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Izabella Vaz de Oliveira Soares A Penetração da Globalização no Território Nacional Brasileiro: Grupos Indígenas Resistem à Globalização em Termos de Desterritorialização Belo Horizonte 2007

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Izabella Vaz de Oliveira Soares

A Penetração da Globalização no Território Nacional Brasileiro: Grupos Indígenas Resistem à Globalização em Termos de

Desterritorialização

Belo Horizonte 2007

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Izabella Vaz de Oliveira Soares

A Penetração da Globalização no Território Nacional Brasileiro: Grupos Indígenas Resistem à Globalização em Termos de

Desterritorialização

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais do Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni-BH como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Dawisson Belém Lopes

Belo Horizonte

2007

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Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH

Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais

Programa Graduação em Relações Internacionais

Monografia intitulada “A Penetração da Globalização no Território Nacional Brasileiro:

Grupos Indígenas Resistem à Globalização em Termos de Desterritorialização” de autoria da

graduando Izabella Vaz de Oliveira Soares, aprovada pela banca examinadora constituída

pelos seguintes professores:

_______________________________________________

Prof. Dawisson Belém Lopes – Orientador

______________________________________________

Profª Alexandra Nascimento – UNI-BH

___________________________________________________________

Prof. Leonardo César Ramos – UNI-BH

_____________________________________

Prof. Leonardo César Ramos

Coordenador do Curso de graduação em Relações Internacionais

UNI-BH

Belo Horizonte, 25 de Junho de 2007.

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“se eu pudesse deixar algum presente a você, deixaria aceso o sentimento de amar a vida dos seres humanos.

a consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora. lembraria os erros que foram cometidos para

que não mais se repetissem. a capacidade de escolher novos rumos deixaria para você, se pudesse ,o respeito àquilo que

é indispensável: além do pão, o trabalho. além do trabalho, a ação e, quando tudo me faltasse, um segredo:

o de buscar no interior de si mesmo a resposta e a força para encontrar a saída” (Mahatma Gandhi)

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Resumo

Este trabalho mostrará os efeitos da penetração da globalização no território brasileiro. Terá

como pano de fundo o fenômeno da globalização proposto por Scholte, que emerge um novo

padrão de relações sociais, caracterizado pela desterritorialização. È este ponto que culmina com

o conflito dos grupos indígenas. Esta porção da sociedade resiste à invasão dos fluxos

transnacionais, no intuito de salvaguardar a terra, como meio de subsistência e de suas relações

sociais.

Abstract

This paper will show the effects of the globalization entrance in the brazilian territory. It will

have as a main idea the phenomenon of the globalization considered by Scholte, that emerges

a new standard of social relations, characterized by the desterritorialization. This is the point

that culminates with the conflict of the indigenous groups. This portion of the society resists

the invasion of the transnational flows, in intention to protect their land, as an instrument of

subsistence and social relations

Palavras-chaves: Globalização, resistência e grupos indígenas

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Sumário Listas Abreviaturas Introdução..................................................................................................................pág.9 1. Globalização e a questão territorial

1.1 Globalização e seu conceito....................................................................pág.11

1.2 Globalização e o Neoliberalismo............................................................pág.16

1.3 A questão do Papel do Estado.................................................................pág.19

1.4 Grupos indígenas em função do conceito de território...........................pág.22

1.5 Conceito de resistência............................................................................pág.25

2. Panorama dos conflitos indígenas no Brasil: dois estudos de caso

2.1 Terras indígenas......................................................................................pág.31

2.2 Grupos indígenas em conflitos................................................................pág.37

2.2.1 Povo Krenak.............................................................................pág.37

2.2.2 Povo Tupiniquim......................................................................pág.41

3. A Questão Indígena com relação à desterritorialização

3.1 Desterritorialização como causa dos conflitos indígenas.......................pág.48

3.2 Estudo de caso Povo Krenak...................................................................pág.51

3.3 Estudo de caso Povo Tupiniquim............................................................pág.53

Conclusão..................................................................................................................pág.55 Anexos......................................................................................................................pág.57 Referências Bibliográficas........................................................................................pág.61

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Listas

Quadros I: Situação das Terras Indígenas................................................................pág.36

Quadro II: Povo krenak............................................................................................pág.37

Quadro III: Percentual da Área Inundada do Reservatório – UHE Aimorés...........pág.40

Quadro IV: Povo Tupiniquim...................................................................................pág.42

Quadro V: Pop. Indígena no Brasil- Distribuição por Unidade da Federação..........pág.58

Quadro VI: Quadro Geral das Terras Indígenas por Estados...................................pág.58

Mapa I: Estados Brasileiros com presença de Terras Indígenas...............................pág.32

Mapa II: Terras Indígenas no Território Brasileiro...................................................pág.37

Mapa III: Localização das Terras Indígenas do Estado de Minas Gerais.................pág.38

Mapa IV: Localização das Terras Indígenas do Estado do Espírito Santo...............pág.43

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Siglas e Abreviações

Aneel: Agência Nacional de Energia Elétrica

BM: Banco Mundial

Cemig: Companhia Energética de Minas Gerais

CVRD: Companhia Vale do Rio Doce

COFAVIA: Companhia Ferro e Aço de Vitória

DW-WORLD: Deutsche Welle World (Empresa Alemã de Comunicação)

FMI: Fundo Monetário Internacional

FSM: Forun Social Mundial

Funai: Fundação Nacional do Índio

ISA: Instituto Sócio Ambiental

OIT: Organização Internacional do Trabalho

OIs: Organizações Internacionais

SPI: Serviço de Proteção ao Índio

UHE: Usina Hidrelétrica

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Introdução

Algumas das constantes mudanças que ocorrem nas sociedades são fruto de uma gama

de processos e acontecimentos, que denominamos globalização. Estes são advindas das diversas

relações existentes entre os mais variados atores, e cada mudança abala as bases estruturais

moldando comportamentos que levam a adequação de novas relações.

As relações passam a ser pautadas por uma enormidade de fluxos, desde capital,

tecnologia, idéias e pessoas, que geram uma rede de ligação entre os Estados da sociedade

internacional, criando entre estes um vínculo de interdependência. De acordo com Scholte

(2002) as sociedades passam a vivenciar uma arena de transplanetariedade de suas relações.

Contudo, no que tange ao nível nacional, o impacto destes fluxos acarreta diversas

reações entre as quais, reações antagônicas. Surgem grupos que se articulam em movimentos

para resistir a este fenômeno da globalização. Este é o foco principal do estudo, grupos que se

articulam contrários ao fenômeno.

Será mostrada como uma parcela minoritária da sociedade brasileira, a saber, os povos

indígenas, reagem à globalização em termos de desterritorialização. Como base de análise foram

escolhidas duas etnias indígenas para exemplificar o estudo da resistência. Contudo, cabe

ressaltar que as regiões do Brasil estão imersas em conflitos semelhantes.

O primeiro grupo a ser tratado é o povo Krenak. A escolha do grupo se deu pelo fato

destes estarem localizados em Minas Gerais. E mesmo o conflito por qual o povo Krenak

manifesta estar em estado latente, pois dependem da resposta do Ministério da Justiça, com

relação a solução para suas terras, o grupo apresenta muita semelhança com os casos dos índios

Xingu, Guajajaras, Guaranis, razão do interesse pelo estudo. O segundo grupo, os Tupiniquins,

por outro lado, estão com o conflito ativo. Um fator de relevância para a escolha do grupo reside

no fato de sua resistência ser contra a empresa Aracruz Celulose, uma das maiores no setor de

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celulose no cenário internacional, possuindo um vasto e quase exclusivo mercado, o que leva o

conflito a ter maior repercussão na sociedade civil através da mídia nacional e internacional.

Trata-se de um breve estudo de caso de grupos brasileiros, que em alguma instância, são

atingidos diretamente pela transnacionalidade dos fluxos e pelo caráter transplanetário da

globalização que passa a visar as relações sociais além das fronteiras nacionais. Nesta

perspectiva, os grupos são marginalizados e deixados em segundo plano pelas políticas

socioeconômicas. Assim é fundamental que se faça a análise do papel do Estado com relação à

globalização. Este perde sua força e limita sua área de atuação como será mostrado por autores

como Held e McGrew, Dreifuss entre outros.

Nesta medida, simultaneamente cabe expor características acerca do conceito de

resistência. Como o evento de resistência é manifestado pelos grupos indígenas com relação à

globalização. Esta pesquisa trabalha então com a idéia de que o fenômeno da globalização afeta

diretamente esses grupos minoritários, sugerindo que sua luta não está simplesmente ligada à

ineficiência das políticas governamentais.

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1. Globalização e a Questão Territorial

1.1 Globalização e seu conceito

Tendo em vista a temática que será abordada ao longo do projeto, sobre movimentos de

resistência indígena à globalização neoliberal em termos de desterritorialização, é preciso

estabelecer alguns termos para que não haja ambigüidade nos propósitos estudados. Os termos

serão fundamentalmente conceituados para que se possa criar uma única esfera de entendimento.

Em se tratando da globalização, é preciso recorrer a sua conceituação, uma vez que o

fenômeno, ou mais especificamente o termo, é constantemente utilizado sem mesmo expressar

seu real significado. “Não há uma teorização, ou alguma explicação ortodoxa de globalização”

(Held e McGrew, 2001:9). Contudo, sua representatividade manifesta-se desde temas populares

até debates intelectuais. É preciso notar a importância de estabelecer os padrões de linguagem

que serão utilizados, a fim de explicar a formação dos acontecimentos que se alastram pelo

mundo: inovações tecnológicas, crises político-econômicas, solidariedade transnacional entre os

mais diversos.

Alguns termos são empregados freqüentemente por alguns autores, seguindo uma

perspectiva diferenciada para cada terminologia. No entanto, algumas delas, quando

questionadas mais a fundo são falhas, pois remontam à idéia de fenômenos sociais passados.

Essas denominações não mais conseguem rotular as transformações sociais por qual o globo está

passando.

Sendo assim, serão expressos alguns conceitos1, apenas no intuito de esclarecimento, a

começar pela globalização como fenômeno de internacionalização, ou seja, são as relações e

transações transfronteiriças entre os países – para além das fronteiras. Define o crescimento da

interdependência das trocas internacionais, indiferentemente da tipologia dos fluxos. Cria-se

1 Conceitos retirados com base nas propostas de Scholte, em que o autor apresenta cinco definições acerca da globalização. Para maior detalhe, ver Scholte 2002.

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uma interconexão internacional, um mundo mais global. Nota-se que a intensificação desses

fluxos, em especial nos níveis de migração transfronteiriças e de investimentos financeiros, que

não necessitam, nas palavras de Scholte (2002), do termo globalização. Segundo ele, esses

eventos marcam uma trajetória já vivenciada pela sociedade, recriando cenários históricos e,

assim, não fazem jus a se enquadrar dentro da expressão globalização.

Seguindo adiante, a liberalização seria uma alternativa. Esta, identificada como a

ausência de barreiras regulatórias ou remoção das restrições impostas às transferências de

recursos entre as fronteiras. Neste sentido, os Estados acabam por perder certo grau de

participação na economia global, passando a serem fundamentais as ações do mercado

econômico em si – como guia dos fluxos econômicos. Este termo está estritamente relacionado

às políticas macroeconômicas neoliberais, em escala mundial, proposto por Scholte (2002).

Pensando na questão da busca pela definição, percebe-se uma melhor adequação deste termo a

uma das premissas da política econômica aqui citada, justificada no conceito de livre comércio.

Outra terminologia a ser debatida é a de globalização como universalização ou

ocidentalização.2 Este termo, mesmo sendo essencialmente manifestado pela questão cultural,

uma vez que descreve o processo de dispersão de experiências, sugere possivelmente uma ação

de homogeneização dos setores cultural, político e econômico. As culturas nacionais deixam

manifestar-se pela inserção de uma cultura estrangeira predominante, em especial a cultura

ocidental.

As estruturas e padrões das sociedades modernas, segundo Mello (1999), surgidas no

Ocidente, como o capitalismo e o industrialismo estariam sendo implantados pelo mundo,

destruindo as culturas locais pré-existentes. A crítica que se faz a essa denominação para

globalização, de acordo com Scholte (2002) surge uma vez que esses fenômenos são velhos

2Cabe aqui pontuar a denominação em termos de ocidentalização ou americanização, como uma particularidade da universalização, uma vez que é tida como a imposição da cultura norte-americana , de acordo com Scholte (2002)

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conhecidos das sociedades, presenciados nos períodos das grandes navegações, no imperialismo,

modernismo e/ou europeização.

As definições já citadas, internacionalização, liberalização, ocidentalização e

universalização, além de serem reproduções de períodos passados, possuem um elemento chave

em comum e fundamental para descartá-las como conceito de globalização. Estas se encontram

fortemente ligadas a uma concepção territorialista3 do espaço social, todas presumem que o

mapa da sociedade é exclusivamente territorial.

Este fato referente ao território é de grande relevância quando se trata da sociedade

contemporânea e conseqüentemente do fenômeno da globalização, em que as interações surgem

de distintos agentes e setores, retalhando os limites territoriais. É visível o “rompimento do

vínculo exclusivo entre território e poder político” (Held e McGrew, 2001:31) de forma

gradativa, contribuindo, assim, para a falha dos conceitos de globalização citados.

Tendo em vista os diversos acontecimentos conseqüentes do fenômeno da globalização,

definir-se-ia a globalização como “processo que incorpora uma transformação na organização

espacial das relações sociais e das transações” (Held e McGrew 2001:6).

Esta visão é denominada desterritorialização ou supraterritorialização e

transplanetarização. Este conceito refere-se às reconfigurações da geografia social, da mudança

na natureza do espaço social (Scholte 2000 apud L. Ramos, 2005), percebidas a partir dos mais

diversos fenômenos que ocorrem na sociedade internacional, seja de forma exógena ou

endógena, que afetam de alguma maneira o cotidiano, em última instância, do ser humano.

Advindo da configuração contemporânea dos sistemas de Estados, cuja estrutura passa

por constantes transformações cabe neste contexto o uso adequado da globalização como

desterritorialização proposta por Scholte (2002).

3 Termo usado em referência ao macroespaço social, como completamente organizado em termos de unidade como distritos, cidades, províncias, países e regiões. Os Estados são vistos como o lugar por excelência da política. (Scholte, 2000; cf. Walker, 1993 apud L. Ramos, 2005)

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Os Estados e sociedades estão cada vez mais inseridos em sistemas de redes de interação,

onde os fluxos sejam comerciais, financeiros, tecnológicos, ideológicos ou migratórios,4 fazem

parte de uma ligação não mais dependente da fronteira física – da geografia física. Esses fluxos

transcendem essa questão e se incorporam de forma expressiva em outros meios que não sua

matriz; é a supraterritorialidade das relações entre Estados e atores, e assim por diante. (Scholte,

2002; Held e McGrew, 2001).

Conseqüentemente, suscita o chamado fenômeno da compressão espaço-temporal.

Entenda-se, como o desgaste das distâncias e do tempo na organização e na interação social, uma

“perda das barreiras geográficas às diversas atividades socioeconômicas e ações que causam

reflexos em terceiros atores” (Held e McGrew, 2001:11).5 Em outras palavras, a globalização

proporciona ao mundo um espaço compartilhado entre todos os atores, através

fundamentalmente das forças econômicas e tecnológicas, onde as distâncias e o tempo a serem

percorridas não são vistas como obstáculo às interações.

As formas físicas – delimitação territorial, barreiras naturais, distâncias – eram até então

elementos dificultadores para as trocas entre as nações. Contudo, vemos que os fluxos em sua

grande maioria representam certo caráter de “intangibilidade”, pela facilidade com que suas

transações ocorrem, ultrapassando facilmente qualquer tipo de barreira física. A compressão

espaço-temporal ocorreu dentro da geografia territorial, onde a transmundialidade simultânea e

instantânea levou as relações sociais além da geografia territorial afirma Scholte (2005).

No entanto, isso não significa que os contornos espaciais de uma sociedade tornam-se

desprezíveis. Pelo contrário, suas limitações influenciam em muito a caracterização da natureza

da governança, da identidade e da comunidade, pois, segundo Held e McGrew (2001), as

condições que foram implicadas na criação do Estado-moderno foram condições que geraram o

4 Aspectos da materialidade da globalização, identificação de materiais como fluxo de capital, comércio e pessoas. Quanto às estruturas, podemos classificar em: estrutura física (p.e., sistemas bancários), estrutura normativa (são representadas pelas regras de comércio) e estrutura simbólica (p.e., o uso do inglês como língua mundial) (Held e McGrew, 1999). 5 São fatores que contribuem para a conceituação da globalização: compressão espaço-temporal, processo de encolhimento e ação à distância, respectivamente (Held e McGrew, 1999:11).

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sentimento de nacionalidade, criando-se a reciprocidade entre governantes e governados.6 Cabe

ressaltar que de acordo com Held e McGrew (2001), a ordem global não é sobreposta à ordem

nacional, mas sim se inserem em conjuntos mais amplos de relações e redes de poder. Ou seja, o

Estado permanece sendo um elemento fundamental no processo de regulamentação, não

correndo o risco de dissolver-se num futuro próximo.

Devido a todas essas mudanças na estrutura das sociedades, a globalização tem

propiciado uma “modificação nas funções do Estado, que sobrevive sob a globalização, mas a

governança tem-se tornado substancialmente diferente” (Scholte, 2000:22 apud L. Ramos,

2005:104). O processo estudado é um conjunto de ações inter-relacionadas que operam em todas

as esferas, seja social, política, cultural ou econômica, moldando a ordem local e mundial.

A globalização então é vista como um processo de fenômenos históricos que influenciam

a estrutura das sociedades como um todo, e sua manifestação é responsável por novos elementos.

É responsável por um processo cíclico de transformações nas relações sociais. Ao longo de sua

aplicação, a globalização tem contribuído para a alteração e caracterização das sociedades em

seus respectivos tempos. Vive-se num “mundo em completa transfiguração. Relações, processos

e estruturas que vão ultrapassando os limites convencionais” (Mello, 1999:13). Cada período foi

marcado por um elemento transformador e inovador, e em cada sociedade nacional, com suas

particularidades.

Delineia-se um novo ordenamento social e político, em que as estruturas nacionais são

imersas em novos conceitos de interação articulados num patamar transnacional (Mello, 1999).

Por conseguinte, o presente trabalho, repercutirá a globalização em termos de agente

construtor da estrutura social7, caracterizada pela ruptura histórica, propiciando a evolução nos

meios de trocas. Nessa perspectiva, incide-se a supranacionalidade dos fluxos, de modo que

estes não mais estejam “obrigados” a atuar restritamente ao território nacional físico delimitado,

6 Contudo, os Estados sofrem certa diminuição do poder, isso porque a expansão das forças transnacionais reduz o controle que cada governo pode exercer sobre as atividades de seus cidadãos e de outros povos. (Held e McGrew, 2001:35) 7 Scholte 2002, 2005; Held e McGrew 1999; L. Ramos 2005

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promovendo a compressão do tempo e do espaço; em outras palavras, é a responsável pela nova

configuração da natureza do espaço social de Scholte (2002).

1.2 Globalização e o Neoliberalismo

Previamente estabelecido o conceito da globalização, é fundamental esclarecer um

elemento chave para o estudo proposto: a diferenciação entre este e o sistema neoliberal. Tendo

o processo de globalização inerência ao desenvolvimento do capital, inevitavelmente, essas

noções são compreendidas de forma errônea. Muitos autores confundem-nas, utilizando o termo

globalização como a liberalização de mercados em escala mundial. Este equívoco ocorre devido

à globalização ser o meio de expansão do neoliberalismo – uma de suas premissas é justamente a

liberalização econômica. É importante assimilar a diferença entre os fenômenos: globalização

diz respeito a uma reconfiguração do espaço social, e por neoliberalismo entende-se uma

doutrina política específica com relação à primeira (L.Ramos, 2005). Segundo Scholte (2005) a

doutrina neoliberal trata a globalização como sendo simplesmente um processo econômico –

uma questão de produção, trocas e consumo de fontes.

O neoliberalismo surge ao final de 1970, como uma retomada a valores essencialmente

econômicos, voltados para a premissa de um Estado não interventor/regulador da economia. É a

nova roupagem do capitalismo liberal do séculos XVIII. Propõe a economia guiada pelas forças

do mercado, um mercado auto-regulador. A economia global caracteriza-se pelo mercado livre e

aberto, operando pela lei da oferta e da demanda.

Esta doutrina remete a certo grau de individualismo, característica do capitalismo liberal

clássico, conseqüente da hipercompetição, da acumulação, do poder e assim por diante. Prega o

individuo como ator de maior relevância. A partir da ação do individuo para satisfazer seus

interesses, este acaba por promulgar o andamento da economia impulsionando a dinâmica do

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mercado, o que conseqüentemente leva ao bem-estar comum. Fato este que leva a crer na

ineficiência da ação do Estado.

“Autonomia do Estado é reduzida, constrangida e disciplinada pelo capital (...) uma espécie de darwinismo social, onde a competição é a mãe das invenções, transformando o psicológico dos participantes do mercado” (Mittelman, 2000).

Dos ideais que norteiam o neoliberalismo, destacam-se a desregulamentação dos

mercados,8 o questionamento do papel do Estado como aparato protetor das economias

nacionais,9 a abertura/liberalização econômica e financeira para o exterior, a privatização das

empresas estatais e a crença de que apenas com mercado seja possível promover o

desenvolvimento econômico e social.

“Amplia-se a escala da produção, acirra-se a concorrência, mundializa-se, cada vez mais,

o capital” (Mello, 1999:226), esses novos elementos propiciam uma sociedade mais dinâmica e

competitiva. A contemporaneidade – contaminada pelo neoliberalismo – vive o ápice do

darwinismo social de Mittelman (2000). A busca por uma supremacia no mercado traz a corrida

pela liderança, oportuna para as fusões entre empresas, em busca dos oligopólios e monopólios

de cada setor estratégico. As grandes corporações internacionalizam-se e passam a ditar as

regras.10 Este ambiente é propício para o desenvolvimento de instituições multilaterais e

organizações nacionais provedores de marcos regulatórios que maximizem a eficiência do

mercado - criando oportunidades para os atores desafortunados para inserir-se na economia

mundial – é o “novo patamar de institucionalidade, caso de organizações como Fundo Monetário

Internacional e Banco Mundial” (Mello, 1999:198). Estabelecem acordos, promovem a

8 Cabe lembrar que por desregulamentação não significa ao pé da letra a ausência de regulamentação como um todo, mas sim a remoção daquelas leis e procedimentos que interfiram na dinâmica do mercado comprometendo seu ação, seria na verdade uma re-regulamentação.(Scholte, 2005) 9Essa postura prevista para o Estado é influenciada e pressionada pela burguesia – grupo econômico dominante - que ao longo dos anos foram os grandes acumuladores de capital.(Held e McGrew, 2001) 10 Tornam-se organizacional, determinante do grande capital, num movimento de crescente e permanente integração vertical; combinam ramos e negócios situados em diferentes países numa única unidade produtivo-gerencial, correspondendo, o processo, a uma nova onda de desenvolvimento desigual de exploração de fontes de matérias-primas, inovação tecnológica e acumulação de capital através do globo. (Mello, 1999)

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privatização e incentivam a remoção de restrições impostas sobre as movimentações de bens,

serviços e capital – a liberalização.

Um ponto de vista mais sensível da sociedade neoliberal seria a tendência a uma

institucionalização através da criação dessas normas, ou seja, uma reestruturação do Estado e das

formas políticas internacionais vigentes.11 O neoliberalismo estabelece a conduta da sociedade,

pois direciona o andamento das relações sociais, voltando-se para o caráter civilizatório do

capital (L. Ramos, 2005). Cria-se a utopia de uma relação social mundial que não enxerga o

isolamento, ou seja, no planeta, não haveria ninguém que pudesse ficar fora ou viver sem

referência a instituições globalizadas (Mello, 1999).

Desta maneira, o sistema nada mais é do que a manutenção da sociedade pelas mãos dos

grandes acumuladores de capital, ditadores de regras e comportamentos que são expandidos pelo

processo de globalização, onde Dreifuss (2004) sugere os atores empresariais como agentes

centrais.

Situações em que o ambiente propiciava “a internacionalização do capital, a expansão das

indústrias transnacionais, emergindo as aderências, as fusões como meio gerador das mega-

corporações” (Mello, 1999:209), são frutos fortemente visíveis do processo de globalização.

Estes causaram um boom de invasão nos mercados internos, da evolução da tecnologia, da

comunicação, todos esses fatores e outros inúmeros criando a moldura da estrutura

contemporânea, onde,

“o planeta deveria passar a ser concebido não mais como um conjunto de nações com interesses dispares, mas como um único sistema tendencialmente harmônico, inextricavelmente articulado enquanto um só mercado mundial. – doutrina do New Deal” (Mello, 1999, 207)

Esses fatores em certa medida contribuem e pressionam para o enfraquecimento do papel

do Estado enquanto regulador desses fluxos transnacionais. Os meios da privatização,

liberalização e desregulação dos elementos de mercado tornam o trabalho da globalização mais 11 Novas instituições internacionais e transnacionais têm vinculado Estados soberanos e transformando a soberania num exercício compartilhado de poder. Desenvolve-se um conjunto de leis regionais e internacionais que sustentam um sistema emergente de governança. (Held e McGrew , 2001)

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eficiente e os elementos passam com maior abrangência nas mãos dos indivíduos, tendo então a

“participação pública limitada” citada por Scholte (2005).

O Estado pauta suas políticas com bases nessa nova estruturação para inserir-se na rede

de interações internacional. “Os Estados e sociedades ficam cada vez mais enredados em

sistemas mundiais e redes de interação” (Held e McGrew, 2001:35). Esta característica, em certa

medida, representa uma ameaça à função e importância do Estado, “transfere as instâncias de

decisão da política nacional para uma vaga economia transnacional, contribuindo para reduzir os

governos nacionais a simples administradores de decisões alheias (...) é a crise da

governabilidade” (García Canclini, 2000:21). O Estado é atingido pelo fenômeno da

globalização quando passam

“a sofrer uma diminuição adicional do poder porque a expansão das forças transnacionais reduz o controle que cada governo pode exercer sobre as atividades de seus cidadãos e dos outros povos (...) a globalização vem desgastando a capacidade de os Estados-Nação de agirem com independência na articulação e na busca de objetivos políticos internos e internacional” (Held e McGrew, 2001:35).

A capacidade de ação do Estado passa a estar vinculada ao sistema internacional. Suas

políticas devem manifestar-se em sintonia com a conjuntura internacional, o que leva a uma

concessão de sua “soberania”. Mas cabe lembrar que, como posteriormente exposto, a

globalização em termos de desterritorialização/supraterritorialização não significa um

desaparecimento do Estado enquanto unidade territorial e soberana, mas sim, como propõe

Scholte (2005), a governança tem-se tornado substancialmente diferente.

1.3 A Questão do papel do Estado

Dentro deste contexto da globalização, surge uma questão delicada que deve ser colocada

em pauta. A questão do papel do Estado, mediante a complexidade dos fluxos com sua

característica da supraterritorialidade e mediante as relações sociais que transcendem a geografia

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territorial (Scholte, 2005). Como já exposto anteriormente, não há o fim do elemento Estado

(Dreifuss, 2004; Held e McGrew, 2001; L. Ramos 2005; Scholte, 2002; Garcia Canclini, 2003).

A capacidade de governabilidade do Estado mudou, o Estado chega a funcionar menos

como entidade soberana e mais como componente de um sistema de governo internacional (Hirst

e Thompson, 2001). A globalização é configurada por estruturas de poder nacional mutável

(Dreifuss, 2004), ou seja, os Estados cedem poder para órgãos supraterritoriais, mas não se trata

de uma quantidade fixa, pois “a soberania é alienável e divisível” (Hirst e Thompson, 2001:294),

enfim, o Estado sofre uma diminuição de seu poder, mas nem por isso deixa de exercer controle

dentro de seu território. Este aspecto é decorrente da essência negativa da dinâmica da

globalização que impõem aos governos a disciplina do capital global de maneira a promover a

política econômica em áreas nacionais de decisão, subjugando as perspectivas deste. (Falk,

1999)

A lógica que guia o sistema internacional em nossos dias é pautada pela doutrina

neoliberal, como política ortodoxa, palavras de Scholte (2005). A transnacionalidade dos fluxos

trata a competição regulada de e por empresas, e por órgãos multilaterais, enquanto estimulam a

desregulamentação de e por governos (Dreifuss, 2001). Assim, para manter-se vivo dentro do

sistema global, estes devem adequar-se a tal, ou seja, a política pública passa a ser “secundária”,

uma vez que nenhuma agência governamental pode se equiparar à escala das forças de mercado

mundial (Hirst e Thompson, 2001).

Seguindo esta linha de pensamento, “autores como Ohmae (1990, 1993) e Reich (1992)

consideram que os Estados tornaram-se autoridades locais dentro do sistema global” (Hirst e

Thompson, 2001:272). Destarte, pode-se aqui citar a suposição marxista com relação ao

consentimento do Estado para com as políticas neoliberais, onde,

o capital internacional é uma força indiferente aos interesses locais ou nacionais (...) neste caso a autoridade política submete-se à vontade do capital e nada pode fazer para impedí-lo dentro do sistema mundo existente (Hirst e Thompson, 2001:293).

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A mudança nos processos sociais causadas pela globalização passa a ser redesenhada por

um entrelaçado de tecnologias cuja essencialidade é dada pela velocidade de suas

transformações multifacetadas (...) redefinindo a posição dos países nas diversas equações e

reformulando suas relações (Dreifuss, 2001) e desta maneira a contribuir para a mudança de

comportamento do Estado quando cedem sua soberania.

O Estado detém o papel central na garantia do controle territorial – por terem a regulação

das populações – uma vez que as pessoas são menos difíceis de mover, permanecem

“nacionalizadas” já que são dependentes de passaportes, vistos, residências entre outros. A maior

parte da população mundial não se move facilmente, é o Estado que define quem é ou não

cidadão, quem recebe ou não assistência do governo (Hirst e Thompson, 2001).

Outro elemento fundamental que deve ser lembrado, quando se tratar da “impotência

soberba e irrelevância” (Dreifuss, 2001:60) ou o fim do Estado é sua importância como forma de

organização política, uma razão ligada a uma das demandas tradicionais centrais da soberania,

ou seja, ser fonte primária de regras obrigatórias dentro de seu território, ser fonte de autoridade,

de lei são pré-requisitos para a regulação através das leis internacionais, ou seja, para fazerem

parte do sistema internacional de Estados. Cabe lembrar que mesmo os mercado e as empresas

não podem existir sem um poder público para protegê-los (Hirst e Thompson, 2001).

Desta maneira podemos ver que não existe a possibilidade de os diversos fluxos

transnacionais, supraterritoriais acabarem com o elemento Estado, este apenas sofre

modificações em suas políticas, uma diminuição de poder, “o Estado sobrevive sob a

globalização, mas a governança tem se tornado substancialmente diferente” (Scholte 2000 apud

Ramos 2005:104).

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1.4 Grupo indígena em função do conceito de território

A globalização tem a capacidade de influenciar as bases estruturais de uma sociedade, em

que ocorrem alterações nas relações entre os agentes como conseqüência de seu processo. O

delinear social transforma-se constantemente, “as relações, os processos e estruturas vão

ultrapassando os limites convencionais” (Mello, 1999:13). Todo o ordenamento político-social

nacional é submetido aos novos conceitos de interatividade transnacional.

A diversidade e profundidade com que atinge as sociedades é de tamanha velocidade e

dinamicidade que nos meios mais interioranos sua influência é perceptível, como nos campos e

no meio rural (Monsalve Suarez, 1999). O meio rural é demasiadamente importante para alguns

setores da sociedade como fonte de recursos para a sobrevivência. Os territórios são invadidos

pelos fluxos globalizantes, tecnológicos, financeiros, enfim, é o surgimento de macrossociedades

– com base nacional, mas constituídos através das fronteiras – com a formação de mercados

transfronteiriços (Dreifuss, 2001), desconsiderando aqueles que mantêm vínculos primários com

a terra. O ponto a ser enfocado neste trabalho remonta à luta de resistência dos povos indígenas

brasileiros, que perdem o usufruto da terra em nome do “desenvolvimento da nação”. Suas terras

são incorporadas ao patrimônio de grandes empresas com consentimento do Estado brasileiro.

Esta é a problemática da análise, em que grupos que vivem atrelados à terra sofrem com

o avanço da importância do território para manutenção da sociedade e sofrem, por falta de

recursos, a expulsão da mesma, ou seja

“os processos históricos de colonização e de constituição de novos países foram extremamente violentos: extinção de povos inteiros, dizimação demográfica, tomada de terras, comprometimento dos meios tradicionais de sobrevivência física e cultural, dissolução de identidades étnicas particulares na nova sociedade nacional em formação (...) depois de tanto tempo passado, de tanta opressão e, muitas vezes, miscigenação” (ISA, 1999)

Utilizara-se o termo “globalização enquanto desterritorialização” para as políticas a

serem adotadas pelas corporações e pelo Estado neoliberal, divergindo dos termos da

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territorialidade para os povos indígenas. O primeiro conjunto de atores acredita na

transnacionalização dos diversos fluxos entre as sociedades, ou seja, não estão restritos a um

único território físico e delimitado, o que possibilita, assim, a interação de investimentos

estrangeiros dentro do território nacional, seguindo o pensamento de Scholte (2002). O espaço

físico passa a ser compartilhado entre diversos atores.

Enquanto para os grupos indígenas, o território nada mais é do que seu meio de

sobrevivência fisiológica e antropológica (Prezia e Heck, 2005). Eles estão estritamente

vinculados aos recursos do território para a subsistência e manutenção de seu povo e história.

Cabe ressaltar que o papel do Estado como organizador da vida social permanece

soberano, mesmo sofrendo de uma “diminuição do poder, pois a expansão das forças

transnacionais reduz o controle que cada governo pode exercer sobre as atividades de seus

cidadãos” (Held e McGrew, 2001:35), deixando-os nas mãos dos maiores interessados nos

diversos setores econômicos. “As grandes decisões não são tomadas por governantes, mas nem

sequer são plenamente assumidas por aquelas que têm o mercado nas mãos” (García Canclini,

2003:25). Em alguma medida o Estado mantém políticas insuficientes, deixando-as sob controle

do setor privado, ou simplesmente, por tratar-se das questões minoritárias, as colocam em

segundo plano.

A globalização – em termos de desterritorialização – é um processo “civilizatório” sendo

assim, influência nas tomadas de decisões dos atores. Internamente, guia as interações e ordena

as diversas relações culturais, econômicas e políticas. Uma reconfiguração da geografia social é

intimamente ligada a mudanças de padrões de governança, de produção, de conhecimento (...)

uma gama de mudanças sociais de acordo com as leituras em Scholte (2002).

Tange ao tema proposto a importância do território para um grupo social. Esta parcela

minoritária da sociedade vive atrelada ao território, tanto em termos espirituais, culturais e da

sustentabilidade (ISA, 1999; Prezia e Heck, 2005), diferentemente dos ideais neoliberais, onde a

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importância da terra está vinculada apenas ao valor monetário e de mercado (Fabrini, 2003). Os

grupos indígenas são enraizados ao território, a sua evolução sempre se deu vinculada aos

recursos naturais extraídos da terra. Consideram-se donos originários da terra (ISA, 1998).

Para os povos indígenas, o direito de terra é irrelevante quando esta é tratada

individualmente, como proposta pelos grandes agropecuários ou grandes corporações. Para os

povos indígenas a relevância da terra acontece em termos de coletividade, em comunidade, para

a subsistência da mesma. (Monsalve Suárez, 2005).

Seguindo esta linha, será estudada a questão da importância para os grupos indígenas do

direito de usufruto da terra, também de sua luta contra a globalização neoliberal em termos de

desterritorialização e a reivindicação indígena perante o Estado, no que se refere ao abandono,

caracterizado pela ausência de políticas consistentes de proteção e manutenção de seus direitos.

Os indígenas temem a perda de seu território para os grandes fazendeiros, empresas,

capital estrangeiro, em outras palavras, dos agentes transnacionais que desconsideram o valor

territorial como fundamental para construção soberana de um povo. Esses atores globais são

adeptos da desterritorialização, pois são a favor dos fluxos transcendentes, tornando as

sociedades cada vez mais ligadas entre si, que Held e McGrew (1999) colocam, contribuindo

para a construção de uma sociedade global. Esta globalização afeta em grande medida a cultura

e os ideais indígenas, uma vez que esses povos continuam ligados à terra.

“Nossas terras são invadidas por fazendeiros, garimpeiros, grandes projetos - hidrovias, barragens, militares, estradas - madeireiros, lixeiras públicas, eco-turismo, peixeiros, biopiratas, caçadores e aventureiros em busca do lucro fácil Pedimos a reparação dos danos causados, resultantes do projeto neoliberal, nos aspectos sociais, culturais, territoriais que afetam todos os povos indígenas. Somos os primeiros habitantes dessas terras e, por tanto, detentores de direitos originários.” (Povos indígenas no III FSM, 2003 apud CIMI, 2005)12

12 Discurso dos povos indígenas no FSM foram retirados do site do CIMI.

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1.5 Conceito de Resistência

Apropriando a idéia dos estudos da Física, da Terceira Lei de Newton, segundo a qual

toda ação implica uma reação, vemos tal semelhança nos fenômenos político-sociais, como é o

caso dos movimentos de resistência. A difusão assimétrica da globalização, segundo Mittelman

(2000), proporcionou um ambiente convidativo à criação de uma reação, ou seja, à resistência.

Mas afinal, o que é resistência? Quando consultado o dicionário Aurélio, encontra-se a

definição de ato ou efeito de resistir; força que não se opõe à outra, que não cede a outra luta em

defesa, reação de uma força opressora; oposição; obstáculo; reação e ou defesa (Dicionário

Aurélio, 1999:1752). Nessa concepção, algumas vezes o “termo é usado promiscuamente como

sinônimos de protestos, intransigências, badernas e invasões” (Mittelman, 2000:165).

Resistência não é o simples fato de organizar-se contrariamente ao institucionalismo e ao poder

vigente. No presente estudo, resistência vai além desses simples conceitos, de reação política.

Abrange manifestações de grupos sociais que visam e promovem – em alguma medida – a

alteração na condução das bases sociais, enfim, molda e é moldada por processos culturais

(Mittelman, 2000).

“As forças de oposição buscam desafiar e transformar as características negativas da globalização, promovem um espaço ideológico e político alternativo por aquele ocupado pela orientação de mercado e perspectivas do Estado oferecendo resistência para os excessos de distorções que podem ser atribuídos à globalização” (Falk, 1999: 139).

Seguindo o raciocínio de James Mittelman (2000) de que para criar um fenômeno de

resistência à globalização é preciso, em primeira instância, examinar as linhas de direção da vida

política e cultural, percebendo-se assim as possibilidades para que se possa ter uma

transformação na estrutura política-social. Em outras palavras é preciso entender qual a

conjuntura política vigente e analisar se existe a oportunidade para a resistência e como esta se

daria.

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As classes dominantes ou elites são as influenciadoras das relações sociais internas, da

desigualdade e da distribuição de poderes. “As elites dominantes criam uma identidade que

legitima o aumento do poder do Estado e a coordenação da política” (Breully, 1982 apud Held e

McGrew, 2001:38). Fato fez com que as minorias indígenas fossem excluídas e/ou

marginalizadas das principais políticas adotadas pelos Estados. É “neste hiato da conjuntura,

causado pela imensa diferença entre as classes que ocorre a resistência à globalização”

(Mittelman, 2000:165).

O questionamento à ordem social por parte dos povos indígenas surge quando esses

sentem ameaçada a sua sobrevivência, o que gera um sentimento comum ao grupo em busca de

sua proteção. Cria-se uma “consciência grupal de resistência (...), resistência como forma

coletiva de ação baseada na solidariedade, quebrando os limites do sistema onde a ação ocorre”

(Gramsci apud Mittelman, 2000:167).

Tem-se uma reinterpretação do que seriam as “lutas”, os grupos indígenas utilizam a terra

como forma de garantir lugar no processo político e social, é a resistência como questionamento

social. É pela luta que se é construída sua fala, sua inclusão social (Fabrini, 2003). “As políticas

do Estado democrático são orientadas pela disciplina característica do capital global, porém não

persistem se as forças sociais mobilizarem-se pressionando as lideranças” (Falk, 1999: 131).

Várias são as formas de expressar a resistência, no que tange às premissas de Gramsci,

entre as principais: as violentas, denominadas guerras de movimentos, como, por exemplo, os

ataques armados, as ações militares, as guerrilhas; e as não-violentas, também conhecidas como

guerra de posições, que envolvem o uso de barganhas, boicotes, coerções psicológicas, entre

outros.13 “A sociedade civil evita os efeitos da globalizaçao e uma das maneiras mais eficientes

de reação são as campanhas contra um projeto específico” (Falk, 1999:143).

13 Baseadas nas leituras gramscianas, revisados em Mittelman (2000).

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Grosso modo os grupos indígenas opõem-se ao sistema vigente, pois classificam-no

como dominação e discriminação para com as classes minoritárias (ISA, 1998).

“Oposição não é entre global e local, entendendo-se global como subordinação geral a um único estereótipo cultural, a local como simples diferença. A diferença não se manifesta como compartimentalização de culturas isoladas e sim como a interlocução com aqueles que estamos em conflitos” (García Canclini, 2003:115).

Nesse entendimento, os grupo indígenas aqui estudados colocam-se contrários a uma

cultura – a globalização neoliberal em termos de desterritorialização – que é imposta de

maneira a não respeitar a particularidade de sua cultura – fundamentada na terra.

Seguindo o pensamento de James C. Scott14, a resistência deve ser entendida como os

meios pelos quais as pessoas ou grupos de pessoas ditam as regras de suas vidas. No caso

estudado, tratará da resistência como a luta diária dos índios pela sua sobrevivência. A

resistência molda e é moldada pelos meios de vida – na leitura gramsciana15 - sendo “suas

estratégias as maneiras por que as pessoas respondem às ameaças da globalização” (Mittelman,

2000:170).

Os métodos utilizados pelos povos indígenas variam de acordo com a sua construção

cultural. Alguns grupos demonstram características um tanto quanto violentas enquanto outros

são mais passivos (ISA, 1998), apenas manifestam suas reivindicações aos órgãos responsáveis

em auxiliá-los perante o Estado, como a Funai16. Ao mesmo instante, será mostrado, ao longo da

pesquisa, o questionamento dos grupos indígenas com relação ao papel desta entidade, uma vez

que alegam que esta não representa verdadeiramente os interesses de seus povos.

No contexto geral, a resistência indígena manifesta-se na importância da territorialidade.

Para os índios perder a terra equivale a perder a fonte de economia, as condições de saúde,

espaço social, as tradições culturais, configuração histórica e eixo de religião (Amarante apud

Prezia e Heck, 2005). Suas propriedades comunitárias nas mais diversas modalidades

14 A obra de Scott, 1990 é revisada em Mittelman (2000). 15 Revisada em Mittelman (2000). 16 Tal característica pode ser percebida ao longo dos fatos lidos a respeito dos grupos indígenas estudados, fatos estes retirados dos sites do ISA e CIMI.

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(subsistência, espiritual, entre outras), consideradas dentro da lei dos direitos humanos,17 podem

converter-se em importantes instrumentos que brequem os propósitos da globalização, “adaptam

suas demandas tradicionais para situá-las em discursos transnacionais sobre direitos humanos e

ecologia” (García Canclini, 2003:106). Os povos indígenas reivindicam o direito territorial,

colocam a terra como a base da existência da comunidade18. Lutam então pela sua sobrevivência,

uma vez que a perda de seu território é, nas palavras de Benedito Prezia, um ato de “terrícidio”,

destruição de um povo pela falta de terra (Prezia e Heck, 2005).

Portanto, os fatores que os levam a resistirem à globalização estão relacionados à

delimitação e usufruto do território, assim como as questões ambientais – este último devido ao

uso abusivo da terra e seus recursos naturais, a poluição proveniente da produção, enfim, a

criminalidade ecológica causada pelas grandes empresas e/ou fazendeiros.

“O nosso meio ambiente é agredido através das monoculturas da soja, eucalipto, acácia, arroz e do uso indiscriminado de agrotóxicos no entorno e em alguns lugares no interior de nossas terras, enfraquecendo o solo, contaminando os animais e as águas e provocando doenças e óbitos nas comunidades” (Discurso Indígena no FSM 2003 apud CIMI, 2005).

No intuito de explicar as injustiças sociais a que estão submetidos, os povos indígenas

remontam suas origens nas desigualdades advindas do período colonial: “a luta das nações

indígenas e da sociedade capitalista européia primeiro e nacional e internacional hoje” (Prezia e

Heck, 2005), ou seja, num primeiro momento a luta indígena brasileira foi contra os europeus

que aqui desembarcaram e num segundo momento sua luta se depara com a sociedade nacional

em busca do desenvolvimento e atualmente acrescentam-se novos atores internacionais como

“inimigos”. Destarte, a resistência desses povos agrava-se com a integração do fenômeno da

globalização e do sistema neoliberal:

“A população indígena foi subordinada ao projeto de miscigenação e de modernização para a sobrevivência das relações sociais (…) dois

17A luta pelos direitos humanos, econômicos e sociais faz parte da luta por uma democratização nessas esferas e na ordem internacional, como transformações nos Estados, nas instituições internacionais – ONU, OMC, FMI. (Monsalve Suarez, 1999), uma vez que procedimentos como liberalização, desregulamentação foram procedimentos com participação pública limitada (...) as políticas que são implementadas ficam a cargo das agencias internacionais (Scholte, 2005). 18 Ver site da FUNAI, o Estatuto do Índio.

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fatores que são verificáveis quanto a opressão dos indígenas: a hibridação multicultural, que conta cinco séculos e a complexidade estrutural da modernidade”(García Canclini, 2003:80-84)

Partindo do ponto de vista dos grupos indígenas, sabemos que sua resistência está voltada

para a sobrevivência de sua comunidade e da natureza, usando as idéias do antropólogo Nestor

García Canclini (2003), no que se relaciona a este tema, aos olhos dos nativos, estes seriam os

portadores de um sentido comunitário, conjunto de saberes e relação harmônica com a natureza

que a civilização moderna veio destruir.

Com relação ao Estado, existe uma ambivalência nas ações indígenas, pois recorrem ao

Estado como fonte de defesa via Funai, e ao mesmo instante tacham o Estado de agressor, pois

este coloca em segundo plano as políticas indigenistas e adota medidas repressoras,

“o Estado brasileiro mostra sua cara latifundiária, pois seus planos de reforma agrária não saem do papel ou os governos trataram de esquecê-las (...) varias são as frentes indígenas de organização e luta contra a expropriação, subordinação e exploração, os movimentos indígenas estão bem articulados e o Estado tem buscado a desarticulação, quer pela ação repressiva quer pela sumária ignorância dos acontecimentos” (Prezia e Heck, 2005)

Alguns fatores mostram-se fundamentais para compreender as razões que tornam o

Estado ineficiente na garantia dos direitos dos povos indígenas, entre os quais, o fato da

corrupção interna, que torna suas políticas coniventes com a dos invasores das terras indígenas.

Muitas vezes, os índios são sinônimo de atraso, atravancamento do processo (Prezia e Heck,

2005) motivo pelo qual são deixados de fora das políticas sociais.

“Existe o descaso do Estado em relação à consolidação dos nossos direitos conquistados na Constituição Federal e em Fóruns Internacionais. Esse descaso se manifesta em relação ao Estatuto dos Povos Indígenas, em tramitação no Congresso Nacional desde 1992, com sucessivas ameaças de retrocesso, e sem uma conclusão até hoje; na demora de 13 anos para a aprovação da Convenção 169 da OIT19; na posição contrária do governo brasileiro à Declaração Universal dos Direitos Indígenas da ONU” (Discurso dos lideres Indígena no FSM, 2003 apud CIMI, 2005).

19 Em suma a Convenção articula que as normas devem reconhecer as aspirações desses povos indígenas e/ou tribais a assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos Estados onde moram. (ISA)

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O Estado ainda deixa a desejar com relação a algumas políticas no que tange aos

interesses das políticas indigenistas. Uma observação a ser feita com relação às posturas do

Estado e seu ineficiência é o fato de este imputar a culpa exclusivamente ao fenômeno da

globalização, enquanto, na verdade, o que existem são falhas na estrutura estatal: “os governos

fracos e omissos servem-se dessa retórica para isentar-se de responsabilidade, transferindo-a

para um fenômeno impessoal e vago, fora do controle nacional” (Batista Jr., 1998, 127). Um fato

que registra tal omissão é relatado por Prezia quanto expõe:

“tem sido a comunidade financeira internacional, BM, por exemplo, que tem imposto ao governo brasileiro a obrigatoriedade de demarcação das terras indígenas, como cláusula contratual para a liberalização de empréstimos. Esta imposição por parte de OIs, decorre do fato de que as entidades de defesa dos povos indígenas tem denunciado a utilização das terras indígenas para outros fins” (Prezia e Heck, 2005)

Deste modo, imerso nessa esfera de “desentendimentos” entre Estado e povos indígenas,

cabe ressaltar o caráter duplo do Estado, pois, assim como os indígenas estão lutando contra a

globalização enquanto desterritorialização, o Estado breca o avanço da globalização. Em outras

palavras o Estado tenta de alguma maneira, seja por implantação de normas, de leis, de acordos,

filtrar as políticas neoliberais mantendo um certo grau de governabilidade20, “o Estado pode

aderir de maior ou menor maneira à disciplina do capital global” (Falk, 1999: 150).

Os mecanismos de defesa estatais são vistos na forma de instrumentos de políticas fiscais

e monetárias, barreiras tarifárias e não-tarifárias, rigidez nas políticas aduaneiras na tentativa de

amenizar e controlar o intercâmbio dos diversos fluxos, entre outros. Seria a “democracia

normativa” de Falk (1999), onde o Estado continua sendo o instrumento de política e decisão

que mais afeta a vida das pessoas.

Vê-se a “governabilidade do Estado, através de políticas de nível nacional que equilibram

a cooperação e a competição entre as empresas e os principais interesses sociais” (Hirst e

Thompson, 2001:293).

20 A mesma governabilidade de Scholte já notada posteriormente.

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Uma idéia proposta por Falk (1999), muito coerente, é com relação às disparidades

existentes em decorrência da globalização tendo como objetivo a re-instrumentação do Estado,

redefinindo seu papel como mediador da lógica do capital e das prioridades da sua população.

2. Panorama dos conflitos indígenas no Brasil: dois estudos de caso

2.1 Terras Indígenas

A intenção do trabalho será pontuar o diferente valor que assume a terra para grupos

indígenas e por outros seja o setor público ou privado.

“Para os povos indígenas, a terra é muito mais do que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento. Não é apenas um recurso natural - e tão importante quanto este - é um recurso sócio-cultural" (RAMOS apud Funai).

Para entender os conflitos indígenas com relação a terra é preciso seguir a linha

histórica21 pela qual passou a sociedade brasileira, desde os tempos do descobrimento, “para

explicarem as injustiças atuais, como fazem os movimentos indígenas, sua origem remota na

desigualdade colonial” (Garcia Canclini, 2003:79). A cobiça das riquezas existentes nestas terras

e sua extração voraz e continuada, veio desde o projeto mercantilista que motivou a invasão

destas terras, até as atuais invasões e saques dos territórios indígenas pelo atual sistema

capitalista neoliberal (CIMI, 1999).

O Brasil é um país que possui 8,5 milhões de quilômetros quadrados de território,

ocupando quase a metade da área da América Latina, com 47%. Conta com mais de 180 milhões

de brasileiros22. Neste país ainda tem-se a presença de grupos indígenas, deixados de lado por

grande parte da sociedade, a grande maioria dos brasileiros ignora a imensa diversidade de povos

21 Os fatos históricos foram baseados nas pesquisas dos sites: Funai – Histórico (2000) e ISA – Enciclopédia (1998). 22 Dados tirados do site oficial do país, www.brasil.gov.br

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indígenas (ISA,1998) pois são vistos como membros isolados e tidos como sinônimos de atraso,

de atravancamento do progresso (Prezia e Heck, 2005). Atualmente tem-se conhecimento da

existência de povos indígenas, com suas respectivas terras tradicionais, demarcadas ou não,

vivendo em 24 unidades da federação, de um total de 27, o que representa cerca de 800 mil

índios (CIMI, 2006).

Mapa I

Contudo, esses povos vivem “isolados” no que tange seus direitos. Ainda depois da

independência do Brasil, não houve mudanças significativas nas políticas indigenistas, a

primeira Constituição brasileira, outorgada em 1824, ignorou completamente a existência das

sociedades indígenas (Prezia e Heck, 2005).

No início do século XX, constatava-se que a catequese missionária não havia conseguido

converter os índios, defender seus territórios contra invasores, nem impedir seu extermínio, seja

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em decorrência das doenças que os contagiavam ou promovido pelas matanças. Essa situação foi

agravada pelos trabalhos de desenvolvimento, como as abertura de estradas desencadeando uma

disputa armada entre estes índios e os trabalhadores, na luta para impedir a invasão de suas terras

por colonos (Funai, 2000)

Em 1908, durante o XVI Congresso de Americanistas, que aconteceu em Viena na

Áustria, houve denúncias de que o Brasil estava massacrando os índios, como parte de uma

política nacional para o desenvolvimento. Essa má reputação internacional levou o governo

federal a pensar numa ação de assistência e proteção leiga e privativa do Estado às populações

indígenas (Funai, 2000).

É a partir desse contexto que o Estado passa a preocupar-se com as políticas voltadas

para os povos indígenas. Promove-se o ressurgimento do Serviço de Proteção aos Índios23 com a

incumbência de evitar o extermínio dos povos indígenas. Sua principal tarefa era "pacificar" os

povos indígenas em luta contra segmentos da sociedade nacional, o que ocorria em diversos

pontos do território brasileiro. Pretendia-se, assim, evitar as acirradas discussões na imprensa,

que acabavam por promover uma péssima imagem do Brasil junto à opinião pública nacional e

internacional.

Nos primeiros anos de atuação o SPI estabeleceu uma política de integração em que o

índio era reconhecido como sujeito transitório, ou seja, estava sendo preparado para ingressar na

"civilização" (Funai, 2000). Tal política apontava para o fim da diversidade étnica e cultural,

pois reconhecia esta diversidade apenas como um estágio de desenvolvimento, e protegia suas

terras da exploração de que eram vítimas - comerciantes, exploradores de produtos naturais entre

outros - para gradativamente inserirem-se à sociedade civil nacional.

23 O SPI, fora criado anteriormente, no ano de 1910, com a finalidade de proteger os índios e, ao mesmo tempo, assegurar a implementação de uma estratégia de ocupação territorial do País. Contudo, sua ação à época não trouxera mudanças significativas à política indigenista, que continuou a ser realizada nos mesmos moldes do período colonial, ou seja, com base na criação e manutenção de aldeamentos indígenas e por meio da catequese (Funai)

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A Constituição de 1934 foi a primeira das Constituições brasileira a tratar dos direitos

dos povos indígenas, tendo nela sido assegurada aos índios a posse de seus territórios e tendo

sido atribuída à União a responsabilidade pela promoção da política indigenista (Funai, 2000).

Ao longo dos anos, sua função – da Constituição – foi perdendo credibilidade por estar imersa

em corrupção e por tratar de questões contrárias ao desenvolvimento dos estados, submetendo-se

a estes interesses.

De acordo com a Funai (2000), no ano 1967, quando o regime militar já havia se

instalado no Brasil, o SPI foi extinto, após investigação que acabou por apontar uma série de

irregularidades em sua administração, tendo sido criada assim para substituí-lo a Funai.

A Fundação Nacional do Índio, ou Funai, tem como finalidade: estabelecer as diretrizes

da política indigenista e garantir o seu cumprimento; gerir o patrimônio indígena; fomentar

estudos sobre as populações indígenas que vivem em território brasileiro e garantir sua proteção;

demarcar, assegurar e proteger as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, exercendo o

poder de polícia dentro de seus limites, para evitar conflitos, invasões e ações predatórias que

representem riscos para a vida e a preservação cultural e do patrimônio indígena; promover a

prestação de assistência médico-sanitária e a educação elementar para os índios; despertar o

interesse da sociedade brasileira pelos índios e pelos assuntos a eles pertinentes (Funai, 2000).

Em 1973, a Lei nº 6.001, conhecida como Estatuto do Índio, formalizou os

procedimentos a serem adotados pela Funai para proteger e assistir as populações indígenas,

especialmente no que diz respeito à definição de suas terras e ao aprimoramento do processo de

regularização. É notório que somente na década de 1970, a questão indígena passou a ser tema

de relevância no âmbito da sociedade civil. Este fato ocorre em conseqüência do surgimento do

sistema político econômico neoliberal na conjuntura internacional (Funai, 2000).

O Brasil, por exemplo, no auge da ditadura militar, propunha algumas políticas

desenvolvimentistas, viabilizadas pelo capital estrangeiro e apoiada pelo governo norte

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americano, lançava o Plano de Integração Nacional, que adotava a implantação de projetos

econômicos e estradas no interior do país, resultando em devastação dos territórios de povos

indígenas ainda isolados da sociedade nacional.

Naquela época, a situação dos índios era praticamente desconhecida pela opinião pública

e pelo próprio Estado. Nesse contexto, os índios iniciaram os primeiros movimentos de

organização própria, em busca da defesa de seus direitos, devido à proporção pelo qual o

problema da terra se estendia. Formou-se uma extensa rede de colaboradores voluntários - ainda

em atuação – todos com o objetivo não só de garantir a terra para o índio, de inseri-los no

contexto social brasileiro, mas também apoiá-los em projetos futuro.

Ao se tratar dos processos de ocupação dos espaços territoriais, o conhecimento e o

dimensionamento das regiões habitadas por índios são fundamentais para que se possa evitar o

confronto e a destruição desses grupos. Há na Funai, desde 1987, uma unidade destinada a tratar

da localização e proteção dos índios, cuja atuação se dá por meio de equipes, denominadas

Frentes de Contato.

No que tange aos diversos conflitos existentes entre os povos indígenas versus

“inimigos” – posseiros, seringueiros, madeireiros, fazendeiros, empresas – a Funai é a

responsável em intermediar, buscando cessar tal conflito, através do Ministério Público, por

meio dos estudos e reconhecimento das terras (Funai, 2000). Em geral, os conflitos estão

relacionados à invasão de terras, e os registros legitimados são os documentos essenciais que

comprovam a propriedade. É nesse contexto que a demarcação e homologação das terras são

essenciais para o apaziguamento entre as partes envolvidas.

Destarte, o processo de demarcação é o meio administrativo para explicitar os limites do

território tradicionalmente ocupado pelos povos indígenas. É dever da União Federal, que busca,

com a demarcação das terras indígenas: resgatar uma dívida histórica com os primeiros

habitantes destas terras; propiciar as condições fundamentais para a sobrevivência física e

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cultural desses povos; e preservar a diversidade cultural brasileira (ISA, 1998) É preciso lembrar

que as terras indígenas são patrimônio da União, e não representam obstáculos à expansão das

atividades agrícolas ou pecuárias, como alegam agro-empresários – justificando seus direitos

sobre a terra.

É com base nos artigos da Constituição que os índios reivindicam o direito pela terra. De

acordo com a Constituição Federal de 1988, a questão das terras indígenas é apresentada, no

parágrafo 1º do artigo 231, especificando o conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos

índios, como sendo: “aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas

atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a

seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e

tradições”. Parágrafo 2º expressa claramente o direito do índio em relação o usufruto da terra,

“as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-

lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes” (Estatuto do

Índio, 1988 apud Funai, 2000).

Seguem-se os dados em valores numéricos da situação atual brasileira referente ao

processo de reconhecimento, demarcação e homologação das terras.

Quadro I: Situação das terras indígenas.

Situação Nº de Terras

%

Registradas 325 38,24 Homologadas 57 6,71 Declaradas 33 3,88 Identificadas 47 5,53 A Identificar 128 15,06 Sem Providências 226 26,58 Reservadas 34 4 Total 850 100

Fonte: CIMI, 2006

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Mapa II

2.2 Grupos Indígenas em conflitos pela terra

2.2.1 Povo Krenak

Quadro II: Povo Krenak

Nome do Povo Krenak Aldeia Posto Indígena Krenak - Município de

Resplendor (Médio Vale do Rio Doce), Minas Gerais.

População Aproximadamente 180 indivíduos. Terras Demarcadas 4.039,8241 hectares - área demarcada e

homologada em junho de 1997 Fonte:ISA,1998

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Mapa III

O povo indígena conhecido como Krenak, formou-se ao longo de um processo histórico

marcado pelo caráter violento da expansão econômica sobre aquela região, originalmente de

densa mata atlântica. Atualmente são três famílias extensas – compostas por membros de origens

étnicas distintas – conformam uma população de aproximadamente 32 famílias nucleares, que

compreendem cerca de 200 indivíduos, divididos em três núcleos ou “aldeias” (ISA, 1998).

Os Krenak são descendentes do grupo dos “Botocudos” – nome com o qual os

portugueses pejorativamente os designavam, em referência aos adornos usados nas orelhas e nos

lábios, denominados botoque (ISA, 1998).

O nome atual surgiu do líder Krenak, último a negociar com as autoridades

governamentais o processo de “pacificação” e “civilização”, ocorrido logo no início dos

trabalhos do recém inaugurado do Serviço de Proteção aos Índios em 1911, para a homologação

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das terras, em decorrência das matanças e desapropriações das terras com a construção da

estrada de ferro Vitória-Minas – atualmente em posse da Companhia Vale do Rio Doce.

Atualmente localizam-se, na margem esquerda do rio Doce, em Minas Gerais, entre as

cidades de Resplendor e Conselheiro Pena. Seu território abrangia uma reserva de quatro mil e

hectares conquistados após anos de luta. Logo após a demarcação do território pelo governo em

1920, foi invadido por fazendeiros e posseiros. Nos anos de 1930 a 1950, a extração de madeira

e a descoberta de uma possível mina de Mica atraíram ainda mais a invasão de fazendeiros e

posseiros pela área dos Krenak. A região do Rio Doce começava a se tornar cobiçada para o

crescimento econômico. Os conflitos continuaram e por duas vezes - 1959 e 1972 - a trajetória

do grupo foi marcada por expulsões e dispersões das famílias por áreas indígenas em todo o país.

Dispersaram-se para os Estados de São Paulo, Mato Grosso e outras regiões de Minas Gerais

(ISA, 1998).

As terras que foram então entregues aos fazendeiros, pelos governos federais e estaduais,

permaneceram até 1997, quando finalmente, os Krenak voltaram a tomar posse de uma área de

dois mil hectares. Cabe ressaltar que o território, no entanto, apresenta-se em péssimas

condições, pois a degradação ambiental foi total, devido aos longos anos de exploração das

terras por atividades agropecuárias e extrativistas. As disputas sobre a terra dos Krenak

estenderam-se a até a década de 1990. A ação movida pela Funai contra a retirada dos

fazendeiros do território, somente foi julgada a favor dos Krenak no ano de 1995, mas, a

regularização fundiária se deu apenas em 1997 (ISA, 1998).

Seguindo a história constante de conflitos para o usufruto, como de direito de suas terras,

atualmente os Krenak se encontram em divergência não mais com os fazendeiros e posseiros,

mas sim com uma grande corporação, a Companhia Vale do Rio Doce, com relação à inundação

causada pela construção da Usina Hidrelétrica de Aimorés, nas margens do Rio Doce (CIMI,

2006). A Usina Hidrelétrica de Aimorés é um empreendimento da Vale - com 51% de

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participação - em associação com a Cemig, detentora dos restantes 49%. Localiza-se no Rio

Doce, município de Aimorés. Conta com 330MW de potência instalada.24

No entanto sua construção acarreta danos ambientais e sociais para os povos ribeirinhos,

como no caso dos Krenak. A construção da hidrelétrica, iniciada em 1999, seria responsável por

novos prejuízos para a comunidade indígena, entre eles, a inundação de terras, a poluição do rio

que leva a redução no número de peixes e até mesmo extinção de algumas espécies (CIMI,

2006).

“Nossas crianças estavam morrendo de diarréia, provocada pela poluição do rio Doce. Doenças de pele eram freqüentes, devido à contaminação da água por agrotóxicos e metais pesados (...) o transbordamento do rio aumentou. A terra indígena está ficando ilhada ainda no princípio do período de chuvas. Em março, o alagamento deve obrigar as famílias a abandonar suas casas”, atesta o índio Ailton Krenak (Cedefes, 2006).

O lago de 31 km² da hidrelétrica inundou totalmente a cidade de Itueta e parte de

Resplendor – parte do território indígena, obrigando as famílias a abandonar suas casas. Abaixo,

tabela que demonstra em termos de área real de inundação, segundo a resolução homologatória

nº 200, de 2005, da Aneel.

Quadro III: Percentual de área inundada do reservatório - UHE Aimorés

Município UF Área(%) Aimorés MG 33,70 Itueta MG 42,74 Resplendor MG 23,56 Total 100

Fonte:Aneel,2005

De acordo com o povo Krenak, a construção da hidrelétrica causou ainda outros

prejuízos, como perdas em transações comerciais feitas pela tribo. Produtos agrícolas e

artesanais que antes eram vendidos em comunidades próximas hoje ficam estocados. Um dos

24 Aimorés passará a ser o maior empreendimento hidrelétrico da CVRD em operação. Os investimentos foram de US$ 296 milhões, sendo US$ 151 milhões feitos por esta empresa. (CVRD, 2006) Ver site www.cvrd.com.br

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principais mercados consumidores, a cidade de Itueta, teve de ser transferida para outro local por

causa da usina.(Cedefes, 2006).

Ainda segundo as documentações expostas pelos Cedefes, ao longo do processo de

construção, a tribo manifestava sua preocupação com a terra, e tentava dialogar com os

investidores, órgãos responsáveis e governo. Os índios alegavam que não foram consultados

antes da construção – cujo licenciamento inicial foi feito pelo Ibama, em 1999. Os indígenas

ajuizaram uma ação no Ministério Público de Minas, uma vez que não foram ouvidos. Após

recorrerem às autoridades, como forma de resistência, os índios bloquearam a ferrovia Vitória-

Minas, paralisando-a em dezembro de 2005, por aproximadamente 50 horas. O intuito de

interromper a passagem do trem em suas terras, de todo o movimento da ferrovia, em detrimento

não só dos passageiros como do transporte de minério, causando grande sobressalto e prejuízo

para as empresas.

Na sua reivindicação, os índios Krenak requereram a compensações pelos danos

causados com a construção da hidrelétrica, como uma indenização de R$ 30 milhões (Cedefes,

2005). Com o dinheiro da indenização pela construção da hidrelétrica, as famílias pretendem

investir em projetos de desenvolvimento sustentável (Cedefes, 2005). Ainda solicitaram o

reconhecimento de terra, na região da montanha dos Sete Salões, território sagrado para a tribo.

Foi realizado em fevereiro de 2006, outro encontro que permitiu novos contatos entre as

lideranças do povo Krenak, os representantes governamentais da Funai e representantes do

Consórcio Aimorés e da CVRD. O encontro propunha buscar soluções definitivas para a

situação do povo Krenak, assim como ações a serem desenvolvidas e os responsáveis por sua

execução (Cedefes, 2006).

Com relação à questão da terra no Parque Estadual do Sete Salões, não mais cabe a esfera

do conflito com a CVRD, mas sim com a própria Funai. Os Krenaks exigem que esta instale um

grupo técnico para fazer um re-estudo dos limites da terra indígena para a demarcação de uma

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área de 1,8 mil hectares, no Sete Salões, à margem direita do Rio Doce (Cedefes, 2005). A

disputa está na Justiça Federal por pedido do Ministério Público Federal – MPF, mas está longe

de terminar. O povo Krenak foi expulso do parque por volta de 70 anos atrás “Queremos o

parque de volta para reunir o nosso povo, que está exilado”, declarou um Krenak para o jornal

Hoje em Dia. O Parque Estadual Sete Salões tem área estimada em 12.520,90 hectares e está

localizado entre os municípios de Resplendor, Conselheiro Pena, Itueta e Santa Rita do

Itueto.(Amda, 2006).

Atualmente ambas situações – com relação ao conflito com a CVDR e do Parque

Estadual Sete Salões – encontram-se paradas, esperando a Justiça Federal dar seu parecer. Os

índios continuam lutando para reaver suas terras que lhes são de direito.

2.2.2 Povo Tupiniquim

Quadro IV: Povo Tupiniquim

Nome do Povo Tupiniquim Aldeia Habitam três terras indígenas,

no norte do Espírito Santo, todas no município de Aracruz, assim como em Santa Cruz e à Vila do Riacho. As terras são: Caieiras Velhas, localizada às margens do rio Piraquê-Açu, Pau-Brasil tem como um de seus limites o córrego Sahy e Comboios, às margens do rio de mesmo nome

População Aproximadamente 2.200 mil (2000)

Terras Demarcadas Tiveram a demarcação homologada 1983, em 7 mil ha, reivindicam 11mil ha.

Fonte, Agencia Brasil, 2007

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Mapa IV

Essa tribo indígena já habitava o Espírito Santo, antes mesmo dos tempos da colonização.

A partir de então, vêem sofrendo com os processos de modernização. A região em que viviam

era de mata virgem e a comunicação entre as diversas famílias e ou aldeias se fazia por trilhas no

meio da floresta. Plantavam mandioca, feijão, milho e cana, os Tupiniquins capturavam

mamíferos e inúmeras aves, atualmente seu habitat não é mais o mesmo (ISA, 2001);

"Isso aqui era tudo mata virgem. Tínhamos caça – veado, tatu, tamanduá, cotia, catitu – e muitos peixes. Plantávamos feijão, milho e mandioca. Daí vieram os tratores – não foi nem machado – que fizeram terra arrasada. Plantaram o eucalipto e os bichos fugiram" (tupiniquim Genira Pinto dos Santos, em entrevista a Dw-world).

A mudança inicia-se a partir dos anos de 1940. Os conflitos pela terra se acirram com a

instalação da Companhia Ferro e Aço de Vitória – COFAVI. A empresa começou a devastação

das matas para produzir carvão vegetal. A princípio os índios chegaram a trabalhar para a

empresa, fazendo a derrubada, pois os representantes da mesma alegavam que a terra era do

Estado e desta maneira logo transformaram matas em pastos na região (Repórter Brasil, 2007).

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Um segundo momento, base que fundamenta o conflito atual acontece no ano 1967,

quando nasce a empresa brasileira Aracruz. Esta se desenvolveu envolta dos conflitos existentes

por terra entre os índios e a COFAVI. A Aracruz arrendou parte das terras da empresa, para a

plantação de florestas de eucaliptos (ISA, 2001). Contudo, eram tradicionais áreas de cultivo das

aldeias. Dos 18 mil hectares originalmente ocupados pelos indígenas, 11 mil estão hoje sob

domínio da Aracruz (Agência Brasil, 2006).

Segundo a empresa, a questão indígena em Aracruz só passou a ter tratamento oficial em

meados dos anos 1970, quando foi criado um posto da Funai na região e estudos da entidade

reconheceram a presença dos índios Tupiniquins no estado do Espírito Santo. Ainda nos

argumentos da empresa, este episódio é espúrio, a entidade atuou no sentido de induzir supostos

descendentes indígenas – segundo a Aracruz, já completamente integrados à sociedade – a

assumirem-se como legítimos representantes dos tupiniquins (Repórter Brasil, 2007).

O processo administrativo de identificação das terras indígenas foi conflituoso, gerando

inúmeras denúncias de índios, associações e organismos diversos, a respeito dos prejuízos

causados por um acordo estabelecido entre a Funai e a Aracruz Celulose, em 1980, quando os

limites das terras indígenas foram definidos, em 7 mil hectares, culminando na homologação em

1983 (Museu do Índio, 1998).

Insatisfeitos com a demarcação estabelecida nos anos 1980, a etnia reivindicava a revisão

dos limites das terras. Os novos estudos foram realizados pela Funai, constando o

reconhecimento dos Tupiniquins com o direito de uma área de 18 mil hectares, sendo 11 mil

hectares onde está instalada a empresa de celulose (Repórter Brasil, 2007).

“Pessoas que criam um documento de uma terra, a partir daquele momento passam a ser donos (...) no caso das pessoas que ali viviam, que não têm um documento assegurado, os direitos não são vistos com bons olhos (...) por sermos indígenas, não tínhamos preocupação e não tínhamos documento da época. Então ela [a empresa] veio, se instalou, criou documentação de cartório” (Líder Tupiniquim Vilmar Oliveira, em entrevista a Agencia Brasil, 2006).

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Em 1998, os estudos da Funai reuniram provas irrefutáveis de que os Tupiniquins sempre

habitaram a região até a chegada da empresa (Dw-World, 2006). A empresa Aracruz possui

documentações alegando legitimidade sobre a terra e contestou tais estudos, estabelecendo uma

pendência jurídica, por parte do Ministério da Justiça (Repórter Brasil, 2006).

O conflito estende-se aos dias atuais em decorrência da má resolução da legitimidade

dessas terras, “a luta é para garantir a futura sobrevivência das famílias e a autonomia do nosso

povo. Com os 11 mil hectares, vamos ter segurança alimentar no futuro", diz um dos caciques a

Dw-World.

A Aracruz Celulose é uma empresa brasileira, líder mundial na produção de celulose

branqueada de eucalipto. Corresponde por 27% da oferta global do produto. Suas operações

florestais alcançam os Estados do Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, com

aproximadamente 279 mil hectares de plantios renováveis de eucalipto, intercalados com cerca

de 154 mil hectares de reservas nativas, que são fundamentais para assegurar o equilíbrio do

ecossistema. Sua capacidade nominal de produção, de cerca de 3 milhões de toneladas anuais de

celulose (Aracruz Celulose, 2007).

O conflito arrasta-se por longos anos, em decorrência da pendência jurídica em relação

aos hectares reivindicados pelas partes, em alguns episódios há relatos de agressões mútuas entre

os trabalhadores – defensores ativos da empresa e dos índios. A resistência tem intensificado nos

últimos anos por ocupações dos indígenas em áreas da empresa, de estradas e portos. Os índios

tupiniquins ainda promoveram dois movimentos de auto-demarcação de suas terras,

manifestaram-se para a sociedade civil em busca de apoio. Por parte da empresa, as

manifestações se deram através dos trabalhadores e da ação da policia federal, que invadiram e

destruíram as aldeias.

A questão da lentidão burocrática brasileira, neste caso especifico, é a ineficiência por

parte da Funai e no Ministério da Justiça. A primeira, com relação à entrega da documentação ao

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órgão responsável e o Ministério da Justiça no que tange às ações administrativos para garantir a

demarcação das terras atualmente ocupadas pela empresa.

Em decorrência deste fato é que ocorrem os diversos eventos conflituosos com iniciativa

indígena, no intuito de chamar a atenção da sociedade civil e assim acelerar o processo de

demarcação das terras. Alguns episódios ficaram marcados, como no ano de 2005, os índios

demarcaram por conta própria a área reivindicada e construíram uma aldeia. Foram despejados

por ação violenta da Polícia Federal com apoio logístico da empresa Aracruz. Tal episódio

repercutiu como crime nos noticiários internacionais o que levou a família real da Suécia a

vender suas ações da multinacional devido às denúncias e fortes pressões contra a violação de

direitos humanos cometidos e o desrespeito ao meio ambiente no Brasil (CIMI, 2006).

Houve a derrubada pela tribo, em setembro de 2006, de cerca de três hectares de terra

plantados com eucaliptos, da Aracruz Celulose. Os índios estavam reivindicando o descaso da

Funai e do Ministério Público sobre a definição das terras, “as comunidades não ficaram

satisfeitas com essa informação [de que a Funai não enviou os documentos no prazo], então

decidimos fazer esse protesto contra a Funai e também o ministro da Justiça, que até agora não

tomaram as providências", (lideres indígenas em entrevista a Agência Brasil, 2006)

Com relação a atitude dos indios, empresa informou à Dw-World que já teve um prejuízo

material da ordem de R$ 2,5 milhões por causa do conflito, "durante os meses de setembro e

outubro, índios apoiados por manifestantes queimaram mais de 200 mil árvores em uma área de

aproximadamente 170 hectares” (Dw-World, 2006),

A luta dos Tupiniquins recebe apoio de entidades não-governamentais, entre elas

algumas de cunho internacionais, como ONGs alemãs que acompanham o caso e sugerem um

boicote a produtos que contêm celulose importada da Aracruz. A Robin Wood, a

Tropenholznetzwerk e a Sociedade para os Povos Ameaçados (GFBV) também fazem

campanhas na Internet, pedindo ao governo brasileiro a demarcação da terra indígena no Espírito

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Santo (Dw- World, 2006). A Robin Wood já protestou diante da fábrica de lenços de papel da

Protect & Gamble, que compra celulose da Aracruz. Na Alemanha, poucos consumidores sabem

que há índios perdendo suas terras para a produção de lenços de papel", diz Peter Gerhardt, da

Robin Wood (Dw-World, 2006).

Este conflito possui maior carater de notoriedade uma vez que suas ações de resistência

são mais violentas que a da etnia Krenak.

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3. A questão indígena com relação à desterritorialização

3.1 Desterritorialização como causa dos conflitos indígenas

As mudanças nas relações sociais advindas dos complexos processos de interação que

transcendem os limites convencionais, segundo Held e McGrew (2001), são os responsáveis pela

emergência de conflitos como os que foram propostos neste trabalho.

O fenômeno da globalização surge como transformador da realidade social, e em décadas

recentes houve um novo surto, um novo ciclo de sua difusão: “delineia-se um novo ordenamento

do mundo que parece superar os antigos limites e conformações (...) inaugurando uma nova era

na história da humanidade, novo ciclo civilizatório” (Mello, 1999:13-14), gerando a necessidade,

por parte das sociedades, de ações que preservem sua integridade. Não há como não se integrar,

“a reorganização mundializada das sociedades parece ser um processo irreversível, deixa poucas

chances de êxito a quem pretende construir sociedades alternativas desligadas do global” (Garcia

Canclini, 2003:59).

“O começo de tendências à formação de uma política planetária pautada por relações de poder na busca de um novo sistema que interligue os atores centrais numa convergência de perspectiva – que se superpõe às diversas fragmentações de vivência, as múltiplas identidades organizadas e as variadas formas de gestão e autoridade nacionais” (Dreifuss, 2004:54).

Duas questões devem ser compreendidas no que tange a resistência à globalização. O

primeiro e base fundamental deste trabalho é a resistência indígena à globalização em termos de

desterritorialização de Scholte (2002). Contudo, ver-se-á que o papel do Estado é questionado,

enquanto da redução de seu papel, uma vez que há “um processo de encolhimento, pela perda

das barreiras geográficas (...) os Estados sofrem uma diminuição adicional do poder” (Held,

2001: 11, 35), neste sentido é preciso expor a reação do Estado mediante ao fenômeno da

globalização.

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Além disso, os grupos indígenas indagam a postura do Estado, uma vez que esta não

adota políticas que reflitam os interesses das frações minoritárias. “Existe o descaso do Estado

em relação à consolidação dos nossos direitos conquistados na Constituição Federal e em Fóruns

Internacionais. Esse descaso se manifesta em relação ao Estatuto dos Povos Indígenas”

(Discurso do III FSM, 2003 apud CIMI, 2005).

Os países amazônicos, entre os quais o Brasil, são para Garcia Canclini (2003) uma das

regiões onde as maiores injustiças continuam vitimando os índios, porque nas suas terras,

florestas e riquezas se realizam as operações mais cruéis do capital transnacional.

Como ponto de partida para análise, tem-se a invasão dos fluxos transnacionais além das

fronteiras do Estado, o que gera o fenômeno da supraterritorialidade, que de acordo com Scholte

(2002) está pautada nas relações sociais que transcendem a geografia territorial. “Os fluxos

globalizantes se difundem no campo das relações internacionais (regulados entre os Estados),

transnacionais (através de fronteiras), metanacionais (permeando os espaços culturais) e

supranacionais (além dos limites nacionais, sobrepondo-se aos Estados)” (Dreifuss, 2004:63).

Exemplo dos fluxos transnacionais são os “loteamentos das terras indígenas por parte das

mineradoras, quando madeireiras asiáticas compram extensões superiores a vários países

europeus” (CIMI, 1999)25, ou ainda, quando há acionistas estrangeiros em empresas brasileiras

assim como nos estudos de caso dos grupos indígenas posteriormente descrito. Os grupos

indígenas estão sendo ameaçados por tais fluxos, o que gera a perda de seus territórios para

instituições.

Uma ressalva a ser feita com base nas palavras de Scholte (2005), a doutrina neoliberal

trata a globalização como sendo simplesmente um processo econômico – uma questão de

produção, trocas e consumo de fontes – e todos os outros aspectos da globalização, sejam eles os

sociais, culturais, ecológicos, geográficos, políticos estão ligados e subordinados à questão

25 Citação retirada do relatório “A Questão Indígenas no Brasil”, de abril de 1999, documentação do CIMI

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econômica. Portanto, compreender-se-á a temática dos conflitos Krenaks e Tupiniquins, uma vez

que as sociedades, e especificamente Estados e empresas, são guiadas à luz da doutrina

neoliberal26.

Com relação ao conceito de globalização enquanto desterritorialização de Scholte (2002),

tem-se uma mudança na natureza do espaço social, pois a transitoriedade dos fluxos, sejam eles

pessoas, bens materiais, tecnologia, bens financeiros, idéias, comunicação tornam-se cada vez

mais fáceis, rápidas e constantes. Cria-se então um ambiente em que os limites do território

tornam-se insignificantes, o que possibilita um ambiente de supraterritorialização, um mundo

“comum a todos”.

Neste sentido em que a desterritorialização permite a intensa invasão dos diversos fluxos

em território nacional, atingindo todos os setores de um Estado, é que se dá a centralidade deste

trabalho. A invasão de fluxos e a caracterização de uma sociedade supraterritorial atingem

grupos minoritários que vivem “à parte” deste fenômeno que é a globalização, ou ainda não

estão inseridos num contexto que sejam capazes de abranger suas tendências, como é o caso do

Krenaks, Tupiniquins e demais etnias indígenas que são dependentes incondicionais da terra. O

território faz-se fundamental para esta parcela da sociedade, fazem desta sua morada econômica,

social religiosa e cultural. O território nada mais é do que seu meio de sobrevivência fisiológica

e antropológica (Prezia e Heck, 2005). Eles estão estritamente vinculados aos recursos do

território para a subsistência e manutenção de seu povo e história.

“As sociedades indígenas distinguem-se da sociedade brasileira, essencialmente, pela questão da terra: pela origem da sua apropriação (posse primária, não compra), pelo uso prático (subsistência), estrutural (propriedade coletiva) e pela visão religiosa (terra sagrada)” (A questão Indígena no Brasil, CIMI, 1999).

No que diz respeito a entender a questão governamental, a perda do papel do Estado está

vinculada à postura do Governo. Este mantém políticas insatisfatórias, pois não garante o direito

dos povos indígenas seja por ineficiência ou por condizer com as elites capitalistas – nacionais

26 Enfatizando a globalização em termos de desterritorialização.

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ou não. Os Estados adotam mudanças em suas políticas e comportamento, a “capacidade de

governabilidade do Estado mudou em relação a muitos aspectos” (Hirst e Thompson, 2001:263).

São “obrigados” a manterem certas políticas, já que fazem parte de um sistema internacional de

difícil isolamento. Nas palavras de Falk (1999) as políticas do Estado democrático são orientadas

pela disciplina característica do capital global. A sociedade está imersa na essência negativa da

dinâmica da globalização e a imposição aos governos da disciplina do capital global de maneira

que promove a política econômica nas áreas nacionais de decisão, subjugando as perspectivas do

governo (Falk, 1999:127).

3.2 Estudo de caso Povo Krenak

Analisando o primeiro estudo de caso, das terras indígenas Krenaks, percebemos a

presença de uma empresa privada, a Companhia Vale do Rio Doce - CVRD - juntamente com a

Cemig. A empresa composta de capital misto é uma das responsáveis pela perda da terra

indígena. Tendo realizado a parceria para a Construção da Usina de Aimorés, as empresas,

ignoraram a importância da terra para estes povos. Tal evento acarretou a inundação de suas

terras, poluição decorrente do processo de produção, intoxicando terras e rios o que levou ao

desequilíbrio ambiental e conseqüentemente mudanças para sua sustentabilidade população

indígena. “A contaminação da água por agrotóxicos e metais pesados (...) o transbordamento do

rio aumentou. A terra indígena está ficando ilhada ainda no princípio do período de chuvas”

(Ailton Krenak, Cedefes, 2006).

Percebe-se então que o ambiente constituído em decorrência das novas relações sociais

globais, voltadas para a economia de mercado, está adentrando a fundo os Estados, atingindo até

mesmo aqueles que mantêm uma postura de vida um tanto quanto diferenciada. “Para os povos

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indígenas, a terra é muito mais do que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da

vida social (...) é um recurso sócio-cultural" (Ramos apud Funai).

De acordo com Dreifuss, as empresas são agentes da multinacionalização das economias,

além de ter uma base nos mercados domésticos e uma ponta no mercado externo. Deslancham a

desterritorialização das suas atividades produtivas e comerciais viabilizando operações em

muitos países. A empresa CVRD possui em sua formação o capital estrangeiro, produz bens de

consumo para o mercados interno e externo e é “pressionada” para manter-se viva no mercado -

seria o “darwinismo social” de Mittelman (2000). A CVRD busca sua sobrevivência e por essa

razão utiliza recursos que satisfaçam suas necessidades e a construção da Usina Hidrelétrica de

Aimorés seria um exemplo.

A pressão para essas instituições inserirem-se no sistema internacional neoliberal e

“sobreviverem” levam-na a agir de maneira mais competitiva, “a hipercompetição como força

motriz” (Mittelman, 2000:17), propiciando a produção em grande escala. No caso especifico

essa busca incessante levou a expropriação dos pequenos produtores indígenas. Deste modo, a

empresa age em decorrência do sistema a qual está inserida.

Um segundo problema repercute nesta questão o Estado como interventor do conflito. Os

índios adotam postura de resistência de ação não-violenta, uma vez que reivindicam seus diretos

de terra através de manifestações em frente à empresa, aos congressos, discursam em encontros e

fóruns. Algumas manifestações mais “radicais” dos Krenaks foram vistas quando estes

paralisaram a ferrovia Vitória-Minas, causando prejuízos para a empresa. E o Estado possui o

papel de interventor das manifestações indígenas através da policia federal e da própria Funai.

A Funai encaminha para o congresso laudos de estudos que compravam os prejuízos que

a construção da UHE causou a tribo indígena e propõem indenização. Contudo não há uma

resposta do Ministério da Justiça. Assim cabe questionar se há a efetividade do Estado com

relação a seu papel. Tem-se a comprovação do enfraquecimento deste perante o processo de

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globalização, uma vez que o próprio não conseguiu manter “rédeas curtas” em termos de

políticas. “É o fim da política de Estado, com a economia globalizada dissociada da sociedade

nacional” (Dreifuss, 2004:60). Não houve, por parte do Estado, a fiscalização do território,

constatando prejuízos aos povos ribeirinhos, aos danos ambientais entre outros, não houve a

imposição de outras políticas de restrição. O Estado pode, segundo Falk (1999), aderir e

interferir de maior ou menor maneira na disciplina do capital global para alcançar

competitividade como, por exemplo, nos custos de produção, na entrada de capital e assim por

diante. Pode-se perceber a diminuição do papel do Estado proposto por Held e McGrew (2001).

A CVRD é a segunda maior mineradora do mundo, emprega mais de 20 mil

trabalhadores e é responsável pela circulação de bilhões de dólares na economia (CVRD, 2001).

Desta maneira o Estado não tem grande poder para políticas que restrinjam sua atuação. Nas

palavras de Falk (1999) as forças do mercado neoliberal tomaram conta da globalização e estão

levando a uma direção econômica que leva o Estado de bem-estar comum a ter atitudes como

livre comércio, mudança nas políticas fiscais e competitividade. A força da empresa, guiada à

luz do sistema vigente internacional, neste episódio, prevaleceu.

3.3 Estudo de caso Povo Tupiniquim

Do mesmo modo que o povo Krenak, a etnia Tupiniquim foi usada como modelo de

grupos indígenas que resistem à globalização. A pressão dos fluxos transnacionais mais uma vez

se aplica na realidade brasileira, a transnacionalização trata da competição regulada de e por

empresas e estimulam a desregulamentação de e por governos (Dreifuss, 2004). A

competitividade do sistema internacional leva as empresas, como já dito anteriormente, agirem

em beneficio próprio e levam os Estados à inoperância devido à característica quantitativa da

empresa, como maior produtora de celulose do mundo.

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A Aracruz Celulose é uma empresa privada com investidores estrangeiros, mais uma vez

vê-se a presença do capital global nos territórios brasileiros. É na prática o que os autores da

globalização como Held e McGrew (2001), Scholte nos colocam na teoria, as redes de interação

das sociedades estão cada vez mais fortes. A característica da desterritorialização de Scholte

(2002), onde as fronteiras passam a ser meros coadjuvantes e a territorialidade passa a ser vista a

nível planetário. É a transmundialização simultânea e instantânea tornando as relações sociais

além da geografia social.

Os Tupiniquins lutam pelo seu direito de usufruto da terra, pela sua sobrevivência. A

Aracruz reage para sobreviver no sistema de mercado global, caracterizado pela “dinâmica de

uso das facilidades naturais e de recursos humanos” (Dreifuss, 2004).

O Estado mais uma vez não conteve a globalização em termos de desterritorialidade, a

transitoriedade dos fluxos no território nacional brasileiro propiciou a estruturação da empresa

Aracruz. Foi o “transbordamento dos limites de Estado atravessando e penetrando os formatos

societários, rasgando os filtros civilizatórios” (Dreifuss, 2004:136), causando impactos na vida

cotidiana de uma parcela da sociedade local, promovendo a alteração nos meios de relação social

previstos na globalizaçao de Scholte (2002).

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Conclusão

Tem-se a definição de globalização de Scholte (2002) como um fenômeno de

reconstrução social em que as relações entre os atores passam a ser pautadas em termos

transnacionais, onde há uma desvinculação das fronteiras territoriais e uma elevação a nível

planetário de limite.

A dinâmica dos fluxos que a cada instante encontra menos barreiras, infiltrando-se em

território nacional, possibilita uma relação mais direta entre os atores do sistema internacional,

quer se queira ou não, pois, como diz Dreifuss (2004), não há como escapar da globalização: os

Estados estão cada vez mais interligados - citam-se aqui os Estados, porque continuam sendo a

porta de entrada para os fluxos transnacionais. Segundo García Canclini (2003), existe uma

dificuldade em se pensar em uma forma alternativa para viver.

No nível nacional, estes fluxos geram reações variadas, num dos pontos do espectro está

a oposição. A resistência, como propõem Mittelman e Falk, surge quando há deficiências e

insuficiências da política vigente. Como foi colocada por Scholte (2005), a globalização está

intimamente ligada à doutrina neoliberal e está mantém sua importância na arena econômica,

sendo os outros setores de uma sociedade – político, social, cultural, histórico – ligado a ela.

Enfim, a política da globalização neoliberal encontra uma série de assimetrias que estão gerando

resistência, como no caso estudado.

Os grupos indígenas são dependentes da terra e de seu usufruto, enquanto, a globalização,

orientada nas dinâmicas das relações sociais, pautadas no neoliberalismo, levou as empresas a

desconsiderarem o fato da importância do território para esta porção da sociedade. Em outras

palavras, a desterritorialização não leva em conta a importância do vinculo à terra em primeira

instância, mas apenas a considera como um recurso de produção de baixo custo, ou seja, sua

preocupação apenas está atrelada no sentido econômico, geradora de lucros.

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A constante confluência dos fluxos dentro da sociedade nacional e pressão incessante por

estar inserida dentro do sistema internacional induz os Estados - responsáveis por proteger sua

nação e território - a um relaxamento em sua postura e, assim, à adesão a desterritorialização.

Destarte, pode-se perceber que a desterritorialização e a transplanetarização atingem de

forma direta os grupos indígenas, uma vez que a pressão dos fluxos despreza sua importância

enquanto agentes da sociedade. O fenômeno da globalização torna os Estados incapazes de agir,

visto que a importância dos fluxos recai sobre outras fatias da sociedade que mantêm a vitalidade

do Estado no sistema internacional, devido ao caráter de interdependência entre as redes de

relações sociais e econômicas.

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ANEXOS

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Quadro IV: População Indígena no Brasil - Distribui ção por Unidades da Federação*

UF População % do total Acre (AC) 8.009 1,09 Alagoas (AL) 9.074 1,24 Amapá (AP) 4.972 0,68 Amazonas (AM) 113.391 15,45 Bahia (BA) 64.240 8,75 Ceará (CE) 12.198 1,66 Distrito Federal 7.154 0,97 Espírito Santo (ES) 12.746 1,74 Goiás (GO) 14.110 1,92 Maranhão (MA) 27.571 3,76 Mato Grosso (MT) 29.196 3,98 Mato Grosso do Sul (MS) 53.900 7,34 Minas Gerais (MG) 48.720 6,64 Pará (PA) 37.681 5,13 Paraíba (PB) 10.088 1,37 Paraná (PR) 31.488 4,29 Pernambuco (PE) 34.669 4,72 Piauí 2.664 0,36 Rio de Janeiro (RJ) 35.934 4,89 Rio Grande do Norte 3.168 0,43 Rio Grande do Sul (RS) 38.718 5,27 Rondônia (RO) 10.683 1,46 Roraima (RR) 28.128 3,83 Santa Catarina (SC) 14.542 1,98 São Paulo (SP) 63.789 8,69 Sergipe (SE) 6.717 0,91 Tocantins (TO) 10.581 1,44

Total 734.131 100 Fonte: CIMI, 2006 (IBGE, Censo Demográfico 2000).

Quadro V: Quadro geral das Terras Indígenas por Estados

UF

Registradas Homologadas Declaradas Identificadas A

Identificar Reservadas

Sem Providências

Total

AC 24 2 0 2 8 1 2 39 AL 2 0 0 1 2 4 4 13 AM 84 25 10 10 51 0 20 200 AP 4 0 0 0 0 0 1 5 BA 9 0 2 0 6 5 4 26 CE 0 1 1 4 1 0 5 12 ES 3 1 0 1 0 0 0 5 GO 4 0 1 0 0 0 1 6 MA 13 3 0 0 1 0 0 17 MG 4 1 0 0 1 0 3 9 MT 49 1 2 5 12 1 17 87 MS 17 5 3 5 8 8 74 120 PA 24 2 5 3 24 3 21 82 PB 2 0 0 1 0 0 0 3 PE 4 1 2 0 2 2 3 14 PR 8 1 0 4 2 6 12 33 RJ 3 0 0 0 0 0 0 3

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RO 16 1 0 0 1 0 17 35 RR 21 8 0 1 0 0 0 30 RS 15 1 3 2 5 0 30 56 SC 3 1 3 4 3 4 7 25 SP 9 2 1 2 1 0 5 20 SE 1 0 0 0 0 0 0 1 TO 6 1 0 0 2 0 0 9

Total 325 57 33 45 130 34 226 850

Fonte: CIMI, 2006.

Questionário

1. Qual a importância da terra para a tribo indígena?

Há que se diferenciar “terra” e “território”, ambos como espaço vital para os povos e suas comunidades. O Território tem toda uma dimensão histórica e antropológica, do homem enquanto parte da natureza onde ali ele – em comunidade – reproduz os elementos culturais do povo: onde pratica a sua religiosidade, sua forma de vê o mundo e interpretá-lo; onde pratica todos os seus costumes sócio-econômicos e culturais. A terra, como parte de um domínio territorial geopolítico expressa o cotidiano desse domínio e dessa vivência. Por isso, enquanto houver os povos indígenas e suas culturas terra e território serão fundamentais.

2. Como sr. vê as políticas públicas com relação a terra? Seria um descaso do Estado

ou este estaria acordado com o “invasor”?

Hoje existem muitas políticas governamentais voltadas para as populações indígenas. Muitas imprecisões ainda necessitam de ser avaliadas, experiências ruins, fruto de desinformação e modelos tecnicistas que não levam em conta as diferentes realidades das comunidades indígenas. Mas os programas de apoios governamentais são importantes e obrigatórios, como reza a constituição federal.

3. Como vê os impactos da globalização para a tribo? A que ponto este fenômeno os atinge?

Depende de que ângulo se analisa e em que tema se alia a essa reflexão...Independentemente do fenômeno da globalização os povos indígenas tem a capacidade de absorver elementos culturais de outras sociedades sem perder nenhum elo com o seu mundo e sua historia. O caso muda de figura quando há uma imposição do invasor, do modelo ou sistema a ser ditado. Por isso que os povos indígenas dialogam com facilidade com outras culturas – não perdeu o seu elo histórico – enquanto que se há uma imposição somente resta a resistência.

4. Existe um conceito de globalização que é tido como um fenômeno de

desterritorialização, onde os fluxos circulam além de suas fronteiras, assim o território perde a importância enquanto sua delimitação.

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Esse fenômeno do “não-lugar” dá um bom debate...mas ocorre que da forma como está posto, ele somente fortalece a visão do invasor e dos grandes grupos econômicos que defendem os seus marcroprojetos. Junto a isso o poder de comunicação(escolas, imprensa, etc..) tentam fazer crer que não existem mais fronteiras ao mesmo tempo em que os mesmos grupos e suas elites criam barreiras em seus paises ricos para que os grupos étnicos/pobres não migrem até eles. O território hoje tem um vinculo forte com soberania e auto-determinação, onde os povos insistem em manter os seus modos de vida plural. A globalização que lutamos para existir é o da solidariedade.

- Poderia este ser o problema no qual a sociedade civil está imersa? Ou seja, seria esse o fato que pressiona as empresas e as políticas públicas a facilitarem as invasões nas terras indígenas?

Os fatores que mais tensionam contra as populações indígenas são os interesses

econômicos sobre as terras indígenas e os bens nelas existentes, levando a governos, empresas, parlamentares e até universidades forçarem projetos de lei liberando áreas indígenas à exploração madeireira, mineral, turísticos, etc...Nas diversas regiões do país os conflitos se instalam, aumentando a violência e a agressão contra os povos indígenas.

5. Quais são os recursos dos povos indígenas para resistirem às lutas pelas terras? A forma de resistência dos povos tem sido a Organização indígena, articuladas em diversos

modelos(associações temáticas; de gêneros;por povo; entre povos, entre organizações, etc...) e com bandeiras de lutas diferenciadas(educação, saúde, etc). De maneira em geral as organizações colocam a questão da demarcação dos territórios como prioridade numero 01.

6. Quem são os maiores apoiadores da causa indígena?

No Brasil, existem varias entidades de apoios, sob diferentes aspectos. O Cimi tem uma assessoria mais local, com os seus membros atuando diretamente nas aldeias e junto às organizações indígenas; O ISA faz mais um papel de pesquisa e estudos sobre os impactos de programas institucionais junto aos povos; a ANAI faz um trabalho com projetos de apoios a políticas comunitários e sobre tudo realiza estudos antropológicos. Além de entidades que trabalham com temas com Internet (índios On Line); Comissão Pró-Indio que atua na defesa da educação indígena e estuda os índios nas cidades. Por aí vai...

7. Existe maior confiança na entidade da Funai ou em entidades como CIMI, ou ainda de ONGs como o ISA (instituto sócio ambiental)?

A Funai representa os interesses do estado brasileiro junto aos povos indígenas e visa garantir uma política de controle sobre os índios. Como ela nasceu no tempo dos militares, até hoje o espectro da repressão e do militarismo ronda as aldeias. Mas é ela – na Lei – que deve atender aos interesses dos povos indígenas e cabe a ela resguardar os direitos indígenas, segundo a constituição federal. As décadas de vida da Funai demonstram o quanto ela foi e é nefasta à vida dos indígenas brasileiros. Apesar disso, os indígenas se dividem em opiniões sobre a Funai. Uma grande maioria hoje – os povos e suas organizações – lutam para que o governo discuta com eles e ponha em prática uma nova política indigenista, que respeite as diferentes formas dos povos e ajude no futuro dos povos no Brasil.

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8. Qual seria uma alternativa para o desenvolvimento econômico do Estado brasileiro? Uma vez que não temos como escapar do fenômeno da globalização?

Temos que pensar as bases de uma nova sociedade, em seguida pensar a economia. Os povos Indígenas teriam muito a colaborar com isso. O primeiro passo seria estabelecer o que não queremos, limpar a área e em seguida construir economias solidárias, de reciprocidade, pensando no homem e nas suas diferentes visões de mundo.

9. Existe a possibilidade da perda da cultura indígena pela constante miscigenação por qual essa raça passa desde os tempos da colonização?

A miscigenação é outro fenômeno que merece maiores esclarecimentos. O conceito de raça foi superado, hoje falamos em grupos étnicos, em etnias. Assim como a idéia de tribo é vaga. Hoje são os povos que aparecem com força, dando uma demonstração que apesar da ideologia da miscigenação, os diferentes grupos étnicos no Brasil sobreviveram. Os povos indígenas sobreviveram ao massacre da colonização. A colonização fracassou, a elite colonial fracassa a cada dia quando querem ver extintos os povos indígenas. Os povos indígenas são o futuro dos paises onde eles atualmente se inserem.

10. Como você classifica a situação atual dos conflitos indígenas pela terra?

Como a continuidade da agressão aos verdadeiros donos dessas terras. E sabemos quem agride, quem violenta, que usurpa os territórios as suas florestas e as suas riquezas, em nome da ganância e do lucro. Não são os povos indígenas, nem os ribeirinhos, nem os pequenos agricultores. Existe uma agressão violenta e quando os povos reagirem a isso, teremos um novo cenário.

Perguntas pessoais:

1.Qual seu nome? Wilson Mário Santana. 2. Qual a sua idade? 43 anos. 3.Qual a sua função? Coordenador regional do Cimi Leste.

* Questionário aplicado em 17/06/2007, via correio eletrônico. Transcrição autorizada.

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