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Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia TEORIA DE CAMPO E ESTUDO DE CASO: HAZEL DO FILME “A CULPA É DAS ESTRELAS” Fernanda Lopes Nayara Guimarães Rafaela Teixeira Goiânia, 2014

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Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia

TEORIA DE CAMPO E ESTUDO DE CASO: HAZEL DO FILME “A CULPA É

DAS ESTRELAS”

Fernanda Lopes

Nayara Guimarães

Rafaela Teixeira

Goiânia, 2014

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Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia

TEORIA DE CAMPO E ESTUDO DE CASO: HAZEL DO FILME “A CULPA É

DAS ESTRELAS”

Fernanda Lopes

Nayara Guimarães

Rafaela Teixeira

Trabalho apresentado na disciplina

Teoria de Campo e Abordagem

Gestáltica no curso de especialização

do ITGT sob orientação da professora

Ms. Jordana Calil Lopes de Menezes.

Goiânia, 2014

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...............................................................................Erro! Indicador não definido.

TEORIA DE CAMPO ......................................................................Erro! Indicador não definido.

RELATO DO CASO ........................................................................Erro! Indicador não definido.

CAMPO DA PERSONAGEM: ESTUDO DE CASO .....................Erro! Indicador não definido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................Erro! Indicador não definido.

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................... 20

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Apresentação

O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a teoria de campo

apresentada dentro de um caso específico: a personagem Hazel do filme “A culpa é das

estrelas”. Para tanto foi realizado em um primeiro momento um estudo bibliográfico

sobre a teoria de campo e sua abrangência. Há o diálogo com diferentes autores que

trabalham o conceito de teoria de campo à partir da concepção elaborada por Kurt

Lewin.

Em um segundo momento há o relato sobre a vida da personagem principal do

filme “A culpa é das estrelas” que será analisada neste trabalho. Será apresentada a

trajetória de Hazel, sua doença, sua rotina, ou seja, sua vida de uma forma geral. É

importante ressaltar que o presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o campo da

personagem visto se tratar de um recorte específico. Pois o filme não é capaz de abarcar

todas os sentimentos e sensações de uma pessoa, mas tem como função relatar um

estória específica. Logo serão trabalhados apenas os dados observados pelas alunas no

filme, podendo uma nova analise revelar novos fatos.

Posteriormente será elaborada uma relação da vida da personagem, Hazel, e a

teoria de campo. Será feita uma discussão de como está o campo da personagem e como

o mesmo se modificou ao longo do filme. Novos fatos geraram novas relações e novas

formas de ver o mundo para a personagem. Assim ressalta-se que o campo não é

estático mas sim dinâmico e que suas relações são interdependentes sendo modificadas

a cada nova experiência. Como consequência o campo apresentado ao final do trabalho

não é definitivo, mas faz parte de uma realidade em um dado momento específico.

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Fundamentação teórica

Kurt Lewin em seus estudos tenta compreender os diversos fatores que

interferem em um comportamento. Assim ele chega a ideia de teoria de campo que

abarca esses fatores que estão presente no aqui-agora. Ou seja, o campo se refere a uma

totalidade de fatores interdependentes que estão presentes no aqui-agora e que

interferem diretamente no comportamento do sujeito (Ribeiro, 2006). Assim, a

percepção do mundo pelo sujeito se dará em função do campo no qual ele está inserido.

Para compreender o campo Lewin propõe a descrição dos diferentes fatos no ambiente e

suas relações com o sujeito. O comportamento é consequência do campo existente

naquele momento.

Para considerar o campo devemos pensar na ideia de totalidade. Isso porque o

campo é composto por diferentes partes que se relacionam de forma dinâmica e que

constituem um todo que vai além da soma das partes (Ribeiro, 1999). Os diversos

fatores se inter-relacionam e se modificam a todo momento. Cada nova experiência

pode modificar o campo, visto que se refere a totalidade de fatores. Podemos definir o

campo como algo dinâmico, mas sua descrição no momento pode auxiliar a

compreensão do comportamento. Essa totalidade do sujeito é construída na sua relação

com o mundo.

O comportamento do sujeito é capaz de modificar o campo, que se refere ao

espaço de vida do individuo (D'Acri, 2007). Para explicar um comportamento deve se

analisar o todo envolvido, os diversos fatores em relação. Lewin elabora, então, sua

equação C=F(P.M), ela expressa que todo comportamento (C) é consequência de uma

relação entre a pessoa (P) e o meio ambiente (M), em que os fatores são

interdependentes (Lewin, 1973).

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Ribeiro ressalta que “o campo, portanto, inclui variáveis psicológicas e não

psicológicas, e a inter-relação dessas variáveis faz o comportamento altamente

heterogêneo” (Ribeiro, 2006). Assim o campo de cada pessoa será constituído por

diferentes variáveis e suas relações com o ambiente. Essas variáveis ainda são

modificadas pela percepção de cada pessoa, tendo como consequência comportamentos

diferentes quando nos referimos a diferentes pessoas. Quando se altera uma das

variáveis se altera todo o campo visto que se refere a uma totalidade, sendo gerados

novos sentidos. Isso porque diante da nova possibilidade o organismo busca se

equilibrar e muda assim sua percepção da totalidade e das partes que são

interdependentes.

Lewin “chamou o campo específico em que a pessoa atua de espaço vital”

(Goodwin, 2005). Dentro do espaço vital está tudo que interfere e influencia a pessoa de

modo direto ou indireto e o restante que não exerce grande influência no sujeito fica no

âmbito externo. Diante das novas necessidades o sujeito modifica seu espaço vital com

o objetivo de satisfazê-las e se reequilibrar. Entretanto nem sempre a pessoa consegue

atingir o estado de equilíbrio. O processo de saúde e doença pode ser compreendido

como resultado de um campo no qual a energia flui livremente ou não. Assim é

importante compreendermos o campo como um espaço energético, Ribeiro afirma que

Todo campo é um campo energético e essa energia precisa circular livremente;

de tal forma que nos é possível afirmar que muitas patologias são disfunções

energéticas, tendo em vista que as pessoas não conseguem lidar com a tensão, a

valência e a força dos vetores presentes no campo, como condutores de

necessidades. Ou seja, saúde e doença são funções de um campo bem ou mal

experienciado. (Ribeiro, 2006)

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Assim é importante compreender o campo como um espaço que concentra as

energias da pessoa. Analisar o espaço vital de uma pessoa significa descrever os

diversos fatores que influenciam no todo daquela pessoa, ou seja, nos diversos fatores

que compõem a totalidade do campo. Dessa forma, é possível compreender como os

fatores se inter-relacionam e possibilitam as respostas da pessoa no mundo por meio dos

comportamentos. Dentro do próprio campo há a possibilidade de visualizar as fronteiras

de contato da pessoa. Sendo possível verificar se há fluidez ou não da energia e analisar

onde ela não ocorre.

O campo está em constante mudança, pois o sujeito está a todo momento sendo-

no-mundo, modificando e sendo modificado por sua relação com o mundo. Assim

situações que antes eram impossíveis naquele campo passam a ser consideradas

possíveis pelo sujeito em outro momento. A terapia pode auxiliar neste processo, pois

permite ao sujeito reconfigurar seu campo ao ser capaz de vê-lo e analisá-lo.

O campo é dotado de algumas propriedades que permitem uma melhor

compreensão das inter-relações entre as regiões presentes no espaço vital do indivíduo.

Há a dimensão proximidade-distância, que representa a influência ou acessibilidade

entre as regiões. Regiões mais próximas exercem maior influência mútua, enquanto

regiões distantes são influenciadas com menor intensidade. (Hall, Lindzey, 2000)

A permeabilidade entre as regiões representa a intensidade da resistência de suas

fronteiras. Fronteiras mais permeáveis oferecem menos resistência e permitem maior

influência de outras regiões. A firmeza ou fragilidade das fronteiras é representada

graficamente no campo pela espessura das fronteiras da região. (Hall, Lindzey, 2000)

A fluidez ou rigidez do meio de uma região representa seu nível de flexibilidade

e da capacidade de aderir e se adaptar a mudanças. Meios mais rígidos são mais

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resistentes a mudanças e não alteram-se facilmente pela influência de forças do campo.

(Hall, 2000)

A região da pessoa é uma região diferenciada no campo que também possui

subregiões. Os princípios citados acima também podem ser aplicados às regiões da

pessoa. A pessoa é subdividida em duas partes: a parte mais externa é a região percepto-

motora, enquanto a parte mais interna é chamada de região intrapessoal, que é cercada

pela primeira. A região percepto-motora é responsável pelo contato com o ambiente

com as regiões fora da pessoa. “A região intrapessoal está completamente cercada pela

área perceptual-motora, de modo que ela não tem nenhum contato direto com a fronteira

que separa a pessoa do ambiente.” (Hall, 2000, p.321). Ao representar o campo

graficamente é importante atentar-se para a colocação da pessoa no campo. A

localização espacial da pessoa no espaço vital também revela a intensidade das

influências das regiões do campo em relação à pessoa.

“O aumento de tensão ou a liberação de energia em uma região intrapessoal é

causado pelo surgimento de uma necessidade.” (Hall, 2000, p.325) As necessidades

movem o indivíduo e podem gerar uma locomoção no campo. A locomoção da pessoa

no campo ocorre quando há uma força agindo sobre ela na forma de um vetor. A força é

dotada das propriedades de direção, potência e ponto de aplicação. A direção para a qual

o vetor move a pessoa tem uma valência positiva. Regiões de valência negativa são

aquelas contrárias à direção do ponto de aplicação do vetor.

O espaço vital de um indivíduo pode ter menor ou maior nível de espaço de

movimento livre. Esse conceito expressa a liberdade que o indivíduo tem de explorar as

possibilidades de seu espaço vital. (Lewin, 1973)

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O caso

O filme “A culpa é das estrelas” relata a vida de uma adolescente, Hazel Grace

Lancaster. Hazel é diagnóstica com câncer aos 13 anos de idade. Inicialmente o câncer

era na garganta, posteriormente sofreu metástase e atingiu o pulmão. A adolescente

tomava um medicamento em teste e com isso conseguiu sobreviver muitos anos além do

esperado. Como consequência do câncer no pulmão ela utiliza um equipamento de

oxigênio constantemente. Hazel tem uma rotina em função da sua doença, sendo a

presença em hospitais constante.

A adolescente cursa a faculdade pela internet e tem como hobby a leitura de um

mesmo livro. A mãe e a médica de Hazel acreditam que a mesma está com sintomas de

depressão e indicam que a adolescente participe de um grupo de apoio com outros

adolescentes doentes. Após ser convencida pelos pais a participar de tal grupo Hazel

comparece no mesmo. Nesse momento sua vida tinha como fundantes a doença e a

relação com os pais, com os médicos e com o livro.

No segundo dia participando do grupo ela conhece Augustus Waters, um

adolescente que teve câncer em uma perna e como consequência a mesma foi amputada.

O mesmo estava no grupo como forma de dar apoio a um amigo que estava com câncer

no olho. Em primeiro momento eles se esbarram na entrada, posteriormente há troca de

olhares entre Hazel e Augustus durante o grupo. Na discussão do grupo ela se manifesta

para falar e contradizer a fala de Augustus que diz não querer ser esquecido e ter medo

que tal fato ocorra.

Ao final da atividade de grupo ambos se encontram do lado de fora da

instituição e começam um dialogo. Nesse ele pergunta o nome dela e a convida para

assistirem um filme na casa dele. Durante a conversa ele coloca um cigarro na boca, ela

se surpreende e o julga por tal atitude, ele, porém se justifica dizendo ser uma forma de

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enfrentar o medo, pois coloca na boca o que poderia matá-lo, mas não dá esse poder ao

cigarro ao não acendê-lo. Ele também a questiona sobre a disponibilidade de fazer

outras coisas além de ‘viver a doença’.

Ela decide aceitar o pedido e ir ver o filme com Augustus. Sendo uma decisão

inesperada para a mãe. Neste momento ela depara com uma forma diferente de encarar

a doença. Enquanto ela se define pela doença Augustus a questiona para ir além da

doença, querendo saber mais sobre ela. Hazel vê no adolescente uma forma diferente de

lidar com a doença. Ela apresentava a preocupação constante da dor que iria causar nos

que são próximos. Ele, por sua vez, fala constantemente do desejo de deixar sua marca

no mundo e ser lembrado por ela.

Desde o momento que se encontram ambos tem a vida modificada. Ela o

apresenta seu livro preferido e o diálogo entre eles é em um primeiro momento

permeado pelas interpretações e desejo de saber mais sobre o mesmo. Durante este

tempo eles dividem aflições sobre a doença, mas principalmente dividem uma nova

forma de viver. Ele se declara a Hazel durante muitos momentos, mas ela revela o medo

de magoá-lo diante da possibilidade de morrer logo devido à doença.

Ele decide realizar o grande sonho dela que era ir conhecer o escritor de seu

livro favorito e entender o que acontece após o livro. Esse livro era sobre uma menina

que tinha câncer e tem um final abrupto, deixando os leitores bastante curiosos. Após

ler o livro ele entra em contato com a assistente do autor e consegue combinar de irem

até ele em Amsterdam. Hazel fica bastante empolgada com a ideia, entretanto não

consegue a autorização dos médicos para tal passeio.

A rotina de Hazel sofre uma mudança profunda depois de conhecer Augustus.

Eles passeiam e se encontram frequentemente. A ideia da viagem foi uma forma de

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Augustus experienciar junto com Hazel o sonho dela. E ela representava o diferente

para ele, pois trazia novas ideias.

Ela tem uma nova crise, os pulmões se enchem de agua, e é necessário o retorno

ao hospital para drenagem dos pulmões. Essa realidade representa uma repressão ainda

maior ao sonho de viajar. Entretanto, os pais dela decidem autorizar a viagem e

organizam com a equipe médica de Amsterdam caso haja necessidade.

Chega o dia da viagem na qual vão Augustus, Hazel e a mãe dela. Eles começam

a conhecer a cidade, mas ainda estão bastante entusiasmados com a ideia de conhecer o

escritor. Entretanto, quando chega o grande momento se decepcionam com a figura do

escritor, com a forma como são recebidos e com o descaso do mesmo. Diante dessa

realidade decidem aproveitar o restante da viagem. Posteriormente eles se beijam e tem

o momento da primeira relação sexual de ambos. No dia posterior ele decide contar a

ela que foi novamente diagnosticado com câncer e que está em um estágio avançado.

Quando voltam para a cidade deles, Augustus apresenta uma piora considerável,

é internado e passa por quimioterapia. Ela se coloca o tempo todo ao lado dele.

Augustus muda a sua forma de encarar a vida diante do medo de ser esquecido após a

morte. Ela também muda sua forma de encarar a doença, entretanto coloca se de forma

a viver tudo que antes não se permitia. Ele pede a Hazel que escreva uma carta para o

funeral dele. Ela o faz. E um dia Augustus pede que o amigo e ela se reúnam e leiam a

carta. Eles se emocionam. Logo depois ele morre. E no enterro ela entende que o funeral

é para os vivos e modifica seu discurso, pois aquele inicial era apenas para ele,

Augustus, e este já o tinha visto.

Posteriormente Hazel recebe uma carta dele dizendo o quanto a amava e o

quanto ela havia mudado a vida dele. E ela percebe que mesmo diante do medo de

perder valeu a pena ter experienciado aqueles momentos com ele. Nesse processo ela

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também descobre que seus pais estão se preparando há anos para o dia que ela morrer e

que têm projetos para depois disso. Isso foi importante, pois ela se considerava

responsável pela dor que sentiriam após sua morte e tinha medo que não continuassem a

viver de forma saudável, pois toda a família vivia em função de sua doença.

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A pessoa no campo

Em um primeiro momento podemos dizer que o espaço vital da personagem

Hazel tem como regiões a doença (que envolve os cuidados médicos, suas limitações de

vida e o medo que tem de que os pais sofram muito quando ela morrer), os pais, o livro

de que gosta, a faculdade que cursa via internet, e o grupo de apoio que a mãe a obriga a

frequentar, conforme apresentado abaixo:

DESENHO DO CAMPO

É possível perceber que no campo de Hazel não há muito espaço de livre

movimento. É um espaço vital com poucas regiões, sendo que uma delas ocupa mais da

metade de seu campo, influenciando diretamente as outras regiões e não deixando muito

espaço para que a pessoa se movimente dentro do campo.

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A representação de Hazel dentro de seu campo é pequena em vista de outras

regiões que a influenciam. Isso representa como a personagem era dominada pelos

outros elementos de seu campo, não sobrando muito espaço para sua atuação. Em vista

dos outros elementos que a pressionavam, Hazel não tinha muita voz e muito poder de

mudança dentro das limitações impostas por seu contexto.

A doença toma um espaço muito grande dentro de seu campo, ela norteia toda a

forma de organização de sua vida e seu modo de ser-no-mundo. A adolescente convive

com o câncer desde os 13 anos, sendo essa parte uma região com grande poder de

influência sobre seu espaço vital. A adolescente tem algumas limitações impostas pelo

conjunto de médicos com quem convive desde pequena. Estes determinam o que é bom

ou não para seu tratamento e para seu cotidiano.

O meio ou o espaço da região da doença é bastante rígido. Isso significa que ele

não responde facilmente às influências que agem sobre ele e é resistente à mudança. A

doença e as questões relacionadas a ela ocupam um grande espaço na vida da

personagem. Trata-se de uma doença grave que não tem grandes possibilidades de

mudança e que sofre pouquíssimas alterações devido a influências do campo.

A região doença é bastante próxima da região da pessoa de Hazel e da região dos

pais dela. Isso representa a influência mútua que elas têm entre si. A vida dos pais da

adolescente, na concepção de Hazel, é toda baseada em sua doença. Isso porque a mãe

fica constantemente junto com a filha determinando o que pode, o que não pode fazer,

incentivando e acompanhando-a. Os pais demonstram intenso sofrimento toda vez que a

filha precisa voltar ao hospital com alguma recaída, e isso a faz remoer ainda mais o

sofrimento deles ao longo do processo da doença. Vale ressaltar que a fronteira entre a

doença e os pais de Hazel é bastante permeável, o que revela a grande acessibilidade e

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pouca resistência entre as duas regiões. A doença influencia diretamente a vida dos pais

e eles estão muito dedicados ao controle e às questões relacionadas ao câncer de Hazel.

Há um vetor que parte da região dos pais em direção à pessoa. Ele representa

uma força. Ela aponta na direção da região do grupo de apoio; seu ponto de aplicação é

a pessoa (Hazel) e sua potência é de intensidade considerável já que parte dos pais,

região com a qual Hazel tem grande preocupação. Tal vetor gera uma locomoção de

Hazel em direção ao grupo de apoio, região bem pequena, que representa a pouca

importância que Hazel dá a ele. Mesmo não dando muita importância a ele e

frequentando as reuniões a contragosto, a locomoção ocorre em função de atender à

necessidade que Hazel tem de agradar seus pais.

O livro que Hazel tanto gosta também está relacionado à doença. A adolescente

apresenta constantemente a curiosidade de saber sobre a continuidade da vida dos

demais personagens do livro, como se saber que a vida deles continuou após a perda da

personagem principal amenizasse o sofrimento da personagem em relação a seus pais. É

como se Hazel quisesse afirmar a continuidade da vida dos pais após sua morte. Ela

relata o medo intenso em relação a como os pais viveriam depois de sua morte. A região

do livro tem um tamanho razoável que representa toda a relevância que ele tem na vida

dela, pois ela o relê várias vezes, é o único livro que lê e é um de seus únicos

passatempos.

A região da faculdade é pequena e mais distante de Hazel. É uma região que não

tem tanta relevância em seu campo e é mencionada apenas de passagem durante o filme.

Na pessoa de Hazel também há algumas divisões de regiões. As principais

regiões intrapessoais de Hazel na primeira parte do filme são as seguintes: curiosidade

em relação ao fim do livro; medo do sofrimento dos pais quando ela morrer;

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necessidade de agradar aos pais; vontade de ter uma vida “normal” e o aborrecimento

em relação ao grupo de apoio.

Depois de conhecer Augustus no grupo de apoio, já na primeira semana há uma

modificação em seu campo. Isso porque ela encontra uma nova forma de encarar a

doença apresentada pelo adolescente. Augustus a ajuda a enxergar novas possibilidades

para além da doença. Hazel também começa a se preocupar com Augustus,

incorporando-o em seu campo. Ela fica constantemente esperando que ele entre em

contato com ela. E quando isso acontece há uma mudança em toda sua rotina. Hazel

enfrenta alguns medos e se permite novas experiências que até então não eram vistas

como possibilidades, como sair de casa, ficar sozinha sem os pais, se divertir com

Augustus e o amigo dele, fazer piquenique no parque, assistir filmes, viajar entre outros.

Tudo isso amplia o campo da personagem, que até então era bastante restrito.

Hazel não se permitia envolver com novas pessoas. Suas únicas relações eram com os

pais, por ela não querer que mais pessoas sofressem com sua morte, já que sua vida era

baseada na proximidade da mesma.

Embora a doença continue a ser um limitador de suas possibilidades, o câncer

passa a ser encarado de uma forma diferente depois que ela conhece Augustus. O câncer

já não é o centro que norteia a vida da personagem, embora ainda seja importante.

Com a viagem, Hazel se decepciona com a expectativa em relação ao autor do

livro. Entretanto, ela se permite viver novas experiências, inclusive assumir o

relacionamento com Augustus. Neste momento do filme a personagem tira um pouco o

foco da doença e permite envolver-se, mesmo com a possibilidade de sua morte causar

dor aos demais. Hazel, na viagem, se permite experienciar sua sexualidade, algo que

estava adormecido até então. Mesmo com a descoberta da doença do namorado ela

continua reagindo de uma nova forma com a doença. Isso porque embora viva as

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limitações, sua preocupação está em viver os momentos que lhe são possíveis no

presente.

Hazel descobre que a mãe tem planos de cursar a faculdade como possibilidade

de ajudar outras pessoas. Isso é interpretado por ela como um fator positivo por ver que

embora os pais tenham consciência da dor de sua perda, eles tem projetos para continuar

a vida apesar da dor (que ela tinha tanto medo de causar). A morte de Augustus reforçou

a importância de ter vivido todos aqueles momentos, embora a morte ainda fosse

sinônimo de dor, era possível ver a importância de experienciar os momentos na

presença dos outros.

Com todas as mudanças apresentadas, o campo de Hazel foi consideravelmente

ampliado. Isso porque houve novas relações sociais, novos sentimentos, novas formas

de lidar com a doença, com a morte, entre outros. Com essa mudança há uma fluidez

maior no campo de Hazel já que ela se permitiu interagir com o mundo de forma mais

espontânea.

Sendo possível elaborarmos um novo esquema para o campo da personagem:

DESENHO DO CAMPO

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No novo campo de Hazel é possível perceber novas regiões e o desaparecimento

de outras (faculdade e grupo de apoio) a partir do momento que ela conhece Augustus

no grupo de apoio. Por meio da entrada dele no campo tudo se transforma. Há uma

diminuição da região da doença em relação ao campo anterior, assim como a região dos

pais. Essa região deixa de ter fronteiras tão permeáveis com a região da doença como

antes.

Augustus proporcionou a ela o aparecimento de novas regiões. Ela passa a ler

outros livros, se abrir para novas vivências (viagens e passeios) e a conviver com o

amigo de Augustus. Em sua regiões intrapessoais, percebem-se grandes mudanças. O

medo de que os outros sofram com a sua morte permanece e algumas regiões

desaparecem dando lugar a outras, como: o conflito para se permitir viver um

relacionamento, sua sexualidade, raiva do autor do livro e sua atitude de encarar o medo

das limitações relacionadas à doença.

Pode-se perceber o processo de diferenciação das regiões de Hazel. Há uma

reestruturação de seu campo diante das novas mudanças em seu ambiente, que

interferem de modo interdependente com as mudanças na pessoa. A região da doença é

diminuída e ocorre uma subdivisão onde há o espaço para novas regiões como a região

de Augustus e sua nova forma de lidar com a doença. O ambiente de Hazel é ampliado,

abarcando novas pessoas e novos espaços, inclusive a possibilidade de conhecer um

novo lugar, Amsterdam. A área da doença se diferencia e subdivide com outras tais

como a do Augustus, a de possibilidade de novos amigos, com a ampliação de novos

lugares, e com a viagem. Junto com a área do Augustus há novos sentimentos

experimentados na convivência diária com ele, que a transformam de modo intimo.

A área dos pais se diferencia da doença. Os pais são vistos pela personagem de

forma diferente, como pessoas que tem uma vida própria. A relação com eles deixa de

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ser permeada pela doença e passa a ser experienciada como uma relação de amor com

outras pessoas que tem campos vitais próprios. A área do livro se divide pois além do

livro há agora a possibilidade de leitura de outros livros.

As fronteiras de contato de Hazel passam a ser mais permeáveis, possibilitando

novas relações e principalmente se diferenciar nas relações. Assim a personagem muda

internamente a sua forma de encarar a doença, a morte, o medo, entre outros. Há uma

nova motivação para experienciar e um enfrentamento do medo do sofrimento que pode

causar em outras pessoas. Surge a coragem de experimentar dentro da própria

personagem, a diminuição do medo de magoar as pessoas, uma nova forma de lidar com

a morte, a possibilidade de relacionamento com outras pessoas e uma certa

independência em relação aos pais.

A independência da personagem pode ser verificada, por exemplo, quando ela

decide dirigir e não depender tanto da companhia da mãe. Com a morte de Augustus a

personagem aprende que é possível lidar com a morte de outra maneira. Outra nova

região é a descoberta da sexualidade, que traz a possibilidade de se ver como mulher e

não apenas como a ‘menina doente’.

A personagem começa a se posicionar de forma mais autentica. No momento do

enterro de Augustus quando é apresentada como amiga, ela se posiciona e se coloca

como namorada. Há uma nova forma de ser-no-mundo que Hazel está experimentando e

que trará novas modificações em seu campo. A análise da trajetória da personagem

Hazel Grace ao longo do filme nos permite perceber e aplicar vários aspectos da teoria

de campo. A representação gráfica dos “elementos” da vida de Hazel expressa com

bastante clareza a intensidade que a mudança que um fato (conhecer Augustus)

acarretou em seu campo. Isso destaca ainda mais a propriedade do campo de ser um

contínuo de mudanças e movimento no tempo e espaço, pois seria possível fazer vários

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outros campos intermediários aos dois que foram desenhados, representando todos os

detalhes das mudanças pelas quais a personagem passou. É possível perceber também

com mais destaque o aspecto dinâmico e de mútua influência entre os fatores presentes

no campo, já que um único fator alterou toda a estrutura e organização dele.

A análise do filme A culpa é das estrelas possibilita a percepção da relevância

que a utilização da ferramenta da teoria de campo tem dentro da análise psicológica do

indivíduo dentro de um determinado contexto. Através do desenho do campo podemos

perceber aquilo que realmente é relevante dentro do campo de vida do personagem e

como os elementos se inter-relacionam. A percepção do todo contribui para uma melhor

compreensão das questões e sofrimentos do indivíduo e de como ele se posiciona dentro

de seu campo. Por meio do trabalho pudemos compreender ainda mais a utilidade do

desenho e análise do campo para a prática clínica.

Referências

D'Acri, G., Lima, P., & Orgler, S. (2007). Dicionário de Gestalt-terapia. São Paulo:

Summus.

Goodwin, C. J. (2005). História da psicologia moderna. (M. Rosas, Trad.) São Paulo:

Cultrix.

Hall, C., Lindzey, G., Campbell, J.B. (2000). Teorias da Personalidade. Porto Alegre:

Artmed.

Lewin, K. (1973). Princípios de psicologia topológica. São Paulo: Cultrix.

Ribeiro, J. P. (1999). Gestalt-terapia de curta duração. São Paulo: Summus.

Ribeiro, J. P. (2006). Vade-mecum de Gestalt-terapia: conceitos básicos. São Paulo:

Summus.