PARTE II DA PROBLEMÁTICA INVESTIGATIVA À PESQUISA...

42
71 PARTE II DA PROBLEMÁTICA INVESTIGATIVA À PESQUISA EMPÍRICA Os artifícios da gestualidade na formação de professores do 1º CEB, nomeadamente na área de Matemática

Transcript of PARTE II DA PROBLEMÁTICA INVESTIGATIVA À PESQUISA...

71

PARTE II

DA PROBLEMÁTICA INVESTIGATIVA

À PESQUISA EMPÍRICA

Os artifícios da gestualidade na formação de

professores do 1º CEB, nomeadamente na área de

Matemática

72

CAPÍTULO III

PROCESSOS METODOLÓGICOS DE RECOLHA E

TRATAMENTO DE DADOS

Neste capítulo é

apresentada a

metodologia de

investigação seguida no

trabalho, bem como as

respectivas

fundamentações.

Assim, apresento os

sujeitos envolvidos;

caracterizo brevemente a

escola e o meio em que

esta se insere.

Anuncio, também, os

instrumentos de recolha

de dados utilizados,

desde a sua elaboração

até à sua aplicação.

73

“Da semente germina uma raiz, depois um broto; do broto,

as folhas embrionadas; das folhas, o caule; ao redor do

caule, os ramos; no topo, a flor…Não podemos dizer que a

semente ou o solo causam o crescimento. Podemos dizer

que as potencialidades para o crescimento encontram-se no

interior da semente, no misterioso princípio vital que,

quando convenientemente alimentado, assume

determinadas formas”.

ADAPTADO de M.C. RICHARD

(cfr. Patraglia, I., p. 1993)

74

3.1. Fundamentação das opções

O caminho esboçado e, que se desvenda ao longo deste trabalho de investigação,

visa enfatizar as ideias-chave supramencionadas, ou seja, tocar as faces do poliedro do

conhecimento, da formação, do profissional reflexivo, dos modelos de comunicação

humana, das linguagens não verbais e das categorias funcionais da gestualidade, num

quadro de desenvolvimento pessoal e profissional.

O finito número de faces do poliedro e, a expansão do sólido é uma operação que

permite (re)criar outro broto e, outro renascer da expansão do interior da semente.

Comparo a face(ta)s do poliedro aos sublimes sentidos com que o corpo ilumina e

enlaça o mundo. São as faces do silêncio, do riso, do meneio, do franzir da sobrancelha, da

mão erguida, que concedem ao outro a expressão do sentido no outro e criam devir, ou

não, também!

Este desdobrar de vida em vida, de sonho no sonho do outro, este corpo que não

mente e que devassa os segredos mais íntimos. Não adianta, mesmo que não queiramos, o

nosso corpo fala e, às vezes, clama! Ele trai o que a palavra insiste muitas vezes em

esconder, ele tira os véus e desnuda o que realmente somos.

Abercrombie, admite que “falamos com os órgãos vocais, mas é com o corpo todo

que conversamos”. (cfr. Ferrão Tavares, 1991b, p. 55)

O acto de sonhar implica o de criar e, neste ponto, todos podemos ser criadores a

qualquer momento. Mesmo que as criações de uns sejam mais limitadas, em relação às

criações de outros, importa criar algo, descobrir as faces (des)conhecidas das nossas

possibilidades e não parar de sonhar, nunca!

Torna-se, essencial impulsionar e esporear a infinita capacidade de criação e de

construção do conhecimento, numa linha de formação e de desenvolvimento pessoal e

profissional, de modo a que, como acentua Sá-Chaves (2000), olhemos

“de dentro para fora, para melhor do que ninguém, reconhecer as limitações e os

problemas e, também melhor do que ninguém, agir no desenvolvimento de

estratégias (…) que possam tornar os dias mais claros na partilha humanizada (…)

através de reflexão interior . (p. 23)

75

Um professor deve ser um exímio actor que reflecte, questiona sobre a eficácia

pessoal, social e profissional do seu quotidiano escolar. Naquele espaço supervisivo e,

numa atitude pedagógico-didáctica, em contacto com um público tão especial, que são os

seus alunos, o corpo, as mãos, os gestos, a expressão facial constituem parte integrante da

comunicação quer na fase de motivação, quer na fase do questionamento, da reflexão

individual ou conjunta, na resolução das tarefas proposta, na estimação, na verificação,

assim como, em todos os instantes do processo de ensino e aprendizagem. Efectivamente,

o corpo comunica: o olhar, a postura próxima ou distante, o sorriso, a expressão facial, os

gestos e, até o silêncio é já comunicação. A manifestação de uma postura retirada em

relação ao outro, enunciados verbais inexistentes, inexistência de contacto ocular,

semblante carregado, vontade expressa de não comunicar é já uma forma de comunicar:

incomunicação.

Nesta óptica, se comunicar é um comportamento e dado que este não tem contrário,

então há impossibilidade de não comunicar. (cfr. Watzlawick et al., 1972, p. 45)

A reflexão do profissional de qualquer área é, sem dúvida, o da construção do

conhecimento reflexivo, partindo do (des)conhecimento das faces (des)conhecidas, do que

cada um é e do que pode vir a ser e compreender, desde que se implique como aprendente,

num conhecimento singular e num trajecto que ele próprio delinie, no mundo, que é a sala

de aula que lhe cabe “sentir e fazer sentir”.

Reitero com as palavras de Sá Chaves (2000, p. 27) “ninguém veio aqui para pedir

missionários, nem que alguém mudasse o mundo. Viemos aqui, apenas, para falar de nós,

enquanto transformadores de nós mesmos e dos lugares que, nesse mundo, nos couberam”.

A transformação profissional e pessoal dar-se-á se, o desejarmos ardentemente,

dado que os fidedignos supervisores da sua formação são, simultaneamente, actores e

autores do conhecimento, numa tentativa de (re)conhecimento e de (re)descoberta dos seus

padrões de comportamento, das respostas dadas de forma deliberada, a situações práticas

da vida.

Procurei, pessoalmente, reflectir e tomar consciência de teorias, crenças e

concepções sobre o ensino e aprendizagem e, reflectir, a pari passu no trajecto activo dos

formandos, por forma a aprender a construir percursos singulares e a dar sentidos próprios

aos trajectos apresentados. Em alma, mantive a porta de espanto

76

“aberta pelos trabalhos de cada outro, pela profundidade de tantos, pela

autoridade, pela mágica beleza, pela perspectiva nova, pela coragem temática, pela

subtileza de análise, pela persistência de outros e pela presença de todos nos seus

modos pessoais de pensar e agir [permita, de forma supervisionada], compor uma

partitura a muitas, muitas mãos”. (Ibid.) Sá-Chaves (1999, p. 23)

Com confiança e determinação, é meu desejo que a face (des)conhecida da

gestualidade e dos diversos aspectos concernentes, no processo de expressão/comunicação

dos formandos do 1º CEB, nomeadamente na área de Matemática seja, verdadeiramente,

desbravada, transformada, reflectida, dialogada, sustentada e ecológica.

77

3.2. A investigação-acção – metodologia de formação

A consciência de que “em termos formativos, o professor é o agente dinâmico da

sua formação e o faz por meio da investigação de suas próprias práticas em sala de aula” e,

acreditando que o professor almeja percorrer, apaixonadamente, este trajecto formativo, no

sentido de conhecer e controlar, conscientemente as múltiplas dimensões inerentes ao acto

educativo, nele se incluindo como uma das variáveis mais decisivas e determinantes.

(Alarcão, 2001a p. 25), acrescento que “a sala de aula funciona como um microcosmos de

um universo mais amplo, constituído pela escola e pela comunidade”. (2001, p. 13).

Moreira citando Hameline (1996, p. I) ilustra que tendo,

“transformado a aula num «terreno laboratório» de investigação-acção, o professor-

investigador, como se costuma dizer, tem a vantagem de fazer um trabalho escrito

e de o apresentar à universidade para reconhecimento académico. Não é um

benefício a desprezar. Mas haverá quem pergunte: «E os interesses dos alunos?».

Permitam-me que tranquilize os inquietos com uma impressão pessoal: é frequente

que os práticos produtores de teses procurem o «bem dos alunos» mais

apaixonadamente do que os outros. Mas como poderemos nós verificar tal

propósito? E quem é que diz que os mais eficazes são os mais apaixonados?”

Comparando a vida a um comboio Bardin ilustra “que desliza sobre carris” e ao

passageiro até lhe agradaria “permanecer sentado, muito ajuizado e bem instalado nos

assentos das carruagens, escutando a voz suave e firme que lhe vai debitando, através de

um moderador acústico, os gestos que ele deve ou não executar para desfrutar a viagem e

chegar ao seu destino”, significa o oposto a uma metodologia de formação colaborativa e

reflexiva, integrada num continuum das práticas pedagógicas dos formandos, condições

basilares de qualquer processo de investigação-acção. (1977, p. 90)

Rogers refere que a única aprendizagem significativa é aquela que compromete a

pessoa no seu todo, na sua dimensão afectiva e cognitiva, sendo que a aprendizagem tem

que ter algum significado para quem aprende e, tem que estar incluída no trajecto pessoal

de vida.

É, por isso, que segundo Alarcão e Tavares (1987, p. 44) “o supervisor não será

aquele que dá receitas de como fazer, mas aquele que cria junto do professor, com o

professor e no professor, um espírito de investigação-acção, num ambiente emocional

78

positivo, humano, desencadeador do desenvolvimento das possibilidades do professor

pessoa, profissional”.

“por aprendizagem significativa entendo uma aprendizagem que é mais que uma

acumulação de factos. É uma aprendizagem que provoca uma modificação, quer

seja no comportamento do indivíduo, na orientação da acção futura que escolhe ou

nas suas atitudes e personalidade. É uma aprendizagem penetrante, que não se

limita a um aumento de conhecimentos, mas que penetra profundamente todas as

parcelas da sua existência”. (Rogers, 1973, p. 253)

É ao dialogar sobre o que se faz e observa e ao discorrer sobre as conclusões que,

guardadas em cada face das nossas práticas, que se encontra espaço para compreender o

processo de formação do conhecimento e para se equacionar as ideias que se multiplicam,

as que produzem novas questões e, que conduzem, por sua vez, a novos actos de reflexão e

acção.

Este ciclo onde se desbravam e se (re)elaboram realidades das faces conhecidas,

procurando imagens, analogias, recordações que elas arrastam consigo e que acabam por

funcionar como luzes mágicas que abrem as portas mais remotas da alma e, iluminam o

rumo a seguir, está bem patente na metodologia de formação eleita, ou seja, a investigação-

acção.

Num tempo em constante mudança e inovação como aquele em que hoje vivemos,

o conhecimento é cada vez mais fruto de processos interactivos, dinâmicos e em

permanente (re)construção. A produção de conhecimentos novos só pode ter sentido, se

através deles a acção puder, efectivamente, ser modificada. E, se é importante a

tranformação da relação didáctica-pedagógica, é de capital importância a transformação

dos actores pois, segundo Gomes (2002), este é o objectivo primordial da investigação-

acção .

Recorri à investigação-acção por se descrever pela adição auto-reflexiva, composta

por ciclos de planificação, acção, observação e reflexão, parcelas que julgo de suma

importância no decorrer do estudo.

A produção e utilização do saber estão subordinadas às suas grandes orientações: “a

melhoria da prática, através de um melhor entendimento da mesma”. Moreira, (2001, p.

25)

79

A designação de investigação-acção conforme, Afonso (2005), recupera uma

realidade multifacetada, constituindo uma estratégia de investigação muito eclética. A

definição simples e citado por Afonso de Altricher, constitui um referencial para o conceito

de investigação acção: “a investigação-acção destina-se a ajudar os professores e grupos de

professores a enfrentarem os desafios e problemas das suas práticas, e a concretizarem

[mudanças] de uma forma reflexiva”.

Bodgan et al. (1994) expõem que, “a investigação-acção consiste na recolha de

informações sistemáticas com o objectivo de promover mudanças sociais”. (p. 292),

No caso presente a realidade social onde se operam mudanças é na sala de aula, na

escola, ligada como está a um todo comunicacional. E, sendo verdade que são necessários

pelo menos dez anos para que uma inovação se generalize, mas poucos instantes para que

reflectamos e nos revelemos, não é por isso que se pode deixar de investigar,

individualmente e em grupo, no sentido de transformar os próprios sujeitos assim, como a

escola e a própria sociedade.

Segundo Gomes (2002, p. 33) “a investigação-acção”, porque inclui nela os

próprios sujeitos dessa transformação, é provavelmente a investigação mais operante em

matéria de alterações profundas e duradoiras. Estas transformações nascem de dentro, são

vividas, sentidas, pelos próprios actores”, sendo nesta linha de “racionalidade reflexiva e

crítica, onde os próprios investigadores se assumem como agentes de mudança”. (Idem, op.

cit. p. 294)

Liston e Zeichner (1990) referem “it is not so much a matter of doing action

research on teaching as it is of viewing teaching itself as a form of inquiry or

experimentation” (p. 246), Isto permite, certamente, que os professores definam os

problemas a investigar, com vista a um determinado objectivo pedagógico-didáctico

comum, estimulando-os a (re)produzir as suas reflexões, de forma a relacionarem

experiências interpessoais e a aprofundarem as suas questões, mediante a partilha, pesquisa

e troca de experiências. Como afirma Elliott (1990, p. 26), “los relatos de los diálogos con

los participantes acerca de las interpretaciones y explicaciones que surgen de la

investigación deben formar parte de cualquier informe de investigación-acción”. À

existência intrapessoal temos que associar, inevitavelmente, a interpessoal, a da

intersubjectividade, a da comunicação, a do outro.

80

Criando espaço para a comunicação e compreensão desenvolvidas pela reflexão

cooperativa, a “investigação-acção surge como uma potencial estratégia de formação

inicial de professores que os pode ajudar a desenvolver capacidades e atitudes de contínuo

questionamento da sua prática de ensino e dos contextos em que essa prática se

insere”.(Alarcão e Moreira, op. cit., p. 120)

É na contradança contínua entre a acção e a reflexão que reside o poder da reflexão

sobre a prática como catalizador de melhores práticas reflexivas desta

metodologia/estratégia de formação: as teorias, as crenças e significações são,

incessantemente, subjugadas a um processo de questionamento, em que a atenção do

professor-investigador se desloca entre a evidência e a interpretação.

Conforme Vieira citado em Moreira, uma abordagem reflexiva (1996, p. 52)

“valoriza a construção pessoal do conhecimento e legitima o valor epistemológico da

prática profissional” colocando a prática como uma componente de reflexão do professor.

A prática é valorada enquanto “fonte de conhecimento, através da experimentação e

reflexão, como momento privilegiado de integração de competências, como oportunidade

para representar mentalmente a qualidade do produto final”. (Alarcão, 1991, p. 10)

Se a investigação-acção tem presente o desenvolvimento de competências,

conhecimentos conceitos novos e novas atitudes, precisa de conhecer os passos que a hão-

de levar a isso, pois então, valorizando-se a prática “como fonte de conhecimento, através

da experimentação e reflexão”, ela é também o “momento privilegiado de integração de

competências” desbravando e apreciando a “própria capacidade de agir”. (Alarcão, 1991,p.

10) A produção e a utilização do conhecimento estão, subordinadas a esse fim. Todo este

processo acontece de forma ecológica, ou seja, o ser humano desenvolve-se em constante

interacção com o meio, transitando continuamente de contexto em contexto, escutando as

circunstâncias desses contextos sociais, culturais, educativos, ideológicos.

“A experienciação pessoal, situada, ocorrendo em contextos diferentes, com

actividades e papéis diferentes e acompanhada por reflexão fenomenológica,

compreensiva das percepções obtidas, é necessária à transformação de um aluno

em professor, porque em ambos os casos se trata de um desenvolvimento também

ele de índole pessoal. Ela permite conjugar desenvolvimento pessoal com

socialização, relacionar teorias pessoais e teorias públicas, compreender a natureza

contextual do que é verdadeiro e do que é justo”. (Alarcão, 1994, p. 211)

81

A investigação-acção permite, então, que os professores se consciencializem das

relações entre micro e macrosistemas em que se movimenta.

Os intentos assinalados e, que subjazem à escolha dessa metodologia estão

perceptíveis nos momentos ou ciclos levados a cabo e que apresento esquematicamente.

Figura 3 - Os ciclos da investigação-acção deste projecto

É neste processo que se valorizam os trajectos de vida pessoais e profissionais, se

devolve um olhar retrospectivo à Vida, se reflecte sobre o significado dessas vivências e se

consideram as experiências como pontos de partida e de referência para a acção. “Ter

conhecimento directo dos factos significa aumentar a consciência e dedicação

relativamente a questões particulares”, assim sublinham Bodgan et al. (op. cit., p. 297).

A figura ilustra o ciclo vivenciado e, revela que o momento pré-observação tem em

vista a acção a construir que é guiada, em retrospectiva, pela planificação, mas que é fonte

da observação que, por sua vez, fornece dados à reflexão. É ao longo deste ciclo que

surgem novos vértices que convidam a questionar a nossa acção e a prolongar os

momentos de reflexão, numa linha formativa.

82

Os encontros pré-observação ocorriam durante a designada Reflexão, incorporada

no currículo da Instituição formadora, parte integrante da disciplina de Prática Pedagógica

leccionada pela investigadora, momento em que os formandos, pensavam, planificavam e

anunciavam os seus propósitos para a acção, ou seja, para a leccionação.

Alarcão (1994, p. 230), ilustra que a reflexão sobre a prática afigura-se como um

momento de mediação entre a teoria e a prática que ajuda a “integrar saberes de

provenientes de diferentes campos (…). Assim os encontros de [reflexão] apresentam-se

como espaços privilegiados para estimular a reflexão na acção e a reflexão sobre a acção”.

Apesar da Professora Titular, Cooperante, não integrar este estudo de forma

explícita, implicitamente, desempenhou um papel fundamental na condição de geradora de

circunstâncias, nomeadamente a disponibilidade para a videogravação, o apoio

incondicional à investigação e, ainda, a sede de se aventurar e reflectir sobre a temática em

momentos de consideração adjacentes (Professora Cooperante e Supervisora-

Investigadora).

Naturalmente que a demonstração gestual do que se ia fazer, não acontecia nestas

sessões. Autêntico foi que durante as sessões de reflexão se apresentavam aspectos

importantes a abordar, no âmbito do plano de formação e se discorria acerca de questões

levantadas, de situações de aula, de dificuldades sentidas e, até, de quando em vez, a

Mafalda demonstrava interesse repetido em descortinar, por exemplo, o significado

atribuído pela colega “…Martina e as mãos nos bolsos, que achas?”, foi, portanto, uma

díade de tarefa conjunta em que os dois formandos se apercebem que fazem algo em

conjunto, ou seja, compreender como o outro percepciona, desfruta das mesmas

inquietações, por vezes mais íntimas, aspecto consentâneo em todas as intervenções.

Amiguinho (1992, p. 45) assinala que “os processos de formação não são

independentes da história de vida dos sujeitos e a formação decorre em estreita ligação

com esta e os saberes e experiência global que as pessoas conseguem mobilizar na sua

formação”.

Refira-se ainda que a investigação-acção também se alicerça sobre as linhas

directrizes de uma abordagem qualitativa, aquela que nós privilegiámos neste estudo e que,

aliás, será abordada, posteriormente. (cfr. Bodgan et al., op. cit., p. 293)

83

3.3. A investigação-acção e a supervisão

A supervisão clínica é a designação utilizada para remontar a um conceito

introduzido por Goldhammer, Morris Cogan entre outros.

Goldhammer introduziu este novo juízo na tentativa de qualificar a relação entre

supervisor e formando, assente em princípios tais como a confiança mútua, a autonomia e,

a liberdade de expressão, constituindo um processo de análise conjunta dos acontecimentos

vivenciados na sala de aula. (cfr. Moreira, op. cit., 80)

O desenvolvimento em espiral, que é por natureza pertença da investigação-acção,

fá-la aproximar-se da supervisão clínica, “também ela de natureza cíclica, tornando-se

adequada à aplicação no ano de estágio”. (Alarcão e Moreira, op. cit., p. 124)

As autoras acrescentam que

“o processo da supervisão clínica está centrado na observação, análise e reflexão

sobre a própria actuação dos colegas, promovendo a ligação entre três vectores:

acção, reflexão e colaboração, numa dinâmica em tudo semelhante à dinâmica da

investigação-acção”. (Ibid.)

Moreira (1996), prenuncia que objecto da acção supervisiva é a sala de aula e tudo

o que nela se passa, fonte de informação primária para o processo de estudo do professor e

respectiva tomada de decisões. A tónica assente na sala de aula, a “clínica” constitui

objecto de reflexão e hipóteses de transformações, fazendo com que a supervisão clínica

actue de dentro para fora, como é de desejar, desenvolvendo no professor em formação,

questionamento, reflexão, comprometimento e, espírito inquieto almejando a descoberta.

O modo como se articula a supervisão clínica e a investigação-acção foi projectado

pelas autoras citadas (Ibid.), como se apresenta na figura quatro, abaixo.

84

Figura 4 – Articulação entre a investigação-acção e a supervisão clínica

Supervisão clínica

Investigação-acção

Num processo de “supervisão clínica fiel à sua concepção original, parte-se do

pressuposto que a mudança do professor assenta na compreensão das finalidades imediatas

da formação e do sentido prático da sua acção”. Moreira (op. cit., p. 91)

Quando se fala em acção, reflexão e conhecimento, Schön constitui uma referência

obrigatória, cujas linhas de pensamento foram difundidas também por Alarcão.

Como obreiro que perspectiva a prática profissional reflexiva, Schön revela o modo

como o sujeito que age deve reflectir, designadamente: reflexão durante a acção, na acção

(reflexion-in-action); reflexão após o que se sucedeu, sobre a acção (reflexion-on-action) e

reflexão sobre a reflexão na acção (reflexion on reflexion-in-action). (cfr. Alarcão, 1991, p.

8)

É unanimemente aceite hoje em dia que a actividade do bom profissional, no

seguimento do pensamento de Schön, consiste numa “actuação inteligente e flexível,

situada e reactiva, produto de uma mistura integrada de ciência, técnica e arte (…). É um

saber fazer-sólido, teórico e prático, inteligente e criativo o que permite ao profissional agir

em contextos (…) e, em que cada situação fazem uma novidade a exigir uma reflexão e

uma atenção dialogante com a própria realidade que lhe fala” (Alarcão, 1991, p. 6). A

resolução de qualquer espécie de situação menos perceptível, conduz o profissional a um

diálogo com a situação. O bom profissional, segundo Alarcão (1991, p. 6), “pensa em voz

alta. Conversa com a situação, ouve o que esta tem para lhe dizer. Verbaliza os seus

próprios processos de reflexão no decurso da própria acção”.

Encontro

pré-observação

___________

Planificação

Acção - Observação

Encontro

pós-observação

____________

Reflexão

85

Esta confabulação constitui um diálogo reflexivo, ocorrido durante o processo de

reflexão-acção.

A reflexão na acção ocorre quando o professor reflecte no decorrer da própria acção

e a vai reformulando, de forma a ajustá-la a situações novas que vão surgindo. Ocorre

simultaneamente coma acção, no desenrolar da mesma, sem a interromper, reformulando

constantemente o que se está a fazer (Alarcão, 1991). Enquanto supervisora, apercebi-me

frequentemente, que esta capacidade se aperfeiçoa com a prática, dado que, inicialmente,

se sentem maiores dificuldades em reagir, prontamente, em cenários imprevistos e a

dialogar, no momento, com a situação.

Um outro tipo de reflexão, característica do bom profissional é a reflexão sobre a

acção. Acontece, quando o professor reconstrói, mentalmente, a acção para a analisar,

retrospectivamente.

Para Alarcão, ela consiste numa reconstrução mental retrospectiva da acção para

tentar analisá-la, constituindo um acto natural quando se olha de forma diferente para a

acção.

O olhar a posteriori sobre o momento da acção, ajuda os formandos a perceber

com mais nitidez o que aconteceu durante a acção e a constatar formas de resolução de

inesperados.

O professor engrandece o conhecimento que emergiu deste primeiro ciclo para

voltar a agir, a reflectir para, na e sobre a acção, dando origem a novos ciclos de onde

provêm novos e, ou mais sólidos conhecimentos e saberes. Este modelo reflexivo de

formação de professores coincide também com a construção cíclica do saber.

Os dois primeiros são na opinião de Serrazina e Oliveira ( s/d, p. 4) “essencialmente

reactivos, separando-os apenas o momento em que têm lugar, o primeiro ocorrendo durante

a prática e o segundo depois do acontecimento, quando este é revisto fora do seu cenário”,

pois é ao proceder à reflexão que se “consciencializa o conhecimento táctico, se procuram

crenças (…) e se reformula o pensamento”.

Schön considera um último tipo de reflexão, sendo a reflexão sobre a reflexão na

acção, que institui no dizer de Alarcão, um “processo que leva o profissional a progredir no

seu desenvolvimento e a construir a sua forma pessoal de conhecer. A reflexão sobre a

reflexão na acção ajuda a determinar as nossas acções futuras, a compreender problemas

futuros ou a descobrir novas soluções” (1991, p. 9) Trata-se, pois, da metacognição que

86

fomenta a evolução e o desenvolvimento profissional do professor, levando-o a progredir

na forma de conhecer, de problematizar e de equacionar, de forma pessoal, a sua acção.

Segundo Serrazina e Oliveira (s/d, p. 4), “a reflexão sobre a reflexão na acção é aquela que

ajuda o profissional (…) a olhar retrospectivamente para a acção e reflectir sobre o

momento da reflexão na acção, isto é, sobre o que aconteceu”. Pode ser designada por

reflexão norteada para acção futura.

Destas etapas de reflexão emerge o conceito de Knowing-in-action, ou seja,

conhecimento na acção. O professor agiu, praticou, desenvolveu conhecimentos práticos,

mas é só quando reflecte na e sobre a acção que conhece, globalmente. Daí a reflexão ser

considerada a fonte de conhecimento e não a prática, embora esta última também o possa

ser, desde que seja sujeita a um processo de reflexão.

Ao longo da corporalização do projecto de formação, ponderei todos os

pressupostos mencionados, no sentido da “construção activa do conhecimento na acção,

segundo uma metodologia de aprender a fazer fazendo (learning by doing)”. (Alarcão,

1991, p. 6)

Encetei conversações reflexivas com as situações e com a prática lectiva,

implicando os formandos na submersão consciente no mundo das suas acções, experiências

e saberes, partindo, desde logo, da reflexão para a acção, uma dimensão prospectiva

proposta por Shulman (cfr. Alarcão, 1996, p. 179) Trata-se, pois, de uma reflexão pró-

activa que se detém na construção de futuros possíveis. Planifica-se, constrói-se, prevê-se o

amanhã. No contexto educacional, a planificação constitui os fundamentos de práticas bem

sucedidas, porque precedentemente pensadas. A teoria como o bom senso indicam que o

acto de planificar, desenhar qualquer tipo de tarefa melhora os seus resultados e conduz à

compreensão e aceitação partilhadas de metas claras e alcançáveis.

Como supervisora (formadora), assentei a tónica nos actos de ajudar a monitorar, a

desenvolver aptidões e capacidades no professor.

O supervisor (ou formador) também aprende, dado que necessita de, por vezes,

reformular estratégias para cada formando, tal como referem os autores supracitados,

“também o supervisor se desenvolve, porque, tal como o professor, aprende ensinando”.

(Ibid.)

O projecto de investigação insere-se no explanado anteriormente.

87

As teorias inculcadas são também responsabilizáveis e determinantes na percepção

que o formando e o supervisor exercem na relação supervisiva. Portanto, supervisionar

formando foi, um processo de interacção entre todos os intervenientes, em diálogo aberto

incluindo momentos semeados de anseios e dúvidas, de decisões a tomar, de rumos a

escolher, assim como da planificação, acção, observação e reflexão e procurando implicar

e consciencializar os formandos da sua actividade. Oliveira (1992, p. 15), enfatiza que o

formando desempenha “ (…) ao nível da análise/reflexão sobre a sua actuação, um papel

determinante (…)”, dado que ele conhece bem o contexto em que a mesma acção ocorre.

Esta relação, entre formandos e supervisor, deve ser de tal modo edificante, que crie e

desenvolva uma atmosfera conducente à identificação de focos de atenção, descobertas,

problemas e de modos de resolução e aperfeiçoamento das suas práticas, através do

questionamento, da experimentação e reflexão individual e conjunta de faces do tema

proposto.

O estudo e plano de acção, encontra-se encaixilhado no paradigma da racionalidade

reflexiva e crítica, que estabelece a construção colaborativa do conhecimento e da

aprendizagem e num modelo de supervisão que se ambiciona “não standard [pois]

dificilmente se poderá falar em modelos de supervisão e cenários que isoladamente

respondem à complexidade da tarefa que a supervisão pressupõe”, tal como afirma Sá-

Chaves (1994, pp. 155-156). Daí, a necessidade do supervisor conhecer os diferentes

cenários supervisivos, por forma a que em dados momentos, pela análise reflexiva de cada

sujeito, do contexto e das suas necessidades, possa recorrer a aspectos que lhe pareçam

mais válidos no momento e consentâneos com a ecologia das situações. Alarcão e Tavares

sublinham que “os vários cenários [...] não se excluem mutuamente; pelo contrário,

interpenetram-se” (1987, p. 42).

Perante o manifesto, se confirma que qualquer supervisor, no desenvolvimento

profissional do professor em contexto, poderá assumir o papel de coordenador de projectos

de investigação-acção, entrelaçando-os com a supervisão clínica e num modelo de

intervenção reflexiva não standard (cfr. Sá-Chaves, 2000, p. 188), insistindo-se sobre a

importância de se promover um profissional reflexivo.

Qualquer professor para melhorar o seu ensino deve reflectir sobre a sua

experiência. O bom professor, como refere Gomes, faz-se na experiência, dado que,

ninguém ensina ninguém a ensinar. Mas pode ajudar a caminhar, apontando caminhos,

88

aparentemente, menos iluminados, colaborando na descoberta das faces (des)conhecidas e,

quem sabe, caminhar lado a lado na antevendo a possibilidade de em algum momento,

poder ser solicitado.

3.4. Caraterização do contexto

Parafraseando Tavares (cfr. Portugal, 1992, p. 9), o Homem para se desenvolver

precisa de um contexto adequado, de modo a poder interagir com o mundo que o rodeia e

também a construir uma teia de relações, mediante as quais possa dar resposta às muitas

solicitações da sua personalidade.

O contexto concreto e próximo, acarretando, ipso facto, maior fidelidade à sua

caracterização e ao meio social onde se insere.

Assim sendo, é imperativo lançar um olhar sobre o contexto em que o sistema de

ensino e aprendizagem e de formação se realizaram.

Viseu é a capital do Distrito de Viseu, situa-se no coração da Beira Alta, num

planalto a 494 m de altitude, entre os rios Vouga e Dão.

A E.B. 1 de Viseu nº 1, designada de Escola da Ribeira integra o Agrupamento de

Escolas de Grão Vasco, na cidade de Viseu, a 500 metros da Escola Superior de Educação,

instituição de formação do grupo de Formandos. A Escola está situada na freguesia de S.

José.

O meio envolvente é constituído por uma maioria de famílias que vivem do

pequeno comércio, um grupo reduzido de famílias da classe média alta e, ainda por

algumas famílias que vivem da pequena agricultura, assim como por um pequeno grupo de

famílias de etnia cigana.

Verificam-se grandes bolsas de pobreza, sendo de referir que na escola em questão,

uma parte significativa de alunos manifesta carências a nível afectivo e, que existe um

número considerável de crianças que provém de em instituições de solidariedade social de

apoio à família e a crianças abandonadas, como são os casos do Internato de Santa

Teresinha, Lar-Escola de Santo António e entro Social D. José da Cruz Moreira Pinto.

Desta realidade, emergem, frequentemente, atitudes dos discentes que procuram

despertar nos professores atenção.

89

O edifício congrega um piso inferior e um superior, o primeiro andar com salas de

leccionação, salas de aula do Pré-Escolar, uma sala TEACCH, Terapia da Fala, ginásio,

cantina e bar, o segundo a Mediateca, Biblioteca, Sala de Música e salas de aula. Existe

ainda um espaço amplo ao ar livre formado por um campo destinado ao desenvolvimento

da prática desportiva de várias modalidades, um estacionamento, e são também visíveis

alguns espaços livres que tornam o recinto escolar mais atraente e propício ao

desenvolvimento de actividades lúdicas aquando dos designados, intervalos-recreios.

A presente escola apresenta-se acolhedora e favorece um ambiente de união e

convívio entre os vários elementos que constituem a comunidade escolar.

É nesse micro-sistema, conjunto de múltiplas interacções entre o professor e os seus

alunos, que se estabelecem relações interpessoais, durante um certo período de tempo e

espaços determinados que se caracterizam pela transmissão de conhecimentos pedagógicos

gerais e de conteúdo programático, assim como pelo vivenciar de experiências vivências,

de momentos em que os olhos desses alunos anseiam por ser iluminados nas suas faces

mais desconhecidas e obscuras.

Tal como apresenta Portugal (op. cit., 37), partindo do pensamento motriz de

Bronfenbrenner,

“a ecologia do desenvolvimento humano implica o estudo [...] da interacção mútua

e progressiva entre, por um lado um indivíduo activo, em constante crescimento, e,

por outro lado as propriedades sempre em transformação dos meios imediatos em

que o indivíduo vive, sendo este processo influenciado pelas relações entre os

contextos mais imediatos e os contextos mais vastos em que aqueles se inserem”.

(Portugal, op. cit., 37)

3.5. Apresentação e caracterização da amostra

O trajecto desenvolveu-se junto de um grupo de estágio no contexto de estágio

integrado da Licenciatura de Professores do 1º CEB do Instituto Politécnico de Viseu-

Escola Superior de Educação de Viseu. O estágio corresponde à disciplina de Prática

Pedagógica III, no quarto e último ano da referenciada licenciatura. Os formandos são

supervisionados por um docente da Instituição formadora, neste caso, pela investigadora e,

acompanhados durante as suas práticas, por um Professor Cooperante (Titular de Turma)

da Escola do 1º CEB, que acolhe estágio.

90

Neste sentido, imperioso, foi demarcar o estudo a uma proporção ou amostra da

população, portanto deliberei eleger para tal um grupo de professores estagiários do 1º

CEB, da Escola E.B. 1 de Viseu nº 1, designada de Escola da Ribeira-Agrupamento de

Escolas de Grão Vasco. Sentindo a necessidade de circunscrever o campo de análises

empíricas no espaço social e profissional e no tempo, sem perder de vista os objectivos e a

natureza do estudo, decidi incidir a pesquisa sobre o conjunto de dados capazes de nos

fazer compreender a relevância de sinais de comunicação não verbal, nomeadamente,

sinais gestuais e de estruturação do espaço proxémico que, na sala de aula, interagem com

os verbais.

Daí, e tendo presente que não devemos esquecer ou escamotear o não verbal que

entra em relação directa entre os sujeitos em interacção, proponho como alicerces do

estudo as realizações não verbais do âmbito da cinésica e da proxémia, operadas pelos três

formandos na sala de aula. Esses dados concretizam-se num conjunto de transcrições

realizadas, partindo da observação e videogravação de duas práticas lectivas por formando,

o que completa um total de seis aulas. Escuta ainda aos resultados das várias sessões de

formação e os esclarecimentos obtidos nos inquéritos por questionário.

O objectivo é desenvolver uma descrição fiel e a mais completa possível dos

comportamentos não verbais na da sala de aula e, quiçá, analisar aspectos que se afigurem

merecedores de mais atenção, particularmente aqueles que aprimorem a trama

comunicativa de aula de Matemática. Barthes (1973) sublinha que, o deleite da

especulação das tarefas é “o momento em que o meu corpo vai seguir as suas próprias

ideias – porque o meu corpo não tem as mesmas ideias do que eu”. (p. 23).

Cada docente vai sabendo, paulatina e singularmente, desvendar os movimentos

mais inusitados da sua própria teia e, mediante reflexão e pesquisa crítica partilhada, se vai

descobrindo o seu estilo próprio e descobrindo os outros. É assim que “o sujeito se desfaz,

como uma aranha que se dissolvesse a si própria, nas secreções construtivas da sua teia”.

(Idem, op. cit., 49), fazendo as suas escolhas nas reminiscências do passado, transportando-

as para o presente e para o futuro a edificar.

Segundo Oliveira (1992), a realidade multidimensional que é a sala de aula, na

interacção aí estabelecida, uma condição essencial é a criação de um clima de diálogo entre

os diversos parceiros e que privilegie o envolvimento activo do professor em formação e

que seja organizado em torno das suas actuações pedagógicas. As referências dos

91

formandos em estudo são traçadas a partir de uma desejo íntimo de se criarem ambientes

de trabalho de qualidade onde “o saber e o saber fazer perdem valia quando com eles não

está presente o saber ser”. (Santos, 1995, p. 51)

Afirma Sá-Chaves (2000) que a “dimensão intrapessoal só ganha sentido na

dimensão interpessoal, que interpreta e desenvolve os múltiplos significados possíveis,

numa teia de relações que são, socialmente, estabelecidas e, culturalmente, marcadas”. (p.

195)

Naturalmente as personalidades dos formandos são diferentes, assim como as suas

pré-representações e representações também e, porquanto o mundo da vida mas íntimo de

cada um, a intercompreensão e a procura de consensos, dão-se sempre no interior do

mundo da vida, foi sempre com o supremo respeito por esse mundo de cada formando que

o estudo se desenvolveu, pois creio que é nesta diversidade de Vida, nas dissemelhanças na

forma de olhar, de sentir e de agir que a formação da professor/pessoa acontece. Ajudar a

construir um caminho pessoal nunca é tarde demais, pois considero que também é função

do supervisor. Por detrás de cada formando existe um ser sedento de ser tratado como

pessoa e não como mais um número mecanográfico. Partilho em plenitude a opinião de

Gomes (2002), que alerta para a imprescindível atenção a dar à formação pessoal, social e

humana dos formandos.

O quadro que se segue, traduz informações fornecidas pelos formandos aquando do

preenchimento do inquérito por questionário, na parte relativa à sua identificação pessoal.

92

Quadro 1- Dados pessoais dos sujeitos em formação

Sexo

Idade

Nacionali

dade

Língua

Materna

Licencia

tura

Outras

actividades

profissionais

Formando

Mafalda

F

de 25 a 35

Portuguesa

Português

1º CEB

Quatro

actividades

Formando

Matilde

F

de 25 a 35

Portuguesa

Português

1º CEB

Nenhuma

Formando

Martina

F

Menos de

25

Portuguesa

Português

1º CEB

Duas

actividades

É perceptível, pelos resultados dos indicadores dos dados pessoais que os

formandos se encontram, em duas faixas etárias diferentes, gozando de nacionalidade e

Língua Materna Portuguesa. Relativamente a outras actividades profissionais

desenvolvidas pelos professores estagiários, destaca-se o caso do docente Matilde por ter

desempenhado funções num A.T.L., assim como, por ter exercidos funções num pronto-a-

vestir, em restauração e ainda, no departamento de organização de eventos numa empresa.

A Martina, por seu turno, desempenhou e desempenha funções numa papelaria e livraria.

A triagem destes professores estagiários obedeceu a alguns preceitos, sendo o

primeiro o facto dos elementos do grupo terem sido meus alunos, também, na disciplina de

Prática Pedagógica II, no ano imediatamente anterior, o que permitiu criar um clima de

maior diálogo, espírito de iniciativa, desenvolvimento da criatividade, troca de comoções,

reflexividade crítica factores determinantes no processo a desenvolver e nos resultados a

concretizar, assim como a disponibilidade absoluta manifestada, o empenho, entusiasmo e

a motivação constantes. “É sabido que o supervisor tem um papel importante, [...] no

estabelecimento de um clima afectivo-relacional facilitador do desenvolvimento da

aprendizagem do formando”. (Alarcão e Tavares, 1987, p. 86)

93

Outro preceito consubstancia-se na enunciação oferecida por Huberman que traça

um quadro descritivo das tendências dos ciclos de vida dos professores. Ao procurar

compreender como evolui a pessoa do professor, na relação com os outros intervenientes

do acto educativo, na relação com o saber e na relação consigo mesmo.

Certamente, centro-me no primeiro ciclo apontado pelo obreiro e que respeita ao

início da carreira docente, cuja disposição dos professores é a de exploração-descoberta.

Esta consiste, segundo Huberman (Huberman et al., 1992, pp. 37-39), “em fazer uma

opção provisória, em proceder a uma investigação dos contornos da profissão,

experimentando um ou mais papéis, destacando ainda que esta fase “traduz o entusiasmo

inicial, a experimentação, a exaltação por estar, finalmente, em situação de

responsabilidade”.

Este nortear de caminho, repleto de curvas e percalços onde se geram,

naturalmente, expectações, esperanças, confiança, optimismo, percurso que surge como via

estimulante para a descoberta e para o desenvolvimento; pelo contrário, são semeadas

dúvidas pelo desconhecido, as faces da ansiedade e expectativa geram confusão e, o

instável, teima em querer (des)nortear os profissionais em descoberta-exploração.

O estágio integrado é concedido pela instituição formadora, neste caso finalistas,

do Curso de Professores do 1º CEB, concebido como um momento de prática de todos os

conhecimentos aprendidos durante a parte curricular do referido curso, por forma a que os

formandos pratiquem todas as dimensões do perfil de professor. (Moreira, 1996a)

Não obstante o referido anteriormente, postula-se também que, em início de

carreira devem privilegiar-se as condições pessoais que o formando acumula, os seus

sonhos e anseios, e que fazem parte de todo o seu sistema apreciativo. Trata-se de um

conhecimento estruturado em teorias implícitas, subjectivas, os seus esquemas

conceptuais ou construtos mentais de convicções, valores, crenças, atitudes sobre o acto

de aprender e ensinar – comunicar em sala de aula, “um resíduo da experiência escolar

anterior”. Wallace (1991, p. 49)

Foram a Mafalda, a Matilde e a Martina (nomes fictícios) o elo, que possibilitou o

estabelecimento de relações entre a formação académica e curricular, e a formação

pedagógico-didáctica e, assim facilitar uma visão mais clara desta etapa da vida de um

professor e, de relevo para o estudo.

94

Moreira refere que não se deve pretender que a formação inicial presenteie os

formandos com “produtos acabados” pois esta é apenas a “primeira fase de um longo e

diferenciado processo de desenvolvimento profissional”. (Ibid)

3.6. O plano de formação e a formação

A faces conhecidas foram revisitadas para (re)descoberta de um nove toque que

fosse mote para as (des)conhecidas, e a todo o momento ter presente, um horizonte de

arestas, vértices e faces a descobrir.

Perante este princípio, que patenteia a primeira fase da vida de um professor, isto é,

da descoberta e o da continuidade, em que todo o processo do prático-reflexivo se vai

realizando à medida que reflecte na descoberta e se questiona continuamente, este vai

construindo e partilhando conhecimentos. A este propósito assinala Sá-Chaves (2000, p.

21),

“aceitemos valorizar a heterogeneidade da informação como oportunidade

reflexiva, permitindo que, nas trocas, o novo se apresente como tal, embora por

vezes conflituando cognitiva e afectivamente com o sistema das nossas arreigadas

convicções, conhecimentos, crenças e práticas”.

Instintivamente, os formandos iniciaram o trajecto de formação com ansiedade e

expectativa, apesar de não ser revelado claramente a nível verbal, mas de forma não verbal

comunicaram imenso. O confronto com o desconhecido provocou, naturalmente, algumas

questões e dúvidas que, com destreza, logo após o primeiro encontro, se foram

esclarecendo e, dissipando ao longo do projecto. De acordo com Sá-Chaves (2000, p.22),

ao questionarmos “as nossas estruturas resistentes e amadas”, elas mesmas se tornam

“factores de (des)equilíbrio, condição imprescindível para a construção de novos e

continuados processos de reequilibração que são o garante da regulação das

continuidades nos incidentes de ruptura que o confronto com o novo sempre

pressupõe”. (Ibid.)

95

Perfilhando um paradigma de formação reflexiva, atente-se nos 5 princípios

reguladores da formação postulados por Vieira (1993, p. 25), que devem estar subjacentes

a um projecto de formação de professores, a saber:

1. “o princípio do enfoque no sujeito, segundo o qual as acções de formação devem

partir do sistema apreciativo do sujeito em formação e permitir o seu crescimento

epistemológico autónomo, através de tarefas de descrição, interpretação, confronto

e reconstrução,

2. O princípio do enfoque nos processos de formação, com destaque para processos

de natureza reflexiva, conducentes a um questionamento geral do saber e da

experiência, nomeadamente nas áreas específicas de formação;

3. O princípio da problematização do saber, ou seja, o saber «saber que» e «saber

como», experimentado pelo sujeito ou a ele descrito por outrem, é uma construção

pessoal; confrontado com outros saberes, é reconstruído em relação a eles.

4. O princípio da integração teórico-prática, contrário ao da subordinação da

segunda à primeira e consagrador de uma epistemologia da prática;

5. O princípio da introspecção metacognitiva, segundo o qual a reflexão sobre

processos de pensamento pode motivar alterações no seu conteúdo, e como tal no

sistema apreciativo do sujeito que reflecte”.

Considero, que só uma supervisão que se enquadre num referencial reflexivo

permite ao professor lidar com situações novas e diferentes e com as exigências sempre

indeterminadas da sua prática profissional. A função de uma formação reflexiva é,

também, operar sobre as condições pessoais ou teorias de acção dos docentes. É premente

perceber como as condições pessoais do professor/formando afectam a sua prática, de

modo a poder reconhecer as possibilidades de mudança. Só deste modo a acção do

supervisor pode ser eficaz. Oliveira (1992) menciona que “a intervenção do supervisor

[concentra-se] (…) na reflexão sobre a actuação do formando e na identificação das teorias

ou crenças que lhe estão implícitas, ajudando-o no seu auto-conhecimento e na progressiva

construção do seu estilo pessoal de actuação”. (p. 15)

Daí que e, tendo em conta a problemática investigativa e os pressupostos citados

partiu-se para um plano de formação que fosse ao encontro da consecução dos referidos

objectivos, já anteriormente apresentados, assim como, neste contexto de formação

96

reflexiva procurar responsabilizar os formandos pela sua formação, na medida em que se

fomentou com, veemência, a reflexão ao fazer e a reflexão sobre o que se faz.

O esquema seguinte marca o encontro com plano de formação e que se traduz no

acto de pensar o rumo a seguir, não sem antes o alicerçar ao nível das razões que o

justificam e que comunicam com as orientações e necessidades de formação.

Figura 5 – Deliberação do projecto, para concretizar e validar o plano de formação

PROJECTO

CAMPO DE PRÁTICA E

REFLEXÃO

RECONHECER

AS RAZÕES DO

PLANO

FORMATIVO

DESCREVER E

ANALISAR AS

REPRESENTAÇÕES

SOBRE O TEMA

IDENTIFICAR AS

NECESSIDADES DE

FORMAÇÃO E CONCEBER

LINHAS DE ORIENTAÇÃO

IDENTIFICAR OS

OBJECTIVOS

OPERACIONAIS

TRADUZIR EM

OBJECTIVOS

REFLEXÕES

PARTILHADAS

CONCRETIZAR E

VALIDAR O PLANO

FORMATIVO

97

O que se apresenta é uma face do poliedro, que, paulatinamente, foi saindo do

(des)conhecimento, de modo a colaborar na descoberta das outras faces, ainda, encobertas

e a ganhar claridade que se consubstancia na planificação das sessões de formação que

anuncio, seguidamente.

98

Quadro 2 – Sessões formativas

Objectivo

Conteúdos

Tarefas

Analisar as representações que os formandos

possuem sobre a pertinência da linguagem não

verbal na aula de Matemática;

Descrever o papel da linguagem não verbal na

comunicação, enquanto estratégia interactivo-

discursiva nela utilizada;

Evidenciar a relevância da gestualidade no

processo de ensino e aprendizagem, apontando

para a sua relação com a palavra articulada;

Experimentar situações de comunicação sem e

com o uso de gestos, como forma de tomar

consciência do efeito daqueles no processo de

ensino e aprendizagem da Matemática;

Reflectir em que medida sinais de comunicação

não verbal interferem, determinam e qualificam o

comportamento e a comunicação na aula de

Matemática;

Descrever o papel de factores cognitivos e de

atitudes emocionais e interpessoais na produção de

movimentos gestuais;

Sublinhar a origem cultural e social da

gestualidade;

Compreender a importância atribuída a factores

estruturantes do espaço: contacto físico,

proximidade/distância, posturas na aula de

Matemática;

Reconhecer a importância de factores culturais

e sociais no uso que se faz do espaço;

Linguagem

não verbal;

Comunicação

gestual;

Tipo de gestos;

Funções dos

gestos;

Atitudes

corporais e

posturas;

Expressão

facial;

Olhar;

Sorriso;

Leitura de textos

Comentário das afirmações.

Análise e comentário de textos.

Estudo de situações de aula.

Questionamento colectivo.

Reflexões individuais e colectivas.

Exercícios de dinâmica corporal (jogo de

reminiscência e jogo do monopólio).

Discussão de conclusões em grupo.

Preenchimento de um questionário.

99

Analisar em que medida tais aspectos podem

melhorar ou alterar a comunicação, o

comportamento e a aprendizagem;

Confrontar uma fase pré-activa do professor

com uma pós-activa, tendo em vista a construção

do conhecimento e o desenvolvimento pessoais e

profissionais dos formandos.

Uso

consciente e/ou

inconsciente dos

gestos;

Origem

cultural e social

dos gestos;

Factores

estruturantes da

configuração

espacial;

Conotação

cultural e social

do espaço;

Inter-relação

com a

comunicação, o

comportamento e

a aprendizagem.

Na planificação das sessões formativas que delineei, exaltam-se as questões que

pautaram o percurso, que regraram o rumo e que se representam em objectivos. Estes, por

sua vez, subsistem em correspondente relação com os conteúdos definidos e tarefas

seleccionadas nas quais se dissertou sobre os vários aspectos propostos.

100

Foi meu desejo, conceber um processo de interacção que apontasse, o

crescimento pessoal e profissional, pela experimentação e pela reflexão, sem nunca

perder de vista o terreno de intervenção e, em concomitância, fomentar relações

supervisivas, verdadeiramente, empáticas, tranquilas, respeitantes do princípio da

pessoalidade, da consciencialização, da ecologia das situações, de modo a criar

mecanismos de dinâmicas que propiciassem processos formativos de metamorfose de

experiências em aprendizagens ou em saberes co-construídos. Como afirma Nóvoa

(1992. p. 25) a formação constrói-se “através de um trabalho de reflexividade crítica

sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal”. Assim, e

segundo o mesmo autor, “é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber

da experiência. (Ibid.)

As etapas do plano de formação, podem ser observadas abaixo, numa figura dele

representativa. (fig. 6)

Figura 6 – Etapas do plano de formação

Corpo

que comunica

A palavra

Posturas/movimentos do corpo

(tronco, mãos, face)

Consciência e

origem cultural e social dos gestos,

tipo e suas funções

Dinâmica da

interacção espacial

Uso cultural e social

Movimento e relação

interpessoal

Ser reflexivo.

101

O ditame subjacente a todo o projecto é o corpo que comunica e que permite

tecer várias interrogações à sua volta, de modo a robustecer as faces evidentes e clarear

as mais escondidas.

Efectivamente, que movimentos, posturas convém abordar e que funções

concretizam na comunicação do professor? Terá o professor consciência que as

características cognitivas e afectivas influenciam a dinâmica da comunicação? Será

compreendido o uso cultural e social do espaço?

É ao misto, destas e de outras questões que foram surgindo, que a Mafalda, a

Matilde e a Martina tentaram dar resposta no decurso das sessões formativas cumpridas

nos meses de Janeiro a Março.

Os encontros, diálogos e interlocuções estabelecidas, num ambiente

comunicativo aprazível, favoreceram a acareação dos seus Eus com ideias pré-

estabelecidas, com teorias, com a própria actuação em contexto pedagógico, bem como

com reflexões e inflexões na construção do conhecimento das faces (des)conhecidas.

Numa reflexão formativa, o formador deve desempenhar o papel de facilitador

da aprendizagem, numa perspectiva, schöniana e deweyiana (Alarcão, 1991), na medida

em que não sendo possível ensinar tudo ao formando, poder-se-á, pelo menos, ajudá-lo

a reflectir sobre o conhecimento de que necessita.

102

3.7. Técnicas ou instrumentos de recolha de dados

Face à realidade em estudo, dou conta dos procedimentos a que recorri para

recolher os dados sobre as representações dos formandos e suas práticas. Enveredando

pela investigação-acção, enquanto metodologia de formação, os métodos de recolha de

informação aí privilegiados “são aqueles em que o professor ensina investigando e

investiga ensinando”. (Moreira, op. cit.,p. 48)

Neste pressuposto elegi o inquérito por questionário, a

observação/videogravação de aulas, a análise documental e a audiogravação das sessões

de formação.

Os propósitos aqui ilustrados estiveram, na base das opções metodológicas

tomadas e enquadram os objectivos perseguidos no decorrer do estudo.

3.7.1. O inquérito por questionário

A investigação deve ser planeada, de modo a oferecer resultados fidedignos.

Abracei como técnica recolha de dados, o inquérito por questionário e, segundo Vale

(2000), “os questionários são talvez o método mais usado em investigação pois são

fáceis de administrar, proporcionam respostas directas sobre informações, quer factuais

quer de atitudes segundo vários autores”, pois constituem um instrumento de recolha de

informação muito utilizado no âmbito da investigação sociológica.

A par disso, é uma técnica propensa a ser aplicada em contexto pedagógico, pelo

carácter preciso e formal da sua constituição e da sua aplicação prática.

Por exemplo, para Tuckman (1994, p. 307), os investigadores,

“usam os questionários (…) para transformar em dados a informação

directamente comunicada por uma pessoa (ou sujeito). Ao possibilitar o acesso

ao que «está dentro de uma pessoa», [os questionários], tornam possível medir o

que uma pessoa sabe (informação ou conhecimento) e o que pensa (atitudes e

crenças)”.

Deste modo e, tendo em vista a especificidade da investigação, considero

ajustado à obtenção da informação pretendida, quer numa primeira fase em que se

projectava recolher dados sobre as representações dos formandos, acerca da relevância

103

da gestualidade no processo de expressão/comunicação, na aula de Matemática, quer

numa segunda fase que tendia para o cruzamento das representações que possuíam antes

da implementação do projecto de formação e após a mesma, avaliando-se assim o

decurso formativo.

O requisito de exactidão e precisão por forma a assegurar transparência na

redacção e descrição de cada item, da compreensão e qualidade das instruções e

interrogações, levou a efectuar um teste-piloto, cujos sujeitos eram homólogos dos

destinados ao estudo, ou seja, dois estagiários, do Curso de Professores do 1º CEB, pois

como refere Tuckman (1994, p. 335)

“é francamente desejável fazer um teste-piloto sobre o questionário e revê-lo

com base nos resultados desse teste. Aplicando um teste-piloto a um grupo de

sujeitos que constituem parte da população intencional do teste, mas que não

façam parte da amostra, procura-se determinar se os itens do questionário

possuem as qualidades inerentes à medição e descriminabilidade referidas”.

Constatou-se que não houve dificuldade na compreensão das questões, dado que

as respostas foram ao encontro do desejado.

A primeira aplicação efectuou-se a 3 de Novembro de 2007 e a segunda a 26 de

Março de 2008.

Estruturalmente, os questionários administrados apresentavam, questões de

escolha múltipla de avaliação ou estimação, perguntas fechadas de tipo dicotómico, e

perguntas semifechadas e abertas.

Especificamente, na primeira parte, reportava-se a dados pessoais, com o intuito

de se caracterizar os sujeitos alvos da amostra, o sexo, a idade, a nacionalidade, a língua

materna e ainda outras actividades profissionais desempenhadas. A segunda fase incidia

sobre as representações que os formandos detinham acerca da gestualidade e da

proxémia. Colocados perante um conjunto de afirmações, os formandos, com recurso a

uma escala de estimação responderiam da forma que entendessem adequada. Os

investigados tinham como única opção seleccionar uma das alternativas propostas, de

forma a assegurar o grau de veemência face à questão apresentada.

104

3.7.2. A observação, a videogravação de aulas, a auto e heteroscopia

Dado tratar-se de um estudo de carácter qualitativo, a observação directa é uma

fonte essencial de recolha de informação.

A observação reflexiva e participante da prática educativa, permitindo

caracterizar o efectivo contexto, foi utilizada como estratégia de formação, geradora de

relações entre os discursos de investigação, observação, reflexão e formação. Aliás, os

formandos reflectiram na disciplina de Prática Pedagógica III, no seu início, Setembro,

acerca da importância de processos de observação que prevêem um olhar sistemático

para um registo de comportamentos que tem em vista a tomada de decisões e a direcção

do rumo a abraçar.

A observação das aulas surge como superfície central no modelo de supervisão

clínica e no processo de investigação-acção, contudo, é também uma face problemática

da supervisão, pois é desencadeadora de receios e inseguranças por parte dos formandos

e dos próprios supervisores.

Como a observadora-investigadora era docente-supervisora dos estagiários,

tendo, por isso, assistido a algumas aulas, durante o ano e, no ano transacto, não se

conferiram reacções negativas por parte dos alunos.

A observação revestiu-se de enorme interesse, assim como o registo em vídeo

que permitiram optimizar os dados recolhidos pela simples observação naturalista,

como também potenciar o processo formativo, através dos encontros pré e pós-

observação.

A presença em aula de todos os intervenientes no processo permitiu ao

investigador, aquando das transcrições, reconstruir o conjunto de enunciados gestuais e

verbais que avultavam nas variadas interacções, fruto de intervenções, questões

colocadas e comportamentos dos discentes que, dificilmente, se ouviam e viam nas

gravações, pois a câmara de vídeo centrava-se no docente. Perceber o tipo de relações

estabelecidas, ajudou, em efectivo, a reconstruir, através da memória, conhecimentos

que na observação vídeo poderiam aparecer menos atingíveis.

Foram videogravadas duas aulas, correspondentes a dois momentos de 60

minutos, a cada professor estagiário, de Fevereiro a Março, intercaladas com as sessões

de formação.

A videogravação foi feita pela investigadora-formadora, e por um técnico de

imagem que colaborava na colocação da única câmara de vídeo em posição fixa ao

105

fundo da sala, sempre dirigida ao professor, atendendo às condições de luminosidade do

espaço. A captação de imagens, orientava-se no sentido do professor estagiário e,

centrando-se exclusivamente nele, através de processos de aproximação. A

investigadora visionava a aula, antes dos encontros pós-observação enfatizando-se,

desde logo, a necessidade de reflectir sobre aspectos atinentes, por exemplo, a utilização

do espaço proxémico, partindo das aulas gravadas anteriormente, um foco de reflexão,

de extrema importância.

Por forma a que a presença da investigadora com uma câmara, não alterasse

posturas no enquadramento habitual dos modos naturais de estar, agir e pensar nas aulas

a leccionar, assim como, as actividades e tarefas, optei por não desvendar aos

professores o que pretendia, sendo-lhes apenas comunicado que a videogravação das

aulas se destinava a um projecto de investigação no âmbito do trabalho em curso. Daí, o

chamado “efeito do observador” (Bodgan et al., op. cit., p. 68) ter sido minimizado.

Esta expressão refere-se a alterações comportamentais dos indivíduos em estudo.

Segundo os autores citados, os investigadores devem interagir com os sujeitos em

estudo, “de forma natural, não intrusiva e não ameaçadora”. (Ibid.) De modo a operar

um processo de consciencialização das práticas e na perspectiva de sublimar a

competência comunicativa, integra-se a autoscopia no modelo de supervisão clínica e

nos momentos de observação e de reflexão das aulas. A figura abaixo revela a

articulação da autoscopia com o projecto de investigação-acção e com a supervisão

clínica, em conformidade com Moreira. (op. cit., p. 99)

Figura 7 – Articulação entre a investigação-acção, a supervisão clínica, a auto e a

heteroscopia

Supervisão clínica

Investigação-acção

Encontro

pré-observação

___________

Planificação

Acção - Observação

Encontro

pós-observação

____________

Reflexão

Tarefa

autoscópica

e heteroscópica

106

Valorizar os processos autoscópicos de reflexão em encontros pós-observação

poderá parecer uma trivialidade, porém, esse momento é de extrema relevância,

revelando aspectos acerca da sua actuação e em que devem salientar-se e reforçar-se os

aspectos positivos e retirar dos menos positivos uma certa carga de auto-desconfiança

do formador em si próprio.

Afigura-se que essa direcção nem sempre é cultivada na formação de

professores, com vista à análise e melhoria dos comportamentos.

Importa que os formandos desenvolvam capacidades de auto-análise a fim de,

progressivamente, serem mais autónomos. Desta forma o sujeito observa-se, através do

imagem e do som, tem oportunidade de reflectir sobre o seu comportamento,

enaltecendo interiormente muitos aspectos comunicacionais, hesitando da eficácia de

outros tantos e aceitando estranhamente que, em algumas circunstâncias, tenha sido ele

a reagir de uma ou outra forma em alguns aspectos.

Como referem Bourron et al. (1991, p. 13) «l’autoscopie consiste à filmer des

individus, en situation d’expression et de communication, de façon à de qu’ils puissent

se voir et analyser leur comportement, à fin d’amélioration». Adiante manifestam o

valor de processos autoscópicos: «se confronter à sa propre image, pour mieux vivre sa

relation avec autrui, simuler des situations d’expression, d’entretien […] les enregistrer

et puis exercer le jeu subtil de la lecture et de l’analyse, telle est la richesse qu’offre

l’autoscopie».

A autoscopia deverá ser um momento de auto-consciencalização que é um

pressuposto do progresso do professor, ou seja, mais do que ficar atento à clarividência

da face (des)conhecida do seu poliedro é necessário reparar nos ecos do tilintar do Sol

nas conhecidas, a mudança desejável terá de ser promovida de dentro para fora, ou seja,

da tomada de consciência de si próprio dos seus projectos pessoais, de comportamentos

que são seus e que estreitam constantes relações no e na resposta do Outro. Igual

importância deve ser remetida para a dimensão imaginária do corpo e a imagem de “si

próprio”, visto ser através delas que atravessa a actividade cognitiva, relacional-

afectiva, assim como vivências de que o corpo é mensageiro.

Deste modo abre caminho no sentido de desbravar a imagem real e não ideal de

si, produto de vivências, de relações afectivas e sócio-culturais.

Nesta óptica, a heteroscopia, surge como um excelente recurso para fomentar e

concretizar análises múltiplas e trocas verbais reflexivas e construtivas.

107

Com efeito, a observação das suas aulas (autoscopia), assim como a observação

das aulas dos colegas (heteroscopia), parece uma importante forma de intervenção, na

medida em que prometem desencadear processos de transmutações, proporcionando

indícios ao professor para melhor se conhecer, rever práticas, apossar-se de técnicas de

comunicação, melhorar a sua capacidade de análise das relações que estabelece e

também para questões que ele próprio coloque.

Este é um modelo de inter-ajuda na formação, pois concebe-se colocando ao

dispor dos outros a experiência pessoal e de observar a experiência dos outros como se

fosse sua.

Ao dar conta da forma como o outro reagiu a uma determinada situação, o

formando identificar-se-á, ou não, com a decisão tomada pelo colega formando.

A heteroscopia constitui um desafio e uma fonte considerável de saberes, é

origem de troca de saberes, é o sentir por parte do formando a sensação de que não se

encontra só na tentativa de resolução de uma situação ou na forma utilizada para

resolver uma determinada tarefa, é a certeza de que o Outro também continua a a

caminhar na tentativa de crescer consigo, e com os Outros.

O diálogo que se enlaça dentro de cada um, poderá ser enriquecido por aquele

que se consuma no grupo; daí a heteroscopia assumir, igualmente, relevância em todo o

processo. Aconselha Sá-Chaves (2000, p. 22), “aceitemos o desafio de crescer e o

deslumbramento que ele comporta”.

Efectivamente, a linguagem verbal assume grande preponderância no contexto

de sala de aula e de heteroscopia, contudo, podem mesmo estudar-se as interacções

entre duas ou mais pessoas, na tentativa de compreender a linguagem não verbal,

emitida por sinais verbais e não verbais que desencadearam um qualquer tipo de

reacção, decisão, recusa, alteração de movimentos e/ou semblante.

A observação/videogravação das aulas foi antecedida por encontros que

incidiam sobre assuntos subjacentes ao plano de formação e de planificação da aula a

leccionar, aquando das reflexões semanais no âmbito da prática pedagógica/estágio que

os formandos estavam a realizar e, foi seguida de encontros pós-observação, onde se

diligenciava reflectir sobre o desempenho pedagógico-didáctico, no que diz respeito a

aspectos formais da comunicação não verbal e à movimentação na aula de Matemática.

Para cumprir este objectivo, produzi uma ficha de observação vídeo que compõe os

anexos e cujos dados serão analisados, em ocasião próxima. Os momentos de auto e de

heteroscopia ocorreram após a primeira e a segunda gravação. Sentiu-se igualmente

108

necessidade de “criar algumas situações de distanciamento que, configuradas com

outras de aproximação estratégica possam definir-se como um efeito de “zoom”,

regulado, obviamente, quer pela natureza dos objectivos da observação, quer pela

natureza dos objectos observados, processos que facilitam uma mais sustentada reflexão

sobre os fenómenos em estudo”. (Sá-Chaves, 2000, p. 125)

Pareceu-me desejável, ainda, observar os dados das aulas de forma sequencial,

para assim capturar o recheio para a reflexão, a saber: as emoções e sensações na

prática, os dados, a movimentação, o corpo no seu todo, para que numa análise crítica

da sua praxis se possa verificar em que medida, os aspectos tratados nas sessões de

formação induziam o comportamento e a comunicação do formando na aula de

Matemática.

3.7.3. Sessões de formação e audiogravação

As sessões formativas foram sujeitas a audiogravação na medida em que

admitia: maior fidelidade nos dados; revisitar as reflexões e análises vividas e dos

documentos trabalhados; observar reacções, permutar ideias, aclarar pontos de vista

com o propósito de aprofundar a análise das mesmas, à posteriori.

Antes de premir o botão do “REC”, havia lugar a uma sumária apresentação dos

objectivos da designada sessão. Com o intuito de estimular a reflexão, a troca de

opiniões e o saber cognitivo que cada um arquitecta na sua face, iniciando-se a partir de

si próprio, mas que se consolida no diálogo com o Outro, foi, igualmente, prioridade

desenvolver um clima de diálogo descontraído e, simultaneamente, co-

responsabilizante.

A autora Sá-Chaves (2000, p.22), adverte que “aceitemos o desafio de crescer e

o deslumbramento que ele comporta”.

3.8. O estudo de caso: metodologia de investigação

O presente estudo almejou aclarar o geral, redescobrir a gestualidade e salientar

o contributo que pode ter na prática pedagógica e de supervisão, na formação de

professores do 1º CEB, nomeadamente na área de Matemática, observando os

pormenores, em particular os gestos, as posturas, o dançar das mãos, os trejeitos a

movimentação no espaço, enfim, a comunicação não-verbal na sala de aula de

109

Matemática. Pretendia-se obter uma visão global e significativa de um acontecimento

ocorrido em sala de aula, esta entendida como o contexto real a privilegiar, sob pena de

desvirtuar o próprio fenómeno em estudo.

Refere Bouyer, G.C. (2008) “o real é este meio onde cada momento é não só

inseparável dos outros, mas de certo modo sinónimo dos outros, onde os «aspectos» se

significam um ao outro numa equivalência absoluta; é a plenitude insuperável.”

O estudo de caso é uma das estratégias de investigação do tipo qualitativo (e.g.

Yin, 1994; Tuckman, 1994) e, que de acordo com o primeiro, é uma estratégia que

permite investigar sobre fenómenos ou situações actuais que se procuram estudar no seu

contexto natural e sem se sair do mesmo. (ibid)

Lüdke et al. (1986, p. 23) asseveram que se pode “dizer que o estudo de caso

“qualitativo” ou “naturalístico” encerra um grande potencial para conhecer e

compreender melhor os problemas da escola”. O estabelecimento de ensino é, então,

visto na teia de relações e interacções, de dinâmicas de multireferencialidade criadas no

seu interior. Apensam ainda que um estudo qualitativo “é rico em dados descritivos, tem

um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada”.

(op. cit., p. 18)

De acordo com Vale (2000) e para Merriam, “um estudo de caso é uma

descrição analítica, intensa, globalizante (…) de um fenómeno limitado (…)que é

efectuado para descobrir o que nele existe de essencial, único e característico. (p.246)

Deste modo, pareceu que a opção metodológica que melhor se enquadrava com

as técnicas utilizadas para a recolha de dados era, verdadeiramente, o estudo de caso(s),

dado que,

“os estudos de caso correspondem a um modelo de análise intensiva de uma

situação particular (caso). Tal modelo, flexível no recurso a técnicas, permite a

recolha de informação diversificada a respeito da situação em análise

viabilizando o seu conhecimento e caracterização”. (Pardal et al., 1995, p.

23)

A metodologia adoptada neste estudo é, então, de estudo de um caso único (um

grupo de formandos do 1º CEB), na variante multicasos, uma vez que totaliza três sub-

casos (três estagiários).

Pretendendo tomar por objecto um fenómeno situado e centrado nas pessoas e

no seu contexto de vida real, independentemente da fontes dos dados, do número de

110

participantes, dos acontecimentos e de observações realizadas de modo a descortinar o

que de único existe em cada Vida.

Assim, Bodgan et al. (op. cit., p. 70) reforçam que “o objectivo dos

investigadores qualitativos é o de melhor compreender o comportamento e experiências

humanos. Tentam compreender o processo mediante o qual as pessoas constroem

significados e descrever em que consistem esses mesmos significados. Recorrem à

observação empírica por considerarem que é em função de instâncias concretas do

comportamento humano que se pode reflectir com maior clareza e profundidade sobre a

condição humana”.

O estudo empreendido, buscou analisar o fenómeno com a orientação de um

esquema teórico, adequado a fazer compreendê-lo e melhor controlar o campo de

investigação, ao nível da determinação das categorias e indicadores de observação e

análise, assim como descobrir relações, constituir pontes e responder a questões.

E também, porque o estudo de caso(s), é “o menos construído, portanto o mais

real; o menos limitado, portanto o mais aberto; o menos manipulável, portanto o menos

controlado”, vejo-me, por isso, enquanto investigadora, pessoalmente, implicada nesse

estudo, numa atitude compreensiva, navegando no trajecto de descoberta das faces e

convergências, entre os três sub-casos, implicando uma participação activa no grupo

particular dos sujeitos estudados. (Lessard-Hébert et al.,1990, p. 169)

Diligenciei, não estabelecer relações de causa efeito, nem profetizar o

comportamento do indivíduo, dado que este é demasiado complexo. Assim, preocupei-

me em interpretar a natureza e experiências humanas, o significado dos fenómenos e as

inter-relações estabelecidas, redescobrindo relações harmónicas e, talvez, outras menos

hamónicas, estabelecer elos entre o processo e o resultado, colocar em evidência os

remates comuns ou divergentes, pois como afirma Yin, o estido de caso(s) é uma

estratégia adequada quando se pretendem colocar questões do tipo: como? porquê? em

que medida?, que entre outras possibilitam afunilar os dados alcançados.

Bodgan et al. (op. cit., pp. 89-90), referem que “o plano geral do estudo de caso

pode ser representado como um funil” assim sendo, “a área de estudo é delimitada, a

recolha de dados e as actividades de pesquisa são canalizadas para terrenos, sujeitos,

materiais, assuntos e temas. De uma fase de exploração alargada passam para uma área

mais restrita de análise dos dados coligidos”.

111

Nesta perspectiva, evoquei, uma análise qualitativa dos dados obtidos, num

processo em espiral, com funções de construção de saberes e de formação pessoal,

social e profissional.

Verdadeiramente, o princípio do estudo é, metaforicamente, comparável ao

poliedro que permite ser observado, tocado nas suas faces, arestas, vértices, no entanto,

importa espreitar também as (des)conhecida(s), sentir o seu cheiro, perceber o seu toque

e o que têm a exclamar! Escolher as faces mais adequadas, senti-las e reconhecê-las

como fundamentais aos objectivos em estudo permitindo ao investigador uma

participação activa e sujeita, constantemente, a novos (re)toques e olhares. E, é perante

os sucessivos desabrochares de conhecimento em presença, sobretudo, reflexivos,

durante estes mútuos reconhecimentos que as faces, lenta e meigamente, deixam

desvendar, dar a conhecer e explicar o porque de parecerem tão obscuras.

Adoptei, assim, o ambiente natural como a fonte directa de dados; o processo

como a principal preocupação, tendo em conta a interacção e empatia, sem descurar

também o produto, pois importa averiguar como determinado fenómeno se manifesta

nas tarefas, actividades, procedimentos e interacções diárias; as perspectivas dos

sujeitos como iluminadoras do dinamismo interior das situações e do próprio processo.

(cfr. Lüdke et al., 1986, pp. 17-20 e Bodgan et al., 1994, pp. 89-92)

3.9. A análise de conteúdo: técnica de tratamento dos dados

Segundo Bardin (1977) designa-se o termo análise de conteúdo a “um conjunto

de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos

e objectivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou

não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de

produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens”. (op. cit., p. 42)

Na tentativa de desvendar as suas variadas dimensões, a tarefa de análise dos

dados é um processo delicado na descoberta dos aspectos mais importantes que devem

ser valorados, transmitidos e objecto de compreensão interpretativa, assim como de

organização metódica de todas as informações que se possuem, por via da observação,

do inquérito por questionário, das vídeo e áudio gravações, com o propósito de se

conseguir um permanente entendimento desses mesmos materiais e a não resumir a uma

mero olhar sobre tudo o que se desfruta.

112

Importa explicitar e sistematizar o conteúdo das mensagens organizando os

dados em unidades manipuláveis, por meio de técnicas complementares e que permitam

“triangular” os dados obtidos.

O procedimento inicial consiste em conceber, a partir das questões investigativas

e dos conceitos principais da literatura, categorias relevantes que viabilizem o

tratamento de dados, a que se segue o estabelecimento de unidades de análise que, por

sua vez, se distribuem, pelas categorias propostas. Acreditando que os comportamentos

não verbais, gestuais não são inúteis na comunicação do professor, importa estudá-los

na sua multidimensionalidade, criando categorias, subcategorias e indicadores de

análise, enunciados à luz do estado do poliedro e, tendo como centro principal as

concepções de cada formando e que ele É.

Como junta Quivy et al. (1992, p. 224) “os aspectos formais da comunicação são

então considerados como indicadores da actividade cognitiva do locutor, dos

significados sociais e políticos do seu discurso ou do uso social que faz da

comunicação”.

Corrobora-se, assim, a opinião de Pardal e Correia (op. cit., p. 73) ao dizerem

que “em qualquer caso a análise do conteúdo incide sobre a captação de ideias e de

significações da comunicação”, pois, conforme os mesmos autores, “qualquer

“comunicação” apresenta termos ou expressões reveladoras de uma orientação ou

perspectiva, tendo, portanto, um conteúdo”. (Ibid.)

Grawitz (1984) sublinha o processo de comunicação como fonte de informações

e materiais para a análise de conteúdo. A autora salienta que «les matériaux que les

sciences sociales offrent à notre réflexion ont ceci de particulier qu’ils sont en grande

partie composés de communications, qu’il s’agisse de communications orales […] ou de

communications écrites». (p. 649)

Nesta perspectiva, também as comunicações gestuais, são portadoras de

conteúdo. Se uma situação problemática é resolvida em função das ideias, dados,

números e palavras que contém, também numa aula, a comunicação do professor deve

ser estudada, segundo a relação gesto e palavra, as funções que o gesto desempenha,

entre outros aspectos. Cuidando-se, pois, de uma análise qualitativa, o que inquieta não

é, propriamente, quantificar os dados. Importa, antes, tudo o que, segundo a mesma

autora, “implique la nouveauté, l’intérêt, la valeur d’un théme”. (op. cit., p. 655)

Este é o trajecto a percorrer, procurando descobrir as faces do Poliedro que

sustentam o processo de construção transversal do conhecimento.