Iraci Costa Black Bloc e Ordem Instituida

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  • 7/27/2019 Iraci Costa Black Bloc e Ordem Instituida

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    BRASIL: A TTICA BLACK BLOC E A ORDEM INSTITUDA

    Iraci del Nero da Costa *

    "As aes do MPL foram uma aula. Eu j sentia muita raiva, mas s depois dejunho eu aprendi o que era ao direta, como a violncia pode provocar

    mudanas no sistema. Esse tipo de protesto o resultado do dio que eu sintocontra o sistema. O objetivo destruir para construir", afirmao de umbrasileiro que, nos eventos recentes, tem utilizado a ttica Black Bloc.

    Pessoas que se sentem ofendidas, discriminadas, repreendidas, menosprezadas

    por considerarem que seus dons no so devidamente reconhecidos e valorizados

    ou vitimadas por qualquer sorte de atitude ou de ao, por vezes, voltam-se contra

    a sociedade em que vivem, contra a ordem instituda, no porque estejam contra

    esta dada ordem, mas porque, por razes de ordem objetiva ou subjetiva, sentem-

    se feridas pela ordem instituda, ou, empregando termos mais corretos, sentem-

    se ofendidas pela sociedade enquanto tal. Desejam elas, aberta ou apenas

    reconditamente, destru-la como forma de afastar, de exterminar, aquilo que tm

    como seu malfeitor maior. Matar um algoz significa, pura e simplesmente, destru-lo. Na verdade, no h nada a ser construdo, esto presentes na psique dessas

    pessoas apenas dois elementos: a destruio do que as magoou e a afirmao de

    suas personalidades, de suas individualidades, ainda que desapegadas de todo o

    restante da humanidade.

    Evidentemente, estamos em face de recalcados e no de agentes polticos

    conscientes. No obstante, ainda no prprio quadro de suas agonias, tais pessoas,

    como aventado acima, podem tomar como sua a tarefa de destruir a sociedade queas vitimou. Para tais indivduos, construir uma sociedade justa significa, to

    somente, a destruio daquilo que os machuca ou daquilo que julgam t-los

    agredido. No h plano, no h projeto poltico, no h base ideolgica alguma,

    basta-lhes o ressentimento que os oprime.

    No raro encontrarmos, agregados a movimentos de esquerda, militantes com o

    perfil ora traado. Nada pior do que isso, pois a esquerda, a fim de ser capaz de

    propor mudanas positivas e a fim de poder lutar correta e consequentemente por

    tais avanos tem de ser integrada por elementos absolutamente identificados

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    positivamente com a sociedade, solidrios com o todo social e interessados no na

    destruio fsica de inimigos imaginrios mas na construo de condies

    polticas superiores s vigentes. Destarte, o verdadeiro militante de esquerda deve

    ser contra as mazelas encontrveis na sociedade e desejar remov-las de sorte a

    afirmar, e no limite criar, uma vida social s, justa e fraterna.

    uma verdade absoluta que a destruio da propriedade privada sobre os meios

    de produo condio primacial e primeira para a construo da sociabilidade de

    novo tipo almejada pelos socialistas e comunistas. O problema est em que, muitas

    das pessoas cuja personalidade foi descrita acima e que se julgam de esquerda

    imaginam, em seu desvario, que se trata da destruio fsica da propriedade

    quando o necessrio e o que desejam aqueles primeiros a destruio jurdica

    da propriedade privada sobre os ditos meios. Destruio jurdica um ato poltico aser conquistado, necessariamente, com base numa resoluo calcada no absoluto

    respeito s normas democrticas as quais constituem clusulas ptreas para os

    autnticos esquerdistas; assim, a menos que se esteja a lutar contra uma ditadura

    irredutvel, implica um erro inaceitvel propor qualquer tipo de ofensa fsica aos

    bens privados ou pblicos existentes em qualquer sociedade, sejam eles meios de

    produo ou no.

    Como consignamos em outro texto: se pensarmos uma sociedade na qual sedeseje ver promovida, sem nenhuma mediao, a distribuio da produo de

    acordo com as necessidades de cada um de seus integrantes (e isto que os

    comunistas alegam querer), seremos obrigados a admitir que seus pressupostos

    so: 1) tal sociedade tem de se erigir com base na negao da propriedade privada

    sobre os meios de produo, j que no pode haver, por hiptese, qualquer

    mediao entre a produo de bens e servios e sua distribuio; 2) essa

    sociedade tem de ser "pensada", projetada, antes de existir concretamente, pois ...a natureza incapaz de institu-la, de produzi-la; alis, pelo contrrio, o que se

    produziu "naturalmente" foi justamente a propriedade privada sobre os meios de

    produo, bice maior instituio da aludida sociedade almejada pelos

    comunistas; 3) ... tal sociedade no um produto da natureza, mas algo antinatural,

    decorrente da vontade dos homens (do esprito); no traz em si, portanto, os

    elementos necessrios sua reproduo (re-posio), pois, "colocada" (posta) pelo

    esprito, por ele ter de ser re-colocada, cabendo a ele, portanto, sustent-la.Ademais (afirma-se no mesmo artigo), cumpre lembrar que tal sustentao s se

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    ver garantida se forem obedecidas duas condies essenciais e sem as quais,

    cremos, impossvel pensar-se numa sociedade "ps-capitalista" auto-sustentvel.

    Em primeiro, considerando que ter de haver livre assentimento com respeito

    nova forma de sociabilidade, indispensvel uma ambincia democrtica, vale

    dizer, a democracia e os direitos que expressam a cidadania tm de prevalecer,absoluta e irrestritamente, e a estes elementos, obviamente, h de estar aliado o

    maior grau possvel de liberdade pessoal e coletiva. De outra parte, as vontades

    individuais desenvolvidas em tal ambincia devem associar-se livremente de sorte

    a chegar-se organizao necessria quela sustentao. Liberdade e associao

    definem-se, pois, no s como metas desejveis por si, mas, e sobretudo, como

    elementos imanentes assim chamada sociabilidade "ps-capitalista". (Cf. COSTA,

    Iraci del Nero da & MOTTA, Jos Flvio. Hegel e o fim da histria: algumasespeculaes sobre o futuro da sociabilidade humana. Revista da Sociedade

    Brasileira de Economia Poltica. Rio de Janeiro, Editora 7 Letras, nmero 7, dez.

    2000, p. 51-52, p. 49).

    Essas nossas opinies do sustentao, cremos, postura que adotamos contra a

    admisso como homens (e mulheres) de esquerda das pessoas que se propem

    levar a cabo a destruio da sociedade na qual vivem e que, objetivamente, se

    colocam a servio da represso.Uma crtica cabvel com respeito posio acima explicitada diz respeito ao fato de

    que podemos interpretar a afirmao o objetivo destruir para construir como

    um aviso, como um alerta de que ns, que somos contra o sistema, estamos

    aqui, vivos e atuantes. A tal objeo podemos contrapor a pergunta: construir o

    qu?. Ao invs da destruio no seria mais razovel explicitar o que se pretende

    construir? Ou ser que o projeto no se estende alm do dio devotado contra o

    sistema? Estaremos a viver em uma sociedade tamanhamente perversa e fechadaque impede inteiramente a propositura de aes positivas? De solues razoveis

    para enfrentar os bices colocados vivncia mais justa? Enfim, para onde nos

    conduz uma ttica meramente destrutiva seno prpria autodestruio?

    * Iraci del Nero da Costa professor livre-docente aposentado da USP.

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