ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de...

36
Vol. 22 | nº 4 | 2013 ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ANESTESIOLOGIA Órgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia Journal of the Portuguese Society of Anesthesiology

Transcript of ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de...

Page 1: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Vol. 22 | nº 4 | 2013 ISSN 0871 - 6099

Revista da Sociedade Portuguesa de

ANESTESIOLOGIAÓrgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia

Journal of the Portuguese Society of Anesthesiology

Page 2: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 20132

Page 3: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 103

FICHA TÉCNICAEDITOR CHEFE // Editor-in-ChiEfAntónio Augusto Martins - Centro Hospitalar e Universitário de CoimbraEDITORES ASSOCIADOS // AssoCiAtE EditorsIsabel Aragão - Hospital de Santo António, Centro Hospitalar do PortoLucindo Ormonde - Centro Hospitalar Lisboa NorteRosário Orfão - Centro Hospitalar e Universitário de CoimbraCONSELHO EDITORIAL // EditoriAL BoArdDaniela Figueiredo - Centro Hospitalar do PortoFernando Abelha – Centro Hospitalar S. João, Porto Hugo Vilela -Centro Hospitalar Lisboa NorteJoana Carvalhas – Centro Hospitalar e Universitário de CoimbraJorge Reis - Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia - EspinhoJorge Tavares – Faculdade de Medicina da Universidade do PortoJosé Luís Ferreira – Centro Hospitalar Lisboa CentralLuís Agualusa – Unidade Local de Saúde de MatosinhosPaulo Sá – Hospital Amadora Sintra, CVP e Clínica de Santo António, LisboaPedro Amorim – Centro Hospitalar do PortoRui Araújo - Unidade Local de Saúde de MatosinhosSílvia Neves - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

DIREÇÃO DA SPA // sPA BoArdPresidente // PresidentLucindo Palminha do Couto OrmondeVice - Presidente // Vice - PresidentIsabel Maria Marques de Aragão FeshSecretário // SecretaryMaria do Rosário Lopes Garcia Matos OrfãoTesoureiro // TreasurerMaria de Fátima da Silva Dias Costa GonçalvesVogal // Member of the BoardRui Nuno Machado Guimarães

SPA // sPA AddressCentro de Escritórios do Campo GrandeAv. do Brasil, nº 1, 5º andar, sala 71749-028 Lisboatel.: (+351) 913 609 330e-mail: [email protected]

Propriedade e Administração da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia //Portuguese society of Anesthesiology ownership and Management

ISSN 0871-6099 Depósito Legal // Legal deposit nº:65830/93Preço Avulso // Individual Copy 7,5€ / Número // NumberAssinatura // Subscription Rates: 4 edições // 4 copies / 30€Distribuição: Gratuita aos Sócios da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia //distribution: Without Charge for Membership of Portuguese society of AnesthesiologyTiragem // Printed Copies: 2500Periocidade: Trimestral (mar, jun, set, dez) // frequency : Quarterly (Mar, Jun, sep, dec)Design, Concepção Gráfica e Paginação // Graphic design, Paging and Printing: Letra Zen Comunicação [email protected](+351) 936 206 030

Impresso em papel ácido livre // Printed on acid-free paper.

Revi

sta

da S

ocie

dade

Por

tugu

esa

de A

nest

esio

logi

a Vo

l 22

- N

º 4

Artigo de Revisão // review

Monitorização Cerebral eM anestesia de Cirurgia da ArtériA CArótidA – ControvérsiAs

//Cerebral Monitoring in anesthesia of Carotid artery

Surgery - ControverSieS

MARIA DA GRAÇA AFONSO

Artigo de Revisão // review

ECoCArdiogrAfiA trAnsEsofágiCA E CirurgiA vAsCulAr//

transesophageal eChoCardiography and vaSCular Surgery

CéLIA DUARTE

Artigo de Revisão // review

estiMulação Cerebral Profunda no Controlo da dor//

tdeep brain stiMulation to Control pain

DAVID NORA, ANA ISABEL ANDRé, FERNANDA PALMA MIRA, CRISTINA FERREIRA

Perspetiva // Perspective

as Plantas na História da dor//

the plants in the pain history

JOAqUIM J. FIGUEIREDO LIMA

Editorial //

ANTÓNIO AUGUSTO MARTINS

104

105

112

119

126

SumáRIo // ContEnts

Page 4: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013104

antónio augusto Martinseditor da revista da sPa

EditorialCaros colegas,

No número anterior da Revista da SPA fiz referência ao processo de integração da Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia (RSPA) no Serviço de Alojamento de Revistas Científicas Institucionais do Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP).

Neste momento, está atribuído o endereço eletrônico - http://revistas.rcaap.pt/anestesio-logia - nesta plataforma.

A página está em desenvolvimento. Cremos que a sua funcionalidade plena esteja para breve e nela estarão incluídas todas as instruções indispensáveis para a submissão de manuscritos. Estas normas irão, igualmente, estar disponíveis em língua inglesa. Existirá, necessariamente, um período de transição entre as duas formas de submissão, mas os ganhos futuros em organização vão ser evidentes.

A própria conceção da revista sofre alteração significativa pela exposição a públicos mais vastos e por uma interatividade acrescida com os seus conteúdos.

Este número fecha o ano de 2013. Reunimos um conjunto de textos sobre aspetos da monitorização cerebral e ecocardiografia transesofágica para cirurgia vascular; técnicas de estimulação cerebral profunda na terapêutica da dor e sobre a utilização das plantas ao longo da história da Medicina e das civilizações e as suas interferências com a Anestesiologia e os procedimentos cirúrgicos.

A nossa publicação não é imune às dificuldades económicas e sociais sentidas por todos. Por este motivo, condicionámos a expe-dição e distribuição do Nº 3 e 4 em um único porte postal. Agradecemos a Vossa compreensão para este facto.

Mantendo a esperança, desejo um bom Ano de 2014 a todos os colegas e leitores da nossa revista.

Abraço,

António Augusto martinsEditor da Revista da Sociedade Portuguesa de Anestesiologia

Page 5: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 105

artigo de revisão // Review

Monitorização Cerebral eM anestesia de Cirurgia da artéria CArótidA – ControvérsiAs

Maria da Graça afonso1

CeRebRal MonitoRing in anesthesia of CaRotid aRteRy suRgeRy - Controversies

Maria da Graça afonso1

ResumoA cirurgia da carótida condiciona alterações da perfusão sanguínea cerebral no intra e no pós-operatório monitorizadas de várias formas: sinais clínicos, electroencefalografia, potenciais evocados sensitivos, Doppler transcraniano, medição do fluxo sanguíneo cerebral, pressão arterial de retorno carotídea (stump pressure) e oximetria cerebral. Todos estes métodos têm vantagens e limitações, pelo que a sua escolha continua a ser controversa.

AbstractCarotid surgery cause profound changes on the brain blood flow, during and after surgery.Cerebral perfusion may be evaluated by several methods: clinical signals in the awake patient; electroencephalogram; somatosensory evoked potencial; transcranial doppler ultrasonography; xenon blood flow; stump pressure; cerebral oximetry. A revision is made of the available methods of cerebral monitoring with their advantages and limits.

Palavras-chave: - anestesia; - fluxo sanguíneo Cerebral: - Monitorização Cerebral; - doenças das artérias Carótidas/cirurgia

Keywords:- Anesthesia;- Cerebrovascular Circulation;- Cerebral Monitoring;- Carotid Artery Diseases/surgery

Indicação de Endarterectomia Carotídea (EC)

Estudos de larga escala mostraram que a EC melhora o prognóstico de doentes sintomáticos com estenose carotí-dea superior a 70 % comparado com o melhor tratamento médico.1,2 Subsequentemente foi demonstrado que a EC melhora o prognóstico nos doentes assintomáticos com estenose superior a 60 %, embora a redução absoluta de risco seja menor que nos doentes sintomáticos.3

Os grandes benefícios são ganhos se a EC for feita den-tro de duas semanas dos últimos sintomas e, se possível, dentro das 48 h da ocorrência de sintomas neurológicos.4

Apesar de todas as tentativas de tornar o procedimen-to mais seguro, a taxa de mortalidade perioperatória por evento neurológico (stroke) e enfarte de miocárdio ainda se aproxima de 5 %.5

mecanismos de lesão cerebral durante a endarte-rectomia carotídea

Reduzindo o fluxo sanguíneo cerebral regional ou global abaixo de 7 a 10 mL/100 g/min surge uma cascata de acontecimentos que se não for corrigido levará a morte cerebral.

Diminuindo o fornecimento de O2 para níveis que são inadequados para satisfazer a fosforilação oxidativa, re-sultará numa descida do ATP intracelular e acumulação intracelular de lactato.

Privados dos seus fornecedores de energia os neurónios tornam-se incapazes de manter o gradiente iónico trans-membrana normal resultando um influxo de Na+ extrace-lular e água e um efluxo de K+.

Surge despolarização celular com libertação de grandes quantidades de neurotransmissores excitatórios (gluta-mato e aspartato). Estes neurotransmissores excitatórios

1 Chefe de Serviço de Anestesia do S. João - Porto, Portugal

Page 6: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013106

monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias

activam os complexos receptores de membrana NMDA e AMPA e abrem os canais de cálcio.

O influxo de iões Ca++ activa a fosfolipase A2 causando pe-roxidação lipídica e formação de radicais livres citotóxicos.6-9

Durante a EC a redução do fluxo sanguíneo cerebral regional pode ocorrer por: embolia (placa de ateroma, ar, trombo, fragmento da camada íntima) deslocada duran-te a manipulação carotídea ou formada como resultado do processo; perfusão inadequada a seguir à clampagem carotídea; oclusão no local da arteriotomia devido a for-mação de trombo pós-operatório ou dissecção da íntima.

Da revisão de várias séries de doentes e da caracteriza-ção do acidente isquémico em embólico e hemodinâmico (défice de fluxo) concluiu-se que a maioria dos acidentes isquémicos perioperatórios são técnicos (êmbolos liberta-dos durante a manipulação carotídea ou na clampagem, ou complicações associadas com a arteriotomia tais como embolia gasosa, de trombo ou fragmento de íntima). Só uma minoria de lesões neurológicas perioperatórias são puramente de origem hemodinâmica.7-11

Perante a evidência de um episódio de isquemia cere-bral, a intervenção primária é a inserção de uma ponte pro-visória capaz de melhorar o fluxo distal ao clampe. Este aumento de fluxo sanguíneo pode ser documentado por aumento da velocidade na artéria cerebral média (vACM) por Doppler Transcraniano.9,11-13

Por outro lado, a desclampagem carotídea pode estar associada a síndrome de hiperperfusão ou a síndrome de reperfusão associadas com o aumento de fluxo sanguíneo e à repercussão na autorregulação cerebral. Estas altera-ções juntamente com outras alterações hemodinâmicas podem ser documentadas pelas alterações de fluxo na ar-téria cerebral média por Doppler Transcraniano. Podem ter uma duração variável no pós-operatório.9,11-13

monitorização da perfusão cerebral

Em alguns centros a perfusão cerebral não é monitorizada.

Há autores que defendem que nem a monitorização in-traoperatória nem o uso de pontes provisórias são neces-sárias para evitar a isquemia intraoperatória.13,14

Baseiam esta recomendação no fato de a causa usual da isquemia ser um êmbolo, a não fiabilidade das diferen-tes técnicas de monitorização e os riscos associados com o uso de pontes provisórias. Defendem que a anestesia geral juntamente com períodos de oclusão relativamente curtos são suficientes para impedir lesão celular irreversível du-rante períodos de fluxo sanguíneo cerebral reduzido duran-te a clampagem carotídea, como é evidenciado pelos bons resultados referidos pelos autores que evitam as pontes.

Outros autores também consideram a monitorização in-traoperatória da perfusão cerebral desnecessária mas re-comendam o uso por rotina de pontes provisórias durante a clampagem carotídea.

Baseiam a sua recomendação no facto de que as pontes

fornecem fluxo na artéria carótida interna constante du-rante a cirurgia, permitem uma cirurgia não apressada em caso de lesões complicadas e permitem o ensino de novos cirurgiões.9,13,15-18

Muitos centros usam alguns meios de monitorização da perfusão cerebral durante a EC, e, seletivamente, usam pontes durante a clampagem carotídea se surgirem sinais de perfusão inadequada.9,11,13,19-22

monitorização com o doente acordado

O doente acordado permite a melhor forma de monitori-zação cerebral durante a EC.23,34

A técnica anestésica utilizada será o bloqueio do plexo cervical, a infiltração local e muito menos frequente o blo-queio epidural cervical.

A função cerebral é monitorizada por avaliações repe-tidas do nível de consciência do doente, discurso e força muscular contralateral.

Um doente colaborante fornece um meio de monitori-zação neurológica de tolerância à clampagem carotídea altamente sensível e específico e deteta complicações embólicas sintomáticas intraoperatórias.

A evidência de deterioração neurológica permite intervir geralmente com inserção de uma ponte, elevação da pres-são arterial sistémica ou indução de anestesia geral.

Todos os estudos randomizados de anestesia geral versus regional para EC mostraram uma menor incidência de uso de ponte provisória (shunt), com técnicas de anestesia regional.14

Apesar das vantagens óbvias associadas com monitori-zação da função neurológica num doente acordado, na clí-nica não foi demonstrada uma vantagem clara em termos de prognóstico neurológico associado com o uso de anes-tesia regional comparada com o uso de anestesia geral.

Tem como inconvenientes o facto de a sedação diminuir a especificidade da avaliação neurológica (a diminuição de consciência pode dever-se ao efeito farmacológico e / ou por isquemia); em caso de AVC durante a EC a lesão pode aumentar por pior controlo da ventilação e por falta de me-didas de proteção cerebral.9,11,15-17,20,24-26

Eletroencefalografia

A popularidade da anestesia geral para EC estimulou intenso interesse na avaliação de outras técnicas de mo-nitorização que possam ser utilizadas durante a anestesia para identificar doentes em risco de lesão neurológica.

O Eletroencefalograma (EEG) reflete a atividade eléctrica espontânea dos neurónios piramidais corticais surgindo de potenciais pós-sinápticos excitatórios e inibitórios.

As interacções complexas entre grupos de neurónios corti-cais e com células talâmicas resultam em potenciais rítmicos que podem ser gravados usando elétrodos cranianos.

Page 7: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 107

monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias

O EEG pode ser alterado por um grande número de per-turbações fisiológicas incluindo a temperatura, a PaCO2, a hipoxemia e alterações electrolíticas.

Os fármacos anestésicos também afectam a morfologia do EEG dependendo dos fármacos utilizados e da profun-didade anestésica atingida. Os efeitos no EEG de muitos fármacos anestésicos frequentemente empregues estão bem caracterizados.

A interpretação contínua do EEG convencional é feita com aparelhagem mais disponível, necessita de pessoal técnico especializado e permite o estabelecimento de pro-tocolos de monitorização e interpretação.

O EEG microprocessado é de mais fácil interpretação. é feita análise espectral de potência microprocessada.

Desde que a gravação do EEG seja feita durante condi-ções fisiológicas e anestésicas estáveis, o EEG é altamente sensível a alterações no Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC). À medida que o FSC desce abaixo de um limiar as alterações no EEG manifestam-se e progridem num padrão bastante constante de redução média na quantidade de actividade de alta frequência e o aparecimento proeminente de on-das lentas até ao completo desaparecimento da activida-de eléctrica.

O nível de FSC abaixo do qual as alterações no EEG se tornam aparentes tem sido denominado FSC crítico, par-tindo do princípio de que as alterações no EEG observadas refletem disfunção neuronal devida a isquemia.

O FSC crítico está dependente do agente anestésico usado, e em comparações retrospectivas tem sido bem caracterizado para o halotano (17-18 mL/100 g/min), para o enflurano (15 mL/100 g/min) e para o isoflurano (10 mL/100 g/min).

Padrões anormais de EEG associados com EC têm sido bem definidos embora o significado destas alterações per-maneça motivo de controvérsia.

O EEG é considerado um monitor sensível às reduções críticas no FSC; como indicador de prognóstico neurológico a sua especificidade permanece suspeita porque muitos doentes que são identificados como sendo de alto risco não têm um prognóstico adverso. Embora a monitoriza-ção por EEG seja usada em muitos centros para identifi-car doentes de alto risco, dados conflituosos continuam a manter a questão acerca da sua fiabilidade para identificar os que requerem intervenção dado que a ponte provisória também está associada a um risco substancial.11,19,27

Foram estudados 1 009 doentes submetidos a EC sob bloqueio do plexo cervical e com monitorização por EEG, em 39 este permaneceu normal mas o estado clínico dos doentes mostrou isquemia cerebral óbvia. Isto foi explica-do pelo facto de o EEG mostrar lesões à superfície e não revelar isquemia em regiões mais profundas do cérebro; em 52 doentes o EEG mostrou isquemia mas o estado clínico dos doentes não se alterou. Isto pode dever-se ao facto de que o limiar para insuficiência celular eléctrica é menor do que para insuficiência metabólica.9

Potenciais evocados sensitivos

São potenciais eléctricos gerados por neurónios espinais e corticais sensitivos em resposta a estimulação sensitiva: um nervo sensitivo periférico no caso de potenciais evo-cados somatossensitivos, o nervo auditivo para potenciais evocados auditivos (AEP) ou a retina para potenciais evo-cados visuais (VEP).

Porque as regiões do cérebro em risco primário durante a EC residem na distribuição carotídea, os potenciais evoca-dos somatossensitivos representam a técnica de monitori-zação preferida de potenciais evocados.

Os potenciais evocados têm pequena amplitude (1 a 3 μV); para gerar a onda de potencial evocada é feita a mé-dia de sinais de estimulação repetitiva (100 a 500 repe-tições ou mais) permitindo excluir sinais de EEG de base.

Estudos comparando a monitorização dos potenciais evocados somatossensitivos com resultados de EEG pro-duziram resultados conflituosos.

A monitorização de potenciais evocados somatossen-sitivos representa uma monitorização sensível e razoa-velmente específica do estado neurológico durante a EC; contudo comparando com o EEG não oferece melhoria substancial na fiabilidade e os padrões de monitorização e interpretação estão menos bem estabelecidos.

Com base nisto parece pouco provável que os potenciais evocados somatossensitivos suplantem a popularidade do EEG como monitor da função cerebral durante a EC.9,10,15-

17,26,28

Doppler Transcraniano

Ultrassonografia Doppler tem sido muito utilizada para medição não invasiva da velocidade de fluxo sanguíneo no coração e árvore vascular extracraniana.

Em 1982 foi descrito o uso de ecografia Doppler para medir a velocidade do fluxo sanguíneo nas artérias cere-brais basais.

Desde então esta técnica tem sido utilizada para avaliar vasospasmo cerebral a seguir a hemorragia subaracnoi-deia (HSA), diagnóstico de estenose da artéria cerebral, medição de reactividade cerebrovascular, determinação de morte cerebral, detecção de embolia cerebral, avaliação de fluxo sanguíneo cerebral intraoperatório.

O Doppler baseia-se no princípio de que quando um som ultrassónico é refletido de um objecto móvel, o compri-mento de onda do som refletido mudará. A velocidade do objecto pode ser derivada da diferença na frequência entre o som emitido e o refletido (desvio de frequência).

No caso das células sanguíneas em fluxo através de uma artéria o som ultrassónico é refletido num espectro de frequências, pois as células sanguíneas numa secção transversal do vaso sanguíneo movem-se a diferentes ve-locidades.

Page 8: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013108

monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias

A análise do espectro de frequências dos sons refletidos permite o cálculo das velocidades dos fluxos sanguíneos sistólico e diastólico.

O Doppler transcraneano (TCD) é geralmente feito atra-vés da janela temporal, onde o crânio é relativamente fino, mas pode ser feito usando outras abordagens: transorbital, suboccipital e submandibular.

Usando a abordagem transtemporal a velocidade do fluxo pode ser medida na artéria cerebral média, no sifão carotídeo, e na artéria comunicante anterior.

Algumas vantagens do TCD incluem o facto de ser por-tátil, não invasivo, técnica que não envolve exposição a ra-dioactividade e fornecer monitorização contínua.

Como desvantagens tem: incapacidade de assegurar uma janela transtemporal adequada num número signifi-cativo de doentes (10-15 %); perda de sinal devido a des-locamento do sensor; o facto de usar velocidade do fluxo sanguíneo como um índice de fluxo sanguíneo, requer vá-rias premissas que podem nem sempre ser aplicáveis na prática clínica.

Usando o TCD para calcular o fluxo sanguíneo parte-se do princípio de que a área de secção transversal de um vaso e a viscosidade do sangue fluindo através do vaso, permanecem constantes, pois ambos alterarão a relação entre velocidade de fluxo e fluxo absoluto.

Tentativas de ultrapassar estas questões tais como cal-cular o índice de pulsatilidade como reflexo da resistência cerebrovascular permanecem controversas.

Durante a EC, alterações na velocidade são geralmente consideradas refletirem alterações similares no fluxo san-guíneo, desde que a PaCO2 arterial permaneça constante.

Comparando a velocidade média de fluxo sanguíneo na artéria cerebral média, o fluxo sanguíneo cerebral regional e o EEG em 31 doentes submetidos a EC, foi referido que a velocidade média do fluxo se correlacionava muito mal com o fluxo sanguíneo cerebral regional se este for maior do que 20 mL/100 g/min; contudo a correlação entre es-tas técnicas era boa com valores de FSC regional abaixo daquele valor.29

Medições baixas de pressão de retorno e assimetria no EEG ipsilateral têm sido referidas como correlacionando-se bem com a redução na velocidade média de fluxo na arté-ria cerebral média. O TCD tem considerável potencial como monitor de fluxo sanguíneo cerebral durante a EC.

Considerável controvérsia continua relativamente a vá-rias questões técnicas tais como a relação entre FSC abso-luto e velocidade de fluxo sob várias condições clínicas e se a previsão do FSC derivado da monitorização da velocidade do fluxo nos grandes vasos cerebrais se correlaciona com perfusão a um nível regional microvascular.

O conhecimento actual sugere que o EEG é um melhor monitor de disfunção neuronal no córtex cerebral; contudo a avaliação da circulação cerebral de forma não invasiva usando o TCD pode fazer desta técnica um adjunto útil à monitorização por EEG.

Ao contrário da controvérsia que existe em relação ao uso do TCD como monitor do FSC durante a EC, o TCD é um método sensível para detetar embolia cerebral que pode acompanhar a manipulação carotídea, clampagem e inserção da ponte provisória. Vários estudos prospecti-vos demonstraram que o número de êmbolos detetados durante a dissecção carotídea se correlaciona com o risco de prognóstico neurológico adverso e com evidência radio-lógica de lesão cerebral.

O TCD tem sido usado para detetar mau funcionamento da ponte provisória durante a EC.9,13,17,20,29

Medição do fluxo sanguíneo cerebral por eliminação de xénon

A medição do FSC durante a EC é feita via injecção intra-carotídea de um gás inerte radioactivo xénon-133 (133Xe). Contadores de cintilação aplicados à volta da cabeça me-dem a actividade gamma regional do 133Xe ao longo do tempo, a partir do qual é calculado o FSC (medição gama-gráfica da eliminação de xénon). é uma monitorização não contínua com medição só antes e depois da clampagem carotídea.

Estas medições com 133Xe são caras e requerem su-porte técnico especializado; assim o uso desta técnica tem sido limitado a poucos centros.

Correlacionando as reduções no FSC com a evidência de alterações isquémicas no EEG foi referido que um FSC menor do que 15 mL/100 g/min é um indicador altamen-te sensível de isquemia cerebral e é recomendado o uso de ponte provisória carotídea em resposta a um fluxo pós oclusão de menos de 25 mL/100 g/min.

Estudos prospectivos usando o prognóstico neurológico para avaliação da eficácia da determinação do FSC não demonstraram esta correlação.

Estes resultados sugerem que a medição do FSC como a monitorização por EEG são um indicador altamente sensí-vel de isquemia, mas falta-lhes especificidade para iden-tificar o subgrupo de doentes que desenvolverá lesão neu-rológica em resposta a uma redução crítica na perfusão cerebral.6,9,10,20

Pressão de retorno carotídea (stump pressure)

Representa a pressão média medida na porção da arté-ria carótida imediatamente distal à clampagem da caró-tida comum, avaliada a seguir à clampagem da carótida comum e carótida externa.

Representa a pressão retrógrada transmitida ao longo da artéria carótida e reflete a adequação da circulação co-lateral durante a oclusão carotídea.

Durante a EC feita sob bloqueio do plexo cervical medi-ções de pressão de retorno inferiores a 25 mmHg foram referidas como correlacionadas com intolerância à clam-

Page 9: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 109

monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias

pagem e uma pressão de retorno de 25 mmHg era referida como o limiar de adequada perfusão cerebral. Permanece popular em alguns centros como técnica combinada, por exemplo, com EEG.

Em alguns estudos como indicador de prognóstico mos-trou-se tão sensível como o EEG.

A pressão de retorno mínima aceitável que indicaria fluxo sanguíneo colateral adequado para o hemisfério cerebral ipsilateral durante a clampagem carotídea, é referida com valores de 25 a 70 mmHg.

Esta técnica é simples mas a sua fiabilidade em deter-minar a adequação do fluxo sanguíneo colateral tem sido posta em causa. Isto pode ser explicado pelo facto de que a pressão nem sempre se correlaciona com fluxo. Por outro lado, porque a pressão de retorno reflete a média do fluxo sanguíneo para o hemisfério cerebral na totalidade, pode ser incapaz de detetar áreas focais de perfusão compro-metida.9,11,15-17,20

Oximetria cerebral

Oximetria cerebral por espectroscopia óptica infra-vermelha

é uma monitorização não invasiva, contínua, fácil de rea-lizar e de interpretar.

Usa espectrometria infravermelha para calcular a satu-ração da oxihemoglobina cerebral. Mede a oxigenação ar-terial, venosa e capilar produzindo um valor de oxigenação cerebral regional (rSO2). Tem elevado valor preditivo nega-tivo para isquemia cerebral, tem interferências com fluxo sanguíneo não cerebral e com a luz e não pode identificar êmbolos.13,30

Em contraste com a oximetria de pulso que usa as altera-ções pulsáteis na densidade óptica para medir a saturação oxigénio arterial, os oxímetros cerebrais emitem luz continua-mente e medem a saturação de oxigénio arterial, venosa e capilar da hemoglobina no córtex cerebral superficial.

Porque 75 % do volume sanguíneo cortical é venoso, a oximetria cerebral reflete predominantemente a saturação venosa da hemoglobina.

Estudos preliminares em animais com hipoxemia severa demonstram que a saturação venosa cortical diminui an-tes de produzir alterações no EEG.

Há ainda poucos estudos clínicos que validem a oxime-tria cerebral como indicador de prognóstico neurológico ad-verso durante a EC.9,20

Saturação venosa jugular de o2 (Svjo2)A SvjO2 é medida por oximetria fibro-óptica por meio de

um cateter de fibra óptica no bolbo da veia jugular interna ipsilateral.

Tem um bom índice de relação entre o FSC total e o con-sumo de O2 cerebral total.

A taxa metabólica cerebral para O2 (CMRO2) é o produto do FSC pela diferença de conteúdo arteriovenoso cerebral de O2 (A-V DO2).

A CMRO2 reflete o balanço entre a necessidade e o for-necimento de O2.

A-VDO2 = CMRO2 / FSC

A-VDO2 = CaO2 – CvjO2 = Hgb x 1,39 (SaO2 – SvjO2), igno-rando a quantidade de O2 dissolvido.

Porque em muitas circunstâncias a SaO2 é igual a 100, e se a hemoglobina for constante então a A-VDO2 ~= 100 – SvjO2

Desde que a Hgb permaneça constante e a temperatura se mantenha dentro de certos limites, uma alteração na A-VDO2 resultará numa alteração correspondente na SvjO2 em direcção oposta.

De forma similar à oximetria venosa mista que reflete um balanço entre o consumo de O2 sistémico e o débito cardíaco, a SvjO2 reflete o balanço entre o consumo de O2 cerebral e o FSC. quando o aporte de O2 é maior do que a necessidade de O2, como na hiperemia a A-VDO2 diminuirá e a SvjO2 aumentará; durante períodos de isquemia cere-bral global, mais O2 será extraído do sangue e a A-VDO2 aumentará e a SvjO2 diminuirá.

quando a CMRO2 e o FSC são normais a A-VDO2 é de cer-ca de 2,8 μmol/mL ou 6,3 vol % de O2 (varia entre 2,2 a 3,3 μmol/mL ou 5 a 7,5 vol %) e a SvjO2 fica entre 60 % e 75 %.

A fiabilidade do valor da SvjO2 depende da correta colo-cação do cateter a nível do bolbo jugular e da velocidade da colheita da amostra que deve ser de 2 mL/min para não exercer excessiva pressão negativa. Com a oximetria contínua a fiabilidade está dependente da intensidade da luz refletida e da calibração do cateter.

Não tem sensibilidade para detecção de isquemia cere-bral focal.31 Hoje sabe-se que podem ocorrer alterações importantes no FSC sem que se detetem alterações na SvjO2. Não parece ser útil na EC.31

Tensão de oxigénio conjuntival - PcjO2 usando um elétrodo de Clark miniatura

A técnica é similar à medição da tensão de oxigénio transcutâneo que é usada em neonatalogia.

Durante a EC a PcjO2 refletirá o fornecimento de oxigénio cerebral pois o fornecimento sanguíneo da conjuntiva é ori-ginado de ramos da artéria carótida interna.

Comparada com a técnica transcutânea a ausência de camada queratinizada a cobrir a conjuntiva elimina a ne-cessidade de um sensor aquecido e assim elimina o arte-facto induzido pelo aquecimento tecidular durante a me-dição da PcjO2.

Durante a EC, uma descida na PcjO2 acompanha a clam-pagem carotídea; contudo as medições da PcjO2 têm gran-de variabilidade interindividual e correlaciona-se mal com a saturação venosa jugular de oxihemoglobina e com a pressão de retorno.

Page 10: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013110

monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias

Não há ainda dados que definam a fiabilidade da PcjO2 comparada com outros monitores neurológicos ou como indicador de prognóstico neurológico.

O seu papel como monitor durante a EC mantém-se ina-dequadamente definido.9,11

monitorização e prognóstico

O uso de técnicas de monitorização neurológica durante a EC é baseado em duas premissas:

1. O monitor é capaz de identificar de forma fiável doentes em risco de desenvolver lesão neurológica intraoperatória.

2. Depois da identificação poderiam pôr-se em curso in-tervenções de modo a impedir lesão neurológica irreversí-vel, melhorando assim o prognóstico.

Apesar do grande interesse, ambas as premissas conti-nuam controversas.9,11,20

Embora o uso de alguma forma de monitorização neu-rológica seja popular durante a EC, a obtenção dos dados convincentes de que os monitores disponíveis possam de forma fiável identificar doentes que venham a ter prognós-tico adverso é controverso e confundido por vários fatores.

Primeiro, como foi referido, a maioria das lesões neu-rológicas intraoperatórias são de natureza trombótica ou embólica.

Estes acontecimentos não respondem a intervenções correntemente disponíveis.

Segundo, a identificação de um acontecimento clínico que é provável de produzir lesão neurológica que possa ser modificada por uma intervenção disponível poderá alterar o prognóstico. Por enquanto nenhuma intervenção efetiva ou forma de protecção cerebral está disponível.

No caso da EC a intervenção, mais frequentemente em-pregue, é a colocação de uma ponte provisória, um proces-so que se acompanha de um risco substancial indepen-dente de lesão neurológica devido a mau funcionamento ou complicações embólicas.

Para minimizar a exposição a complicações relacionadas com pontes provisórias, muitos cirurgiões advogam a co-locação destas seletivamente baseados na evidência de intolerância à clampagem monitorizada; contudo a utiliza-ção da ponte provisória de forma seletiva requer um mo-nitor neurológico que não seja só altamente sensível (isto é, identifique de forma fiável doentes que sofrerão uma lesão neurológica se alguma intervenção não for iniciada), mas também altamente específico (isto é de forma fiável exclua doentes que não estejam em risco).

Vários monitores neurológicos, particularmente EEG e FSC, têm-se mostrado indicadores sensíveis de diminuição crítica na perfusão cerebral; contudo, a especificidade des-tes monitores permanece controversa. Como resultado, es-tudos referindo experiência com ponte provisória carotídea durante EC falham em demonstrar prognóstico neurológico superior.

Terceiro, durante a EC a perfusão cerebral regional é muitas vezes reduzida mas raramente completamente abolida.

Se o tecido neural é capaz de tolerar uma redução na perfusão, depende da gravidade e duração da redução bem como da taxa metabólica do tecido em risco.

Uma combinação não tolerável de todos os três fatores é necessária para a lesão neurológica ocorrer.

Um monitor neurológico com elevada sensibilidade pre-cisa de identificar só uma destas condições para de forma fiável prever doentes de alto risco.

Os monitores correntes identificam de forma fiável redu-ções críticas na perfusão cerebral. Em contraste, alta especi-ficidade (isto é identificação fiável de condições de alto risco que progredirão para lesão) requerem um monitor que seja capaz de avaliar a combinação dos três fatores.

Os monitores disponíveis têm baixa especificidade; em-bora sejam indicadores fiáveis de risco, são indicadores imprecisos de prognóstico.9

Avanços no papel da monitorização neurológica durante a EC requer evidência definitiva de que o uso destas téc-nicas se traduz numa melhoria da morbilidade neurológi-ca.9,13,20,32

Conclusão

Uma grande variedade de monitores neurológicos têm sido usados durante a EC.

O EEG é usado muito frequentemente. A sua sensibilida-de em detetar isquemia cerebral tem o suporte de enorme experiência clínica.

As medições do FSC usando 133Xe são altamente sen-síveis mas a tecnologia é cara e a necessidade de equipa especializada impede o seu uso em muitos centros.

A monitorização com potenciais evocados mostra-se promissora, mas a experiência clínica com a técnica é ina-dequada e não parece oferecer uma vantagem distinta comparada com o EEG.

A fiabilidade do TCD não está também provada e a ex-periência com a técnica durante a EC é limitada. Contudo a capacidade única do TCD detetar e quantificar êmbolos pode provar-se útil especialmente quando usado em con-junção com outra modalidade.

Adicionalmente o TCD pode ser usado para avaliar a ponte provisória e a permeabilidade da carótida no perío-do perioperatório.

Embora a pressão de retorno carotídea seja simples de executar e largamente usada, não há consenso em rela-ção ao valor que fiavelmente faça previsão de isquemia cerebral.

Apesar do grande interesse, não há ainda dados que convictamente demonstrem que a monitorização neuro-lógica durante a EC melhore substancialmente o prognós-tico.

Page 11: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 111

As intervenções referidas em resposta à evidência de isquemia cerebral, particularmente a ponte provisória ca-rotídea, continuam a transportar um risco de lesão neuro-lógica significativo independente; à tecnologia de monito-rização corrente continua a faltar precisão suficiente para de forma fiável prever os doentes que mais provavelmente beneficiarão das intervenções disponíveis.

O futuro da monitorização neurológica durante a EC de-pende de avanços futuros.

O desenvolvimento de uma intervenção segura e alta-mente eficaz, meios de protecção cerebral, ou melhoria na técnica cirúrgica que possa ser aplicada a um grande seg-mento da população em risco, negará a necessidade de desenvolvimento de mais monitores específicos.

Pelo contrário, o progresso no sentido de melhorar a espe-cificidade através do desenvolvimento de novas tecnologias, combinações de técnicas existentes ou critérios de interpre-tação mais precisos melhorarão a relação risco/beneficio as-sociado com intervenções correntemente disponíveis.

referências

1. European Carotid Surgery Trialists Collaborative Group. Randomi-zed trial of endarterectomy for recently symptomatic carotid stenosis: final results of the MRC European Carotid Surgery Trial (ECST). Lancet. 1998; 351: 1379-87.

2. North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial Colla-borators. Beneficial effect of carotid endarterectomy in symptomatic pa-tients with high-grade carotid stenosis. N Engl J Med. 1991; 325: 445-53.

3. MRC Asymptomatic Carotid Surgery Trial (ACST) Collaborative Group. Prevention of disabling and fatal strokes by successful caro-tid endarterectomy in patients without recent neurological symptoms: randomised controlled trial. Lancet. 2004; 363: 1491- 502.

4. NICE Clinical Guideline 68 . Stroke: Diagnosis and Initial Mana-gement. 2008. [consultado em out 2013]. Disponível em: http:// www.nice.org.uk/cg68

5. Lewis SC, Warlow CP, Bodenham AR, Colam B, Rothwell PM, Tor-gerson D, et al. General anaesthesia versus local anaesthesia for caro-tid surgery (GALA): a multicentre, randomised controlled trial. Lancet. 2008; 372: 2132-42.

6. Werner C, Kochs E, Hoffman WE. Cerebral blood flow and meta-bolism. In: Maurice SA, editor. Textbook of Neuroanesthesia. New York: McGraw-Hill Companies; 1997. p 21-59.

7. Boop BS, Sherman DG. Cerebrovascular disease. In: Maurice SA. editor. Textbook of Neuroanesthesia. New York: McGraw-Hill Compa-nies; 1997. p 501-520.

8. Joseph M, Messick Jr, Thoralf M, Sundt Jr. Ischemia cerebral and vascular disease. In: Cucchiara RF, editor. Clinical Neuroanesthesia. Phi-ladelphia: Churchill Livingstone; 1998. p 319-341.

9. Drader KS, Herrick IA. Carotid endarterectomy: monitoring and its effect on outcome. Anesthesiol Clin N Am.1997; 15: 613-29.

10. Fitch W. Cerebral blood flow: physiological principles and me-thods of measurement. Monitoring the Central Nervous System. Sebel PS, Fitch W, editors. Oxford: Backwell Science; 1994. p 78.

11. Hannallah MS. Anesthetic management of patients undergoing carotid endarterectomy; Anesthesiol Clin N Am. 1995; 13: 147-63.

12. O’Connor CJ, Tuman KJ. Anesthetic Considerations for carotid artery surgery. In: Kaplan JA, , Lake CL, Murray M,editors. Vascular Anesthesia.2nd ed. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2004. p.187-98.

monitorização Cerebral em Anestesia de Cirurgia da Artéria Carótida – Controvérsias

13. Howell SJ. Carotid endarterectomy. Br J Anaesth. 2007; 99: 119-31.

14. Stoneham MD. Anaesthesia for carotid artery disease.In: Moores C, Nimmo CM, editors. Core Topics in Vascular Anaesthesia. Cambridge: Cambridge University Press; 2012. p. 170-181.

15. Norris EJ. Anesthesia for Vascular Surgery. In: Miller, editor. Anesthesia. 7th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone; 2010. p 11685-2044.

16. Yastrebov K. Intraoperative management: carotid endarterecto-mies. Anesthesiol Clin N Am. 2004; 22: 265-287.

17. Mcpherson RW. Intraoperative Neurologic Monitoring. In: Long-necker DE, Tinker JH, Morgan GE, editors. Principles and Practice of Anesthesiology. 2nd ed. Philadelphia: Mosby; 1998. p 883-906.

18. Bond R, Rerkasem K, Counsell C, Salinas R, Naylor R, Warlow CP, et al. Routine or selective carotid artery shunting for carotid endarte-rectomy: (and different methods of monitoring in selective shunting). Cochrane Database Syst Rev. 2002; CD000190.

19. Marc J. Bloom. EEG monitoring: intraoperative application. Anes-thesiol Clin N Am. 1997;15 : 551-71.

20. Sauborn KV. Anesthesia for surgery of the carotid artery. ASA Refresher Courses Anesthesiol. 1997; 13; 153-67.

21. Stoneham M. Anaesthetic techniques for carotid surgery. Anaesth Intensive Care Med. 2010; 11:184-86.

22. Ladak N, Thompson J. General or local anaesthesia for carotid endarterectomy? Contin Educ Anaesth Crit Care Pain. 2012; 12: 92-96.

23. Sebel PS. Evoked potencials. In: Sebel PS, Fitch W, editors. Monitoring the Central Nervous System.Oxford: Blackwell Science; 1994. p. 267-93.

24. Spargo JR, Thomas D. Local anaesthesia for carotid endarterec-tomy. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain. 2004; 4: 62-5.

25. Rerkasen K, Rothwell PM. Local versus general anaesthesia for carotid endarterectomy . Cochrane Database Syst Rev. 2008; CD000126.

26. Polis TZ, Lanier WL. An evaluation of cerebral protection by anesthetics, with special reference to metabolic depression. Anesthe-siol Clin N Am. 1997;1: 691-717.

27. Rampil IJ. Electroencephalography. In: Sebel PR, Fitch W, edi-tors. Monitoring the Central Nervous System.Oxford: Blackwell Science; 1994. p 222-266.

28. Shoan TB. Clinical monitoring of the brain and spinal cord. ASA Refresher Courses Anesthesiol. 1997; 25: 183-90.

29. Barrow DL, Martin NA. Intraoperative imaging: cranial ultrasound and cerebral angiography In: Sebel PS, Fitch W, editors. Monitoring the Central Nervous System.Oxford: Blackwell Science; 1994. p 330-355.

30. Stoneham MD, Thompson JP. Arterial pressure management

and carotid endarterectomy. Br J Anaesth. 2009; 102: 442-52.

31- Lam AM, Mayberg TS. Jugular bulb venous oximetry monitoring. Anesthesiol Cli N Am. 1997; 15:533-49.

32. Fleisher LA, Beckman JA, Brown KA, Calkins H, Chaikof E, Fleish-mann KE, et al. ACC/AHA Guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgery: a report of the American College of Cardiology/ American Heart Association Task Force on Prac-tice Guidelines (Writing Committee to Revise 2002 Guidelines on Pe-rioperative Cardiovascular Evaluation for Noncardiac Surgery). Circula-tion. 2007; 116:418-99.

Page 12: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013112

artigo de revisão // Review

transesophageal eChoCardiography and vasCular surgeryCélia duarte 1

ECoCArdiogrAfiA trAnsEsofágiCA E CirurgiA vAsCulArCélia duarte 1

SummaryAccording to the present guidelines, transesophageal echocardiography is indicated in major vascular surgery. the goal of this work is to know transesophageal echocardiography impact in the diagnosis of surgical aorta pathology, in the guidance of anesthetic and surgical management and postoperative monitoring, for what were studied the following items: global clinical impact of transesophageal echocardiography in non-cardiac surgery, transesophageal echocardiography during perioperative of aorta’s aneurysms and dissections, endovascular repair of the aorta, traumatic injury of the aorta, of thromboembolic disease and vena cava cancer.

ResumoSegundo as guidelines atuais, o ecocardiograma transesofágico está indicado na cirurgia vascular major. O objetivo deste trabalho é determinar qual é o impacto do ecocardiograma transesofágico no diagnóstico de patologias da aorta susceptíveis de correção cirúrgica, na orientação da abordagem anestésica e cirúrgica e na monitorização destes pacientes no pós-operatório. Para o efeito, os seguintes itens foram estudados: impacto clínico geral do ecocardiograma transesofágico na cirurgia não cardíaca, ecocardiograma transesofágico no peri-operatório de aneurismas e disseções da aorta, da cirurgia endovascular da aorta, de lesões traumáticas da aorta, do tromboembolismo e de tumores da veia cava inferior.

Palavras-chave: - aorta/cirurgia;- Ecocardiografia Transesofágica;- Procedimentos Cirúrgicos Vasculares

Keywords: - Aorta/surgery;- Echocardiography, Transesophageal; - Vascular Surgical Procedures

Em 1980, foram publicados os resultados da primeira utili-zação de uma sonda para monitorização hemodinâmica ven-tricular contínua no intra-operatório.1

As primeiras guidelines para ecocardiograma transesofági-co (ETE), no peri-operatório, foram publicadas em 1996 pela American Society of Anesthesiologists (ASA) e pela Society of Cardiovascular Anesthesiologists (SCA).2 Estas guidelines recomendam a ETE no intra-operatório, sobretudo nos proce-dimentos de categoria I e II.2 No que se refere à cirurgia não cardíaca, a única indicação de categoria I é o paciente com endocardite com extensão da infecção ao tecido perivalvu-lar ou avaliação pré-operatória indefinida.2 As indicações de categoria II são a avaliação pré-operatória de pacientes com suspeita de dissecção aguda da aorta torácica ou de aneu-risma; o diagnóstico de rotura traumática da aorta torácica, no pré-operatório e na monitorização durante a sua correção cirúrgica; a identificação de fontes de embolismo aórtico; a avaliação dos locais de anastomose durante o transplante pulmonar e todas as anestesias durante as quais se prevê

que haja risco aumentado de isquemia do miocárdio e/ou e risco de perturbações hemodinâmicas no intraoperatório.2

Mais recentemente, em 2010, a European Association of Echocardiography publicou recomendações para ETE, que in-cluem a dissecção da aorta e o aneurisma da aorta.3 Os aspe-tos a observar são aorta ascendente e descendente em longo e curto eixo, arco aórtico, válvula aórtica, relação da membra-na de dissecção com os óstios coronários, derrame pericárdico e derrame pleural, locais de entrada/reentrada da dissecção e contraste espontâneo ou formação de trombo lúmen falso.3

ETE e cirurgia não cardíaca

A utilização do ETE, por rotina, no intra-operatório propor-ciona uma melhoria da abordagem tanto anestésica como cirúrgica, o que poderá condicionar uma melhoria do prognós-tico para os pacientes.4 A ETE no intra-operatório pode con-firmar o diagnóstico pré-operatório, fornecer detalhes adicio-nais que podem orientar o procedimento cirúrgico e ajudar na abordagem hemodinâmica.4

Da informação obtida por ETE, os parâmetros mais rele-vantes são: a função sistólica do ventrículo esquerdo (VE),

¹ Assistente Hospitalar de Anestesiologia no Centro Hospitalar de Lisboa Central, Portugal

Page 13: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 113

a função diastólica e pressão telediastólica do VE, o débito cardíaco, a pressão sistólica da artéria pulmonar, a dimensão auricular, a função valvular, a deteção de massas, vegetações e trombos intracavitários, o pericárdio e a morfologia da veia cava inferior e da aorta.5

Impacto clínico geral do ETE na cirurgia não cardíaca

Os dados funcionais e hemodinâmicos mais relevantes ob-tidos pelo ETE na cirurgia não cardíaca são: a função sistólica global, a função diastólica, a contractilidade segmentar do miocárdio e a resposta à fluidoterapia.

Hofer et al estudaram o impacto do ETE na abordagem hemodinâmica em 99 pacientes com risco de isquemia do miocárdio ou instabilidade hemodinâmica no intra-operatório de cirurgia vascular, torácica e visceral.6 Houve alteração na terapêutica farmacológica e na fluidoterapia em 47 % e 24 % dos pacientes, respetivamente. O ETE teve um impacto sig-nificativo na terapêutica farmacológica em pacientes com alterações da contractilidade segmentar e nos pacientes com insuficiência cardíaca esquerda, conhecida no pré-operatório. Houve instituição ou alteração da terapêutica vasodilatado-ra em 55 % dos pacientes e da terapêutica vasopressora em 43 %. A terapêutica vasodilatadora teve sucesso nas altera-ções da motilidade segmentar em 13 pacientes.6 O ETE pare-ceu ser particularmente importante nos pacientes com hiper-tensão arterial pulmonar (n=11) e insuficiência cardíaca direita (n=28), mas o número reduzido de pacientes não permite tirar uma conclusão estatisticamente significativa.6

Suriani et al reportaram que o ETE teve impacto na toma-da de decisão em 81 % dos pacientes, no intra-operatório de cirurgia não cardíaca, mas a população incluía apenas pacien-tes de alto risco.7

Num outro estudo envolvendo 50 pacientes com risco ele-vado de isquemia do miocárdio, 29 dos quais submetidos a cirurgia vascular demonstrou-se a superioridade do ETE na deteção de isquemia do miocárdio no intra-operatório.8 A de-teção de alterações na motilidade parietal no intra-operatório, foi quatro vezes superior ao da incidência de alterações do segmento ST.8 O ETE foi particularmente importante nos ca-sos em que o ECG não pode ser analisado, devido a pertur-bações da condução ou à presença de pacemaker. O valor preditivo negativo do ETE para enfarte agudo do miocárdio (EAM) no intra-operatório foi de 100 %.8 A detecção precoce da isquemia pode melhorar o tratamento dos eventos isqué-micos e reduzir a morbimortalidade.1,8 Segundo Mahmood et al a falta de correlação de alterações da motilidade da pare-de, no peri-operatório, com EAM no pós-operatório imediato, deve ser entendido como um argumento a favor do ETE, na medida em se detetarmos precocemente a isquemia, pode-mos corrigir as variáveis que possam estar a provocá-la e im-pedir a ocorrência de EAM.1

Schmidin et al documentaram a realização de ETE em 1891 pacientes, por onze anestesiologistas, no pré e no pós--operatório, com o objetivo de avaliar o impacto do ETE e a variabilidade interobservador na abordagem dos pacientes no intra-operatório de cirurgia vascular major e cirurgia cardía-ca.9 Em 49 % dos pacientes, o ETE forneceu informação que influenciou o tratamento.9 Para as cirurgias vasculares major, as consequências do ETE na tomada de decisão no intra-ope-ratório consistiram sobretudo na modificação dos fármacos e da fluidoterapia.9

As limitações do ETE advêm da natureza intermitente da monitorização, da incapacidade de diagnosticar a isquemia se não forem monitorizados as paredes e os segmentos ade-quados ou se houver alterações abruptas da pós-carga (que, por si só, provocam alterações da motilidade da parede) e da variabilidade interobservador.1

As complicações graves do ETE são raras desde que sejam respeitadas as contraindicações para a técnica.6 As contrain-dicações absolutas incluem cirurgia esofágica prévia, doença esofágica major (estenose, divertículo, tumor, esofagite, sín-drome de Mallory-Weiss e varizes esofágicas) e compressão vascular externa por um aneurisma da aorta torácica.6

ETE e cirurgia vascular

A dissecção da aorta e o aneurisma da aorta têm indica-ção para ETE, segundo a European Association of Echocadio-graphy e o Echo Committee of the European Association of Cardiothoracic Anaesthesiologists.3 As incidências e estrutu-ras a observar nestas situações são: aorta ascendente, aorta descendente e arco aórtico, em longo e curto eixo, o diâmetro máximo aórtico, flap, hematoma intramural e líquido para--aórtico, válvula aórtica, relação entre a membrana de dis-secção e os óstios coronários, derrame pericárdico e pleural, locais de entrada e reentrada da dissecção e contraste espon-tâneo ou formação de trombo em falso lúmen.3

Os pacientes submetidos a procedimentos vasculares têm um risco elevado de complicações cardíacas peri-operatórias, devido à natureza invasiva do procedimento, assim como à prevalência elevada de doença das artérias coronárias.10 Para além disto, os pacientes submetidos a cirurgia da aorta to-rácica e abdominal estão em risco de isquemia da medula espinhal, renal e mesentérica.11-14

Recentemente foram demonstradas alterações na função diastólica do ventrículo esquerdo durante a clampagem da aorta abdominal, independentemente da função sistólica.1

Segundo Hofer et al nos 33 pacientes de cirurgia vascular (major e periférica) estudados obtiveram-se sete diagnósticos pelo uso de ETE que determinaram intervenções peri-opera-tórias e avaliações adicionais no pós-operatório (21 pacientes com doença valvular, um com cardiomiopatia obstrutiva hi-pertrófica e um com trombo auricular).6

Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular

Page 14: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013114

ETE nos aneurismas e dissecções da aorta

A utilização do ETE nas cirurgias de aneurismas ou de dis-secções da aorta apresenta vantagens tanto no pré-operató-rio, como no pós-operatório. No intra-operatório, o ETE, contri-bui para alteração das abordagens anestésica e cirúrgica.7,25-29

Sommer et al estudaram 49 pacientes sintomáticos com suspeita clínica de dissecção da aorta.7 A investigação diag-nóstica foi realizada com ETE multiplanar, Tomografia Compu-torizada (TC) helicoidal com contraste e ressonância magnéti-ca. A sensibilidade na deteção de dissecção da aorta torácica foi de 100 % para todas as técnicas. A especificidade foi de 100 %, 94 %, e 94 % para a TC helicoidal, ETE multiplanar e ressonância magnética, respetivamente.7 Na avaliação do en-volvimento do arco aórtico, a sensibilidade do ETE multiplanar, da TC helicoidal, e da ressonância magnética foi de 93 %, 60 % e 67 %, e a especificidade foi 97 %, 85 % e 88 %, respetiva-mente.7 A TC helicoidal e a ETE multiplanar são igualmente válidas na detecção de disseção da aorta torácica. Na avalia-ção das ramificações supra-aórticas, a TC helicoidal é superior (P <0.05).7

Ayyash et al demonstraram que o ETE pode ser útil na esco-lha da via de abordagem na cirurgia da aorta torácica. Assim, em 12 dos 25 casos (n=500) em que optaram por cateteri-zação axilar, subclávia ou inominada, o ETE contribuiu para essa escolha ao demonstrar ateromatose móvel com poten-cial para embolização durante perfusão retrógrada através da artéria femoral.7

A avaliação da dissecção da aorta no intra-operatório é importante porque a má perfusão dos ramos visceral ou cer-vical, a extensão da dissecção para a aorta ascendente e o hematoma peri-aórtico muitas vezes necessitam de cirurgia adicional, para a qual a orientação do ETE é importante.25 O ETE tem uma valor elevado na dissecção da aorta no intra--operatório porque constitui a única forma de diagnóstico, para além da visualização direta da parede da aorta.25

Gamos et al detetaram um caso de dissecção retrógrada, diagnosticado por ETE, durante uma cirurgia eletiva de aneu-risma da aorta, depois da desclampagem da aorta. Foi de-cidido um tratamento conservador da dissecção porque não havia sinais de sofrimento de órgão e o doente encontrava-se bem do ponto de vista hemodinâmico.25

Lafrati et al documentaram a alteração da abordagem in-tra-operatória em nove de 17 pacientes submetidos a cirurgia de aneurisma toraco-abdominal, devido à utilização do ETE.26 Em dois pacientes detetou-se insuficiência da válvula mitral e noutro observaram-se alterações da motilidade da parede in-duzidas por isquemia aguda. Em seis pacientes, foram obser-vadas alterações hemodinâmicas significativas, que o cateter arterial pulmonar (CAP) não identificou (cinco pacientes esta-vam hipovolémicos e hiperdinâmicos e um estava em insufi-ciência cardíaca congestiva). Num paciente que tinha função ventricular normal antes da clampagem da aorta, a pressão arterial sistémica diminuiu muito depois da clampagem. O ETE mostrou uma grande dilatação do ventrículo esquerdo e hipocinésia global. A administração imediata de agentes ino-

Schmidin et al realizaram o ETE em 187 cirurgias vascu-lares major.9 No grupo de pacientes submetidos exclusiva-mente a cirurgia vascular (n=123), houve impacto do ETE na administração de fluidos e fármacos em 31,7 %, alteração da cirurgia em 2,4 % e em 8,9 % foi feito um novo diagnóstico.9

Avaliação da pré-carga por ETE

No âmbito da anestesiologia para cirurgia vascular major é importante conhecer a pré-carga do paciente, no início e durante intervenção cirúrgica para manter uma volemia ade-quada. Dado que muitos destes pacientes têm insuficiência cardíaca e podem ter grandes perdas hemáticas, o ETE pode ter um papel importante na gestão dos fluidos administrados.

A dimensão telediastólica do ventrículo esquerdo, medido por ETE, permite uma avaliação rápida da pré-carga do ven-trículo esquerdo.15,16 Existe resposta positiva à fluidoterapia quando a dimensão telediastólica do ventrículo esquerdo não sofre alterações depois da administração de bolus de fluidos, havendo concomitantemente um aumento do volume sistóli-co e do débito cardíaco.16

Greim et al estudaram a relação entre os índices de pré--carga, obtidos por ETE (área telediastólica, e área sistólica em telediástole, do ventrículo esquerdo, em curto eixo), e o vo-lume sistólico calculado a partir do débito cardíaco obtido por termodiluição, em 16 pacientes ventilados na UCI. Por existir uma estabilidade na relação entre eles, para vários valores de índice cardíaco, este estudo apoia a utilização do ETE para monitorização da pré-carga no doente crítico.17

O ETE também pode ser usado para avaliar a pressão tele-diastólica do VE (LVEDP) por intermédio de índices derivados do Doppler pulsado transmitral, velocidade de propagação do fluxo transmitral (Vp) e velocidade de Doppler tecidular anular mitral.18 A razão entre a velocidade de enchimento precoce transmitral (E), avaliada por Doppler pulsado, e a velocidade diastólica precoce do anel mitral (E’), obtida com Doppler teci-dular; ou a razão entre a velocidade E e Vp (E/Vp) podem ser usados para prever a LVEDP.19 O estudo do anel mitral com Doppler tecidular é mais rigoroso para estimativa das velo-cidades do que o fluxo transmitral em pacientes com função sistólica normal, por ser menos dependente da volemia.20,21

O índice de Tei ou índice de performance do miocárdio (IPM) é um índice obtido por Doppler da função global do miocárdio, que consiste no quociente entre o somatório do tempo de re-laxamento isovolumétrico (TRIV) mais o tempo de contração isovolumétrico (TCIV) e o tempo de ejeção (FC) [(TRIV+TCIV)/FC].22-24 O prolongamento deste significa que o débito car-díaco é baixo, por aumento do TCIV ou TRIV ou por redução do tempo de ejeção. 22-24 quando um paciente tem um IPM aumentado, o ETE permite identificar qual é a fase do ciclo cardíaco que está afetada, orientando assim as intervenções terapêuticas.22-24

Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular

Page 15: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 115

trópicos, com reposição mínima de fluidos melhorou a con-tractilidade e conduziu à estabilidade do doente. No momen-to da desclampagem, também se verificaram discrepâncias entre a pressão na artéria pulmonar e as imagens ecocar-diográficas. Depois da desclampagem, as pressões da artéria pulmonar estiveram elevadas (aumento médio de 5mmHg). O ETE mostrou um ventrículo esquerdo hiperdinâmico e de pequenas dimensões, indicativos de volémia inadequada.26

Gillespie et al monitorizaram a pressão de oclusão da ar-téria pulmonar com CAP e o volume diastólico do ventrícu-lo esquerdo com ETE a duas dimensões, em 22 pacientes submetidos a correção cirúrgica de aneurisma da aorta ab-dominal, antes, durante e depois da oclusão da aorta.27 As imagens de ETE foram obtidas a nível mesopapilar. A pressão de oclusão da artéria pulmonar correlacionou-se com a área telediastólica do ventrículo esquerdo, mas a correlação não foi forte (r=0.37, P <0.0001). Para o mesmo paciente a POAP foi constante durante variações grandes da área telediastóli-ca do ventrículo esquerdo. A força da correlação foi cada vez menor, com o decurso da cirurgia após a desclampagem aór-tica (r=0.25, P=0.005).27

D’Angelo et al estudaram sete pacientes por ETE e catete-rismo arterial pulmonar, submetidos a cirurgia de aneurisma da aorta abdominal por via laparoscópica e questionaram a fiabilidade das avaliações obtidas pelo CAP durante o pneu-moperitoneu.28 A insuflação aumentou a pressão diastólica da artéria pulmonar e a pressão venosa central. Contudo, o estado de volume não variou, como foi sugerido pela área diastólica final e pela pressão capilar pulmonar.28 O ETE é um dispositivo de monitorização independente da pressão intra-torácica e pode ser suficiente para a avaliação do estado de volume, com o benefício de detetar alterações da motilidade da parede. qualquer efeito adverso do pneumoperitoneu, na pré-carga ou na contractilidade ventricular, é rápida e imedia-tamente identificado.28

A alteração rápida da volemia, durante a cirurgia da aorta, impossibilita a utilização da avaliação convencional da função diastólica através da ecocardiografia.29 Mahmood et al reali-zaram um estudo observacional prospetivo com 45 pacientes e verificaram uma correlação excelente entre a razão E/A e a velocidade da propagação do fluxo transmitral (Vp) para o diagnóstico de disfunção diastólica (24/25 casos) e padrão pseudonormal (18/20 casos), em pacientes submetidos a ci-rurgia eletiva de aneurisma da aorta abdominal.29

ETE na cirurgia endovascular da aorta

As vantagens do ETE durante a cirurgia da aorta por via en-dovascular são: otimização da abordagem anestésico-cirúrgi-ca, diminuição da necessidade de administração de contraste endovenoso com redução do risco de lesão renal, e diminuição da exposição à radiação.30,31

A informação obtida por ETE permite a melhoria da técnica cirúrgica, a redução do tempo operatório e uma resposta mais adequada às alterações hemodinâmicas na cirurgia endovas-cular da aorta. Inclui:

- Morfologia aórtica, como a extensão do aneurisma, a di-mensão da aorta, diâmetro interno do local de ancoragem do enxerto (área de secção de corte ou cálculo do diâmetro, quando não é redonda) e a condição da íntima, antes dos pro-cedimentos.30,32,33 Para evitar que o diâmetro interno da aorta seja subestimado, Oriasi et al consideram a túnica média da aorta para medição do diâmetro, quando existem placas de ateroma.32

- Determinação do tamanho do enxerto.32

- Avaliação da doença primária e patologia coexistente (aneurismas adicionais e placas ateroscleróticas) na aorta to-rácica e abdominal superior.33 O estudo de Ayyash et al com 880 pacientes favorece a cateterização femoral para cirur-gia da aorta, com boa taxa de sobrevivência, baixa taxa de AVC, taxa de rotura ou disseção relacionadas com a perfusão e isquemia dos membros inferiores mínima. A detecção de aterosclerose grave da aorta descendente ou abdominal, com formas predominantemente móveis (risco de embolização retrógrada de componentes aórticos móveis), durante o ETE intra-operatório levou à cateterização axilar.25 O cateterismo axilar está associado a complicações graves em 14 % dos pa-cientes e obriga à recolocação da cânula numa posição femo-ral ou central em 11 % dos casos.25

- Orientação da colocação do enxerto na aorta descenden-te, pela localização do cateter e sistema de entrega, sem le-são da íntima, minimizando o risco de paraplegia e evitando o endoleak.30-33 A angiografia peri-operatória está associada a um registo de imagem incorreto com os movimentos do pa-ciente (respiratórios ou outros), o que pode resultar em peque-nos erros na colocação final do enxerto.31

- Evitação da obstrução acidental das artérias intercostais pelo enxerto.30

- Deteção da persistência de fluxo de sangue fora do enxer-to e no interior do saco aneurismático (leak), que pode acon-tecer em 20 % das cirurgias endovasculares da aorta (EVAR) para aneurismas da aorta abdominal.30,31,33 Numa série de 25 pacientes submetidos a EVAR da aorta descendente, oito tinham endoleaks. Todos foram detetados por ETE, no intrao-peratório, mas a angiografia identificou somente dois.30 No pós-operatório, a sensibilidade do ETE para leak endovascular é 100 %, idêntico à TC e à angiografia.30

- Deteção precoce da dissecção retrógrada iatrogénica da aorta ascendente, após cirurgia endovascular da aorta torá-cica (TEVAR).33,34 Esta complicação acontece em 1,3 a 17,8 % dos casos.34-36 Williams et al consideram a avaliação da aor-ta ascendente por ETE obrigatória, porque em três dos 309 TEVAR estudados permitiu a deteção inicial de dissecção e foi confirmatório num outro, previamente identificado por an-giografia.34

- Avaliação do compromisso da função ventricular secun-dária às variações hemodinâmicas que ocorrem durante a colocação do enxerto.33

- Avaliação da posição do enxerto, na Unidade de Cuidados Intensivos, em pacientes com hipertensão arterial persistente, que desenvolvem gradiente de pressão entre os membros su-periores e os membros inferiores (> 50 mmHg).28

Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular

Page 16: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013116

- Avaliação da formação de trombo peri-enxerto, no pós--operatório.30

Devido à interposição da traqueia e do brônquio direito en-tre o esófago e a aorta, a visualização da porção distal da aorta ascendente e do arco aórtico proximal pode ser limi-tada.30,31 Pode existir também uma interferência significativa causada pela sonda do ETE durante a fluoroscopia da aorta; o ETE só pode ser utilizado entre os exames fluoroscópicos.30,31

Depois da colocação do enxerto, a exclusão do fluxo da aorta para o aneurisma pode ser confirmada facilmente apli-cando doppler de cor ao fluxo, na maioria dos pacientes.30,33 Para a deteção de endoleaks de baixo fluxo Swaminethan et al reduziram a velocidade de aliasing do Doppler do fluxo de cor para 20-30 cm/s.33

ETE e lesões traumáticas da aorta

O ETE pode ser utilizado tanto para o diagnóstico de lesões traumáticas da aorta, como para monitorização no intra-ope-ratório e no pós-operatório.2,7,37

A sensibilidade e a especificidade da ETE multiplanar para deteção de patologia da aorta é de 93 % e 100 %, respetiva-mente.2

Goarin et al estudaram, por angiografia e ETE, 209 pacien-tes com suspeita de lesão traumática da aorta, por ter havido desaceleração abrupta e/ou por se constatar alargamento do mediastino, e concluíram que a especificidade em ambos os casos é de 100 % e a sensibilidade de 83 % e 98 %, respeti-vamente.37 Nos pacientes com lesão aórtica major (n=33) a sensibilidade (97 %) e a especificidade (100 %) foram iguais.37

Metaxa et al realizaram um estudo sobre a aplicação do ETE em pacientes com lesões traumáticas da aorta, subme-tidos a cirurgia endovascular. Em cinco dos 14 pacientes, foi realizado ETE depois da indução, de acordo com as guide-lines da American Society of Echocardiography / Society of Cardiovascular Anestesiologists. O ETE mostrou ser uma mo-dalidade de imagem válida no contexto do intra-operatório da correção endovascular de patologia da aorta torácica.7 É o método mais sensível para deteção de endoleaks no peri--operatório e no período imediato após colocação do enxerto e suplementa, por vezes ultrapassa, a angiografia na avalia-ção imagiológica da aorta.7 A angiografia apenas permite a visualização indireta da parede da aorta, enquanto a ETE de-teta tanto o fluxo de sangue como os detalhes morfológicos da parede do vaso.7

A ecocardiografia ainda não foi formalmente validada no diagnóstico das complicações da correção endovascular de lesão fechada da aorta.37 Segundo o estudo realizado por Goarin et al, a ecocardiografia tem uma acuidade diagnósti-ca de 100 % na identificação de posicionamento incorreto do enxerto, no traumatismo fechado da aorta.37 O enrolamento ou colapso do enxerto pode levar a síndrome de coartação funcional, com manifestações desde ausência absoluta de sintomas até paraplegia e insuficiência renal permanente.37

ETE e tromboembolismo

As guidelines atuais sobre a utilização do ETE, no peri-ope-ratório, propostas pela American Society of Echocardiography e a Society of Cardiovascular Anesthesiologists consideram a embolectomia pulmonar uma indicação de classe II.38

O ETE pode desempenhar um papel importante no diag-nóstico (localização e caracterização da extensão do trom-boembolismo) e apoio à abordagem cirúrgica (escolha do local de clampagem da aorta e identificação de fenómenos embólicos intra-operatórios).38-40

Rosenberg et al realizaram ETE em 46 pacientes antes da embolectomia pulmonar. A sensibilidade do ETE foi de 46 %. A sensibilidade para localização do tromboembolismo numa localização particular da artéria pulmonar foi de apenas 26 % (17 % para a artéria pulmonar esquerda e 35 % para a artéria pulmonar direita).38 O ETE, no intra-operatório, é limitado no diagnóstico por visualização direta, mas a evidência indireta (desvio do septo interauricular para a esquerda, disfunção ventricular direita e regurgitação tricúspide, moderada ou gra-ve, em 98 %, 96 % e 50 % dos casos, respetivamente) pode ser útil no diagnóstico de embolismo pulmonar.38 A evidência de embolia pulmonar por ETE pode ser suficiente para prescindir de outros testes de diagnóstico e iniciar terapêutica.38 O valor preditivo negativo no peri-operatório é baixo. Na suspeita de embolismo pulmonar e ETE negativo, está indicada a realiza-ção de investigação adicional e terapêutica dirigida.38

Loubser reportou um caso de um doente com história de fibrilação auricular, com oclusão embólica aguda da artéria femoral direita, submetido a embolectomia que, durante o encerramento cirúrgico, deixou de ter pulso femoral direito palpável. Nas imagens de ETE confirmou-se o deslocamen-to do trombo intacto do apêndice auricular esquerdo para a aurícula esquerda e câmara de saída do ventrículo esquerdo, em direção à artéria femoral. Neste doente, o ETE no intra--operatório teve impacto em 4 parâmetros do prognóstico: diagnóstico, desempenho do tratamento médico, deteção de complicações e intervenção cirúrgica.40 Na presença de um trombo grande no apêndice auricular esquerdo, deve existir cuidado na manipulação da sonda de ETE.40

ETE e tumores da veia cava inferior

Nas cirurgias de tumores da veia cava inferior, o ETE permi-te visualizar a extensão total do tumor, permitindo orientar a abordagem cirúrgica e verificar se o tumor foi completamente excisado, antes do encerramento da parede abdominal.41,42

Cywinski et al descreveram um caso clínico de um pacien-te proposto para resseção cirúrgica de tumor renal esquerdo com extensão à veia cava inferior, em que o ETE evitou a res-secção incompleta do tumor.41

Segundo Little et al num paciente com uma massa pélvica, com extensão ao longo da veia cava inferior até à aurícula direita, o ETE das câmaras de entrada e de saída do ventrículo direito, realizado depois do encerramento da veia cava inferior,

Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular

Page 17: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 117

Circulation. 2008; 118:e523-661.

5. Galiuto L, Badano L, Fox K Sicari R, Zamorano JL. The EAE text-book of Echocardiography. Oxford: Oxford University Press; 2011.

6. Hofer CK, Zollinger A, Rak M, Matter-Ensner S, Klaghofer R, Pasch T, et al. Therapeutic impact of intra-operative transesopha-geal echocardiography during noncardiac surgery. Anaesthesia. 2004; 59:3-9.

7. Metaxa V, Tsagourias M, Matamis D. The role of echocardiog-raphy in the early diagnosis of the complications of endovascular repair of blunt aortic injury. J Crit Care. 2011; 26,434.e7-434.e12.

8. Smith JS, Cahalan MK, Benefiel DJ, Byrd BF, Lurz FW, Shap-iro WA, et al. Intraoperative detection of myocardial ischemia in high-risc patients: electrocardiography versus two-dimensional transesophageal echocardiography. Circulation. 1985; 72:1015-21.

9. Schmidlin D, Bettex D, Bernard E, Germann R, Tornic M, Jenni R, et al. Transesophageal echocardiography in cardiac and vascu-lar surgery:implications and interobserver variability. Br J Anaesth. 2001; 86:497-505.

10. Hertzer NR, Beven EG, Young JR, O'Hara PJ, Ruschhaupt WF 3rd, Graor RA, et al. Coronary artery disease in peripheral vascular patients. A classification of 1000 coronary angiograms and results of surgical management. Ann Surg. 1984; 199:223-33.

11. Gillespie DL, Connelly GP, Arkoff HM, Dempsey AL, Hilkert RJ, Menzoian JO. Left ventricular dysfunction during infrarenal abdom-inal aortic aneurysm repair. Am J Surg. 1994; 168:144-7.

12. Godet G, Couture P, Ionanidis G, Gosgnach M, Kieffer E, Viars P. Another application of two dimensional transesophageal echo-cardiography: spinal cord imaging. A preliminary report. J Cardio-thorac Vasc Anesth. 1994;8:14-8.

13. Orihashi K, Matsuura Y, Sueda T, Shikata H, Morita S, Hi-rai S, et al. Abdominal aorta and visceral arteries visualized with transesophageal echocardiography during operations on the aorta. J Thorac Cardiovasc Surg. 1998; 115:945-7.

14. Voci P, Tritapepe L, Testa G, Caretta q. Imaging of the anterior spinal artery by transesophageal color Doppler ultrasonography. J Cardiothorac Vasc Anesth. 1999; 13:586-7.

15. Practice guidelines for perioperative transesophageal echocardiography. A report by the American Society of Anesthe-siologists and the Society of Cardiovascular Anesthesiologists Task Force on Transesophageal Echocardiography. Anesthesiology. 1996;84:986-1006.

16. Cheung AT, Savino JS, Weiss SJ, Aukburg SJ, Berlin JA. Echo-cardiographic and hemodynamic indexes of left ventricular preload in patients with normal and abnormal ventricular function. Anes-thesiology. 1994; 81:376-87.

17. Greim CA, Roewer N, Apfel C, Laux G, Schulte EJ. Relation of echocardiographic preload to stroke volume in critically ill pa-tiens with normal and low cardiac index. Intensive Care Med. 1997;23:411-6.

18. Nomura M, Hillel Z, Shih H, Kuroda MM, Thys DM. The as-sociation between Doppler transmitral flow variables measured by transesophageal echocardiography and pulmonary capillary wedge pressure. Anesth Analg. 1997;84: 491-496.

19. Giannuzzi P, Imparato A, Temporelli PL, de Vito F, Silva PL, Scapellato F, et al. Doppler derived mitral deceleration time of early filling as a strong predictor of pulmonary capillary wedge pressure in post infarction patients with left ventricular systolic dysfunction. J Am Coll Cardiol. 1994; 23:1630-7.

20. Dagdelen S, Eren N, Karabulut H, Akdemir I, Ergelen M, Saglam M, et al. Estimation of left ventricular end-diastolic pres-sure by color Mmode Doppler echocardiography and tissue Doppler imaging. J Am Soc Echocardiogr. 2001; 14: 951-8.

21. Khouri SJ, Maly GT, Suh DD, Walsh TE. A practical approach to the echocardiographic evaluation of diastolic function. J Am Soc

mostrou um resíduo tumoral alojado nas cordas do folheto septal da válvula tricúspide, flutuante no trato de saída do ventrículo direito.42

A Anestesiologia e o ETE no intraoperatório

Mahmood et al publicaram um artigo em 2008 segundo o qual apenas 50 % dos anestesiologistas cardíacos, no Cana-dá, e 23 % dos anestesiologistas nos EUA têm treino espe-cífico na realização de ETE intra-operatório.1 Segundo estes autores, a falta de evidência de que o ETE tem impacto tera-pêutico durante a cirurgia não cardíaca de alto risco, deve-se à sua utilização apenas numa minoria de pacientes e à ca-pacidade reduzida de interpretação pelos anestesiologistas.1

Conclusão

O valor da utilização do ETE, no peri-operatório da cirurgia vascular major, no que se refere tanto à abordagem anestési-ca como cirúrgica, é a favor da sua utilização.

quando o anestesiologista, que exerce as suas funções no âmbito da cirurgia vascular, sabe fazer ETE, tem a capacidade de proporcionar melhores cuidados aos seus pacientes, logo esta formação deverá ser privilegiada.

A informação recolhida aponta para um impacto positivo no prognóstico dos pacientes mas são necessários mais estu-dos com amostras maiores para comprovar este facto.

O custo associado à aquisição do ecógrafo com sonda tran-sesofágica constitui uma limitação importante à generaliza-ção desta prática.

Agradecimentos

Um muito obrigado à Professora Doutora Ana Almeida, As-sistente Hospitalar Graduada de Cardiologia no Centro Hospi-talar de Lisboa Norte.

Bibliografia

1. Mahmood F, Christie A, Matyal R. Transesophageal echocardi-ography and noncardiac surgery. Semin Cardiothorac Vasc Anesth. 2008;12:265-89.

2. Practice guidelines for perioperative transesophageal echo-cardiography. A report by the American Society of Anesthesiologists and the Society of Cardiovascular Anesthesiologists Task Force on Transesophageal Echocardiography. Anesthesiology. 1996; 84: 986–1006.

3. Flachskampf FA, Badano L, Daniel WG, Feneck RO, Fox KF, Fraser AG, et al. Recommendations for transesophageal echocar-diography: update 2010. Eur J of Echocardiogr. 2010; 11: 557-76.

4. Bonow RO, Carabello BA, Chatterjee K, de Leon AC Jr, Faxon DP, Freed MD, et al. 2008 Focused update incorporated into the ACC/AHA 2006 guidelines for the management of patients with valvular heart disease: a report of the American College of Cardiol-ogy/American Heart Association Task force on practice guidelines.

Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular

Page 18: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013118

Echocardiogr. 2004;17: 290-7.

22. Tei C, Ling LH, Hodge DO, Bailey KR, Oh JK, Rodeheffer RJ, et al. New index of combined systolic and diastolic myocardial perfor-mance: a simple and reproducible measure of cardiac function—a study in normals and dilated cardiomyopathy. J Cardiol. 1995;26: 357-66.

23. Tei C, Nishimura RA, Seward JB, Tajik AJ. Noninvasive Dop-pler-derived myocardial performance index: correlation with simul-taneous measurements of cardiac catheterization measurements. J Am Soc Echocardiogr. 1997;10: 169-78.

24. Tei C, Dujardin KS, Hodge DO, Kyle RA, Tajik AJ, Seward JB. Doppler index combining systolic and diastolic myocardial per-formance: clinical value in cardiac amyloidosis. J Am Coll Cardiol. 1996;28:658-64.

25. Ayyash B, Tranquilli M, Elefteriades JA. Femoral artery cannu-lation for thoracic aortic surgery: safe under transesophageal echo-cardiographic control. J Thorac Cardiovasc Surg. 2011;142:1478-81.

26. Iafrati MD, Gordon G, Staples MH, Mackey WC, Belkin M, Diehl J, et al. Transesophageal echocardiography for hemodynamic man-agement of thoracoabdominal aneurysm repair. Am J Surg. 1993; 166:179-85.

27. Gillespie DL, Conelly GP, Arkoff HM, Dempsey AL, Hilkert RJ, Menzoian JO. Left ventricular disfunction during infrarrenal abdom-inal aortic aneurysm repair. Am J Surg. 1994; 168: 144-7.

28. D’Angelo AJ, Kline RG, Chen MHM, Halpern VJ, Cohen JR. Util-ity of transesophageal echocardiography and pulmonary artery catheterization during laparoscopic assisted abdominal aortic an-eurysm repair. Surg Endosc. 1997; 11:1099-101.

29.Gamo M, Masami G, Yazawa R, Hirose Y. Acute aortic dissec-tion detected by transesophageal echocardiography during ab-dominal aortic aneurismectomy. J Anesth. 2007; 21:523-4.

30. Swaminathan M, Lineberger CK, McCann RL, Mathew JP. The importance of intraoperative transesophageal echocardiography in endovascular repair of thoracic aortic aneuryms. Anesth Analg. 2003; 97:1566-72.

31. Kahn RA, Moskowitz DM. Endovascular aortic repair. J Cardio-thorac Vasc Anesth. 2002;16: 218-33.

32. Neuhauser B, Czermack BU, Fish J, Perkmann R, Jascke W, Chemelli A. Type A dissection following endovascular thoracic aortic stent-graft repair. Endovasc Ther J. 2005;12:74-81.

33. Oriashi K, Matsuura Y, Sueda T, Watari M, Okada K, Sugawara Y, et al. Echocardiography-assisted surgery in transaortic endovas-cular stent grafting: role of transesophageal echocardiography. J Thorac Cardiovasc Surg. 2000;120:672-8.

34. Sommer T, Fehske W, Holzknecht N, Smekal AV, Keller E, Lut-terbey G, et al. Aortic dissection: A comparative study of diagnosis with spiral CT, multiplanar transesophageal echocardiograph, and MR Imaging. Radiology. 1996;199: 347-352.

35. Williams JB, Andersen ND, Bhattacharya SD, Scheer E, Pic-cini JP, McCann RL, et al. Retrograde ascending aortic dissection as an early complication of thoracic endovascular aortic repair. J Vasc Surg. 2012;55:1255-62.

36. Dong ZH, Fu WG, Wang Yq, Guo da q, Xu X, Ji Y et al. Retrograde type A aortic dissection after endovascular stent graft placement for treatment of type B dissection. Circulation. 2009;119:735-41.

37. Goarin JP, Cluzel P, Gosgnach M, Lamine K, Coriat P, Riou B. Evaluation of transesophageal echocardiography for diagnosis of traumatic aortic injury. Anesthesiology. 2000; 93:1373-7.

38. Rosenberg P, Shernan SK, Body SC, Eltzschig HK. Utility of intraoperative transesophageal echocardiography for diagnosis of pulmonary embolism. Anesth Analg. 2004 Jul; 99(1):12-6.

39. Krishnamoorthy V, Bhatt K, Nicolau R, Borhani M, Schwartz

DE. Transesophageal echocardiography-guided aortic trombecto-my in a patient with mobile thoracic aortic thrombus. Semin Cardio-thorac Vasc Anesth. 15 : 176-8.

40. Loubser PG. An unusual transesophageal echocardiographic finding during femoral embolectomy. J Cardiothorac Vasc An-esth.2004; 18:809-11.

41. Cywinski JB, O´Hara JF. Transesophageal echocardiography to redirect the intraoperative surgical approach for vena cava tu-mor resection. Anesth Analg. 2009;109:1413-5.

42. Little SJ, Van der Heusen F, Thornton KC. Complete intraop-erative transesophageal echocardiogram imaging of the extent of na inferior vena cava mass guides surgical management. Anesth Analg. 2010; 111:1125-7.

Ecocardiografia Transesofágica e Cirurgia Vascular

Page 19: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 119

estiMulação Cerebral Profunda no Controlo da dordaVid nora 1, ana isabel andré 2, fernanda PalMa Mira 3, Cristina ferreira 4

ResumoA estimulação cerebral profunda consiste na aplicação de estímulos elétricos em alvos neuronais subcorticais (através de elétrodos de estimulação parenquimatosos intracranianos) e tem tido uma aplicação crescente no controlo da dor. Constituem objetivos deste trabalho, uma revisão sobre os fundamentos da técnica, suas indicações e seleção de doentes e uma análise sobre a abordagem anestésica perioperatória. Procedeu-se a uma pesquisa online (PubMed) e as referências consideradas relevantes foram selecionadas e revistas.A estimulação cerebral profunda induz uma modulação descendente inibitória e diminui a hiperexcitabilidade neuronal. Está indicada em doentes cuja sintomatologia álgica é refratária à terapêutica convencional ou na presença de efeitos farmacológicos adversos graves. A seleção de doentes deve ser multidisciplinar. A colocação dos elétrodos intracranianos realiza-se por craniotomia com técnica estereotáxica e a maioria dos casos é feita com o doente acordado, durante todo o procedimento ou parcialmente, com o intuito de usar a monitorização clínica para obter maior exatidão na localização dos alvos terapêuticos e para vigilância de complicações. Não existe, porém, evidência de superioridade de nenhuma técnica anestésica. A utilização de target controlled infusion com propofol e/ou remifentanilo, pela titulação mais exata do efeito sedativo, e a dexmedetomidina, pelo seu perfil farmacodinâmico, são conceptualmente promissores na abordagem intraoperatória destes doentes.A taxa de sucesso varia entre 19 % e 79 % e a incidência de complicações perioperatórias entre 12 % e 16 %. O anestesiologista deve proporcionar condições cirúrgicas ótimas com conforto para o doente, facilitar a monitorização e diagnosticar e tratar precocemente complicações.

Palavras-chave: - Estimulação Cerebral Profunda; - Controlo da dor;- Craniotomia;- sedação Consciente

deep bRain stiMulation to ContRol pain

daVid nora 1, ana isabel andré 2, fernanda PalMa Mira 3, Cristina ferreira 4

Abstractdeep brain stimulation applies electrical stimuli to subcortical targets (through intracranial parenchyma pacing) and it has been increasingly used for pain control. the purpose of this study is to review the fundamentals of the technique, its indications and patient selection and perform an analysis on the perioperative anesthetic management. An online search (PubMed) was conducted. relevant references were selected and reviewed.deep brain stimulation induces a descending inhibitory modulation pathway and decreases neuronal hyperexcitability. it is indicated in patients whose symptomatology is refractory to conventional therapy or in presence of serious adverse pharmacological effects. the selection of patients should be multidisciplinary. intracranial electrodes placement is performed by craniotomy using a stereotactic technique. Most cases are undergone with an awake patient, during the whole procedure or partly, with the intention of using clinical monitoring for greater accuracy in the localization of therapeutic targets as well as for detecting potential complications. there is, however, no evidence of superiority of any anesthetic technique. the use of target controlled infusion with propofol and/or remifentanil, which allows a more accurate titration of sedation, and dexmedetomidine, due to its pharmacodynamic profile, are conceptually promising for intraoperative management.the success rate varies between 19% and 79% and the incidence of perioperative complications between 12% and 16%. the anesthesiologist should simultaneously provide optimal surgical conditions and comfort to the patient, minimize interference with monitoring and diagnose and promptly treat complications.

Keywords- Deep Brain stimulation; - Pain Management; - Craniotomy; - Conscious Sedation

artigo de revisão // Review

Page 20: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013120

A primeira referência à estimulação elétrica enquanto método analgésico data do antigo Egipto, com a utilização terapêutica de peixes produtores de descargas elétricas.1 O contínuo progresso científico ocorrido desde então, traduziu--se no desenvolvimento da estimulação de nervos periféri-cos no século XIX2 e nas primeiras descrições de neuroesti-mulação intracraniana,1,3 levadas a cabo por Heath e Pool, em 1954 e 1956, respetivamente. A ausência de eficácia a longo prazo contribuiu, porém, para o pouco entusiasmo da comunidade científica da época. Os anos 60 e 70 do século passado trouxeram uma melhor compreensão sobre a fisiolo-gia do sistema nervoso central (SNC) e sobre o mecanismo de ação da neuroestimulação – com a publicação da “gate con-trol theory” por Melzack e Wall – o que fez ressurgir a técnica. O desenvolvimento tecnológico no campo da imagiologia e da técnica cirúrgica, o aparecimento de novos instrumentos de monitorização cerebral e o aprofundar do conhecimento sobre a anatomofisiologia do SNC, com a definição de novos alvos anatómicos terapêuticos, proporcionaram a génese de diversas modalidades de neuroestimulação. O avolumar de experiência com a estimulação cerebral profunda (ECP) em doentes com patologia do movimento,4 com resultados favo-ráveis reconhecidos, transformou esta técnica numa alterna-tiva off-label cada vez mais utilizada no tratamento de doen-tes com dor crónica.3,4

Constituem objetivos deste trabalho, uma revisão sobre os fundamentos da técnica, suas indicações e seleção de doentes e uma análise sobre a abordagem anestésica pe-rioperatória. Procedeu-se a uma pesquisa bibliográfica online (PubMed), com as palavras-chave “deep brain stimulation” e “pain” ou “deep brain stimulation” e ”anestesia", restringindo os resultados a revisões, meta-análises e editoriais publica-dos nos últimos 10 anos, que incluíssem uma das combina-ções de palavras-chave no título. Obtiveram-se 39 trabalhos com as palavras-chave “deep brain stimulation” e “pain” e 7 com as palavras-chave “deep brain stimulation” e “anesthe-sia”. Selecionaram-se os artigos cujo resumo mostrava um conteúdo concordante com os objetivos deste trabalho. A bi-bliografia dos artigos considerados relevantes foi verificada, selecionando-se adicionalmente as referência cujo conteúdo se adequava aos objetivos descritos.

ANATomo-FISIoLoGIA E mECANISmo DE AÇÃo

A estimulação cerebral profunda (ECP) é uma técnica mi-nimamente invasiva que consiste na aplicação de estímulos

elétricos em alvos neuronais subcorticais.

As regiões parenquimatosas alvo recomendadas são a substância cinzenta periventricular (SCPV) e periaqueductal (SCPA) – para o tratamento da dor nociceptiva1,3 – e o com-plexo ventrobasal do tálamo e o braço posterior da cápsula interna (CI) – para o tratamento da dor neuropática.1 A esco-lha do local a estimular deve basear-se na clínica do doente – podendo nos casos de dor mista proceder-se à estimulação em ambas as localizações – e na experiência institucional, estando descritos casos bem-sucedidos com outros alvos te-rapêuticos.1,2

O mecanismo de ação da ECP é apenas parcialmente co-nhecido e os seus efeitos são variáveis consoante o local de estimulação.4 No âmbito da terapêutica da dor, postula-se que a estimulação de estruturas subcorticais induz uma res-posta descendente inibitória,1 cujas vias vão modular a trans-missão nociceptiva a nível medular, à semelhança do descrito na “gate control theory”, mas com regulação supraespinhal. Esse efeito resulta da libertação de endorfinas no cordão pos-terior da medula e da ativação de sistemas serotoninérgicos.1 A ativação do sistema nervoso autónomo, variações do fluxo cerebral regional,5 um aumento da atividade GABAérgica,6 o bloqueio de vias ascendentes espinotalâmicas e espinorreti-culares, a estimulação de vias inibitórias reticulotalâmicas7 e uma diminuição da hiperexcitabilidade neuronal8 são outros mecanismos descritos, este último com possível relevância terapêutica na dor neuropática.

INDICAÇÕES, SELEÇÃo DE DoENTES E TÉCNICA CIRÚRGICA

A ECP é considerada uma alternativa terapêutica em doen-tes com dor crónica refratária a medidas farmacológicas.1-3 Apesar da experiência clínica em casos isolados ou peque-nas séries e da experimentação animal, não existem estudos publicados com nível de evidência suficiente para a sua re-comendação como terapêutica de primeira linha. O elevado custo associado2 é outro obstáculo à sua aplicação – a re-ferência para uma relação custo-benefício favorável de uma terapêutica de neuroestimulação crónica é 3 anos.9

A insuficiente evidência científica contribui também para a dificuldade de estabelecimento de critérios objetivos de se-leção de doentes.1,2 Para além das indicações de refratarie-dade terapêutica e/ou efeitos adversos farmacológicos, é in-dispensável uma avaliação psicológica, que exclua distúrbios de personalidade e garanta uma compreensão dos riscos e potenciais benefícios do tratamento e das suas implicações nos períodos peri e pós-operatório.10 Como tal, deve ser uma equipa multidisciplinar a proceder à seleção de doentes, após analisar as particularidades médicas, neurocirúrgicas, anesté-sicas, psicológicas e sociais de cada caso. Após uma análise risco/benefício individualizada, podem considerar-se contrain-dicações para a ECP, as situações em que haja um aumento significativo do risco cirúrgico (coagulopatia, sépsis) ou do risco de mau funcionamento do aparelho de estimulação (terapêu-

1 médico, Interno de Anestesiologia, Serviço de Anestesiologia, Centro Hospitalar de Lisboa ocidental, Lisboa, Portugal.

2 médica, Assistente Hospitalar de Anestesiologia, Serviço de Anestesiologia, Centro Hospitalar de Lisboa ocidental, Lisboa, Portugal.

3 médica, Assistente Hospitalar Graduada de Anestesiologia, Serviço de Anestesiologia, Centro Hospitalar de Lisboa ocidental, Lisboa, Portugal.

4 médica, Chefe de Serviço de Anestesiologia, Serviço de Anestesiologia, Centro Hospitalar de Lisboa ocidental, Lisboa, Portugal

Estimulação cerebral profunda no controlo da dor

Page 21: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 121

tica concomitante com diatermia) e aquelas em que o be-nefício da terapêutica é limitado (demência e outros défices cognitivos).11

O sistema de estimulação é constituído por três elementos base: um ou mais elétrodos intraparenquimatosos (com siste-ma de fixação ao crânio acoplado11), um neuroestimulador e um ou mais cabos de ligação entre ambos.4

O procedimento cirúrgico envolve duas fases:4 a primeira corresponde à inserção e fixação dos elétrodos intraparenqui-matosos e a segunda engloba a implantação do neuroesti-mulador no território subcutâneo infraclavicular ou da parede abdominal e a tunelização e conexão dos cabos de ligação. Apesar de não haver evidência sobre o intervalo de tempo ideal entre as fases, é frequente um período de testes com duração variável – 3 dias a 2 semanas – entre ambas, pos-sibilitando uma programação da estimulação individualizada, mais eficaz e com menos efeitos adversos.

A inserção dos elétrodos requer uma acuidade elevada, sendo realizada mediante uma técnica estereotáxica e sob monitorização intraoperatória eletrofisiológica e clínica.3,4,7,11,12

O procedimento inicia-se com a colocação de uma armação rígida craniana, a que se segue uma avaliação imagiológica por tomografia computorizada (TC) ou ressonância magné-tica (RM). Deste modo, definem-se a localização do(s) alvo(s) terapêutico(s) e o conjunto de coordenadas tridimensionais que possibilite uma orientação precisa dos instrumentos ci-rúrgicos através da armação estereotáxica. Já no bloco ope-ratório e após posicionamento e fixação da armação rígida à marquesa da sala, procede-se à perfuração da calote e à introdução do(s) elétrodo(s). A monitorização eletrofisiológica possibilita a identificação das várias regiões que vão sendo atravessadas, em função da análise da frequência das des-cargas neuronais espontâneas, específicas para cada alvo terapêutico. A monitorização clínica, que engloba um conjunto de provas neuropsicológicas, permite confirmar se a ativação do(s) elétrodo(s) provoca alívio sintomático e vigiar sinais de alerta.

abordageM anestésiCa

AVALIAÇÃo PRÉ-oPERATÓRIA

Estabelecida a proposta para ECP, existem aspetos-chave do doente e do procedimento a avaliar pré-operatoriamente.

O diagnóstico primário e a terapêutica farmacológica para tal instituída devem ser alvos de uma análise cuidada. No caso das patologias do movimento, está descrito que a interrupção da terapêutica farmacológica pode facilitar o mapeamento eletrofisiológico e clínico intraoperatório;4,11 este estado drug--off permitiria uma colocação mais exata dos elétrodos, mas à custa de um agravamento sintomático perioperatório. Não existem recomendações sobre a manutenção da analgesia ambulatória no período perioperatório, podendo tal depender de uma avaliação individualizada e das práticas institucionais.

A revisão de órgãos e sistemas deve ser sistemática, mas

focar-se em aspetos com particular relevância para o procedi-mento. é fundamental garantir o controlo da pressão arterial para minimizar o risco hemorrágico, pelo que a terapêutica antihipertensora deve ser continuada.11 No mesmo sentido, a antiagregação e a anticoagulação devem ser interrompidas se o risco cardio ou cerebrovascular o permitir; caso contrário, é prudente programar uma terapêutica de substituição com o apoio da Cardiologia, ponderando até que ponto o risco da alteração farmacológica não ultrapassa o benefício que a ECP pudesse trazer. Se está programada a realização de RM para apoio imagiológico, deve ser descartada a presença de material ferromagnético, como pacemaker ou cardiover-sor-desfibrilhador implantado, implantes cocleares ou clips aneurismáticos.11

No planeamento da cirurgia com o doente acordado, de-vem confirmar-se a preparação e a capacidade psicológica do doente para suportar uma intervenção de longa duração, num posicionamento estanque e com a necessidade de colaborar durante a mesma.4 A utilização da armação estereotáxica e a previsível dificuldade de acesso ao doente no decorrer do procedimento tornam mandatória uma avaliação rigorosa da via aérea, com planeamento principal e alternativo para a abordagem da mesma.

A medicação pré-anestésica deve ser usada cuidadosa-mente; uma ansiólise adequada contribui para uma maior tolerância ao procedimento, com menor repercussão hemo-dinâmica, o que reduz o risco hemorrágico; por outro lado, pode comprometer a colaboração do doente, a capacidade de manutenção da via aérea e interferir com a monitorização eletrofisiológica intraoperatória.4,11

ABoRDAGEm INTRAoPERATÓRIA

Os objetivos anestésicos para o período intraoperatório são proporcionar condições cirúrgicas ótimas com conforto para o doente, facilitar a monitorização e diagnosticar e tratar preco-cemente qualquer complicação.11

As técnicas anestésicas para a fase de colocação dos elé-trodos incluem cuidados anestésicos monitorizados (CAM), vários graus de sedação e anestesia geral.4,11,12 Não existe, até agora, evidência de superioridade de nenhuma das técni-cas.12 A fase de implantação do neuroestimulador com tune-lização dos cabos de ligação aos elétrodos é feita geralmente sob anestesia geral.

A maioria dos casos de colocação de elétrodos para ECP é feita com o doente acordado, durante todo o procedimento ou parcialmente, com o intuito de usar a monitorização clínica para obter maior exatidão na localização dos alvos terapêu-ticos e para vigilância de complicações. Nestes casos, o pro-cedimento inicia-se com a colocação do arco estereotáxico (Fig. 1), no bloco operatório, sob anestesia local nos locais de colocação dos pins de fixação. O bloqueio dos nervos supraor-bitário e grande occipital constituiu uma alternativa à aneste-sia local, é menos doloroso do que a infiltração subcutânea, mas não se traduz numa analgesia mais eficaz na colocação do arco nem no intraoperatório.13 Pode complementar-se a

Estimulação cerebral profunda no controlo da dor

Page 22: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013122

anestesia local com analgesia endovenosa e/ou sedação.4 A opção por uma técnica sedativa tem como propósitos oti-mizar o conforto e a colaboração do doente, não influenciando a capacidade de manutenção da via aérea e da ventilação espontânea e sem repercussões hemodinâmicas. Os níveis de sedação a alcançar são a sedação ligeira ou ansiólise e a sedação moderada ou consciente,4 ambos compatíveis com uma participação adequada do doente nas provas neurop-sicológicas.

Os fármacos de utilização frequente neste contexto são propofol, opióides, dexmedetomidina e benzodiazepinas. O propofol é o agente mais utilizado na ECP,4 pela curta duração de ação e por provocar uma emergência suave e previsível, em infusão contínua, com dose média de 50 μg.kg-1.min-1 du-rante o procedimento.14 A utilização de target controlled infu-sion (TCI) é conceptualmente mais apropriada, já que permite uma titulação mais exata do efeito sedativo em função da fase da intervenção cirúrgica e da necessidade de colabora-ção do doente; concentrações plasmáticas alvo de 0,8 a 2 μg.mL-1 não interferiram com a monitorização eletrofisiológica em doentes submetidos a ECP por patologia do movimento.15 Estão descritas crises esternutatórias associadas à sedação com propofol.4,11,12 Os opióides são utilizados em conjugação com propofol, particularmente o remifentanilo, em infusão contínua (0.02-0.05 μg.kg-1.min-1),16 com ou sem sistema TCI (1-3 ng.mL-1),17 pelo seus rápidos início de ação e metaboliza-ção e ultracurta duração de ação independente do tempo de infusão. Os opióides não interferem com a monitorização ele-trofisiológica, mas podem induzir rigidez torácica importante. A dexmedetomidina é um agonista dos adrenorreceptores α2 que produz uma sedação consciente,4,11,17 ficando o doente facilmente despertável à estimulação verbal. A infusão con-tínua em baixa dose (0,3 a 0,6 μg.kg-1.h-1)4 produz, para além da sedação, efeitos ansiolítico e analgésico,17 não interfere com a monitorização eletrofisiológica18 nem com a capacida-de de colaboração nas provas neuropsicológicas,4,11 mantém a estabilidade hemodinâmica,4 minimizando a utilização de antihipertensores,19 atenua a resposta neuroendócrina à ci-rurgia11 e não causa depressão respiratória,17 o que o torna um agente de excelência na ECP. Está descrita a sua utiliza-ção concomitante com propofol.12 As benzodiazepinas têm a vantagem do efeito ansiolítico,4 mas a frequência de reações paradoxais pode ser contraproducente, interferindo com a resposta clínica e com a monitorização eletrofisiológica.4,11,17 Têm, por isso, vindo a ser cada vez menos usadas na ECP.

Ao longo do procedimento, pode repetir-se a infiltração com anestésico local nos locais de fixação dos pins do arco es-tereotáxico, respeitando doses de segurança e intervalos de administração. A analgesia pode ser complementada por via endovenosa com analgésicos-antipiréticos.

A utilização do índice biespectral (BIS) para titular a seda-ção durante a colocação dos elétrodos de ECP é questionável. é conhecida uma ação heterogénea dos agentes anestésicos a nível cerebral, com dissociação cortico-subcortical,20 o que pode causar incongruências entre o valor de BIS e as leituras eletrofisiológicas e assim diminuir a acuidade de localização dos alvos terapêuticos. Este efeito parece não existir com a dexmedetomidina.4 Em sedações com propofol, a monitori-

Após a colocação do arco, procede-se à avaliação imagioló-gica para se definirem as coordenadas de inserção dos elétro-dos através do arco estereotáxico. O transporte até ao serviço de Imagiologia deve efetuar-se sob supervisão anestésica e têm que assegurar-se as condições de segurança e logística para a eventual necessidade de sedação e abordagem de via aérea num local remoto ao bloco operatório.4

Na sala operatória, o posicionamento deve assegurar o conforto e a colaboração do doente, definindo um ponto de equilíbrio entre o acesso cirúrgico ótimo e a garantia de pa-tência da via aérea e de acessibilidade à mesma da parte do anestesiologista4,11,12 (Fig. 2). A utilização de panos operató-rios transparentes aumenta o conforto e facilita a comunica-ção verbal e visual com o doente no decorrer da intervenção. Perante a inexistência de recomendações claras, a monitori-zação deve incluir os parâmetros standard,4 adequando-os às particularidades do doente e à prática institucional. Assume particular relevância a monitorização invasiva da pressão ar-terial, por permitir um controlo hemodinâmico mais rigoroso ao longo do período perioperatório. Deve ponderar-se a ne-cessidade de monitorização do débito urinário, contrapondo o desconforto causado pela algaliação4 ao risco de distensão vesical e à necessidade de uma fluidoterapia restritiva.11

Figura 1 – Doente com arco estereotáxico em posição, colocado sob anestesia local.

Figura 2 – Posicionamento intraoperatório, com acessibilidade do anestesiologista ao doente.

Estimulação cerebral profunda no controlo da dor

Page 23: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 123

zação com BIS não reduziu o consumo do fármaco, não se associando a um despertar mais precoce nem a maior estabi-lidade cardiovascular.21

A anestesia geral pode constituir uma alternativa para os doentes sem aptidões psicológicas para suportar o proce-dimento sob CAM ou sedação.11 A sua grande limitação é a incapacidade de monitorização clínica.4 No que respeita à monitorização eletrofisiológica, apesar de condicionada pelo efeito inibitório dos anestésicos sobre as descargas neuronais espontâneas, ela é possível com uma titulação cuidada dos fármacos, idealmente com rápido início e curta duração de ação, em infusão contínua, com ou sem sistema TCI. A apli-cação de uma técnica asleep-awake-asleep pode permitir um mapeamento eletrofisiológico intermitente, mas devem ser levados em conta os riscos do sucessivo manuseamento da via aérea num doente com o arco estereotáxico em posição fixa. Está descrita a colocação de elétrodos de ECP com moni-torização eletrofisiológica sob anestesia geral com manuten-ção com desflurano.22

ABoRDAGEm PÓS-oPERATÓRIA

O período pós-operatório requer a vigilância, o reconheci-mento e o tratamento de complicações, bem como a verifi-cação da eficácia da neuroestimulação. Para tal, é necessária uma monitorização contínua do doente, nomeadamente do estado de consciência, capacidade de proteção da via aérea, parâmetros ventilatórios e hemodinâmicos. O internamento numa Unidade de Cuidados Intensivos é uma garantia de se-gurança para o doente e deve ser assegurado previamente à intervenção; não tem duração mínima recomendada, va-riando individualmente em função da evolução clínica e da prática institucional.

Neste período deve continuar a assegurar-se o conforto do doente, instituindo uma analgesia eficaz e, se necessário, baixos níveis de sedação. As necessidades analgésicas dire-tamente relacionadas com a intervenção cirúrgica são redu-zidas mas não negligenciáveis, nomeadamente queixas álgi-cas ou outra sintomatologia de origem músculo-esquelética (contractura, estiramento, zonas de pressão) relacionada com o posicionamento estanque prolongado. Deve efetuar-se um controlo imagiológico craniano pós-operatório e sempre que evolução clínica o justificar.

Não está definido quando deve iniciar-se o período de tes-tes para verificação da eficácia da neuroestimulação. é reco-mendável que a neuroestimulação seja iniciada apenas após a reversão do edema reativo peri-elétrodo,3,4 que é expectá-vel e que induz per se melhoria sintomática sem estimulação, o que pode enviesar os resultados do processo de verifica-ção.23 Do mesmo modo, não está esclarecido o momento e a forma de reintrodução da terapêutica analgésica ambula-tória. Caso se inicie imediatamente após a intervenção, ou não seja de todo interrompida (terapêutica transdérmica, por exemplo), a neuroestimulação é instituída até uma melhoria sintomática significativa, sendo a terapêutica farmacológica posteriormente reduzida, com ajustes no padrão de estimula-

ção se clinicamente necessário. Se a terapêutica analgésica tiver sido interrompida, pode pesquisar-se o efeito máximo da neuroestimulação sobre as queixas álgicas do doente e titular-se uma terapêutica farmacológica até ao objetivo clí-nico desejado.

Após definição da intensidade, frequência e padrão de es-timulação procede-se à implantação do neuroestimulador e tunelização dos cabos de ligação aos elétrodos intraparenqui-matosos, habitualmente realizada sob anestesia geral.11 Este é um procedimento de muito mais baixo risco e que pode ser realizado durante o mesmo período de internamento ou mais tarde, em regime ambulatório ou com permanência hospita-lar de curta duração.

ComPLICAÇÕES

A ECP não é isenta de riscos tanto no período perioperatório como a longo prazo.

A incidência de complicações perioperatórias varia entre 12 % e 16 %.4,11 Dentro destas, as mais frequentes são as neurológicas (4,5 %),24 nomeadamente, convulsões, altera-ções do estado de consciência e défices focais. As etiologias são múltiplas, como a localização inexata dos alvos intrapa-renquimatosos, uma sedação excessiva ou a neuroestimula-ção per se. As complicações cardiovasculares são igualmente destacáveis pela sua frequência (3,9 %)24 e pelo seu efeito potencialmente devastador. Um episódio hipertensivo pode originar uma hemorragia cerebral severa, com danos irrepará-veis. Não há alvo tensional definido, mas é recomendável uma pressão arterial sistólica < 140 mmHg ou com uma variação < 20 % do valor basal.4 Está descrito um episódio de vasos-pasmo coronário durante a ECP.25 O risco de embolia gasosa é aumentado pelo posicionamento semi-sentado. As compli-cações respiratórias têm uma menor incidência (2,2 %)24 mas um potencial lesivo elevado, nomeadamente a obstrução da via aérea, que pode associar-se a um excesso de sedativos ou um período de agitação do doente. Outros eventos, como acessos de tosse, esternutos, náuseas e vómitos podem com-prometer a segurança e a eficácia da ECP.

Das complicações a longo prazo é relevante destacar as re-lacionadas com o material implantado11 – infeção, migração ou quebra dos componentes e fim do tempo de vida útil da bateria do neuroestimulador (2 a 5 anos). O reconhecimen-to destes problemas pode fazer-se, apenas, pelo reapareci-mento súbito das queixas álgicas. Estão também descritas alterações cognitivas induzidas pela ECP,11 nomeadamente perturbações do humor, depressão e défices de memória.

RESuLTADoS

A taxa de sucesso da ECP em doentes com dor crónica é amplamente variável, entre 19 % e 79 %,3 facto ao qual a falta de evidência não é alheia. O sucesso da intervenção pa-rece ser tanto menor quanto maior é o período de follow-up dos doentes. Um ano após o início da ECP, 50 % a 60 % dos

Estimulação cerebral profunda no controlo da dor

Page 24: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013124

Estimulação cerebral profunda no controlo da dor

doentes refere, no mínimo, um alívio moderado das queixas álgicas.26 Os fatores que mais determinam a eficácia da téc-nica são a colocação dos elétrodos com exatidão e a escolha e correta localização do(s) alvos(s) parenquimatoso(s).27 Os resultados disponíveis apontam para uma ação terapêutica mais eficaz na dor nociceptiva, comparativamente com a dor neuropática.27 Do mesmo modo, o sucesso tem sido maior em doentes com avulsão traumática dos plexos cervical e/ou bra-quial, neuropatia periférica e Síndrome da Cirurgia Falhada da Coluna (Failed Back Surgery Syndrome - FBSS).3

PARTICuLARIDADES Em DoENTES Com NEuRoESTI-muLADoR ImPLANTADo

A crescente utilização da ECP aumenta o risco dos doentes submetidos a esta intervenção venham a ser sujeitos a um procedimento cirúrgico posterior. A abordagem anestésica de doentes com neuroestimuladores de ECP baseia-se na evi-dência e experiência alcançadas com outros dispositivos elé-tricos implantados.11 Tal como nestes casos, há circunstâncias que devem ser devidamente acauteladas, pelos efeitos exer-cidos sobre e pela neuroestimulação.

São exemplos de situações que interferem com a ECP, a diatermia, a utilização de eletrocautério, a eletroconvulsivote-rapia (ECT) e a RM.

A diatermia está contraindicada por poder induzir lesões tér-micas cerebrais graves por transferência de energia através dos componentes do sistema de estimulação.11

A utilização de eletrocautério pode interferir com a progra-mação do neuroestimulador implantado, induzir lesão térmica e lesar diretamente os componentes do sistema. Estas ações podem minimizar-se com o uso de eletrocautério bipolar, com a menor energia e durante o menor tempo possível; o neu-roestimulador pode ser desativado previamente à utilização do eletrocautério.

A ECT pode provocar lesão térmica, desprogramar o neu-roestimulador e, pelo efeito das convulsões, mobilizar os elétrodos, afastando-os do alvo terapêutico. Está descrita a realização de ECT em doentes sob ECP, com a colocação dos elétrodos de ECT o mais afastados possível dos cabos tuneli-zados da ECP e com inativação prévia do neuroestimulador.28

A RM tem um papel relevante na preparação, no periopera-tório e na vigilância de complicações. Não é, porém, isenta de riscos, que incluem lesão térmica, efeito de tração e torção so-bre os componentes metálicos do sistema ou reprogramação do neuroestimulador. Devem ser seguidas as recomendações do fabricante do material de ECP, que estabelecem as condi-ções de segurança em que a RM deve ser conduzida nestes doentes.11

Sempre que exista risco de interferência com o neuroes-timulador, o correto funcionamento deste deve ser avaliado após a intervenção.

As interferências exercidas pela neuroestimulação podem ser visíveis no eletrocardiograma, dificultando a sua inter-

pretação29 e como artefactos imagiológicos em TC e RM. Em relação à interferência elétrica e risco de desprograma-ção com PMD e CDI, ela é recíproca, mas não exclui a pos-sibilidade de um funcionamento conjunto apropriado.30 Nos casos de doentes propostos para ECP que já possuam PMD ou CDI devem seguir-se as recomendações publicadas para a abordagem perioperatória destes dispositivos.31 No caso inverso, é recomendável a utilização de elétrodos bipolares e a colocação do dispositivo cardíaco num local diferente do neuroestimulador (não existem distâncias recomendadas).11 Em qualquer circunstância, deve ponderar-se se o benefício da ECP é suficiente para suplantar o risco de interferências elétricas e o seu potencial lesivo cardíaco. A coexistência dos dois dispositivos deve obrigar a uma vigilância e uma revisão funcional dos mesmos mais apertada.

A neuroestimulação periférica em bloqueios periféricos não interfere com a ECP.11

CoNCLuSÕES

é expectável que a crescente aplicação da ECP se come-ce a traduzir em mais estudos e publicações e que estes contribuam para definir com clareza o papel da técnica no tratamento da dor: indicações, seleção de doente e eficácia absoluta e comparativa. O avolumar de experiência poderá também traduzir-se na descoberta de novos alvos terapêu-ticos, na definição de parâmetros ótimos de estimulação e numa melhor compreensão dos efeitos dos fármacos anesté-sicos sobre a monitorização eletrofisiológica e clínica.

Simultaneamente, o avanço tecnológico deverá concentrar--se no desenvolvimento de material mais inócuo e de técnicas cirúrgicas que aumentem o conforto do doente, sem prejuízo da eficácia da técnica. Constituem, um exemplo, os sistemas de neuronavegação, que permitem a localização dos alvos te-rapêuticos e a colocação dos elétrodos parenquimatosos sem a necessidade da armação rígida estereotáxica.

O papel do anestesiologista permanecerá essencial para o sucesso da ECP. Deve manter um papel ativo na seleção multidisciplinar de doentes, compreendendo as particularida-des do doente e da técnica cirúrgica e reconhecendo e tra-tando atempadamente as complicações. é vital que adapte a técnica anestésica à luz dos conhecimentos mais atuais, adaptando-a à realidade institucional e assim contribuindo ativamente para a segurança e bem-estar dos doentes.

referÊnCias

1. Torres CV, Sola RG. Técnicas neuroquirúrgicas de neuromodula-ción del dolor. Rev Neurol. 2011; 53: 677-687.

2. Simpson BA. Invasive Neurostimulation in the management of chronic neuropathic pain syndromes. Eur Neurol Rev .2007;1: 34-36.

3. Levy R, Deer TR, Henderson J. Intracranial neurostimulation for pain control: A Review. Pain Physician. 2010; 13:157-165.

4. Venkatraghavan L, Luciano M, Manninen P. Anesthetic manage-ment of patients undergoing deep brain stimulator insertion. Anesth Analg. 2010; 110: 1138–45.

Page 25: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 125

5. Pereira EA, Green AL, Bradley KM, Soper N, Moir L, Stein JF, et al. Regional cerebral perfusion differences between periventricular grey, thalamic and dual target deep brain stimulation for chronic neuropa-thic pain. Stereotact Funct Neurosurg. 2007; 85: 175-83.

6. Simpson BA, Meyerson BA, Linderoth B, Spinal cord and brain sti-mulation. In: McMahon SB, Koltzenburg M, editors. Wall and Melzack’s Textbook of Pain., 5th Ed. Philadelphia: Elsevier Churchill Livingstone; 2006. p 563–82.

7. Ashby P, Rothwell JC. Neurophysiologic aspects of deep brain sti-mulation. Neurology. 2000;55:17–20.

8. Ren B, Linderoth B, Meyerson BA. Effects of spinal cord stimula-tion on the flexor reflex and involvement of supraspinal mechanisms: an experimental study in mononeuropathic rats. J Neurosurg. 1996; 84: 244-9.

9. Taylor RS, Taylor RJ, Van Buyten JP, Buchser E, North R, Bayliss S. The cost effectiveness of spinal cord stimulation in the treatment of pain: a systematic review of the literature. J Pain Symptom Manage. 2004; 27: 370–78.

10. Rodriguez RL, Fernandez HH, Haq I, Okun MS. Pearls in patient selection for deep brain stimulation. Neurologist. 2007; 13: 253– 60.

11. Poon CCM, Irwin MG. Anaesthesia for deep brain stimulation and in patients with implanted neurostimulator devices. Br J Anaesth. 2009; 103: 152–65.

12. Venkatraghavan L, Manninen P. Anesthesia for deep brain sti-mulation. Curr Opin Anesthesiol. 2011; 24: 495–499.

13. Watson R, Leslie K. Nerve blocks versus subcutaneous infiltra-tion for stereotactic frame placement. Anesth Analg. 2001; 92: 424–7.

14. Khatib R, Ebrahim Z, Rezai A, Cata JP, Boulis NM, John Doyle D, et al. Perioperative events during deep brain stimulation: the experience at Cleveland clinic. J Neurosurg Anesthesiol. 2008; 20: 36–40.

15. Maltête D, Navarro S, Welter ML, Roche S, Bonnet AM, Houeto JL, et al. Subthalamic stimulation in Parkinson disease: with or without anesthesia? Arch Neurol. 2004; 61: 390–392.

16. Dobbs P, Hoyle J, Rowe J. Anaesthesia and deep brain stimula-tion. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain. 2009; 9: 157-161.

17. Piccioni F, Fanzio M. Management of anesthesia in awake cranio-tomy. Minerva Anestesiol. 2008; 74: 393-408.

18. Rozet I. Anesthesia for functional neurosurgery: the role of dex-medetomidine. Curr Opin Anaesthesiol. 2008; 21: 537–43.

19. Rozet I, Muangman S, Vavilala MS, Lee LA, Souter MJ, Domino KJ et al. Clinical experience with dexmedetomidine for implantation of deep brain stimulators in Parkinson’s disease. Anesth Analg. 2006; 103: 1224 – 8.

20. Velly LJ, Rey MF, Bruder NJ, Gouvitsos FA, Witjas T, Regis JM et al. Differential dynamic of action on cortical and subcortical structures of anesthetic agents during induction of anesthesia. Anesthesiology. 2007; 107: 202–12.

21. Schulz U, Keh D, Barner C, Kaiser U, Boemke W. Bispectral Index Monitoring does not improve anesthesia performance in patients with movement disorders undergoing deep brain stimulating electrode im-plantation. Anesth Analg. 2007; 104: 1481–7.

22. Lin SH, Chen TY, Lin SZ, Shyr MH, Chou YC, Hsieh WA, et al. Subthalamic deep brain stimulation after anesthetic inhalation in Par-kinson disease: a preliminary study. J Neurosurg. 2008; 109: 238–44.

23. Rezai AR, Kopell BH, Gross RE, Vitek JL, Sharan AD, Limousin P, et al. Deep brain stimulation for Parkinson’s disease: surgical issues. Mov Disord. 2006; 21: S197–218.

24. Venkatraghavan L, Manninen P, Mak P, Lukitto K, Hodaie M, Lo-zano A. Anesthesia for functional neurosurgery: review of complica-tions. J Neurosurg Anesthesiol. 2006; 18: 64–7.

25. Glossop A, Dobbs P. Coronary artery vasospasm during awake deep brain stimulation surgery. Br J Anaesth. 2008; 101: 222–4.

26. Levy RM. Deep brain stimulation for the treatment of intractable

pain. Neurosurg Clin N Am. 2003; 14: 389-99.

27. Bittar RG, Kar-Purkayasthe I, Owen SL, Bear R, Green A, Wang S, et al. Deep brain stimulation for pain relief: a meta-analysis. J Clin Neurosci. 2005; 12: 515-519.

28. Moscarillo FM, Annunziata CM. ECT in a patient with a deep brain-stimulating electrode in place. J ECT. 2000; 16: 287-290.

29. Martin WA, Camenzind E, Burkhard PR. ECG artifact due to deep brain stimulation. Lancet. 2003; 361: 1431.

30. Ozben B, Bilge AK, Yilmaz E, Adalet K. Implantation of a per-manent pacemaker in a patient with severe Parkinson’s disease and a preexisting bilateral deep brain stimulator. Int Heart J. 2006; 47: 803–10.

31. Apfelbaum JL, for the American Society of Anesthesiologists Task Force on Perioperative Management of Patients with Cardiac Implantable Electronic Devices. Practice Advisory for the Perioperative Management of Patients with Cardiac Implantable Electronic Devices: Pacemakers and Implantable Cardioverter-Defibrillators – An Updated

Report. Anesthesiology. 2011; 114: 247–61.

Page 26: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013126

Perspetiva // perspective

the plants in the pain histoRyJoaquiM J. fiGueiredo liMa

as Plantas na História da dorJoaquiM J. fiGueiredo liMa

Summarythis literature review aims to develop an overview on the use of plants in the history of medicine from the most remote civilizations to the present day. there is a need for the acquisition of knowledge about herbal medicine and pharmacological interactions, especially in areas such as Anesthesiology and surgery, and quality control of the products consumed in the form of nutritional supplements.

ResumoNesta revisão pretende-se elaborar uma síntese sobre a utilização das plantas na história da Medicina desde as mais remotas civilizações até à atualidade. Releva-se a necessidade de aquisição de conhecimentos sobre a utilização de fitoquímicos e potenciais interações farmacológicas, especialmente em Anestesiologia e em Cirurgia, e o controlo de qualidade dos produtos consumidos sob a forma de suplementos alimentares.

Palavras-chave: - anestesia;- dor/história;- interações Planta-Medicamentos;- Plantas Medicinais

Keywords: - Anestesia;- Herb-Drug Interactions;- Pain/history;- Plant Extracts;- Plants, Medicinal

A dor foi um fenómeno transversal a todas as civilizações e para a qual se procuraram encontrar explicações conceptuais.

Durante muitos séculos a relação entre saúde-doença-dor--sofrimento foi fundamentada em conceitos teosóficos. A doen-ça e a dor surgiriam como castigo divino imposto por deuses ou por demónios na sequência de uma rutura nas relações que os humanos teriam assumido com tais divindades!1

Nas sociedades europeias a Dor foi durante muitos séculos encarada como punição divina, necessária para purificação do espírito e do corpo. Daí que as tentativas para aliviar a Dor, o sofrimento e a doença, usando ervas, cataplasmas, compos-tos químicos, etc., fossem considerados atentados contras os dogmas, tal como as bruxarias, as magias ou os rituais xamâ-nicos e, severamente perseguidas e punidas.2,3

O papel dos curandeiros, magos ou feiticeiros baseava-se na identificação da personagem sobrenatural que motivava a situação e com ele (eles) estabelecer pactos, através de ofe-rendas, sacrifícios ou outros tipos de garantias.4

As mulheres, consideradas seres impuros desde o pecado virginal de Eva, estiveram durante muitos séculos sujeitas a punições se ousassem utilizar quaisquer formas de aliviar as dores do parto que não se inserissem nos conceitos e dogmas impostos pela religião católica: “Aumentarei grandemente a dor da tua gravidez; em dores de parto darás à luz filhos e terás desejo ardente do teu esposo, e ele te dominará” (Ge-nesis 3: 16).

A dor e o sofrimento, como fenómenos transculturais, têm sido objeto de inúmeras análises filosóficas, sociológicas e antropológicas, que não cabem nesta reflexão. Como subs-trato comum a todas as sociedades existentes ao longo dos séculos, está a seguinte premissa: o ser humano é o único ser vivo capaz de, intencionalmente induzir dor e sofrimento mas, também o único com capacidade para, intencionalmente con-ceber os meios destinados ao seu alívio!

As Plantas e as Civilizações

A relação entre o homo sapiens e as plantas não é cata-logável em termos históricos, tal é a profundidade da sua coexistência! Estudos arqueológicos permitiram calcular que as plantas são utilizadas com objetivos medicinais desde há cerca de 60.000 anos e documentos sumérios datados de há cerca de 5000 a.C. referem a utilização de plantas para tra-tamento de doenças que afetavam os animais e os seres hu-manos, especialmente a “planta da alegria”, isto é, o Ópio.5-7

Os papiros oriundos da civilização egípcia referem a utilização de plantas para fins medicinais, religiosos ou mágicos.8-10 São conhecidos quinze papiros com conteúdos relacionados com Me-dicina. Fontes históricas, antiquíssimas, sobre a cultura médica egípcia chegaram-nos através de dois documentos: o Papiro de George Ebers e o Papiro de Edwin Smith.

O Papiro de Ebers é um documento com cerca de 25 metros, descoberto no túmulo de uma múmia em Assasif e adquirido pelo egiptólogo alemão George Moritz Ebers (1837-1898) em

¹ Chefe de Serviço de Anestesiologista - Lisboa, Portugal

Page 27: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 127

1873. Terá sido elaborado cerca de 1500 anos a.C. e é consi-derado o mais relevante documento sobre a história da me-dicina egípcia. Ali são descritas fórmulas para tratamento de diversas doenças ou traumatismos (dentadas de crocodilos, queimaduras), uma farmacopeia e misturas de substâncias vegetais, entre as quais o Ópio. Seria deste modo que Ísis, deusa egípcia do amor e da magia, sedava o seu filho Horus, filho da morte e da vida e deus do céu.

O Papiro de Edwin Smith foi adquirido em 1862 pelo egip-tólogo Edwin Smith (1822-1906) na cidade de Luxor. é um documento com cerca de 4,5 metros, datado de 1700 a 1600 a.C., contendo referências datadas de 3000 a.C.. A autoria é atribuída a Imhotep (2700 a. C.), patrono dos escribas e dos curadores, considerado o primeiro médico durante a V dinastia dos Faraós e semideus da Medicina, equivalente à figura de Esculápio na Grécia.

Na Grécia antiga, Hipócrates refletia sobre a relação entre a Dor e a Doença e recorreu a plantas para aliviar o sofrimento: Ópio, Cicuta, etc. Pela primeira vez se assumiu o alívio da dor como um objetivo primordial.11

A Medicina Islâmica, uma das mais florescentes na história da Medicina ocidental, tanto durante a ocupação árabe de territórios na Europa e no Médio Oriente, como pelo conheci-mento e cultura que ali deixaram quando foram forçados a abandonar aqueles espaços. Utilizaram anestesia e analgesia para cirurgia. A Esponja Soporífera, contendo drogas hipnóti-cas e analgésicas; o Ópio foi correntemente utilizado, ao con-trário do Álcool; desenvolveram conceitos e técnicas cirúrgicas inovadoras; investigaram a fitoterapia, a alquimia, a química, o desenvolvimento de medicamentos e o conceito da far-mácia. Foram investigadores, criadores de novas formas de encarar a doença e o sofrimento, fundadores dos primeiros hospitais e de hierarquias hospitalares, impulsionadores de universidades, de bibliotecas e do ensino da medicina.12,13

A Medicina Chinesa foi o produto de uma grande civiliza-ção, encarada pelos ocidentais como medicina alternativa ou como um sistema paralelo da medicina ocidental. Hua Tuo (110-207) viveu durante a dinastia Han e na era dos Três Reinos, foi um dos mais célebres médicos chineses, conside-rado o pai da Anestesia antiga, conhecido como “o curador milagroso” e venerado nos templos taoistas. Foi, magnifica-mente, talentoso conduzindo a patamares muito elevados a qualidade da medicina chinesa no século II. Ao utilizar uma droga (ou conjunto de drogas) designada por Ma Fei San, cuja composição se terá perdido, mas que deveria conter Canna-bis, Ephedra, Datura, Angelica, Ópio e outras plantas, conse-guia manter os doentes insensíveis à dor e proceder a cirurgia intra-abdominal.14-16 Só 1600 anos depois tal seria possível no mundo ocidental!

O Shen Nong Ben Cao Jing, livro produzido durante a di-nastia Hang, cerca de 2700 a.C. é considerado a primeira Farmacopeia Chinesa. Nele são referenciadas 356 fórmulas, das quais 252 de origem botânica, 67 dos animais e 46 dos minerais.

As invasões da Índia pelos povos arianos oriundos da Ásia impuseram a divisão social por castas e as convicções reli-

giosas baseadas nos Vedas. Coube aos brâmanes, casta su-perior, detentora da cultura e da religião ariana, compilar em textos sânscritos a tradição oral e as bases do Ayurveda. Dis-tinguiram 4 Vedas: o Samavedra, o Rig Veda e o Yajur Veda, que continham uma mescla de conceitos religiosos e médicos, narrando práticas médicas, rituais e cultos mágicos. O quarto Veda, Atharvaveda, referia-se à fitoterapia e a aspetos cultu-rais da população habitante das florestas.17,18

Textos antigos referem-se a beberagens e poções com componentes psicoativos (“soma”) que permitiam “chegar aos deuses”. Uma das plantas utilizadas seria a Rauwolphia serpentina ("sarpaghanda"), como tranquilizante e como an-tídoto para o veneno libertado pelas picadas de serpentes. Conta-se que Mahatma Gandhi ingeria o chá de Rauwolphia quando desejava conseguir situações de maior concentração intelectual. A Reserpina foi isolada desta planta e utilizada no tratamento da Hipertensão Arterial a partir de 1950.19

No Império Romano distinguiram-se figuras como:

Aulo Cornélio Celso, cujo legado foi referenciado durante vários séculos.

Pedanius Dioscorides, autor de um tratado de Farmacologia utilizado até ao século XVI.

Cláudio Galeno, o mais dignificado cirurgião romano de ori-gem grega.

Areteu de Capadócia, formado na Escola de Alexandria, que se dedicou ao estudo da epilepsia e da diabetes.

Utilizaram plantas para alívio da dor e do sofrimento, com relevância para o Ópio, a Mandrágora, a Atropa, o Beleno.20

No Antigo Testamento encontram-se diversas referências à utilização de plantas: Mandrágora, Ópio, Atropa, Cevada, etc.

As Plantas na História da Dor

Theophrastus Eseris (300 a. C.-287 a. C.), considerado um dos pais da Botânica, referiu-se à utilização de uma planta, que por ser tão venenosa foi designada por Mandrágora de Theophrastus ou Atropos, figura da mitologia grega respon-sável pela morte.21,22

Em 1700, Carl Linneus designá-la-ia por Atropa belladona, por ser utilizada como colírio pelas senhoras europeias para tornar os olhos mais bonitos e atraentes. A Atropa belladona é uma planta da família das Solenaceae, que possui eleva-das concentrações de Escopolamina e de Atropina. é uma das plantas mais tóxicas existentes no hemisfério ocidental.

Hipócrates de Cos (460 a. C.-377 a. C.) preconizou o uso de Ópio (Papaver somniferum) para alívio da dor. Referindo-se ao Beleno (Hyoscyamus niger), afirmou que a planta induzia alucinações e sonolência e que “os que o comem ficam sem sentidos, remexem-se como burros e relincham como cava-los”! Terá sido um dos primeiros a utilizar a casca de Salgueiro (Salix alba), percursor do ácido acetilsalicílico, no tratamento da dor.

Terá usado a Esponja Soporífera (Ópio, Beleno, Atropa, Mandrágora) em diversos procedimentos cirúrgicos (quando

As Plantas na História da Dor

Page 28: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013128

o sono põe fim ao delírio, é bom sinal!) e para tratar a Dor (Divinum est opus sedare dolorem!).23

Pedanius Dioscórides (100 a. C.), médico grego formado em Alexandria e em Tarsos, foi cirurgião da armada do Imperador Nero, pai da Farmácia grega e da Farmacognosia, publicou o tratado De Matéria Medica, referindo produtos de origem ani-mal e a cerca de 700 plantas medicinais. Foi uma obra de referência, estudada durante muitas centenas de anos nas universidades europeias. Descreveu um xarope (Dia-kodium) obtido da papoila dormideira (Papaver somniferum), concluin-do que o látex extraído da cápsula é mais ativo do que o ex-trato da planta. Garantiu que o vinho de Mandrágora podia in-duzir perda de sensibilidade (“anestesia”) para que os médicos pudessem realizar cirurgias ou cauterizações das feridas sem que o doente referisse dor.21,23

Dioscórides usou o vocábulo Anestesia cerca de 1800 anos antes que Oliver Holmes o sugerisse a William Morton (1846)!

Plínio, o Velho (23-79) ou Plínio Romano, foi o mais impor-tante naturalista da antiguidade, almirante da frota de Mi-seno, cuja morte ocorreu durante observações da erupção do Vesúvio em 79. Recomendou a utilização de Mandrágora para analgesia de traumatismos e cirurgias. Escreveu Natu-ralis Historia, uma obra volumosa composta por 37 volumes, onde relatou o saber da sua época e referenciou a utilização do Ópio.23,24

Lúcio Apuleyo (125-180), argelino romanizado, conhecido pela obra literária “ O Asno de Ouro”, filósofo, botânico, as-trónomo, acusado de magia e feitiçaria, terá administrado Mandrágora e vinho para induzir o sono, durante o qual seria possível amputar um membro sem a menor dor.

Cláudio Galeno (131-200) nasceu e estudou em Pérgamo, foi uma das referências planetárias durante muitos séculos e um dos mais entusiastas na utilização do Ópio como anal-gésico e modificador do comportamento. Foi médico dos Im-peradores Marco Aurélio, Comodo e Severo e compreendeu os efeitos tóxicos do Ópio, através da dependência dos reais doentes. Referenciou o Ópio como “o mais forte dos medica-mentos que adormecem os sentidos e induzem sono profun-do”.23, 24

A dependência do Ópio era um hábito na sociedade romana! O prestígio social e profissional adquirido em Roma levou-o a elaborar as "Triagas Magnas": compostos constituídos por dezenas de componentes de origem vegetal (o Ópio seria um dos principais componentes), animal ou mineral. Inicialmente, utilizados como antivenenos, passaram a ser utilizados para tratamento de diversas doenças e, depois, como panaceia universal.

Avicena ou Ibn Sina (980-1037), nascido na Pérsia, foi o mais importante matemático, enciclopedista, filósofo e as-trónomo da sua época. Aos 18 anos era médico das cortes. Introduziu o Ópio, o Álcool, a Cânfora, a Noz-vómica, a Erva-ci-dreira, a Mandrágora, etc. e descreveu, pela primeira vez, a To-xicidade.23 Entre as 200 obras que divulgou, publicou 16 sobre Medicina, salientando-se a Canon de Medicina, dividida em cinco volumes, onde são referidos aspetos da anatomia, da cirurgia e de nutrição. Foi uma das obras mais estudadas nas

escolas de Medicina europeias entre os séculos XII e XVIII.25,26

Paracelso (1493-1541), médico, alquimista e renovador da Medicina, afirmou que as plantas tinham na forma a indica-ção terapêutica, popularizou o consumo do Ópio (Láudano, constituído por Vinho branco, Ópio, Canela, Açafrão, etc.) 23 e utilizou o Óleo Vitríolo em...galinhas. A utilização de plantas no processo de cura baseava-se na Teoria das Assinaturas, segundo a qual “tudo o que é criado pela natureza reproduz em si próprio as virtudes que lhes estão atribuídas”. Esta teoria manteve-se durante muitos séculos, alimentada pela tradição oral, pelo cristianismo e sedimentada por posteriores conceitos homeopáticos. Assim, se um fruto tinha a forma de um coração, ele estaria indicado para o tratamento de doen-ças cardíacas, isto porque “Deus imprimiu nas plantas, ervas e flores, como se fossem hieróglifos, a assinatura das suas virtudes” (similia similibus curantur).27

Walter Raleigh (1595), navegador, guerreiro e escritor (en-volvido no saque da cidade de Faro, no roubo do primeiro livro impresso em Portugal (“Pentateuco hebraico”) e no ataque a ilhas açorianas) introduziu na Europa a Batata, o Tabaco e o Curare, cuja preparação pelos índios era objeto de secretismo e protegido por rituais e tabus.28 José Gumilla (1745), padre jesuíta, descreveu este “veneno”, designado por “Ourari”, a sua preparação e a sua atividade. Em 1807, o Barão Alexander von Hmbuoldt identificou a Strychno toxifera. Benjamin Brodie (1812) publicou um livro onde descreveu a atividade do Cura-re: “paralisa os músculos e mata por impedir a respiração da vítima”. Claude Bernard (1851) em França e A. Kolliker (1856) na Alemanha demonstraram que o Curare bloqueia a condu-ção do estímulo nervoso na placa neuromuscular.28,29

William Withering (1741-1799), botânico, químico, médico da Universidade de Edimburgo e sócio da Academia Real da Ciências de Lisboa, relacionado com a análise química das águas sulfurosas do Hospital Termal das Caldas da Rainha, introduziu em Inglaterra, a Digitalina para tratamento da hi-dropisia.30,31 A Digitalina foi obtida da Dedaleira (Digitalis pur-purea). Ficou famosa a polémica que manteve com Erasmus Darwin sobre este assunto.32

Friedrich Serturner, em 1806, isolou um alcaloide do Ópio, a Morfina. Com uma modificação na molécula da Morfina, o químico inglês Charles Alder Wright sintetizou, em 1874, a Diacetilmorfina isto é, a Heroína. Esta droga foi comerciali-zada a partir de 1877 pelos laboratórios farmacêuticos Ba-yer, como analgésico e ... para tratamento da dependência da Morfina! Pierre-Jean Robiquet, químico francês, extraiu, em 1832, a Codeína. Menos potente do que a Morfina foi utiliza-da como antitússico, sedativo e antiespasmódico.23,33,34

Joseph Pelletier e Joseph Caventou, em 1820, isolaram da casca de Chinchona dois alcaloides: a I-Chichonidina e a I--quinina (antimalárico, antipirético). Deve ser salientado o papel realizado por Bernardino António Gomes e por Avelar Brotero pelas primeiras publicações sobre o tema (1812).35

Albert Niemann e Friedrich Wahler, em 1860, isolaram das folhas do arbusto Erythroxylon cocae, a Cocaína, um pó bran-co e de sabor amargo. As civilizações pré-colombianas dos Andes tinham o monopólio da planta, que utilizavam para fins

As Plantas na História da Dor

Page 29: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 129

As Plantas na História da Dor

medicinais, para cerimónias sociais, religiosas, rituais de inicia-ção, etc. desde há vários milhares de anos.36 Usavam nume-rosas plantas como analgésicos, alucinogénicos e sedativos (“catatun”) até para analgesia do parto (“Toluachi”): a Datura ferox produtora de Escopolamina e de Atropina, a Strycnos toxifera da qual se extrai da Estricnina, a Chondrodendon to-mentosum, cujo princípio ativo é o Curare, o Peote ou Lophora williamsii, fortemente alucinogénico, etc..

Em Itália apareceu o Vinho Mariani (1863) 36 e nos Estados Unidos da América surgiu a CocaCola (1885) com elevados teores de Cocaína (60 mg / 240 mL).36 Foram ambos consu-midos em larga escala por todas as classes sociais. O Papa Leão XIII concedeu uma comenda a Ângelo Mariani, por bene-fícios para a Humanidade, mas a Liga das Nações mandou-o retirar do mercado, pelo potencial risco de abusos e de de-pendência. A Coca-Cola, após um período conturbado, seria comercializada, mas, com prévia "descocainização" das folhas utilizadas.

O consumo de Cocaína é, atualmente, tolerado em alguns países da América Latina (Bolívia, Perú). No Perú, o Instituto Peruano da Coca, é um órgão governamental que controla a qualidade das folhas das plantas vendidas no comércio.

Em 15 de setembro de 1884 o oftalmologista Carl Koller (1857-1944) fez apresentar no Congresso de Sociedade Ger-mânica de Oftalmologia em Heidelberg uma comunicação sobre a utilização da Cocaína como o primeiro Anestésico Local em Cirurgia Oftalmológica.37,38 Este facto modificou radicalmente a história da Anestesia! A Cocaína passou a ser utilizada em todo o mundo e, naturalmente também em Portugal.39-41

Otto Hesse e J. Jobst (1875) isolaram da Fava-de-Calabar ou Noz de Eseré ou Physostigma venenosum, um alcaloide estimulante colinérgico e anticolinesterásico, a Fisostigmi-na. A Fava-de-Calabar era usada nos julgamentos tribais da África Oriental, como detetor de mentiras, pela forma rápida ou lenta com que o acusado ingeria uma poção com aquela planta. A molécula viria a ser sintetizada em 1935 por Percy Lavon e por Josef Pikl.42

Nagayoshi Nagai (1887) extraiu do caule da planta chinesa Ephedra sinica (Ma Huang), a I-Efedrina e a Pseudoefedrina. Por volta de 2700 a. C., a planta já seria usada para fins medi-cinais e a 2ª Farmacopeia Chinesa, publicada por Li Shi-Chen em 1552, apresentou a Ephedra sinica como antitússico, an-tiasmático, antipirético e estimulante circulatório.42,43

A Efedrina foi evidenciada pelos efeitos cardiovascula-res, broncodilatação e descongestionante nasal. Aumenta o metabolismo, sendo utilizada como substância “dopante” em desportistas e, ainda, como componente do “cocktail” de substâncias destinado ao emagrecimento, conhecido por ECA: Efedrina, Cafeína, Aspirina. A sobredosagem provoca, alterações do humor, alucinações, hipertensão, taquicardia e eventualmente a morte.44,45

Os Herbários

O primeiro herbário conhecido foi implementado pelo impe-rador chinês Shen Nung, pai da Medicina herbária chinesa e

da farmacologia, cerca de 2695 a. C. Continha a descrição de 365 ervas medicinais e venenosas.46,47

Na Europa o primeiro Herbário (Hortus siccus), constituído por amostras secas afixadas em papel, foi elaborado em 1551 pelo médico e botânico Luca Ghini (1490-1556), regen-te da Cadeira de Ervas da Universidade de Bolonha e um dos mais importantes botânicos da Europa.47,48

Múltiplos herbários surgiriam em todos os grandes centros académicos da Europa e da América.

Em Portugal o Herbário do Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra iniciado por Júlio Augusto Henriques (1873) possui 700.000 exemplares e é objeto de considera-ção internacional.

Constituíram ao longo dos séculos um meio de estudo e de formação não apenas em Botânica mas, sobretudo na Botâ-nica aplicada à em Medicina.

Atualmente, existem cerca de 4000 herbários no planeta contendo 250 milhões de exemplares botânicos.

os Jardins Botânicos

O primeiro Jardim Botânico (hortus vivus) da Europa foi fun-dado em Pisa por Luca Ghini em 1543 e o segundo em Pádua em 1545. Desde então todas as grandes cidades europeias possuíam o seu Jardim Botânico (hortus botanicus), alguns destinados quase exclusivamente ao cultivo de plantas me-dicinais e ao ensino universitário.48,49

Em 1768 foi iniciada a construção do Real Jardim Botânico da Ajuda (Lisboa) por Domingos Vandelli e quatro anos depois seria instituído o Jardim Botânico de Coimbra, no âmbito da reforma universitária, apesar das reservas manifestadas por Sebastião José de Carvalho e Melo …

o Estudo e o Consumo de derivados de Plantas no séc. XX-XXI

O progresso tecnológico e científico verificado no século XX permitiu a análise química dos componentes de muitas plan-tas (Fitoquímicos), a compreensão da sua atividade farmaco-lógica e a síntese de novas moléculas. Centenas de compo-nentes fitoquímicos são, atualmente utilizados sob a forma de medicamentos.50-54

A Etnobotânica é um sistema dinâmico, que envolve áreas científicas tão diversas como a antropologia, a ecologia, a bio-logia, a botânica, a medicina, a genética, a farmacologia, a engenharia do ambiente, o herbalismo empírico ou científico, é considerada uma área prioritária para o futuro da Humani-dade.55,56

As diversas organizações internacionais que estudam e coordenam a utilização de plantas para fins medicinais pro-moveram as definições básicas que permitem uma uniformi-zação de conceitos (OMS, German Commission e Monogra-phs, European Medicines Agency, etc.):

Page 30: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013130

As Plantas na História da Dor

Plantas medicinais - são as plantas silvestres ou cultiva-das, utilizadas para prevenir, aliviar, curar ou modificar um processo fisiológico normal ou patológico ou utilizadas como fonte de fármacos ou dos seus precursores (medicamentos).

Preparações à base de plantas - preparações obtidas após tratamento de substâncias derivadas das plantas, como a extração, a destilação, o fracionamento, a purificação, a con-centração e a fermentação. São exemplos de preparações, as substâncias transformadas em pó ou pulverizadas, os óleos essenciais, as tinturas ou exsudados e os sumos.

medicamento à base de plantas - quaisquer plantas in-teiras, fragmentadas ou cortadas, partes de plantas, algas, fungos ou líquenes não transformados, secos ou frescos ou derivados das plantas não sujeitas a tratamento específico e identificadas pelo sistema binominal.

Fitoterápicos ou Fitoterapêuticos - produtos medicinais acabados e etiquetados, cujos componentes ativos são for-mados por partes aéreas ou subterrâneas de plantas ou de outro material vegetal ou combinações destes em estado bruto ou em forma de preparações vegetais.

Suplementos alimentares - definição oriunda da legis-lação portuguesa “géneros alimentícios que se destinam a complementar ou a suplementar o regime alimentar normal e que constituem fontes concentradas de substâncias nutrien-tes ou outras com efeito nutricional ou fisiológico” (Decreto--Lei 136/2003 de 28 de junho, art.º 3).

A Farmacognosia (estudo de produtos de origem natural, farmacologicamente ativos e utilizados como agentes tera-pêuticos), a Fitoterapia (vocábulo utilizado pela primeira vez por Henri Leclerc (1870-1955) como ramo da Farmacognosia que estuda a utilização de produtos e de preparações de ori-gem vegetal com objetivos terapêuticos e/ou preventivos) e a Fitoquímica (estudo químico das substâncias resultantes do metabolismo das plantas), assumem um papel relevante na compreensão científica dos efeitos farmacológicos dos com-ponentes das plantas e da interatividade com outras plantas ou com fármacos sintéticos.57

Fabricant e Farnsworth (2001) consideraram que das 250.000 a 500.000 espécies de plantas identificadas, ape-nas em 15 % foi realizada a análise fitoquímica e em 6 % a ati-vidade bioquímica. Calcula-se que cerca de 50.000 espécies de plantas sejam utilizadas com fins medicinais e supõe-se que 120 espécies tenham contribuído para a elaboração de moléculas e de medicamentos sintéticos ou semissintéticos (quadro I).55,56

Em 1995, a Organização Mundial de Saúde considerava que 75 - 80 % da população mundial utilizava extratos de plantas para prevenir ou tratar doenças ou como suplemen-tos alimentares. Isto significa que, o consumo de plantas ou dos seus componentes ativos ocupa um espaço relevante no alívio do sofrimento para o universo de muitos milhões de se-res humanos, quer isoladamente, quer associado a terapêuti-cas convencionais.59,60

O aumento de esperança de vida e a polifarmacoterapia a que pessoas dos grupos etários elevados estão submetidas, utilizando agentes fitoterapêuticos e fármacos convencionais,

Quadro I - Fármacos derivados de Plantas *

AgenteIdentificação Popular

Identificação Científica

Atividade Far-macológica

Adenosina olho-de-perdiz Adonis vernalis Cardiotónico

Ajmalicina Rauvolfia rauvolfia serpentina Estimulante circulatório

Atropina Erva do diabo Atropa belladonna Anticolinérgico

Capsaicina Pimentos, malagueta Capsicum frutescensis Analgésico

Cocaína Cocaína Erythroxylum coca Anestésico local

Codeína Papoila de Ópio Papaver somniferum Analgésico, antitússico

Cynarina Alcachofra Cynara scolymus Anticolesterolémico

Digitálicos Dedaleira digitalis purpurea Cardiotónico

Efedrina Efedrina, ma Huang Ephedra sinica Simpaticomimético

Emetina Ipecacuanha Cephaelis ipecacuanha Emético

Escina Castanha da Índia Aesculus hippocastan. Anti-inflamatório

Escopolamina mandragora, Datura Mandragora offcinarum Anticolinérgico

Estricnina Noz-vómica strychnos nux-vomica Estimulante do SNC

Fisostigmina Fava de Calabar Physostigma veneno-sum

Anticolinesterásico

Glicirrizina Licorice Glycyrrhiza glabra Doença de Addison

Hiosciamina Beleno hyoscyamus niger Anticolinérgico

Kuwaina Kava kava Piper methysticum Antidepressivo

Morfina Ópio Papaver somniferum Analgésico

oseltanivir Anis Estrelado Chinês illicium verum Antiviral

oubaína Estrofanto strophantus hispidus Cardiotónico

Pilocarpina Jaborandi Pilocarpus jaborandi Parasimpatico-mimético

Quinina Quina Cinchona officinalis Antimalárico

Quinidina Quina Cinchona officinalis Antiarrítmico

Reserpina Rauvolfia rauvolfia serpentina Sedativo, hipoten-sor

Senosídeos Sene Cassia angustifolia Laxante

Tubocurarina Curare Chondodendron toment.

Relaxante mus-cular

Vincristina Vinca, Boa noite Catharanthus roseus Antitumoral

Vinblastina Vinca, Boa noite Catharanthus roseus Antitumoral

Valerianatos Valeriana Valeriana officinalis Sedativo

Yoimbina Ioimbina Pausinystalia yohimbe Disfunção eréctil

Lima JJF * Adapt. Helmenstine AM “Drugs from Plants”, About.com: Chemistry – http://chemistry.about.com

induziram um conjunto de efeitos secundários de diversa or-dem e gravidade.

Considera-se que existe interação farmacológica entre um medicamento e uma planta medicinal (ou uma fórmula com-posta por diversas plantas medicinais) sempre que um deles afeta a farmacocinética, a farmacodinamia, a biodisponibili-dade, a eficácia ou a toxicidade do outro, modificando o efeito clínico pretendido.61-5

O conhecimento dos mecanismos farmacológicos da in-teração entre agentes fitoterapêuticos e fármacos conven-cionais deve ser considerado, sempre que um profissional prescreve determinadas associações medicamentosas com-plementadas ou não com extratos de plantas (quadro II).

As Plantas na História da Dor

Page 31: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 131

Quadro II - Interatividade entre Plantas e Fármacos convencionais

Planta Fármaco InteratividadeAlcaçuz Espironolactona Antagonista efeito

diurético

Alho Varfarina, antiagregantes plaquetários

Potenciação

Aloe vera Glicosídeos cardíacos, anti-agregantes plaquetários

Hipokaliemia, potenciação de glicosídeos e anti-agregantes plaquetários

Arnica Varfarina, antiagregantes plaquetários

Potenciação. Hemorragias

Castanheiro-da-índia Varfarina, antiagregantes plaquetários, heparinas, alho, Ginkgo biloba

Potenciação. Probabili-dades de hemorragias

Dedaleira Digitálicos Sinergismo. Potenciação

Don quai Fotosensibilizantes, alguns antibióticos, varfarina

Fotosensibilidade. Au-mento motilidade uterina.

Erva de S. João Inibidores da mAo Pode haver potenciação

Feno-grego Antidiabéticos. Cumarínicos Potenciação

Ginkgo biloba Cumarínicos, antiagregantes plaquetários, antidepres-sivos

Potenciação

Ginseng Estrogéneos, corticoste-roides, insulina, digitálicos

Efeitos aditivos. Alteração dos níveis de glicemia. Modificação da biodisponi-bilidade.

Ioimbina Anfetaminas, antidepres-sivos, inibidores da mAo

Potenciação. Alucinações, Pânico.

Kava Kava Benzodiazepinas Potenciação. Coma.

Maracujá Inibidores da mAo, deriva-dos tricíclicos, benzodiazepi-nas, barbitúricos, fluoxetina, alho, Kava kava, valeriana, Ginkgo biloba

Potenciação

Papoila californiana Inibidores da mAo Potenciação. Anafilaxia.

Pimentos, malaguetas Inibidores da mAo, sedativos

Aumento de pressão arterial, Potenciação de sedação

Pirliteiro Digitálicos, hipotensores Potenciação.

Purpurea (Echinacea) Fármacos metabolizados pelo Citocromo P450

Aumento de biodisponibili-dade, Hepatotoxicidade.

Quinidina Digoxina, verapamil, varfarina

Potenciação.

Sene, Cascara sagrada Diuréticos, digitálicos Desidratação. Hipocali-emia.

Toranja Fármacos metabolizados pelo Citocromo P450

Inibição de absorção.

Valeriana Benzodiazepinas, bar-bitúricos

Sedação excessiva

J. Fig. Lima

A literatura científica é fecunda na descrição de interações farmacológicas entre plantas e entre estas e medicamentos.

A cultura para a segurança permite enquadrar algumas re-comendações genéricas:

- não utilizar polifarmacoterapia, sempre que possível;

- não associar fármacos prescritos em medicina convencio-nal com agentes fitoterapêuticos, sem aconselhamento pro-fissional competente;

- não associar duas plantas ou fórmulas baseadas em plantas para tratamento de patologias diferentes;

- a automedicação deve ser desincentivada e o aconselha-mento comercial por profissionais indiferenciados, tal como a publicidade a “suplementos alimentares” (quantas vezes enganosa!) deveria ser contido pelos potenciais riscos para a saúde dos utilizadores;

- o consumo de suplementos alimentares deve ser ques-tionado durante a elaboração da história clínica de todos os pacientes, especialmente aqueles que irão ser submetidos a atos anestésicos ou cirúrgicos. A Sociedade dos Anestesiolo-gistas Americanos (ASA), tal como a Sociedade Europeia de Anestesiologia recomendam que o consumo de extratos de algumas plantas seja interrompido antes de qualquer ato anestésico ou cirúrgico (quadro III).63-9,70-2

Quadro III - Plantas, metabolismo e Anestesia

PlantaAtividade

metabólicaAnestesia/ Cirurgia

Precauções

Adonis vernalis(olho de Perdiz)

Glicosídeos FlavonoidesInteração: digitálicos

Arritmias cardíacas Interromper

Aesculus hipocast.(Castanha da Índia)

Saponinas (escina), flavo-noides: quercetina, rutina, campferol,Cumarínicos, Esculosido,Interação:varfarina, anti-agregantes plaquetários.

Hemorragia per-operatóriaEstudo coagulação.Estudo hemorre-ológico

Interromper

Allium sativum (Alho)

Antiagregantes plaque-tários, anticoagulantes.Aumenta fibrinólisis. Interação: cumarínicos, antiagregantes, antico-agulantes.

Hemorragia per-operatóriaEstudo coagulaçãoEstudo hemorre-ológico

Interromper

Aloe vera(Aloé)

Saponinas, flavonoides, enzimas,antraquinona, fitoesteróis, aloína.Interação: digitálicos, antiagregantes

HipokaliemiaArritmiasHemorragias

Interromper

Angelica officin.(Angélica)

Cumarinas, lactonas, flavonoides.Interação: antidiabéticos orais, varfarina

HiperglicemiaHemorragiasEstudo coagulação

Interromper

Angelica sinensis Flavonoides, fitoesteróis, cumarina

Hemorragias Interromper

(Dong quai) Interação: varfarina Estudo coagulação Interromper

Arnica montana(Arnica)

Flavonoides, fitoesteróis, lactonasTimol, arnicina, etc.Interação: benzodiazepinas

Sedação Interromper

Calendula officin.(margarida)

Cumarinas, saponinas, carotenos, glicosídeos, flavonoides, terpenos Interação: sem relevância

Sem referência ?

Cassia angus-tifolia(Sene)

Antraquinonas, glicosíde-os, emodina, flavenóides, senosídeosInteração: diuréticos, digitálicos

Equilíbrio hidro-electrolíticoHipokaliemiaDesidratação

Interromper

Cytrus x paradis(Toranja)

Furanocumarinas (ber-gamotina), flavonoides (naringina), carotenosInteração: inibição do Cito-cromo P450 e isoforma CYP3A4 Potenciação: benzodiaz-epinas, anti-histamínicos, bloqueadores de canais de Ca, antiarrítmicos, lidocaína, varfarina.

Potenciação do efeito farmacológico de diversos fármacos.Estudo coagulação

Interromper

Crataegus laevigata(Pirliteiro)

Flavonoides (vitexina), taninos, terpenos, histamina, glicosídeos, 5-hidroxitriptamina.Interação: digitálicos, anti-histamínicos. benzo-diazepinas, hipotensores, narcóticos

HipotensãoArritmias

Interromper

As Plantas na História da Dor

Page 32: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013132

As Plantas na História da Dor

PlantaAtividade

metabólicaAnestesia/ Cirurgia

Precauções

Ginkgo biloba Flavonoides (quarcetina,canferol), lactonas terpénicas (ginkgolídeos)Inibição agregação plaquetáriaInibição do Citocromo P450 e da isoforma CYP3A4Interação: antiagregantes plaquetários, antidepres-sivos, antiepiléticos, anti-inflamatórios não esteroides

Hemorragia per-operatóriaDiscrasia hemorrágicaEstudo coagulaçãoEstudo hemorre-ológico

Interromper

Glycyrrhiza glaba(Alcaçuz)

Cumarínicos, flavonoides, glucose isoflavonas, sacarose, fitoestrogéneosRetenção de água e de sódio Interação: antidiabéticos orais, corticosteroides, estrogéneos, cumarínicos

Alterações hidro-eletrolíticasEstudo coagulaçãoEstudo glicemia

Interromper

Harpapagho-phytmprocumbensis(Garra do diabo)

Sistosterol, glicosídeos(harpagide harpagosídeo), flavonoides(luteolina, kampferol)Interação: varfarina, antiagregantes plaquetários

Estudo coagulaçãoEstudo glicemiaArritmias

Interromper

Hypericumperforatum(Erva-de-S.João)

Hipericina, hiperforina.Indutor do Citocromo P450 e CYP3A4, reuptake de serotonina.Inibição da glicoproteína CYPInteração: fármacos metabolizados pelo Citocromo P450:varfarina, tricíclicos, digoxina, benzodiaepi-nas, antiagregantes plaquetários, teofilina, ciclosporina, etc.

Estudo coagulaçãoEstudo hemorrológicoFunção hepática

Interromper

matricaria recutita(Camomila)

Flavonoides (apigenina, crisina), cumarina álcool sesquiterpeno (bisabolol).Inibição do Citocromo P450 e da CYP1A2Interação: cumarínicos(?), fármacos metabolizados pelo Citocromo P450

Estudo coagulação Interromper

medicago sativa(Alfalfa)

Flavonas, Cumarínicos, Saponinas, Fitoestrogé-nios, Viaminas, Carotenos, Aminoácidos, etcInteração (?): antidiabé-ticos, cumarínicos, corti-coides, hormonoterapia, imunosupressores

Estudo coagulação Interromper (interdito em doentes trans-plantados)

Panax ginseng(Ginseng)

Sapogeninas triterpénicas (ginsenosideos)Interação: varfarina, bloqueadores de canais de Ca, antidepressivos, digoxina

Estudo coagulação Interromper

Passiflora incarnata(Maracujá)

Flavonoides, glicosidos, vitaminas, alcaloides indólicos, passiflorinaInteração: antidepressivos tricíclicos, benzodiaz-epinas, inibidores da mAo, antiagregantes plaquetários, anti-inflamatórios, alho, valeriana, Ginkgo biloba

Estudo coagulaçãoSedação

Interromper

Pausinystaliayohimbe(Ioimba)

Ioimbina (bloqueador alfa-2 adrenérgico)Interação: tiamina, cafeína,Inibidores da mAo, antidepressivos tricíclicos, anfetaminas, ketamina, clonidina,estimulantes do SNC, antiagregantes plaque-tários (?)

Estudo coagulaçãoFunção renal

Interromper

Rhamnus purshiana(Cascara sagrada)

Antraquinonas (cascaro-sídeos, emodina), glico-sídeos, aloína, taninos, etc.Interação: relaxantes musculares,diuréticos, corticos-teróides, digitálicos

Equilíbrio hidro-electrolíticoHipokaliemiaDesidratação

Interromper

Planta Atividade metabólica

Anestesia/ Cirurgia Precauções

Salvia miltiorrhiza(Danshen)

Cetonas, quinonas, ác.carboxílico, grupos aldeídoInteração:varfarina, antia-gregantes plaquetários, bloqueantes, digitálicos, benzodiazepinas, Ginkgo biloba.

Hemorragia per-operatóriaEstudo coagulaçãoEstudo hemorre-ológico

Interromper

Tanacetum parthenium(margarida)

Partenolídeo, cetona, absinta, sesquiterpenos.Interação:anti-histamínic-os, antiagregantesplaquetários

Estudo coagulaçãoEstudo hemorre-ológico

Interromper

Trigonella foenum-graecum(Feno-grego)

Flavonoides, saponinas, alcaloides, fitoesteróis, mucilagem, ácidos gordos, cumarínicosInteração: antidiabéticos orais, antiagregantes plaquetários, diuréticos, laxantes

HipoglicemiaHipokaliemiaHemorragia per-operatóriaEquilíbrio hidro-electrolíticoEstudo coagulação

Interromper

uncaria tomen-tosa(unha de gato)

Alcaloides: indólicos, pentacíclicos, tetracíclicos, glicosídeos, ácidos, sais mineraisInteração: anti-a-gregantes plaquetários, anti-inflamatórios não esteroides, antiarrítmicos, digitálicos, citostáticos, imunosupressores

Estudo coagulação Interromper

Valerianaofficinalis(Valeriana)

Alcaloides (valeriana),taninos, terpenosIndutor do Citocromo P450Interação: benzodiaz-epinas, barbitúricos, cumarínicos, anti-histamínicos, alho, Ginkgo biloba, Kava-kava e outros fármacos metabolizados pelo Citocromo P450 ou isoformas

Estudo coagulação Interromper

Zingiber of-ficinalis

Gengiróis, zingerberol, zin-ziberen, amidos, glucídeos, vitaminasInteração: antiagregantes plaquetários, sulfoguan-idina, bloqueadores H2

Interromper

J. Fig. Lima*A Sociedade dos Anestesiologistas Americanos (ASA) e a Sociedade Europeia de Anes-tesiologia (ESA) recomendam que a ingestão de plantas medicinais seja descontinuada ou interrompida duas ou três semanas antes de qualquer ato cirúrgico eletivo (Kaye AD, Kucera I, Sabar R. Perioperative Anesthesia clinical considerations of alternative medicines. Anesthesiol Clin North America 2004; 22 (1): 125-39; De Hert S, Imberger G, Carlisle J, Diemunsch P, Fritsch G, moppett I, et al. - The Task Force on Preoperative evaluation of the Adult Noncardiac Patient of the European Society of Anaesthesiology. Preoperative evalu-ation of the adult patient undergoing non-cardiac surgery: guidelines from the European Society of Anaesthesiology. Eur J Anaesth. 2011; 28: 684-722).

Trata-se de um mercado em expansão, que movimenta anualmente muitos biliões de dólares/euros!

Em 2009, o mercado de suplementos alimentares botânicos ultrapassou os 5 biliões de dólares.73 Panorama idêntico verifica--se na Europa.74

O futuro deverá passar por uma maior intervenção no controlo da qualidade destes produtos e pela legislação que o regula-mente a diversos níveis.75,76

O futuro em Portugal deverá passar por alterações concetuais profundas: mais rigoroso controlo de qualidade e de farmacovi-gilância, efetuado por instituições dependentes do Ministério da Saúde; diferenciação dos profissionais envolvidos na comercia-lização e aconselhamento dos impropriamente designados por “Suplementos Alimentares”; pela apropriada regulamentação na utilização destes fitofármacos e pela educação médica dos estu-dantes de Medicina e dos profissionais da Saúde.

Quadro III - Plantas, metabolismo e Anestesia (continuação)

Page 33: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 133

Bibliografia

1. Cule J. A História da Medicina, Cap. I in: Porter R. A História da Cura - Das Antigas Tradições à Prática Moderna., S.l.:Livros e Livros Eds; 2002.

2. Woods M, Woods MB. Ancient Medical Technology: From the Herbs to Scapels. S.l.: Twenty-First Cent. Books; 2011.

3. Pilsworth C, Banhan D. Medieval medicine: Theory and Pratice. Soc Hist Med. 2011: 24 :2.

4. Horden P. What’s wrong with early Medieval Medicine? Soc Hist Med 2011; 24: 5-25.

5. Solecki RS, Shamidar IV. A neanderthal flower. Science 1975; 190: 880.

6. Tyldasley JA. Use of plants in the European Palaeolithic: a review of the eviden-ce. quart Sci Rev. 1983; 2: 53-81.

7. Dias JM. Dor: Passado, presente e futuro. Anest Reg Terap Dor. 2009 :10-30.

8. Aboelsoud NH. Herbal medicine in ancient Egypt. J Med Plants Res. 2010; 42: 82-6.

9. Veiga PS. Saúde e medicina no antigo Egipto. Dissertação de Mestrado. Lisboa: Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa; s.d.

10. Ansary M, Steigerwald I, Esser S. Egypt: over 5000 year of pain management - cultural and historical aspects. Pain Pratice 2003; 3: 84-7.

11. Astyrakaki E, Papaioannov A, Askitopopoulou A. Reference to anesthesia, pain and analgesia in the Hippocratic Collection. Anesth Analg. 2010; 110: 188-94.

12. Syed IB. Islamic Medicine: 1000 years ahead of its times. JISHIM 2002; 2: 2-9.

13. Savage-Smith E. The pratice of surgery in Islamic lands: myth and reality. Soc Hist Med. 2000; 13:307-21.

14. Wai FK. On Hua Tuo’s position in the history of chinese medicine. Am J Clin Med. 2004; 32: 313.

15. Tubbs RS, Riech S, Verma K, Chern J, Mortazavi M, Cohen-Gadol AA. China’s first surgeon: Hua Tuo (c.108-208 AD). Childs Nerv Syst. 2011; 27: 1357-1360.

16. Kuo D, Schlecht KD. Hua Tou and Mafeisan. Anesth Hist Assoc. 2013; 52.

17. Mishra L, Sing BB, Dagenais S. Ayurveda: a historical perspective and princi-ples of the traditional healthcare in India. Altern Therap Health Med. 2001; 7: 36-42.

18. Rao MS. The history of medicine in India and Burma. Med Hist. 1968; 12: 52-61.

19. Monachina J. Rauvolfia serpentine - Its history, botany and medical use. Econ Botany 1954; 8: 349-355.

20. Ramoutsaki IA, Askitopoulou H, Kousolaki E. Pain relief and sedation in Ro-man byzantine texts. Int Congr Series. 2002; 1242: 43-50.

21. Peduto VA. The mandrake root and Viennese Dioscorides. Minerva Anestesiol. 2001; 67: 751-66.

22. Scarborough J. Theophrastus on herbal and herbal remedies. J Hist Biol. 1978; 11: 353-85.

23. Duarte DF.- Uma Breve história do ópio e dos opióides. Rev Bras Anestesiol 2005; 55: 135-46.

24. Trancas B, Borja Santos N, Patrício LD. O uso do ópio na sociedade romana e a dependência do Prínceps Marco Aurélio. Acta Med Port. 2008; 21: 581-590.

25. Guerra M. As origens do ensino de História da Medicina em Portugal. Acta Med Port .1980; 2: 335.

26. Lima JJ. Plantas e Dor - Contributo para o estudo Etnoantropológico da Dor. Dor. 2010; 18: 5-19.

27. Pearce JM. The Doctrine of Signatures. Eur Neurol. 2008; 60: 51-52.

28. Lee MR. Curare: the South American arrow poison. JR Coll Physicians Edinb. 2005; 35: 83-92.

29. Duarte DF. Curarizantes - das suas origens aos dias de hoje. Rev Bras Anes-thesiol. 2000; 50: 330-6.

30. Wilkins MR, Keudall MJ, Wade OL. William Withering and Digitalis, 1785-1985. Br Med J. 1985; 290: 7-8.

31. Raza M. A role for physicians in Etnopharmacology and drug discovery. J Eth-nopharmacol Drug Discov. 2006; 104: 297-301.

32. Fulton JF. Charles Darwin and the early use of digitalis. J Urban Health. 1999; 76: 533-41.

33. Hamilton GR, Baskett TF. In the arms of Morpheus: the development of mor-phine for postoperative pain relief. Can J Anesth. 2000; 47: 367-374.

34. Berridge V. Heroin prescription and history. N Engl J Med. 2009; 361: 820-821.

35. Oliveira AR, Szczerbowski R. quinina: 470 anos de história, controvérsias e desenvolvimento. quim Nova. 2009; 32: 1971.

36. Ferreira PE, Martins RK. Cocaína: lendas, história e abuso. Rev Bras Psiquiatr. 2001; 23: 96-9.

37. Reis A. Sigmund Freud (1856-1939) e Karl Koller (1857-1944) e a descoberta da Anestesia Local. Rev Bras Anestesiol. 2009; 59: 244-57.

38. Markel H -Uber Coca: Sigmund Freud, Carl Koller and Cocaine. JAMA. 2011; 305: 1360-1.

39. Pereira LI. Anesthesia Cocaínica. Tese de Dissertação Inaugural. Porto: Escola Médico-Cirúrgica; 1897.

40. Macedo MA.- Analgesia Cirúrgica por injecções sub-aracnoideias de Cocaína. Tese de Dissertação Inaugural. Porto: Escola Médico-Cirúrgica;1901.

41. Lima JJ. A Anestesia em Portugal - séc. XIX e início do séc. XX. 2013 (em publicação).

42. Vale NB. A Farmacobotânica ainda tem lugar na moderna Anestesiologia? Rev Bras Anstesiol. 2002; 52: 368-380.

43. Lee MR. The history of Ephedra (ma-huang). J R Coll Physicians Edinb. 2011; 41: 78-84.

44. Shekelle PG, Hardy ML, Morton SC, Maglione M, Mojica WA, Suttorp MJ, et al. - Efficacy and safety of Ephedra and Ephedrine for weight loss and athletic perfor-mance. A meta-analysis. JAMA. 2003: 289: 1537-45.

45. Chataran F. Ephedra supplement may have may have contributed to sportsman’s death. BMJ. 2003: 326: 464.

46. Chan L. A brief history of Chinese herbs and Medicine. Bull Torrey Botanic Club. 1939; 66: 563-8.

47. Patil DA. Ethnomedicine to modern Medicine: genesis through ages. J Exp Sciences. 2011; 2: 25-29.

48. Stearn WT. Sources of information about botanic gardens and herbaria. Biol J Linnean Soc. 1971; 3: 225-233.

49. Sharp P. Medical remedies: from the old to the new. ANZ J Surgery. 2005; 75: 340-6.

50. Balmas MJ. Drug discovery from medicinal plants. Life Sciences. 2005; 78: 431-441.

51. De Luca V, Salim V, Atsumi SM, Yu F. Mining the biodiversity of Plants: a revo-lution in the making. Science. 2012; 336: 1658.

52. Mishra BB, Tiwari VK. Natural products: an evoluting role in the future drug discovery. Eur J Med Chem. 2011; 46: 4769.

53. Kinghorn AD, Pan L, Fletcher JN, Chai H. The relevance of nighter plants in lead compound discovery programs. J Nat Prod. 2011; 74: 1539.

54. Peter AG. Herbal remedies. New Engl J Med. 2002; 347: 2046.

55. Lima JJ. Plantas e Dor - Contributo para o Estudo Etnoantropológico do Trata-mento da Dor. Dor. 2010; 18: 5-19.

56. Heinrich M, Kuter J, Leonti M, Pardo-Santayana M. Ethnobotany and Ethno-pharmacology - Interdisciplinarity links with the historical sciences. J Ethnopharma-col. 2006; 107: 157-60.

57. Cunha AP. Farmacognosia e Fitoterapia.2ªed. Lisboa: Fundação Calouste Gul-benkian;2009.

58. Fabricant DS, Farnsworth NR. The value of plants used in traditional medicine for Drug discovery. Envir Health Perpect. 2001; 109: 69-75.

59. Pal SK, Shukla Y. Herbal Medicine: Current Status and Future. Asian Pacific J Cancer Prevent. 2003; 4: 281.

60. Kaboj VP. Herbal medicine. Curr Science. 2000; 78: 35-9.

61. Fugh-Bergman A. Herb-Drug Interactions. Lancet. 2000; 355: 134-8.

62. Hu Z, Yang X, Ho PC, Chan SY, Heng PW, Chan E, et al. - Drug interactions. A literature review. Drugs. 2005; 65: 1239-82.

63. Chen XW, Sneed KB, Pan SY, Cao C, Kanwar JR, Chew H, et al. - Herb-Drug Interactions and mechanistic and clinical considerations. Curr Drug Metab. 2012; 13: 640-51.

64. Izzo AA. - Interactions between herbs and conventional drugs: overview of clinical data. Med Princ Pract. 2012; 21: 404-428.

65. Chen XW, Serag ES, Sneed KB, Liang J, Chew H, Pan SY, et al. Clinical herbal interactions with conventional drugs: from Molecules to Maladies. Curr Med Chem. 2011; 18: 4836-50.

66. Lee A, Chui PT, Aun CS, Lau AS, Gin T.. Incidence and risk of adverse perio-perative events among surgical patients taking traditional Chinese herbal medicine. Anesthesiology. 2006; 105: 454-61.

67. Lee A, Moss J, Yan CS. Herbal medicines and Perioperative Care. JAMA. 2001; 286: 208-16.

68. Wong A, Towley SA. Herbal Medicines and Anesthesia. Cont Educ Anesth Crit Care Pain. 2011: 11: 14-7.

69. Dauloff TA. Anesthesia and Herbal Supplements. ASA Refresh Courses Anesth. 2012; 40 : 7-17.

70. Tessier DJ, Deborah SB. A Surgeon’s guide to herbal supplements. J Surg Res. ;114:30-6.

71. Chang J. Medicinal Herbs: drugs or dietary supplements? Biochem Pharmacol. 2000; 59: 211-219.

72. Goldman P. Herbal medicines today and the roots of modern pharmacology. Ann Int Med. 2001; 135: 594-600.

73. Blumenthal M. Growth and market trends for herbal products in United States. Planta Med. 2010; 76: 256.

74. Armbruster N, Grunwald J. Market opportunities of phytopharmaceuticals. Z Arzn Gewurzpflauzen. 2008; 13: 61-4.

75. Barnes J. quality, efficacy and safety of complementary medicines fashions, facts and future. Part I. Regulation and quality. Br J Clin Pharmacol. 2003; 55: 226-33.

76. Gulati OP, Ottaway PB. Legislation relating to metacentricals in Europe Union

with a particular focus on botanical sourced-products. Toxicology. 2006; 221: 75-87.

As Plantas na História da Dor

Page 34: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013134´

A via aérea supraglótica I-gel está agora indicado para reanimação e pode ser inserido emmenos de 5 segundos com utilização em pacientes com um peso de 30-90 Kgs+,

torna o i-gel indicado para a maioria dos adultos.

Para experimentar i-gel visite www.i-gel.com, onde poderá encontrar mais informação,videos, downloads e as últimas novidades.

Page 35: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013 135´

A via aérea supraglótica I-gel está agora indicado para reanimação e pode ser inserido emmenos de 5 segundos com utilização em pacientes com um peso de 30-90 Kgs+,

torna o i-gel indicado para a maioria dos adultos.

Para experimentar i-gel visite www.i-gel.com, onde poderá encontrar mais informação,videos, downloads e as últimas novidades.

Page 36: ISSN 0871 - 6099 Revista da Sociedade Portuguesa de ...spanestesiologia.pt/wp-content/uploads/2013/11/revista_SPA_22_4... · rev soc Port anestesio o n 105 artigo de revisão // Review

Rev Soc Port Anestesiol | Vol. 22 - nº4 | 2013136