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1 1 Introdução Vislumbrando o Alvorecer de um Milênio Urbano Em 2008, o mundo alcançará um marco invisível porém significativo: pela primeira vez na história, mais da metade da população humana - 3,3 bilhões de pessoas - estará vivendo em áreas urbanas. Até 2030, esse número deverá chegar a quase 5 bilhões. Muitos dos novos habitantes urbanos serão pobres. O futuro dessas pessoas, o futuro das cidades nos países em desenvolvimento, o futuro da própria humanidade dependerá das decisões tomadas agora em preparação para esse crescimento. Mesmo considerando a rapidez do crescimento da população urbana ao longo do século XX (de 220 milhões para 2,8 bilhões), o aumento urbano previsto para o mundo em desenvolvimento nas próximas décadas não tem precedentes. Esse crescimento será particularmente acentuado na África e na Ásia, onde a população urbana se duplicará entre 2000 e 2030, ou seja, o crescimento urbano acumulado dessas duas regiões ao longo de toda a sua história será duplicado em apenas uma geração. Até 2030, as cidades do mundo em desenvolvimento responderão por 80% da população urbana. A urbanização - o aumento da parcela urbana na população total - é inevitável e pode ser positiva. A atual concentração da pobreza, o crescimento das favelas e a ruptura social nas cidades compõem, de fato, um quadro ameaçador. Contudo, nenhum país na era industrial conseguiu atingir um crescimento econômico significativo sem a urbanização. As cidades concentram a pobreza, mas também representam a melhor oportunidade de se escapar dela. As cidades também refletem os danos ambientais causados pela civilização moderna; entretanto, os especialistas e os formuladores de políticas reconhecem cada vez mais o valor potencial das cidades para a sustentabilidade a longo prazo. Mesmo que as cidades gerem problemas ambientais, elas também contêm as soluções. Os benefícios potenciais da urbanização compensam amplamente suas desvantagens. O desafio está em aprender como explorar suas possibilidades. Em 1994, o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento conclamou os governos a "atenderem às necessidades de todos os cidadãos, incluindo os posseiros urbanos, de segurança pessoal, infra-estrutura básica e serviços urbanos, eliminando problemas de saúde e sociais...." 1 Mais recentemente, a Declaração do Milênio das Nações Unidas destacou o crescimento da pobreza urbana, especificando, na Meta 11, a modesta pretensão de "até 2020, ter alcançado uma melhora significativa na vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de assentamentos precários". 2 A intensidade da urbanização pode chocar-se com os antigos costumes e tradições. Os veículos desviam de uma vaca, enquanto vendedores de rua competem com lojas modernas neste cruzamento movimentado em Mumbai, Índia. © Martin Roemers/Panos Pictures SITUAÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL 2007

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Introdução

Vislumbrando o Alvorecer de um Milênio UrbanoEm 2008, o mundo alcançará um marco invisível porém significativo: pela primeira vezna história, mais da metade da população humana - 3,3 bilhões de pessoas - estarávivendo em áreas urbanas. Até 2030, esse número deverá chegar a quase 5 bilhões.Muitos dos novos habitantes urbanos serão pobres. O futuro dessas pessoas, o futuro dascidades nos países em desenvolvimento, o futuro da própria humanidade dependerá dasdecisões tomadas agora em preparação para esse crescimento.

Mesmo considerando a rapidez do crescimento da população urbana ao longo doséculo XX (de 220 milhões para 2,8 bilhões), o aumento urbano previsto para o mundoem desenvolvimento nas próximas décadas não tem precedentes. Esse crescimento seráparticularmente acentuado na África e na Ásia, onde a população urbana se duplicaráentre 2000 e 2030, ou seja, o crescimento urbano acumulado dessas duas regiões aolongo de toda a sua história será duplicado em apenas uma geração. Até 2030, as cidadesdo mundo em desenvolvimento responderão por 80% da população urbana.

A urbanização - o aumento da parcela urbana na população total - é inevitável epode ser positiva. A atual concentração da pobreza, o crescimento das favelas e aruptura social nas cidades compõem, de fato, um quadro ameaçador. Contudo,nenhum país na era industrial conseguiu atingir um crescimento econômicosignificativo sem a urbanização. As cidades concentram a pobreza, mas tambémrepresentam a melhor oportunidade de se escapar dela.

As cidades também refletem os danos ambientais causados pela civilizaçãomoderna; entretanto, os especialistas e os formuladores de políticas reconhecem cadavez mais o valor potencial das cidades para a sustentabilidade a longo prazo. Mesmoque as cidades gerem problemas ambientais, elas também contêm as soluções. Osbenefícios potenciais da urbanização compensam amplamente suas desvantagens. Odesafio está em aprender como explorar suas possibilidades.

Em 1994, o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População eDesenvolvimento conclamou os governos a "atenderem às necessidades de todos oscidadãos, incluindo os posseiros urbanos, de segurança pessoal, infra-estrutura básicae serviços urbanos, eliminando problemas de saúde e sociais...."1 Mais recentemente,a Declaração do Milênio das Nações Unidas destacou o crescimento da pobrezaurbana, especificando, na Meta 11, a modesta pretensão de "até 2020, ter alcançadouma melhora significativa na vida de pelo menos 100 milhões de habitantes deassentamentos precários".2

A intensidade da urbanização pode chocar-se com os antigos costumes e tradições. Os veículosdesviam de uma vaca, enquanto vendedores de rua competem com lojas modernas nestecruzamento movimentado em Mumbai, Índia.

© Martin Roemers/Panos Pictures

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2 INTRODUÇÃO

O III Fórum Urbano Mundial do UN-Habitat, assimcomo seu Relatório sobre a Situação Mundial das Cidades2006/7, mobilizou, com sucesso, o interesse global para adeterioração das condições sociais e ambientais delocalidades urbanas.3 O processo de globalização tambématraiu a atenção mundial, tanto para o potencial produtivodas cidades, como para seu custo humano. No entanto, aenorme dimensão da escala e do impacto da urbanizaçãofutura ainda não está sendo totalmente compreendida.

Até agora, a atenção tem estado principalmente focadaem interesses imediatos, incluindo problemas como: deque forma acomodar a população pobre e melhorar suascondições de vida; como gerar emprego; como reduzir apegada ecológica das cidades; como melhorar agovernança; e como administrar sistemas urbanos cadavez mais complexos.

Todas essas questões são obviamente importantes,mas tornam-se pequenas diante dos problemas criadospelo iminente crescimento da população urbana. Atéagora, os formuladores de políticas e as organizações dasociedade civil têm reagido aos desafios à medida que

eles surgem. Isto não é mais suficiente. É necessário quehaja uma abordagem proativa, a fim de que aurbanização nos países em desenvolvimento ajude aresolver os problemas sociais e ambientais, ao invés depiorá-los de forma catastrófica.

Portanto, o presente Relatório lança um olhar paraalém dos problemas atuais, por mais reais, urgentes ecomoventes que sejam. Por outro lado, é um chamado àação. O Relatório procura compreender as implicações daduplicação da população urbana no mundo emdesenvolvimento, e discute o que precisa ser feito empreparação para esse enorme aumento. Analisa osprocessos demográficos subjacentes ao crescimentourbano nas áreas em desenvolvimento e suas implicaçõespara a formulação de políticas. Examina, especificamente,as conseqüências da transição urbana para a redução dapobreza e a sustentabilidade. Faz um levantamento dascondições e necessidades específicas da população urbanapobre, e os obstáculos que esta enfrenta para reivindicarseus direitos e concretizar seu potencial como segmentoprodutivo do novo mundo urbano.

Idoso do lado de fora de sua casa: um hutong tradicional em Beijing, China. A marca branca na parede indica que a edificação será demolida para dar lugar ao“desenvolvimento urbano”.

© Mark Henley/Panos Pictures▼

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Embora as megacidades recebam a maior parte daatenção, as condições em áreas urbanas menores exigemmais consideração. Ao contrário do entendimentocomum, é provável que o crescimento da populaçãourbana ocorra principalmente nas cidades de menorporte, as quais têm pouca capacidade de planejamento eimplementação. Contudo, a tendência mundial dedescentralização de poderes governamentais estáaumentando a responsabilidade das pequenas cidades. Àmedida que a população das cidades menores cresce, acarga sobre sua precária capacidade de gestão eplanejamento aumenta. É preciso encontrar novasmaneiras de equipá-las para que possam planejar aexpansão futura, utilizar seus recursos de formasustentável e fornecer serviços essenciais.

Uma das principais observações do Relatório é que ospobres representarão uma grande parcela do crescimentourbano futuro. Este simples fato tem sido amplamentenegligenciado, a um custo muito alto. A maior parte docrescimento urbano atual resulta do crescimentovegetativo (mais nascimentos do que óbitos) e não damigração. Mas, seja qual for a causa, o crescimento dasáreas urbanas inclui um número imenso de pessoaspobres. Ignorar essa realidade básica tornará impossívelplanejar para o crescimento inevitável e colossal dascidades ou utilizar a dinâmica urbana para ajudar areduzir a pobreza.

Uma vez que os formuladores de políticas e a sociedadecivil compreendam e aceitem a composição demográfica esocial do crescimento urbano, algumas abordagens einiciativas básicas despontarão. Estas podem ter umenorme impacto sobre o destino das pessoas pobres e naprópria viabilidade das cidades. Ao longo deste Relatório,a mensagem é clara: os governos urbanos e nacionais,junto com a sociedade civil e com o apoio dos organismosinternacionais, podem adotar agora medidas que farãouma enorme diferença nas condições sociais, econômicas eambientais da maioria da população mundial.

Neste sentido, destacam-se três iniciativas. Primeiro, apreparação para um futuro urbano requer, no mínimo,respeito ao direito dos pobres à cidade. Como demonstrao Capítulo 3, muitos formuladores de políticascontinuam tentando impedir o crescimento urbanodesestimulando a migração rural-urbana e utilizandotáticas como remoção de posseiros e obstrução de seuacesso a serviços. Essas tentativas de impedir a migraçãosão inúteis, contraproducentes e, sobretudo, censuráveis –uma violação dos direitos das pessoas. Se os formuladores

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de políticas consideram que as taxas de crescimentourbano são muito altas, podem lançar mão de alternativasefetivas que respeitem também os direitos humanos. Osavanços no campo do desenvolvimento social, como apromoção da eqüidade e igualdade de gênero, auniversalização da educação e o atendimento à saúdereprodutiva, são importantes em si mesmos, mas tambémpermitem às mulheres evitar a fecundidade indesejada.Isso ajuda a reduzir o principal fator de crescimento daspopulações urbanas - o crescimento vegetativo.

Em segundo lugar, as cidades necessitam de uma visãode longo prazo e mais ampla a respeito do uso do espaçourbano para reduzir a pobreza e promover asustentabilidade. Isso inclui uma preocupação explícitacom a necessidade de terra para os pobres. Ter um pedaçode terra adequado - com acesso a água, esgoto, energia etransporte -, onde possam construir seus lares e melhorarsuas vidas é essencial para as famílias pobres. Oferecer issorequer uma abordagem nova e proativa. O planejamentopara tais demandas espaciais e de infra-estrutura, levandoem conta os múltiplos papéis e necessidades das mulherespobres, irá melhorar muito o bem-estar dessas famílias.Esse tipo de desenvolvimento focado nas pessoas fortaleceo tecido social e incentiva o crescimento econômicoinclusivo.

Da mesma forma, a proteção do meio ambiente e agestão de serviços de ecossistemas na futura expansãourbana exigem uma gestão do espaço capaz de antever asnecessidades. A "pegada urbana" se estende muito alémdos limites da cidade. As cidades influenciam e sãoafetadas por considerações ambientais mais amplas.Políticas proativas para assegurar a sustentabilidadetambém serão importantes, tendo em vista a mudançaclimática e a proporção considerável de concentraçõesurbanas no nível do mar ou em áreas próximas.

Em terceiro lugar, as instituições e os especialistas empopulação podem e devem desempenhar um papel crucialde apoio às organizações comunitárias, aos movimentossociais, aos governos e à comunidade internacional, paramelhorar a natureza e a forma da futura expansão urbanae assim aumentar o seu poder para reduzir a pobreza epromover a sustentabilidade ambiental. Um esforçointernacional conjunto neste momento crítico éfundamental para esclarecer as opções de políticas efornecer as informações e análises que apoiarão asestratégias para melhorar nosso futuro urbano.

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Adegoke Taylor, um camelô magro e solene de trinta e dois anos e olhar ansioso,

divide um quarto de dois metros e meio por três com outros três rapazes, num beco em

Isale Eko, a quase um quilômetro da Terceira Ponte Continental. Em 1999, Taylor

chegou a Lagos vindo de Ile-Oluji, uma cidade iorubá a cerca de duzentos quilômetros

ao nordeste. Ele possuía um diploma de escola politécnica na área de mineração e queria

fazer carreira. Ao chegar à cidade, Taylor foi a um clube onde tocavam juju - música

pop misturada com ritmos iorubá - e lá ficou até duas horas da manhã. "Essa

experiência foi suficiente para mostrar que eu tinha encontrado uma vida nova", disse

em inglês, jargão utilizado em Lagos. "Você vê gente em todos os lugares a qualquer

hora. Isso me estimulou. Na aldeia, você não se sente livre de maneira nenhuma, e fará

amanhã as mesmas coisas que fez hoje". Taylor logo percebeu que nenhum dos poucos

empregos em mineração anunciados nos jornais estava disponível para ele. "Se você não

tem contatos, não é fácil, porque há muito mais procura do que oferta", afirmou. "Se

você não tem uma pessoa conhecida dizendo 'este é o meu garoto, arrume um emprego

para ele', fica muito difícil. Neste país, se você não fizer parte da elite, as coisas ficam

muito, muito difíceis".

Taylor conseguiu alguns trabalhos eventuais: cambista, vendedor ambulante de

material de escritório e tranças de cabelo, e arrumador de cargas pesadas num armazém

por um salário diário de quatrocentos naira - cerca de três dólares. Ele trabalhou algumas

vezes para negociantes da África Ocidental que vinham aos mercados perto do porto e

precisavam de intermediários para encontrar mercadorias. No começo, ele ficou hospedado

na casa da irmã de um amigo de infância em Mushin, depois encontrou uma forma

barata de se alojar, dividindo um quarto por sete dólares mensais até que a casa foi

consumida num incêndio durante os conflitos étnicos. Taylor perdeu tudo. Decidiu

mudar-se para a ilha de Lagos, onde paga um aluguel mais alto, de vinte dólares mensais.

Taylor tentou sair da África, mas seu visto foi recusado pelas embaixadas norte-

americana e britânica. Às vezes, ele sonhava com a calma de sua cidade natal, mas nunca

pensou em voltar para Ile-Oluji, com suas noites que acabam cedo, seus dias monótonos e a

perspectiva de uma vida inteira de trabalhos braçais. Seu futuro estava em Lagos...

"Não é possível escapar, apenas seguir em frente", disse Taylor.1

A Promessa do CrescimentoUrbano

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Jovem sorri de dentro de seu barraco montado bem à sombrado hotel mais luxuoso de Dhaka, Bangladesh.

© Shehzad Noorani/Still Pictures

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Este Iceberg está Crescendo"O crescimento das cidades será uma das maioresinfluências sobre o desenvolvimento no século XXI."Essas foram as palavras de abertura do Relatório sobre aSituação da População Mundial 1996, do UNFPA.2 A fraseestá se tornando mais verdadeira a cada dia.

Até hoje a humanidade tem vivido e trabalhadoprincipalmente no campo. Mas o mundo está prestes adeixar para trás seu passado rural: até 2008, pela primeiravez, mais da metade da população do globo - 3,3 bilhõesde pessoas - estará vivendo nas cidades.3

O número e a proporção de habitantes urbanoscontinuarão a aumentar rapidamente. A população urbanachegará a 4,9 bilhões até 2030. Em contraste, estima-se que apopulação rural irá diminuir em aproximadamente 28milhões entre 2005 e 2030. Em nível global, portanto, todoo crescimento futuro da população ocorrerá nas cidades.

A maior parte desse crescimento ocorrerá nos países emdesenvolvimento. A população urbana da África e da Ásiadeverá dobrar entre 2000 e 2030. Também continuará aexpandir-se, porém mais lentamente, na América Latina eno Caribe. Por outro lado, espera-se um crescimentorelativamente pequeno da população urbana no mundodesenvolvido: de 870 milhões a 1,01 bilhão.

Essa vasta expansão urbana nos países emdesenvolvimento tem implicações globais. As cidades já sãoo lócus de quase todas as grandes transformaçõeseconômicas, sociais, demográficas e ambientais. O queacontecer nas cidades do mundo menos desenvolvido nospróximos anos moldará as perspectivas para o crescimentoeconômico global, a redução da pobreza, a estabilização dapopulação, a sustentabilidade ambiental e, finalmente, parao exercício dos direitos humanos.

Contudo, é surpreendente que tão pouco esteja sendofeito para maximizar os benefícios potenciais dessatransformação ou para reduzir suas conseqüênciasnegativas. A Conferência Internacional sobre População eDesenvolvimento (CIPD) recomendou claramente que "osgovernos devem fortalecer suas capacidades para responderàs pressões causadas pela rápida urbanização, revisando ereorientando as agências e os mecanismos de gestão urbanaconforme necessário e assegurando a participação ampla detodos os grupos da população no planejamento e natomada de decisões relativas ao desenvolvimento local."4

O presente Relatório convida a uma análise de grandealcance e a uma ação proativa para o atendimento dasreferidas recomendações. Os aumentos previstos sãograndes demais e as mudanças acontecerão rápido demais

para permitir que os governos e os planejadoressimplesmente reajam a elas.

Uma característica relevante do crescimento dapopulação urbana no século XXI é que ela será composta,em grande parte, de pessoas pobres.5 Os pobresfreqüentemente escorregam por entre as fendas doplanejamento urbano; os migrantes são rejeitados ousimplesmente ignorados na esperança vã de se deter oaumento da migração.

Um planejamento realista para o crescimento urbanofuturo exige levar em conta, explicitamente, as necessidadesdos pobres. Também requer análise de gênero. Asnecessidades e capacidades específicas das mulheres emeninas pobres são freqüentemente esquecidas, e sepresume que sejam iguais às dos homens e meninos pobres.Além disso, à medida que as estruturas populacionaismudarem, a atenção aos jovens e às necessidades dos idososserá cada vez mais importante.

O presente capítulo descreve algumas das principaistendências da transformação urbana, alguns dos obstáculose algumas das possibilidades, como ponto de partida para adiscussão de uma nova abordagem.

A Caixa 1 oferece algumas definições. Definir os termosbásicos "urbano" e "rural" de modo universal sempre foi

1 ALGUMAS DEFINIÇÕES:

a) Urbano. Assentamentos ou localidades definidos como"urbanos" por agências nacionais de estatísticas.

b) Urbanização . O processo de transição de umasociedade rural para uma mais urbana. Estatis -ticamente, a urbanização reflete uma proporçãocrescente da população vivendo em assentamentosdefinidos como urbanos, principalmente por meio damigração rural-urbana líquida. O nível de urbanizaçãoé a percentagem da população total que vive nascidades, enquanto a taxa de urbanização é a veloci-dade em que a população urbana cresce.

c) Crescimento urbano. O aumento do número de pes-soas que vivem nas cidades, medido em termosrelativos ou absolutos.

d) Crescimento vegetativo. A diferença entre o número denascimentos e o número de óbitos em uma determi-nada população.

e) A transição urbana. A passagem de uma sociedadepredominantemente rural para uma sociedade pre-dominantemente urbana.

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um problema.6 Com o avanço da globalização, a divisãodos assentamentos humanos em "rurais" e "urbanos"também pode ser cada vez mais vista como artificial.Serviços melhores de transporte e comunicaçõesaproximam as cidades, vilas e áreas agrícolas. As áreas ruraisassemelham-se mais às cidades, ao passo que ainformalidade está transformando a habitação, os serviços,a mão-de-obra e até mesmo a produção e o consumo nascidades. Mas como a mentalidade, o planejamento e osdados ainda são compartimentados, a distinção entre rurale urbano ainda é necessária, embora imprecisa.

Cada país tem suas definições, e a própria velocidadedo crescimento urbano muda continuamente os limites dascidades. Entretanto, as deficiências desses dados tornam-semenos significativas ao se analisarem tendências eperspectivas mais amplas de crescimento urbano em nívelglobal e regional, como será feito neste Relatório.

A Segunda Onda de Urbanização:Uma Diferença de EscalaComparar as tendências futuras com as do passado ajudaa colocar as atuais tendências de crescimento urbano emperspectiva. A escala da mudança atual é sem precedentes- embora as taxas de crescimento urbano na maioria das

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regiões tenham caído. Os fatores socioeconômicos edemográficos por trás da transição urbana em paísesdesenvolvidos e menos desenvolvidos também diferem,conforme apresentado na Caixa 2.

A primeira onda de urbanização ocorreu na Américado Norte e na Europa ao longo de dois séculos, de 1750a 1950: um aumento de 10% de urbanização para 52%,passando de 15 milhões para 423 milhões de habitantesurbanos. Na segunda onda de urbanização, nas regiõesmenos desenvolvidas, o número de habitantes urbanosaumentará de 309 milhões em 1950 para 3,9 bilhões em2030. Nesses 80 anos, esses países passarão de um nívelde urbanização de 18% para cerca de 56%.

No início do século XX, as regiões hojedesenvolvidas tinham mais de duas vezes o número dehabitantes urbanos das regiões menos desenvolvidas(150 milhões contra 70 milhões). Apesar de níveismuito mais baixos de urbanização, os países emdesenvolvimento hoje têm 2,6 vezes mais habitantesurbanos do que as regiões desenvolvidas (2,3 bilhõescontra 0,9 bilhão). Essa lacuna aumentará rapidamentenas próximas décadas.

Em nível mundial, o século XX viu um aumento de220 milhões de habitantes urbanos em 1900 para 2,84

2 A SEGUNDA ONDA1

Os enormes aumentos da populaçãourbana em países mais pobres sãoparte de uma "segunda onda" de tran-sições demográficas, econômicas eurbanas, muito maior e mais rápida doque a primeira.

A pr imeira onda de t rans içõesmodernas começou na Europa e naAmérica do Norte no século XVIII. Nocurso de dois séculos (1750-1950),essas regiões passaram pela primeiratransição demográfica, a primeiraindustrialização e a primeira onda deurbanização. Isso produziu as novassociedades industriais urbanas quehoje dominam o mundo. O processofo i comparat ivamente gradua l eenvolveu algumas centenas de mi-lhões de pessoas.

No último meio século, as regiõesmenos desenvolvidas in ic iaram amesma transição. A mortalidade caiurápida e dramaticamente na maioria

das regiões, alcançando, em uma ouduas décadas, o que os países desen-volvidos levaram um ou dois séculospara alcançar. Os impactos demográfi-cos dessas mudanças de mortalidadetêm sido drasticamente maiores. Asquedas na fecundidade estão se seguin-do muito rapidamente no Leste eSudeste da Ásia e na América Latina, emais lentamente na África.

Em ambas as ondas, a combinaçãode crescimento da população commudanças econômicas alimentou atransição urbana. Entretanto, mais umavez a velocidade e a escala da urbaniza-ção hoje são muito maiores do que nopassado. Isto implica uma série denovos problemas para as cidades nospaíses mais pobres. Essas cidades terãoque construir nova infra-estruturaurbana – habitação, energia, água, esgo-to, estradas, instalações comerciais eprodutivas – mais rapidamente do que

as cidades em qualquer lugar durante aprimeira onda de urbanização.

Duas circunstâncias adicionais mar-cam a segunda onda. No passado, asmigrações para o exterior aliviaram apressão nas cidades européias. Muitosdaqueles migrantes, especialmente osque foram para as Américas, estabele-ceram-se nas novas terras agrícolas quealimentavam as novas cidades. As atu-ais restr ições sobre a migraçãointernacional tranformam-na num fatormenor na urbanização mundial.

Finalmente, a velocidade e a magni-tude da segunda onda aumentam devidoa melhorias na tecnologia médica e desaúde pública, que reduzem rapidamentea mortalidade e permitem às pessoascontrolar sua própria fecundidade.Desenvolver e adaptar formas de organi-zação política, social e econômica paraatender às necessidades do novo mundourbano são um desafio muito maior.

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bilhões em 2000.7 O século atual alcançará esseaumento absoluto em aproximadamente quatrodécadas. As regiões em desenvolvimento como um todoresponderão por 93% desse crescimento, sendo 80% naÁsia e na África.

Entre 2000 e 2030, a população urbana na Ásiaaumentará de 1,36 bilhão para 2,64 bilhões; na África, de294 milhões para 742 milhões; e na América Latina eCaribe, de 394 milhões para 609 milhões. Comoconseqüência desses aumentos, os países emdesenvolvimento terão 80% da população urbana domundo em 2030. Até lá, a África e Ásia concentrarãoquase sete de cada dez habitantes urbanos no mundo.

O impacto da globalização nos padrões decrescimento das cidades marca uma diferença críticaentre a transição passada e a atual.8 As cidades são asprincipais beneficiárias da globalização e da integraçãoprogressiva das economias mundiais. As pessoas seguemos empregos, que por sua vez seguem os investimentos eas atividades econômicas. A maioria se concentra cadavez mais dentro e em torno de áreas urbanas dinâmicas,grandes e pequenas.

Entretanto, muito poucas cidades de países emdesenvolvimento geram empregos suficientes paraatender às demandas de suas populações emcrescimento. Além disso, os benefícios da urbanização

não são repartidos igualmente por todos os segmentosda população; ficam de fora aqueles quetradicionalmente enfrentam a exclusão social eeconômica - as mulheres e as minorias étnicas, porexemplo. Conforme descrito no Capítulo 2, o aumentocolossal do número de habitantes urbanos, junto com osubdesenvolvimento persistente e a falta de empregosurbanos são responsáveis por condições que podemsuperar a esqualidez da Revolução Industrial retratadapor Charles Dickens. Não obstante, como AdegokeTaylor na história apresentada no começo deste capítulo,os migrantes rurais-urbanos geralmente preferem suavida nova àquela que deixaram para trás.

O futuro do Crescimento Urbano: Taxas,Velocidade e Tamanho9

Ao longo dos últimos 30 anos, duas tendências chamarama atenção do público e da mídia: a velocidade docrescimento urbano nas regiões menos desenvolvidas e ocrescimento das megacidades (aquelas com 10 milhões dehabitantes ou mais). Hoje, enfocar esses dois aspectospode ser enganoso.

Em primeiro lugar, o problema real não é mais a taxarápida de crescimento das cidades, mas o tamanhoabsoluto dos incrementos, especialmente na Ásia e naÁfrica. O fato é que a taxa geral de crescimento urbano

Figura 1: Taxa Média Anual de Crescimento da População Urbana, Por Região, 1950-2030

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vem apresentando uma queda constante na maioria dasregiões do mundo (Figura 1).

Em segundo lugar, as megacidades ainda sãodominantes, mas não cresceram tanto quanto previsto nopassado. As megacidades de hoje respondem por 4% dapopulação do mundo e 9% de todos os habitantesurbanos. Esta é uma parcela importante do mundourbano, mas provavelmente não se expandirá rapidamentenum futuro previsível, como mostra a Figura 2. Naverdade, em muitas das maiores cidades do mundo -Buenos Aires, Calcutá, Cidade do México, São Paulo eSeul -, mais pessoas estão saindo do que entrando, epoucas cidades estão perto do tamanho que os videntesmais apocalípticos previam na década de 1970.1 0

Algumas cidades grandes ainda estão crescendo a umataxa rápida, mas isso não é necessariamente ruim. Naeconomia globalizada, e em regiões como o Leste daÁsia, o crescimento rápido pode ser um sinal de sucessoem vez de motivo para preocupação.1 1 Com efeito,algumas das megacidades associadas com a pobrezacresceram muito rapidamente nos últimos 30 anos. Masestas são vistas cada vez mais como exceções.

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Entre as 20 megacidades de hoje, apenas seiscresceram a taxas consistentemente acima de 3% ao anonos últimos 30 anos. As outras experimentaramprincipalmente um crescimento moderado ou baixo. Nospróximos 10 anos, somente Dhaka e Lagos deverãocrescer a taxas acima de 3% ao ano. Seis megacidadescrescerão a taxas inferiores a 1%.1 2

Cidades Menores: Habitat para a Metade doMundo UrbanoEmbora as cidades menores não apareçam tanto nosnoticiários,1 3 52% da população urbana do mundocontinua a viver em assentamentos de menos de 500 milpessoas. Como mostra a Figura 2, as cidades menoresabrigaram mais da metade da população urbana total nasúltimas décadas. Além disso, espera-se que elasrespondam por cerca de metade do crescimento dapopulação urbana entre 2005 e 2015. O gráfico mostratambém que as cidades maiores aumentam lentamentesua parcela de população urbana ao longo do tempo,mas, no futuro próximo, as cidades menorespredominarão.

3 PLANEJANDO PARA A POPULAÇÃO URBANA POBRE EM UMA CIDADE EM EXPANSÃO1

Gaborone, a capital de Botsuana, ilustramuitos dos desafios enfrentados pelascidades pequenas que crescem rapida-mente. Desde 1971, a população dacidade saltou de 17.700 para mais de186 mil pessoas, e deve alcançar 500mil até o ano 2020. Neste processo,Gaborone está sendo transformada deum empoeirado entreposto administra-tivo num próspero pólo financeiro,industrial, administrativo e educacional.

Gaborone tem sorte em comparaçãocom muitas outras cidades pequenas,porque as receitas advindas das minasde diamante do país facilitaram seucrescimento. Não obstante, a cidadeenfrenta uma dispersão de baixa densi-dade; altas taxas de desemprego; umataxa de pobreza de 47%; a proliferaçãodo setor informal ; a l tas taxas deprevalência de HIV/AIDS; segregaçãoresidencial; e insuficiência de infra-estrutura, bem como abastecimentoinadequado de água e esgoto.

Em sua breve história, a cidadeelaborou diversos planos diretores, cadaum tornando-se rapidamente obsoleto.Para regular o assentamento de suapopulação em rápida expansão, acidade ofereceu lotes – no início gra-tuitamente, depois a custo nominal.Hoje, os lotes, com toda a infra-estrutu-ra e manutenção, pertencem ao Estado,que cobra aluguel por eles; mas ascasas pertencem ao detentor do títulodo lote por um período de 99 anos. Afim de impedir a especulação com oslotes, os titulares ficam impedidos devender suas casas por dez anos.

Esta abordagem vem acomodandopessoas pobres e de renda média, masnão os muito pobres, que acabam emassentamentos informais, onde ashabitações não são planejadas, o aces-so é di f íc i l e não há l igação comserviços de água e esgoto. Os canaisabertos de águas pluviais ficam fre-qüentemente entupidos por lama, areia

ou lixo, causando inundações recor-rentes e propagação de doenças.

A perspectiva de acomodar meiomilhão de pessoas até o ano 2020 fazcom que os problemas atuais separeçam com a ponta do iceberg. Asautoridades falam da criação de umacidade sustentável, mas este sonho éameaçado pelas dimensões do cresci-mento iminente, bem como pela falta depessoal capacitado e de uma estratégiarealista de longo prazo.

A realização da visão de umaGaborone muito maior e sustentávelexige que os formuladores de políticasapliquem as lições aprendidas com aexperiência na própria cidade e em outraspartes. Exige a participação ativa da popu-lação urbana pobre – o grupo social maisafetado pela transformação – e o compro-misso firme dos formuladores de políticasnacionais e locais de tomar decisõesestratégicas agora a fim de preparar ocaminho para o crescimento inevitável.

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A contínua absorção do crescimento da populaçãourbana pelas cidades menores oferece tanto um alívioquanto uma preocupação. O caso de Gaborone,apresentado na Caixa 3, reflete ambos os aspectos. A boanotícia é que as ações necessárias são, em princípio, maisfáceis de se empreender nas cidades menores. Por exemplo,elas tendem a ter mais flexibilidade em termos de expansãoterritorial, atração de investimentos e tomada de decisões.

A má notícia é que as cidades menores geralmenteapresentam mais problemas não resolvidos e têm menosrecursos humanos, financeiros e técnicos à disposição. Ascidades menores - especialmente aquelas com menos de100 mil - são particularmente carentes de moradia,transporte, água encanada, coleta de lixo e outros serviços.Em muitos casos, a população urbana pobre não está emmelhor situação do que a população rural pobre. A situaçãoé particularmente grave para as mulheres, sobrecarregadascom a responsabilidade de garantir água, limpeza,combustível e descarte de resíduos para o domicílio.1 4

As cidades menores podem se beneficiar da tendênciamundial de descentralização política e administrativa,segundo a qual os governos nacionais delegam algunspoderes e autoridade fiscal aos governos locais. Em tese,isso abre novas oportunidades para que cada governo localofereça suas vantagens, atraindo investimentos e atividade

econômica.1 5 A globalização, que cada vez mais decideonde ocorrerá o crescimento econômico, pode incentivaresse processo, já que há menos necessidade de concentrardeterminadas atividades econômicas.1 6

Muitas cidades menores ainda não puderam aproveitaras vantagens da descentralização; mas com uma gestãoaperfeiçoada, informações melhores e uso mais eficaz derecursos, combinados com a flexibilidade inerente acidades menores, a descentralização poderia melhorar acapacidade das autoridades locais de responder ao desafiodo crescimento urbano. O nível local também oferece maisoportunidades para a participação ativa das mulheres noprocesso de tomada de decisões. Isso ajudaria a melhorar atransparência e a prestação de serviços essenciais.1 7

Velocidades Diferentes, Políticas Diferentes O momento e o ritmo da urbanização variamconsideravelmente entre as regiões menos desenvolvidas(ver figura 3). As tendências gerais encobrem grandesvariações locais entre países e cidades. Este Relatóriocomenta apenas algumas características mais marcantes.

Os estudos de caso em diferentes regiões e paísesrevelam que, de modo geral, os formuladores de políticasrelutam em aceitar o crescimento urbano e muitostentaram evitá-lo reduzindo a migração rural-urbana.

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Figura 2: População Urbana, Por Classe de Tamanho da Localidade, Mundo, 1975-2015

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A região da América Latina e Caribe teve umatransição precoce e rápida em comparação com outrasregiões menos desenvolvidas.1 8 Em 2005, 77% dapopulação da região foi definida como urbana, e umapercentagem mais alta de sua população total do que ada Europa vivia em cidades de mais de 20 mil habitantes.A transição urbana na América Latina ocorreu apesar demuitas políticas antiurbanas explícitas. De modo geral, atransição urbana foi positiva para o desenvolvimento.Uma atitude proativa em relação ao inevitávelcrescimento urbano teria minimizado muitas de suasconseqüências negativas, particularmente a formação defavelas e a falta de serviços urbanos para os pobres.

Os Estados Árabes da Ásia Ocidental variam dealtamente urbanizados a níveis baixos de urbanização, amaioria estando em um estágio intermediário.1 9 Oscentros urbanos dominam as economias da maioriadesses países, e a migração rural-urbana ainda é forte emmuitos deles. Junto com o crescimento vegetativo (istoé, mais nascimentos do que óbitos), esses fatores geramtaxas altas de crescimento urbano. As políticasgovernamentais são geralmente contrárias à migração, oque contribui para limitar a oferta de moradia para apopulação urbana pobre, que freqüentemente acaba seestabelecendo em assentamentos informais.2 0 Como em

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outros lugares, a falta de planejamento prévio docrescimento urbano aumenta a densidade e a formaçãode favelas.

A Ásia e a África indubitavelmente representam omaior desafio, devido a suas grandes populações eperspectivas de imenso crescimento urbano. Em 2005, aÁsia tinha um nível de urbanização de 40%, e a África,de 38%. Apesar da oposição política à urbanização emmuitos países, prevê-se que as taxas de crescimentourbano permanecerão relativamente altas nos próximos25 anos, com aumentos marcantes da população urbanade ambos os continentes e do mundo.

Apesar de ser a região menos urbanizada domundo, a África Subsaariana já tem uma populaçãourbana tão grande quanto a da América do Norte.2 1 Oritmo do crescimento urbano diminuiu recentemente,refletindo uma desaceleração do crescimentoeconômico e das taxas de crescimento vegetativo dapopulação, além de alguma migração de volta aocampo. Mesmo assim, a região deverá manter a taxamais alta de crescimento urbano no mundo por váriasdécadas, com as taxas de crescimento vegetativo sendoum importante fator causal.

Determinadas características da migração e daurbanização na África Subsaariana são singulares,

Figura 3: Percentagem da População Residente em Áreas Urbanas, por Região, 1950-2030

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como, por exemplo, a predominância de cidadesmenores, com baixa densidade populacional, altaprevalência de migração circular ou repetida e fatoresligados ao HIV/AIDS. Em algumas partes da região, aprincipal influência na urbanização é o deslocamentode pessoas provocado pela seca, pela fome, porconflitos étnicos, por guerras e conflitos civis. Nosúltimos anos, muitas cidades perderam as tradicionaisvantagens sociais e de saúde que possuíam sobre suascontrapartes rurais. O empobrecimento da vidaurbana tornou-se um dos desafios mais evidentesenfrentados pela região.

Apesar dessas características,grande parte da migração paraas áreas urbanas teve umimpacto positivo na economia enos próprios migrantes.2 2 Muitosmigrantes sãocomparativamente pobres,especialmente na chegada àcidade, mas de modo geralexpressam uma preferência poresses locais, em lugar da vidarural que deixaram para trás.

Os formuladores de políticasna região, entretanto, parecemestar cada vez mais avessos aocrescimento urbano. Os contingentes populacionaisque vivem na pobreza rural são menos concentrados,menos visíveis e menos ameaçadores. Eles não têm omesmo potencial para a mobilização em massa e parafazer reivindicações políticas urgentes, típicas dapopulação urbana pobre. Contudo, provavelmente aurbanização e a migração urbana na África beneficiamtanto os migrantes individuais quanto as economiasnacionais. Apesar das condições de vida difíceis para apopulação urbana pobre, dados seus recursos,restrições e oportunidades, as decisões dos migrantessão bastante racionais.

A região vasta e heterogênea da Ásia-Pacíficocontém algumas das maiores e mais ricas economias doglobo, bem como algumas das menores e mais pobres.É o habitat de três quintos da população mundial, demetade de sua população urbana e de 11 das 20maiores cidades do mundo. A população urbana daÁsia-Pacífico aumentou cinco vezes desde 1950, porémos níveis de urbanização continuam baixos em quasetodos os países da região.

A China e a Índia juntas contêm 37% da populaçãototal do mundo, assim, suas abordagens ao crescimentourbano são particularmente críticas para o futuro dahumanidade.

As áreas urbanas da Índia ainda concentram menosde 30% da população total do país.2 3 Espera-se que hajaum aumento disto para 40,7% até 2030. Esse nívelrelativamente baixo é em parte atribuível a umadefinição estrita de "urbano" na Índia (que exclui, porexemplo, as áreas periurbanas). Mesmo com taldefinição, espera-se que o número de habitantes urbanoschegue a 590 milhões em 2030.

Os formuladores de políticas naÍndia esperam retardar mais ocrescimento urbano por meio daimplementação do EsquemaNacional de Empregos Ruraispromulgado em 2005. Com ele, ogoverno assume a responsabilidadede fornecer uma garantia legal de100 dias de emprego a cada anofiscal para cada domicílio rural comum membro adulto disposto arealizar trabalho manual nãoqualificado.2 4 Resta ver qual será oimpacto dessa medida sobre amigração rural-urbana.

O crescimento vegetativo é o principal fator decrescimento urbano na Índia. As oportunidades deemprego no setor formal não estão se expandindo, egrande parte da mão-de-obra urbana trabalha no setorinformal; mas isso não impede que os migrantes venhamem busca das vantagens intangíveis, oportunidades efacilidades das cidades maiores. A pobreza nas cidadespequenas sempre foi mais alta do que nas cidades commais de um milhão de habitantes e nas cidades de médioporte; também, entre 1987-1988 e 1993-1994, a pobrezaurbana teve uma queda mais acentuada nas cidades commais de um milhão de habitantes do que nas cidades depequeno e médio porte.

Como em outras partes do mundo, o aumentoabsoluto da população urbana desafiou a capacidade dasautoridades urbanas para atender às crescentes demandaspor moradia e serviços. Associações voluntárias eorganizações de moradores urbanos pobres (OUPs),entretanto, alcançaram avanços notáveis noenfrentamento desses problemas, mesmo contraobstáculos consideráveis.

Grande parte da migração para as

áreas urbanas teve um impacto positivo

na economia e nos próprios migrantes.

Muitos migrantes são

comparativamente pobres,

especialmente na chegada à cidade,

mas de modo geral expressam uma

preferência por esses locais, em lugar da

vida rural que deixaram para trás.

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A trajetória urbana da Índia contrasta acentuadamentecom a da China,25 onde o tamanho da população urbanafoi rigorosamente controlado entre 1949 e 1978, e a vidana cidade era privilégio de uma minoria. As políticaseconômicas subseqüentes, entretanto, favoreceram amigração para a costa, em direção aos centros urbanosque cresciam rapidamente em zonas econômicas especiais.Eventualmente, as restrições à migração foram abrandadase o preconceito oficial contra as cidades diminuiu àmedida que elas se tornaram o motor do rápidocrescimento econômico da China.

A China está hoje no ápice de sua transição urbana.Dada a sua fecundidade urbana baixa – resultante depolíticas de planejamento familiar, altos custos deeducação e mudanças nas aspirações e no estilo de vidados moradores das cidades – a migração rural-urbana foium fator muito mais significativo para o crescimentourbano na China do que na maioria dos outros paísesem desenvolvimento. Estima-se oficialmente queaproximadamente 18 milhões de pessoas migrem docampo para as cidades a cada ano, com predominânciade homens. A transformação assume uma escala e umavelocidade inéditas, e é acompanhada de uma série deproblemas ambientais e sociais, mas é inevitável.

Baseando as Políticas em Fatos,não em PreconceitosÉ compreensível que os formuladores de políticas tenhamuma preocupação com a velocidade e a magnitude docrescimento urbano. Muitos prefeririam um crescimentomais lento ou nenhum crescimento; um crescimento maislento garantiria, em tese, maior flexibilidade para se lidarcom os problemas urbanos. Geralmente, eles tentamretardar o crescimento restringindo a migração para ascidades, mas, conforme se argumenta no Capítulo 3, issoraramente funciona.

Além disso, tais esforços refletem uma falta decompreensão sobre as raízes demográficas do crescimentourbano. A maioria das pessoas pensa que a migração é ofator dominante; na verdade, hoje a principal causa égeralmente o crescimento vegetativo. A reclassificação deáreas anteriormente consideradas "rurais" e de seusresidentes como "urbanos" também contribui para ocrescimento urbano.

Nos países em desenvolvimento, o crescimento dascidades durante a "segunda onda" (ver Caixa 2) estásendo impelido por taxas de crescimento vegetativo mais

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altas do que na Europa e na América do Norte no ápicede seus processos de urbanização.

Os esforços mais recentes para diferenciar ocrescimento vegetativo de outros componentes docrescimento urbano apontam para uma contribuição docrescimento vegetativo de aproximadamente 60% no paísmediano.2 6 O restante do crescimento urbano -aproximadamente 40% - é resultado da combinação demigração e reclassificação.

À medida que o tempo passa e os países tornam-semais urbanos, a parcela do crescimento urbano atribuívelao crescimento vegetativo aumenta inevitavelmente. Istoé, quanto mais alto for o nível de urbanização em umpaís, menor será o número de potenciais migrantes rurais-urbanos e maior será o número de habitantes urbanos quecontribuem para o crescimento vegetativo.

Obviamente, as experiências dos países variambastante. Na Índia, uma avaliação recente doscomponentes do crescimento urbano de 1961 a 2001constatou que a parcela do crescimento atribuível aocrescimento vegetativo urbano variou de 51% a cerca de65% no período.2 7 Aproximadamente 65% docrescimento urbano atual na América Latina resulta decrescimento vegetativo, apesar da queda acentuada dastaxas de fecundidade, especialmente nas áreas urbanas.2 8

Neste aspecto, a situação da China, onde a migraçãopredominou recentemente, é incomum.2 9

Dada a maior importância do crescimento vegetativo eo fracasso das políticas para conter a migração, pareceóbvio que a queda da fecundidade contribua muito maisdo que o controle da migração para reduzir a taxa decrescimento urbano. Como a alta fecundidade nas áreasrurais freqüentemente leva à migração rural-urbana, umamenor fecundidade em áreas rurais e urbanas poderiaretardar o crescimento urbano. Tal redução daria aosformuladores de políticas mais tempo para preparar oterreno para a expansão da população urbana.

Portanto, as políticas que visam retardar o crescimentourbano devem enfocar os fatores positivos que afetam odeclínio da fecundidade – desenvolvimento social,investimentos em saúde e educação, empoderamento dasmulheres e melhoria do acesso a serviços de saúdereprodutiva. Pensando bem, é surpreendente como estaagenda teve pouca influência nas decisões políticas, aocontrário da abordagem antimigratória.3 0 Este tópico éretomado no capítulo final deste Relatório.

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À medida que o mundo em desenvolvimento torna-se mais urbano e o lócus dapobreza se desloca para as cidades, a batalha para atingir os ODMs terá que serempreendida nas favelas do mundo.1

O crescimento urbano sem precedentes que está ocorrendo nos países emdesenvolvimento reflete as esperanças e as aspirações dos milhões de novoshabitantes urbanos. As cidades têm um potencial enorme para melhorar as vidasdas pessoas, mas a gestão urbana inadequada, baseada freqüentemente empercepções e informações incorretas, pode transformar oportunidade em desastre.

Consciente dessa lacuna, o Programa de Ação da Conferência Internacionalsobre População e Desenvolvimento recomendou o seguinte: Os governos devemaumentar a capacidade e a competência das autoridades municipais para gerir odesenvolvimento urbano; proteger o meio ambiente; responder às necessidades detodos os cidadãos, incluindo posseiros, por segurança pessoal, infra-estrutura básicae serviços urbanos, eliminando problemas sociais e de saúde, inclusive problemasrelacionados a drogas e criminalidade, e os problemas resultantes do excesso depessoas e de desastres; e oferecer às pessoas alternativas à vida em áreas vulneráveis adesastres naturais e a desastres causados pelo homem."2 Este capítulo abordaalgumas dessas questões, particularmente as que afetam as mulheres, à luz docrescimento urbano futuro previsto nos países em desenvolvimento.

Os Dramas Despercebidos da População Urbana Pobre3

Até recentemente, os assentamentos rurais eram o epicentro da pobreza e do sofrimentohumano. Todas as medidas de pobreza, fossem baseadas em renda, consumo ou despesa,mostravam que a pobreza rural era mais profunda e mais disseminada do que nascidades.4 Os centros urbanos em geral ofereciam melhor acesso a saúde, educação,infra-estrutura básica, informação, conhecimento e oportunidades.5 Tais observaçõeseram fáceis de entender em vista das alocações orçamentárias, da concentração deserviços e de outros benefícios intangíveis das cidades.

Entretanto, apesar de a pobreza urbana hoje aumentar mais rapidamente do quea pobreza nas áreas rurais, ela recebe bem menos atenção. As estatísticas agregadasescondem desigualdades profundas e passam por cima das concentrações depobreza intensa dentro das cidades. A maioria das avaliações subestima a escala e aprofundidade da pobreza urbana.6

Centenas de milhões de pessoas vivem em situação de pobreza nas cidades denações de baixa e média renda, e seus números certamente aumentarão nos próximos

Pessoas nas cidades: aesperança versus a desolação

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Mulher caminha em alagado próximo ao Rio Yangtze em Chongqing, China. Com aconclusão das obras da Barragem Three Gorges, o nível da água subirá dramaticamente.

© Ian Teh/Panos Pictures

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