a crise levou as
empresas mais fracas a serem absorvidas pelas concorrentes. A Ford comprou a Willys, a
Volkswagen a Vemag e em 1968, o governo vendeu a FNM ao grupo Alfa Romeu. Depois destas
14 Posteriormente. suas atribuies seriam assumidas pelo Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI). fundado em 1969.
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fuses e de algumas empresas sarem do mercado, em 1974 restaram apenas quatro grandes
empresas transnacionais no Brasil, a Volks, a GM, Ford e Mercedes Benz, todas sediadas no
estado de So Paulo. A vinda da Fiat para Betim, cidade nos arredores de Belo Horizonte. MG.
iria quebrar essa concentrao industrial
A industria da Argentina teve uma histria semelhante da indstria automobilstica
brasileira, inclusive porque a implantao dela ocorre tambm durante a dcada de 50. A
estratgia adotada pelo governo argentino de Arturo Frondizi foi tambm a de substituio de
importaes, pois o pais j contava com a presena de filiais de empresas que montavam os
veculos. Helen Shapiro aponta que a poltica automotiva do Brasil pde servir de modelo para o
Mxico e para a Argentina, porque houve uma pequena antecipao do governo JK em relao
aos colegas latino-americanos. (Arbix,1997, p.36)
E interessante notar que logo nos primeiros anos de funcionamento da indstria
automobilstica, entre 1960 e 1970, no havia uma diferena muito grande entre a produo
brasileira e a argentina. A partir da dcada de 70, entretanto, o Brasil ampliou a sua escala de
produo, enquanto a Argentina manteve os seus patamares praticamente no mesmo nvel.
Interessante tambm salientar que as indstrias automobilsticas dos dois pases funcionavam de
maneira estanque. Mesmo empresas com filiais nos dois pases produziam modelos diferentes de
autoveculos.
A exceo foi a Scania. Desde 1976 produzia caixas de cmbio na Argentina e as importava
para os caminhes produzidos no Brasil. Do Brasil manda cabines, eixos e motores para a
Argentina. Mauro Marcondes, diretor de assuntos industriais da Scania do Brasil explica:
"aproveitamos melhor a capacidade industrial dos dois pases e evitamos a duplicao de
investimentos" (Estado de So Paulo, 1/6/92, p. 7) Fora a integrao incipiente, o que era
absolutamente notvel que a indstria automobilstica argentina produziu 10% do que a Itlia
produziu em 1978, mas oferecendo maior nmero de modelos do que qualquer pas produtor.
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Tabe