Intelectuais e política no Brasil

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    Daniel Pécaut, Os intelectuais e a política no Brasil

    Sartre, o engajamento e a História:

    “ele afirmava: ‘O intelectual é alguém que se intromete no que não lhe diz respeito’. O‘engajamento’ era, assim, a decisão ar itr!ria de tomar partido contra si mesmo."onsistia, a um s# tempo, em articular as classes destinadas por suas condi$%es a ocupar& se do universal, e em encarnar o movimento da hist#ria rumo a seu sentido final' (5).

    A sociologia no centro da auto-reflexão do pa s:

    “(odos os intelectuais rasileiros mant)m la$os com as ‘ci)ncias sociais’: a ‘sociologia’ na década de *+, e uma mistura de sociologia e economia nos anos + e -+. ois as

    ‘ci)ncias sociais’ nada mais são do que o discurso que o /rasil faz so re si mesmo e oindicador da posi$ão que o intelectual ocupa no processo de constitui$ão da na$ão

    rasileira' (!).

    "ntelectuais entre o estado e o po#o:

    “0pesar desses incont!veis v1nculos com o 2stado e, freq3entemente, da defer)nciamanifestada a seu respeito, serão os intelectuais capazes de militar a favor dademocracia4 ara isso, é preciso que eles não se contentem em intervir politicamente masreconhe$am a dimensão pr#pria ao plano pol1tico. 5 necess!rio ainda que não confundamos mecanismos democr!ticos com o li eralismo olig!rquico. 2 é essencial tam ém que nãovejam na democracia um método para se apropriar do 2stado. 6ão h! d7vida que e8isteuma tradi$ão li eral no /rasil, concorrente ou complementar 9 tradi$ão autorit!ria.. 2ntretanto, é prov!vel que os intelectuais, em sua maioria, tenham sentido pouca atra$ão pela primeira, e muitas vezes tenham sido motivados pela vontade de organizar a sociedade pelo alto' ($%).

    &'rio de Andrade e a escol a pelo particular como efeito da desconstru ão da ci#ili*a ão

    unit'ria:

    “2nquanto o rasileiro não se a rasileirar é um selvagem. Os tupis nas suas ta as erammais civilizados que n#s em nossas casas de /elo orizonte e ;ão aulo. or uma simples

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    razão: não h! uma "iviliza$ão. ! civiliza$%es... 6#s, imitando ou repetindo a civiliza$ão francesa, ou a alemã, somos uns primitivos, porque estamos ainda na fase do mimetismo'(+!).

    A S , a forma ão de elites e a ci ncia respaldando a pol tica, em /% e em !%:

    “0 cria$ão da *?, dois anos ap#s a derrota sofrida pelos paulistas em sua revolta armada contra o novo regime, faz parte do programa detransforma$ão pol1tica mediante a constitui$ão de novas elites... 6o caso rasileiro, essavisão elitista implicava não s# o respeito por uma hierarquia social, herdade ou adquirida,mas determinava tam ém a teoriza$ão da pol1tica como compet)ncia: a arte de governar relaciona&se com o sa er cient1fico' (/%).

    &'rio: 0a sociologia 1 a arte de sal#ar rapidamente o 2rasil3 (/$).

    "S42 e o primado do projeto:

    “6o caso do @;2/, o culto da ideologia teve por fun$ão criar um mesmo sentimento: o deque nada escapa 9 vontade dos homens. 6em mesmo os ‘processos econAmicos’, pois sãoregidos por uma finalidade que os tornava equivalentes a atos de vontade: a pr#priaeconomia se torna su jetiva. 6o ‘projeto’, a vontade humana encontra o ‘processo’' ($+!).

    “"riticar esses pensadores por terem esquecido a luta de classes 9 for$a de insistirem naunidade nacional demonstra um racioc1nio um tanto apressado' ($//).

    "S42 superando o dualismo sociedade ci#il-4stado:

    “desde os adernos de 6osso 7empo a consolida$ão da autoridade do 2stado eraapresentada como uma condi$ão da estrutura$ão da sociedade civil' ($/8).

    “no quadro da ideologia desenvolvimentista a distin$ão entre sociedade civil e 2stado perde todo o significado. 0 ‘funcionalidade’ do 2stado no processo de desenvolvimento éindissoci!vel da ‘emancipa$ão da comunidade’. ;ociedade e 2stado são levados pelomesmo movimento, e igualmente su ordinados 9 procura da na$ão' ($/!)."S42 e populismo:

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    “a atri ui$ão ao povo de uma consci)ncia ‘ing)nua’ e, ao mesmo tempo, sua e8alta$ãocomo su stBncia e sujeito da 6a$ão não dei8a de lem rar a linguagem populista. 2sta usae a usa das designa$%es contradit#rias como se não fossem contradit#rias. Cazendo de sios portadores da verdadeira consci)ncia, a consci)ncia cr1tica, os intelectuais tomam olugar que comumente ca e a um l1der populista: o de permitir 9 massa alcan$ar umaidentidade, desco rindo sua imagem no espelho que lhe mostra aquele que encarna a 6a$ão, o de tornar poss1vel 9 massa transformar&se em ovo ouvindo a maneira como esteé designado. 6ão menos significativo é o fato de que os intelectuais nacionalistas sereferem ao ovo como se este fosse uma comunidade. Deploram tudo que tende a dissolv)&los em indiv1duos' ($9!).

    fetic e pela sociedade ci#il confunde-se com o apelo ; democracia:“a partir de =>-E, ‘democracia’ torna&se a palavra&chave do discurso intelectual... 0li!s, ouso da palavra ‘democracia’ difunde&se junto com a e8pressão ‘sociedade civil’' ($

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    pol1tica 9 medida que vão rea ilitando a democracia. ;ua coesão e evid)ncia, adquiridasmuitas vezes com apoio no 2stado, passam a ser mantidas contra o 2stado, mas ainda com freq3)ncia em contato com ele' ($ ?i@eiro e a consci ncia ing nua dos uspianos (+$+).

    Hegemonia da S , para al1m da pol tica:

    “O estilo intelectual paulista não se resume a uma diverg)ncia pol1tica. Deve&se so retudo9s condi$%es que presidem 9 produ$ão e ao reconhecimento intelectual. Os professoresuniversit!rios formados pela

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    algo equivalente ao pecado. 0 preocupa$ão te#rica tem preced)ncia so re o projeto pol1tico' (+$ ?, o sinal de uma identidade coletiva envolvendoem primeiro lugar os estudantes. Guitas vezes, são estes que imp%em a multiplica$ão decursos so re Gar8 e seus disc1pulos. 2m certas faculdades, particularmente em => L,chega a acontecer de os estudantes recusarem qualquer leitura de DurMheim ou de Ga8Ne er' (++%).

    FH e a teoria #inculada ; pol tica:

    “delineia&se uma nova diferencia$ão dentro inclusive do grupo dos ‘veteranos’ do;emin!rio, entre aqueles cujo discurso continua antes de tudo te#rico, e aqueles cujodiscurso se torna indistintamente te#rico e pol1tico na medida em que visa a interpretar aconjuntura. ;ão esses 7ltimos, enca e$ados sem d7vida por Cernando enrique "ardoso,que se encontram nas p!ginas da?e#ista i#ili*a ão 2rasileira e conseguem maior destaque' (++%).

    =o intelectual demiurgo ao cr tico:

    “o intelectual demiurgo e encarregado da representa$ão popular apaga&se em proveito dointelectual cr1tico, que se dirige, antes de tudo, a seus pares e a seu p7 lico' (+++).

    S B 2:

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    “ ode&se perce er o que declaradamente est! em jogo: a cr1tica aos esquemas do "/ e 9cultura pol1tica neles aseada. 2ntretanto, distingue&se tam ém uma volta 9s concep$%ede =>*+: em ora a maioria das an!lises se situe numa perspectiva mar8ista, resultam emdiagn#sticos negativos, com as classes sociais sempre so ressaindo por suas defici)ncias eo povo, por sua inconsist)ncia pol1tica. ode&se tam ém discernir nessas an!lises as premissas de ase para a no$ão depend)ncia. "ar)ncias e inconsist)ncias: est! dado um primeiro passo no sentido da penetra$ão do ‘estrutural’ na esfera social e pol1tica' (+/$).

    “2ssas an!lises arru1nam os esquemas do "/. Os oper!rios não estão se transformandoem ator coletivo mas sim condenados a oscilar entre as reivindica$%es atomizadas e adepend)ncia em rela$ão ao poder' (+/5).

    m outro intelectual uni#ersal:

    “o especialista rasileiro continua, em muitos aspectos, um ‘intelectual universal’. 0teoria da depend)ncia é uma teoria de conjunto dos efeitos de estrutura que dão forma aoreal. inguagem da totalidade social H no$ão sempre presente em oa parte dos veteranosdo ;emin!rio so re Gar8, pelo menos no in1cio dos anos + H, a depend)ncia logo assume, para o grande p7 lico, as fei$%es de um outro mito, de uma outra ideologia, na qual afirma$%es não verificadas e não verific!veis se associam a enunciados cient1ficos ou semicient1ficos, e a refer)ncia 9 positividade se associa com a refer)ncia 9 totalidade'(+C$).

    A pol tica presa aos interesses:

    “(rata&se a1, talvez, mais do que de uma am ig3idade ou omissão: se a teoria dadepend)ncia pretendia restaurar a importBncia das intera$%es pol1ticas de diversos grupos sociais, parado8almente dei8ava na som ra tudo que tivesse rela$ão com o

    reconhecimento da especificidade da esfera pol1tica. ;# atri u1a valor e8plicativo aos‘interesses’ de classes ou fra$%es de classes, como se a esfera pol1tica se resumisse 9s suase8press%es diretas.

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    “O ‘estruturalismo’ inerente ao tema da depend)ncia não oferece pontos de apoio 9sop$%es pr!ticas, como j! comentamos, e isto continua sendo verdade do ponto de vistaa strato. 2ssa defici)ncia, porém, é o que a re caminho ao mais puro voluntarismo, emnome da supressão da depend)ncia, isto é, da li erta$ão nacional e da li erta$ão social. O‘foquismo’, afirma o pr#prio "ardoso, pode parecer a 7nica sa1da pol1tica para os

    loqueios estruturais' (+C8).

    =a estagna ão ; depend ncia:

    “O intervalo ?& L se a re so o signo da ‘estagna$ão’ e se encerra so o da depend)ncia. J! não h! evolucionismo no qual o intelectual possa se asear para construir, por conta da sociedade, a representa$ão da unidade nacional. J! não h! povo do qual possa pretender

    ser a emana$ão. J! não h! opera$ão ideol#gica pela qual se possa al$ar de repente ao plano do interesse geral, como se fosse imperme!vel a toda delimita$ão social particular'(+5C-5).

    erpetua ão do intelectual por so@re a sociedade:

    “Desfaz&se a cultura pol1tica que tinha seu epicentro no Iio de Janeiro, dei8ando contudo suas marcasF não s# o nacionalismo, não s# a socializa$ão mar8ista, mas so retudo aconvic$ão de que os intelectuais t)m por voca$ão situar&se, em rela$ão 9 sociedade, nomesmo plano que o 2stado. O 2stado autorit!rio não lhes fornece mais um ponto de fi8a$ão, mas tam ém não pode impedir que eles se considerem porta&vozes da sociedadediante do 2stado' (+55).

    ós-!C e o no#o intelectual:

    “0 ideologia profissionalizante su stitui a ideologia demi7rgica. @mpera o ‘discursocompetente’. 2ste se imp%e so re o pano de fundo da neutraliza$ão pol1tica das classes

    popularesF fornece meios para com ater a tecnocracia em seu pr#prio terrenoF permite preservar a hierarquia no interior das camadas cultasF e representa o direito de acesso 9esfera pol1tica no conte8to do autoritarismo. 2 esse ‘discurso competente’ passa tam émcomo discurso da sociedade civil perante o 2stado, visto que se modula em fun$ão dadiversidade profissional que é uma das modalidades de reorganiza$ão da sociedade civil, e

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    se ap#ia na multiplicidade de interesses das categorias profissionais dos amplos setoresmédios criados pelo ‘milagre’. O intelectual se reconhece agora como um ser de carne eosso, ou seja, como parte interessada na grande redistri ui$ão de condi$%es materiais eimateriais realizada no per1odo -+&L+... De fato, essa intelligentsia de oposi$ão redesco re para si, mais do que nunca, um destino de ator pol1tico, um ator que não se coloca ‘acimada sociedade’, nem se rende aos prazeres da ideologia: dessa vez, se instala dentro da sociedade e do sistema de rela$%es de for$a' (+!

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    ou nacional, este est! fechado so re si mesmo, regido por um princ1pio de causalidade sem fim e de finalidade sem causa. O capitalismo su mete a si pr#prio todas as esferas do social. Os pr#prios intelectuais não escapam 9 instrumentaliza$ão' (+95).

    FH como resist ncia ao iperfuncionalismo:

    “ !, no entanto, outro caminho pontilhando uma estratégia pol1tica contra o regime:implica a cr1tica ao hiperfuncionalismo mar8ista, e tam ém a utiliza$ão dos espa$os dee8pressão que continuam a ertos. Os te8tos de "ardoso servem aqui de pontos derefer)ncia. Puer se trate de ‘marginalidade’, de 2stado ou de classes sociais, "ardoso serecusa a ver neles somente engrenagens de uma l#gica capitalista semelhante 9 su stBnciaem ;pinoza' (+9

    conhecimento sejam parceiros na constitui$ão da realidade' (+

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    FH contra o @asismo:

    “ele est! tam ém convencido de que os movimentos de ase não t)m nem a esta ilidadenem a autonomia que lhes atri uem e muitas vezes ap#iam&se no 2stado e suas pol1ticas sociais. 2ssa posi$ão est! associada 9 tese de que não h! pol1tica que possa nascer do prolongamento direto das ‘comunidades’ e dos ‘movimentos da ase’, que possa fazer aeconomia de uma considera$ão dos mecanismos de delega$ão pol1tica e que possa ignorar o 2stado. O movimentismo, avalia "ardoso, tende a ser a e8pressão de um ‘populismoreligioso que revaloriza a no$ão de comunidade’ e deprecia qualquer representa$ão pol1tica' (/%!).

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