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1 INTERVENÇÕES DO PSICÓLOGO ESCOLAR: PERCEPÇÕES DE PROFESSORES SOBRE O MAL-ESTAR DOCENTE 1 Marcos Fernando de Oliveira Pereira 2 Me. Simone Nenê Portella Dalbosco 3 SUMÁRIO 1 Introdução. 2 Revisão bibliográfica. 3 Aspectos metodológicos. 4 Apresentação e discussão dos resultados. 4.1 O mal-estar docente na percepção dos professores. 4.2 Os professores falam sobre as dificuldades enfrentadas na escola. 4.3 Motivos e dificuldades para procurar atendimento na área da saúde. 4.4 A percepção dos docentes sobre o psicólogo escolar. 5 Considerações finais. Referências. Apêndice. RESUMO Este artigo apresenta a percepção de oitos professores de uma escola da rede pública estadual de Passo Fundo sobre as possibilidades de uma intervenção psicológica na escola. O problema da pesquisa foi: como os professores de uma escola da rede pública estadual de Passo Fundo percebem o mal-estar docente e quais as alternativas que podem ser desenvolvidas para a melhoria da saúde mental, mediante a intervenção do psicólogo escolar? O objetivo geral foi: entender as percepções dos professores acerca do mal-estar docente e identificar as principais alternativas de tratamento psicológico. E, os objetivos específicos foram: identificar as principais doenças psicossomáticas enfrentadas pelos participantes; entender os anseios e dificuldades enfrentados pelos profissionais no trato em sala de aula; perceber o que os professores entendem sobre o mal-estar docente; e propor alternativas de tratamento com a colaboração do psicólogo escolar. A presente pesquisa foi desenvolvida como um estudo qualitativo do tipo descritivo. Os dados obtidos foram organizados em gráficos que permitem a descrição da realidade dos oito professores participantes do estudo. Nesse sentido, buscou-se a classificação por faixa etária, gênero, estado civil, escolaridade, carga horária, turnos de trabalho, grau de ensino em que lecionam, tipo de profissionais da saúde que procuraram e tipos de medicação utilizada de forma contínua. As categorias encontradas, na análise qualitativa, abordam o mal-estar docente na percepção dos professores; as dificuldades encontradas na escola; os motivos que os levaram a procurar profissionais da saúde; a participação do psicólogo na escola, e alternativas para a qualidade de vida. Palavras-chave: Psicologia escolar. Mal-estar docente. Síndrome de Bournot. Professores. 1 Trabalho de Conclusão de Curso vinculado à linha de pesquisa “Processos e Intervenções em Saúde e Qualidade de Vida”. 2 Graduando em Psicologia pela Faculdade Meridional (IMED) – Passo Fundo. E-mail: [email protected]. 3 Professora Orientadora.

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INTERVENÇÕES DO PSICÓLOGO ESCOLAR: PERCEPÇÕES DE PROFESSORES SOBRE O MAL-ESTAR DOCENTE1

Marcos Fernando de Oliveira Pereira2 Me. Simone Nenê Portella Dalbosco3

SUMÁRIO

1 Introdução. 2 Revisão bibliográfica. 3 Aspectos metodológicos. 4 Apresentação e discussão

dos resultados. 4.1 O mal-estar docente na percepção dos professores. 4.2 Os professores

falam sobre as dificuldades enfrentadas na escola. 4.3 Motivos e dificuldades para procurar

atendimento na área da saúde. 4.4 A percepção dos docentes sobre o psicólogo escolar.

5 Considerações finais. Referências. Apêndice.

RESUMO Este artigo apresenta a percepção de oitos professores de uma escola da rede pública estadual de Passo Fundo sobre as possibilidades de uma intervenção psicológica na escola. O problema da pesquisa foi: como os professores de uma escola da rede pública estadual de Passo Fundo percebem o mal-estar docente e quais as alternativas que podem ser desenvolvidas para a melhoria da saúde mental, mediante a intervenção do psicólogo escolar? O objetivo geral foi: entender as percepções dos professores acerca do mal-estar docente e identificar as principais alternativas de tratamento psicológico. E, os objetivos específicos foram: identificar as principais doenças psicossomáticas enfrentadas pelos participantes; entender os anseios e dificuldades enfrentados pelos profissionais no trato em sala de aula; perceber o que os professores entendem sobre o mal-estar docente; e propor alternativas de tratamento com a colaboração do psicólogo escolar. A presente pesquisa foi desenvolvida como um estudo qualitativo do tipo descritivo. Os dados obtidos foram organizados em gráficos que permitem a descrição da realidade dos oito professores participantes do estudo. Nesse sentido, buscou-se a classificação por faixa etária, gênero, estado civil, escolaridade, carga horária, turnos de trabalho, grau de ensino em que lecionam, tipo de profissionais da saúde que procuraram e tipos de medicação utilizada de forma contínua. As categorias encontradas, na análise qualitativa, abordam o mal-estar docente na percepção dos professores; as dificuldades encontradas na escola; os motivos que os levaram a procurar profissionais da saúde; a participação do psicólogo na escola, e alternativas para a qualidade de vida. Palavras-chave: Psicologia escolar. Mal-estar docente. Síndrome de Bournot. Professores.

1 Trabalho de Conclusão de Curso vinculado à linha de pesquisa “Processos e Intervenções em Saúde e Qualidade de Vida”. 2 Graduando em Psicologia pela Faculdade Meridional (IMED) – Passo Fundo. E-mail: [email protected]. 3 Professora Orientadora.

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ABSTRACT This article talks about the perception of eight teachers that work at a public school in Passo Fundo and want to know of the possibilities and limitations of psychological intervention in school. The research problem was: how teachers of a public school of Passo Fundo perceive the unrest and which alternatives can be developed to improve mental health, through the intervention of the school psychologist? The overall objective was: to understand the perceptions of teachers about teaching malaise and identify the main psychological treatment alternatives. And, the specific objectives were: to identify the main psychosomatic illnesses faced by participants, to understand the concerns and difficulties faced by professionals in dealing in the classroom; realize that teachers understand about teaching malaise, and propose alternative treatment with the collaboration of the school psychologist. This research study was developed as a qualitative in nature. The data were organized into charts that allow the description of the reality of the eight teachers in the study. Accordingly, we sought to classification by age, gender, marital status, education, workload, shift work, level of education they are teaching, type of health professionals who have sought and types of medication used continuously. The categories found in the qualitative analysis address the malaise in the perception of teaching teachers, the difficulties encountered in school, the reasons that led them to seek health care professionals, the participation of psychologists in school and alternatives to the quality of life. Keywords: Educational psychology. Educational malaise. Syndrome Bournot. Teachers.

1 Introdução

Este estudo enfoca a percepção de oitos professores de uma escola da rede pública

estadual de Passo Fundo sobre as possibilidades de uma intervenção psicológica na escola. A

pesquisa tenta responder a seguinte pergunta: como os professores de uma escola da rede

pública estadual de Passo Fundo percebem o mal-estar docente e quais as alternativas que

podem ser desenvolvidas para a melhoria da saúde mental, mediante a intervenção do

psicólogo escolar? Assim, procura-se descrever como esses professores percebem esse

fenômeno e se têm sugestões sobre a participação do psicólogo escolar em relação à qualidade

de vida.

Pode-se definir o mal-estar docente como “uma resposta ao estresse profissional

prolongado e crônico, e pode ocorrer devido às dificuldades colocadas pela sua profissão”

(STREHL, 2010, p. 25). A manifestação do mal-estar docente se dá através de sentimentos de

angústia, desconforto e impotência, resultantes dos episódios estressantes nas relações

estabelecidas pelo professor, em situações cotidianas de sua prática com colegas, diretores e

alunos.

A hipótese considera que esses professores percebem o mal-estar docente e têm

sugestões sobre a participação do psicólogo escolar na promoção da qualidade de vida. Esta

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problematização buscou o entendimento da relação professor-escola-psicólogo a partir das

suas dificuldades vivenciadas no ambiente escolar.

Para o Relatório da Organização Mundial da Saúde (2012, p. 30), a definição de saúde

é:

[...] não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade, mas como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”. Nos últimos anos, esta definição ganhou um maior destaque, em resultado de muitos e enormes progressos nas ciências biológicas e comportamentais. Estes, por sua vez, aperfeiçoaram a nossa maneira de compreender o funcionamento mental e a profunda relação entre saúde mental, física e social.

Com base nessas questões, o objetivo geral é: entender as percepções dos professores

acerca do mal-estar docente e identificar as principais alternativas de tratamento psicológico.

Os objetivos específicos são: identificar as principais doenças psicossomáticas enfrentadas

pelos participantes; entender os anseios e dificuldades enfrentados pelos profissionais no trato

em sala de aula; perceber o que os professores entendem sobre o mal-estar docente; e propor

alternativas de tratamento com a colaboração do psicólogo escolar.

Com o auxílio desse profissional, os professores podem ter uma ferramenta de apoio

no sentido de relatar suas angústias, medos e ansiedades no exercício da profissão docente. O

psicólogo escolar tem o papel de minimizar o estado psíquico dos professores frente às

dificuldades e conflitos existentes no trato com alunos, funcionários e colegas de profissão no

ambiente específico da escola e da sala de aula. Paula e Naves (2010, p. 61) salientam que

“[...] em um cenário de incertezas, os docentes vivem o desafio de moverem-se num contexto

em que tudo o que parecia sólido desmancha-se no ar”. Nesse sentido, pode-se afirmar que a

fala silenciada, o constrangimento, o estresse e todo tipo de mal-estar são reais no dia a dia

dos professores.

Este tema surgiu na disciplina Psicologia do Trabalho II, cursada em de 2009 em que,

naquela ocasião, percebeu-se a ausência de vários professores atuando na escola. No período

de 2011, durante o estágio profissional, observou-se também que, devido a laudo médico

decorrente de problemas psicossomáticos, houve muitas faltas de docentes que tiveram

origem na tentativa de exercer a profissão.

Os problemas psicossomáticos são os que designam alterações funcionais e

enfermidades de origem orgânica provocadas pelas características psicológicas do ser humano

e por influências derivadas do ambiente em que vive. Vale a pena ressaltar que, embora sua

origem esteja relacionada com componentes psicológicos, estes problemas precisam de

tratamento (PROBLEMAS..., 2012).

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O tema torna-se ainda mais relevante devido à quantidade de trabalhos científicos que

enfocam o assunto no âmbito da intervenção psicológica. Nota-se que esses profissionais

possuem dificuldades para trabalhar em sala de aula e que estas não são um caso isolado de

uma escola em especial, mas sim, um fato comum em qualquer ambiente pedagógico.

Justifica-se este trabalho, então, devido à demanda percebida na esfera educacional por

intervenções clínicas e por ações psicossociais na tentativa de diminuição do sofrimento

psíquico em que se encontram os profissionais da educação, principalmente na rede pública

de ensino.

Identifica-se a necessidade de entender o processo que se dá através da entrada do

professor em laudo médico a partir do seu exercício profissional em sala de aula. Este artigo

inicia com a revisão bibliográfica, segue pela descrição dos aspectos metodológicos e, por

último, faz uma interpretação dos dados de forma qualitativa.

2 Revisão bibliográfica

A psicologia escolar possui uma breve história no Brasil com contribuições isoladas,

iniciativas pioneiras e a criação de diversas instituições relacionadas a esta área. Segundo

Cassins et al. (2007), as origens da psicologia escolar iniciam no século XIX, mas somente no

século XX é que se produzem serviços efetivos às escolas, aos professores e aos educandos.

A importância da psicologia escolar está relacionada ao melhor aproveitamento

acadêmico dos educandos, a fim de que este se torne um cidadão produtivo para a sociedade.

Tem como foco o desenvolvimento emocional, cognitivo e social, utilizando-os para abranger

os processos de ensino e de aprendizagem e direcionar a equipe educativa na busca de

aperfeiçoamento deste processo.

Sua participação na equipe multidisciplinar é essencial para respaldá-la com

conhecimentos atualizados na tomada de decisões, como a distribuição apropriada de

conteúdos programáticos conforme as fases do desenvolvimento humano, a seleção de

estratégias de condução da turma, apoio aos docentes para lidar com a heterogeneidade

presente na escola, desenvolvimento de técnicas inclusivas para alunos com dificuldades de

aprendizagem ou comportamentais, programas de desenvolvimento de habilidades sociais e

outros assuntos abordados, nos quais os fatores psicológicos tenham papel fundamental.

Nesse sentido, Cassins et al. (2007, p. 17) afirmam que “[...] o psicólogo escolar

desenvolve atividades direcionadas com alunos, professores e funcionários e atua em parceria

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com a coordenação da escola, familiares e profissionais que acompanham os alunos fora do

ambiente escolar”.

Esse autor enumera os fins e objetivos da Psicologia Escolar: a escola é o espaço para

proporcionar o desenvolvimento integral do ser humano; incentivar os educadores para tomar

posições em relação aos problemas sociais; estimular a opção por uma atuação amparada em

teorias psicológicas; assessorar a escola no desenvolvimento de uma concepção educacional,

na compreensão e amplitude de seu papel, seus limites e possibilidades; desenvolver uma

concepção de psicologia enfatizando o compromisso com a sociedade; entender o fracasso

escolar não como um processo individual; mensurar os processos de reflexão sobre as ações

educativas a partir da atuação com os diversos profissionais envolvidos na educação; propor

outras alternativas sociais para auxiliar na administração de possíveis deficiências escolares;

compreender os processos de desenvolvimento biopsicossocial dos envolvidos na escola;

explanar os processos de desenvolvimento da aprendizagem de alunos e professores;

compreender a construção da subjetividade (construção do Eu) em cada ambiente

educacional; assessorar na procura de humanização educacional; cultivar o enfoque

preventivo, visando a reflexão sobre os papéis dos envolvidos; buscar ser o orientador do

processo refletivo e não o solucionador de problemas; conscientizar as pessoas da importância

de sua participação e responsabilidade nos grupos em que se inserem.

Cassins et al. (2007) também expõem as atividades que o psicólogo escolar precisa

desenvolver: assessorar a instituição escolar na elaboração do projeto político-pedagógico,

considerando as políticas públicas; apoiar a escola no resgate do valor e da autonomia do

professor; assessorar o docente na articulação entre as teorias da aprendizagem e as práticas

pedagógicas adotadas; mobilizar a comunidade educacional em torno de uma proposta de

intervenção, conscientizando pais e professores sobre as necessidades básicas de crianças e

adolescentes; e, pesquisar e aplicar os conhecimentos relacionados com psicologia escolar-

educacional. Neste estudo, optou-se pela categoria professores, embora, a relação com toda a

comunidade escolar é fundamental.

O psicólogo escolar também acompanha projetos de apoio à construção de identidade

pessoal e participação social; encaminha educandos a atendimentos especiais ao detectar

necessidades específicas; participa em reuniões com a equipe pedagógica; supervisiona os

planos de intervenção individual e/ou grupal; elabora projetos de educação sexual e de

prevenção ao uso de drogas e à violência. É no corpo docente que se focará este texto.

Ante os inúmeros desafios que o professor encontra no ambiente escolar, Strehl (2010,

p. 80) afirma que:

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[...] fica evidenciada a necessidade de um sistema de apoio para contribuir com o bom andamento de seu trabalho, oferecendo suporte aos problemas enfrentados com os alunos e sendo um elo entre a escola e os familiares, na organização de seu trabalho e no apoio para a prevenção de seus problemas de saúde.

Assim, as tarefas que o psicólogo escolar poderia realizar junto ao corpo docente são,

segundo Cassins et al. (2007), apoio na definição de conteúdos e teorias de aprendizagem;

promoção de atividades de desenvolvimento profissional; orientação, intervenção e

acompanhamento para dificuldades individuais e grupais; e trabalhos direcionados à

qualidade de vida no trabalho, como relações intersubjetivas, motivação, prevenção de

estresse e os fatores que envolvem o mal-estar docente, mais, especificamente, a Síndrome de

Burnout.

Gardenal (2009, p. 1), preocupada com os motivos que levam os professores a

adoecer, fez “[...] uma pesquisa de fôlego sobre as condições de trabalho e suas repercussões

na saúde dos professores da educação básica, que começou com um levantamento de teses e

livros de toda a produção do país nos últimos dez anos”.

Voltando o olhar para a organização escolar e todo o contexto em que a educação está

inserida, percebe-se que há uma sobrecarga em grande medida aos seus agentes e,

especialmente, aos professores.

Monteiro e Soares (2010, p. 1-2) tiveram como objetivo: “[...] fazer um levantamento

através da literatura científica dos processos de mudanças ocorridas na educação e as

principais consequência destas sobre a atividade docente e a saúde, apresentando a Síndrome

de Burnout que afeta profundamente estes profissionais”.

De acordo com Mazon, Carlotto e Câmara (2008), “Síndrome de burn-out” é um tipo

de resposta prolongada ao estresse emocional e crônico no trabalho, que afeta, principalmente,

profissionais da área da educação e cuidadores. Burnout é um fenômeno psicossocial que

surge como uma resposta crônica ao estresse ocorrido no trabalho, sendo constituído de três

dimensões relacionadas, mas independentes: exaustão emocional, despersonalização e baixa

realização profissional.

O processo de desenvolvimento da Síndrome de Burnout é individual e sua evolução

pode levar anos e até décadas, não sendo percebido em sua fase inicial pelo sujeito que,

geralmente, se recusa a acreditar que está acontecendo algo errado com ele. Os estudos de

Burnout têm focado em variáveis organizacionais e contextuais. No entanto, as pesquisadoras

sugerem que altos níveis de estresse não necessariamente levam o sujeito a desenvolver

Burnout.

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Silva e Carlotto (2003) analisaram se o estresse estabelece diferenças significativas

nos níveis e no processo da Síndrome de Burnout em professores de escolas da rede pública.

Também procuraram identificar associações das dimensões de Burnout com variáveis

demográficas, laborais e comportamentais. Os resultados obtidos indicam não existir

diferença estatisticamente significativa entre os grupos nas dimensões e níveis de Burnout.

No entanto, verifica-se a ocorrência de associação diferenciada nos dois grupos entre as

dimensões de Burnout e as variáveis mencionadas.

A Síndrome de Burnout também foi pesquisada em professores da rede pública por

Levy, Nunes e Souza (2009). O índice de Burnout foi avaliado em 119 professores da rede

pública do ensino fundamental. Os instrumentos de medidas constituíram do CBP-R

questionário de Burnout para professores-R e um inventário sócio demográfico. Os resultados

indicaram que 70,13% dos participantes apresentavam síndrome, sendo que 85% se sentiam

ameaçados. Desses, 44% cumpriam jornada de trabalho superior a 60 horas semanais e 70%

situavam-se em uma faixa etária inferior a 51 anos. A partir do estudo, foram sugeridas

alternativas para a humanização do posto de trabalho docente.

Os estudos até aqui apresentados servirão de suporte à análise a ser exposta,

posteriormente, tendo como objeto os resultados obtidos por meio da pesquisa empreendida, a

qual seguiu os aspectos metodológicos relatados no próximo item.

3 Aspectos metodológicos

A presente pesquisa foi desenvolvida como um estudo qualitativo do tipo descritivo. A

pesquisa qualitativa possui como objeto “[...] o homem em seu estado natural, em seu meio,

por vezes algo modificável para evitar a interferência de variáveis que fariam ruído”

(TURATO, 2003, p. 24). Para escapar só da quantificação, o pesquisador deve ser capaz de

pensar. Sendo assim, como afirma Turato (2003, p. 25), “deverá ter outras características que

vão além da disciplina técnica: a criatividade, a capacidade de indagar, a curiosidade e a

ética”.

Na ênfase da descoberta de novas ideias e conhecimentos, Barros e Lehfeld (2000, p.

70) descrevem suas concepções acerca dos estudos descritivos: “Nesse tipo de pesquisa não

há interferência do pesquisador, isto é, ele descreve o objeto de pesquisa. Procura descobrir a

frequência com que um fenômeno ocorre, sua natureza, características, causas, relações e

conexões com outros fenômenos”.

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Limita-se, a partir do contexto apresentado, a intervenção junto aos professores em

situação de desgaste no ambiente escolar. A pesquisa foi realizada em uma escola pública da

rede estadual de ensino do município de Passo Fundo. O convite foi realizado mediante

disponibilidade de tempo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que foi

aprovado pelo Comitê de Ética da Imed (Anexo). Exclui-se deste trabalho a totalidade dos

professores da escola analisada, pois, nem todos necessitam de apoio psicológico, incluindo

como participantes deste estudo apenas os docentes em situação de laudo por problemas de

saúde. Esta proposta tende a priorizar o trabalho do professor que se encontra previamente

desmotivado, prejudicado ou em dificuldade de lecionar em sua plenitude e de maneira

saudável. Foram participantes da pesquisa os professores que entraram em laudo por motivos

de saúde nos últimos dois anos, num total de 8 (oito) docentes, 1 (um) do sexo masculino e 7

(sete) do sexo feminino que já haviam retornado ao serviço.

Para a coleta dos dados, utilizou-se a entrevista semidirigida que foi realizada por

meio de um roteiro específico para este tipo de entrevista (ver Apêndice). A literatura

científica, ao falar das entrevistas quanto ao seu formato, usa, classicamente, o termo

“estruturada”. No entanto, Turato (2003, p. 312) afirma que toda entrevista possui uma

estrutura e que “[...] por outro lado, quanto a serem dirigidas, estas, sim, podem ser

‘totalmente’, ‘parcialmente’ ou ‘praticamente nada’”.

Na entrevista semidirigida, o pesquisador faz perguntas concretas, mas deixando

algumas abertas nas quais o entrevistado pode expor o tema de maneira livre. Nesse sentido,

Turato (2003, p. 315, grifo nosso) fala dos motivos da escolha desse instrumento auxiliar para

a pesquisa clínico-qualitativa:

[...] dá-se então pelo motivo de que ambos os integrantes da relação têm momentos para dar alguma direção, representando ganho para reunir os dados segundo os objetivos propostos. Enquanto bom pesquisador, o entrevistador deverá colocar-se tranquilamente considerando certas situações da fala do informante como elementos

relevantes, falas incompletas e falas obscuras.

Preferiu-se a utilização desse instrumento pelo fato das perguntas, em certo momento,

exigirem respostas com conteúdo livre, em detrimento da totalidade de alternativas fornecidas

pelo investigador, contribuindo para o alcance dos objetivos propostos.

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4 Apresentação e discussão dos resultados

Os dados obtidos foram organizados em gráficos que permitem a descrição da

realidade dos oito professores participantes do estudo. Nesse sentido, buscou-se a

classificação por faixa etária, gênero, estado civil, escolaridade, carga horária, turnos de

trabalho, grau de ensino em que lecionam, tipo de profissionais da saúde que procuraram e

tipos de medicação utilizada de forma contínua.

Os professores entrevistados tinham entre 36 e 59 anos, sendo 38% com mais de 51

anos, ou seja, três educadores em fase prévia à aposentadoria; 37% possuíam entre 41 e 50

anos, sendo três dos entrevistados ingressando na vida adulta média; e somente 25% tinham

entre 30 e 40 anos de idade, quer dizer, que dois participantes ainda eram adultos jovens.

Dos oito docentes entrevistados, um é do gênero masculino correspondendo ao 13%

do total e, sete, foram do gênero feminino correspondentes aos 87% do total de educadores

entrevistados. Isso se deve à grande proporção de profissionais do gênero feminino que

trabalha na área de educação.

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Dos professores entrevistados, 13 % são viúvos (uma pessoa); 25% são casados (duas

pessoas); 25% são divorciados (duas pessoas) e 37% são solteiros (três pessoas), sendo um do

gênero masculino. Os professores não comentaram espontaneamente se tinham filhos,

somente uma delas disse que tem cinco filhos e que quatro deles se drogam, e outra, que a

chegada da segunda filha provocou depressão pela sobrecarga do trabalho e os deveres

familiares.

Todos os professores entrevistados possuem graduação e o 75% fez também cursos de

pós-graduação (seis professores). Os educadores têm graduação nas seguintes áreas: uma em

História, dois em Matemáticas, uma em Letras: Português e Literatura, duas em Educação

Física, duas de Educação Artística: Habilitação em Artes Plásticas. Dos que fizeram pós-

graduação: uma fez em Direitos Humanos, uma em Teoria da Arte, uma em Psicopedagogia

Escolar, uma em Leitura e Língua Inglesa, uma das professoras realizou vários cursos de

especialização em Desporte Coletivo, Leitura de Animação Cultural, Gestão Escola, Mídia na

Educação, um docente não informou o curso realizado.

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Dos oitos professores entrevistados, 13% tem carga horária com mais de 40 horas

semanais na escola (uma pessoa), 37% tem 40 horas semanais (três pessoas) e 50% possui 20

horas semanais (quatro pessoas). É necessário esclarecer que uma das educadoras com 20

horas semanais trabalha mais 40 horas noutra escola. E, outra entrevistada que declara ter 20

horas na escola pesquisada ainda trabalha mais 35 horas, noutra escola. Seis entrevistados

lecionam somente uma disciplina: dois dão aula de Educação Física, dois lecionam Artes, dois

ministram a disciplina de Matemáticas. Entretanto, uma docente dá aulas de Inglês e de

Ensino Religioso, e outra das entrevistadas leciona cinco disciplinas, sendo elas, História,

Filosofia, Religião, Artes e Geografia.

Um professor entrevistado leciona na parte da manhã, outro na parte da tarde, outro à

noite; 13%, quer dizer, um docente leciona pela manhã e à noite; 25% dos professores, ou

seja, dois deles lecionam manhã e tarde; e os outros dois, o 25%, lecionam nos três turnos.

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Dos oitos professores entrevistados, 25% atuam no ensino fundamental; 37% atuam no

ensino médio, e 38% atuam tanto no ensino fundamental como no médio/Eja. Então, dois

professores lecionam nos primeiro e últimos anos do ensino fundamental, três professores o

fazem nos três anos do ensino médio regular, e três professores trabalham no ensino

fundamental e no ensino médio da educação de jovens e adultos.

Dos oito professores entrevistados, 13% buscaram vários profissionais de

fonoaudiologia, neurologia, cardiologia, ortopedia e traumatologia; 37% procuraram

atendimento com psiquiatra; 25% foram atendidos por médicos psiquiatras e de outras

especialidades; e 25% consultaram psiquiatra e psicólogo concomitantemente. Três

professores buscaram ajuda somente psiquiatra, dois de psiquiatria e psicologia, dois de

psiquiatra e outros médicos e um professor procurou um profissional que tratasse da voz.

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Dois professores não utilizavam medicação ao momento da entrevista. Os

medicamentos utilizados de forma contínua foram: Ciita e Atenolol; Sirbratina, Olcoadil e

Rivotril; Daforin, Rivotril e Paco Musculare; Estezaline e Benepax; Éxodus e Losartana

Potássica; um dos professores mencionou somente que eram antidepressivos e outro não

especificou o tipo de medicação. Após o laudo, três professoras tiveram delimitação da função

realizando tarefas escolares que não impliquem em atividades em sala de aula.

4.1 O mal-estar docente na percepção dos professores

Os docentes manifestaram que o mal-estar pode ser causado por diversos motivos. Os

professores falaram da sobrecarga de trabalho e a pressão da escola; da desmotivação pessoal

e da frustração; da falta de incentivo ou valorização social.

De acordo com Villela e Silva (2008, p. 111):

As queixas mais frequentes percebidas no trabalho versam sobre aspectos contextuais: intensificação do trabalho; várias jornadas de trabalhos assumidas; deslocamentos entre as escolas; condições materiais oferecidas; dificuldades para acompanhar a velocidade das inovações tecnológicas; suporte técnico insuficiente; mudança no perfil do aluno; elevado número de alunos por turma; defasagem salarial; falta de reconhecimento do trabalho; escassez de tempo para preparação das aulas e participação em cursos. Essa intensificação do fazer docente lhe ocasiona conflitos, pois ao ter que arcar com essa sobrecarga, percebe reduzido seu tempo disponível para estudos individuais ou em grupo, participação de cursos ou outros recursos que possam contribuir para a sua qualificação, favorecer seu desenvolvimento e sua realização profissional.

Isso se percebe na fala dos próprios docentes quando dizem: “é a situação de pressão,

estresse e sobrecarga (Luísa)”; “sobrecarga de trabalho (Marta)”; “excesso de carga horária

(Ivone)”. Uma da docente fala também sobre o estresse, mas, este tema será abordado mais

adiante ao falar dos motivos que levaram os professores a buscar atendimento na área de

saúde. “O estresse resulta de nossa reação psicológica e física às mudanças potenciais com

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que convivemos atualmente. A mente reage com ansiedade, preocupação ou medo. O corpo

reage secretando substancia químicas e hormônios.” (WEISS, 2006, p. 9).

Três professores comentaram que se sentem desmotivados: “falta de vontade de

trabalhar” (Marta); “desânimo” (Manuela); “baixa motivação para o trabalho” (Simone).

Nesse sentido, Strehl (2010, p. 120) escreve:

[...] o descaso com o professor da rede estadual está aumentando, os alunos estão desinteressados, o número de colegas doentes, física e mentalmente, está cada vez maior; a remuneração é baixa, não existe apoio psicológico para o professor, existem pais ausentes, alunos, de modo geral, agressivos, desanimados, sem respeito pelo professor; falto incentivo para o aperfeiçoamento do professor, falta material didático, especialmente em língua estrangeira; não tem livros, não tem recursos, e o material é caro para o professor adquirir de seu próprio bolso.

Além da motivação interna, também falta motivos externos que contribuam com a

situação vivida pelos docentes. Eles comentaram: “temos má remuneração” (Luisa); “falta de

valorização” (Ivone); “falta de incentivo” (Simone).

Sobre este assunto, Strehl (2010, p. 120) escreve que é:

[...] de suma importância a valorização do professor em seu aspecto intelectual, social e econômico, mas nunca esquecendo que ele é, antes de tudo, uma pessoa; de modo que se faz necessário o desenvolvimento de sua auto-individuação e a procura de um ensino em prol de sua saúde psicológica.

Três professores mencionaram o pânico e outras síndromes/sintomas psicológicos:

“Não estar bem, não estar em condições laborais no trabalho; angustia, já tive síndrome do

pânico” (Lucas); “Que os professores estão com uma doença psicológica, e também de

enfrentar os alunos em sala de aula, sente tremor, desmaio, mal-estar” (Tânia); “Tive

problemas na disciplina, eu sentia náusea, tontura, choro constante, tristeza, gastrite nervosa e

labirintite” (Manuela); “angústia” (Simone).

A ansiedade causa, no indivíduo, alguns sintomas referidos pelos professores: angústia

constante, tontura, dores musculares, taquicardia e epigastralgias.

De acordo com Dalgalarrondo (2000, p. 26):

As crises de pânico são intensas crises de ansiedade, nas quais ocorre importante descarga do sistema nervoso autonômico, produzindo sintomas como: náuseas, taquicardia, e outros. As crises sejam recorrentes, com desenvolvimento de medo de ter novas crises, preocupações sobre possíveis implicações da crise (perder o controle, ter um ataque cardíaco ou enlouquecer), alem de sofrimento subjetivo significativo. A síndrome do pânico pode ou não ser acompanhada de agorafobia.

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Somente uma professora falou de frustração. Isso é bastante relevante. Ela disse que

estava se sentindo desiludida, com objetivos não alcançados que “vai deixando a gente

frustrada” (Maria). Os autores que estudam o mal-estar já comprovaram este fato como se

observa na citação abaixo realizada por Strehl (apud MARCHESI, 2010, p. 28):

A desilusão e o cansaço profissional em nada favorecem a colaboração e o trabalho em equipe. A mesma coisa ocorre, embora com menos força, com as experiências negativas: grupo de trabalho que não cumpriram seus objetivos, que não foram capazes de superar suas dificuldades ou nos quais as exigências superaram as vantagens.

No próximo tópico, as dificuldades enfrentadas pela escola são relatadas pelos sujeitos

da pesquisa.

4.2 Os professores falam sobre as dificuldades enfrentadas na escola

Dois professores não atribuem as dificuldades à convivência com os alunos ou com os

colegas porque se sentem respeitados: “Não encontro dificuldades com os alunos. Eles

adoram minha disciplina e me respeitam” (Luiza) e também “Nenhuma dificuldade com

alunos, me respeitam.” (Marta).

Mas, há quem pensa o contrário porque quatro professores comentam sobre o

desinteresse e baixo rendimento dos alunos: “Falta comprometimento dos alunos” (Lucas); e

“Rendimento baixo dos alunos” (Tânia); “Desinteresse de aluno/ pois eles não têm

responsabilidades” (Maria); “falta de interesse “ (Simone).

Sobre este assunto, Bottini (2009, p. 97) escreve:

Falta de interesse dos alunos em aprender é a principal dificuldade que encontram em seu trabalho diário. As razões desta situação costumam ser atribuídas, em diferentes graus, às mudanças de sociedade, à falta de dedicação das famílias, às leis educacionais, à influencia dos audiovisuais e à despreocupação dos próprios alunos.

Cinco professores falaram sobre a indisciplina e a dificuldade de domínio de classe

uma vez que os alunos “não cumprem regras, conversas paralelas, bullying.” (Tânia); “Falta

de limites nas séries do ensino fundamental, como deboches” (Simone).

Lopes Neto (2005, p. 165) estuda o bullying como um dos efeitos causadores da

violência escolar:

16

A agressividade nas escolas é um problema universal. O bullying e a vitimização representam diferentes tipos de envolvimento em situações de violência durante a infância e adolescência. O bullying diz respeito a uma forma de afirmação de poder interpessoal através da agressão. A vitimização ocorre quando uma pessoa é feita de receptor do comportamento agressivo de uma outra mais poderosa. Tanto o bullying como a vitimização têm consequências negativas imediatas e tardias sobre todos os envolvidos: agressores, vítimas e observadores. Por definição, bullying compreende todas as atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudante contra outro(s), causando dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder.

Manuela, Maria e Ivone comentaram que as dificuldades enfrentadas com a disciplina

são o maior problema com os alunos: “Indisciplina, muita conversa, falta de respeito do aluno

com o professor, conversas paralelas, levantam e saem da sala de aula” (Maria); “Indisciplina

generalizada dos alunos falta de domínio em sala de aula” (Ivone). Essa falta de respeito pode

transformar-se em agressão.

Segundo Bottini (2009, p. 53):

Percebe-se que a autoridade já não representa uma ordem a ser seguida, esta é questionada e desautorizada, e que questionamento a ser feito é como exigir respeito à autoridade de criança e adolescente que não respeitam. Essa é uma forma das indagações importantes, uma vez que pais têm problemas para exercer seu papel de autoridade diante dos filhos, levando concomitantemente à falta de limites e respeito.

Entretanto, apesar da violência na escola ser reflexo da violência social, somente um

professor diz: “Não tem estímulo por partes dos pais, negligência dos pais com a escola”.

(Lucas). Este fato foi comprovado noutras falas de professores estaduais como vemos na

pesquisa de Strehl (2010, p. 119): “não existe apoio psicológico para o professor, existem pais

ausentes, alunos, de modo geral, agressivos, desanimados, sem respeito pelo professor; falta

incentiva para o aperfeiçoamento do professor, falta material didático”.

Embora seja uma fala apenas, é bastante relevante. Cabe levantar a pergunta: por que

os demais professores nem mencionam os pais como parte da comunidade escolar? Será que

já “internalizaram” a ideia de que os pais ficam mesmo de fora? Não há comprovação através

dos entrevistados sobre a participação dos pais no ambiente escolar.

4.3 Motivos e dificuldades para procurar atendimento na área da saúde

Os professores falaram que um dos motivos que os levaram a procurar atendimento na

área de saúde foi o estresse. Estresse é qualquer reação psicológica ou física às mudanças.

Mente e corpo reagem com ansiedade, diferentes sentimentos e dor. Simone, Manuela, Luiza

17

falaram que um dos motivos que as levaram a procurar atendimento na área de saúde foi o

estresse. Seyle foi o primeiro médico a falar no assunto, para definir um conjunto de situações

que a pessoa vive para se adaptar ao mundo.

Segundo Rodrigues e França (2010, p. 117): “Na verdade, a todo instante estamos

fazendo movimentos de adaptação, ou seja, tentativas de nos ajustarmos às mais diferentes

exigências, seja do ambiente externo, seja do mundo interno [...]”. Ainda, soma-se a inclusão

de pessoas com necessidades especiais que precisam de atendimento personalizado como

vemos na fala seguinte: “Muitas turmas com necessidades” (Simone).

Observa-se, na fala dos professores, que a sobrecarga de trabalho também provoca

dificuldades de conciliar vida pessoal e serviço: “O que me levou a procurar ajuda clínica foi

o fato de sobrecarga das horas de trabalho com o nascimento da segunda filha” (Luiza);

“Excesso de responsabilidade com a escola e com a vida” (Maria). O caso de Manuela é

diferente porque ela falou da discriminação dos colegas de trabalho “por causa dos quatros

filhos que são usuários de drogas e outros problemas familiares.” Dois professores

comentaram de modo amplo em “problemas na escola e com as turmas, indisciplina, falta de

respeito”. Ao fazer a entrevista percebeu-se o cansaço no rosto desses profissionais podendo

prejudicar a relação com os alunos.

Segundo Codo e Vasques-Menezes (1999, p. 242):

A despersonalização ocorre quando o vínculo afetivo é substituído por um racional. Podemos entender despersonalização como a perda do sentimento de que estamos lidando com outro ser humano. É um estado psíquico em que prevalece o cinismo ou dissimulação afetiva, a crítica exacerbada de tudo e de todos os demais e do meio ambiente ( integração social). O professor começa a desenvolver atitudes negativas, críticas em relação aos alunos, atribuindo-lhes o seu próprio fracasso. O trabalho passa a ser lido pelo seu valor de troca; é a “coisificação” do outro ponto da relação, ou seja, o aluno, em nosso caso específico, sendo tratado como objeto, de forma fria.

É necessário destacar que dos oito professores entrevistados, seis apresentaram

problemas psicológicos: “Esgotamento físico e psicológico” (Luiza); “depressão” (Lucas);

“Angústia, dificuldade de raciocínio, choro, tristeza, sentimentos de impotência, há 16 anos

que tenho depressão. Eu tive anorexia e depressão em 1990, meu sintoma era que me sentia

perseguida, pensamentos fixos na mente de que tinha gente me seguindo” (Tânia). “Me

sentia-me cansada e com desânimo. Não tinha sono, dormia duas horas por noite, sentia

tristeza, angústia, desânimo, raiva, não tinha tolerância, e sempre bem ansiosa, a primeira vez

que me aconteceu já faz 12 anos” (Maria). “Depressão (somatório de outros sintomas),

pânico, angustia, tristeza, falta de coragem para enfrentar o dia-a-dia” (Ivone); “Depressão”

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(Simone). Professores em estado de esgotamento físico e mental podem apresentar Síndrome

de Burnout e isso pode impedir o seu envolvimento com os problemas dos alunos e suas

dificuldades de aprendizagem:

Ainda, de acordo com Codo e Vasques-Menezes (1999, p. 242):

As relações interpessoais são cortadas, como se ele estivesse em contato apenas com objetos, ou seja, a relação torna-se desprovidas de calor humano. Isso acrescido de uma grande irritabilidade por parte do profissional, este quadro torna qualquer processo de ensino-aprendizagem, que se pretenda afetivo, completamente inviável. Por um lado, o professor torna-se incapaz do mínimo de empatia necessária para a transmissão do conhecimento e, de outro, ele sofre: ansiedade, melancolia, baixa auto-estima, sentimentos de exaustão física e emocional.

Não somente problemas psicológicos foram relatados pelos docentes. Três apresentam

também problemas físicos, havendo uma possibilidade de somatização. Marta falou da

disfonia “dificuldade de falar e falta da voz”. Os órgãos envolvidos na produção da fala e

linguagem não têm como função precípua produzir a voz; todos se incubem de funções mais

essenciais à sobrevivência, como a respiração, a mastigação e a deglutição; nem mesmo a

laringe, trecho pequeno do tubo de passagem do ar inspirado e expirado, tem a função

exclusiva de produzir a voz (RIBEIRO, 2010, p. 59). Os profissionais de sala de aula que

seus transtornos de voz têm relação com o trabalho, como laringite crônica, pólipos, nódulos e

câncer estão sendo mais prontamente atendidos e melhoraram o acesso aos serviços médicos

para tratar os transtornos da voz.

Ivone possui variação na pressão por causa do estresse. Ela disse: “tenho pressão alta,

enxaqueca, depressão e pânico”. De acordo com Weiss (2006, p. 10): “A epinefrina e a

norepinefrina aumentam a pressão arterial e a frequência cardíaca, desviam o sangue do

sistema gastrointestinal para os músculos e aceleram o tempo de reação”. Lucas, pelo mesmo

motivo, se queixou de “dor nas mãos, tendinite no braço direito, dor nas costas e braço

esquerdo”. Para o mesmo autor (WEISS, 2006, p. 11): “Uma ativação em longo prazo do eixo

HPA4 causa doenças crônicas nocivas, físicas e psicológicas, como problemas cardíacos,

úlceras, obesidade, abuso do uso de drogas, depressão, enfraquecimento do sistema

imunológico, entre outras”.

O terceiro motivo foi dito por três professores e se refere a problemas pessoais e

familiares sejam por causa de doença ou crise financeira: “Problemas pessoais de saúde e

familiar” (Lucas); “Problemas financeiros que atingem muito” (Maria); “Problemas

4 O circuito completo de secreção de substâncias químicas e hormônios é conhecido o eixo HPA, esta sigla indica hipotalâmico-pituitário-adrenal.

19

familiares, cinco filhos, sendo que o filho caçula não usa drogas, e os outros são usuários No

ano de 2000, tive dificuldades financeiras e também por discriminação dos colegas”

(Manuela). Os docentes falam dos seus problemas e da baixa autoestima que lhes produz

serem tão mal remunerados.

4.4 A percepção dos docentes sobre o psicólogo escolar

Todos os professores entendem que um profissional da psicologia pode lhes auxiliar.

Cinco veem o psicólogo escolar como um suporte ao professor. Suporte para ele poder lidar

com os alunos e/ou com a rotina de trabalho: “Para ajudar na pressão que sofre” (Luiza).

“Sim, porque alguns problemas enfrentados pelos alunos fogem da área da educação o que

torna o professor impotente” (Marta). “ Sim, o professor hoje necessita de acompanhamento

psicológico para suportar a carga” (Maria). “Sim, é um profissional muito importante no

quadro escolar, servindo de apoio psicológico nas crises existenciais de trabalho” (Ivone). “Se

existisse seria muito procurado por vários profissionais, pois muitos fazem uso de medicação

para depressão ou já fizeram, ele poderia nos momentos de algum período vago conversar

conosco, seria muito importante” (Simone). O psicólogo escolar poderia ajudar tanto os

docentes como os alunos nos momentos de angustia.

Sobre essas questões Cassins et al. (2007, p. 17) escrevem:

A psicologia Escolar tem como referencia conhecimentos científicos sobre desenvolvimento emocional, cognitivo e social, utilizando-os para compreender os processos e estilos de aprendizagem e direcionar a equipe educativa na busca de um constante aperfeiçoamento do processo ensino/aprendizagem. Sua participação na equipe multidisciplinar é fundamental para respaldá-la com conhecimento e experiências cientificas atualizada na tomada de decisões de base, como a distribuição apropriada de conteúdos programáticos (de acordo com as fases de desenvolvimento humano), seleção de estratégias de manejo de turma, apoio ao professor no trabalho com a heterogeneidade presente na sala de aula, desenvolvimento de técnicas inclusivas para alunos com dificuldades de aprendizagem e/ou comportamentais, programas de desenvolvimento de habilidades sociais e outras questões relevantes no dia-dia da sala de aula, nas quais os fatores psicológicos tenham papel preponderante.

Isto é reforçado por três entrevistados que afirmam ver o psicólogo escolar como um

suporte a professores e alunos concomitantemente: “Sim, acho que toda escola teria que ter

um psicólogo para contornar a situação, e prestar atendimento aos professores e alunos”

(Tânia); “Sim, o psicólogo, na escola, é muito importante. Ajudaria os alunos e os

professores” (Manuela); “Sim, um psicólogo na escola poderia ajudar muito os alunos e

professores, que o psicólogo auxiliar as dúvidas dos alunos e professores, esclarecer dando

20

palestras” (Maria). Percebe-se que os docentes necessitam de um profissional da psicologia na

escola para assessorar na construção do projeto pedagógico, apoiar o trabalho de resgate do

valor do professor, auxiliar na articulação entre a teoria de aprendizagem adotada e a prática

pedagógica, conscientizar pais sobre necessidades básicas de crianças e adolescentes e

também “[...] mobilizar a comunidade educacional em torno da proposta de intervenção com

utilização de recursos da comunidade, pesquisar, desenvolver, aplicar e divulgar os

conhecimentos relacionados com psicologia escolar/educacional” (CASSINS et al., 2007, p.

25).

Todos os professores falam da necessidade do psicólogo escolar. Mas somente um dá

ideias de como o trabalho pode ser executado: “Sim, conversando, trocando ideias

dialogando, ouvindo, interagindo, trabalhando com as turmas” (Lucas). Este docente está

preocupado com a formação dos alunos em sala de aula e com a participação da comunidade

escolar, principalmente os familiares. Assim, ele está sugerindo palestras, diálogo, orientações

a pais e familiares que cuidam das crianças, etc. O autor referido destaca a participação do

psicólogo escolar em atividades que auxiliem a escola a cumprir suas finalidades sociais, em

especial, na busca do fortalecimento do elo família-escola, através de programas que

promovam o desenvolvimento de habilidades sociais significativas e da promoção de

atividades que estimulem a criatividade e o desenvolvimento dos potenciais pessoais e

coletivos (CASSINS et al., 2007).

5 Considerações finais

Considera-se que o problema de pesquisa foi respondido porque os professores da

escola pública estadual que foram entrevistados percebem o mal-estar docente. Sentem que

precisam da intervenção do psicólogo escolar, apesar de que somente um deles ofereceu

alternativas que podem ser desenvolvidas para a melhoria da saúde mental de professores e

alunos promovendo qualidade de vida.

O objetivo geral foi atingido ao entender as percepções dos professores acerca do mal-

estar docente e identificar as principais queixas tendo como alternativa a procura por um

tratamento psicológico ou médico. E os objetivos específicos também foram alcançados uma

vez que foi possível identificar as principais doenças psicossomáticas enfrentadas pelos

participantes, assim como muitos dos problemas de tipo estritamente psíquico. Foi possível

perceber, por meio da pesquisa, de que os professores entendem o mal-estar docente como um

21

produto do estresse causado pelos anseios e dificuldades enfrentados em sala de aula, mas não

só, também incluem-se problemas familiares e financeiros.

Finalmente, ante o desafio de propor alternativas de tratamento com a colaboração do

psicólogo escolar, sugere-se que seja realizado um projeto que, além de definir atividades de

apoio educacional ou atualização pedagógica, possa propor outros momentos específicos de

intervenção para tentar resolver dificuldades individuais e grupais que contribuam com o

bem-estar dos professores e com a convivência entre eles e seus alunos. Também, seria

preciso agir mais firmemente em relação aos alunos mais vulneráveis, porque, certamente, o

acompanhamento individual ou grupal de contenção da violência, na escola, e de prevenção

ao uso de drogas, poderá ajudar no momento em que acontecem as crises para posterior

encaminhamento ao profissional competente. Isto poderá refletir na relação entre os alunos e

dos alunos com os professores facilitando o convívio de todos.

Quanto à experiência como pesquisador, foi possível perceber que, além de conhecer

mais de perto as demandas que há dentro da escola, também foi importante entender as

necessidades dos professores e atrever-se a sugerir algumas participações mais efetivas do

psicólogo escolar na rede pública estadual. Um mundo até agora, completamente,

desconhecido.

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APÊNDICE - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIDIRIGIDA

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO: Nome: Nome fictício: Idade: Sexo: Religião: Estado civil: Escolaridade: Magistério: Graduação: Pós-graduação: Atividade: Naturalidade: Endereço: Bairro; Telefone: A ENTREVISTA: Local: Peculiaridade do local: Carga horária semanal: Turnos de trabalho: Níveis de escolaridade ministrados: Disciplinas ministradas: Número de alunos atendidos: Atitudes do entrevistado: Observações complementares: Duração da entrevista: Questões para os entrevistados:

1. Quais as dificuldades que você tem enfrentado em seu ambiente de trabalho? 2. O que você entende por mal-estar docente? 3. Qual motivo que levou você a procurar um profissional da saúde? 4. Você considera que o psicólogo escolar poderia auxiliá-lo nas suas dificuldades? Como?