Introdução a Linguística Cognitiva

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  • 77matraga, rio de janeiro, v.16, n.24, jan./jun. 2009

    INTRODUO LINGUISTICA COGNITIVA

    Valeria Coelho Chiavegatto(Universidade Gama Filho)

    RESUMOAbordagem dos principais caminhos de desenvolvimento dalingustica cognitiva, apresentando alguns dos princpios queinterligam cognio, linguagem e interao nos enunciadoslingusticos, apresentando alguns dos procedimentos descritivosque permitem aos analistas explicarem como as formas lingus-ticas e discursivas esto calcadas em processos cognitivos am-plos e gerais dos quais a linguagem faz parte, como instrumentode expresso e compartilhamento de conhecimentos entre oshomens.PALAVRAS-CHAVE: linguistica cognitiva; cognio: linguagem;interao; processos cognitivos.

    1.Introduo

    Quando dizemos que algum unha e carne com outra pessoa ouque as atitudes que toma com pessoas ou instituies so do tipo fazerbarba, cabelo e bigode, estamos deixando entrever operaes mentaiscomplexas, que projetam conhecimentos entre domnios lingusticos,cognitivos e interacionais. Interligamos o que conhecemos da lnguaao que vivenviamos no mundo sobre unhas e sua unio carne ouainda sobre irmos ao barbeiro e sairmos com nova aparncia apstermos cortado os cabelos, feito a barba e aparado os bigodes. Taissaberes adquiridos na vida social e na cultura a que pertencemos, so

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    projetados entre domnios distintos o do corpo e o dos relacionamen-tos e dessas correlaes novos sentidos so construdos.

    Usos lingusticos dessa natureza mostram-se extremamente di-nmicos e permeveis s experincias dos sujeitos e de suas comunida-des. Para descrever a riqueza desse multifacetado fenmeno - o funci-onamento das lnguas nos contextos comunicativos surgiu uma cor-rente de estudos lingusticos que, ao final do sculo XX, se auto-denominou Lingustica Cognitiva, que introduziremos neste artigo.

    Margarida Salomo, uma das introdutoras da lingustica cognitivano Brasil, ao tratar do desenvolvimento desta abordagem, ensina-nosque para entendermos os pressupostos que regem o cognitivismo, ne-cessrio se faz fazermos um breve percurso pelos caminhos mais signi-ficativos que as pesquisas lingusticas tomaram no sculo XX , fontesnas quais a Lingustica Cognitiva extraiu suas premissas bsicas. As-sim ela afirma:

    Reler a tradio tarefa indispensvel a todos ns que nos aventu-ramos pelos mares da lingustica, to volumosa e dispersiva aproduo contempornea que se torna difcil ao navegador achar onorte. Assim, tentador proceder como memorialista e acender nos-sa lanterna de popa. (SALOMO, 2007, p.28)

    Nos limites deste artigo, no poderamos tratar em profundidadedas principais questes que precedem o desenvolvimento da correntecognitivista, pois a tradio vastssima e diversificada. Selecionamosapenas algumas dentre as que consideramos essenciais para a formaodos pressupostos da lingustica cognitiva, que passaremos a abordar.

    2. Antecedentes

    No incio do sculo XX, a partir da publicao do Curso de Lin-gustica Geral em 1916, as idias de Louis Ferdinand de Saussureinauguram os modernos estudos sobre a linguagem, estabelecendo ummodelo cientfico para o tratamento das lnguas em geral. Saussureprope para a cincia que fundava um objeto as lnguas em geral; ummtodo a comparao entre as formas; e uma unidade o signolingustico (SAUSSURE, 1972) .

    Para o signo lingustico, Saussure prope a unio indissocivelentre uma imagem acstica (uma forma sonora a que chamousignificante) e uma imagem mental (um conceito a que chamou signi-ficado). Foi com o foco no significante que a lingustica moderna se

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    desenvolveu. Surge, ento, o estruturalismo, corrente de estudos que seestendeu, praticamente, por quase todo o sculo XX, com diferentesverses e extenses, mas cujo poder descritivo deu Lingustica o esta-tuto cientfico de que hoje desfruta.

    Preocupados com o estabelecimento da cincia nascente e para isol-la das cincias com as quais os estudos lingusticos mantm relaes es-treitas como a Antropologia, a Psicologia Social, a Histria e a Sociolo-gia, os primeiros linguistas deram prioridade aos estudos com foco nosignificante, pois isto permitiria que a cincia da linguagem marcassesua autonomia diante das demais cincias scio-humanas modernas.

    Assim, a lingustica se desenvolve pelo estudo das estruturas comas quais se interligam significantes, valorizando a oralidade, priorizandoos estudos sincrnicos, calcando-se na descrio de como as lnguas seconstituem. As pesquisas com foco no significado foram relegadas aosegundo plano, porque ainda no tinham sido encontrados critriosadequados para tratar cientificamente do interrelacionamento entre asformas lingusticas, aspectos cognitivos e eventos sociais e culturaispara a descrio do funcionamento da linguagem.

    Foi com Edward Sapir em 1921, com A linguagem (1972) que,pela primeira vez, foi apregoada a relao estreita entre lngua ecultura. Afirmava o antroplogo que havia uma coeso qualquer entrea lngua e o povo que dela se utiliza para a comunicao, observaoque brotou da experincia de fazer a descrio das lnguas indgenasgrafas, em meio a culturas diferenciadas, em fase de extino.

    A percepo de que a cultura do povo se faz presente, de algumamaneira, na constituio das formas da lngua iria desembocar na po-lmica Hiptese Sapir-Worf ou do Relativismo lingustico. A hipteseapontava para uma estreita relao entre culturas e a constituio daslnguas. Muito criticada poca pelo determinismo entre lngua e cul-tura para o qual apontava e, tambm, pela ilimitada relativizao dasestruturas que permitiria, tal hiptese e os possveis raciocnios deladecorrentes foram mal compreendidos, adiaram para anos mais tardeos estudos da dialtica entre lnguas e culturas que o cognitivismoabrangeria.

    Somente ao final do sculo XX e incio do XXI surgiriam traba-lhos revisitando as estreitas relaes entre a cultura dos povos e asconstrues significativas de suas lnguas. Os caminhos para a postulaode que linguagem e conhecimento esto indissociavelmente unidos na

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    codificao lingustica e nos usos que delas fazem seus falantes nasinteraes comunicativas estariam abertos.

    O desenvolvimento da Lingustica na Amrica sentir a influ-ncia de Bloomfield (1935) e seus seguidores, propagando a necessi-dade de desenvolvimento de processos de descoberta de morfemas unidade mnima entre significante e significado para a descriodas lnguas indgenas em fase de extino, junto com as suas cultu-ras. Cria-se um aparato formalizador para o desenvolvimento dadescrio sintagmtica dos enunciados lingusticos, afastando-se an-lises em que a Semntica pudesse ser a base para as investigaeslingusticas. Abrem-se caminhos para o que foi a revoluo gerativa,capitaneada por Noam Chomsky.

    A partir da divulgao do trabalho de Chomsky (1957), as pes-quisas gerativas dominam o cenrio do que podemos chamar de augeda abstrao na anlise lingustica: estabelece-se a distino entrecompetncia e desempenho; prope-se a abstrao de fatores ligadosao desempenho lingustico dos usurios, em prol de estudos sobre acompetncia lingustica de um falante-ouvinte ideal, constructo tericoque permitiria descobrir a forma geradora das estruturas lingusticas demodo autnomo, sem interferncia de aspectos pessoais, sociais, cultu-rais ou de qualquer outra natureza.

    Nos anos seguintes, estudos como os de Goffman (1967) , Hymes(1974) e Gumperz (1982) , entre outros, vo mostrando aspectos prag-mticos das relaes entre lnguas e culturas: Gumperz trata do papeldo contexto pragmtico; Hymes das relaes entre lnguas e culturas eGoffmam prope os frames de interao, s para citar alguns dos maissignificativos aspectos scio-culturais e conversacionais intervenientesna construo dos enunciados lingusticos: eles vo constituir funda-mentao consistente para o surgimento da lingustica cognitiva.

    Aps quase trs dcadas de nfase em um paradigma cientficocentrado nas descries das estruturas das lnguas (com foco nossignificantes), os anos 80 trouxeram, em diferentes verses e perspectivas,pesquisas focalizando o funcionamento das lnguas naturais, em uso nascomunidades sociais e culturais. O funcionalismo surge enfatizando o es-tudo das lnguas a partir da anlise das formas no uso real, levando emconta as relaes que estabelecem com o contexto comunicativo.

    Insatisfeitos com os resultados a que as pesquisas gerativas con-duziam, pois eram desvinculadas do sujeito que efetivamente usa a

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    lngua para se comunicar, os pesquisadores comearam a examinaraspectos pragmticos, levando em conta as situaes comunicativas eas construes lingusticas empregadas. A ideia fundadora do funcio-nalismo a de que h um relacionamento motivado entre formalingustica e funo comunicativa, tratando a lngua como uma estru-tura malevel que se adapta, continuamente, s necessidades de ex-presso de pensamentos e interao entre os homens. Vrios caminhosde pesquisa foram se desenvolvendo sob o amplo guarda-chuva deno-minado funcionalismo.

    Logo observaramos que o funcionalismo teria duas grandes ver-tentes: uma externalista, analisando a relao forma e funo nas mo-tivaes que atuavam na superfcie discursiva, investigando aiconicidade, os princpios conversacionais, especialmente pautados pe-los estudos de Talmy (1988) e Givn (1995); e outra, investigando asrazes internas de a lngua ser como , ou seja, aspectos cognitivos queexpressam as relaes entre pensamento e linguagem, para os quaisdestacamos Lakoff & Johnson (1980), Lakoff (1987), Fauconnier (1994),Fauconnier e Sweetser (1996) e Langacker ( 1987/1991) .

    3. Os fundamentos da lingustica cognitiva

    Partindo da ideia de que as estruturas lingusticas no so rgi-das, mas maleveis, que se amoldam continuamente s necessidadeslocalizadas de expresso e comunicao, considera-se que o significa-do dos enunciados :

    1 - guiado pelas formas lingusticas;2 - uma construo mental que expressa a interligao entre

    conhecimento e linguagem; e3 - validado no contexto comunicativo.Diante destas premissas, a lingustica cognitiva estabelece que a

    gramtica no pode ser mais vista como um conjunto de regras queopera sobre categorias de palavras ou de sentenas, mas sim um con-junto de princpios gerais e processuais, que opera sobre bases de co-nhecimentos. A lngua ento um instrumento que empregamos paraexpressar pensamentos e interagir em sociedade.

    Os estudos sobre categorizao, desenvolvidos por Rosch (1975;1977) em Psicologia, abriram a possibilidade de que as lnguas no soformadas por categorias tradicionais (aristotlicas), mas por categoriasprototpicas. Enquanto nas categorias tradicionais os membros que a

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    ela pertencem tm todos os traos que a enquadram na categoria, nascategorias prototpicas h um membro bsico ou central, que comportatodas as caractersticas da categoria, e membros mais perifricos, queperdem alguns dos traos da categoria, afastando-se em maior ou me-nor escala do membro central ou prototpico.

    Assim, categoria aves, integram-se pardais, galinhas e papa-gaios. O membro prototpico seria o pardal, pois tem penas, voa e pia caractersticas bsicas da categoria. Contudo, a galinha anda e novoa; o papagaio fala, mas no pia. Mas, como tm penas e constituiode aves, ambos so to aves quanto pardais.

    Ao assumirmos que a linguagem parte da cognio, o conceitode categorias prototpicas permite tratarmos uma srie de operaes eeventos como parte de outros, mais gerais e amplos e, assim, interli-garmos mltiplas semioses na constituio da linguagem. Pois:

    (....) a linguagem parte integrante da cognio (e no um mduloseparado) e se fundamenta em processos cognitivos, socio-interacionais e culturais e deve ser estudada no seu uso e no con-texto da conceptualizaao, do processamento mental, da interao eda experincia social e cultural. (SILVA, 2004, p.2)

    A possibilidade de que processos cognitivos e construeslingusticas faam parte de categorias prototpicas fundamental paraa anlise de uma srie de fenmenos em lingustica cognitiva. Podeexplicar, por exemplo, a polissemia, a abrangncia das correspondn-cias metafricas e as diferentes naturezas de introdutores de espaosmentais, que trataremos no desenvolver deste artigo. A plasticidadedos processos que interligam cognio e linguagem se materializa nosprincpios que norteiam as anlises cognitivas, acarretando, segundoSilva (2004, p.2):

    1 - a primazia dos estudos semnticos em decorrncia da pr-pria perspectiva adotada, ou seja, se a funo da linguagem a categorizao,ento a significao ser o fenmeno lingustico primrio;

    2 - que se a linguagem serve para categorizar o mundo, ento osignificado lingustico no pode ser dissociado do conhecimento domundo e, por isso mesmo, no se pode postular a existncia de umnvel estrutural ou sistmico de significao distinto do nvel de co-nhecimento em que est associado s formas lingusticas; e

    3 - que se a funo categorizadora da linguagem impe estrutu-ras e formas ao conhecimento, ento este no est objetivamente

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    refletido nela: ao invs de espelh-lo, a linguagem um meio deinterpret-lo, constru-lo e organiz-lo, refletindo as necessidades, osinteresses e as experincias dos indivduos e de suas culturas.

    Ainda segundo Silva (2004, p.2), nesses princpios assenta a pr-pria posio filosfica e epistemolgica do movimento cognitivo queLakoff e Johnson (1980) e Lakoff (1987; 1993) caracterizam como sen-do o experiencialismo ou um realismo corporificado, metodologicamentebaseado na anlise do uso lingustico real, fundamentandoempiricamente as interpretaes das expresses lingusticas na experi-ncia individual, coletiva e histrica nelas fixadas.

    De cada um desses princpios decorrem aspectos importantes aserem considerados no trato da linguagem, a saber:

    1 - que o significado da forma lingustica enciclopdico eperspectivizado: ele organiza o conhecimento de mundo na perspecti-va da sociedade e da cultura da qual os falantes participam. Assim,linguagem conhecimento;

    2 - que filosfica e epistemologicamente, a lingustica cognitiva experiencialista, ou seja, as pesquisas se daro em contextos reais deuso, olhando a lngua corporificada e encarnada no sujeito que dela seutiliza para fins comunicativos e interacionais, e desta realidade no sepode desvincular;

    3 - que a categorizao do conhecimento efetuada pela lingua-gem reflete as experincias compartilhadas pelos indivduos, em dife-rentes projees e figuraes da realidade vivenciada, das mais concre-tas s mais abstratas, o que permite que as construes linguisticassejam interpretveis e a comunicao funcione (SILVA, 2004).

    Assim, as pesquisas em lingustica cognitiva tratam a linguagemcomo instrumento cognitivo, semelhana da percepo visual e doraciocnio. As formas da lngua acionam um conjunto de processosaparentemente simples, que operam sobre bases de conhecimentossubjacentes na memria ou presentes como contexto, na situao co-municativas.

    Segundo Salomo (1999, p.65-72), no Brasil foram estabelecidascomo premissas bsicas para a produo intelectual aqui praticada nasinvestigaes cognitivas:

    1 - O princpio da escassez do significante, que se manifestapela impossibilidade de a forma lingustica dizer tudo o que se quersignificar. Assim, podemos afirmar que h a subdeterminao do signi-

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    ficado pelo significante, permitindo que ultrapassemos a distino tra-dicional entre o sentido da sentena e o sentido do falante.

    Dilui-se, tambm, a distino entre significados literais e no-literais, pois tudo o que pertence ordem pragmtica se agrega signi-ficao, ao contexto dinmico da situao comunicativa. Neste quadro,os sentidos figurativos, as implicaturas, as ironias, o humor, asconotaes tornam-se centrais para rastrearmos as correlaes entrelinguagem e cognio. Na prtica, a informao extralingustica, antesperifrica, instala-se no prprio centro da interpretao da linguagem.

    Segundo Turner (1996, p.56), acostumamo-nos a pensar concei-tos como pacotes de sentidos. Damos-lhes rtulos: casamento, nasci-mento, morte, fora, eletricidade, tempo, amanh. No entanto, o signi-ficado no est depositado em um armazm de conceitos; ao contrrio,ele vivo, ativo e dinmico. Pode ser construdo e desconstrudo parapropsitos locais de expresso e de comunicao. Para isto, coocorremmltiplas semioses, desde os contornos entonacionais, gestos e outrascondies externas ao cdigo lingustico em si mesmo.

    2 - A segunda premissa a semiologizao do contexto. Nestaperspectiva, o contexto dinmico, no uma varivel esttica. Tor-nam-se essenciais as noes de enquadre (frame), perspectiva e focopara que possamos tratar , de forma produtiva, a interatividade dasdiversas semioses. O mundo como o percebemos e conceptualizamos tambm sinal a ser agregado interpretao. Ele se estabelece comouma continuidade entre o lingustico, o contexto e a realidade. Longede reduzi-lo, redefine-o para necessidades locais de interao humana.o contexto que validar o significado das construes.

    3 - A terceira premissa estabelece que toda a representao umdrama. Considerando que a linguagem uma forma de representaodo mundo, que envolve a maneira como o enquadramos e aquilo parao qual dirigimos o foco de ateno, representar j uma forma deinterpretar: representar papis no sentido dramtico do termo.

    Para que as construes lingusticas faam sentido, necessrioque interpretemos os sinais que compem os enunciados em relao interao social no qual se inscreve: o sentido no se constri em simesmo, mas sempre para algum, nem que seja para si mesmo. Assim,fazer sentido envolve assumir um papel e uma perspectiva sobre umacena, com todos os ingredientes que um ato dramtico requer. H ce-nrios, sonoplastia, personagens, enfim, papis sociais a representar.

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    Como nas cenas reais, a improvisao possvel e a forma de repre-sentar mutvel no prprio curso da encenao.

    Para Goffman (1974), toda experincia social semantizante: s possvel atuar na cena social (na interao comunicativa), investin-do-a de sentido, ensina-nos Salomo ( 1999), seja como base de conhe-cimentos consensualizados, como Modelos Cognitivos Idealizados (MCIs)de Interao, ou por conta de uma motivao singular, com vistas realizao de objetivos localmente relevantes. Assim, representar interpretar relaes no mundo, produzindo conhecimento social.

    Como podemos ver, os processos de construo de significadosnas interaes lingusticas so o foco das pesquisas cognitivistas. Ossignificados no so propriedades das formas, mas so contextualmenteconstrudos. As formas da lngua ativam processos mentais que no soexclusivos da linguagem, mas a elas servem tanto quanto a outras habili-dades cognitivas. Compartilhamos, portanto, percepes (gestalts) de con-junto, distinguimos figurafundo, ativamos domnios de conhecimento,realizamos projees entre domnios, efetuamos mesclagens cognitivas,todas operaes compartilhadas por outras habilidades cognitivas.

    Na medida em que as pesquisas cognitivas baseiam-se na obser-vao das experincias reais de uso da lngua, em contextos de interaolingustica natural e socialmente estabelecidos, os corpora so produzi-dos por falantes-ouvintes reais, inseridos em interaes social e cultu-ralmente validadas, sujeitos a regras sociais, a protocolos culturais, acaractersticas grupais que ora os diferenciam, ora os aproximam unsdos outros ( usage-based model segundo LANGACKER, 1991).

    As anlises esto fundadas em bases empricas, partem da inter-pretao das construes lingusticas fundamentada no aparato conceptualque armazena os conhecimentos das experincias fsicas, sociais, psico-lgicas, histricas e culturais, coletivas ou individuais, nelas fixadas,embutidas por meio de diferentes processos nas construes lingusticas.

    Os resultados sero fruto de evidncias convergentes, advindos daexperincia emprica, evitando o subjetivismo radical a que o fato de lidar-mos com experincias poderia conduzir. Ao mesmo tempo, o idealismo e aflexibilidade das construes e as projees entre domnios revela a din-mica do processamento lingustico e deixa entrever como os processos quea precedem na mente se embutem no mecanismo das construes.

    Para Salomo (1999), o nome mais adequado para a lingusticacognitiva que praticamos no Brasil um composto do social e do

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    cognitivo que esto pressupostos nas anlises: lingustica sociocognitiva.Ela herdeira do funcionalimo internalista, que v nos processoscognitivos internos e nas interaes scio-culturais as razes para asconstrues gramaticais, lexicais ou discursivas se apresentarem comose apresentam.

    4. Processos cognitivos que operam nasconstrues lingusticas

    Nas anlises cognitivistas, alguns conceitos so essenciais paradescrevermos os processos que intercruzam cognio e linguagem.Conhec-los poder ajudar-nos a compreender como os processos tmaplicaes gerais, empregando aspectos das experincias compartilha-das para compor os significados dos quais as formas lingusticas soguias, ativando operaes que interligam cognio codificaolingustica que a expressa.

    Dentre os conceitos que formam o arcabouo terico para tratara linguagem como instrumento cognitivo, est o de que h conjuntosde conhecimentos sobre os quais a linguagem opera. Tais conjuntosso estruturas mentais parcialmente estruturadas, estveis ou transit-rias. E sobre essas estruturas que passaremos a tratar.

    4.1 Domnios de conhecimentos

    A base de conhecimentos sobre a qual se organizam as constru-es lingusticas adquirida a partir de experincias vivenciadas pelosindivduos em suas comunidades, desde os primeiros anos de vida. Taisconhecimentos vo sendo armazenadas na memria, parcialmenteestruturadas, hierarquizados e relativamente permanentes. So os do-mnios cognitivos.

    Esta estabilidade no significa rigidez, pois so estruturas pass-veis de modificao a partir das experincias que vo sendo vivenciadasao longo da vida, alterando as configuraes anteriores. So estas es-truturas de arquivamento de experincias que so acionadas para com-por os significados lingusticos. Podem ser representadas como esque-mas em imagens, modelos cognitivos idealizados ou modelos culturais.

    Os esquemas em imagens referem-se aos conhecimentos maisbsicos de nossa experincia, que so estruturados em imagensesquematizadas, disponveis para serem aplicadas a diferentes domnios.

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    Por se estruturarem como imagens esquemticas sobre vivncias com-partilhadas, so estruturas passveis de serem compreendidas porquase todos, pois os esquemas carreiam informaes mais ou menosgerais de aplicao na construo e interpretao dos enunciadoslingusticos.

    Ao dizermos, por exemplo, brao de rio, orelha de livro, costasdo armrio estamos diante de conhecimentos baseados no esquemacorporal dos humanos, informaes que transferimos naturalmentepara a compreenso de sua aplicao a contextos diferentes daquelesdos quais partiram.

    Extremamente produtivos no processamento de novas constru-es, ativam na mente do intrprete conhecimentos bsicos,compartilhveis pela grande maioria dos falantes, o que torna usuaisas expresses criadas com base nestes esquemas. Assim, ruas comoveias das cidades; esqueletos como estruturas; estreitamento como en-garrafamento; razes como origem esto na base de muitos dos proces-sos figurativos que operam nos enunciados.

    Os conhecimentos so armazenados em estruturas mentais, maisou menos estveis, os modelos cognitivos idealizados - MCIs. Assimso chamados porque armazenam os aspectos que conhecemos acercadas experincias diferenciadas que vivenciamos; so modelos idealiza-dos por serem estruturas mentais disponveis para serem aplicados satualizaes com caractersticas similares. So estruturas estveis, masno rgidas, pois podemos modific-los, adicionando ou retirando in-formaes, re-organizando hierarquias, de modo a atualizar nosso sa-ber sobre as reas de experincia que temos arquivadas na memria.

    Na descrio cognitiva dos eventos lingusticos, os MCIs so re-presentados por retngulos nos quais registramos as informaes acer-ca da rea de sentido em tela, de modo a dar conta da especificidadedas informaes que temos arquivadas na memria acerca do tema.Tais estruturas vo se expandindo medida que nosso conhecimentosobre o tema vai se intensificando: armazenam palavras, conceitos,procedimentos, ou seja, tudo o que foi experienciado acerca da rea desentido que recobre. Vejamos um exemplo:

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    Representamos na Figura 1, resumidamente, trs domnios deconhecimentos: sade, economia e energia. Em cada um deles adicio-namos algumas das informaes que consideramos formantes e dispo-nveis sobre cada um dos temas. Quando falamos, importamos as in-formaes armazenadas nos domnios, por meio de itens semiticosque as ativam (palavras, morfemas, gestos) , e as projetamos comoconhecimentos que temos sobre os novos domnios aos quais foramligados. Podemos transferi-los para construir a interpretao dos enun-ciados em diferentes domnios, correlacionando-os s informaes docontexto comunicativo.

    Assim, quando, por exemplo, dizemos economia plida, falnciade rgos, fartura de energia ou indisposio do mercado os novossignificados emergem como mesclas, que herdam parcialmente os signi-ficados de partida, mas ganham novos sentidos com as relaes que soprocessadas na nova situao em que so empregadas. Da a importnciade explicarmos como funcionam as projees entre domnios.

    MCI SADE

    . vitalidade

    . disposio

    . boa aparncia

    . bom funcionamento

    . FALTA DE SADE

    . doena

    . indisposio

    . palidez

    . mdicos

    . hospital

    . dor

    .............. (etc)

    MCI ECONOMIA

    . finanas

    . dinheiro

    . riqueza

    . fartura

    . licros

    . trabalho

    . PROBLEMAS

    . desemprego

    . falncia

    . crise

    . pobreza

    . depresso

    MCI ENERGIA

    . combustvel

    . fora

    . necessidades

    . produo

    . produtos

    . meios

    . alternativas

    . petrleo

    . carvo

    . ventos

    . guas

    . abastecimento

    Figura 1: Representao grfica dos MCIs

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    4.2 Projees entre domnios

    Bem conhecido em Psicologia, o termo projeo significa, emlatim tardio, pro-jectare, ato ou efeito de lanar (CUNHA, 1986), trans-ferindo algo para outro lugar. Nas projees entre domnios, transferi-mos informaes entre entidades do mesmo ou de outro domnio, ex-pandindo a significao bsica de um item para outro, assumindo no-vos significados. Assim, quando falamos em indisposio do mercadotransferimos do MCI sade nosso conhecimento sobre indisposies ainda no uma doena, mas um mal estar, aviso de mau funcionamen-to da economia, expresso metafrica das correspondncias efetuadasna mente.

    Com as informaes que so transferidas entre os domnios, cons-trumos novos significados com relaes que se processam no contex-to. Fazemos corresponder significados entre itens que tm componen-tes semelhantes nos MCIs correlacionados. As correspondncias efetuadaspodem explicar, por exemplo, processos figurativos como as metforase suas extenses em figuras como analogias, comparaes, personifi-caes, hiprboles, eufemismos.

    Quando acontecem correspondncias com deslocamentos entresignificaes de itens que pertencem ao mesmo domnio, explicamosas metonmias e as figuras que lhe so assemelhadas, como a catacrese,a sindoque, ou seja, as que envolvem parte pelo todo, continente pelocontedo, autor pela obra, causa por consequncia e as outras relaesque envolvem transferncias de sentido entre termos que comparti-lham o mesmo domnio, como por exemplo, no clssico exemplo dodomnio de livros, quando nos referimos obra pelo autor.

    Por fim, podemos perceber que toda a expressividade das expres-ses idiomticas e a criatividade das grias, por exemplo, pode serexplicada por projees entre domnios, vindas das experincias con-cretas para as abstratas e compartilhadas como saber consensualizadonas comunidades. No exemplo a seguir, podemos constatar a vitalidadedessas correspondncias:

    Ex. H uma onda de cheques sem fundos inundando a praa, porisso os lojistas no querem mais aceitar cheques.

    No uso dos termos onda, inundando e praa podemos pos-tular correspondncias como as que apresentamos a seguir:

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    Do domnio do MCI guas, vem a experincia de como funcio-nam as ondas : elas vem e passam. Dependendo da fora com que semanifestam, podem destruir tudo o que estiver no caminho. Se foremmuito intensas, podem causar inundaes. Assim, o enunciado serefere aos prejuzos produzidos pela quantidade de cheques sem fun-dos passados na praa. O texto tenta dizer que os prejuzos causadospela quantidade de cheques-sem-fundos precisa ser interpretado comoondas que vm e passam: a crise (a inundao) temporria ( onda),vai passar.

    No descrito na figura, a metonmia praa, to cristalizada nonosso saber como lugar de fazer negcios (de compra e venda nascidades), camufla o deslocamento que a se efetuou: o uso do termopraa (o local) pela atividade que nela efetuada (negcios) .

    4.3 - Espaos mentais

    Dentre as estruturas com as quais os conhecimentos se organi-zam na linguagem, destacamos os espaos mentais. Enquanto os MCIsso estruturas estveis de estruturao da experincia, os espaos men-tais so transitrias, espcie de arquivos de trabalho nos quais organi-zamos pensamentos em linguagem.

    Como bolhas de sabo, os espaos mentais so instaurados napr-organizao dos enunciados. Neles processamos as relaes entreas informaes importadas dos domnios de conhecimentos ativados.To logo o enunciado produzido esteja pr-estruturado, o espao sedissolve, projetando sua organizao em enunciados comunicveis.

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    Os espaos mentais so abertos medida que o discurso progri-de. Ligados entre si, andam como o discurso anda, introduzidos porelementos gramaticais ou situacionais denominados introdutores deespaos mentais (space builders segundo FAUCONNIER, 1994). A partirde um espao-base, situado em primeira instncia na situao comuni-cativa, somos guiados por introdutores a abrirmos novos espaos dereferenciao: so os espaos mentais.

    Em cada novo espao instaurado, os elementos que o compemdevem ser interpretados. Podemos guiar o discurso para outro tempo,outro espao, outra realidade fsica ou virtual. Para um sonho, paraum filme, um livro, enfim, qualquer lugar que a linguagem possainstaurar. Nestes espaos, operacionalizamos os sentidos que as signi-ficaes do discurso encerram.

    De link em link o discurso progride e os significados so decor-rentes dos sentidos que processamos nos espaos de organizao dopensamento em linguagem. So representados por crculos e os linkspor setas, interligando-os. Vejamos, de modo simplificado, como osespaos pr-organizam os enunciados produzidos:

    Ex. Gostaria de ter em 1968 a sabedoria que tenho agora.

    Na figura 3, cada um dos crculos representa o espao-mental depr-organizao de um nvel do discurso: o espao base (o da fala dosujeito), abrindo com o futuro do pretrito um espao mental do dese-jo: o que ego como sujeito discursivo gostaria. Do espao de hoje,introduzido pelo advrbio hoje, a sabedoria (X) foi ativada.

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    Seguindo os links abertos de um espao para outro, podemostransportar ego para o espao do desejo ou dos tempos presente e pas-sado, interligados no mesmo enunciado, projetando-o para espaos dereferenciao diferenciados. Pelos introdutores de espaos mentaisempregados, os interlocutores conseguem reconstruir na mente os mes-mos espaos e interpretar acertadamente o enunciado da sentena.

    Assim a teoria prope que nos espaos de trabalho, transitriose ajustveis s situaes, que organizamos o pensamento em lingua-gem, processando gramatical e semanticamente os enunciados.

    4. 4. Mesclagens conceptuais

    As projees de conceitos entre domnios so essenciais paraum processo denominado mesclagem, uma das mais poderosas opera-es cognitivas empregadas na linguagem. Para Fauconnier & Sweetser(1996, p.149-91), uma mesclagem (blending) um processo cognitivoque opera sobre dois espaos mentais (input 1 e 2) para projetar senti-dos em um terceiro espao, o espao mescla.

    Os significados que so projetados na mescla - espao transit-rio de organizao dos itens importados dos espaos mentais de origem- so relacionados no novo contexto, herdando aspectos dos significa-dos de origem, mas incorporando novas significaes. A mesclagem decorrente do re-arranjo das projees efetuadas com a situao comu-nicativa em que ocorrem. Mesclagens acontecem no lxico, na sintaxe,no discurso, na situao comunicativa e, mais extensivamente, em todoprocesso de aprendizagem ou de atualizao de saberes na vida social.

    Quando dizemos, por exemplo, co de guarda fazendo refern-cia a uma pessoa; saco de pancadas aplicado a algum que viveapanhando; ou taxi-aqutico para nos referirmos a barco de alu-guel, os substantivos compostos construdos so mesclagens, herdamaspectos significativos dos termos bsicos, mas so novos significados,advindos das correlaes que tais construes ativam no contexto emque ocorrem. So facilmente processados na mente dos intrpretes pelarecuperao das projees importadas para a mescla. O processo sim-plesmente responsvel pela criatividade na linguagem.

    Para Miranda (1999, p.89) a mesclagem o processo responsvelpela dimenso criativa de todas as formas de pensamento. pelas no-vas relaes e novas configuraes que do aos sentidos que combi-nam que fazem surgir novas significaes e conceptualizaes. Por-

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    tanto, uma rea inesgotvel de investigaes cognitivas se abre para aspesquisas de mesclagens, uma vez que no uso real da lngua que acriatividade se manifesta com toda a riqueza que a dinamicidade dopensamento e da linguagem engendram.

    4. 5. Enquadre, foco e perspectiva

    Se considerarmos que as anlises cognitivas envolvem a investiga-o da lngua em uso, em contextos reais de comunicao, processos comoenquadre, foco e perspectiva tornam-se altamente relevantes. Na medidaem que uma das premissas da anlise cognitiva que toda a situaocomunicativa uma cena, uma representao dramtica, reconhecer osquadros que se sucedem na cena e associ-los aos significados construdos embutir a interao nos significados que emergem nas cenas.

    As situaes comunicativas so experincias sociais que os fa-lantes vo adquirindo ao longo da vida. Tais conhecimentos vo sendoarmazenados na memria, configurados aos eventos nos quais se atu-alizam. Formam estruturas de conhecimentos complexos, com semiosesde diferentes naturezas. As situaes nos permitem fazer recortes- osdenominados frames de interao (GOFFMAN, 1974) e coloc-los comonum quadro: so as molduras comunicativas nos termos de Tannen &Wallat (1987, p.59) .

    Molduras comunicativas so, portanto, frames de interao, queincluem nosso conhecimento do evento, de identidades, de papis soci-ais, da agenda do encontro, do alinhamento ou andamento do que estem movimento na interao. As cenas emitem sinais de mltiplas semioses.Ns aprendemos a interpret-los: formam nosso conhecimento prag-mtico do uso da lngua nos eventos de interao e comunicao.

    Tornam-se essenciais, tambm, os conceitos de enquadre orecorte que se faz na cena; de foco, o aspecto da cena no qual pomosluz (ateno) e o lugar do qual olhamos a cena , ou seja, de queperspectiva o falante fala na cena ou sobre a cena a que se faz referncia.

    Sugerimos para aprofundamento desses aspectos, a leitura doestudo sobre os valores semnticos das condicionais em portugus(FERRARI, 1999); a anlise dos papis de liderana no discurso deprofessores em moldura comunicativa institucional (MIRANDA,1999)e o estudo da mesclagem de vozes nos diferentes tipos de discurso(CHIAVEGATTO, 1999), trabalhos que experimentam a funcionalida-de dos conceitos que aqui sumarizamos.

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    5. Concluses

    No poderamos fazer neste artigo barba, cabelo e bigode doque tem sido o avano dos estudos cognitivos no Brasil e no mundo:ficamos na introduo, apresentando instrumentos operacionais paraprogredirmos no que acreditamos ser a prpria natureza da linguagem:instrumento de expresso, organizao e transmisso de conhecimen-tos entre os homens e suas sociedades.

    Os exemplos que aqui foram apresentados servem apenas parainstigar nossos leitores a pensarem na operatividade dos recursos ana-lticos que temos disposio para estudarmos o fenmeno da lingua-gem. No queremos mais somente descrever os fatos e usos da lngua,mas sim explic-los a partir de um corpo de conceitos, que nos permitaentender o funcionamento da lngua, com seu poder expressivo, fen-meno decorrente de sua imensa plasticidade.

    As investigaes em lingustica cognitiva procuram produzir evi-dncias convergentes sobre o papel da cognio na organizao daslnguas naturais, mostrando a dinmica das relaes entre linguagem ecognio, entre sociedades e culturas e entre o sujeito e aqueles quecom ele compartilham a fantstica capacidade de embutir pensa-mentos em linguagem, transmitindo a fascinante experincia de viverna interao com seus semelhantes.

    Recebido em 06/03/09

    Aprovado em: 04/04/09

    ABSTRACTThis article introduces current developments in cognitivelinguistics, presenting some principles which link cognition,language and interaction in utterances. Some descriptiveprocedures are also introduced, which allow analysts to explainhow linguistic and discursive forms are based on broad and ge-neral cognitive processes, of which language is an integral part,as a means of expression and the sharing of knowledge amongmen. KEY WORDS: cognitive linguistics; cognition; language;interaction; cognitive processes.

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