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Agroecologia e Juventude: a experiência da Intervivência Universitária contribuindo na educação para a sustentabilidade no município de Carrancas (MG) SAMSONAS, HENRIQUE DO PRADO [email protected] RODRIGUES, ANTONIO ALFREDO FIGUEIREDO [email protected] ALVES, JACQUELINE MAGALHÃES [email protected] Instituição: Universidade Federal de Lavras (UFLA) Introdução A humanidade atravessa um momento crucial que está obrigando até mesmo estadistas dos países causadores e responsáveis pela crise, a mudarem sua retórica e a aceitarem realidades até ontem negadas: há uma crise ambiental ameaçadora (Machado, 2009). Neste sentido, nada mais urgente para o futuro da humanidade do que assegurar a melhoria constante da qualidade de vida para esta e para as futuras gerações, além do respeito ao nosso maior patrimônio comum - o planeta terra (UNESCO, 2005). Para repensar e mudar essas relações, a educação é um processo potencial que nos habilita como indivíduos e como comunidades a compreendermos a nós mesmos e aos outros e as nossas ligações com o meio ambiente social e natural de forma mais ampla. Neste sentido, a educação é um importante agente de transformação para o desenvolvimento sustentável, aumentando a capacidade das pessoas de transformar sua visão de sociedade em realidade (UNESCO, 2005). Assim, a ciência da agroecologia e os princípios da permacultura foram escolhidos como base para processos de educação não-formal de jovens rurais através do Programa Intervivência Universitária (CNPq, Edital 23/2008), de forma a contribuir para uma sociedade sustentável no campo. Nesse trabalho apresentamos o contexto e algumas das ações desenvolvidas no projeto “Ação Juventude Rural – Mobilização de jovens rurais como replicadores e multiplicadores de alternativas que promovam desenvolvimento local, através do acesso à informação e integração com a Universidade”. Considerando ser fundamental que a Universidade assuma sua responsabilidade socioambiental através de ações concretas, trabalhar na perspectiva de abertura de espaços de formação e participação da juventude é uma estratégia importante para o desencadeamento do protagonismo desses jovens nos processos de intervenção para o desenvolvimento, particularmente no meio rural. O projeto “Ação Juventude Rural” surge a partir dos diagnósticos realizados no projeto “Estudo e Implantação Participativa de Tecnologias Permaculturais e Agroecológicas na Agricultura Familiar Através da Extensão Universitária em Carrancas – MG” (CNPq, Edital 36/2007) no qual foram definidas as famílias e as respectivas propriedades para serem Unidades Experimentais Participativas (UEPs) com objetivos replicadores. Em todas as UEPs e na Associação de Produtores Rurais da Comunidade São Sebastião foram observados jovens interessados em participar de atividades de aprendizagem e difusão da agroecologia e da permacultura no município de Carrancas (MG). Com esse grupo de jovens foram discutidas suas demandas e interesses em temas educativos que resgatem e valorizem a identidade do jovem rural, como

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Agroecologia e Juventude: a experiência da Intervivência Universitária contribuindo na educação para a

sustentabilidade no município de Carrancas (MG)

SAMSONAS, HENRIQUE DO [email protected]

RODRIGUES, ANTONIO ALFREDO [email protected]

ALVES, JACQUELINE MAGALHÃ[email protected]

Instituição: Universidade Federal de Lavras (UFLA)

Introdução

A humanidade atravessa um momento crucial que está obrigando até mesmo estadistas dos países causadores e responsáveis pela crise, a mudarem sua retórica e a aceitarem realidades até ontem negadas: há uma crise ambiental ameaçadora (Machado, 2009).

Neste sentido, nada mais urgente para o futuro da humanidade do que assegurar a melhoria constante da qualidade de vida para esta e para as futuras gerações, além do respeito ao nosso maior patrimônio comum - o planeta terra (UNESCO, 2005).

Para repensar e mudar essas relações, a educação é um processo potencial que nos habilita como indivíduos e como comunidades a compreendermos a nós mesmos e aos outros e as nossas ligações com o meio ambiente social e natural de forma mais ampla. Neste sentido, a educação é um importante agente de transformação para o desenvolvimento sustentável, aumentando a capacidade das pessoas de transformar sua visão de sociedade em realidade (UNESCO, 2005).

Assim, a ciência da agroecologia e os princípios da permacultura foram escolhidos como base para processos de educação não-formal de jovens rurais através do Programa Intervivência Universitária (CNPq, Edital 23/2008), de forma a contribuir para uma sociedade sustentável no campo. Nesse trabalho apresentamos o contexto e algumas das ações desenvolvidas no projeto “Ação Juventude Rural – Mobilização de jovens rurais como replicadores e multiplicadores de alternativas que promovam desenvolvimento local, através do acesso à informação e integração com a Universidade”.

Considerando ser fundamental que a Universidade assuma sua responsabilidade socioambiental através de ações concretas, trabalhar na perspectiva de abertura de espaços de formação e participação da juventude é uma estratégia importante para o desencadeamento do protagonismo desses jovens nos processos de intervenção para o desenvolvimento, particularmente no meio rural.

O projeto “Ação Juventude Rural” surge a partir dos diagnósticos realizados no projeto “Estudo e Implantação Participativa de Tecnologias Permaculturais e Agroecológicas na Agricultura Familiar Através da Extensão Universitária em Carrancas – MG” (CNPq, Edital 36/2007) no qual foram definidas as famílias e as respectivas propriedades para serem Unidades Experimentais Participativas (UEPs) com objetivos replicadores. Em todas as UEPs e na Associação de Produtores Rurais da Comunidade São Sebastião foram observados jovens interessados em participar de atividades de aprendizagem e difusão da agroecologia e da permacultura no município de Carrancas (MG).

Com esse grupo de jovens foram discutidas suas demandas e interesses em temas educativos que resgatem e valorizem a identidade do jovem rural, como

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também possibilite a eles conhecer e refletir sobre o novo mundo rural, marcado por transformações socioambientais. Tais discussões orientaram a elaboração do projeto encaminhado ao Programa de Intervivência Universitária apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que tem por objetivo apoiar projetos que visem estimular a divulgação e apropriação de conhecimento geral e especializado disponíveis nas Universidades, nos Centros Tecnológicos e em Escolas Técnicas Públicas, por jovens com idades entre 12 e 18 anos, estudantes e residentes na zona rural, que já participem de atividades educativas, extensionistas e organizativas.

Objetivos

Divulgar e construir conhecimento em temas interdisciplinares, tendo por base os princípios da Agreocologia e Permacultura, através da comunicação dialógica entre universidade e jovens de comunidades rurais do município de Carrancas (MG), contribuindo com uma educação para a sustentabilidade no campo.

Fundamentação Teórica

A crise ambiental é real e de uma magnitude que certamente transformará a sociedade industrial global moderna de modo sem precedentes. Nesse processo, o bem-estar e até mesmo a sobrevivência da população mundial em expansão estão diretamente ameaçados (Holmgren, 2010).

Machado (2009) evidencia vários fatores que afirmam a gravidade dessa crise, tais como o nível das águas oceânicas elevando-se em até 60 cm e ameaçando populações costeiras; um bilhão de famintos; a drástica redução da terra arável pelo avanço urbano e desertificação acelerada; e o aumento crescente da população humana.

A extração de combustíveis fósseis (petróleo) ao longo da era industrial é vista como a causa primária da espetacular explosão do crescimento populacional, da tecnologia e de cada nova característica da sociedade moderna (Holmgren, 2010).

Essa dinâmica social insustentável tem sido questionada por diferentes grupos e movimentos sociais organizados, sendo um dos aspectos a provocar respostas dos setores governamentais no sentido de realizar encontros nacionais e internacionais com o objetivo de diagnosticar as diferentes realidades e propor diretrizes comuns para o enfrentamento dessas questões.

Na Rio-92, Conferência das Nações Unidas para o meio ambiente e o desenvolvimento, marco nesse processo mundial, 173 chefes de estados e de governo aprovaram a Agenda 21, documento através do qual se pretende colocar o mundo na rota do “desenvolvimento sustentável”, assumindo um compromisso com as futuras gerações. O Fórum Global, na mesma ocasião, aprovou dois importantes e complementares documentos para uma “sociedade sustentável”: a Carta da Terra e o Tratado da Educação Ambiental para as Sociedades Sustentáveis e a Responsabilidade Global (Gadotti, 2008).

A Carta da Terra tem um grande potencial educativo ainda não suficientemente explorado, tanto na educação formal, quanto na educação não-formal. Por meio de sua proposta de diálogo intertranscultural, pode contribuir na superação do conflito civilizatório que vivemos hoje, servindo como base para a resolução de conflitos criados pelo modo insustentável de produzir e reproduzir a nossa existência no planeta, principalmente no cotidiano de muitas pessoas – particularmente jovens – que a adotaram em suas vidas (Gadotti, 2008).

O projeto da Carta da Terra inspira-se em uma variedade de fontes, incluindo a ecologia, as tradições religiosas, a literatura sobre ética global, o meio ambiente e

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o desenvolvimento, a experiência prática dos povos que vivem de maneira sustentada, além das declarações intergovernamentais e não-governamentais relevantes (Gadotti, 2008).

Segundo Gadotti (2008), o conceito de desenvolvimento sustentável, visto de forma crítica, tem um componente educativo formidável: a preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação.

Assim, a proclamação da implementação da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável para o período de 2005 a 2014, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, na sua quinquagésima sétima reunião (dezembro/2002), “enfatizando que educação é um elemento indispensável para que se atinja o desenvolvimento sustentável” (UNESCO, 2005), é importante compromisso firmado para que possamos exigir efetivas políticas públicas para a educação e para a construção de sociedades sustentáveis.

No Plano Internacional de Implementação da Década das Nações Unidas para a Educação para o Desenvolvimento Sustentável cita-se o que alguns pensadores assinalaram durante sua elaboração: “necessita-se uma educação transformadora: uma educação que contribua a tornar realidade as mudanças fundamentais exigidas pelos desafios da sustentabilidade (...)” (UNESCO, 2005).

Gadotti (2008) destaca os escritos de Alícia Bárcena no prefácio do livro de Francisco Gutiérrez Cruz Prado (1998), onde afirma que a formação de uma cidadania ambiental é um componente estratégico do processo de construção da democracia. Para ela, a cidadania ambiental é verdadeiramente planetária, pois no movimento ecológico o local e o global se interligam (Gadotti, 2008).

Segundo Paulo Freire, citado por Gadotti (2008), a ecologia ganha uma importância fundamental neste fim de século. Ela tem que estar presente em qualquer prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador (...).

Porém, ao pensarmos na juventude como sujeitos sociais dessa educação emancipatória encontramos, por outro lado, um contexto atual de políticas de educação escolar que acaba por criar condições onde os jovens rurais não identificam na agricultura uma escolha para realizarem seus projetos de vida. Assim, dentro das instituições escolares em municípios de características rurais, se faz necessária uma política educacional que não apenas resgate e valorize a identidade desses jovens no espaço escolar, na perspectiva da educação no campo, possibilitando a eles conhecer e refletir sobre um novo mundo rural, marcado por transformações socioambientais.

Para uma melhor compreensão da pesquisa em educação no campo, Fernandes (2006) cita que a compreensão dos diferentes modelos de desenvolvimento do campo brasileiro é um ponto de partida.

A mercadoria é a marca do território do agronegócio e que predomina em toda a paisagem. Por outro lado, no território camponês, a diversidade de elementos que compõe essa paisagem é caracterizada pela presença maior de pessoas que nesse espaço constroem suas existências e produzem alimentos. Dessa forma, a educação possui sentidos completamente diferentes para o agronegócio e para o campesinato (Fernandes, 2006).

Machado (2009) destaca a catástrofe ambiental, social, econômica e política que o paradigma do agronegócio – produção vegetal e animal – está produzindo, por meio das monoculturas vegetais e animais: soja, cana-de-açúcar, eucaliptos, pinus e confinamentos de bovinos, suínos e aves, produzindo alimentos contaminados e contaminando o ambiente.

Apesar da inevitável natureza singular das realidades futuras, o esgotamento dos combustíveis fósseis dentro de algumas gerações resultará num retorno gradual aos princípios de planejamento de sistemas observáveis na natureza e nas

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sociedades pré-industriais, e que se caracterizam por serem dependentes de recursos e energias renováveis (Holmgren, 2010).

Desde muito tempo, os seres humanos vêm buscando estabelecer estilos de agricultura menos agressivos ao meio ambiente, capazes de proteger os recursos naturais e que sejam duráveis no tempo, tentando fugir do estilo convencional de agricultura que passou a ser hegemônico a partir dos novos descobrimentos da química agrícola, da biologia e da mecânica, ocorridos já no início do século XX.

Em diversos países, passaram a surgir propostas de agriculturas alternativas, com diferentes denominações, cada uma delas seguindo determinadas filosofias, princípios, tecnologias, normas e regras, segundo as correntes a que estão aderidas. Não obstante, na maioria das vezes, tais alternativas não conseguiram dar as respostas para os problemas socioambientais que foram se acumulando como resultado do modelo convencional de desenvolvimento e de agricultura que passaram a predominar, particularmente, depois da II Grande Guerra (Caporal, 2004).

Neste ambiente de busca e construção de novos conhecimentos, nasceu a Agroecologia, como um novo enfoque científico, destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agriculturas convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas sustentáveis (Caporal, 2004).

Em meados dos anos 70, a palavra permacultura foi cunhada para descrever um sistema integrado de espécies animais e vegetais perenes ou que se perpetuem naturalmente e são úteis aos seres humanos, e que vem evoluindo pela aplicação progressiva de princípios à integração de todos os campos necessários para a sustentação da humanidade, permitindo a criação de paisagens conscientemente desenhadas que reproduzem padrões e relações encontradas na natureza e que, ao mesmo tempo, produzem alimentos, fibras e energia em abundância e suficientes para prover as necessidades locais (Holmgren, 2010).

Embora a permacultura seja uma estrutura conceitual para o desenvolvimento sustentável que tem suas raízes nas ciências ecológicas e no pensamento sistêmico, suas bases se estendem a diversas culturas e contextos mostrando seu potencial para contribuir para a evolução de uma cultura popular de sustentabilidade, através da adoção de diversas soluções práticas e empoderadoras (Holmgren, 2010).

Enquanto a produção sustentável (de alimentos e outros bens) continua como objetivo primordial das estratégias de permacultura, pode-se argumentar que a permacultura tem sido mais efetiva no pioneirismo do que vem sendo chamado de “consumo sustentável”. Ao invés de estratégias poucos eficazes para encorajar compras por parte dos consumidores verdes, a permacultura trata essas questões através da integração e comprometimento com os ciclos de produção e consumo em torno do ponto focal da pessoa motivada e atuante no âmbito de uma família e de uma comunidade. Assim, a visão de permacultura de uma agricultura permanente ou sustentável evoluiu para uma visão de uma cultura permanente sustentável (Holmgren, 2010).

A agroecologia e a permacultura constituem condutas capazes de, não só confrontar o agronegócio, mas de recompor o ambiente e produzir alimentos limpos para a humanidade, promovendo processos de conquista da autonomia, especialmente pelos pequenos produtores e comunidades rurais.

Para Holmgren (2010), o processo de prover as necessidades das pessoas dentro de limites ecológicos requer uma revolução cultural. Inevitavelmente, tal revolução é repleta de confusões, pistas falsas, riscos e ineficiências. Nesse contexto histórico, a idéia de se ter um conjunto simples de princípios orientadores que possuam aplicação ampla, mesmo universal, é atraente.

Tal revolução cultural exige uma educação fortalecida através de políticas públicas, que reconheçam a importância do campesinato. Nesse sentido, a

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educação superior tem um papel específico a desempenhar dentro da Educação para a Sustentabilidade.

As universidades devem funcionar como lugares de pesquisa e aprendizagem para o desenvolvimento sustentável e como iniciadores de pólos de atividades nas suas comunidades e também nacionalmente. A teoria educacional e as práticas inovadoras freqüentemente emergem dos programas de pesquisa e de investigação acadêmica. O desenvolvimento sustentável precisa tornar-se uma preocupação central para determinar áreas de pesquisa educacional e de desenvolvimento (UNESCO 2005).

Embora a educação do campo ainda seja incipiente, esta deve ser pensada e praticada na amplitude que a multidimensionalidade territorial exige. Desde a formação técnica e tecnológica para os processos produtivos, até a formação nos diversos níveis educacionais, do fundamental ao superior para a prática de cidadania (Fernandes, 2006).

Deste modo, para o desenvolvimento do território camponês é necessária uma política educacional que atenda sua diversidade e amplitude e entenda a população camponesa como protagonista propositiva de políticas e não como beneficiários ou usuários (Fernandes, 2006).

MetodologiaA metodologia para elaboração e desenvolvimento do projeto “Ação

Juventude Rural” foi definida a partir da concepção de uma educação emancipatória e dialógica (Freire, 1980; Brandão, 1995; Gadott, 2008).

Tal processo iniciou-se com a definição das linhas temáticas levantadas juntamente com os jovens rurais. Nesse debate, tendo por base a agroecologia e a permacultura, definimos priorizar temas como Organização social e associativismo; Ecologia, legislação ambiental e utilização dos recursos naturais; Produção agrícola e zootécnica; administração rural; Computação, informática e comunicação.

Esses temas apresentam um caráter abrangente, cobrindo diversas áreas de conhecimento, com o objetivo de desenvolvermos uma formação ampla junto aos jovens selecionados, possibilitando a atuação como agentes de desenvolvimento local em suas comunidades.

Seleção dos jovens rurais

A seleção de jovens rurais deu-se inicialmente por mobilizações em diversas entidades do município de Carrancas, tais como: prefeitura, escola, Associação de Produtores Rurais da Comunidade São Sebastião, EMATER (local e regional), Centro Regional de Assistência Social (CRAS), para apresentar o projeto e informar a abertura do processo de seleção.

Como local de referência de comunicação com os jovens rurais foi escolhida a Escola Estadual Sara Kubitschek (E.E.S.K.) para apresentar o projeto e realizar o processo de seleção dos mesmos. É nesta escola, no período da tarde, que estuda a maioria dos jovens rurais do município, devido à disponibilidade de transporte oferecido pela prefeitura local para deslocamento dos jovens de suas comunidades até a única escola que oferece formação no ensino fundamental e médio.

Realizada a apresentação do projeto aos jovens, foi aberto o processo de inscrição através do preenchimento e entrega de fichas, com caráter seletivo, totalizando o número de 51 (cinqüenta e um) inscritos.

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As questões respondidas pelos jovens que se escreveram no processo de seleção permitiram uma analise de qual é sua participação na propriedade e/ou comunidade, bem como o seu entendimento a respeito do projeto apresentado pela equipe.

Dentre os 51 jovens inscritos foram selecionados 33 (trinta e três) para participarem de uma entrevista, no qual buscamos beneficiar as diversas comunidades existentes no município.

Esta entrevista teve como objetivo identificar através dos jovens a existência de alguma forma de organização em suas comunidades rurais e quais os tipos de atividades que a mesmas desenvolvem, bem como as dificuldades encontradas pela juventude dentro do município

Destes trinta e três jovens selecionados para participar da entrevista, apenas vinte e um jovens de 10 comunidades do município foram convidados a participar da equipe de jovens rurais do projeto.

Figura 1. Entrevista realizada com jovem rural na E.E.S.K.

Como forma de integrar os jovens selecionados e a equipe do projeto foram realizados 3 (três) encontros de integração no município de Carrancas antes dos jovens participarem da 1º Vivência Universitária Comunicativa. Além disso, esses encontros permitiram a realização de pré-discussões de temas que seriam desenvolvidos na UFLA.

Vivência Universitária Comunicativa

Durante toda a execução do projeto, serão realizadas 3 (três) Vivências Universitárias Comunicativas, durante o período de férias dos jovens rurais e da UFLA.

A 1ª Vivência Universitária Comunicativa foi dividida em duas etapas. A 1ª etapa foi realizada entre os dias 23 e 28 de janeiro de 2010 na UFLA e teve uma carga horária de 34 horas. A 2ª etapa foi realizada no município de Carrancas entre os dias 02 e 06 de fevereiro de 2010 e teve uma carga horária de 38 horas, totalizando 72 horas de atividades.

Para a 1º etapa foi necessário criar uma programação que permitisse um primeiro contato dos jovens com a UFLA, onde os mesmos pudessem entender um

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pouco mais a estrutura da Universidade bem como a mesma pode atuar na sociedade.

A proposta de dividir esta 1ª Vivência em duas etapas foi com o objetivo de apresentar o projeto “Estudo e Implantação Participativa de Tecnologias Permaculturais e Agroecológicas na Agricultura Familiar Através da Extensão Universitária em Carrancas - MG” através de visitas nas UEP’s (Unidades Experimentais Participativas) para conhecer as tecnologias agroecológicas e/ou permaculturais desenvolvidas pela UFLA em parceria com as famílias.

As visitas técnicas ocorreram na UEP Camundá, localizada na comunidade da Estação, na UEP Pasto do Meio, comunidade da Capela do Porto do Saco, na UEP Canudo, na comunidade da Traituba e a UEP Barro Preto na comunidade de São Sebastião.

Em todas as visitas foram apresentadas as técnicas agroecológicas e/ou permaculturais desenvolvidas nas UEP’s e, através de mutirões foram feitas intervenções práticas, pelos jovens rurais, juntamente com a equipe do projeto apresentado (família e técnicos).

Resultados parciais alcançados

A 1º etapa da Vivência Universitária Comunicativa representou para a maioria dos jovens um primeiro contato com uma Instituição Federal de Ensino Superior e como forma de conhecerem um pouco da história da universidade foi realizada a Gincana da Sustentabilidade no Campus Histórico da UFLA.

Através de pistas os jovens eram questionados sobre assuntos ligados a sustentabilidade e levados a conhecer os diversos setores distribuídos pelo campus histórico.

Ainda, a programação da 1ª etapa teve como foco principal, apresentar alguns departamentos onde os jovens pudessem entender de que forma uma universidade pode atuar, através de seus departamentos, na sociedade.

Assim, foram apresentados aos jovens os departamentos de Educação, Biologia, Educação Física, Ciências Florestais, de Engenharia, Medicina Veterinária e Agricultura.

Um debate sobre “Nós no Planeta Terra” foi coordenado pela professora responsável em apresentar o Departamento de Educação (DED), onde imagens de satélite de diversos lugares do Planeta Terra foram apresentadas e serviram de inspiração para que cada jovem escrevesse uma frase expressando seus sentimentos ao ver as imagens. A união das frases deu origem a um texto coletivo denominado “Intervivência Ecológica”. Assim ele ficou:

“O mar, as matas, as flores e os pássaros. A Terra precisa de todas as espécies que conhecemos ou não conhecemos.

A água é muito preciosa. Nosso Planeta tem diversas paisagens! Não posso acreditar como destruímos o Planeta. O Planeta é nosso!E está em nossas mãos o dever de preservá-lo.

Por que fazemos isso? Não temos consciência com o nosso Planeta, pois ele nos dá tudo que a gente precisa para sobreviver.

É difícil acreditar que destruímos nossa própria casa. Sejamos humildes o suficiente para aceitar nossos erros e que o Planeta possa nos perdoar.

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Devemos preservar o nosso Planeta. Mostrar para as pessoas a imensidão do Planeta, a magnitude da vida que como música chegue ao mais profundo do ser.

Ajudar a salvar o Planeta dando o nosso exemplo.

Nosso Planeta é tão lindo com o ar, a água e paisagem!”

Este texto coletivo será base de inspiração para o desenvolvimento do grupo bem como de todo o projeto e deverá ser distribuído e relembrado nas próximas Vivências Universitárias Comunicativas.

A criação do texto coletivo foi seguida pela apresentação do documentário “A história das coisas”, que teve como objetivo, conscientizar os jovens sobre a trajetória de produtos que consumimos, desde o processo de extração da matéria prima até o destino final que é dado ao mesmo.

Como atividade prática, realizamos uma oficina de produção de carteiras de bolso ecológicas, feitas com embalagens TetraPAK.

Após a apresentação do Departamento de Engenharia foi apresentada uma palestra sobre o projeto “Recicla Óleo” desenvolvido pelo departamento. Este projeto tem por objetivo coletar as sobras de óleo utilizadas pra fritura em diversos estabelecimentos comerciais (lanchonetes e restaurantes) do município de Lavras e região para produção de biodiesel.

O biodiesel produzido é uma das alternativas para substituir os combustíveis derivados do petróleo, podendo ser usado em tratores, carros, caminhões, ônibus e outros veículos com motor diesel, evitando também o entupimento dos encanamentos bem como a contaminação dos cursos d’água.

A estrutura do Departamento Ciências Florestais bem como o curso de Engenharia Florestal também foram apresentados aos jovens, seguido da apresentação do projeto “Manejo Sustentável da Candeia”.

Este projeto tem como objetivo desenvolver metodologias de manejo sustentável da árvore conhecida popularmente como candeia (Eremanthus erytropapus) e que tem ocorrência na região, inclusive no município de Carrancas, sendo muito explorada para produção de mourão de cerca e extração do óleo denominado alfa-bisabolol, óleo este utilizado na produção de cosméticos.

Além de conhecer os departamentos e alguns projetos ambientais desenvolvidos por eles, durante a 1ª etapa da Vivência Universitária Comunicativa foram realizadas diversas outras atividades organizadas pela equipe, onde os jovens tiveram a oportunidade de conhecer e discutir sobre a questão ambiental, entre elas: palestras sobre a questão do lixo (destino e reciclagem de resíduos domésticos), áreas de Preservação permanente (APP) e reserva legal (RL) na agricultura familiar, introdução a Permacultura, usos de plantas medicinais e visita a ACAMAR (Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis).

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Figura 2. Ginástica cerebral durante curso de Introdução a Permacultura.

Durante a 2ª etapa da Intervivência Universitária no município de Carrancas, todas as aulas de campo foram realizadas com o objetivo de apresentar técnicas agroecológicas e permaculturais direcionadas para a agricultura familiar, acompanhadas de intervenções práticas, no formato de mutirão, por parte da equipe em conjunto com os jovens participantes do projeto.

A apresentação e explicação das tecnologias foram feitas pela equipe juntamente com as famílias beneficiadas pelo projeto, permitindo assim, a utilização de uma linguagem mais simples e acessível aos jovens rurais.

Na UEP Camundá, localizada na comunidade da Estação de Carrancas, foram apresentadas e explicadas, a tecnologia do Pastoreio Racional Voisin (PRV), produção e aplicação de biofertilizantes, sistema de tratamento e reaproveitamento de esgoto doméstico e o vídeo de implantação das tecnologias na UEP. A atividade prática ali realizada foi de aplicação do biofertilizante no pomar doméstico da propriedade.

Figura 3. Oficina de manejo e aplicação de biofertilizante.

Na UEP Pasto do Meio, localizada na comunidade da Capela do Porto do Saco, foi apresentada a técnica de implantação de Sistemas Agroflorestais em Áreas de Preservação Permanente (APP) no entorno da Represa de Camargos.

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Nesta atividade foi possível mostrar como é possível plantar alimentos em consórcio com árvores nativas e adubação verde conservando o entorno da represa.

A atividade prática realizada foi de plantio de mudas de capim vertiver em curva de nível, técnica esta que permite uma maior infiltração de água no solo e minimiza o efeito erosivo da mesma no terreno. Além disso, foram feitos plantios de mudas de abacaxi em consórcio com mudas de árvores nativas e sementes de adubação verde em áreas de nascente.

Figura 4. Uso do pé de galinha para plantio de mudas de Vertiver em curva de nível na UEP Pasto do Meio.

Na UEP Canudo, localizada na comunidade da Traituba, onde é realizada a produção agroecológica integrada sustentável, os jovens tiveram a oportunidade de conhecer o sistema de tratamento por decantação e reaproveitamento dos dejetos de suínos na horticultura, além do sistema de tratamento e reaproveitamento de esgoto doméstico denominado Bacia de Evapotranspiração.

A intervenção prática nesta UEP foi a construção de um canteiro para produção de hortaliças em forma de mandala. Este tipo de canteiro apresenta um formato diferenciado em relação aos canteiros convencionais. Para uma mesma área, o formato em círculo do canteiro apresenta menor perímetro (borda) em relação ao canteiro retangular. Essa formato de canteiro minimiza a perda de água para o ambiente, conseqüentemente uma menor demanda de uso de água para irrigação.

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Figura 5. Encerramento das atividades na UEP Canudo no entorno do canteiro em mandala construído.

Na UEP Barro Preto, localizada na comunidade São Sebastião, também foi apresentada a técnica de PRV utilizado como uma alternativa para a recuperação de pastagem degradada na propriedade.

A intervenção prática nesta UEP foi o plantio de mudas florestais, em consórcio com sementes de adubação verde, em determinados pontos dentro dos piquetes, o que permitirá futuramente um maior conforto térmico aos animais bem como uma maior conservação do solo e da água.

Figura 6. Preparação do grupo para o plantio e proteção de mudas dentro dos piquetes.

Dentre as técnicas agroecológicas apresentadas aos jovens rurais, deve-se destacar a importância do uso de Pastoreio Racional Voisin (PRV) e o plantio de adubação verde, onde segundo Machado (2009), à exceção das terras de mato (que devem ser protegidas), todos os solos do mundo estão intoxicados com o uso de agrotóxicos e fertilizantes de síntese químicas e é preciso desintoxicá-los, sempre com processos biológicos, como por exemplo, o PRV e o uso de adubação verde.

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Assim, os jovens rurais participantes do projeto “Ação Juventude Rural puderam participar de atividades que estimulem a apropriação do conhecimento gerado na universidade e podem beneficiar a sociedade através da extensão rural baseada nos princípios da agroecologia e permacultura, contribuindo para na criação de uma sociedade sustentável no campo.

Referências Bibliográficas

BRANDÃO, C. R. Em campo aberto: escritos sobre a educação e a culturapopular. São Paulo: Cortez, 1995.

CAPORAL, F. R. Agroecologia: alguns conceitos e princípios. 24 p. Brasília: MDA/SAF/DATER-IICA, 2004.

FERNANDES, B. M. Os campos da pesquisa em educação do campo: espaço e território como categorias essenciais. In: MOLINA, M. C. Educação do campo e pesquisa: questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006. p. 27 – 39.

FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 93p.

GADOTTI, M. Educar para a sustentabilidade: uma contribuição à década da educação para o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2008.

GUTIÉRREZ, F. & PRADO, C. Ecopedagogia e cidadania planetária. São Paulo: Cortez.

HOLMGREN, DAVID. Os Fundamentos da Permacultura. Disponível em: http://www.holmgren.com.au. Acesso em: 03 de maio de 2010.

MACHADO, LUIZ CARLOS PINHEIRO. A agroecologia e a crise civilizatória. Revista Sem Terra. São Paulo. Edição especial “Agroecologia”. p. 15-18. [2009?]

UNESCO. Década das Nações Unidas para um desenvolvimento sustentável, 2005-2014: documento final do esquema internacional de implantação. Brasília. 120 p.

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Resumo

A crise ambiental é real e de uma magnitude que certamente transformará a sociedade industrial global moderna de modo sem precedentes tanto no ambiente rural quanto no urbano. Nesse processo, o bem-estar e até mesmo a sobrevivência da população mundial em expansão, principalmente a juventude, estão diretamente ameaçados em realidades futuras de inevitável natureza singular. A agricultura, através do agronegócio, vem contribuindo muito para o agravamento da crise ambiental, social, econômica e política no campo, criando assim a necessidade de buscar novos estilos de agriculturas menos agressivos ao meio ambiente, capazes de proteger os recursos naturais e que sejam duráveis no tempo, tentando fugir do estilo convencional de agricultura que passou a ser hegemônico a partir dos novos descobrimentos da química agrícola, da biologia e da mecânica, ocorridos já no início do século XX. Neste ambiente de busca e construção de novos conhecimentos é que surgem a agroecologia e a permacultura como condutas capazes de contribuir nos processos de transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agriculturas convencionais para a evolução de uma cultura popular de sustentabilidade, onde as universidades apresentam um papel fundamental devendo funcionar como locais de pesquisa e aprendizagem bem como iniciadores de pólos de atividades em suas comunidades. Assim este artigo tem por objetivo mostrar como jovens rurais podem participar de atividades de apropriação do conhecimento em temas interdisciplinares gerados na universidade, tendo por base os princípios da Agreocologia e Permacultura, através da comunicação dialógica entre universidade e jovens de comunidades rurais do município de Carrancas (MG), contribuindo com uma educação para a sustentabilidade no campo.