Inventário da Diferenças
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PA UL VEYNE
O IN V E N T R IO D A S
D I F E R E N A S
Histria e Sociologia
E d i t o r a B r a s i l i e n s e
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Copyright ditions du Seuil, 1976.
Ttulo original: LInventaire des Diffrences
Traduo: Snia Saizstein
Capa: Alfredo Aquino
Reviso: Rosngela M. Dolis Jair N. Rattner
Editora Brasiliense S.A.
01223 - R. General J ardim, 160 So Paulo Brasil
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Aquelas ou aqueles que possuem melhores razes
que eu para ser em intrpidos - disseram- me - tremem
nas horas ou dias que precedem sua aula inaugural. E,
certamente, h tantas razes para algum tremer diante
de um ou outro de vocs, que no vou aborr ec- los,
infringindo- lhes a descrio detalhada das razes que me
possam ser particulares. Pedirei complacncia para uma
nica destas razes. Vocs me designaram, meus caros
colegas, para ocupar uma cadeira de Histria Romana.
Ora, estou plenamente persuadido de que a Histria
existe, ou pelo menos, a Histria sociolgica, aquela que
no se limita a narrar, nem mesmo a compreender, mas
que estrutura sua matria recorrendo conceituao das
Cincias Humanas, tambm chamadas Cincias Morais e
Polticas. Estou igualmente persuadido de que os
romanos realmente existiram; isto , que existiram de
maneira to extica e to cotidiana quanto, por exemplo,
os tibetanos ou os nhambiquaras, de modo que se torna
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impossvel continuar a consider- los como uma espcie
de povo- valor. Mas, ento, se a Histria ex iste, e
tambm os romanos, existir uma Histria romana? A
Histria consistir em contar histrias segundo a ordem
do tempo? A resposta, para falar rapidamente, ser
formalmente no, e materialmente sim. Sim, porque
existem acontecimentos histricos; no, porque no
existe explicao histrica. Como muitas outras cincias,
a Histria informa seus materiais recorrendo a uma outra
cincia, a Sociologia. De maneira anloga, existem, de
fato, fenmenos astronmicos, mas, se no me engano,
no existe explicao astronmica: a explicao dos
fatos astronmicos e fsica.
Quando vocs confiaram esta cadeira de Histria
Romana a um desconhecido que nasceu no seminrio de
Sociologia histrica, imagino, meus caros colegas, quevocs quiseram respeitar uma de suas tradies. Porque
o interesse pelas Cincias Humanas tradicional na
cadeira que ocupo. Por isso, este seu servo, vido por se
apresentar a vocs sob seu lado melhor, se apoiar no
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que se pode chamar o segundo momento da filosofia
aroniana da Histria. O primeiro momento desta filosofia
foi a crtica da noo de fato histrico; os fatos no
existem; isto , no existem em estado isolado, exceto
por abstrao; concretamente, existem apenas sob o
conceito que os informa. Ou, se preferirem, a Histria
existe apenas em relao s questes que ns lhe
formulamos. Materialmente, a Histria escrita com
fatos; formalmente, com uma problemtica e conceitos.
Mas, ento, que questes preciso f ormular- lhe? E
de onde vm os conceitos que a estruturam? Todohistoriador e implicitamente um filsofo, j que decide o
que reter como antropologicamente interessante. Ele
deve decidir se atribuir importncia aos selos postais
atravs da Histria, ou s classes sociais, s naes, aos
sexos e suas relaes polticas, materiais, e imaginrias(no sentido da imago dos psicanalistas). Como se v,
quando Franois Chatelet considerava um pouco estreito
o criticismo neokantiano e reclamava, em nome de
Hegel, uma concepo menos formalista e mais
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substancial da objetividade histrica, no podia prever
que seus anseios seriam to rapidamente satisfeitos.
E ia que os fatos so apenas a matria da Histria,
para inform- los um histor iador deve recorrer teoria
poltica e social. Aron escrevia em 1971 estas linhas que
se constituiro em meu prog rama: A ambio do
historiador, enquanto tal, continua sendo a narrao da
aventura vivida pelos homens. Mas essa narrao ex ige
todas as fontes das Cincias Sociais, inclusive as fontes
desejveis, mas no disponveis. Como narrar o devir de
um setor parcial, diplomacia ou ideologia, ou de umaentidade global, nao ou imprio, sem uma teoria do
setor ou entidade? O fato de ser diferente de um
economista ou socilogo, no implica que o historiador
seja menos capaz de discutir com eles em p de
igualdade. Eu me pergunto mesmo se, ao invs davocao emprica que lhe normalmente atribuda, ele
no deve flertar com a Filosofia: quem no busca sentido
existncia, no o encontrar na diversidade das
sociedades e. das crenas. Tal o segundo momento da
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f ilosofia da His tria; ele conduz, como s e v er, ao
problema central da prtica histrica: a determinao de
constantes, acima das modificaes; um fsico diria: a
determinao da frmula acima dos diferentes problemas
que ela permite resolver. uma questo atual: o
Clausewitz de Aron tem como verdadeiro tema colocar a
constante ao alcance dos historiadores.
Em duas ou em cem palavras, o historiador deve
decidir o que falar e saber do que fala. No se trata de
interdisciplinaridade, mas de muito mais. As Cincias
Morais e Polticas (vamos cham- las convencionalmenteSociologia, para sermos breves) no so o territrio do
vizinho, com o qual estabeleceramos pontos de contato,
ou de onde iramos saquear objetos teis. Elas nada
fornecem Histria, porque fazem, de fato, muito mais:
informam- na, constituem- na. Seno, ser ia preciso suporque os historiadores seriam os nicos com direito a falar
de certas coisas - paz, guerra, naes, administraes ou
costumes - sem saber o que so, e sem comear por
aprend- lo, estudando as cincias que delas tratam.
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Ainda que os historiadores quis essem ser
positivistas, no o conseguiriam; mesmo no querendo
sab- lo, possuem uma sociolog ia, j que no podem abrir
a boca sem pronunciar as palavras guerra e cidade, e
sem se fundar, falta de uma teoria digna desse nome,
na sabedoria das naes ou em falsos conceitos, como
feudalidade ou redistribuio. Assim, a erudio, a
seriedade do ofcio histrico, apenas metade da tarefa;
e, atualmente, a formao de um historiador dupla:
erudita e, alm disso, sociolgica. O que nos acarreta o
dobro de trabalho, porque a Cincia progride e o mundo
perde a inocncia, avidamente, todos os dias.
A s Cincias Humanas esto na moda, como se diz.
Em outros termos, nossa poca mais profundamente
cultivada que outras: no aprende mais muito latim, mas,
em compensao, compreende mais coisas de seuprprio mundo. Ora, incontestvel que ela se desvia
dos estudos clssicos. S vejo para isso duas
explicaes possveis: se o pblico cultivado quase no
se interessa mais pela Antigidade, que, ou a
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A ntig idade no interessante, ou ns, estudiosos do
tema, no soubemos fazer as pessoas se interessarem
por ela. Que escolher? No que se trate de mendigar os
sufrgios da opinio: a Histria feita para divertir os
historiadores, tudo. Apenas seria mais agradvel se
divertir em companhia mais numerosa. Aqui estou a fazer
proselitismo ... Assim, j que para se fazer de sargento
recr utados, faamo- lo com alguma chance de sucesso.
No falarei, ento, de humanismo, no defenderei a
cultura. Uma cultura est bem morta quando a defendem
em vez de invent- la.
Senhoras , senhores , trata- se de conceituar, por
simples curiosidade de ordem etnogrfica ou sociolgica,
a Histria de um velho imprio, cujos principais
escombros levam o nome de Digesto(* ), ou este Dante em
duas pessoas que foram Lucrcio e Virglio. H umapoesia do distanciamento. Nada mais longe de ns que
essa antiga civilizao; extica, digo, est extinta, e os
* Digesto - reunio, em um corpo de doutrinas, das decises dosjur isconsultos romanos ; publicado em 533, sob o impr io de Justiniano. (N.do T.)
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objetos trazidos por nossas escavaes so to
surpreendentes quanto os aerlitos. O pouco que nos
passou da herana de Roma existe em ns em quo
diludas doses, e ao preo de que reinterpretaes! Entre
os romanos e ns, um abismo foi cavado pelo
cristianismo, pela Filosofia alem, pelas revolues
tecnolgica, cientfica e econmica, por tudo o que
compe nossa civilizao. E por isso que a Histria
romana interessante: faz- nos sair de ns mesmos e
obrig a- nos a ex plicitar as diferenas que nos separam
dela. Uma civilizao menos distante no teria essa
virtude; teramos com ela uma linguagem comum, de
modo que a maior parte do que o historiador viesse a
dizer poderia passar por bvia; seria ento possvel
histor iografia demorar- se mais tempo na penumbra em
que flutua o que apenas vagamente concebido.
Uma segunda razo, que ir parecer estranha, que
a Histria romana incita, mais vivamente que as outras,
ex plicitao do no- pensado, conceituao: ela
pobremente documentada; mais pobremente, em todo
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caso, que uma boa parte da Histria medieval. Ora, a
pobreza suscita o engenho, que engendra, por sua vez,
uma nova riqueza. T oda historiografia depende, por um
lado, da problemtica que ela se formula, e, por outro,
dos documentos de que dispe. E, se uma historiografia
encontra- se bloqueada, isto se deve s v ezes falta de
documentos, s vezes a uma problemtica esclerosada.
Ora, a experincia prova que a esclerose da problemtica
sobrevm sempre muito mais cedo que o esgotamento
dos documentos: mesmo quando a documentao
pobre, h sempre problemas que no pensamos formular.
Com mais razo quando rica: as fontes sendo
abundantes, possvel praticar durante longo tempo uma
explorao extensiva, sem modificar a problemtica;
contentamo- nos em explorar novos setores do terreno;
quando a Histria poltica aprox ima- se de rendimentos
marginalmente nulos porque sua tecnologia caduca,
passamos a fazer Histria no- fatual(* ), sem alter ar a
tecnologia, e substitumos as datas de tratados e
*No orig inal: non- vnementielle. (N. do T .)
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batalhas por curvas de longa durao. Eis a vantagem
que existe em habitar as plancies mais ricas da regio
da Histria. Da a admirao exaltada que merecem dois
inventores, Philippe Aris e Michel Foucault, que, como
verdadeiros empreendedores, segundo Schumpeter,
renovaram sem terem sido limitados pela escassez.
Quando o esgotamento aparente dos documentos
fora a uma modificao da problemtica, descobre- se
ento que novas questes tornam- se ex plorveis; ocorr e
mesmo que questes tradicionais aprox imem- se de s ua
soluo graas nova tecnologia. Aqui est um exemploque faz compreender o que significam conceituao,
teoria e constante. T rata- se do imperialismo romano. Ele
no apresenta qualquer problema, enquanto o prprio
histor iador no o colocar e se limitar a relatar a
conquista romana. Mas, se nos dispomos a questionarpor que os romanos bruscamente conquistaram, ou
melhor, f inlandizaram o mundo, deparamo- nos com um
enigma: por que esta sbita interveno no sistema
internacional dos Estados gregos, do qual durante longo
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tempo Roma fora mantida afastada, da mesma forma que
os Estados Unidos viveram isolados do palco
internacional at 1917? Resulta, de imediato, que a
discusso bloqueada porque, inconscientemente, ou
melhor, implicitamente, vrios historiadores imaginam os
princpios da poltica romana segundo os princpios do
equilbrio europeu, como se isso fosse evidente e no
houvesse outros princpios possveis de poltica externa;
esses historiadores, que acreditavam no possuir teoria
e se restringir ao contato dos fatos, possuam uma sem o
saber, e ela era falsa. No que as polticas de equilbrio,
como as de Vergennes e Bismarck, tivessem sido
desconhecidas da Antigidade: os Estados gregos
praticavam- na entre si; es tabelecia- se que ex istia uma
pluralidade de Estados, que eram iguais em direitos,
tinham direito sobrevivncia, defendiam seus
inter ess es e compartilhavam uma semi- seg urana, dia a
dia. Mas essas mximas no so, justamente, as da
poltica r omana, e por is so que a br utalidade e o
orgulho da interveno romana no mundo dos Estados
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helensticos surpreenderam e escandalizaram os gregos;
foi um trgico mal- entendido, cada povo atr ibuindo ao
outro suas prprias mximas. Ora, as mximas de Roma
so arcaicas; Roma encarna uma forma arcaica no de
imperialismo, mas de isolacionismo. Nega a pluralidade
das naes, comporta- se, dizia Mommsen, como se fosse
o nico Estado no sentido pleno do termo; no busca uma
semi- segurana no dia- a- dia, em equilbrio com outras
cidades, mas quer viver tranqila, decisivamente, uma
segurana inteira e definitiva. Qual seria o desfecho ideal
de ambio semelhante? Este: conquistar todo o
horizonte humano, at seus limites, at o mar ou os
brbaros, para ser nica no mundo. Nesses tempos
antigos, em que o planeta no era inteiramente
cadastrado, podia- se, com efeito, sonhar em liquidar
definitivamente o problema da segurana e da poltica
externa, como sonhamos em acabar definitivamente corri
o problema da fome ou do cncer. Suponho que o
imperialismo chins partia desse mesmo sonho de ocupar
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todo o horizonte humano; se estou enganado, certamente
vocs o diro.
Isto nos mostra duas coisas. Primeiro, que o
reconhecimento da existncia de outras naes enquanto
sujeitos de direito internacional no evidente; em
relao a isso, os romanos agiam com o mundo inteiro,
da mesma forma que, no sculo passado, os europeus
com os povos no- cristos: es tes eram feitos para
serem ignorados ou submissos. Praticamente, a
existncia de uma pluralidade de Estados que se
reconhecem como iguais supe seja uma prvia unidadecultural (as cidades gregas eram,fragmentos da etnia
helnica), seja uma unidade religiosa (o equilbrio
europeu fazia- se dos restos da cr istandade). Seg undo,
que a oposio das duas concepes de segurana se
reduz unidade de um modelo, de uma constante;partilhar com outrem, no dia- a- dia, uma semi-
segurana, ou garantir- se uma segurana absoluta e
definitiva, lanando o outro numa insegurana total: isto
quer dizer que a segurana internacional um jogo de
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soma algbrica nula; uns ganham o que os outros
perdem, sendo impossvel que dois Estados vizinhos
estejam, um e outro, em completa segurana. Tal o
modelo constante, onde vimos duas modificaes
histricas: a poltica de equilbrio e os isolacionismos
arcaicos romana ou chinesa.
A ssim, a conceituao de uma constante per mite
ex plicar os acontecimentos; jogando- se com as variveis
pode- se recr iar, a partir da constante, a divers idade das
modificaes histricas; ex plicita- se, dess e modo, o
no- pensado e lana- se luz no que era apenasvagamente concebido ou mal era pressentido.
Finalmente, e sobretudo, por mais paradoxal que parea
a afirmao, s a constante individualiza, mesmo
levando- se em conta seu carter abstrato e geral; o
imperialismo romano j no e o imperialismo vago dasdiscusses em cafs; no possui mais nada em comum
com Pricles, Alexandre, Hitler; no e tampouco o
imperialismo e isolacionismo americanos. Possui uma
fisionomia bem prpria. Como diz uma frase clebre,
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quanto mais idias temos, mais achamos que as pessoas
so originais. O individual no o inesgotvel, o inefvel,
mas a prpria vida, segundo Michelet: o que no vago.
A constante est no centro mesmo da prtica
histrica, j que a Histria explica, e o faz
cientificamente, sociologicamente; ora, o que uma
cincia, seno a determinao de constantes que
permitem reconhecer a diversidade dos fenmenos? Ser
preciso acrescentar que o imperialismo romano no se
reduz a esse belo esquema? A segunda guerra da
Macednia ou a conquista da Glia se explicam de outraforma e supem uma teoria geral dos imperialismos. No
estou me esquecendo dessas nuanas, ou melhor, desses
detalhamentos, mas disponho de apenas uma hora.
No estamos dissimulando: no estado atual do
trabalho histrico (ou antes, da conscincia que os
historiadores adquirem de seu prprio trabalho), a idia
de constante, ou o termo, confundir um pouco. Uns
diro que no vem no que contribui e qual seria sua
utilidade, no se dando conta de que eles prprios
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produzem constantes (porque, afinal, os historiadores
atuais no menosprezam as idias, as teorias sobre o
homem e a Histria). Outros sentiro temores
pudibundos: no seria a constante a prpria negao da
evoluo histrica e uma ideologia conservadora, que
afirma que a natureza humana imutvel? No
ex press aria um desdm por este olho da Histria - a
cronologia? Uma negao do acaso e do papel dos
indivduos? Pior ainda, supor- se- que tudo isso
Histria comparada, essa besta negra que tambm um
animal bastante mtico (para dizer a verdade pouco
importa a Histria comparada; mas, enfim, j que a
questo est posta, aproveitamos para lembrar que o
verbo comparar permite, sintaticamente, duas
construes de sentidos opostos: um poeta compara a
paixo amorosa chama, para dizer que so muito
comparveis; um historiador compara o imperialismo
romano e o de Atenas para constatar que no se
parecem, tal como uma vendedora de l, confrontando
dois novelos que supe no serem da mesma cor).
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H talvez um meio de desarmar essas afetaes de
pudor e essa indiferena aborrecida. lembrar que
existe uma teoria muito popular entre os historiadores,
pouco suspeita de carecer de senso histrico ou de ser
conservadora, e que faz muito sucesso porque permite,
ou apenas o pretende, fazer da Histria enfim uma
cincia; ela fornece aos profissionais, de fato,
instrumentos de explicao, ou, em outras palavras,
constantes. Essa teoria o marxismo. Luta de classes,
foras e relaes de produo, infra- estruturas,
ideologias, interesse de classe, Estado como instrumento
da classe dominante (tal sua invarivel funo, acima
de suas variaes histricas; e tal tambm o sentido do
conceito de Estado, definitivamente estabelecido) : eis as
constantes . O marx ismo uma teor ia e tem grandes
projetos: possibilita explicar as transformaes da
sociedade e da natureza humana; reconhece, por trs
das metamorfoses, uma chave invarivel, que a
dialtica das foras e das relaes de produo (se no
fosse invarivel, no seria uma chave, por definio). Sob
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o pitoresco da Histria, sob o reflexo cambiante e vivo
das culturas e dos indivduos, ele discerne os grandes
motores, que no cessam de engendrar a variedade do
caleidoscpio histrico, ex plicando- o. Ele encontrou, ou
cr ter encontrado, um ponto de apoio no movedio da
Histria.
A ex ig ncia de constantes simplesmente a
exigncia de uma teoria que fornea Histria seus
conceitos e seus instrumentos de explicao. O
marxismo pensa ser essa teoria; pouco importa aqui que
sua pretenso no seja muito fundada; seu sucesso juntoaos historiadores no deix a de ser um feliz sintoma, a
indicar que a narrao, a compreenso, o
impressionismo, o gosto de fazer as coisas parecerem
vivas , no bastam para satisfaz- los: h tambm neles
uma necessidade de inteligibilidade cientfica. Nosonham por isso em negar a importncia da cronologia,
do acaso ou dos grandes homens! Posso ver a
exasperao de historiadores marxistas amigos meus, se
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algum ousasse reapresentar- lhes essas objees
surradas que nada tm a ver com a questo.
O marxismo, tomado rigorosamente, possui um valor
limitado; ele, entretanto, que nos fornece o exemplo de
constante mais adequado a dissipar mal- entendidos: A
histria de toda sociedade at hoje, diz a primeira frase
do Manifesto comunista, uma histria de luta de
classes, homens livres e escravos, patrcios e plebeus,
bares e servos, mestres e artesos; em suma, de
opressores e oprimidos. Acima das modificaes
histricas, acima tambm das ignorncias tericas e dasiluses ideolgicas, o motor da Histria
invariavelmente a luta de classes. Pelo menos at hoje.
No se trata de dizer que sempre haver classes,
sempre, sempre, mas que, acima das aparncias e das
iluses, a ver dade dos milnios de pr- histria em queainda estamos ter sido a luta de classes. Constante
no quer dizer que a Histria feita de objetos
invariveis, que jamais mudaro, mas somente se pode
captar nela um ponto de vista invarivel como a verdade,
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um ponto de vista cientfico, escapando s ignorncias e
s iluses de cada poca e sendo trans- histrico. Para
resumir: determinar as constantes determinar as
verdadeiras realidades e os verdadeiros mecanismos da
evoluo histrica; explicar essa evoluo
cientificamente, ao invs de res tringir- se a narr- la
superficial e ilusoriamente. Constante quer dizer,
portanto, Histria escrita luz das cincias do homem,
porque uma Histria semelhante utilizar, evidentemente,
tais cincias, quando existirem, ou contribuir para faz-
las existirem. A constante explica suas prprias
modificaes histricas a partir de sua complexidade
interna; a partir desta mesma complexidade, explica
tambm sua prpria eventual desapario: a dialtica das
relaes e das lutas de classes comporta a explicao de
sua desapario e o advento de uma sociedade sem
classes.
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Mesmo quando no o sabem, os historiadores
produzam constantes como fazem prosa. (* ) Pois
pretendem, enfim, dizer qual foi a realidade de outras
pocas e no se interessam em compartilhar
sucessivamente as ignorncias e iluses que essas
diversas sociedades elaboraram sobre si prprias. Um
historiador no faz falarem os romanos, os tibetanos ou
os nhambiquaras : ele fala em seu lugar , fala- nos deles, e
conta- nos quais foram as realidades e as ideologias
desses povos; fala sua prpria lngua, no a deles; sob as
aparncias e mistificaes, v a realidade. Quando nos
falar do sculo XX, pretender estar dizendo a verdade
sobre ele e no compartilhar seus engodos; no fala a
linguagem errnea de seus heris, fala- nos deles atravs
de uma metalinguagem, a da verdade cientfica. Os
romanos falam da grandeza de Roma, dos costumes dos
ancestrais, da sabedoria do Senado; o historiador traduz
* Comme ils font de la prose - ref erncia a uma cena do Burg usFidalgo, de Molire, em que M. Jordain descobre que fazia prosanaturalmente, sem o saber. A expresso faire de la prose sans le savoir, queda se origina, significa fazer ou obter alguma coisa de forma quaseinconsciente. (N. do T.)
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isto na metalinguagem trans- histrica das Cincias
Polticas; interpreta o texto e reconhece a as
constantes: imperialismo ou isolacionismo, cobertura
ideolgica, dominao de classe. No compartilha a
linguagem errnea dos romanos: ex plica- nos os romanos
falando a lngua da verdade cientfica, fazendo afluir os
mecanismos e as realidades da Histria romana e
tornando- a assim inteligvel.
Esse apetite de inteligibilidade apenas comea a
nascer; ele, entretanto, que carrega o futuro de nossa
cincia. Vivemos numa poca de transio; muitosespritos ainda se satisfazem em reconstruir o
passado, em narr- lo de maneira v iva. Conceituar no
ainda um reflexo automtico, de se entregar a esta fadiga
do intelecto, comparvel ao esforo da viso; no e ainda
um reflexo deontologicamente obrigatrio, para que sediga diante do que se estuda (seja o Congresso de Viena,
a educao no Grande Sculo(* ) ou as atitudes diante da
morte): E ento, agora, procuremos fazer um pequeno
* Gra nde S culo- o sculo XV II francs. (N. do T .)
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recuo; procuremos fazer Sociologia, a teoria de tudo
isso. Porque tudo isso deve se estruturar em cinco ou
seis conceitos, algumas variveis, um conjunto de
algumas leis, tendncias ou contradies, e, enquanto eu
no tiver desvendado essas articulaes, no saberei
verdadeiramente o que meu acontecimento. Outros
poro, em seguida, esses conceitos prova em
diferentes perodos da Histria; jogaro com essas
variveis para tentar reengendrar outros acontecimentos
e experimentaro se essas leis ou tendncias podem
formar um discurso coerente: isto uma cincia.
Pondo- se de lado os historiadores marx istas, por
que assim to pouco difundida a idia de que a essncia
da Histria explicar os aconteci mentos recorrendo s
cincias do homem? Por vrias razes. Uma delas a
crena de que a Cincia, com suas idias gerais, matariaa Histria, conhecimento da individualidade: a seqncia
do presente discurso se dedicar a mostrar que esse
receio descabido. Uma outra razo que as cincias do
homem, que ns chamamos Sociologia, apenas nascem,
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embora j tenham dois milnios e meio; mas isso no
importa: os historiadores no podero fazer Histria sem
faz- las av anarem. Uma outra razo e que tais cincias
no so ainda bastante conhecidas; a politicologia
bem menos cultivada na Frana que nos Estados Unidos
ou na Alemanha, onde o professor Christian Meier
escreve alternadamente livros de Histria romana de
inspirao politicolgica, e livros de politicologia
ilustrados com exemplos extrados da Histria romana,
sem mencionar suas contribuies ao grande dicionrio
dos conceitos fundamentais da Histria, o Historisches
Lexikon der Geschichtlichen Grundbegriffe. E, depois, h
o marxismo, que no faz apenas bem; persuadiu a
maioria dos historiadores, inclusive os de Economia, que
a Economia poltica era o marx ismo (o qual no uma
teoria econmica, mas somente um fragmento de Histria
econmica) e que, quando penetrassem em seu interior,
estariam armados para fazer Histria econmica; sob o
risco de ser desacreditado, pode- se af irmar que alguns
deles mal sabem da existncia de uma teoria econmica
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verdadeira; em todo caso, no fazem ques to de sab- lo.
Finalmente, h o caso da Sociologia: tomei aqui esta
palavra num sentido bem convencional, em homenagem a
Max Weber;. ela designa todas as Cincias Humanas
onde a Histria e como que a aplicao. Mas, no emprego
corrente atual, Sociologia quer dizer outra coisa, ou
antes, no quer dizer absolutamente nada, j que mistura
trs coisas diferentes: uma Histria no- fatual do mundo
contemporneo, um certo nmero de tcnicas de
pesquisa (Lazarsfeld, Raymond Boudon) e, finalmente, a
Filosofia poltica e a Antropologia do pobre; quando
fazemos Filosofia poltica, e nos dizemos no- filsofos
da poltica, mas socilogos, logramos, com efeito, duas
vantagens: podemos agir como se ignorssemos tudo o
que foi escrito h dois milnios sobre o homem e a
sociedade de ostentar, alm disso, o prestgio atribudo
aos pesquisadores positivos, que no so
filosofastros. (*) Tudo isso e pouco atraente, e
compreende- se que mais de um historiador
*No original: philosophicai lleurs. (N. do T.)
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automaticamente recue diante do que se chama (eu no
chamo) Sociologia.
Apenas... apenas que todas es sas razes no se
constituem na principal. Uma razo bem mais simples faz
muito freqentemente com que se desconhea que a
Histria a aplicao das Cincias Morais e Polticas:
trata- se da conveno, da tradio, do discurso, no
sentido de Foucault, com tudo o que uma conveno
comporta de arbitrrio e de incoerente. No imaginemos,
com efeito, que haja uma lgica majestosa em tudo isso,
que o que est em questo seja o conflito entre duasgrandes opes, uma escolha dilacerante, um dilogo
eterno: o detalhe das fronteiras bem mais desprezvel
e arbitrrio. A demografia ser admitida, mas no a
teoria da organizao; a econometria, ou, no mnimo, as
sries quantitativas, mas no a anlise econmica; aindase e historiador quando se cita Karl Polanyi; em
compensao, Jellinek no recebeu o direito de
cidadania: se o mencionamos, tornamo- nos suspeitos de
sermos apenas raciocinadores, ou, pior ainda, juristas.
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Temos o direito de falar em potlatch ou redistribuio,
mas tornamo- nos suspeitos quando f alamos em clculo
marginal; podemos falar smbolo, mas no ndice ou
cone. Tal helenista cr estar dentro dos limites de sua
prtica quando fala do equilbrio das potncias na Grcia
(com a inconvenincia de no saber muito exatamente o
sentido desta palavra); mas, se falarmos diante dele em
isolacionismo, nos olhar de revs e desconfiar, que
fazemos Histria comparada, o que e uma grande injria:
isto porque a palavra isolacionismo no historicamente
usual. Se somos demgrafos, somos aceitos e
aconselhados a aprender demografia antes de comear a
examinar os documentos; mas, se fazemos Histria
poltica, somos mal vistos por comear aprendendo
teoria poltica. assim porque assim. Pouco importa:
atravs dessas incoerncias, a Histria no deixa de se
tornar, gradativamente, uma aplicao das cincias do
homem; ela utiliza tais cincias, e talvez mais
fr eqentemente ainda, faa- as progr edir.
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No digo que as cincias histricas desaparecero
em proveito da teoria, mas que se utilizam da teoria, sem
perder sua identidade.
Esse movimento, que impulsiona as cincias de
inventrio, seja a Histria, a Histria Literria ou
A rtstica ou a Geog raf ia, em direo ex plicao terica,
e geral; a teoria da literatura est em gestao. Os
leitores de Paul Claval sabem que uma teoria do espao
geogrfico se desenvolveu a partir dos trabalhos de
Christaller sobre os lugares centrais; aqui se conjugam a
teoria da informao e a economia espacial, criada porThnen h quase um sculo e meio. Entretanto, apesar
dessa referncia economia matemtica, as Cincias
Humanas conservam, na maior parte dos casos, uma
originalidade em relao s Cincias Fsicas: no
estabelecem frmulas, modelos formais; tm, comoconstantes, tipos, arquiteturas de conceitos; o exemplo
cannico disto seria a definio ternria da guerra em
Clausewitz. Chamemos essas constantes de estruturas,
se no pudermos viver sem essa palavra.
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Desde que a prtica histrica acabou com as belas
colheitas de ex plorao ex tensiv a, choca- se com seu
verdadeiro e eterno problema: como falar do que quer
que seja, em Histria, sem se referir a uma constante
trans- histrica? Eu poderia tomar T ucdides como
exemplo, mas suspeitariam que no estou a par da
Histria pioneira; tomarei, ento, um exemplo menos
antigo. Uma histria da loucura; como escrev - la? T odos
aprendemos que no existia loucura em estado
selvagem, acima de modificaes histricas
descontnuas, e que era, portanto, impossvel falar em
a loucura atravs dos sculos, exceto se
estabelecessemos uma continuidade enganosa entre
doenas sem relao entre si. Que diriam do ingnuo que
escrevesse uma histria de a caridade atravs das
diversas civilizaes, desde Sumrio e dos faras?
Per mitam- me um parntese: aqui se unem, ou se
confundem, duas idias levemente diferentes; sua
conjuno tem o nome de estruturalismo. As duas so
interessantes e parecem verdadeiras; o melhor separ-
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las. De um lado, toda realidade social objetivamente
limitada; de outro, toda realidade social confusa em
nossa representao, cabendo a ns conceitu- la e
discerni- la claramente.
De um lado, nenhuma loucura a prpria loucura,
nenhuma cincia a Cincia, nenhuma pintura toda a
pintura, nenhuma guerra a guerra absoluta. H frices
por toda parte, no sentido de Clausewitz e de Walras, ou
rarefaes do discurso, no sentido de Foucault; os
agentes histricos sofrem limitaes, e, nesse sentido, e
a sua poca que se ex prime atravs deles; seg ue- se,como conseqncia, que a expresso jamais se ajusta
perfeitamente ao expressado: h distoro.
T ranqilizem- se: tomo to pouco Foucault por
estruturalista, que meus exemplos sero tirados de
Wlfflin, impossvel de ser v inculado ao estruturalismo,
ainda no nascido sua poca. De um lado, no plano do
conceito, Wlfflin elabora suas constantes fundamentais
da Histria da Arte; so cinco pares de conceitos: linear
e pictrico, forma fechada e forma aberta, etc. De outro,
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no plano do real, Wlfflin mostra que a evoluo da viso
pictrica autnoma, ou, se preferirem, que e um
subsistema dotado de temporalidade prpria, de sua
inrcia, que no e a dos artistas, de modo que estes
submetem- se s convenes, ao discurs o pictrico de
sua poca. Todo quadro possui dois autores, o artista e
seu sculo. No concluamos academicamente que todo
artista se exprime atravs das convenes de seu tempo,
cujo feliz cerceamento um desafio ao qual ele
responde e que lhe permite levar mais alto sua
expresso: o que Wlfflin mostra, ao contrrio, que o
artista recebe pura e simplesmente essas convenes,
que restringem ou distorcem sua expresso, sem que ele
o saiba, de forma que o significante no se ajusta mais
plenamente ao significado; aqui, como em toda parte, a
teoria dualista do reflexo se desmorona.
Em sua poca, Wlfflin surpreendeu; surpreendeu
Panofsky; este, todavia, no chegou a bradar que Wlfflin
queria assassinar o artista, suprimir o homem e o
humano. Deixemos de lado esses temores inteis.
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Wlf flin ou Foucault simplesmente lembrar am que o
homem no inteiramente ativo, que tambm
condicionado. Ser que se pode denunciar o assassino,
quando a teologia catlica ensina que as aes de um
justo que recebe a graa cooperante possuem dois
autores, Deus e ele prprio? Que, quando um justo
experimenta a graa operante, Deus que age atravs
dele? Mas foi visto igualmente que o plano da constante
conceitual e o plano do real permaneciam distintos em
Wlf flin: de um lado, os dez conceitos fundamentais da
Histria da Arte possibilitavam conceituar a obra atravs
do tempo; de outro, constatava- se que a visualidade
tinha sua evoluo autnoma e temporalidade prpria.
Evoluo autnoma,, dizamos: Senhoras e senhores,
o curso da Histria inteiro feito de subsistemas, cujas
articulaes so contingentes; a autonomia dasconvenes artsticas em relao s intenes dos
artistas, e das ideologias em relao s infra- estruturas ,
a das condutas em relao aos valores e a das palavras
em relao s coisas so seus casos particulares;
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somente o academicismo edificante ou o monoidesmo
marxista poderiam se chocar com isso. Deixemos a
autonomia e retornemos aos dez conceitos fundamentais
de Wlfflin. Quando estamos no Louvre, diante de um
quadro, eles nos permitem ter mais idias sobre esse
quadro, sermos mais conscientes de sua originalidade, e,
literalmente, v- lo melhor. Como diz meu amigo Jean
Pariente em seu belo livro Le Langage et LIndividuel,
estamos errados quando opomos a apreenso das
individualidades, em toda sua riqueza, conceituao,
que seria uma tagarelice bastante geral; ao contrrio,
cada conceito que conquistamos refina e enriquece nossa
percepo do mundo; sem conceitos, nada se v; sem
conceitos, faz- se Histria narrativa, que no
absolutamente a mesma coisa que Histria fatual: porque
se pode muito bem conceituar os acontecimentos. Um
fsico explica e individualiza ao mesmo tempo um
fenmeno concreto, aplicando- lhe a frmula certa,
substituindo as letras da lgebra pelas cifras, que so
circunstanciais; da mesma forma, a explicao histrica e
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sociolgica (trata- se da mesma) consiste em relacionar
um acontecimento a um modelo trans- histrico, que se
individualiza jogando- se com as v ariveis. Par iente nos
d dois exemplos disso: Montesquieu e Georges Dumzil.
Em Montesquieu, o clima e as outras variveis
sociolgicas individualizam os tipos de regimes polticos:
as Repblicas do Norte no se parecem com as do Sul;
em Dumzil, a palavra Roma, a despeito das
aparncias, no um nome prprio: uma operadora de
individualizao. Suponhamos que nos encontrssemos
diante de um esquema mtico, detectado pelo
comparatista em cem povos diversos, sob formas cem
vezes modificadas; o operador de individualizao no se
destina a nos designar a modificao romana, mas a nos
permitir engendra- Ia a partir do esquema; o nome Roma
quer dizer: Rebatam o esquema, no sobre o plano da
fbula, como na Grcia, ou da religio, como na ndia,
mas sobre o do pensamento histrico poltico, que o de
Roma: assim vocs encontraro a modificao original
que os romanos tiveram em nosso esquema.
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Em outras palavras, diante de qualquer fato
histrico, seja espordico ou de longa durao, podemos
escolher entre duas atitudes bem diferentes; uma,
narrativa e um pouco passiva, e a do senso comum, so
os acontecimentos tal como so lidos nos jornais, e
mesmo, no fundo, em Michelet; a outra atitude, cientfica,
, ao mesmo tempo, explicativa e individualizante.
Iremos analisar uma e outra, e veremos que a segunda, a
das Cincias Humanas, longe de ser temvel como uma
chuva de granizo que se abate sobre as colheitas do
humano, e, ao contrrio, a nica a assegurar e realizar o
que ns, historiadores, mais prezamos. Ora, ns
prezamos duas coisas: que a Histria no se confunda
com a Sociologia e que se continue a contar o passado,
todo o pass ado.; que se prossig a fazendo- lhe o
inventrio completo; e que o sabor original de cada fato
seja resguardado. Nosso mito favorito, o do perodo, o
do perodo com sua originalidade inefvel, traduz, a seu
modo, nossa dupla reivindicao: a de um inventrio de
todos os acontecimentos e a de uma individualizao de
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cada acontecimento; nenhum acontecimento se repete e
nem redutvel a uma abstrao. A individualizao
uma tarefa que temos em comum com as Cincias
Humanas, j que individualizar quer dizer explicitar e
explicar; em compensao, a reivindicao do inventrio
completo particular a ns; no deixa de ser, por isso,
perfeitamente legtima. ela que faz com que a Histria
no seja a mesma coisa que a Sociologia, ou, se
preferirem, que a Histria permanea um relato. Da
mesma maneira, os astrnomos e os fsicos tm em
comum ex plicar cada fenmeno aplicando- lhe a frmula
geral, mas tm tambm uma reivindicao prpria sua
categoria profissional; querem que as estrelas sejam
estudadas em si mesmas; chegam at, eu creio, a
preparar- lhes catlogos, e seu gosto pelo inventrio
completo no toleraria que se perdesse a menor galxia.
Explicar, mas tambm recensear. Mesma exigncia entre
os historiadores; bastar que uma civilizao tenha
existido para que deva figurar no inventrio, mesmo
quando dela se tenha encontrado apenas dois ou trs
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textos indecifrveis e o nome de uni de seus reis. Na
obra de um grande erudito, Louis Robert, a quem quero
muito manifestar minha admirao, pude notar este
sentimento, de que a Histria era toda a memria do
mundo.
Nosso mito do perodo histrico
sobredeterminado; no possui, com efeito, menos que
trs razes. A primeira a defesa corporativa, a
salvaguarda do terreno de caa (ou de dominao, na
maioria das vezes), ou, ainda, do jardim do sono feliz. A
segunda raiz so as convenes do ofcio: para serlevado a srio, para ser conforme a verdade, toda
afirmao histrica deve apresentar certos signos
exteriores que fazem pressupor, sua cientificidade -
quando no os apresenta, suspeita; o principal destes
signos exteriores no sair de seu perodo: quem querque aproxime, mesmo que para opor, um fato romano de
um fato chins, ser suspeito de fantasia. Por qu?
Porque sabe o latim mas no o chins, ou o inverso. E,
sobretudo, porque, por uma estr anha iluso, cr- se que a
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Histria no se repete; sob o pretexto de que um fato
histrico individual, imagina- se que ele seja singular.
No entanto, numerosos fatos histricos so quase
gmeos idnticos - assemelham- se como duas g otas
dgua; no deixam de ser, por causa disso, dois
indivduos distintos e, quando o historiador faz o
recenseamento, considera- os como tais. Apenas aos
olhos de um socilogo eles recairiam numa s e mesma
categoria. No preciso dizer que a Histria consiste em
amar o que jamais se ver duas vezes, e em amar duas
vezes o que se rev ocasionalmente.
Diga- se de passagem, eis aqui a razo pela qual a
palavra inventrio, que adotei provisoriamente para
caracterizar a Histria, se revelar insuficiente: teremos
que retomar a velha palavra relato, agora que j no
devemos ser suspeitos de simpatias vergonhosas pelahistoriografia tradicionalista. Por que dizer relato, e no
simplesmente inventrio? Porque os fatos histricos so
individualizados pelo tempo. Ex plico- me. Alm dos
astrnomos e dos historiadores, outros pesquisadores
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cultivam cincias que fazem o inventrio de seus
materiais; por exemplo: a menor espcie viva no escapa
aos zologos - eles descrev em- nas todas. possvel
ento imaginar duas espcies vivas perfeitamente
idnticas, e que, apesar disso, seriam consideradas
distintas e classificadas como se fossem duas? No,
evidentemente; as espcies, com efeito, so
individualizadas por sua descrio, sua essncia. Os
acontecimentos, mesmo quando se repetem, so tomados
como dois, porque se produzem em dois momentos
diversos do tempo. Descobrimos aqui o que h de
verdadeiro no mito tranqilizador do perodo no-
comparvel: trata- se da indiv idualidade dos
acontecimentos, que omito pensa preservar; esta sua
origem autntica.
S que ele se d muito mal a: no chega nemmesmo a dizer em que consiste tal originalidade, a
encontrar as palavr as necessrias para tanto: limita- se a
desig n- la, e a confiar no instinto do leitor, que dever
perceber de que gnero de individualidade se trata.
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Coloquemo- nos na pele de um historiador- narrador
que cr no perodo, aventurando- se a contar a seu leitor
a Histria de Roma. Fala de conquista, de poder imperial,
de direito romano; fornece datas, nomes prprios,
instituies, detalhes narrativos; em suma, ele se atm
comedidamente aos fatos positivos. O leitor, um pouco
embaraado, v, de fato, que direito romano ou o
imperialis mo r omano no s o a mesma cois a que o
Cdigo Napolenico ou o imperialismo ateniense, j que
as, datas e os fatos no so os mesmos; e contudo
parece- lhe, obscuramente, que a orig inalidade dos
acontecimentos romanos vai mais longe que essas
diferenas pouco sutis: ainda obscuramente, sente que a
conquista romana, indo aos limites do horizonte humano
sem ser movida por uma ideologia, pelo amor aos
grandes golpes de espada ou glria, e uma coisa
estranha, que a nada se assemelha. Ele percebe, no
menos obscuramente, que a atitude do jurista romano ao
interpretar o direito assemelha- se apenas ex terior mente
do jurista moderno - e tem razo: as duas atitudes
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nada tm em comum. Um jurista moderno no pretende
estabelecer normas jurdicas: no e legis lador; limita- se
a exercer seu ofcio, que o de interpretar as leis:
poder se perguntar, por exemplo, qual era a inteno do
legislador. O jurista romano clssico tambm no se toma
por um legislador, ao menos expressamente: quando
explica que uma lei quer dizer, no fundo, isto ou aquilo,
pensa es tar apenas interpretando- a; est persuadido, de
antemo, que as leis so a verdade encarnada:
conseqentemente, tudo o que a lei ditar ser
considerado verdadeiro; sua atitude em relao ao
direito idntica de Vaugelas em relao ao bom
uso: incapaz de distinguir gramtica descritiva de
gramtica normativa.
O abismo entre as duas atitudes, o leitor de nosso
historiador- narr ador percebia- o obscuramente; ohistoriador, que tambm o percebe, j contava com isso:
porque somente esse pressentimento pode evitar que o
leitor caia a onde o historiador no sabe explicitar com
palavras; somente tal pressentimento lhe evitar a
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atmosfera anacrnica, os erros nas nuanas, que so
outras tantas armadilhas estendidas ao iniciante. O que
diz a Histria narrativa e envolto por uma vasta zona de
no- ex primido, onde s omente uma familiarizao, que
no se faa atravs de) conceitos, permite evitar os
passos falsos. Da mesma forma com que se reconhecem
de longe os grandes estudiosos da Antigidade - um
Pierre Boyanc, um Ronald Sy me, um Louis Robert - por
certas pginas que no escrevem, tambm se
reconhecem os verdadeiros autores pelas banalidades
que no escr evem: um instinto seguro g uia- os. em meio
ao nevoeiro; agarramo- nos, ento, a seus passos. T odo
grande historiador guiado por um saber terico que
aparenta ignorar, por ascese; este saber implcito, que
caminha decididamente, e algo comparvel ao do homem
de ao.
Da resultar, na obra de outros, um rigor mal
colocado, que insiste na seriedade da erudio apenas
para esquecer que a teoria tambm existe e que possui
uma ser iedade prpria. Um colega s inlogo dizia- me:
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fcil explicar a difuso de seitas na China Antiga pela
aridez meticulosa do ritualismo tradicional, incapaz de
satisfazer as necessidades espirituais. Mas o que
significa ritualismo, e de onde nos vem, ento, a certeza
de que ele produz esse efeito?,Simples frase da
sabedoria das naes, ou afirmao refletida, que se
pode tomar por base? curioso que sbios to altivos
em relao a um ponto de cronologia nem mesmo se
coloquem essas questes e utilizem, sem a menor
inquietao, essas falsas evidncias. E bem verdade
que o ritualismo e seus efeitos constituem uma idia que
seria preciso definir, verificar e sistematizar. Se o
ritualismo alguma coisa e se era to rido como o
dizem; se fez despontarem, em compensao, outras
fontes, ento deve ter tido o mesmo efeito em outros
tempos e lugares; se formula uma explicao que
reencontramos a mesma, sempre, sob mais de uma
evoluo, ento essa constante deve ser - s istematizvel
ao lado de outras afirmaes tericas; deve participar de
uma concepo coerente do homo religiosus. Aps isso,
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nada distingue as afirmaes do senso comum das
afirmaes das cincias, exceto o fato de serem, estas
ltimas, sistemticas e verificadas.
Resumamos: duas atitudes so possveis diante das
individualidades que so os fatos histricos; podemosdesign- los e descrev- los: tal direito era o de Roma
Antig a, prescrevia isto ou aquilo; tal imperialismo foi o
de Roma, conquistou tal e qual provncia. Nesse caso, a
originalidade incomparvel deste direito, deste
imperialismo, nos escapa: apenas vagamente sentida, oque no nos impede de agir decididamente com ela, se ao
menos lhe estivermos familiarizados; como se nos
apresentassem um desconhecido, e nos dissessem
somente seu nome e profisso: caberia a ns perceber,
de acordo com sua fisionomia, a linguagem a adotar e os
inconvenientes a evitar em relao a ele. A est a
primeira atitude histrica. A segunda consiste em tentar
explicitar a originalidade do desconhecido, encontrar
palavras, conceitos, para transmiti- Ia, demarc- la em
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relao caracterologia; em outras palavras, em relao
a essas constantes que so os tipos caracterolgicos.
Por que duas atitudes to desiguais diante das
individualidades? Ainda aqui, Pariente ser nosso guia.
Podemos individualizar de duas maneiras: usando noes
do senso comum ou recorrendo a modelos cientficos.
Para designar um indivduo, a linguagem corrente se
utiliza de noes: isto uma mesa, um deus, um sistema
de direito, acrescentando indicadores no- conceituais:
a mesa do fundo, o deus Vulcano, o direito de Roma
A ntig a. Inf elizmente, essas noes deix am escorreratravs de suas malhas a originalidade das coisas: nada
mais semelhante a um direito do que um outro direito. A
originalidade, em compensao, no nos escapar mais
se dispusermos de um jogo de constantes, que
manipulamos at que reproduzam as particularidades denosso indivduo; o direito romano, dentro da gama de
comportamentos possveis diante das normas jurdicas,
distingue- se por seu comportamento la Vaugelas e,
bem entendido, por um grande nmero de outras
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difer enas tambm. A o mesmo tempo, percebe- se que
toda Histria, mesmo que no deliberadamente, torna- se
uma Histria comparada; isto , uma Histria que separa,
sabendo por que o faz; o direito romano conquista seu
lugar numa tipologia dos diferentes direitos e se
distingue deles por variveis originais, que, desta vez,
sabemos exprimir com todas as letras.
Conseqentemente, explicar de maneira cientfica os
acontecimentos e individualiz- los e a mesma coisa: a
Histria s chegar a explicitar a originalidade dos fatos
submetendo- os s Cincias Humanas (sejam as que j
existem, ou as que venham a existir).
Se a Histria impe- se a tarefa de conceituar, a fim
de delimitar a originalidade das coisas, ento, meus
caros colegas, um duplo desespero se apodera de mim:
tudo, ou quase tudo, est ainda por ser feito; a Histriaromana est para ser escrita, e vocs no devem contar
comigo para isso. Vejo algumas rvores, no vejo
nenhuma floresta. Confess o- me incapaz de situar o
Estado romano, sua administrao, sua religio, e ainda o
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que quer que seja, numa problemtica geral do
funcionamento do Estado, das organizaes
administrativas ou numa tipologia dos fenmenos
religiosos. Ora, esta , entretanto, a verdadeira prova de
que sabemos, enfim, o que e uma individualidade:
podemos ver o lugar original que ela ocupa entre suas
irms, e o jogo de variveis que permite reengendrar
todas estas, com suas diferenas. mais fcil falar do
que fazer, e onde iramos buscar auxlio? Junto
Sociologia (a verdadeira, entenda- se)? Clausew itz levou
30 anos para formular seu modelo conceitual do
fenmeno guerra; os grandes tericos alemes do
Estado, at Jellinek, levaram um sculo para definir o
Estado moderno. Que no se atrevam, portanto, sem
preparao, a dizer o que esta coisa que exigiu meio
sculo de discusses, esta coisa chamada Estado, ou,
mais simplesmente, territrio nacional... O ensino e o
relacionamento entre os sexos so, certamente, questes
da atualidade, que ocupam todas as vitrinas das livrarias;
ora, que eu saiba, no existe qualquer teoria utilizvel
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nestes assuntos, qualquer conceituao que, colocada
prova da Histria, de conta dos fatos.
Mas, afinal, j que pela ltima vez em minha vida,
antes de me aposentar, estou sendo objeto de honras,
permitam- me, para concluir, que eu me alongue sobre
duas conseqncias da concepo conceitualizante e
individualizante da Histria: dar cabo ao mito do perodo,
e elucidar a diferena entre a Histria e a Sociologia.
O mito do perodo nasce de uma dificuldade prtica
e de uma impotncia. A dificuldade e em dominar a
documentao, as lnguas e a bibliografia de mais de umacivilizao, dificuldade insupervel, se bem que se
costume exagerar um pouco suas conseqncias. A
impotncia est diante do fato de que o individual s
limitado por meio de noes muito vagas e de um
indicador, temporal: um imperialismo, o de Roma.
Nesse grau de g eneralidade, tal imper ialismo se
parece com todos os outros; para seriar os fatos
individuais s resta, portanto, o indicador temporal: os
acontecimentos sero ordenados e estudados segundo a
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ordem do tempo; o que romano, ser colocado ao lado
do que romano. Na pratica, isto significa que fatos
perfeitamente heterogneos jorraro, uns aps outros,
como num trabalho escolar: as instituies romanas, o
direito romano, a economia, a cultura, as artes, a vida
cotidiana... Tudo o que compe essa mixrdia adquire o
mesmo ar familiar, ainda que no se diga exatamente
qual; prpria mix rdia atr ibui- se um nome bem
conhecido: civilizao. Um autor de sucesso, Toynbee,
chegou ao zelo extremo de aventurar- se a contar
quantas civilizaes havia na Histria; encontrou, se no
me engano, vinte e trs...
A bandonemos , de uma vez por todas, os per odos,
as civilizaes, as histrias nacionais, ou antes, s lhes
concedamos o que for requerido pelas exigncias da
documentao, das lnguas e da bibliografia. Os fatoshistricos podem ser individualizados sem serem
remetidos ao lugar que lhes corresponde num complexo
espao- temporal; o direito romano no se encaix a num
compartimento chamado Roma, mas adquire lugar entre
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os outros direitos. Certa vez, a universidade fez misrias
a meu amigo Le Roy Ladurie, ento professor de
faculdade, porque ps em prtica esta idia simples e
difcil. Os homens jamais perdero, provavelmente, a
vontade de ouvir contar sua histria. Mas eu lhes
pergunto: representem o ndice de assuntos de uma
histria da humanidade ideal e suponham que os
captulos tenham por ttulos no O Oriente, A Grcia,
Roma, A Idade Mdia, mas, por exemplo, do poder por
direito subjetivo ao poder por delegao, da economia
como ativ idade no- essencial profiss ionalizao da
economia, isolacionismo e pluralismo nas relaes
internacionais; ser que eles no dariam mais vontade
de comprar o livro, porque finalmente se poderia esperar
compreender algo da aventura humana? Em alguns
sculos, este livro poder ser escrito.
Resumindo: preciso acabar com o relato contnuo.
T anto pior para as leis dos g neros; arrisquemo- nos,
romanticamente, a confundi- los. O continuum espao-
temporal no passa de um quadro didtico a perpetuar a
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tradio preguiosamente narrativa. Os fatos histricos
no se organizam por perodos e povos, mas por noes;
no tm de ser recolocados em seu tempo, mas sob seu
conceito. Os fatos s possuem, ento, individualidade em
relao a este conceito: conforme a problemtica
escolhida, a individualidade poder ser tanto uma das
crises ministeriais sob a Terceira Repblica, quanto a
instabilidade ministerial em si (isto , todas as crises em
bloco); concretamente, repetimos, os fatos no
existem; logo, sua individualidade relativa, com a
escala dos mapas de geografia. Ao mesmo tempo, a
noo de Histria no- fatual torna- se mais clara, ass im
como a diferena entre a Histria e as Cincias
Humanas.
A Histria, costuma- se falar , ocupa- se de fatos
individuais, em oposio Cincia, que se ocupa doger al, Joo- sem- T erra esteve a em 1 215 : eis a a
Histria, dizem - uma mnada ou substncia individual,
um ponto no espao, um ponto no tempo.
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Se isto o que se entende por individualidade, ento
preciso explicar que a Histria, apenas
excepcionalmente, se utiliza de tais individuaes; de
fato, ela nunca as utiliza, malgrado alguns indcios, como
Lus XIV, ou o 14 de julho de 1789 em Paris. Na maiorias
das vezes, a Histria fala em instituies, costumes,
sociedade, economias, sistemas de direito e fatos de
mentalidade, que se constituem em individualidades
somente num sentido relativo da palavra; so agregados
ou entidades. A Histria no estuda o homem no tempo;
estuda os materiais humanos subsumidos nos conceitos.
Certamente, estes materiais comportam a temporalidade,
j que so humanos : a His tria no estuda verdades
eternas. Mas, ento, seria preciso definir a A stronomia
como a cincia dos astros no espao, sob a alegao de
que tais corpos s poderiam se encontrar no espao? Em
realidade, invocar o tempo aqui apenas uma maneira
inadequada de afirmar que a Histria deve ser o
inventrio completo dos acontecimentos, que so, por
sua vez, individuados pelo tempo.
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A Histria no cincia dos indivduos humanos, e,
alis, nem das sociedades. Se fosse cincia dos
indivduos no sentido ltimo, e no somente relativo do
termo, contaria, uma a uma, a vida dos camponeses sob
Lus XIV, falaria sobre o casamento de Joo Gordo, de
Toinon, de Pierrot; ela no faz nada disso, mas toma por
objeto a paradoxal individualidade: o casamento entre os
camponeses sob Lus XIV. Certo, a Histria tambm ter
por objeto apenas o casamento de Lus XIV , mas este
no se constituir em objeto histrico enquanto
substncia humana, dotada de uma individualidade ltima
e absoluta: ser objeto histrico enquanto individualidade
relativa problemtica escolhida, que a Histria
poltica - como rei, e no indivduo. Precisamos nos
habituar idia de que a noo de individualidade
relativa; como diz Pariente, ela possui, de fato, um grau
ltimo; isto e, as pessoas, ou ainda, os dados espao-
temporais. Mas a Histria jamais o emprega: se lhe
acontece ter de falar de uma personalidade real, ou de
uma batalha ocorrida num certo lugar e em certo dia, e
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porque, em, relao Histria poltica, alguns homens
tm uma importncia decisiva, e alguns instantes
carregam conseqncias gigantescas e irreversveis;
chamamos a estes instantes de acontecimentos, no
sentido que a palavra tem nos jornais e entre os
historiadores tradicionalistas. Os acontecimentos muito
espordicos so uma falsa exceo que confirma a regra.
A Histria faz pens ar nesses mapas de geog raf ia
histrica, onde a Frana de Lus XIV representada
numa escala de um para um milho; s que a um canto da
pgina, num pequeno quadro, aumentou- se mil vezes o
plano de Versalhes e seus arredores. Mas jamais a
Histria executa esse mapa em seu verdadeiro tamanho,
como ocorre num conto de Borges, em que ocupa uma
superfcie ig ual a do pas que representa. A Histria no
cincia do concreto; uma batalha, um rei enquanto rei,
j so abstr aes; uma sociedade, tambm - no se pode
fotograf- la da mesma forma que se fotografa uma
paisagem.
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A Histria pode ser definida como o inv entrio
explicativo no dos homens ou das sociedades, mas
daquilo que h de social no homem, ou, mais
precisamente, das diferenas manifestadas por este
aspecto social. Basta, por exemplo, que a percepo das
cores seja diferente para as diversas sociedades (aos
olhos dos gregos o mar era violeta) - ipso facto, as
cores passaro a pertencer tanto Histria, quanto
Psicologia; s vezes, essas diferenas so relativas aos
acontecimentos, e se chamam Virglio, Augusto ou
A ctium; trata- se a mais de uma conseqncia par ticular
que da regra.
Senhoras e senhores: recapitulemos e concluamos.
A Histria congenitamente cientfica, no pode ser
erudio inocente; existem relatos ingnuos, mas no
puros: dizer que a guerra pnica foi uma guerra, j colocar imprudentemente os ps sobre um terreno
minado, o da teoria das relaes internacionais. Por
outro lado, a Histria cincia das diferenas, das
individualidades, mas tal individuao relativa espcie
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escolhida; pode oscilar entre Atenas e a cidade
grega, ou mesmo a cidade antiga, em geral.
Portanto, o individual e o geral no so absolutos.
Como, ento, a Histria, conhecimento do particular num
sentido relativo, pode ainda opor- se Sociologia, cincia
do geral, num sentido igualmente relativo? Quando
estudamos a cidade antiga, fazemos Histria ou
Sociologia? Para finalizar, tentamos responder a esta
questo. Existem diversos nveis de generalidade, e a
cada um deles corresponde uma cincia; seus objetos
so casos particulares somente em relao quela cinciasituada num nvel imediatamente superior.
Isto v ale para a Histria e para a Sociologia. Por
exemplo: a guerra pnica, explicada pela teoria da
guerra, constitui- se, aos olhos do histor iador, num dos
objetos especficos da cincia histrica. Aos olhos do
socilogo, em compensao, a mesma guerra, explicada
exatamente da mesma maneira, ser apenas um exemplo,
que lhe servir para ilustrar um objeto prprio da
Sociologia; isto , a teoria em si mesma. Notemos bem, a
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explicao da guerra idntica nos dois casos: no h
explicao histrica diferente da sociolgica; h apenas
uma, nica e verdadeira: a explicao cientfica. O
historiador e o socilogo escrevero exatamente a
mesma pgina, s que atr ibuindo- lhe usos diferentes:
para o primeiro, ela ser a meta de seu trabalho; para o
ltimo, apenas um meio de ilustrar, com um ex emplo, a
teoria da guerra, este sim seu objetivo. Conseqncia
capital: o socilogo no se obriga a citar todos os
exemplos, mencionar dois ou trs, no mximo. J o
historiador tem por ofcio redigir o inventrio completo;
para ele, uma guerra no se repete, mesmo que haja
duas conceitualmente idnticas. Se fabrica, com cinco ou
seis variveis, um modelo da monarquia por direito
subjetivo, no lhe ser suficiente dar como exemplos
Roma e a realeza do Antigo Regime: necessrio que
fale tambm da Etipia, j que ex istiu - uma monarquia
etope. A histria etope ser escrita, e ter seus
especialistas; estes falaro dela para dizer, talvez,
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exatamente a mesma coisa que diria um socilogo, mas,
mesmo assim, eles falaro.
Isso tem uma conseqncia divertida: fcil
distinguir Histria e Sociologia; em compensao,
freqentemente impossvel distinguir um livro de Histria
e um de Sociologia; de fato esta impossibilidade que
permite reconhecer uma boa monografia histrica, por
exemplo, Le Phnomne Bureaucratique, de Michel
Crozier: consistir numa sociologia da burocracia,
ilustrada com um ex emplo histrico - o dos burocratas
franceses? Ou ser uma histria dos burocratasfranceses, explicada atravs da sociologia da burocracia?
Muito esperto quem o souber, e poderamos apostar que
o autor mesmo nada sabe a respeito; no h elogio mais
belo do que este. Isto sugere que o prprio historiador
poder fazer descobertas sociolgicas, fabricando para sia sociologia de que precisar, quando no a encontrar j
pronta.
H algo ainda mais curioso: se Histria e Sociologia
permanecem distintas, no porque a segunda fala de
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generalidades e a primeira cincia do singular, no se
repetindo jamais; a verdadeira razo exatamente
inversa. Suponhamos, com efeito, que a Histria no se
repita, e que cada acontecimento seja uma espcie nica,
como cada anjo para So Toms. Nesse caso, Histria e
Sociologia tratariam dos mesmos assuntos e se
confundiriam; teria havido no mundo somente uma
monarquia por direito subjetivo; a da Etipia, por
exemplo. A espcie chamada Guerra preventiva
localizada, que ser suficiente no se perder para que
reavive uma retificao de fronteiras, gerando um
isolacionismo, que ev itar um conflito no- localizado,
que seria preciso ganhar positivamente por knock- out
seria representada por uma guerra nica atravs dos
sculos, a primeira guerra pnica; o fenmeno a cidade
como meio de max imalizar as inter- relaes de uma
classe de notveis com ganhos patrimoniais existiria
apenas num exemplar, a China (desde que no seja Roma
ou a Inglaterra moderna). T ais fenmenos poderiam ser
indiferentemente expostos segundo a ordem das razes,
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do tempo... ou alfabtica. Histria e Sociologia
coincidiriam tanto em extenso como em compreenso; a
performance histrica no seria mais extensa que a
competncia terica: nada se repetiria, porque tudo
seria hpax.(* ) Mas nada disso ocorre. A ssim, a Histria
difere da Sociologia pela simples razo de que a Histria
se repete.
Podemos, ento, dar o nome de cincia Histria.
Esta, dizamos, e o inventrio explicativo completo das
individualidades de seu nvel, pois h diversos nveis de
individuao. Mas, sendo assim, se poderia dizer omesmo de qualquer cincia, a comear pela Fsica. Pois
ela tambm espera explicar os fatos de seu nvel,
ex plic- los todos; algum imagina que um fsico decrete
que sua cincia no se ocupar de tal ou qual fenmeno
fsico?
Uma certa epistemologia deixou- se obscurecer,
erroneamente, por duas idias: a de que a Cincia era um
* Hpax - do grego hapax legomenon: cois a dita uma s v ez ,designa toda situao ou objeto de que se conhece apenas um exemplo. (N.do T.)
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corpo de leis ou tendia a s - lo, e a de que os f atos
histricos eram singularidades que se oporiam ao geral.
Mas falso que a Fsica seja um corpo de leis, ou, ao
menos, que seja apenas isso; e, na medida em que venha
a s- lo, o fato no se deve sua natureza de cincia,
mas a uma particularidade das individualidades de seu
nvel: os fenmenos fsicos podem formar sistemas
fechados. Resta que, como cincia, o inventrio
explicativo desses fenmenos, e, para ela, dois deles no
so iguais por se submeterem a uma nica e mesma lei.
Ela no se reduz, por exemplo, ao conhecimento das
equaes de Maxwell; consiste em saber tambm da
existncia de diferentes fenmenos, como a eletricidade,
o magnetismo e a luz, ainda que todos eles sejam regidos
por essas mesmas equaes. Isto no quer dizer que
sejam iguais, e, afinal, o magnetismo poderia no existir.
Ser o conhecimento das diferenas fsicas no torna a
Fsica menos cincia. Da mesma forma a Histria,
inventrio explicativo das diferenas sociais,
jus tamente por isso a cincia das diferenas sociais .
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Pois no se deve fazer como Rickert ou Windelband;
no se deve opor o particular e o geral de modo
absoluto, instaurando uma dicotomia: de um lado a
cincia das leis ou nomografia, e de outro o
conhecimento das individualidades, ou idiografia. A tal
classificao binria poderia vantajosamente suceder
uma classificao por nveis, j que em seu prprio nvel
cada cincia possui simultaneamente os dois princpios:
explicar e explicar tudo. As diferenas s se diluem no
nvel superior. Disseram que a Fsica se ocupa da queda
dos corpos, e zomba das quedas dos corpos singulares, a
queda de cada folha a cada outono, enquanto a Histria
se ocupa dos fatos singulares. um, erro, pois, o que
corresponderia queda de cada folha no o
acontecimento histrico, como, por exemplo, o
casamento no sculo XVII ou em outros, mas sim o
casamento de cada um dos sditos de Lus XIV... Ora, a
Histria se ocupa disso tanto quando a Fsica da queda
de cada um dos corpos...
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O que confundiu tudo que a individualizao dos
fatos histricos e sui generis: deve- se a uma
temporalidade abstrata, o que fez pensar erroneamente
que a Histria era conhecimento das individuaes
espao- temporais, o mesmo que dizer do concreto, do
fluxo das percepes! No perceberam que a
temporalidade histrica era uma construo em escala
varivel, funcionando como um filtro; cada problemtica
com sua temporalidade, as crises ministeriais ou a
instabilidade ministerial em bloco.
T ratando- se de fenmenos, espcies ouacontecimentos, a questo a mesma, e parece atual: o
individual o qu? Ser a queda dos corpos e o
casamento sob Lus XIV, ou a queda de cada um dos
corpos e o casamento um a um? Problema capital para a
epistemologia a Cincia apenas do geral) e para oestatuto da Histria, desde que esta ltima deixe de se
tomar pelo relato da evoluo dos povos ou das
civilizaes e se aceite como aplicao das Cincias
Morais. Problema sociolgico tambm; o da ontologia dos
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coletivos: existir a burguesia francesa, ou apenas
burgueses e franceses? , enfim, o que se chama de
estruturalismo: o homem no simplesmente o
entrecruzamento das redes que o constituem? Ser ele
um objeto arbitrariamente recortado, como as
constelaes sobre o campo das estrelas? Todos esses
dilemas deixam de ser penosos quando admitimos que o
individual e o geral no existem objetivamente, que no
h, absolutamente, indivduos, mas apenas individuados
em relao- a um certo nvel adotado.
Conseqentemente, a relao entre cincias denveis diferentes varia em extenso e compreenso.
Entre a Biologia e a Zoologia, a relao no
provavelmente a mesma que entre a Fsica e a
A str onomia. A Biolog ia, parece- me, tr ata de certos
aspectos dos seres vivos, apenas, enquanto que a Fsicano trata dos aspectos dos corpos celestes, unicamente,
mas de todos os corpos, astros ou pndulos. Tudo o que
pertence Histria, pertence tambm s Cincias Morais
e Polticas, mas a recproca no verdadeira: a
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percepo das cores interessa de formas diferentes a
esses dois nveis cientficos, mas o efeito Asch ou o
efeito Sherif pertencero somente Cincia Moral
chamada Ps icossociologia - ao menos enquanto no se
descobrir que eles variem social e culturalmente, como
de resto se pode prever.
Finalmente, se me permitem passar s confisses
espontneas, no podemos nos impedir de pensar que,
em Histria, as questes, que so sociolgicas, importam
mais que as respostas, efetivamente sociolgicas. Certo,
seria importante, por exemplo, saber se o crescimentono Imprio Romano se explica pelo modelo econmico de
Harrod e Domar, ou por uma melhor alocuo marginal
de recursos, ou, ainda, simplesmente por facilidades
fiscais; mas, qualquer que seja a resposta, o essencial
no, pensar em formular a questo? Em outraspalavras, mais importante ter idias do que conhecer
verdades; e por isso que. as grandes obras filosficas,
mesmo quando no confirmadas, permanecem
significativas e clssicas. Ora, ter idias significa tambm
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dispor de uma tpica, tomar conscincia do que existe,
ex plicit- lo, conceitu- lo, arranc- lo mesmice,
Fraglosigkett, Selbstndigkeit. deixar de ser inocente,
e perceber que o que poderia no ser. O real est
envolto numa zona indefinida de compossveis no-
realizados; a verdade no o mais elevado dos valores
do conhecimento.
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S O B R E O A U T O R
Paul Veyne, especialista em histria da Antigidade
greco- romana, nasceu em 1930, na Frana. Publicou, na
coleo Univers Historique, um ensaio de
epistemologia histrica, Comment on crit lhistoire(1971), e um ensaio sobre o poder poltico, Le Pain et le
Cirque. Coordena, com Michel Foucault, a coleo Des
Travaux, da Seuil.