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ISENÇÃO CONSTITUCIONAL DE CORREÇÃO MONETÁRIA (ART. 47 DO ADCT) Evanna Soares SUMÁRIO: 1 - Introdução. 2 - Natureza jurídica da isenção. 3 - A inserção constitucional do beneficio. 4 - Via adequada para o exercício do direito. 5 - Natureza do prazo para pagamento da dívida sem correção monetária. 6 - Algumas decisões dos Tribunais sobre o assunto. 7 - Conclusão. 1 - INTRODUÇÃO A Constituição da República promulgada em 5 de outubro de 1988, no art. 47 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, obedecidos os requisitos ali contidos, agraciou os micro e pequenos empresários ou seus estabelecimentos e os mini, pequenos e médios produtores rurais com a isenção de correção monetária quando do pagamento de seus débitos contraídos junto a bancos e instituições financeiras, desde que esse pagamento ocorresse no prazo de noventa dias, contados da data da promulgação da Lei Maior. Com isso, procurou o legislador constituinte minimizar os efeitos do fracasso econômico do "plano cruzado", relativamente aos destinatários do favor constitucional, que acreditaram nas promessas governamentais, contraíram financiamentos na expectativa de que sobre eles não recairia correção monetária, ante a divulgação de índices inflacionários iguais a zero no início do falado "plano", mas que, depois, viram seus débitos acrescidos desse encargo por força da realidade econômica adversa que se instalou no País. O beneficio em comento, denominado "isenção" pelo art. 47 do ADCT, também é tido como "exclusão" de correção monetária, a teor do disposto no "caput" do mencionado dispositivo. A escassa doutrina sobre o assunto e a jurisprudência preferem chamá-lo, muitas vezes, de "anistia" e "exoneração". Temos, entretanto, que a expressão "isenção" é mais apropriada para denominar o beneficio referenciado, principalmente pela maneira como foi colocado no texto da Constituição, e emprestando-se o conceito do instituto da isenção adotado pelo Direito Tributário - somente para reforçar o argumento - qual seja, a dispensa do pagamento (do tributo) devido. 2 - NATUREZA JURÍDICA DA ISENÇÃO Sem par no ordenamento constitucional precedente e instituída para acudir situações especiais, a isenção de correção monetária consagrada pelo art. 47 do ADCT desafia uma perfeita identificação de sua natureza jurídica. Da maneira como o beneficio foi inserido no ADCT tem-se a nítida impressão de que o constituinte se inspirou no favor legal da isenção de impostos. Mas os débitos contraídos junto a bancos, frutos de contratos regidos pelo direito privado, nenhuma conformidade guardam com os tributos, de sorte que se revela uma temeridade dar a conotação daquele instituto de Direito Tributário à matéria ora versada. Dita isenção tem o sentido de intervenção do Poder Público, (no caso, do Poder Constituinte), nos negócios jurídicos celebrados entre particulares mutuantes e mutuários - para viabilizar o reequilíbrio da situação econômico-financeira destes últimos, extremamente afetada pelo insucesso do falado plano econômico. Aproxima- se, pois do "factum principis", sem, entretanto, com ele se confundir, mormente porque ausentes muitos dos seus elementos caracterizadores, como exemplo, a indenização, à custa dos cofres públicos, pelos danos ou prejuízos sofridos pelos credores, quando privados da correção monetária, a qual, como se sabe, é mera atualização do dinheiro corroído pela inflação. Não se pode deixar, contudo, de enfatizar tratar-se a isenção de um favor, um beneficio restrito e condicional dirigido às pessoas indicadas no art. 47, I e II, do ADCT. 3 - A INSERÇÃO CONSTITUCIONAL DO BENEFÍCIO Para que pudesse produzir efeitos, sem maltratar o ordenamento jurídico, a isenção em causa, necessariamente, deveria constar do texto da Constituição? Sem dúvida, a resposta é positiva. Não pode ser afastada do raciocínio para se chegar a tal conclusão a noção de Constituição formal e material. Esta última tem a ver com a existência de matérias necessária e essencialmente constitucionais; diz-se, portanto, que matéria constitucional é aquela de conteúdo pertinente à Constituição. A formal contém preceitos que deveriam ser objeto da legislação infraconstitucional, mas que, por diversos motivos, inclusive sua importância, são levados ao texto da Carta Magna.

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ISENÇÃO CONSTITUCIONAL DE CORREÇÃO MONETÁRIA (ART. 47 DO ADCT)

Evanna Soares

SUMÁRIO: 1 - Introdução. 2 - Natureza jurídica da isenção. 3 - A inserção constitucional do beneficio. 4 - Via adequada para o exercício do direito. 5 - Natureza do prazo para pagamento da dívida sem correção monetária. 6 - Algumas decisões dos Tribunais sobre o assunto. 7 - Conclusão.

1 - INTRODUÇÃO

A Constituição da República promulgada em 5 de outubro de 1988, no art. 47 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, obedecidos os requisitos ali contidos, agraciou os micro e pequenos empresários ou seus estabelecimentos e os mini, pequenos e médios produtores rurais com a isenção de correção monetária quando do pagamento de seus débitos contraídos junto a bancos e instituições financeiras, desde que esse pagamento ocorresse no prazo de noventa dias, contados da data da promulgação da Lei Maior.

Com isso, procurou o legislador constituinte minimizar os efeitos do fracasso econômico do "plano cruzado", relativamente aos destinatários do favor constitucional, que acreditaram nas promessas governamentais, contraíram financiamentos na expectativa de que sobre eles não recairia correção monetária, ante a divulgação de índices inflacionários iguais a zero no início do falado "plano", mas que, depois, viram seus débitos acrescidos desse encargo por força da realidade econômica adversa que se instalou no País.

O beneficio em comento, denominado "isenção" pelo art. 47 do ADCT, também é tido como "exclusão" de correção monetária, a teor do disposto no "caput" do mencionado dispositivo. A escassa doutrina sobre o assunto e a jurisprudência preferem chamá-lo, muitas vezes, de "anistia" e "exoneração".

Temos, entretanto, que a expressão "isenção" é mais apropriada para denominar o beneficio referenciado, principalmente pela maneira como foi colocado no texto da Constituição, e emprestando-se o conceito do instituto da isenção adotado pelo Direito Tributário - somente para reforçar o argumento - qual seja, a dispensa do pagamento (do tributo) devido.

2 - NATUREZA JURÍDICA DA ISENÇÃO

Sem par no ordenamento constitucional precedente e instituída para acudir situações especiais, a isenção de correção monetária consagrada pelo art. 47 do ADCT desafia uma perfeita identificação de sua natureza jurídica.

Da maneira como o beneficio foi inserido no ADCT tem-se a nítida impressão de que o constituinte se inspirou no favor legal da isenção de impostos. Mas os débitos contraídos junto a bancos, frutos de contratos regidos pelo direito privado, nenhuma conformidade guardam com os tributos, de sorte que se revela uma temeridade dar a conotação daquele instituto de Direito Tributário à matéria ora versada.

Dita isenção tem o sentido de intervenção do Poder Público, (no caso, do Poder Constituinte), nos negócios jurídicos celebrados entre particulares mutuantes e mutuários - para viabilizar o reequilíbrio da situação econômico-financeira destes últimos, extremamente afetada pelo insucesso do falado plano econômico. Aproxima-se, pois do "factum principis", sem, entretanto, com ele se confundir, mormente porque ausentes muitos dos seus elementos caracterizadores, como exemplo, a indenização, à custa dos cofres públicos, pelos danos ou prejuízos sofridos pelos credores, quando privados da correção monetária, a qual, como se sabe, é mera atualização do dinheiro corroído pela inflação.

Não se pode deixar, contudo, de enfatizar tratar-se a isenção de um favor, um beneficio restrito e condicional dirigido às pessoas indicadas no art. 47, I e II, do ADCT.

3 - A INSERÇÃO CONSTITUCIONAL DO BENEFÍCIO

Para que pudesse produzir efeitos, sem maltratar o ordenamento jurídico, a isenção em causa, necessariamente, deveria constar do texto da Constituição? Sem dúvida, a resposta é positiva.

Não pode ser afastada do raciocínio para se chegar a tal conclusão a noção de Constituição formal e material. Esta última tem a ver com a existência de matérias necessária e essencialmente constitucionais; diz-se, portanto, que matéria constitucional é aquela de conteúdo pertinente à Constituição. A formal contém preceitos que deveriam ser objeto da legislação infraconstitucional, mas que, por diversos motivos, inclusive sua importância, são levados ao texto da Carta Magna.

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À luz desses conceitos, revela-se tranqüila a conclusão de que a inusitada isenção contida no art. 47 do ADCT é não só formal como também materialmente constitucional. Com efeito, tratando-se de disposição que retroagiu para interferir nas relações jurídicas consolidadas (ato jurídico perfeito), concedendo direitos para um dos contratantes e ferindo interesses da outra parte, somente poderia ser lançada no ordenamento jurídico pela Maior da Leis, que tem efeito retrooperante em alguns casos, como o ora abordado, atributo este não encontrado na legislação infraconstitucional, sob pena de violação do princípio consagrado no art. 59, XXXVI, da Constituição da República.

E como se trata de matéria destinada a produzir efeitos limitados no tempo, nada mais lógico constasse do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

4 - A VIA ADEQUADA PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO

Facultou-se aos devedores a liquidação dos débitos, observados os requisitos pertinentes, sem correção monetária, estivessem ou não ajuizados.

Não havendo a cobrança judicial o exercício do direito não ofereceu maiores obstáculos, bastando que o interessado se dirigisse ao credor.

Entretanto, recusando-se o banco ou instituição financeira a receber o crédito sem o encargo mencionado, outra alternativa não restou aos devedores a não ser a via judicial.

Para isso foram utilizadas diversas ações, entre outras as cautelares, declaratórias e consignatórias. Tem-se notícia até de mandados de segurança e de injunção, com dita finalidade, apesar de claramente incabíveis à espécie.

As mais ajuizadas e, sem dúvida, pertinentes ao deslinde da questão, foram as ações de consignação em pagamento, fundadas, via de regra, no art. 973, I, do Código Civil. Militando em prol dos consignantes, para afastar a carência de ação, encontra-se o entendimento moderno segundo o qual ditas ações se prestam, também, para discussão em torno da origem, natureza e valor do débito, estendendo-se à consignatória, portanto, caráter declaratório.

E nos casos em que a dívida estava sendo cobrada judicialmente, quase sempre atarvés de execução de título executivo extrajudicial, como proceder o devedor para exercer o direito concedido pelo art. 47 do ADCT? Viu-se na prática que, para tanto, foram opostos embargos à execução e ajuizadas ações de consignação em pagamento.

Adotamos posicionamento contrário ao cabimento dos referidos embargos e da ação de consignação em pagamento para essa finalidade, por diversos fundamentos. Se fôssemos admitir a necessidade do oferecimento de embargos para que os devedores pudessem usufruir do favor constitucional, chegaríamos ao absurdo de negar esse direito aos executados que tivessem perdido o prazo para opô-los ou quando o juízo não estivesse seguro pela penhora. Ademais, a matéria não consta do rol daquelas que ensejam o oferecimento de embargos. A ação consignatória, por seu turno, também se mostra impertinente quando em curso a cobrança judicial - que pressupõe a "mora debitoris" - enquanto que para aquela é imprescindível, no caso, a "mora creditoris".

Por isso que nos parece comportar o exercício do direito em comento mediante simples petição dirigida ao juízo onde tramita a ação de cobrança ou execução, perante quem o devedor deve deduzir sua pretensão e efetuar o depósito correspondente ao débito, sem a correção monetária, apresentando, também, a prova do seu direito, quando esse ônus lhe couber. Alguma discordância ou impugnação feita pelo credor compete ao juiz apreciá-la. Se procedente o pedido do devedor, como conseqüência impõe-se a extinção da execução, por sentença, tendo em vista o pagamento. Caso contrário, indeferida a pretensão, prosseguir-se-á com a execução. A mesma regra, com as adaptações necessárias, é aplicável às demais ações promovidas pelos credores visando a receberem seus créditos.

5 - NATUREZA DO PRAZO PARA PAGAMENTO DA DÍVIDA SEM CORREÇÃO MONETÁRIA

Ficou estabelecido pelo art. 47, § 3º, I, do ADCT, que a isenção em comento somente seria concedida "se a liquidação do débito inicial, acrescido de juros legais e taxas judiciais, vier a ser efetivada no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data da promulgação da Constituição". Pacificou-se o entendimento de que esse prazo expirou-se em 3 de janeiro de 1989. Resta saber se se trata de prazo prescricional ou decadencial.

Decadência é o perecimento de um direito pela falta do seu exercício no prazo previsto em lei; faz desaparecer o próprio direito material que precisava de ser exercitado para se afirmar; o prazo decadencial não se suspende, não se interrompe nem se prorroga; é fatal. A prescrição, por sua vez (extintiva, é a que interessa no caso), extingue o

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direito de ação, ante a inércia do titular da pretensão no prazo legal, impedindo que ele a exerça através de ação judicial. Como tal, sujeita-se à interrupção ou suspensão.

Pela simples leitura do dispositivo constitucional referido constata-se que se trata de prazo decadencial. No máximo até o termo final desse prazo, para merecer o favor, o débito deveria estar liquidado, sem o encargo da correção monetária, aí compreendendo-se o depósito à ordem do juiz, no caso de litígio.

6 - ALGUMAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS SOBRE O ASSUNTO

Ultrapassado o primeiro grau de jurisdição, por força de inúmeros recursos, os Tribunais, como órgãos do Poder Judiciário, no exercício das funções de dirimir conflitos e dizer o Direito, firmaram jurisprudência acerca da isenção de correção monetária concedida pelo art. 47 do ADCT, mas deixando, por outro lado, alguns aspectos da questão com incômoda divergência.

Coletamos os arestos abaixo transcritos que ilustram os entendimentos sobre a matéria.

- Quanto ao prazo para exercício do direito:

"CONSTITUCIONAL. EXONERAÇÃO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 47, § 3º, I DO ADCT. A exoneração de correção monetária para a liquidação dos empréstimos concedidos aos micro e pequenos empresários durante o Plano Cruzado está subordinada à observância do prazo de noventa dias, contados da promulgação da Constituição (art. 47, §3º, I do ADCT). O ajuizamento de consignatória em 28 de abril de 1989, muito além desse prazo, acarreta a perda do direito postulado. Apelação improvida". (TRF, 5ª Reg., 1ª T., AC nº 7.212-RN, Rel. juiz Castro Meira, DJU de 9.11.90).

"O prazo de noventa dias previsto no art. 47, §3º, da Carta Magna é de decadência, não sendo passível de suspensão ou interrupção, como ocorre com a prescrição. A ação declaratória é imprescritível e, pela mesma razão, não está sujeita a decadência. Mas, ocorrendo uma coisa ou outra, relativamente ao direito material, a ação declaratória segue a mesma sorte deste, pois o tempo e o trabalho dos órgãos Jurisdicionais não devem ser gastos quando a sua atividade não for necessária à proteção do direito. O problema transmuda-se, para o interesse de agir - interesse processual. A medida cautelar, preparatória de ação declaratória inútil por falta de interesse de agir, é improsperável em face da carência deste procedimento". (TJSC, 2ª Câm. Civ., Ap. 33.140, Rel, Des. Eduardo Luz, publ. em 12.7.90).

"Se o devedor, na ação de consignação em pagamento, só efetivou o depósito após a fluência do prazo previsto no art. 47, §3º, I, das Disposições Transitórias da CF, operou-se a decadência do direito em pagar o débito com a isenção da correção monetária". (TAPR, 3ªCâm. Civ., AI 243/,90, de 19,6,90, rel. juiz Francisco Muniz).

"Para fruição do beneficio instituído pelo art. 47 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta Magna de 1988, o Legislador Constituinte estabeleceu como requisito básico a liquidação do débito, acrescido de juros e taxas judiciais, no prazo de noventa dias, a contar da promulgação da Constituição. Logo, se, no referido prazo, o mutuário efetuou o depósito de quantia manifestamente insuficiente para o pagamento do débito, não poderá obter o favor constitucional, complementando tal depósito quando já concretizada a decadência do direito em pagar com isenção da correção monetária". (TAPR, 3ª Câm. Civ., Ap. 1.273/90, de 29.5,90, Rel. juiz Tadeu Costa).

"O pagamento de débitos beneficiados pela Anistia Constitucional, em ações em curso, ocorre independentemente de autorização ou cálculo judicial, perdendo o direito a este privilégio o devedor que não efetua o depósito do valor no prazo estipulado pelo art. 47, § 3º, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transit6rias". (TAMG, 1ª Câm. Civ., AI 7.709, de 19.4.90, Rel. juiz Antônio Hélio).

"Não basta para a concessão da anistia o simples protocolo do pedido dentro do prazo previsto no art. 47, § 3º, do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal; é preciso que o requerente leve a solicitação a despacho judicial e liquide o débito naquele prazo constitucional, sob pena de decadência do direito". (TAMG, 1ª Câm. Civ., AI 7.789, publ. em 2.12.89, Rel. juiz Roney Oliveira).

- Quanto ao limite máximo do financiamento:

"Ação declaratória.

Ação declaratória improcedente.

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Quando o limite do empréstimo concedido por instituição financeira, ultrapassar a 5.000 OTNs, na época, o mutuário não gozará dos benefícios da anistia (Inciso IV, § 3º do art. 47, ADCT)". (TJPI, Ap. 7.571, Rel. Des. José Luiz Martins de Carvalho, publ. em 22.5.90).

- Relativamente aos juros:

Juros legais hão de ser aqueles fixados em lei, como previsto no art, 1.062 do Código Civil, e não os pré-fixados em contrato, face ao que dispõe o inciso I do § 3º do art. 47 das Disposições Transitórias da Constituição Federal".(TACivRJ, 6ª Câm., Ap. 2.199/90, de 20.8.90, rel. juiz Arruda França).

- Anistia em empréstimos bancários concedidos a micro e pequenas empresas no período de 28 de fevereiro de 1986 a 31 de dezembro de 1987. Na liquidação do débito incluem-se os juros. A expressão juros legais não significa, necessariamente, que a taxa respectiva seja de 6% ao ano". (TJRJ, 1ª Câm. Civ., Ap. 3.223/89, de 4.6.90, rel. Des. Renato Maneschy).

- A extensão do favor aos avalistas dos beneficiários:

"Já cristalizou a jurisprudência brasileira o conceito de que a anistia constitucional se estende aos avalistas, fiel ao princípio de que, extinta a obrigação principal, extingue-se a garantia que é acessória. Assim, é irrelevante a prova da capacidade econômica do avalista para obrigá-lo a se responsabilizar por dívida já declarada extinta pelo perdão da correção monetária previsto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta Magna/88 (TA PR, 2ª Câm. Civ., AI 446/90, Rel. juiz Antonio Gomes, publ. em 1.8.90).

"Não se pode estender aos avalistas da obrigação assumida os benefícios constitucionais, que têm destinatários certos, quais sejam os micro e pequenos empresários ou seus estabelecimentos e os mini, pequenos e médios produtores rurais, sendo certo não poderem os co-obrigados por aval pretender o abrigo da anistia. A alegação de que o empréstimo teve taxa pré-fixada é irrelevante, porque representa exatamente a correção abolida pela norma maior. E a cobrança de juros contratuais é incorreta, porquanto o § 3º, I, do art. 47 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias se refere expressamente a juros legais, e não contratuais". (TACivRJ, 2ª Câm., Ap. 9.317, de 22.11,89, Rel. juiz Luiz Carlos).

- Alcance da isenção:

"Se o depósito não é integral, deve ser indeferido o pedido de anistia constitucional, cuja isenção se limita única e exclusivamente quanto à correção monetária". (TJMT, 1ª Câm. Civ, AI 3.861, de 5.3.90, Rel. Des. Licínio Carpinelli).

"A não incidência da correção monetária é limitada ao débito principal, contraído no período fixado na norma constitucional. Nela não se incluem parcelas outras, como encargos legais ou livremente pactuados ou cujo desembolso ocorreu posteriormente. Sobre as taxas judiciais deve incidir a correção, para evitar o enriquecimento ilícito e a ampliação dos limites do benefício. Os honorários advocatícios, entretanto não merecem a mesma interpretação. Eles decorrem do débito e a ele estão vinculados". (TARS, 6ª Câm. Civ., AI 189.104.011, de 21.12.89, Rel. juiz Tael Selis Tre).

"Constituindo o contrato de 'leasing' financiamento verdadeiro empréstimo, admissível a concessão do benefício constitucional da anistia da correção monetária". (TAMG , 6ª, Câm. Civ., Ap. 50.663-6, Rel. juiz Herculano Rodrigues, publ. em 8.5.90).

"A isenção constitucional da correção monetária somente concerne a microempresa - as pessoas jurídicas e as firmas individuais - nos termos do art. 47, § 1º, do ADCT e não pessoalmente aos integrantes de sociedade coletiva, quando estes foram os que tomaram o empréstimo sem finalidade específica. Possibilidade de cogitação, no entanto, de outorga do benefício quando há prova de que o numerário se destinou ao pequeno empreendimento. Anistia não reconhecida". (TARS, 5ª Câm. Civ., Ap. 189.096.910, de 5.12.89, Rel. juiz Vanir Perin).

- Valor da causa:

"Movida a ação de consignação por microempresa contra a instituição financeira, objetivando o depósito e quitação do saldo de empréstimo de crédito do Plano Empresário cujas prestações restantes já se venceram sem amortização integral, o valor da causa deve ser fixado pela diferença entre o montante exigido pelo credor e aquele que o consignante pretende pagar. Agravo provido". (TRF, 1ª Região, 1ª T., Rel. juiz Aldir Passarinho, AI 89.01.16539-2-MG, publ. em 28.5.90).

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- Cabimento da ação de consignação em pagamento:

"É certo que nas ações de consignação não se questiona a 'causa debendi' nem o contrato celebrado. Porém no caso do favor constitucional da anistia há que se perquirir sobre o preenchimento e enquadramento do consignante no benefício do favor constitucional, ainda que evidente a renegociação". (TJMT, 1ª Câm. Civ., Ap. 12.710, de 5.2.90, Rel. Des. Aparecido Chagas).

"Sob pena de a inviabilizar ou aniquilar como remédio jurídico, não podem deixar de caber no campo cognitivo, mas não decisório, da sentença da ação de consignação em pagamento, questões sobre a origem, validade, qualidade, pertinência ou montante da dívida. De modo que, se o credor alega ter recusado a prestação por não ser aquela a que tinha direito, não se pode dizer que tal discussão não caiba no processo da consignatória". (TJSP, 2ª Câm. Civ., Eap. 103.528-1, de 6.2.90, Rel. Des. Cezar Peluso).

"Se o mutuário preenche os requisitos para gozar da anistia constitucional, pode exercitar a ação de consignação em pagamento para quitar o valor devido, com a exclusão da correção monetária". (TJRJ, 8ª Câm. Civ., Ap. 3.463/89, de 10.11.89, Rel. Des. Geraldo Batista).

- Ônus da prova:

"Na ação de consignação cabe ao beneficiário, via de prova documental a ser produzida com a petição inicial, e se visa gozar do benefício da anistia constitucional, requerer este reconhecimento. O ônus da prova a que se refere, II e III do § 3º do art. 47 do Ato das Disposições Transitórias, tem significado diverso daquele necessário para prova de enquadramento no favor". (TJMT, 1ª Câm. Civ., Ap. 12.727, de 11.12.89, Rel. Des. Aparecido Chagas) .

"Para usufruir do benefício da anistia fiscal capitulada no art. 47 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal, cumpre à devedora comprovar os pressupostos da lei, dentre os quais o seu enquadramento como microempresa e o depósito do 'quantum' apurado, excetuada tão-só a correção monetária. Não atendendo àqueles requisitos, nega-se a pretensão". (TACivRJ, 6ª Câm., Ap. 9.127, de 31.10.89, Rel. juiz Corrêa da Silva).

- Necessidade de provocação pelo interessado:

"A concessão da anistia do art. 47 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal para microempresário ou pequeno produtor não é aplicável automaticamente ou de ofício, impondo-se ao devedor a sua adequada provocação". (TAMG, 2ª Câm. Civ., Ap. 44.021, publ. em 11.5.90, Rel. juiz João Quintino).

- A previsão do benefício e as concordatas e falências:

"A anistia instituída em prol dos micro e pequenos empresários, nos termos do art. 47 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da vigente Carta Magna, não é pretexto para a paralisação de concordata, tampouco de falência, sob pena de estimular espertos e maus pagadores, levando os credores concorrentes a igual insolvência". (TJSP, 7ªCâm. Civ., AI 121.583-1, de 27.12.89, Rel. Des. Godofredo Mauro).

7 - CONCLUSÃO

A matéria versada é "sui generis". Apareceu no ordenamento jurídico nacional no corpo da Constituição da República - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - socorrendo a situação econômico-financeira abalada dos micro e pequenos empresários ou seus estabelecimentos e dos mini, pequenos e médios produtores rurais, para isentá-los de correção monetária relativamente aos débitos contraídos junto a instituições financeiras e bancos na época do "plano cruzado", desde que efetuassem os pagamentos, sem esse encargo, até 3 de janeiro de 1989.

Uma questão especial que mereceu tratamento igualmente especial, ficando registrada na história jurídica do País, para, quiçá, subsidiar procedimentos em casos análogos no futuro, se for repetida a medida.

Teresina-PI, dezembro de 1990