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Interdisciplinar Interdisciplinar v. 2, n. 2 - jul/dez de 2006 Introdução Costuma-se afirmar, nos compêndios dedicados aos estudos da linguagem, que o pensamento lingüístico ocidental é represen- tado, basicamente, por dois grandes pólos de atenção: o Formalismo e o Funcionalismo. Mas, o que representam essas abordagens? Em que elas se diferenciam? Quais seus principais representantes? Qual a importância de cada uma delas no rol dos estudos lingüísticos? O presente artigo procura elucidar, ainda que de forma sucinta, essas questões, a partir da observação das diretrizes teórico-metodológicas empreendidas por essas abordagens para o desenvolvimento dos es- tudos lingüísticos atuais. Correntes lingüísticas: notas sobre o formalismo e o funcionalismo Leilane Ramos da Silva 2 2 Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa (UFPB). Professora Adjunto I de Lingüística da Universidade Federal de Sergipe, Campus Professor Alberto Carvalho.

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  • InterdisciplinarInterdisciplinar v. 2, n. 2 - jul/dez de 2006

    Introduo

    Costuma-se afirmar, nos compndios dedicados aos estudosda linguagem, que o pensamento lingstico ocidental represen-tado, basicamente, por dois grandes plos de ateno: o Formalismoe o Funcionalismo. Mas, o que representam essas abordagens? Emque elas se diferenciam? Quais seus principais representantes? Quala importncia de cada uma delas no rol dos estudos lingsticos? Opresente artigo procura elucidar, ainda que de forma sucinta, essasquestes, a partir da observao das diretrizes terico-metodolgicasempreendidas por essas abordagens para o desenvolvimento dos es-tudos lingsticos atuais.

    Correntes lingsticas: notas sobre

    o formalismo e o funcionalismo

    Leilane Ramos da Silva2

    2 Doutora em Lingstica e Lngua Portuguesa (UFPB). Professora Adjunto Ide Lingstica da Universidade Federal de Sergipe, Campus Professor AlbertoCarvalho.

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    InterdisciplinarInterdisciplinar v. 2, n. 2, p. 106-124 - jul/dez de 2006

    1 - Formalismo e funcionalismo: em busca de definies

    De um modo geral, pode-se dizer que o Formalismo consistenuma abordagem cujo foco incide to somente na observao e des-crio das caractersticas estruturais das lnguas, desconsiderandosuas possveis funes. J o Funcionalismo consiste em qualquerabordagem lingstica que d importncia aos propsitos inerentesao emprego da linguagem.

    Conforme salienta Neves (1997), para o Formalismo, a anlise daforma lingstica parece ser primria, enquanto que, para o Funcionalis-mo, a funo das formas lingsticas ocupa um lugar especial na anlise.

    Apresentada essa distino inicial, convm, agora, esmiuaralguns dos principais parmetros freqentemente destacados comorelativos a essas correntes. Nesse sentido, julga-se oportuno realar,aqui, a especificao de oito tpicos de confronto entre esses doisparadigmas (Paradigma Formal = PFO; Paradigma Funcional =PFU) apresentada em Dik (1989 apud NEVES, 1997):

    1) A definio de lngua:PFO = conjunto de oraes; PFU= instrumento de interao social;

    2) Funo da lngua:PFO= expresso de pensamentos; PFU = comunicao;

    3) Correlato psicolgico:PFO= competncia: capacidade de produzir, interpretar e julgaroraes; PFU= competncia comunicativa: habilidade de interagirsocialmente com a lngua;

    4) O sistema e seu uso:PFO = O estudo da competncia tem prioridade sobre o da atuao;PFU= O estudo do sistema deve ser feito dentro do quadro do uso;

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    5) Lngua e contexto/situao:PFO= as oraes da lngua devem ser descritas independentementedo contexto/situao; PFU= a descrio das expresses deve forne-cer dados para a descrio de seu funcionamento num dado contexto;

    6) Aquisio da linguagem:PFO= ocorre a partir do uso de propriedades inatas, baseando-se emum input no estruturado de dados; PFU= faz-se com a ajuda de uminput extenso e estruturado de dados apresentado num contexto natural;

    7) Universais lingsticos:PFO= propriedades inatas do organismo humano; PFU= expli-cam-se em funo de restries de natureza comunicativa, biolgi-ca ou psicolgica e contextual;

    8) Relao entre a sintaxe, a semntica e a pragmtica:PFO= a sintaxe autnoma em relao semntica e ambas o soem relao pragmtica. Dessa forma, as propriedades vo da sin-taxe pragmtica, via semntica; PFU= a pragmtica o quadrodentro do qual a semntica e a sintaxe devem ser estudadas. Logo,as prioridades vo da pragmtica sintaxe, via semntica.

    Em sntese, a considerao desses tpicos por Dik (1989 apudNEVES, 1997) evidencia a sua concepo de que o Paradigma For-mal entende a lngua natural como um sistema abstrato e autno-mo em relao ao contexto de uso e o Paradigma Funcional consi-dera que as expresses lingsticas no so objetos funcionais arbi-trrios, mas tm propriedades determinadas pragmaticamente, nocircuito da interao verbal humana.

    Outros autores, a exemplo de Halliday (1985), assinalam quea oposio entre essas duas abordagens relaciona-se ao tipo de ori-entao que cada uma segue.

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    Assim, para o referido estudioso, o Formalismo assenta-sena lgica e na filosofia e se caracteriza por uma orientao prima-riamente sintagmtica. Por isso, suas gramticas interpretam a ln-gua como um conjunto de estruturas onde podem ser firmadas,num segundo passo, relaes regulares. Ancoradas nessa concep-o, tendem a enfatizar os traos universais da lngua, creditando sintaxe a centralidade dos estudos lingsticos. Por extenso, or-ganizam a lngua em torno da frase. Ou seja, so gramticas arbi-trrias.

    No que tange ao Funcionalismo, Halliday (1985) afirma seresta abordagem assentada na retrica e na etnografia, com orienta-o paradigmtica. Logo, as gramticas funcionais concebem a ln-gua como uma rede de relaes, enfatizando as variaes entre dife-rentes lnguas, considerando a semntica como base de anlise eorganizando-a em funo do texto ou discurso.

    Borges Neto (2004), no entanto, ao considerar que os estudosformalistas esto atrelados ao entendimento dos fatos lingsticosenquanto manifestaes de um objeto de natureza autnoma, va-lida que possvel desenvolver uma semntica, uma sociolingsticae at uma pragmtica formalista. A propsito, eis as palavras doautor:

    Os formalistas estudam as lnguas naturais para

    entend-las enquanto uma linguagem, isto , enquan-

    to um conjunto de formas que se relacionam entre si

    numa sintaxe, que se relacionam com objetos do mun-

    do (mundo objetivo ou mundo mental) numa se-

    mntica, e que servem para que os falantes digam

    coisas, expressem seus significados (pragmtica).

    Algumas teorias restringem-se aos aspectos sintticos

    (teoria chomskyana, por exemplo), outras abordam

    tambm os aspectos semnticos e pragmticos. O que

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    as rene sob o rtulo de formalistas nada tem a ver

    com essa delimitao de domnio, mas tem a ver com

    a compreenso dos fatos lingsticos enquanto mani-

    festaes de um objeto autnomo, que preexiste a

    esses fatos (seja como um objeto mental, como quer

    Chomsky; seja como um objeto abstrato, de nature-

    za matemtica, como quer Montague), que a lingua-

    gem humana. Assim, desde que assumida essa pers-

    pectiva, possvel uma semntica, uma pragmtica,

    uma sociolingstica ou uma psicolingstica

    funcionalista. (BORGES NETO, 2004a, p. 85)

    Ainda segundo Borges Neto (2004, p. 86), a questo bsicainerente a essas posies saber

    se a forma da lngua (caracterizada pela abordagem

    formalista) que determina sua funo (ou suas funes)

    ou se so os usos da lngua (caract erizados pela abor-

    dagem funcionalista) que determinam sua forma. De

    fato, uma verso da problemtica ovo/galinha.

    Reflexes filosficas parte, cabe destacar alguns dos princi-pais modelos de gramticas desenvolvidas em uma ou outra corren-te de pensamento. Eis, ento.

    2 Os modelos de abordagem gramatical: tipos, seguidores

    2.1 As abordagens formais da gramtica

    Entre as abordagens formais da gramtica, pode-se colocarem evidncia: a) o Estruturalismo (Europeu e Americano); b) o

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    Gerativismo. Isso porque tais abordagens no consideram o contex-to de uso das manifestaes lingsticas, tampouco as relaes comos falantes que as enunciam (seus propsitos, os atos interacionais einstitucionais que ativam, sua classe social, sexo, idade, nvel deescolarizao) ou o processamento cognitivo que lhe inerente (cf.VASCONCELOS, 2002).

    Grosso modo, o Estruturalismo Europeu governado por doisprincpios centrais: o da estrutura e o da autonomia.

    O primeiro o da estrutura reporta aos elementos que com-pem uma lngua, caracterizados em virtude da organizao globalde que fazem parte. Sob esse prisma, fazer cincia da linguagem postular e, simultaneamente, elucidar as estruturas sistmicas ine-rentes aos enunciados. Cada unidade sistmica e, portanto, s podeser identificada em seu interior. Eis um dos focos da perspectivasaussuriana.

    J o segundo princpio o da autonomia valida a idia deque uma determinada lngua, enquanto representao estrutural ousistmica, original e no se constitui a partir de fatos externos. Ouseja, os signos lingsticos so definidos em funo de suas relaesinternas e no pelas propriedades do mundo, tampouco pelasespecificidades subjacentes aos falantes. Logo, um sistema aut-nomo e, claro, estrutural.

    Conforme salienta Borges Neto (2004b, p. 102):

    Com a assuno do princpio da autonomia,

    Saussure ope sua teoria da linguagem a tudo o que

    se faz anteriormente na rea. Com Saussure a lin-

    gstica cria ponto de vista prprio, interno, no

    subordinado ao de outras reas do conhecimento; o

    estudo da linguagem passa a ser um objetivo em si

    mesmo e no mais uma prtica ancilar da crtica

    literria (como foi nos estudos greco-latinos e nos

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    estudos filolgicos) ou da lgica (como ocorreu no

    fim da Idade Mdia e nos sculos XVII e XVIII).

    Conjugando o princpio da autonomia com o prin-

    cpio da estrutura, Saussure se ope aos estudos his-

    trico-comparativos do sculo XIX, mostrando que

    no h possibilidades de se fazer um estudo histri-

    co srio se o lingista se ocupar de meras pores

    da lngua. A lngua um sistema e, na verdade, o

    que prprio sistema que muda e que histria. As-

    sim, o estudo autnomo do sistema (lingstica

    sincrnica) condio lgica para o estudo de sua

    histria (diacrnica).

    Entre as noes mais fecundas subjacentes ao EstruturalismoEuropeu est a da dupla articulao da linguagem, apontada porMartinet. Segundo o estudioso francs, a primeira dessas represen-tada pelas unidades significativas, chamadas de monemas (morfemasou signos mnimos). Corresponde ao campo da Morfologia; a segun-da caracterizada pelos fonemas, entendidos como unidades mni-mas no dotadas de significado. Trata-se da Fonologia.

    Paralelamente, os estruturalistas americanos, em sendopositivistas, ou seja, crentes na idia de que a cincia s pode sebasear em dados passveis de observao, recusam o significado nadescrio dos padres combinatrios da lngua. Aos poucos, perce-beram que era impossvel captar as regularidades da lnguapriorizando to somente as combinaes de fonemas. Ento, passa-ram a postular que os padres combinatrios (estruturais) da ln-gua esto divididos em dois nveis: um descrito diretamente a partirdos fonemas e outro descrito a partir da combinao desses fonemas- os morfemas. Nesse sentido, a gramtica representa o estudo ape-nas desse segundo nvel (Cf. VASCONCELOS, 2002).

    Para Borges Neto (2004b, p. 104):

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    Embora no se possa negar que os lingistas ameri-

    canos do incio do sculo lessem Saussure, nem que

    conhecessem o pensamento europeu da poca (inclu-

    sive porque muitos deles eram imigrantes europeus),

    as origens do estruturalismo americano so, pratica-

    mente, independentes do estruturalismo europeu.

    Sem sombra de dvidas, Leonard Bloomfield o lingista demaior destaque do estruturalismo americano at meados do sculo XXe sua principal tese reporta conjuno dos nveis estruturais de anli-se, com nfase nos nveis fonolgico e morfolgico, respectivamente.

    Genericamente, diz-se que uma corrente centrada nos proce-dimentos de descoberta, no sentido de priorizar uma aplicao quetivesse como resultado a depreenso dos fatos de lngua. Isso porque,

    Para estabelecer as estruturas fonolgica e morfolgica

    de uma lngua, o lingista devia, em primeiro lugar,

    estabelecer quais seriam os fonemas e os morfemas da

    lngua, pela segmentao e classificao do material

    concreto de fala obtido pelo registro de um corpus. Iden-

    tificados os fonemas e os morfemas, o lingista devia

    ver quais eram as combinaes de fonemas e os

    morfemas possveis e como os morfemas eram obti-

    dos a partir dos fonemas. O estudo de unidades maio-

    res do que o morfema (palavras e sentenas, por exem-

    plo), embora no fosse feito por causa das dificulda-

    des de se obterem definies claras, era considerada

    uma tarefa desejvel3 e, se feito, deveria seguir um

    procedimento semelhante ao da anlise dos nveis in-

    feriores. (BORGES NETO, 2004, p. 105).

    3 Grifos do autor

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    Por essas e outras razes, Vasconcellos (2002, p. 24) afirmaque a palavra-chave para entender esse tipo de trabalho padrocombinatrio. Nesse sentido, destaca como hipteses de base:

    a)h combinaes de elementos lingsticos que so

    possveis na lngua e outros que no;

    b)pode-se fazer uma descrio econmica do que

    ou no possvel tomando-se como base no as pr-

    prias unidades lingsticas, mas suas classes: as

    unidades de uma dada classe podem combinar-se

    com as de outra classe para formar um certo tipo

    de construo, mas no com os membros de uma

    terceira classe por exemplo, um artigo pode com-

    binar-se com um substantivo comum para formar

    um sintagma nominal, mas no com um verbo;

    um sintagma nominal pode combinar-se com um

    sintagma verbal para formar uma orao, mas no

    com um sintagma adverbial;

    c) na mesma posio ocupada por uma determinada

    unidade na construo, poderiam aparecer outras

    unidades da mesma classe por exemplo, no mesmo

    lugar estrutural ocupado pelo sintagma nominal O

    menino na orao O menino no veio poderia apare-

    cer uma infinidade de expresses como O homem, O

    filho de Maria, Pedro, Aquele rapaz que esteve ontem,

    que so, todas elas, sintagmas nominais de diferen-

    tes graus de complexidade. Depreender a estrutura

    das lnguas, nesses termos, seria determinar no s

    as unidades, mas sobretudo as classes das unidades

    e os tipos de construes existentes na lngua.

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    Apesar de apresentarem algumas divergncias, como a exi-gncia mecanicista do estruturalismo americano de um tipo especi-al caracterizado como objetividade, ambas as formas de estrutu-ralismo so comumente caracterizadas como integrantes de umaLingstica Taxonmica, porque sustentadas e, ao mesmo tempo,determinadoras de classificaes as mais diversas.

    Quanto outra forma de abordagem formal destacada outro-ra a gramtica gerativa , cumpre registrar o mtodo mecanicistaque a caracteriza, a metfora do computador, por assim dizer.

    Como se sabe, de acordo com os seus princpios elementares,a gramtica representa um conjunto de regras que regem os padresdas sentenas realizveis numa lngua, ou seja, algo que estinternalizado nos falantes, uma gramtica internalizada. Nesse sen-tido, os homens viriam geneticamente dotados de uma GramticaUniversal.

    Aludindo, mais uma vez, s palavras de Vasconcelos (2002, p.27-28), vale ressaltar:

    Essa metfora do computador prpria da Gramtica

    Gerativa, em especial na sua fase inicial. A idia

    subjacente a ela a de que um certo elenco de smbo-

    los, que so, sobretudo, mas no somente, smbolos

    referentes ao que chamamos de palavras, estendidos

    tambm a classes de sintagmas, mas sem definies a

    priori dessas classes. Eis um exemplo: SN Art +N,

    regra que pode ser lida como sintagma nominal, pode

    ser reescrita como um artigo mais um nome. O Lxico

    seria um componente de entrada, que lista os elemen-

    tos que podem ser associados a cada um desses smbo-

    los permitindo que a estrutura abstrata formada ape-

    nas pelos smbolos originados na aplicao sucessiva

    das regras seja substituda por uma seqncia de itens

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    lexicais concretos, inseridos naquela estrutura por

    outro tipo de regra, chamada regra de insero lexical.

    A sada do programa seriam as possveis frases de acor-

    do com aquele sistema isto , as frases gramaticais

    naquela lngua, nesse sentido tcnico da palavra gra-

    matical, que nada tem a ver com a idia de certo ou

    errado. Por isso dito que o programa capaz de de-

    terminar frases daquela lngua, ou seja, de definir quan-

    do uma dada seqncia ou no uma frase da lngua.

    Tambm seria capaz de descrever essas frases, isto ,

    de lhes atribuir determinada estrutura de partes de

    dadas classes, concebida nos termos das regras aplic-

    veis em sua gerao.

    As observaes da autora, de certa forma, so endossadas porTrask (2004), medida que este entende que uma gramtica gerativano pensa; uma vez construda, dispensa as aes humanas (2004,p. 27). Para o autor, as vrias fases do Gerativismo so marcadaspela centralidade da Sintaxe e pela capacidade gerativa, reiteran-do-se, aqui, a idia de que quanto maior o nmero de tipos de fatosdiferentes de que a gramtica pode tratar com sucesso, maior a ca-pacidade gerativa dessa gramtica (2004, p. 127).

    Ainda conforme o autor, todos os tipos de gramtica gerativapodem ser dispostos em hierarquia, das mais fracas s mais fortes.Tal ordenao caracterizada, na literatura lingstica pertinente,como hierarquia de Chomsky, j que este representa o mentor daTeoria. Duas das mais importantes dessas classes so a sintagmticae a gramtica transformacional.

    Da observao dessas particularidades da gramtica gerativa,advm uma lgica subjacente: a escolha de uma abordagem funcio-nal decorre do desejo que os gerativistas tm de que a gramtica sejaa representao do conhecimento lingstico dos falantes, baseado

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    na Gramtica Universal. Dessa forma, mais do que evidente a ado-o de uma abordagem formal de gramtica, pois o casamento dosprincpios gerativistas expostos com as noes de relao, funo ousignificado certamente no confirmaria suas expectativas em relaoaos fatos de lngua. O que significa dizer, entre outras coisas, que otratamento formal oferece, para a perspectiva gerativista, o estabele-cimento de hipteses explcitas e mais facilmente comprovveis. Nofundamental, como dito outrora, tanto o Estruturalismo quanto oGerativismo no extrapolam os limites das sentenas, limitando-se descrio hierrquica dos constituintes de determinadas classe e depropriedades eminentemente gramaticais, como nmero, gnero,pessoa, caso, etc. Nesse sentido, ignoram os mecanismos de coeso deum texto, os padres de significao que um texto comporta, as sutisimpropriedades dos diferentes gneros discursivos, por assim dizer4.

    Quanto aos principais tericos formalistas, comum a refe-rncia aos nomes de Chomsky, Bloomfield, Z. Harris e outros. NoBrasil, possvel destacar, entre outros, os nomes de Carlos Mioto eRoberta Pires, ambos da UFSC.

    Expostas algumas caractersticas de abordagens formais dagramtica e alguns dos nomes importantes na difuso dos estudosformalistas, seguem comentrios acerca dos modelos funcionais.

    2.2 As abordagens funcionais da gramtica

    Retrospectivamente falando, h de se considerar que o alar-gamento recente da Lingstica demonstra um passo acelerado esucessivo de mudanas significativas na definio de seus pontos de

    4 Como lembra Vasconcellos (2002), mesmo quando tentam focalizar asemntica, as abordagens formais tendem a um enfoque estrutural. Parailustrar, a autora registra que tanto os estudos da semntica lexical como osda semntica sentencial reportam aos significados das palavras e das frasescomo independentes de qualquer contexto, textual ou situacional.

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    vista. Como endossa Pezatti (2004), at o final dos anos de 1970 houvea predominncia do modelo terico padro da GramticaTransformacional que no parecia possvel trabalhar a sintaxe deuma lngua fora de seus parmetros de investigao, ainda que paramuitos pesquisadores chamava a ateno o enfoque excessivamenteformalista dessa tendncia. (PEZATTI, 2004, p. 166). No entanto,

    Aos poucos, a desconsiderao da teoria gerativa por

    questes discursivas provocou na lingstica uma

    reao generalizada que desencadeou o surgimento

    de vrias tendncias, como a Sociolingstica, a Lin-

    gstica Textual, Anlise do Discurso, a Anlise da

    Conversao, entre outras. A teoria funcionalista

    uma dessas tendncias, mas ilusrio pensar que,

    como elas, seu surgimento tenha sido recente. O que

    houve, na realidade, foi uma reatualizao de seus

    princpios. O paradigma funcional ostenta, na ver-

    dade, uma histria quase to longa quanto a do

    paradigma formal, incluindo neste o estruturalis-

    mo saussuriano.

    A par dessa discusso, o termo funcional vem sendocomumente referido a um amplo conjunto de modelos tericos e,nesse sentido, diz-se que impossvel a existncia de uma teorianica sob essa rubrica. Muitos autores entendem, respondendo aoque h de comum a essas teorias, que a nica concordncia delasseria a recusa aos princpios gerativistas. Sobre esse peculiar, h dese apelar, aqui, mais uma vez, voz de Pezatti (2004, p. 167):

    Uma resposta desse tipo, no entanto, equivocada,

    pois, alm de dar figura individual de Chomsky

    importncia excessiva na rea da lingstica

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    formalista, no faz jus investigao funcionalista,

    uma vez que esse modo de pesquisa j existia antes

    mesmo do surgimento da teoria gerativista no final

    dos anos de 1950, com a Perspectiva Funcional da

    Sentena do Crculo Lingstico de Praga. Alm do

    mais, esse tipo de afirmao, ao enfatizar

    exageradamente a recusa s explicaes formalistas,

    retira da corrente funcionalista o que lhe mais caro:

    em primeiro lugar, a concepo de linguagem como

    instrumento de comunicao e de interao social e,

    em segundo lugar, o estabelecimento de um objeto

    de estudos baseados no uso real, o que significa no

    admitir separaes entre sistema e uso, tal como pre-

    conizam tanto o estruturalismo saussuriano, como a

    distino entre lngua e fala, quanto a teoria gerativa,

    com a distino entre competncia e performance.

    Para reiterar as palavras da autora, parece oportuno reafir-mar que o Funcionalismo concebe a linguagem, prioritariamente,como instrumento de interao social, validado pelos falantes como objetivo principal de transmitir informaes aos interlocutoresem geral. Trocando em midos, quando se fala em Funcionalismo,insiste-se, sobretudo, na idia de uma anlise lingstica que consi-dera metodologicamente o componente discursivo, dada a sua fun-o prioritria na gramtica de uma lngua.

    Considerada a amplitude dessa definio um tanto quantoenciclopdica, considera-se lcido marcar a distino feita porVasconcellos (2002) entre abordagens funcionais e funcionalistas dalinguagem. Para a autora, funcional a abordagem tpica do Funci-onalismo Clssico, uma das subcorrentes do Estruturalismo Euro-peu, e funcionalistas remete a um conjunto de correntes da atualida-de, que no representam um teoria determinada, mas se caracteri-

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    zam pela recorrncia a alguns princpios e temas.Teriam se origi-nado no Funcionalismo Clssico, mas alargaram seus horizontesgradativamente.

    Nesse sentido, a denominao de Funcionalismo Clssico decorrente da relevncia que os conceitos de funo e funcionamentoreceberam dos representantes da Escola de Praga, notadamente ade Bhler, que instituiu um dos primeiros modelos de funes dalinguagem. Alis, conforme aponta Neves (1997), os mais signifi-cativos desenvolvimentos do Funcionalismo esto ligados s con-cepes da Escola de Praga.

    Genericamente, seus representantes enxergam que a funoprimria das lnguas garantir a comunicao. Logo, comungamda idia de que a funo a essncia das estruturas. A bem da ver-dade, esse entendimento fez surgir um postulado comum s ten-dncias funcionalistas atuais: a de que a lngua sujeita s transfor-maes, em funo das presses de uso.

    No fosse apenas isso, Vasconcellos (2002) advoga que o Fun-cionalismo Clssico antecipou muitos dos temas hoje exploradospelas abordagens funcionalistas, como os diferentes estatutosinformacionais das partes das sentenas e as questes inerentes aoprocessamento cognitivo do discurso sobre as mudanas lingsti-cas. De qualquer forma, para a autora, o Funcionalismo Clssico ainda uma Lingstica da Lngua, do Sistema, pois, na maioria dasvezes, as funes propostas para as unidades e/ou mecanismos dalngua so estritamente internas, a exemplo da funo distintivados fonemas.

    As correntes funcionalistas atuais, por sua vez, cada vez commais veemncia, enfatizam as caractersticas inerentes ao empregodas expresses lingsticas no discurso, abrangendo fenmenosinteracionais, sociais e culturais, cognitivos e outros.

    Como dito antes, tais abordagens so mais difceis de seremdefinidas, porque representam um conjunto de teorizaes parti-

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    lhadas e no apenas uma teoria. Mas, grosso modo, diz-se que soregidas pelo princpio da no autonomia. Da a ampliao do objetode estudo da Lingstica, com a incluso de pesquisas voltadas parao estatuto das expresses lingsticas inseridas no discurso, comoos decorrentes trabalhos sobre a perspectiva funcional das senten-as, as noes de dado e novo, o conceito de tpico, os aspectospsicolgicos associados ao processamento da fala e outros. Dito deoutro modo, a ateno se volta, principalmente, para as aes reali-zadas na linguagem.

    Entre os pontos comuns a essas abordagens reside o entendi-mento de que existe uma relao no-arbitrria entre a lngua esuas regularidades, uma insistncia naquilo que se convencionouchamar de hiptese da iconicidade, ou seja, a idia de que h cor-respondncia sistemtica entre a forma lingstica e seu contedo.A propsito,

    Para a perspectiva funcionalista, h uma relao no-

    arbitrria entre a estrutura da lngua e suas regula-

    ridades, explicadas a partir da maneira como os fa-

    lantes se comunicam. As estruturas das expresses

    esto a servio de algumas funes como a

    ideacional, a interpessoal e a textual (Halliday,

    1978). Essas funes dizem respeito ao modo e or-

    ganizao do discurso em determinado contexto

    discursivo (funo textual), ao modo como o falante

    organiza a experincia sobre o mundo (ideacional)

    e ao modo como se d a interao entre falante e

    ouvinte e outros fatores da situao de interao

    (interpessoal). De acordo com o funcionalismo, as

    estruturas das expresses lingsticas so configu-

    raes de funes, cada qual tendo uma significa-

    o na sentena. (PEZATTI, 2004, p. 198).

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    Outros aspectos caros dizem respeito aos interesses relativosao fenmeno da gramaticalizao, processo segundo o qual algu-mas formas lingsticas assumem, em decorrncia do uso, funesmais gramaticais5. Tais funes so decorrentes do uso em condi-es especficas ou de relaes metafricas ou metonmicas6.

    Quanto anlise interna e, em conformidade com o que foiexposto no incio deste artigo, a abordagem funcionalista priorizauma interdependncia entre os nveis da lngua, dando especial aten-o ao componente pragmtico-textual.

    No que concerne aos principais representantes do Funciona-lismo Clssico, plausvel citar os membros da Escola de Praga(como Bhler, Jakobson e Martinet), a Escola de Londre e Halliday.No mbito das abordagens funcionalistas, vale colocar em evidn-cia os nomes de Givn, Traugott, Heine e Bybee. No Brasil, desta-cam-se, entre outros, os trabalhos de Ataliba Castilho, SebastioVotre, A. Naro e Edair Gorski.

    5 O princpio da gramaticalizao remonta a Meillet (1965-1912) e foireatualizado, sobretudo, a partir da dcada de 1970. De forma geral, o conceitose aplica ao entendimento funcionalista de que a gramtica emerge do uso.Nesse sentido, o termo reporta idia de que uma estrutura lexical passa, emcontextos especficos, a assumir uma funo gramatical ou um item jgramatical passa a assumir uma funo ainda mais gramatical. Logo, umprocesso dinmico, unidirecional e diacrnico.

    6 Diz-se que h um processo metonmico quando uma entidade x usada nolugar X, conjunto de elementos de domnio comum. Logo, quandoclassicamente a metonmia definida em funo de um efeito que tomadopela causa, uma parte pelo todo, autor por obra e tantas outras correntementerespaldadas nas enciclopdias escolares, ocorre um deslocamento de umaentidade para se referir a uma outra de mesmo domnio. Dessa forma,enquanto a metfora fundamenta-se numa relao icnica, considerada aquia semelhana entre as entidades colocadas em correspondncia, a metonmiafundamenta-se em uma relao de base indicial entre a entidade representantee o domnio representado.

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    Concluses

    Diante das observaes expostas, vale reafirmar a concepode que o Formalismo, nas suas mais representativas abordagensgramaticais, endossa uma perspectiva que gera explicaes a partirde sua prpria estrutura, enquanto o Funcionalismo tem suas basesexplanatrias firmadas na considerao de que h uma motivaofuncional nas unidades estruturais da lngua.

    Independentemente dessa discusso, imperativo ressaltar,aqui, as palavras de Halliday (1985), para quem o Formalismo e oFuncionalismo se ligam prpria natureza da linguagem e raizdo pensamento ocidental.

    Nesse sentido, a adoo de uma ou outra (ou de uma e outra)depende do tipo de anlise que se pretende realizar. Para Leech(apud NEVES, 1997), a opo por uma ou outra tola, no sentidode que ou nega que a linguagem um fenmeno psicolgico, ounega que social. Assim, melhor reconhecer a importncia de seusestudos e deixar que a anlise lingstica determine o tipo de abor-dagem a ser desenvolvida, seja opondo-as, seja unindo-as com umobjeto especfico.

    Referncias Bibliogrficas

    BORGES NETO, Jos. Formalismo vs Funcionalismo nos estudoslingsticos. In: Ensaios de filosofia da lingstica. So Paulo:Parbola Editorial, 2004a.

    _____ . Reflexes preliminares sobre o estruturalismo em lings-tica. In: Ensaios de filosofia da lingstica. So Paulo: ParbolaEditorial, 2004b.HALLIDAY, M. An introduction to functional grammar.Baltimore: Edward Arnold, 1985.

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    NEVES, Maria Helena de Moura. A gramtica funcional. So Pau-lo: Martins Fontes, 1997.PEZATTI, Erotilde Goreti. O funcionalismo em lingstica. In:MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (orgs.). Intro-duo lingstica: fundamentos epistemolgicos. So Paulo:Cortez, 2004.TRASK, R. L. Dicionrio de linguagem e lingstica. (Traduode Rodolfo Ilari; reviso tcnica de Ingedore V. Koch e ThasCristfaro Silva). So Paulo: Contexto, 2004.VASCONCELLOS, Zinda Maria de. O que gramtica. In:CHIAVEGATTO, Valria Coelho (org.). Pistas e travessias II: ba-ses para o estudo da gramtica, da cognio e da interao. Rio deJaneiro: EDUERJ, 2002.

    SumrioDenise Porto CardosoAntonieta Emanuelle Santos da SilvaCelina Cassal Josettino processo de escolarizao Luiz Eduardo OliveiraLeda Pires Corraportadores de deficincia mental Marcos Ribeiro de MeloA influncia da hermenutica Anlise Crtica do Discurso Cleide Emlia Faye PedrosaInseres enunciativas, autonmia e a o formalismo e o funcionalismo A irrupo do arqutipo