JACY CORRÊA CURADO final

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JACY CORRÊA CURADO GÊNERO E OS SENTIDOS DO TRABALHO SOCIAL UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (UCDB) MESTRADO EM PSICOLOGIA CAMPO GRANDE-MS 2007

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JACY CORRÊA CURADO

GÊNERO E OS SENTIDOS DO TRABALHO SOCIAL

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (UCDB)

MESTRADO EM PSICOLOGIA

CAMPO GRANDE-MS

2007

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JACY CORRÊA CURADO

GÊNERO E OS SENTIDOS DO TRABALHO SOCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia, área de concentração: Psicologia da Saúde, sob a orientação da Profa. Dra. Vera Sônia Mincoff Menegon.

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (UCDB)

MESTRADO EM PSICOLOGIA

CAMPO GRANDE-MS

2007

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FICHA CATALOGRÁFICA

xxxx, xxxxxx. A influência das relações familiares no ajustamento escolar da criança

Kaiowá/ Adriana Rita Sordi Lino; orientadora Sônia Grubits. Campo Grande, 2006.

98 f; il. : 30 cm.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica Dom Bosco. Programa de Mestrado em Psicologia.

Orientadora: Sonia Grubits. Inclui bibliografias

1. Guarani – Kaiowá – Crianças 2. Relações familiares 3.

Comportamento escolar I. Grubits, Sonia II. Título CDD – 155.424

Bibliotecária responsável: Cecília Luna – CRB 1/ 1.202

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A dissertação apresentada por JACY CORRÊA CURADO, intitulada “GÊNERO E OS SENTIDOS DO TRABALHO SOCIAL”, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em PSICOLOGIA à Banca Examinadora da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), foi ................................................ .

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________ Profa. Dra. Vera Sônia Mincoff Menegon. (UCDB)

Orientadora.

____________________________________________

Profa. Dra. Mary Jane Paris Spink (PUC/SP)

____________________________________________ Profa. Dra. Ângela Elizabeth Lapa Coêlho (UCDB)

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Dedico esta pesquisa, às milhares de horas trabalhadas que ainda são invisíveis, sem valor e não contabilizadas, de homens e mulheres voluntários, militantes e profissionais da área social.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus mestres, amiga e professora Psicóloga Msc. Maria Solange Félix Pereira,

mulher forte e atenciosa, que me convenceu fazer este mestrado disciplinar na área de

Psicologia e, ao meu eterno professor Dr. Wanderley Codo, que me ensinou a ousadia de

pensar criticamente a psicologia e construir novos caminhos mesmo sendo uma mulher latina-

americana;

Às sociólogas, Regina Sales Arakaki e a Moema Viezzer, que me apresentaram a

questão da mulher, que ao longo desses 20 anos guiou minha trajetória pessoal e profissional,

sabendo reconhecer a diferença entre uma retórica vazia de uma postura inovadora no fazer

social e na luta pela transformação das desigualdades de gênero;

À Pós-Graduação de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, celeiro de conhecimento crítico e comprometido da Psicologia Social, de onde partiu

os principais fundamentos de minha formação em Psicologia, primeiramente por meio da

querida professora Dra. Silvia Tatiane Maurer Lane e, mais recentemente, com os

conhecimentos produzidos pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Práticas Discursivas e

Produção de Sentidos, coordenado pela Dra. Mary Jane P. Spink.

A equipe do Programa de Inclusão Social (PIS), que acreditaram na relevância dessa

pesquisa, permitindo a sua realização e a livre participação dos gestores públicos nas

Oficinas “Os Sentidos do Trabalho Social” .

À Universidade Católica Dom Bosco – a minha segunda casa – por sempre ser

acolhida com respeito, liberdade e carinho desde minha infância na educação salesiana, seja

no Colégio Nossa Sra. Auxiliadora, no Colégio Dom Bosco, na antiga FUCMT e agora na

UCDB.

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À Dra. Vera Sonia Mincoff Menegon, em um mundo de quase vale-tudo, encontrar um

ser humano como minha orientadora foi uma benção, pela sua dedicação, seriedade,

compromisso, ética profissional e serenidade que conduziu esta dissertação como um

exercício acadêmico prazeroso, mais do que um sofrimento estafante.

Ás colegas Profa. Dra. Ângela Elizabeth Lapa Coêlho (UCDB) uma profissional

obstinada na docência e pesquisa acadêmica, e a minha companheira de luta Dra. Ana Maria

Gomes, meus agradecimentos por aceitarem fazer parte de minha banca de qualificação e

pelas ótimas sugestões que enriqueceram a minha dissertação;

As minhas queridas e queridos alunos dos cursos de Psicologia, Serviço Social e da

Pós Graduação Lato Sensu em Gênero e Políticas Públicas, talvez a razão maior dessa

empreitada e retorno aos bancos acadêmicos.

À minha grande família, primeiramente à meus irmãos e irmãs, que me ensinam

cotidianamente a riqueza do viver na diversidade sem perder o respeito e consideração, e

aos meus pais Lincoln e Muriel, pelo exemplo e amor sincero recebido, sem os quais não

teria tido força suficiente para romper com os modelos tradicionais e elitistas da psicologia

investindo na interminável busca de um mundo mais justo e humano.

Ao meu querido grande-belo-homem, o artista plástico Galvão Pretto, por sua postura

incansável em busca de uma vida mais feliz para nós dois, que inclui a realização dos sonhos

de cada um.

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RESUMO

O objetivo geral da pesquisa foi compreender os sentidos atribuídos ao trabalho social, considerando as relações de gênero, na perspectiva de profissionais que atuam no Programa de Inclusão Social (PIS), do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, na gestão 2003-2006, programa este eleito como estudo de caso nesta pesquisa. Buscou-se, ainda, problematizar a noção de “empoderamento” na agenda de trabalho social. Desenvolvida na perspectiva da Psicologia Social, o delineamento metodológico pautou-se por princípios qualitativos em pesquisa, orientados pela abordagem teórico-metodológica de práticas discursivas e produção de sentidos, e por pressupostos do construcionismo social. Articulou-se, ainda, diálogo com teorias de gênero e literatura sobre trabalho social. Foram realizadas quatro oficinas sobre os “Sentidos do Trabalho Social”, com 37 integrantes do Programa, buscando-se: 1) associação de palavras com o termo “social”; 2) relatos de vivências no trabalho; 3) discussão sobre os sentidos do trabalho social e estratégias de “empoderamento”. A análise discursiva, com destaque para os repertórios lingüísticos, resultou na sistematização de cinco “sentidos-eixo”. Os três primeiros sintetizam sentidos atribuídos pelos participantes: trabalho social como ajuda, trabalho social como promotor de direitos e transformação social, e trabalho social como mercado profissional e gestão social. O quarto sentido, trabalho social como estratégia político-eleitoral e assistencialista, resulta das diferentes vozes sociais, trazidas pelos participantes. Finalmente, como sentidos transversais a esse campo, foram identificados o afeto como instrumento de trabalho, o desapego financeiro e a não profissionalização, que foram analisados em uma perspectiva de gênero. Dentre os aspectos que favorecem o “empoderamento” do trabalho social, destacam-se as relações familiares e a equipe de trabalho. Por outro lado, os baixos salários e a falta de infra-estrutura têm impacto negativo na valorização e contribuem para a invisibilidade do trabalho social. Com a difusão dos resultados, espera-se gerar subsídios para elaborar políticas públicas transformadoras na área do trabalho social e construir novas agendas para os movimentos sociais, principalmente os de mulheres. Palavras-chave: Trabalho social. Gênero. Psicologia Social. Produção de sentidos.

Construcionismo social.

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ABSTRACT

The objective of this research was to understand the meanings assigned to the social work, considering the gender relations, by professionals engaged in the Government Program for Social Inclusion (Programa de Inclusão Social – PIS), of the State of Mato Grosso do Sul, Brazil, during the period of 2003-2006, which was the program selected to be the case study in this investigation. The study was also interested in discussing the empowerment concept within the social work agenda. Developed under the perspective of Social Psychology, the methodological design was based on qualitative research principles, aligned with the assumptions from social constructionism, and oriented by the discursive practices and meaning production theoretical approach. In addition, a dialogue was articulated with theories of gender and the literature on social work. Four workshops were conducted on the theme “Meanings of Social Work”, congregating 37 PIS team members. The workshops were focused on: 1) The repertoires associations with the term “social”; 2) The participants’ work experience reports; 3) The discussions on the meanings of social work and empowerment strategies. The discourse analysis, with an emphasis on linguistic repertoires, led to the identification of five “key-meanings”. The first three ones summarize the key-meanings assigned by the participants: social work as an aid; social work as an element of social change and rights promotion; and social work as a professional category and social management. The fourth key-meaning - social work as a vote-seeking and aid-oriented strategy - , was a result from the various social voices expressed by the participants. Finally, additional meanings that can be viewed as cross-sectional to this field were identified - namely, kindness as a work tool, lack of financial attachment, and the understanding that a professional degree in social work is not as decisive as one’s skills - which were analyzed under a gender perspective. Salient aspects supporting empowerment in social work include family relations and the work team. On the other hand, low wages and deficiencies in infrastructure have a negative impact on the appreciation and recognition of social work, and add to its invisibility. The diffusion of the present findings is expected to provide support for the design of public policies capable of transforming the territory of social work and developing new agendas for social movements, particularly those of women. Key-words: Social work. Gender. Social Psychology. Meaning production. Social

constructionism.

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LISTA DE SIGLAS

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base

CEP – Comitê de Ética em Pesquisa

CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação

CEPIS – Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae

CEPPM – Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Mulher

CFP – Conselho Federal de Psicologia

CNS – Conselho Nacional de Saúde

CODAM – Coordenadoria de Políticas para Mulher

COGEPS – Coordenação da Gestão de Programas Sociais do Governo do Estado

CVSP – Centro de Voluntariado de São Paulo

DAWN – Alternativas de Desenvolvimento das Mulheres da Nova Era

FUCMT – Faculdade Unidas Católicas de Mato Grosso

GEAV – Grupo de Estudos da Ação Voluntária

IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ISER – Instituto Superior de Estudos da Religião

ISSP – International Survey Programme

LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social

ONGs – Organizações Não-Governamentais

ONU – Organização das Nações Unidas

PBE – Programa Bolsa-Escola

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PEA – População Economicamente Ativa

PIS – Programa de Inclusão Social

PLANFOR – Plano Nacional de Qualificação Profissional

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

PSA – Programa de Segurança Alimentar e Nutricional

SESC – Serviço Social do Comércio

SESI – Serviço Social da Indústria

SETASS – Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência Social e Economia

Solidária

SNPM – Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres

UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Mapeamento sobre composição da força de trabalho na área social ................56

QUADRO 2 - Realização das Oficinas sobre os sentidos do trabalho social ..........................70

QUADRO 3 - Categorização do Trabalho Social como ajuda.................................................85

QUADRO 4 - Categorização do trabalho social como direitos e transformação social ..........92

QUADRO 5 - Categorização do Trabalho Social como ajuda.................................................99

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15

2 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................................. 21

2.1 PSICOLOGIA SOCIAL EM DIÁLOGO ..................................................................... 22

2.1.1 A perspectiva construcionista em Psicologia Social ......................................... 22

2.1.1.1 Dialogando com a Psicologia Social Discursiva ................................ 24

2.1.1.2 A centralidade na linguagem em uso .................................................. 26

2.1.2 Dialogando com o conceito de gênero .............................................................. 29

2.1.2.1 Os diferentes usos do conceito de gênero ........................................... 30

2.1.2.2 Gênero e Psicologia Social: formações identitárias e

posicionamentos.................................................................................. 32

2.2 A CONSTRUÇÃO DO CAMPO-TEMA GÊNERO E TRABALHO SOCIAL .......... 35

2.2.1 As matrizes do trabalho social........................................................................... 37

2.2.1.1 O trabalho social na América Latina e Brasil ..................................... 40

2.2.1.2 Engendrando novas práticas sociais.................................................... 43

2.2.2 Gênero e trabalho social: a produção do viver .................................................. 47

2.2.2.1 Divisão sexual do trabalho .................................................................. 49

2.2.2.2 Ideologia da domesticidade................................................................. 50

2.2.2.3 Gênero e empoderamento ................................................................... 51

2.2.2.4 Estratégias de empoderamento............................................................ 53

2.2.3 Transversalidade em gênero .............................................................................. 54

2.2.3.1 Transversalidade em gênero e trabalho social .................................... 55

3 CAMINHOS DA PESQUISA ........................................................................................... 59

3.1 OBJETIVOS ................................................................................................................. 60

3.1.1 Objetivo geral.................................................................................................... 60

3.1.2 Objetivos específicos ......................................................................................... 60

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3.2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS, METODOLÓGICAS E

EPISTEMOLÓGICAS.................................................................................................. 61

3.2.1 Implicações éticas da pesquisa .......................................................................... 63

3.3 OFICINA COMO INSTRUMENTO DE PESQUISA PSICOSSOCIAL .................... 64

3.4 ESTUDO DE CASO : O PROGRAMA DE INCLUSÃO SOCIAL ........................... 66

3.4.1 Apresentando o Programa de Inclusão Social................................................... 67

3.5 PARTICIPANTES DA PESQUISA: TRABALHADORES(AS) SOCIAIS................ 68

3.6 PROCEDIMENTOS DE COLETA: OFICINAS TEMÁTICAS ................................. 69

3.7 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE............................................................................. 71

4 RESULTADOS: SÍNTESE DA SISTEMATIZAÇÃO DAS OFICINAS ..................... 73

4.1 PERFIL DOS PARTICIPANTES................................................................................. 74

4.2 SISTEMATIZAÇÃO DE REPERTÓRIOS ASSOCIADOS À PALAVRA

SOCIAL ........................................................................................................................ 75

4.2.1 Das vivências de situações importantes do trabalho social............................... 77

4.3 OS SENTIDOS DO TRABALHO SOCIAL E AS FORMAS DE

EMPODERAMENTO .................................................................................................. 78

5 DISCUSSÃO TEMÁTICA: OS SENTIDOS DO TRABALHO SOCIAL.................... 81

5.1 TRABALHO SOCIAL COMO AJUDA ...................................................................... 82

5.1.1 Repertórios que expressam ajuda social............................................................ 82

5.1.2 Categorização do Trabalho Social como ajuda ................................................. 84

5.1.3 Trabalho Social como ajuda: sentidos em destaque .......................................... 86

5.1.3.1 A ajuda ao doente, ao enfermo ............................................................ 86

5.1.3.2 Doar ao próximo pela caridade religiosa ............................................ 88

5.2 TRABALHO SOCIAL COMO PROMOTOR DE DIREITO E

TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ................................................................................... 89

5.2.1 Repertórios que expressam direitos e transformação social.............................. 90

5.2.2 Caracterização do Trabalho Social como portador de Direitos e

Transformação Social........................................................................................ 92

5.2.3 Trabalho Social como promotor de Direitos e Transformação Social:

sentidos em destaque ......................................................................................... 93

5.2.3.1 Conscientização .................................................................................. 94

5.2.3.2 Acesso à educação .............................................................................. 95

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5.3 TRABALHO SOCIAL COMO MERCADO PROFISSIONAL E GESTÃO

SOCIAL ........................................................................................................................ 97

5.3.1 Repertórios associadas ao Mercado Profissional e Gestão Social..................... 98

5.3.2 Categorização do trabalho social como Mercado Profissional e Gestão

Social................................................................................................................. 99

5.3.3 Trabalho Social como Mercado Profissional: sentidos em destaque .............. 100

5.4 TRABALHO SOCIAL COMO ESTRATÉGIA POLÍTICO-ELEITORAL E

ASSISTENCIALISTA................................................................................................ 101

5.5 SENTIDOS TRANSVERSAIS DO TRABALHO SOCIAL: UMA

PERSPECTIVA DE GÊNERO................................................................................... 104

5.5.1 Afeto como instrumento de trabalho ............................................................... 104

5.5.2 Desapego financeiro no trabalho social........................................................... 107

5.5.3 A não profissionalização do trabalho social.................................................... 110

5.6 ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO DOS TRABALHADORES

SOCIAIS ..................................................................................................................... 113

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 116

REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 121

APÊNDICES ......................................................................................................................... 130

ANEXOS ................................................................................................................................ 183

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1 INTRODUÇÃO

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Este projeto de pesquisa insere-se no âmbito do Laboratório de Psicologia da Saúde,

Cultura e Sociedade, do Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Católica Dom

Bosco. Como proposta, alinha-se a estudos voltados à promoção da eqüidade das relações de

gênero e trabalho social, partindo do pressuposto de que as desigualdades são frutos de

construções sociais.

Um dos desafios das políticas públicas atuais tem sido a inclusão social de parcela

significativa da população brasileira, expressa na criação de vários programas, ações e

serviços. Como psicóloga que há 20 anos optou em atuar na área social, me sinto instigada a

estudar os sentidos desse trabalho, que tem envolvido um grande contingente de

trabalhadores.

Posiciono-me, portanto, a partir de uma mulher que vivenciou intensamente essa

opção, participando de grupos e movimentos de mulheres, como dirigente de organização

não-governamental e assessora de políticas públicas. Desse trabalho, destaco a realização de

projetos de intervenção nas áreas de trabalho da mulher e geração de renda, capacitação para

inserção da perspectiva de gênero em políticas públicas, desenvolvimento comunitário,

programas de prevenção em saúde, além de estudos e pesquisas, diagnósticos e mapeamentos

de problemáticas relevantes para a sociedade brasileira.

Nessa trajetória, o conceito de gênero e a vertente feminista têm sido vitais para minha

compreensão e superarão de questões metodológicas e epistemológicas em ciência. Entendo a

produção de conhecimento como uma empreitada social situada, referindo-se aqui a Haraway

(1995), ressaltando que essa compreensão possibilita revigorar as teorias e os métodos das

tradições disciplinares, particularmente da Psicologia Social.

Partindo desse contexto, delineou-se o objetivo geral da pesquisa realizada para esta

dissertação, que foi “compreender” os “sentidos” atribuídos ao trabalho social, considerando

as relações de gênero, na perspectiva de profissionais que atuam no Programa de Inclusão

Social (PIS), do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, na gestão 2003-2006, programa

este eleito como estudo de caso nesta pesquisa. Buscou-se, ainda, problematizar a noção de

“empoderamento” e trabalho social, visando à formulação de políticas públicas e de novas

agendas para os movimentos sociais.

O delineamento metodológico da pesquisa pautou-se por princípios do método

qualitativo, orientado pela abordagem teórico-metodológica de Práticas Discursivas e

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Produção de Sentidos no Cotidiano, conforme proposta de Spink, M. (2004a), que se alinha a

pressupostos do construcionismo social, a processos de produção de conhecimento e à prática

em pesquisa.

O uso da abordagem de gênero é necessário, não somente pelo fato de as mulheres

serem maioria numérica no trabalho social, tampouco por este ser um trabalho, na maioria das

vezes, reconhecido como “naturalmente” feminino, mas como um instrumental de análise das

relações sociais que possibilita problematizar as relações de poder, nesse caso, as relações

desiguais de gênero no campo do trabalho.

Nessa perspectiva, estabeleceu-se uma interseção entre a Psicologia Social e as teorias

de gênero, adotando a perspectiva do construcionismo social em pesquisa, por acreditar ser a

que melhor compreende e dialoga com o campo transdisciplinar de gênero e valoriza a

linguagem em uso, conforme postula a abordagem de produção de sentidos (SPINK, M.,

2004a), com a qual se estabeleceu uma fértil interlocução.

Após a defesa da dissertação, os resultados serão divulgados aos integrantes do

programa e a outras pessoas interessadas, tanto na gestão de políticas públicas como na

transformação das práticas cotidianas do trabalho social.

No exercício de uma prática profissional comprometida com a transformação das

condições de vida da parcela da população “excluída” socialmente, acredito que a maior

contribuição deste estudo foi gerar subsídios para a construção de estratégias de

empoderamento dessa população, visando à transformação das relações desiguais de gênero

no campo do trabalho.

No campo macrossocial, esta pesquisa poderá contribuir com um novo olhar para o

projeto político emancipatório das mulheres na modernidade tardia, desconstruindo mitos e

representações cristalizadas sobre as idealizações dos espaços e posições de poder, já

conquistadas pelas mulheres no mundo público.

No universo do trabalho, nota-se um considerável crescimento da participação das

mulheres na População Economicamente Ativa (PEA), que dobrou nos últimos 30 anos de

21% em 1970 para 44% em 2002 (YANNOULAS, 2002). As mulheres estão presentes em

redutos até então considerados exclusivamente masculinos.

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Entretanto, uma análise um pouco mais apurada dessa integração no mercado de

trabalho formal tem apontado para as discriminações salariais; a média de ganho das mulheres

ainda é de 40% menor do que o salário dos homens. No que se refere à caracterização

ocupacional, 50% das mulheres se encontram em ocupações consideradas como femininas

(YANNOULAS, 2002).

Acreditou-se que os fatores fundamentais de desigualdades de gênero no trabalho não

estão somente demonstrados nos indicadores oficiais de renda e ocupação, mas estão

presentes também no domínio do psicológico, da produção de sentidos e das relações de

gênero nas práticas cotidianas. Hirata e Maruani (2003) reconhecem a existência de um

deslocamento das fronteiras do masculino e feminino, mas que ainda deixa intacta a

hierarquia social que confere superioridade ao masculino sobre o feminino.

Os(as) participantes desta pesquisa são trabalhadores sociais – mulheres e homens –

que estão envolvidos em atividades da produção social da vida humana, com suas

características essenciais de envolvimento dos afetos, carinho, segurança psicológica e criação

de rede de laços humanos.

O trabalho social, apesar de fundamental para a manutenção da vida humana, não tem

tido o reconhecimento social e político correspondente a sua função social e, também, como

tema de pesquisa ainda está ausente em grande parte das abordagens econômicas e

psicossociais.

No Brasil, algumas políticas sociais estão organizadas em programas de abrangência

nacional, que congregam milhões de trabalhadores, com a responsabilidade de reverter as

condições de pobreza em que vive grande parcela da população.

Ao problematizar como as relações de gênero são constituintes desse processo e

entender quais são as motivações e as valorações de trabalhadores sociais aí implicados,

buscou-se contribuir com uma parcela significativa da população envolvida nessas atividades

de produção da vida humana.

No campo microssocial encontra-se o maior desafio: entender a produção de sentidos

do trabalho social, em uma perspectiva de gênero, problematizando as formas de atribuição de

valor e as estratégias de empoderamento dos(as) trabalhadores(as) sociais.

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O argumento é que se pode refletir criticamente sobre as “novas” formas de

desigualdades de gênero, em que a subordinação da mulher seja talvez não mais somente em

relação ao “homem”, mas em relação ao trabalho, um dos ícones da emancipação feminina do

projeto da modernidade tardia, apoiando-se aqui nas reflexões de Beck (2000) sobre os

diferentes períodos da modernidade.

O texto desta dissertação está organizado em seis capítulos construídos ao longo da

pesquisa. Iniciou-se com uma introdução, situando tanto a problemática da pesquisa e sua

relevância social como o posicionamento epistemológico da pesquisadora.

No capítulo dois, Psicologia Social em diálogo, discute-se a perspectiva do

construcionismo social, abordando a Psicologia Social Discursiva e a centralidade da

linguagem em uso, que orientaram o delineamento teórico-metodológico da pesquisa.

Estabeleceu-se, ainda, um diálogo com o conceito de gênero e os seus diferentes usos,

estabelecendo uma interseção com a Psicologia Social, particularmente em sua dimensão de

formações identitárias e posicionamentos de pessoa.

Ainda no capítulo dois, Construção do campo-tema: gênero e trabalho social,

apresenta-se o campo-tema em que a pesquisa está localizada. Esboça-se um breve histórico

das matrizes do trabalho social e as novas práticas sociais por ele engendradas. No que

concerne à área de gênero, centralizou-se a discussão no debate atual da produção da vida e

das teorias econômicas feministas de trabalho. Traz a noção de “empoderamento” como

projeto político para compreender as estratégias dos(as) trabalhadores(as) sociais, visando à

superação das dificuldades enfrentadas no cotidiano do trabalho. Para finalizar esse capítulo,

aponta-se a importância de considerar a transversalidade de gênero como instrumento de

análise do trabalho social, problematizando a naturalização de características femininas desse

trabalho.

Os Caminhos da pesquisa são descritos no capítulo três, em que são informados os

procedimentos metodológicos, epistemológicos e éticos, adotados na pesquisa, por exemplo, a

opção de utilizar as oficinas temáticas como estratégia para a coleta de informações. Na

seqüência, é apresentado o Programa de Inclusão Social, que foi escolhido como estudo de

caso, os participantes da pesquisa (N=37) e os procedimentos de coleta e de análise do

material obtido com a realização das quatro oficinas.

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No capítulo quatro, apresentam-se os Resultados: síntese da sistematização das

oficinas, com o objetivo de explicitar o processo que permitiu chegar aos cinco sentidos-eixo

que foram atribuídos ao trabalho social e às possíveis formas de empoderamento.

Com a Discussão temática: os sentidos do trabalho social, no capítulo cinco,

apresentam-se, primeiramente, os repertórios lingüísticos que se destacaram na análise, a

categorização e os destaques dos sentidos atribuídos ao trabalho social. Na seqüência,

discutem-se os sentidos transversais em uma perspectiva de gênero e foram mapeadas as

estratégias de empoderamento utilizadas pelos(as) trabalhadores(as) sociais.

Para finalizar, no capítulo seis, Considerações finais, discutem-se as Contribuições da

Psicologia Social Construcionista, para uma nova compreensão de gênero no campo-tema

trabalho social, tecendo reflexões baseadas no processo de realização da pesquisa, da sua

metodologia e campo-tema, apontando contribuições para o que seria uma postura crítica da

Psicologia Social, a partir da perspectiva do construcionismo social e de gênero do trabalho

social.

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21

2 REFERENCIAL TEÓRICO

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22

2.1 PSICOLOGIA SOCIAL EM DIÁLOGO

A Psicologia Social, assim como toda a Psicologia, não é una e singular, são

Psicologias Sociais, que vão da tradição positivista e experimental da Psicologia Social

Científica, de influência norte-americana, às diferentes posturas críticas da Psicologia Social,

fruto da crise teórica e epistemológica denunciada pelos latinos americanos na década de

1970, que inclui a Psicologia Sócio Histórica com base no materialismo dialético (LANE,

1995; BOCK; FURTADO, 2005)1; algumas dimensões de estudos com a teoria das

representações sociais (FARR, 2002) e vertentes alinhadas à Psicologia discursiva e ao

construcionismo social (SPINK, M., 2004a; SPINK; SPINK, 2005).

2.1.1 A perspectiva construcionista em Psicologia Social

O Construcionismo Social, na verdade, não se refere a mais uma corrente da

Psicologia Social, e sim a uma perspectiva, a uma forma da pessoa compreender o mundo e a

si mesmo, em que se questionam e problematizam as idéias, os conceitos e as verdades

estabelecidas. Segundo Iñiguez (2002, p. 127), psicólogo social da Universidade Autônoma

de Barcelona, as características do conhecimento para o construcionismo:

[...].fazem com que qualquer princípio ou verdade pressuposta seja criticada, como dizia Foucault seja problematizada, buscando sua origem, seu processo, os efeitos que gera, a quem beneficia, a quem prejudica, por que aparece em determinado momento e não em outro.

Um outro postulado construcionista é o questionamento da universalidade do

conhecimento e do sujeito encontrada em discursos mais tradiciona is da Psicologia, que vem

sendo questionado por diversas correntes de cunho mais crítico da Psicologia Social. O

conhecimento nessa abordagem deve ser entendido como resultado de um processo histórico

particular, produzido no seio de uma cultura ou de um grupo cultural (IÑIGUEZ, 2002).

1 Costuma-se nomear de Psicologia Social Científica Americana a Psicologia de cunho experimental e

individualizante produzida na América do Norte, alvo das críticas da Crise de Relevância da Psicologia Social nas décadas de 1970-1980, desencadeada pelos psicólogos sociais latino-americanos.

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Na perspectiva construcionista, o conhecimento é um processo de construção coletiva,

em que as ações cotidianas, todos os intercâmbios do dia-dia, constróem a concepção de

mundo. Para o construcionismo social, todas as formas de interação social são importantes,

mas fundamentalmente a linguagem, tanto como forma de interacionismo e também como

parte constitutiva da realidade (IÑIGUEZ, 2002). Para esse autor, todas as condições do

mundo resultam da ação e negociação social, que pressupõem formas de relações distintas,

processos sociais e sociedades diferentes. Toda a construção social é, por sua vez,

determinante de certo tipo de ação humana. Ser construcionista significa refletir criticamente

sobre a gênese da Psicologia como disciplina científica e de seu papel na maneira do

indivíduo explicar e compreender o mundo. Nesse particular, o construcionismo social é uma

crítica profunda à Psicologia tradicional.

Segundo Spink e Spink (2005, p. 578), no estudo sobre a “Psicologia Social na

Atualidade”, essa postura crítica é auto-aplicável à própria perspectiva construcionista:

Há uma aceitação tácita de que, para não cair na cilada da hegemonia, é preciso aplicar também ao construcionismo as táticas da desconstrução, estratégia que alguns denominam “pós-construcionista” para se referir às opções que se abrem em conseqüência da própria abordagem construcionista.

Para Spink e Spink (2005, p. 579), nesse cenário, há uma aproximação com as teorias

feministas de última geração, como é o caso de Donna Haraway, Simians, cyborgs and women

(1991), e Judith Butler, Gender trouble: Feminism and subversion of identity (1990), que

resumem como um “[...] interessante diálogo em busca das possibilidades de desenvolver, no

âmbito da disciplina, uma ação política transformadora”.

Um ponto convergente desse diálogo situa-se na discussão epistemológica em que

Haraway (1995, p. 16) questiona a objetividade na ciência, afirmando que é preciso “[...] uma

rede de conexões para a Terra, incluída a capacidade parcial de produzir conhecimentos entre

comunidades muito diferentes -e- diferenciadas em termos de poder”.

Page 25: JACY CORRÊA CURADO final

24

Haraway (1995, p. 23) problematiza o relativismo em ciência, e propõe como

alternativa o que nomeia de saberes parciais, que são “[...] localizáveis, críticos, apoiados na

possibilidade de rede de conexão, chamadas de solidariedade em política e de conversas

compartilhadas em epistemologia”. A autora ainda reconhece estar na política e na

epistemologia das perspectivas parciais a possibilidade de uma avaliação crítica objetiva,

firme e racional de “fazer” ciência.

Em síntese, são com esses pressupostos teóricos e metodológicos que, no próximo

item, dá-se seqüência ao diálogo com a Psicologia Social, de cunho discursivo e

construcionista (SPINK, M., 2004a, 2004b).

2.1.1.1 Dialogando com a Psicologia Social Discursiva

Os estudos das Práticas Discursivas e da Produção de Sentidos no Cotidiano (SPINK,

M., 2004a) alinham-se a posturas do construcionismo social, inserindo-se nas mudanças que

vêm ocorrendo desde o século passado na Filosofia e em várias disciplinas das ciências

humanas e sociais, que deram maior centralidade ao papel desempenhado pela linguagem,

tanto nos próprios projetos dessas disciplinas, como na constituição dos fenômenos que

pesquisam. Essas mudanças de foco, segundo Ibáñez-Gracia (2004), podem ser agrupadas no

movimento que o autor designa como “Giro Lingüístico”. O giro lingüístico

[...] contribuiu para que fossem esboçados novos conceitos sobre a natureza do conhecimento, seja ele o do sentido comum ou o científico, para permitir que surgissem novos significados para aquilo que se costuma entender pelo termo “realidade” tanto “social” ou “cultural” quanto “natural” ou “física” – e a desenhar novas modalidades de investigação proporcionando outro contexto teórico e outros enfoques metodológicos [...] o “giro lingüístico modificou a própria concepção da natureza da linguagem” (IBÁÑEZ-GRACIA, 2004, p. 19-20).

A influência da linguagem também se fez presente na Psicologia Social de inúmeras

maneiras, constituindo uma categoria importante na compreensão dos aspectos socioculturais

e na compreensão da construção de identidades que se manifestam em posicionamentos

pautados pela multiplicidade. Porém, se concentram nos estudos da produção de sentidos a

partir da análise de práticas discursivas do cotidiano (SPINK, M., 2004a).

Page 26: JACY CORRÊA CURADO final

25

Os processos de produção de sentidos, segundo Spink e Medrado (2004, p. 41) são

compreendidos como construções sociais, como empreendimentos coletivos e, portanto,

interativos, por meio dos quais as pessoas, “na dinâmica das relações sociais, historicamente

datadas e culturalmente localizadas, constroem os termos a partir dos quais compreendem e

lidam com as situações a sua volta”. Ou seja, produzir sentidos são as maneiras como as

pessoas se posicionam e são posicionadas nas situações cotidianas; é uma prática social que

faz parte de nossa condição humana. Nessa perspectiva, Spink e Menegon (2004, p. 63)

afirmam que “[...] desenvolvemos essa atividade nas relações que compõem o nosso

cotidiano, o qual por sua vez é atravessado por práticas discursivas construídas a partir de

uma multiplicidade de vozes”.

A expressão dar sentido ao mundo, porém, segundo Spink e Frezza (2004 p.18), nem

sempre fez parte do campo de conhecimento da Psicologia Social, compreendida como uma

disciplina formal. O familiar nesse campo centrava-se nos estudos sobre percepção, atitudes,

cognição, interação e “[...] até mesmo na força do grupo em direção à conformidade, uma

espécie de tendência central operando socialmente em direção à média”.

Essa concepção atendia ao projeto de uma Psicologia científica em que o

comportamento deveria ser entendido pelo método experimental, que pressupõe a

generalização dos resultados de forma universal, sendo a produção de sentidos da vida

cotidiana vista como suspeita (SPINK; FREZZA, 2004). A tradição positivista da Psicologia

Social passou por uma crise, ou uma virada metodológica, “[...] sair do laboratório, implicava

acatar a visão do outro, o que levou a uma revalorização do estudo dos processos sociais [...]

sobre o conhecimento do senso comum” (SPINK; FREZZA, 2004, p. 21).

Segundo as autoras, contribuíram para essa virada, Erving Goffman, Stigma (1981),

com sua Psicologia Social Sociológica, e Serge Moscovici, A psicanálise, suas imagens e seu

público (2001), em seu estudo inicial das Representações Sociais e a Psicanálise. No Brasil,

psicólogos sociais liderados por Lane (1995) juntam-se às críticas de naturalização e

despolitização da disciplina, abrindo novos caminhos e temas, trazendo para a cena novos

atores sociais nos estudos e nas pesquisas produzidas no contexto latino-americano.

Porém, para Harré (1993 apud SPINK; FREZZA, 2004, p. 23) ainda há na Psicologia

Social duas fontes de conservadorismo: uma decorrente da falta de reflexão filosófica entre os

psicólogos, e outra, cultural, que ele atribui à “[...] longa hegemonia norte americana na

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26

psicologia acadêmica, a qual tem exercido uma pressão continua no sentido da incorporação

do individualismo e do cientificismo na Psicologia Social e, como conseqüência, a resistência

a inovações”.

A Psicologia Social Discursiva, segundo Spink e Spink (2005), pode ser considerada

uma porta-voz da Psicologia crítica, pois eles entendem como uma frente ampla de

argumentos e práticas provenientes de matrizes teóricas distintas e atuantes em contextos

sociais variados. Entre os múltiplos usos da Psicologia crítica, os autores apontam as posturas

construcionistas ou pós-contrucionistas, a afirmação do caráter histórico dos fenômenos

sociais, o compromisso com a transformação social, uma postura holística e transdisciplinar

diante da ciência positivista, entre outros aspectos relativos à postura ética e ao caráter

político das práticas científicas.

Em relação às análises de discursos na Psicologia Social brasileira, os autores

consideram que elas tendem a ser produções híbridas, buscando conexões com diversas fontes

teóricas e metodológicas, como serão discutidas a seguir.

2.1.1.2 A centralidade na linguagem em uso

Compreendida como uma prática social, a linguagem em uso é a forma como a

Psicologia Social Crítica e de cunho discursivo tem pautado as suas análises sobre a

construção dos processos sociais. Para a Psicologia Social, portanto, a centralidade na

linguagem decorre do interesse nas inter-relações sociais. Adotar essa opção, segundo Spink,

(2004b) implica considerar a interface entre os aspectos perfomáticos da linguagem e das

condições de produção, dando ênfase aos contextos dos campos relacionais.

No entanto, para Spink e Frezza (2004, p. 35), o que mais interessa nesse enfoque, da

linguagem em uso “[...] são as tramas e repercussões no âmbito das ciências humanas

diferenciando-se, assim, de outras formas de abordagens lingüísticas”.

Partilha-se aqui o conceito de discurso de Davies e Harré (1990, p. 3) como sendo um

processo público e multifacetado, por meio do qual os sentidos são alcançados de forma

progressiva e dinâmica, o que leva ao pressuposto de que “[...] conhecer alguma coisa é

conhecer em termos de um ou mais discursos”.

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27

Nas discussões teóricas e metodológicas sobre a análise de material discursivo, por

razões pragmáticas, por vezes, busca-se distinguir o material produzido nas relações face-a-

face, como sendo práticas discursivas e o uso mais institucionalizado da linguagem quando se

trata de formas típicas de certos domínios de saber, Medicina, Psicologia, Religião,

etc.(SPINK, 2004b). Essa posição permite a autora distinguir “entre a análise de material

interativo e a análise de documentos de domínio público”, entretanto, afirma que,

Embora tenhamos procurado fazer tais distinções (entre práticas discursivas e discurso, entre comunicação face-a-face e documentos de domínio público), temos consciência de que se trata de distinções didáticas; distinções feitas pragmaticamente. Nesse momento, é assim que estamos conseguindo lidar com a diferença que percebemos em nosso material textual. Mas reconhecemos que as coisas podem mudar à medida que o próprio referencial amadurece; daqui há cinco anos poderemos dizer: não, não existe discurso, só existem práticas discursivas (Spink, 2004b, p. 41).

Para Spink (2004b), as práticas discursivas são as maneiras pelas quais as pessoas

explicam, compreendem e dão sentido ao mundo e a si mesmas. As práticas discursivas têm

como elementos constitutivos: a dinâmica (finalidade, endereçamento e a dialogia, dada por

vozes presentes ou ausentes); os gêneros de fala, speech genre, (caracterizados por temas e

formas - situações típicas de enunciação) e os conteúdos, caracterizados pelos repertórios

lingüísticos interpretativos, que formatam as diferentes materialidades discursivas, sejam elas

de face-a-face, sejam elas materiais discursivas mais cristalizados.

O poder também pode ser compreendido, conforme propõe Spink e Frezza (2004),

pelos discursos emanados de diversas esferas do saber, tão bem demonstrados pelas análises

de discurso na obra de Michel Foucault2, As palavras e as coisas (1987), e no esforço

desconstrucionista do texto de Jacques Derrida, Pensar a desconstrução (2005).

Segundo Spink e Frezza (2004), a proposta da Psicologia Social Discursiva tem em

Jonathan Potter, Representing reality (1996), e Ian Parker, The Crisis in Modern Social

Psychology – and how to end it (1989), seus principais teóricos – Parker, um pós-

estruturalista, que procura entender como a personalidade, as atitudes e o preconceito, que

considera objetos de discurso, são construídos no discurso e como as práticas discursivas

constroem os sujeitos, ou seja, a experiência de quando o indivíduo fala e ouve os outros

falarem sobre ele. Os discursos, portanto, são práticas que definem os objetos, mas, quando o

2 Segundo Spink e Frezza (2004), as análises de discurso de M. Foucault se encontram nas suas obras como a

História da loucura (1978), Nascimento da clínica (1977) e Palavras e as coisas (1987).

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28

olhar foucaultiano é introduzido, o foco não está apenas na maneira como diferentes objetos

são construídos por discursos, porém, também, como os sujeitos são constituídos nessas

práticas (SPINK; SPINK, 2005).

Um dos componentes fundamentais da Psicologia Social Discursiva é a noção de

repertórios interpretativos, ou seja, um conjunto de termos, descrições, lugares comuns e

figuras de linguagem, usadas em construções gramaticais e estilísticas específicas, dando

ênfase ao uso cotidiano da linguagem (SPINK; MEDRADO, 2004). Para Spink (2004b, p.

42), “ao trabalhar com práticas discursivas não estamos procurando estruturas ou formas

usuais de associar conteúdos. Partimos do pressuposto que esse conteúdos associam-se de

uma forma em determinados contextos, e de outras formas em outros contextos. Os sentidos

são fluídos e contextuais”. A partir dessa compreensão, talvez possamos deliniar uma

diferença com a forma de que a teoria das representações sociais trabalha com os conteúdos,

isto é, os repertórios lingüísticos são compreendidos como conteúdos fluídos e flexíveis,

sujeitos a alterações contextuais, enquanto que, em geral, as representações sociais trabalham

com os conteúdos em uma perspectiva mais estrutural.

Na visão de Potter e Wetherell (1987 apud SPINK; MEDRADO, 2004, p. 47), os

repertórios linguísticos são como “[...] dispositivos lingüísticos utilizados para construir

versões das ações, eventos e outros fenômenos que estão a nossa volta”. Para esta pesquisa,

esse conceito será útil para entender

[...] a variabilidade usualmente encontrada nas comunicações cotidianas, quando repertórios próprios de discursos diversos são combinados de formas pouco usuais, obedecendo a uma linha de argumentação, mas gerando frequentemente, contradições (SPINK; MEDRADO, 2004, p. 48).

Assim, assinalam-se as práticas discursivas como foco central de análise na

abordagem construcionista, que implicam ações, seleções, escolhas, linguagens, contextos,

enfim uma variedade de produções sociais das quais são expressão, constituindo um caminho

privilegiado para entender a produção de sentidos no cotidiano (SPINK, M., 2004a).

Um outro aspecto importante aqui utilizado para estudar os processos de produção de

sentidos é a noção de materialidades, conforme proposta de Hacking (2000), e que, segundo

Menegon (2006, p. 72), atende à necessidade de “[...] descompactar o termo social, chamando

a atenção para as materialidades dos aspectos que compõem as redes sociais”, que são

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29

compostas de falas, textos, imagens, corpos, instituições, organizações e outros aparatos

humanos e não-humanos que compõem os campos relacionais. No que diz respeito às

materialidades do cenário social, é que

[...] a compreensão da linguagem como prática discursiva, em que se ressalta seu papel nas práticas e relações sociais, além de agregar sentidos de ação e movimento ao uso da linguagem, talvez possa ser vista como uma aproximação à presença da materialidade nas relações (MENEGON, 2006, p. 72).

Em síntese, aborda-se o campo do trabalho social utilizando uma perspectiva da

Psicologia Social que é crítica, em que se postula que a produção de sentidos assume uma

força poderosa e inevitável da vida em sociedade, buscando entender como se dão sentidos

aos eventos do cotidiano, abrindo novos horizontes, buscando novos conceitos, métodos,

reflexões metodológicas, teorias e categorias, que expressam diferentes compreensões de

mundo.

Na perspectiva socioconstrucionista, reconhecer as desigualdades nas relações de

gênero é fundamental para o entendimento dos sentidos atribuídos ao trabalho social.

2.1.2 Dialogando com o conceito de gênero

Este capítulo dialoga com o conceito de gênero e as teorias de trabalho da mulher. Ao

procurar compreender os sentidos atribuídos ao trabalho social, buscou-se inserir a dimensão

das relações de gênero por acreditar que essas são relações sexuadas, pois não existem

trabalho e trabalhador que não estejam engendrados em relações construídas socialmente. As

teorias de trabalho, por sua vez, não incorporam essa dimensão, por isso recorre-se às teorias

feministas que vêm sendo amplamente utilizadas em estudos e pesquisas sobre o trabalho da

mulher, como a divisão sexual do trabalho e o debate sobre produção da vida. Dessa forma,

dialoga-se com a dimensão das relações de gênero no âmbito microssocial, por meio da

discussão sobre formações identitárias, e macrossocial, com a produção recente sobre

economia feminista.

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30

2.1.2.1 Os diferentes usos do conceito de gênero

O conceito de gênero tem assumido a partir da década de 1990, status acadêmico no

Brasil, estando cada vez mais presente em estudos e pesquisas. Encontram-se diferentes usos

desse conceito, que se diferenciam de acordo com a concepção teórico-metodológica e

política, adotada pela pesquisa.

O uso desse conceito alinha-se à perspectiva do construcionismo social e aos

paradigmas de produção de conhecimento da modernidade tardia, ressaltando as implicações

éticas e políticas das relações de gênero.

Gênero, no seu uso mais recente é atribuído a uma construção de feministas

americanas que insistiam no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo.

Porém, é de uma autora inglesa a formulação de uma definição de gênero que influenciou

fortemente o uso deste conceito. Scott (1991, p. 14), em seu artigo Gênero: uma categoria útil

para análise histórica, argumenta que gênero “[...] é um elemento constitutivo de relações

sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é uma forma primeira de

significar as relações de poder”.

Nesse enquadre referencial, um dos principais usos do termo gênero refere-se a uma

construção social do feminino e do masculino. Isso implica a rejeição do biologicismo e

essencialismo normalmente expresso como sexo ou diferença sexual. Rejeitar o determinismo

biológico como análise das diferenças entre masculino e feminino implica questionar a

hipótese de que existe um feminino universal, que naturalmente se identifica pelo fato de ser

mulher, mãe e reprodutora.

Um outro aspecto importante da teoria de gênero é que pelo fato de ser uma

construção sócio-histórica, significa que não é imutável e que podem existir diferentes

sistemas de relações de gênero. O conceito oferece instrumental para que a análise seja de

caráter relacional, desconstrucionista e não determinista (SCOTT, 1991).

Há no conceito de Scott (1991), alguns pontos de diálogo com a Psicologia Social em

sua vertente do construcionismo social, particularmente sobre a importância da questão

simbólica, da linguagem e da formulação de poder. Essa autora afirma, que um dos objetivos

do conceito de gênero seria descobrir a amplitude dos papéis sexuais e do simbolismo sexual

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31

nas várias sociedades e épocas para compreender qual o seu sentido na manutenção da ordem

social vigente visando a sua transformação.

Ao descrever sobre os aspectos históricos da análise de gênero, a autora acata a

formulação de Rosaldo (1980 apud SCOTT, 1991, p. 14) assinalando que:

[...] temos que procurar não uma causalidade geral e universal, mas uma explicação significativa [...] me parece agora que o lugar das mulheres na vida social-humana não é diretamente o produto do que ela faz, mas do sentido que as suas atividades adquirem através da interação social concreta.

É no diálogo sobre a análise de gênero das identidades e desejos, por meio das teorias

pós-estruturalistas que a linguagem assume papel central no conceito de gênero de Scott

(1991, p. 9-10):

[...] a linguagem não designa unicamente palavras, mas os sistemas de significação, a ordem simbólica que antecedem o domínio da palavra propriamente dita, da leitura e da escrita [...]é através da linguagem que é construída a identidade de gênero.

A noção de que o poder social é unificado, coerente e centralizado é substituído pela

concepção foucaultiana 3 que entende o poder como constelações dispersas de relações

desiguais constituídas pelo discurso nos “campos” de força (SCOTT, 1991, p. 14).

Gênero, também, tem sido usado frequentemente como sinônimo de mulheres, com a

finalidade de se integrar na terminologia científica das ciências sociais e, por conseqüência,

dissociar-se da política. Nesse sentido, o conceito se despolitiza e deixa de lado o

compromisso histórico com a transformação das desigualdades de gênero. Por outro lado, o

termo tem sido utilizado para sugerir que uma informação sobre mulheres é necessariamente

informação sobre os homens, que um implica o estudo do outro (SCOTT, 1991).

Harding (1991), uma teórica feminista da modernidade tardia, traz à discussão a

diferença entre mulheres questionando a existência de uma mulher universal ou típica com

uma única razão legitimadora. Essa concepção de sujeito universalista é considerada

3 Michel Foucault, História da sexualidade I: a vontade de saber (1993). Rio de Janeiro: Graal, 1985.

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32

reducionista, pois tenta hegemonizar uma categoria de feminino e masculino como sendo a-

histórica, transcultural e não-dinâmica.

Destaca-se, ainda, que a categoria de mulheres que se torna hegemônica foi construída

a partir de uma mulher branca, ocidental e racional, trazida das teorias de sujeito da

modernidade, que o concebe como ser unitário, essencialmente não contraditório e, acima de

tudo, uma entidade racional. É esse sujeito cartesiano da modernidade que se tornou central

para toda a teoria ocidental (HOLLWAY, 1989).

Harding (1991) propõe que para se fazer a análise das diferenças deve se ter em mente

a compreensão de raça, de etnia e de gênero, buscando compreender esses elementos muito

mais em campos relacionais do que de forma estática. Raça, etnia e gênero não devem

designar nenhum ponto fixo de qualidade ou propriedades individuais, sociais e biológicas.

Nessa compreensão de mundo, a masculinidade é continuamente definida como não-

feminilidade, as pessoas de cor, pelas de não-cor. Assim, não se pode pensar o gênero

feminino sem relacioná- lo ao masculino, o que não significa que ao realizar estudos e

pesquisas sobre a categoria mulher não se possa assumir uma perspectiva de gênero como

referencial teórico e de análise.

2.1.2.2 Gênero e Psicologia Social: formações identitárias e posicionamentos

Dentre as disciplinas tradicionais, a Psicologia tem sido uma das mais resistentes em

usar o conceito de gênero e a assumir o processo de desconstrução de suas próprias teorias,

como fez a História, a Economia, a Antropologia, a Sociologia, a Geografia, entre outras.

Como assinala Strey (2000, p. 181):

[...] dentro da Psicologia Social científica, os temas de gênero tinham pouca expressão e, no máximo, apareciam como sexo, indicando as diferenças encontradas entre homens e mulheres em experimentos de laboratório ou de campo.

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33

Ainda segundo Strey (2000, p. 194), para a Psicologia tradicional,

[...] as tentativas de olhar mais detidamente as mulheres e os homens têm sido mais frequentemente associadas com as diferenças sexuais [...] são discutidas se essas diferenças são biológicas ou fruto de práticas de socialização, mas quase sempre enfocadas no indivíduo como sendo a fonte das mesmas.

Para Nogueira (2001a), uma pesquisadora portuguesa que trabalha gênero a partir de

posturas do construcionismo social, as abordagens psicológicas sobre o gênero são permeadas

pelos próprios paradigmas da Psicologia, e são relativas ao desenvolvimento histórico da

teorização científica social sobre o gênero inseridas em um contexto histórico, político e

social.

Uma das abordagens, a essencialista, influenciou fortemente o conceito de gênero na

Psicologia na primeira metade do século XX, sugerindo que as diferenças sexuais são inatas e

entendidas como um fenômeno estável, bipolar, de caráter eminentemente determinista

(NOGUEIRA, 2001b).

Por outro lado, segundo a autora, a abordagem da socialização, que dominou a

Psicologia Social durante as décadas de 1960 e 1970, muda o foco das diferenças biológicas, e

o conceito de gênero passa a ser concebido, não como inato, mas como resultado de forças

sociais e culturais, aprendido por intermédio dos processos de modelagem e imitação. A

masculinidade e a feminilidade passam a ser características socialmente aprendidas pelo

desenvolvimento cognitivo e emocional (NOGUEIRA, 2001b).

Todavia, é importante ressaltar que para a abordagem da socialização, gênero continua

sendo concebido em termos de diferença dicotômica, como algo específico e persistente ao

longo do ciclo da vida.

A terceira perspectiva, que é uma alternativa a esse dualismo do essencialismo e da

socialização, avança ao desafiar os pressupostos do empiricismo e das teorias de posição do

tipo standpoint, tendo em vista o seu questionamento e sua recusa em compactuar com

discursos universalizantes e generalizáveis sobre a mulher ou todas as mulheres

(NOGUEIRA, 2001b).

Assim, a abordagem do construcionismo social traz suas contribuições, primeiramente

quando diz que não são “identidades individuais” que são construídas, e sim uma fo rma de

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34

dar sentido às relações sociais. E principalmente como esses processos sociais são construídos

pelo uso da linguagem.

A questão da linguagem no entendimento das relações de gênero é fundamental na

abordagem construcionista, pois os sentidos atribuídos às relações de gênero estão

intrinsecamente relacionados com o repertório lingüístico de cada grupo social e não somente

as suas condições materiais.

Louro (1996) comenta a tese do filósofo francês Jacques Derrida, de que o pensamento

ocidental vem operando sobre a base de princípios fundantes, expressos pela ordenação ou

hierarquização de pares opostos. Mesmo reconhecendo as dificuldades em abandonar essa

lógica e o jogo das dicotomias, afirma que tais princípios possam ser desconstruídos.

A proposta da desconstrução seria

[...] desmontar a lógica dos sistemas tradicionais de pensamento, demonstrando que cada termo feminino e masculino estão presentes um no outro, bem como evidenciar que as oposições são histórica e linguisticamente construídas (LOURO, 1996, p. 9).

Confirmando essa posição, Scott (1991) discute a necessidade de se rejeitar o caráter

fixo e permanente da oposição binária, e propõe a historicização e desconstrução do termo

diferença sexual.

Na Psicologia Social Discursiva, Davies e Harré (1990) desenvolvem a noção de

“posicionamento” como uma contribuição ao debate sobre a Psicologia da pessoa.

Posicionamento é utilizado como um “[...] processo discursivo por meio do qual os selves são

situados nas conversações como participantes observáveis e subjetivamente coerentes em

linhas de história conjuntamente produzidas” (DAVIES; HARRÉ, 1990, p. 5). A relevância

desse conceito para a Psicologia Social é que ele possibilita dirigir a atenção para um processo

mais dinâmico e flexível na compreensão das formações identitárias.

Esses posicionamentos são compartilhados com a perspectiva construcionista de

gênero, que é concebido não como uma questão de identidades individuais, unitárias e

consistentes de homem e mulher, mas como conceitua Wetherell (1997 apud NOGUEIRA,

2001b, p. 147), gênero desenvolve-se mediante peças de discursos, organizadas em um

sistema de significados que estão disponíveis aos indivíduos para darem sentido às suas

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35

posições, que historicamente são reconhecidos com respostas femininas e masculinas.

Na abordagem construcionista social, gênero é

[...] uma invenção das sociedades humanas, uma “peça de imaginação” com facetas multifacetadas, tais como construir adultos, homens e mulheres desde a infância, construir os “arranjos sociais” que sustêm as diferenças nas coincidências de homens e mulheres, tais como a divisão das esferas da vida (privado/ publico) e a criação de significado, isto é, criar as estruturas lingüísticas que modelam e disciplinam a nossa imaginação (HARE; MUSTIN; MARECEK, 1990 apud NOGUEIRA, 2001a, p. 216).

O conceito construcionista de gênero ajuda a reconciliar os resultados empíricos de

que mulheres e homens são mais similares que diferentes, na maioria dos traços e

competências. “Poder-se-ia, então, imaginar que a simples mudança na forma como homens e

mulheres fazem o gênero poderia ser o caminho para a transformação” (NOGUEIRA, 2001b,

p. 148).

2.2 A CONSTRUÇÃO DO CAMPO-TEMA GÊNERO E TRABALHO

SOCIAL

A proposta deste capítulo é situar o campo-tema desta pesquisa, cons iderando a

transversalidade das relações de gênero e de trabalho, uma vez que essas relações constituem

duas grandes dimensões da vida humana que perpassam diversos campos de conhecimento,

por isso consideradas como transversais. Ou seja, neste capítulo discute-se o campo em que

esta pesquisa se insere – Gênero e Trabalho Social.

Spink, P. (2002, p. 6) propõe que se compreenda a idéia de campo-tema como um

“complexo de redes de sentidos que se interconectam, é um espaço criado”. Ou seja, não se

trata de um “lugar específico, delineado, separado e distante” ou, como normalmente se

postula nos caminhos metodológicos, em que campo é sinônimo de um “lugar para fazer

observação”. Campo, para esse autor, “[...] é o argumento no qual estamos inseridos;

argumento este que têm múltiplas faces e materialidades, que acontecem em muitos lugares

diferentes”.

Partindo desse pressuposto, o campo-tema desta pesquisa é o trabalho social,

compreendido como um campo em construção, cujas redes complexas de sentidos incluem o

Page 37: JACY CORRÊA CURADO final

36

desenvolvimento político econômico e social de uma sociedade, as relações de gênero, raça,

idade, as diferentes práticas discursivas que são produzidas, reproduzidas ou ressignificadas, e

outras tantas materialidades que se configuram nas esferas micro e macrossociais. No que

concerne à área de gênero, centralizam-se as discussões no debate atual da produção da vida e

das teorias econômicas feministas de trabalho.

Gênero, nesse campo-tema é abordado como uma categoria de análise, não se

referindo somente ao fa to de este trabalho ser realizado em sua maioria por mulheres, ou seja,

concebido como um trabalho feminino. Como já discutido, gênero implica relações que

envolvem homens e mulheres, ou a dimensão feminino-masculino dos fenômenos sociais.

Um outro aspecto importante, é que a inserção da pesquisadora nesse campo-tema –

trabalho social e relações de gênero – é uma processualidade construída ao longo de 20 anos

como trabalhadora social e especialista em gênero, implicada neste debate não somente por

causa dos estudos e das pesquisas realizados, mas também pela vivência subjetiva como

profissional de Psicologia, que optou por trabalhar na área social.

Os estudos e pesquisas referidas inserem-se no campo de gênero, particularmente

sobre o trabalho da mulher, alinhados por, um lado, às metodologias de pesquisa-ação

participante e de mapeamentos e diagnósticos socioculturais. Por outro lado, inserem-se

também na arena de estudos acadêmicos, problematizando a relação mulher e trabalho, em

uma abordagem psicossocial, de base sócio-histórica respaldada pelas teorias feministas sobre

trabalho da mulher, por meio de métodos qualitativos de pesquisa.4

Configura-se, assim, uma convivência cotidiana da pesquisadora com o campo-tema

da pesquisa por meio de diversas territorialidades dos movimentos de mulheres, organização

de terceiro setor, redes, coletivos, Fóruns Nacionais e Internacionais, políticas públicas para

mulher, e formação acadêmica e profissional na área, enfocando questões de gênero, áreas de

4 Pesquisas, artigos e materiais educativos produzidos: “A análise das percepções das relações sociais de gênero

do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas”, Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), Rio de Janeiro, 2006-2007; “A Gender Analysis of Women’s Work Invisibility, Discrimination and Emancipation in Contemporary Brazil”, research paper, Master Women and Development, Haia, 1991; “Mulher, Trabalho e Subjetividade. O afeto ficou órfão? Monografia Pós-Graduação Psicologia Social, Faculdade Unidas Católicas de Mato Grosso (FUCMT), 1989; “Gênero, Trabalho e Geração de Renda”, material educativo, Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Mulher (CEPPM), 2000; “A Revolução do séc. XX sem as mulheres: a invisibilidade das relações de gênero, trabalho e geração de renda da mulher sul-mato-grossense”; artigo, 2000; “Gênero e Trabalho da Mulher” cartilha, 2006.

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trabalho, geração de renda, cidadania, inclusão social, violência, saúde, entre outras

problemáticas.5

Na seqüência, portanto, aborda-se brevemente a constituição do campo-tema na

perspectiva do construcionismo social.

2.2.1 As matrizes do trabalho social

Ao iniciar os estudos sobre trabalho social, me surpreendeu a densidade e abrangência

desse conceito, que é multifacetado, transdisciplinar e articula diversas dimensões da

sociedade. A noção de matriz aqui utilizado é de Hacking (2000), entendendo como ser o que

dá sustentação às idéias do que está sendo construído. Idéias essas que efetivamente acabam

por definir o objeto, e são subprodutos de uma matriz. Em uma matriz é preciso que exista um

conjunto de elementos, mas não é suficiente somente focalizar a evolução das idéias, mas

entender como essa idéia emerge na matriz de eventos que é sua condição de possibilidade

(SPINK, M., 2004a).

A expressão trabalho social, que vem sendo utilizada a partir dos anos de 1960, ainda

é objeto de fértil debate e de difícil conceituação. É de Verdès-Leroux (1986, p. 81), uma

pesquisadora francesa do trabalho social, que se extrai a definição que parece pertinente com

as reflexões sobre esse campo:

O trabalho social define-se como um serviço público: sua orientação é definida pelo Estado e a maior parte de seu financiamento é assegurado por fundos públicos. O setor privado desempenha, no entanto um papel muito importante na aplicação da política social. Têm-se ai, uma herança e uma utilização das contribuições do voluntariado (donativos, patrimônio, imobiliário, pessoal não assalariado assegurando atividades de gestão, etc.).

A noção de trabalho social é um fenômeno recente na história da humanidade, assim

5 Os projetos executados como coordenadora, consultora e assessora a partir do ano 2000 são os seguintes:

Programa “Mulheres em Ação”, Coordenadoria de Políticas para Mulher (CODAM), 2006; pós-graduação lato sensu “Gênero e Políticas Públicas”, Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)/Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SNPM)/CEPPM, 2006-2007; “Desenvolvendo a Sustentabilidade entre as Mulheres Quilombolas”, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Ministério de Desenvolvimento Agrário, 2003-2004. Programa “Gestores Sociais”, Agenda Social Rio, 2002; seminários: “Gênero, Trabalho da Mulher e Geração de Renda”, Plano Nacional de Qualificação Profissional (PLANFOR),

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como a própria invenção da questão social6. Porém, a sua herança é milenar, e remete às

raízes da atual sociedade. Castel (1999) realiza estudo sobre a constituição do social em que

descreve historicamente as suas metamorfoses, desde os primórdios da humanidade até o que

chama de estado moderno atual. 7 O fato de existir pobreza e exclusão social nem sempre foi

algo que incomodasse a sociedade, pois, segundo o autor, os andarilhos e as pessoas isoladas

representavam mesmo desde antes do ano mil uma constante paisagem, mas não significavam

fator de desestabilização e risco à manutenção da ordem social.

O pobre, o mendigo, o vagabundo, o mendicante, o miserável, o indigente são

identidades que vêm se transformando assim como as suas relações sociais. Para Castel

(1999), as primeiras formas do que considera práticas socioassistenciais eram regidas pelas

formas de sociabilidade primária e se davam pelas relações na família, na vizinhança, no

grupo etário e sexual mais próximo. Sociabilidade primária, assinala o autor, são sistemas de

regras que ligam diretamente os membros de um grupo a partir de seu pertencimento familiar,

da vizinhança, do trabalho e que tecem redes de interdependência, sem a mediação de

instituições específicas. Como exemplo de relação assistencial, é transcrito um trecho de um

documento da época utilizado para regular as relações entre senhores vassalos com os

carentes:

[...] vós deveis ajudar-me e sustentar-me, tanto para a alimentação quanto para o vestuário, à medida que puder vos servir e enquanto for merecedor. Durante todo o tempo que eu viver, vos deverei o serviço e a obediência que podem ser esperados de um homem livre, e não poderei subtrair-me ao vosso poder... “mas ao contrário, deverei permanecer todos os dias de minha vida sob vossa autoridade e proteção” (BOUTRUCHE, 1968 apud CASTEL 1999, p. 55).

Outro grande impacto na estruturação da assistência social na sociedade ocidental foi a

do cristianismo, desempenhando papel hegemônico durante toda a Idade Média.

Na Bíblia Sagrada, encontram-se inúmeras passagens que abordam as raízes do

trabalho social, sendo a mais conhecida “A Parábola do Bom Samaritano” (Lucas, cap. 10,

2001; “Agenda Social da Mulher em Assentamentos e Comunidades Indígenas”, CEPPM/Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência Social e Economia Solidária (SETASS), 2003.

6 Segundo Castel (1999), a questão social foi explicitamente nomeada como tal, pela primeira vez em 1830. 7 O autor diferencia societal como a qualificação geral das relações humanas enquanto se refere a todas as

formas de existência coletiva do “social”, como uma configuração específica de práticas que não se encontram em todas coletividades humanas.

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vers. 11). Nessa parábola, um mestre indaga Jesus sobre como conseguir a vida eterna,

questionando quem seria o “próximo” do mandamento, Jesus diz, “Ame o seu próximo como

ama a você mesmo”. Jesus, após contar a parábola, diz, “aquele que o socorreu”, se referindo

a um samaritano que cuida de um homem quase morto deixado em uma estrada (BÍBLIA,

1982).

A caridade constitui uma das principais virtudes cristã e a valorização da pobreza

concentrava-se em torno da vida religiosa e clerical, sendo reconhecida como meio para obter

a salvação e se aproximar do reino de Deus. A imagem da pobreza da pastoral cristã era a de

um magro, cego, chagado, freqüentemente coxo, pedindo esmola de porta em porta, à entrada

das igrejas. Nesse contexto, a localização privilegiada das práticas assistenciais eram os

conventos, hospitais, confrarias, paróquias que deveriam cuidar de seus pobres como um pai

de família por seus filhos. A Igreja consagrou-se como a principal instituição da gestão da

assistência social até meados do século XV. A passagem da assistência social cristã para

autoridades laicas se deu não como ruptura, mas como continuidade, apesar de resistências e

tensões entre a orientação cristã inspirada na caridade e a economia laica da assistência

comandada por exigências administrativas (CASTEL, 1999).

A influência do Estado na constituição da “questão social” data a partir do século

XVII e se consolida no século XIX, com o advento da Revolução Industrial e o acirramento

da exploração capitalista.

Em seu trabalho sobre as práticas, hábitos e ethos do trabalhador social francês

Verdès-Leroux (1986) divide dois grandes campos de intervenção: uma delas é exercida pelas

superintendentes das fábricas, constituindo o serviço social de empresas, com o intuito de

velar pelo bem-estar físico e moral, particularmente das novas operárias. As superintendentes

possuíam duas linhas como práticas discursivas: por um lado, o de pernicioso, nocivo,

decadência, tara, vício, devassidão degenerescência, e por outro, a correção, a decência, a

limpeza, a regeneração a recuperação e reabilitação moral.

Outra forma de intervenção, segundo Verdès-Leroux (1986), era por meio das

visitadoras sociais, que promoviam uma rede de proteção sanitária e social efetiva para

reintegração e readaptação dos seres anti-sociais. Competia às mulheres de elite a tentativa de

civilizar as classes populares que praticavam costumes ainda primitivos. A orientação para as

visitadoras sociais era a de ser a mais enérgica possível, e deveriam intervir em todos os

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domínios da administração doméstica como o orçamento doméstico, a higiene corporal, a

autoridade da mãe sobre os filhos e, “[...] se necessário, desdobrar os lençóis ou abrir o

armário” (VERDÈS-LEROUX, 1986, p. 33). Esta última maneira alinha-se às correntes

higienistas em saúde.

Para Faleiros (1997), os modelos assistenciais baseados na caridade e na ajuda

começavam a sofrer críticas mais contundentes, como a realizada por Marx, na Miséria da

Filosofia, em que compara a nova “Escola Filantrópica” à “Escola Humanitária”, buscando

remediar, ainda que pouco, os contrastes reais, aconselhando os operários a serem moderados.

2.2.1.1 O trabalho social na América Latina e Brasil

A questão social latino-americana se relaciona com a história da sua formação

socioeconômica, seus diferentes modelos de colonização e de desenvolvimento, assim como

com as suas transformações influenciadas pelas relações internacionais e contradições

internas. Segundo Faleiros (1997), a questão social pode ser formulada, atuando na

camuflagem e mascaramento das contradições do modo de produção capitalista ou na

diminuição desses antagonismos.

Reportando-se à assistência social a partir do século XVI, o século do descobrimento

do Brasil, a proteção social era parcial e direcionada aos velhos, às crianças, aos doentes e aos

pobres com base nas Leis das Índias (1500-1542), e na atribuição de favores em troca de

lealdade das classes dominantes, compostas de comerciantes, latifundiários e altos

funcionários do reino, que dividiam com a igreja a assistência social de uma forma religiosa e

moral, como doação caritativa e desinteressada. Segundo Faleiros (1997, p. 17),

[...] As instituições de assistência (patronatos e irmandades) estavam sob os auspícios da Igreja e prestavam ajuda “material e espiritual” aos seus sócios, em vida e na hora da morte, garantindo-lhes um lugar no cemitério da irmandade [...] que se discriminavam por classe social: dos escravos, comerciantes, senhores.

Com a Revolução Industrial no século XIX, as disfunções do capitalismo se tornaram

mais agudizantes, desenvolvendo as primeiras noções de justiça social, destacando-se as

idéias de igualdade de direitos e dos aspectos distributivos dos bens, sem que fosse afetada a

propriedade dos meios de produção.

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A questão social, segundo Faleiros (1997), ainda era enfocada como um problema de

ajuda do Estado (liberal) e contou com o aparato da Medicina na assistência médica às

doenças como meio de repressão e controle social. Vasconcelos (2002, p. 133) confirma a

posição crescente do poder médio da época, particularmente da Psiquiatria, que “[...] invade

todo o corpo social, todas as esferas da existência humana, numa revolução das práticas da

corporação psiquiátrica até então restritas aos hospícios”. Cunha (1986 apud

VASCONCELOS, 2002, p. 133), relata que na época se costumava pensar “[...] se a loucura

funciona com metáfora da desordem social, a psiquiatria, seu oposto, é a possibilidade da

ordem e da estabilidade”.

No Brasil, Costa, J. (1983, p. 15), em seu extenso estudo Ordem médica e a norma

familiar, ao retratar a educação higiênica no início do século XX, comenta que “[...] a norma

familiar produzida pela ordem médica solicita de forma constante a presença de interações

disciplinares por parte dos agentes de normalização”. Esse sistema era realizado pelos agentes

de controle educativo-terapêutico, que, despolitizando o cotidiano e abolindo do registro

simbólico “[...] o real adjetivo de classe [social] existente em todas estas lições de amor e sexo

dadas às famílias” (COSTA, J., 1983, p. 15), constituem os meios para a manutenção e

reprodução da ordem social burguesa.

Esse estudo demonstra que o desenvolvimento da Medicina, da assistência médica às

doenças levaram as classes dominantes a modificar sua estratégia perante a população, ainda

que prevalecesse na América Latina e no Brasil o assistencialismo controlado pela igreja

como a forma predominante de prática social.

Todavia, não só o higienismo tem sua marca nas práticas sociais, como também as

bases doutrinárias dos serviços sociais belga e francês que criam a assistência social para o

trabalhador, instaurando, assim, criando um poderoso binômio Saúde-Trabalho.

Somente em meados do século XX, segundo Faleiros (1997), por impacto da segunda

guerra mundial e a crescente industrialização é que se implanta na América Latina o Serviço

Social, criando-se as Escolas de Serviço Social, que se organizam em torno do binômio

trabalho e saúde da mão-de-obra. Para o autor, a Igreja, o Estado e o empresariado foram

constituindo os campos de trabalho do assistente social.

Registra-se, também, uma grande influência européia nas formações das Escolas de

Serviço Social (1925-1936), organizadas segundo binômio trabalho e saúde da mão-de-obra,

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predominando a prática de estudos de casos, sobretudo as tarefas de aconselhamento e de

consolo. O Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC) foram

criados nesse período pela idéia da “Paz Social” (FALEIROS, 1997).

Segundo Vasconcelos (2002), o Serviço Social Brasileiro possui uma herança no

movimento de higiene mental, e a principal idéia era de que a Medicina poderia tornar-se para

a sociedade um precioso meio de salvação.

A partir de 1945, a assistência social no Brasil começa a sofrer grande influênc ia

americana, principalmente por meio dos organismos internacionais, após a criação da

Organização das Nações Unidas (ONU).

Ainda segundo Faleiros (1997, p. 22), essa configuração assistencial com base nas

teorias funcionalistas concebe “[...] a estrutura social como um conjunto de atores que

desempenham certos papéis e tem certo status, que se conjugam para o funcionamento do

todo, sendo indispensáveis para a conservação de valores”. Outro modelo que permanece até

os dias atuais com maior ou menor ênfase é o do desenvolvimento da comunidade, que

propõe a administração do bem-estar e a planificação como soluções do subdesenvolvimento.

No Brasil, a partir da década de 1970, o serviço social é permeado pelo debate

ideológico, politizando e colocando a luta de classes como central nas práticas

socioassistenciais. A sociedade e os meios de comunicação de massa discutiam o fim da

ditadura militar, a anistia política e os direitos humanos. A conjuntura política permitia o

enfrentamento direto de operários e patrões (SOUZA; MACHADO, 1997).

Ao final de 1980, o cenário sociopolítico se transformou, radicalmente, em um período

denominado pós-Constituição Federal Brasileira de 1988, em que muitos dos direitos

reivindicados já estariam inscritos na nova lei. A partir de 1990, ocorreu o surgimento de

outras formas de organização popular, mais institucionalizadas como a constituição de fóruns,

conselhos, novas parcerias entre sociedade civil organizada e a atuação nas novas políticas

públicas, como as experiências dos Orçamentos Participativos, a Política de Renda Mínima, o

Programa Bolsa-Escola e outros (GOHN, 2003).

Essa participação cidadã na gestão pública, segundo Ávila (2001), caracteriza-se por

novas formas de gestão social. E para garantir governamentabilidade a essa concepção, a

gestão social precisa ser estratégica e profissional, criando-se uma área emergente das

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assessorias e consultorias na área social.

Recentemente, as políticas públicas começaram a ser influenciadas pela cobrança de

resultados, criando uma demanda por planejamento, monitoramento e avaliação de políticas

sociais que fortalecem esse novo paradigma de gestão social.

Demo (1997, p. 151) tem sido um crítico das políticas de assistência de modelo

neoliberal, pois, para ele:

A assistência no máximo distribui renda, deixando intacto o sistema de concentração. [...] o distanciamento das políticas sociais de sua base econômica serve apensas para torná-las tanto mais residuais, servindo apenas à desmobilização e controle das populações excluídas.

No próximo item, discutem-se as práticas atuais do trabalho social, organizadas em

três categorias: a do trabalho voluntário, do militante e do profissional.

2.2.1.2 Engendrando novas práticas sociais

Dentre as novas práticas do trabalho social, há três categorias que agrupam

características que identificam os trabalhadores sociais, sejam por seu vínculo empregatício,

pelo seu comportamento social, pelo partilhamento ideológico, entre outros. Organizou-se

essa caracterização por meio de leituras de artigos, teses e dissertações acadêmicas, manuais

de educação política, portais virtuais, que se somaram à experiência da pesquisadora nessas

três categorias de trabalho social, ao longo de sua trajetória de vida profissional e política:

a) Trabalho Militante:

Em uma reunião realizada em um dos maiores centros de formação de trabalho social

do Brasil, o Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae (CEPIS), situado em

São Paulo, Silva (2001, p. 1) escreve um relatório intitulado Resgatar o Espírito de Militância

que bem traduz os sentidos dessa categoria de trabalho social; o relatório inicia com um

trecho da letra traduzida da música Imagine de Jonh Lenon: “Você pode até dizer que sou um

sonhador, mas não sou o único. Espero que um dia você se junte a nós. Aí, o mundo será

como se fosse um”.

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Nesse texto, o autor descreve os valores indispensáveis que dão fundamento às

convicções de um militante, assinalando que ter convicção é se apaixonar por uma causa e ser

capaz de doar a vida por esse tesouro. Os valores são descritos em inúmeros itens como

indignação e rebeldia, sem medo de ser socialista, viver é lutar, o amor pelo povo, o poder

como serviço, a solidariedade, o companheirismo, entre outros. Destaca-se o que é descrito

como o espírito do militante:

O tarefeiro cumpre ordens, o funcionário trabalha pelo salário, o mercenário age para satisfazer seu interesse individual. Já o militante se move por uma paixão- indignação contra a injustiça e ternura por todos os que se entregam a construção da nova sociedade [...]sabe -se que pode perder tudo, menos a moral (SILVA, 2001, p. 2).

Goldenberg (2004) no capítulo Mulheres e Militantes, procura compreender os papéis

e as representações sociais sobre a mulher no mundo público-político brasileiro, no “mundo

dos homens”. A autora identificou os elementos imprescindíveis para uma mulher ser

considerada uma boa militante comunista (que nomeia de militante de primeira geração):

“coragem, sacrifício, dedicação e abnegação”.

Já as novas militantes, segundo Goldengerg (2004, p. 144), além da luta pela

transformação da sociedade, também se preocupam com questões individuais, lutando para

continuar existindo como indivíduos, mas todas se comparadas com as mulheres comuns “[...]

são percebidas como mais corajosas, com enorme capacidade de renúncia e sacrifício”.

Assim, considera-se que estão esboçadas as principais características que formam a

matriz do trabalho social com o sentido de militante.

b) Trabalho Voluntário:

O trabalho do voluntário foi recentemente oficializado pela Lei do Voluntariado, Lei

n. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, que, em seu artigo 1º, assinala:

[...] Considera-se serviço voluntário, para fins dessa lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou instituição privada com fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade.

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A Lei n. 9.608/1998 ressalta ainda que o serviço voluntário não deve gerar vínculo

empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim. Apesar da

recente regulamentação, o trabalho voluntário foi usado pela primeira vez no Brasil em 1543,

na Casa de Misericórdia de Santos, vinculando-se às práticas de caridade e de benemerência

de cunho religioso.

No texto Voluntário: ser ou não ser? são apresentados novos significados que

compõem o perfil e a linguagem do voluntariado alinhado às organizações do terceiro setor

que cresceram, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 157% em

seis anos, contando com 276 mil organizações sociais. Segundo a percepção da diretora do

Centro de Voluntariado de São Paulo (CVSP), as pessoas que se candidatam ao serviço

voluntário “têm que refletir, escolher bem o público que fala mais ao coração”. Hoje, “o

voluntário é visto como agente de transformação social” e não mais como o bonzinho, pois o

trabalho voluntário dá poder às pessoas, diz Eduardo Cravo do Grupo de Estudos da Ação

Voluntária (GEAV). Já a antropóloga Leilah Landin, do Instituto Superior de Estudos da

Religião (ISER), acredita que as pessoas são atraídas para o trabalho voluntário “[...] por meio

de crenças ligadas à solidariedade [...] ou como uma ponte para o mercado de trabalho”

(VOLUNTÁRIO..., 2004).

E uma sua tese de mestrado Requisitos para a configuração do trabalho voluntário a

partir da Lei 9.608/98, Pereira, J. (2000, p. 22) afirma que

[...] a maioria dos autores identifica nesta qualidade de serviço [voluntário] o elemento da livre vontade, da não remuneração e da finalidade beneficiente como os principais atributos da espécie, aos quais se agregam, por vezes, a contribuição que o serviço voluntário pode oferecer à sociedade e a motivação do agente.

O autor descreve a solidariedade, participação, cooperação, complementaridade,

gratuidade, responsabilidade e convergência como princípios fundantes do trabalho

voluntário.

Costa, I. (2002), que estuda a relação entre voluntariado e militância política,

reconhece essas áreas como região do universo das relações humanas em que imperam o

desapego e a gratuidade.

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Desse item destaca-se, o aspecto da gratuidade do trabalho voluntário que aparenta

uma histórica relação com as práticas de caridade religiosa e, mais recentemente, com as

práticas das organizações sociais do terceiro setor e das políticas públicas.

c) Trabalho Profissional:

Um dos usos do termo Profissional vem da palavra profissão que é: “[...] atividade ou

ocupação especializada, e que supõe determinado preparo” (FERREIRA, 1999, p. 1.644). Ser

profissional seria aquele que exerce uma atividade por profissão ou ofício, que possui

características que se opõem ao trabalho não-profissional, voluntário e militante.

A palavra profissional tem suas matrizes nas práticas discursivas das camadas médias,

que deposita no projeto profissional uma das formas de ascensão social. Nesse sentido, ser

profissional se diferencia de ter uma ocupação, pois geralmente as atividades de menor valor

social e econômico não são nomeadas de profissão e sim ocupação. Porém, quando uma

atividade não é considerada da esfera profissional se entende que ela não demanda de técnica

e especialização para ser realizada, assim, possui um menor valor no mercado profissional.

Landin (1993, p. 122) problematiza o profissional da área social em sua tese de

doutorado, “A invenção das ONGs: do serviço invisível ao profissional sem nome”, e

pesquisa trajetórias de profissionais da área social, pois

[...] nos primeiros anos da década de 80 já estavam dados os elementos que conformariam um conjunto de pessoas especia lizadas no ofício de fazer existir e funcionar determinadas instituições (como os Centros de Educação Popular).

O ethos desse profissional é dominado de valores de seriedade, trabalho, dedicação e

esforço.

A partir dessa pesquisa de Landin (1993, p. 123), ressalta-se algumas características

desse profissional, destacando a fala de um informante da pesquisa “[...] eu era, como outros,

um ser anfíbio”. A pesquisadora traduz o sentido de anfíbio como uma dupla presença, de

duplo trânsito, sempre em jogo nessas trajetórias de equacionar o problema de ter que ganhar

a vida e levar adiante um “projeto de vida”. Encontra-se na pesquisa outras características do

profissional da área social como a inadaptação, o isolamento, a marginalização, pois a maioria

se percebe como se fosse um pouco estrangeiro. Muitos também possuem histórico de “[...]

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carreiras interrompidas, prejudicadas, ceifadas, tanto com relação a investimentos em

universidades como em igrejas, partidos e organizações políticas” que a autora denomina de

ideologia da corda-bamba, da tensão como algo constitutivo do ofício (LANDIN, 1993, p.

125).

O profissional social, assinala Landin (1993), passa por uma reatualização e

confirmação de suas relações, e possui um campo estruturado das Organizações Não-

Governamentais (ONGs) do terceiro setor, como um mercado de trabalho visível e onde a

“antiprofissão” vira uma profissão sem nome.

A questão do profissionalismo no trabalho social, recentemente, tem sido alvo de

discussão nas práticas sociais do terceiro setor, dentro dos discursos sobre novas formas de

gestão social. A profissionalização tem sido defendida visando a atingir resultados e ser mais

eficiente. Segundo Eduardo Cravo, “[...] tem-se que adaptar ferramentas e insumos usados nas

empresas, como recrutamento, seleção e treinamento, sem nos deixar contaminar pela lógica

competitiva do mercado” (VOLUNTÁRIO..., 2004).

A partir da redemocratização do Brasil e da eleição de governos populares, muitos

desses novos profissionais sociais encontram-se na gestão de políticas públicas, como é o caso

de muitos participantes desta pesquisa, que atuam em políticas de inclusão social.

Dessa forma, buscou-se traçar um painel da caracterização das práticas sociais do

trabalho social, reconhecendo a existência de uma tênue linha divisória entre as três

dimensões dessas práticas, pois as características do militante podem estar presentes no

voluntário, assim como no profissional social, sendo assim de difícil separação para fins de

análise do trabalho social.

2.2.2 Gênero e trabalho social: a produção do viver

O debate de gênero e trabalho no Brasil não é portador da mesma importância e

preferência nos estudos e pesquisas feministas, como ocorre com a área de direitos

reprodutivos e violência doméstica, o que possibilitou a construção e consolidação de práticas

sociais e políticas públicas nessa área. Esse déficit vem sendo superado, contudo, o trabalho

social ainda têm sido preterido se comparado a outras categorias de trabalho (CURADO,

1991). Esse quadro tem sido identificado no Brasil desde a década de 1970, que é

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exemplificado por Hanner (1988), em seu mapeamento de 41 artigos e livros sobre trabalho

da mulher no Brasil. Dos artigos e livros pesquisados, 27 eram relativos à mulher no mercado

de trabalho formal, para quatro de trabalhadoras domésticas. Os outros ficaram distribuídos

entre trabalhos do setor informal como trabalhadora rural, prostitutas, artesãs e outras. A

autora atribuiu essa preferência à influência da teoria marxista nos estudos sobre trabalho da

mulher.

Atualmente, a problematização de gênero e trabalho tem ocupado espaço na agenda do

debate sobre a Produção e Sustentabilidade da Vida Humana e Economia Solidária, realizado

pelas autoras Carrasco (2003), Kergoat (2000), Matthaei (2002), Guerin (2005).

A esfera do trabalho, sempre foi por excelência considerada masculina, mostrando

grandes distorções quando se procura pesquisar, analisar ou propor políticas no campo de

trabalho da mulher. Portanto, entende-se que para compreender as relações de gênero e

trabalho deve-se mudar o enfoque tradicional, questionar e ampliar a visão das teorias

construídas sobre o mundo do trabalho.

Para dialogar com o trabalho social, é preciso, primeiramente, problematizar as esferas

tradicionalmente aceitas como as do trabalho da existência humana: a da produção de bens e a

da reprodução da vida.

Historicamente, ao longo de séculos e milênios, o que ocorreu foi a subordinação da

esfera da reprodução à produção. Isso, por sua vez, trouxe desequilíbrio para as relações entre

homens e mulheres, já que se atribui um valor desigual à produção e ao mercado de bens e à

reprodução da vida.

O trabalho de produção da vida, apesar de ser fundamental para garantir a

sobrevivência humana, raramente é considerado “trabalho”. Socialmente invisível e pouco

valorizado, muito desse trabalho permanece à parte das estatísticas oficiais.

Assume-se a concepção de que o trabalho social tem concentrado a maioria do

contigente de trabalhadoras do sexo feminino, não por uma inclinação, essência ou natureza

feminina, mas sim pelos processos de socialização e posicionamentos das identidades de

gênero. O entendimento de que o trabalho feminino seja uma extensão de sua natureza

reprodutiva tem sido criticamente abordado pelas teorias feministas por meio do conceito da

Divisão Sexual do Trabalho.

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2.2.2.1 Divisão Sexual do Trabalho

A Divisão Sexual do Trabalho, segundo Kergoat (2000), é uma forma de divisão

social decorrente das relações sociais de sexo, que forma é adaptada historicamente a cada

sociedade. Essa divisão tem por características a destinação prioritária dos homens à esfera

produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apreensão pelos homens

das funções de forte valor social agregado. Para a autora, a Divisão Sexual do Trabalho tem

sido considerada um fenômeno universal, pois é considerada válida para todas as sociedades

conhecidas, no tempo e no espaço, o que permite, segundo alguns autores, afirmar a

existência dessa condição desde o início da humanidade.

Essa noção foi primeiro utilizada pelos etnólogos para designar uma repartição

“complementar” das tarefas entre os homens e as mulheres nas sociedades que eles

estudavam. Lévi-Strauss fez dela o mecanismo explicativo da estruturação da sociedade em

família. Mas foram as antropólogas feministas, as primeiras, que lhe deram um conteúdo

novo, demonstrando que ela traduzia não uma complementaridade de tarefas, mas uma

relação de poder dos homens sobre as mulheres (MATHIEU, 1991; TABET, 1998: apud

KERGOAT, 2000).

Segundo essa compreensão, a forma de divisão social do trabalho tem dois princípios

organizadores: o princípio de separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de

mulheres) e o princípio de hierarquização (um trabalho de homem “vale” mais do que um

trabalho de mulher).

Recentemente, tem sido incorporada ao conceito da Divisão Sexual do Trabalho a

discussão da produção social da vida, que pode ser entendido como um processo dinâmico

que implica a reprodução biológica, a reprodução dos bens de consumo e de produção e a

reprodução das relações de produção, assumindo assim uma dimensão processual e dinâmica

em transformação, rejeitando o tratamento da economia tradicional que separa a esfera

produtiva da reprodução.

Segundo Carrasco (2003), esse novo enfoque atribui o mesmo status conceitual aos

dois sistemas e, portanto, às atividades que se realizam em cada um deles. Para ela, a esfera de

reprodução, além de ser entendida como parte integral da economia, mantém uma “autonomia

relativa” em relação à esfera da produção, e a família deveria ser considerada como elemento

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50

central da análise. Outro conceito bastante em uso nas teorias de trabalho da mulher é o da

ideologia da domesticidade, considerada relevante para fins do debate do trabalho social, que

será discutido no próximo item.

2.2.2.2 Ideologia da domesticidade

Apesar das transformações da posição da mulher na família e a sua crescente inserção

no mercado de trabalho, acrescido pelo alto índice de desemprego entre a população

masculina, ainda vigora na sociedade a “ideologia da domesticidade” como um mecanismo

contemporâneo que cria e recria a força de trabalho feminino como barata, de baixo status

social e, principalmente, invisível. Esse modelo familiar, segundo Carrasco (2003, p. 23):

[...] acompanhou o modelo fordista de emprego [...] caraterizado por uma ideologia familiar que se concretiza no matrimônio tradicional com uma estrita separação de trabalhos e papéis entre ambos cônjuges. O homem é o chefe da família e tem a obrigação de prover à família por meio de um emprego em tempo integral. A mulher realiza as tarefas de afeto e cuidados, sendo tratada como esposa e mãe, e não se aceita socialmente que a casada tenha emprego.

A mulher nesse contrato social assumiria as funções de cuidado das crianças, pessoas

idosas, doentes e também dos homens para que estes pudessem cumprir com sua condição de

cidadãos e trabalhadores assalariados.

O impressionante, segundo Carrasco (2003, p. 24),

É que essas mudanças culturais e de comportamento das mulheres não têm tido o eco correspondente no restante da sociedade. Nem os homens como grupo de população nem as diversas instituições têm querido saber das profundas mudanças vividas pelas mulheres. Em conseqüência, o funcionamento social não tem experimentado transformações substanciais e os efeitos da nova situação têm sido assumidos pelas próprias mulheres.

Ao se referir ao papel do Estado, a autora pontua, que além de regulador do mercado

de trabalho, este tem desenvolvido programas de proteção social, supostamente para cobrir

necessidades não satisfeitas pelo mercado, determinando assim a situação social ocupada

pelas pessoas e a estruturação das desigualdades sociais, incluindo as de sexo.

Page 52: JACY CORRÊA CURADO final

51

Concluindo, Carrasco (2005) critica a concepção de mercado dual, relacionados com a

conceituação do trabalho, colocando em evidência que o mercado de trabalho não é uma

entidade sexualmente neutra e que as relações de gênero estão na base da organização do

trabalho e da produção.

Outra dimensão que tem caracterizado o trabalho da mulher é o da conciliação e

priorização do tempo. Existem cinco grandes categorias para o uso do tempo das pessoas em

idade ativa: tempo das necessidades pessoais, tempo de trabalho doméstico, tempo de trabalho

de mercado, tempo de participação cidadã e tempo do ócio. No entender de Nobre (2002),

esse tempo é colocado na invisibilidade ou possui alguma forma de reconhecimento e

valorização.

Na pesquisa realizada por Araújo e Scalon (2005, p. 22), que integra um programa de

cooperação entre 38 países-membros para a realização do International Survey Programme

(ISSP), alertam para que o conceito de cuidado entendido como “[...] provisão diária de

atenção social, física, psíquica e emocional às pessoas” deve ser observado na perspectiva de

não reforçar a feminização dessa atividade como elemento de valorização moral das mulheres,

apontando as limitações das políticas sociais que pecam por não satisfazerem as novas

necessidades das relações sociais dos contextos familiares.

Para Araújo e Scalon (2005, p. 23), “[...] a ausência de uma contrapartida social e

pública que ofereça redes de segurança e atenção gera um déficit de cuidado, particularmente

no tocante a crianças, enfermos e idosos, com impactos especiais sobre as mulheres”.

Para superar esse déficit é importante compreender as formas de operação da divisão

sexual do trabalho, que aponta não somente para discriminações salariais e ocupacionais, mas

também para o processo de desvalorização e invisibilidade de toda a categoria que está

submetida ao processo de feminização de sua força de trabalho.

2.2.2.3 Gênero e empoderamento

A noção de empoderamento, como projeto político feminista, foi concebida, em 1985,

pelas mulheres dos países em desenvolvimento do hemisfério sul, organizado pela articulação

internacional de mulheres Alternativas de Desenvolvimento das Mulheres da Nova Era

(DAWN) sediada na Índia (CURADO, 2000).

Page 53: JACY CORRÊA CURADO final

52

Vasconcelos (2003) estuda, em seu livro O poder que brota da opressão:

Empowerment, sua história, teorias e estratégias, esse conceito articulado às teorias e práticas

antidiscriminatórias e antiopressivas, inclusive apropriadas pelas perspectivas feministas e de

gênero em saúde mental.

Segundo Curado (1999), os processos de empoderamento reconhecem que as causas

da subordinação das mulheres se dão não apenas em função da opressão masculina, mas

também por causa da opressão colonial e neocolonial. Destaca, ainda, que as diferenças entre

classe, raça, etnia devem ser consideradas nas propostas de transformação social.

Empoderamento, ainda, denota auto-estima (valor que o indivíduo se atribui), mobilidade

social, experiência de se sentir bem, que são constrangidas pelo modo em que raça e etnia,

gênero e idade limitam o acesso aos recursos econômicos e poder político.

A noção de poder formulada nesse conceito é baseada em Foucault (1987), que é

entendido como constelações dispersas de relações desiguais, constituídas pelo discurso nos

campos de forças, opondo-se à noção de poder social unificado, coerente e centralizado da

Democracia Ocidental. A questão do poder é central nesse conceito, pois como argumenta

Suárez, Teixeira e Cleaver (2002, p. 69):

É um neologismo que se refere [ao] ato de tomar-se poder, realizado por aqueles sujeitos que carecem dele. [...] tomar-se o poder não significa subordinar os outros, mas tomar-se a idéia e ao ato, ou seja, chegar a ser dono(a) das próprias idéias e fazer com que essas idéias sirvam para guiar a atuação na sociedade e o relacionamento com os outros.

Nesse sentido, pressupõe-se uma quebra do isolamento social por meios da

desprivatização das experiências particulares de vida. Para esse fim, nada mais eficaz que a

participação das mulheres nos movimentos organizados ou até mesmo nas organizações mais

pragmáticas que buscam o bem-estar. Entretanto, em muitos casos, essa participação é

impedida pelo alto nível de isolamento (SUÁREZ; TEIXEIRA; CLEAVER, 2002).

Em políticas públicas, o empoderamento das mulheres implica “[...] garantir- lhes os

meios para que possam tomar-se a idéia e o ato, desse modo, mudar as crenças e os costumes

que causam sua discriminação social” (SOARES, 2004, p. 4).

As estratégias de empoderamento não podem ser isoladas da ação coletiva e dos

contextos históricos específicos nem devem ser focadas nos indivíduos, mas nos processos

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53

coletivos, ainda que se reconheça que esses processos implicam mudanças pessoais. Para

Young (2001 apud CORDEIRO, 2004, p. 45):

Os parâmetros de empoderamento são a construção de uma auto-imagem e autoconfiança positivas, o desenvolvimento da habilidade para pensar criticamente, a construção da coesão de um grupo e a promoção da tomada de decisão e de ação.

Considera-se que essa noção de empoderamento situa-se no marco das teorias da

modernidade tardia, que se alinham ao construcionismo social, pois não propõe uma utopia

universal como no caso dos conceitos emancipatórios da modernidade, pois agrega aspectos

psicossociais, ampliando e atribuindo uma dimensão sócio-histórica ao tradicional conceito de

auto-estima, da Psicologia Social individualizante.

Finalmente, compreende-se que a noção de empoderamento aproxima-se do

paradigma foucaultiano, na sua forma de abordar as relações de poder, não procurando uma

causa singular para as desigualdades, mas sim uma multiplicidade de antagonismos e sistemas

de opressão, somente contextualizados, e em sua forma particular, é que podem ser

desconstruídos e transformados.

2.2.2.4 Estratégias de empoderamento

A noção de empoderamento tem sido utilizada na literatura social, principalmente para

se referir ao sujeito da ação social, ou seja, o cidadão, o usuário, o beneficiário, a população

vulnerável, de risco, entre outras. O uso desse conceito nesta pesquisa visou a conhecer as

estratégias das trabalhadoras sociais, ou seja, quais mecanismos psicológicos, institucionais,

políticos utilizam para superar as dificuldades no trabalho social.

Assim utilizou-se a noção de empoderamento conforme discute Costa, A. (2005, p.

11), como sendo um

[...] mecanismo pelo qual, as pessoas, as organizações, as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida, de seu destino, tomam consciência de sua habilidade e competência para produzir e criar e gerir.

Page 55: JACY CORRÊA CURADO final

54

Os parâmetros do empoderamento segundo essa concepção são: construção de uma

auto-imagem e confiança positiva; desenvolvimento da habilidade para pensar criticamente; a

construção da coesão do grupo; a promoção da tomada de decisões; a ação.

Ainda segundo a autora, o empoderamento deve incluir os componentes cognitivos,

psicológicos, políticos e econômicos. Por componente cognitivo enfatiza a compreensão que

se tem da subordinação, assim com as causas desta em níveis macro e microssocial. O

componente psicológico inclui o desenvolvimento de sentimentos que as mulheres podem pôr

em prática na esfera pessoal e social para melhorar sua condição em que a autoconfiança e

auto-estima são fundamentais. O componente político supõe a habilidade para analisar o meio

circundante em termos políticos e sociais e também a capacidade para organizar e promover

mudanças sociais. Já o componente econômico, supõe a independência econômica,

postulando ser esse aspecto fundamental como apoio ao componente psicológico.

Para finalizar, no uso do conceito de empoderamento desta pesquisa, é feita uma

distinção da noção de condição e posição social: “posição” é compreendida como o status

econômico, social e político das mulheres comparado com o dos homens, isto é, a forma

como as mulheres têm acesso aos recursos e ao poder; e a “condição” é compreendida como o

estado material em que se encontram as mulheres em relação ao homem, seja em sua

condição de pobreza, salário baixo, desnutrição, falta de acesso à saúde pública e à tecnologia

moderna, educação e capacitação, além da sua excessiva carga de trabalho (COSTA, A.,

2005).

Como será visto na discussão dos resultados, as dificuldades de empoderamento do

trabalho social foi analisado à luz dos relatos das condições e posição dos(as)

trabalhadores(as) sociais participantes da pesquisa.

2.2.3 Transversalidade em gênero

Ao pesquisar sobre a noção de transversalidade na produção de saberes e práticas

sociais, enfrentaram-se dificuldades para encontrar referências, principalmente nos bancos de

dados científicos nacionais. Talvez essa dificuldade possa estar relacionada com a forte

tradição disciplinar ainda existente na cultura acadêmica brasileira.

Page 56: JACY CORRÊA CURADO final

55

O conceito de gênero, além de perpassar diversas disciplinas, também está presente em

outros domínios de saber (religião, conhecimento leigo e popular, artes e outros), lhe

conferindo caráter transdisciplinar.

A principal experiência em transversalidade em gênero tem sido nas políticas públicas,

inclusive demonstrando essa postura no Plano Nacional de Políticas para Mulheres (2004-

2007) ao propor desencadear um processo amplo e complexo de parcerias, atuações

intersetoriais e participação social, que otimizem os recursos disponíveis e garantam sua

aplicação em políticas que respondam mais efetivamente às necessidades das mulheres

(BANDEIRA, 2005). Nesse particular, por transversalidade em gênero nas políticas públicas

entende-se:

A idéia de elaborar uma matriz que permita orientar uma nova visão de competências (políticas, institucionais e administrativas) e uma responsabilização dos agentes públicos em relação à superação das assimetrias de gênero, nas e entre as distintas esferas do governo. [...] assegurando uma governabilidade mais democrática e inclusiva em relação as mulheres (BANDEIRA, 2005, p. 5).

A transversalidade em gênero como gender mainstreaming é reconhecida na 4º

Conferência Mundial de Mulheres em Beijing realizada em 1995, propondo aos governos:

[...] não unicamente a incorporação dessa perspectiva em um ministério ou secretaria específica de atuação na área da mulher, senão que seu impacto vinculante deve ser assimilada por todas as políticas públicas propostas pelo Estado e desenvolvidas em cada área governamental, considerando as especificidades das mulheres e de homens (BANDEIRA, 2005, p. 10).

A troca dos saberes, o aprendizado constante, a construção contínua de um novo olhar

dinâmico, complexo, é o que se pretendeu realizar em uma análise de gênero transversal do

trabalho social.

2.2.3.1 Transversalidade em gênero e trabalho social

É recorrente encontrar trabalhos na área de gênero que tratam da questão “mulher”

como categoria de análise. Esse uso de gênero se explica pela matriz do conceito estar

relacionada com a luta pela superação da subordinação da mulher na sociedade patriarcal e o

conceito ter sido produzido em grande parte dentro dos estudos feministas e da mulher.

Page 57: JACY CORRÊA CURADO final

56

Nesta pesquisa, optou-se por usar gênero, como uma categoria conceitual para analisar

o trabalho social. Contudo, não se ignorou o fato de as participantes da pesquisa serem 86%

mulheres para 14% de homens. O dado quantitativo deve ser considerado, pois é comum

pesquisas realizadas com trabalhadores ignorar o sexo de seus participantes e as suas relações

de gênero, mesmo que a categoria ou perfil demográfico indique uma prevalência de um sexo.

Nessa perspectiva, de um lado, tem-se a análise isolada da categoria mulher, sem

considerar as relações de gênero em suas diversas dimensões, e por outro, a invisibilidade de

sexo e das relações de gênero.

Contudo, apesar de não partir do pressuposto que o trabalho social seja feminino, não

se pode ignorar a presença massiva das mulheres nesse campo. Em função da escassez de

dados demográficos disponíveis sobre trabalho social com características de trabalho

voluntário, militante ou profissional, são apresentados alguns dados de áreas afins como as de

enfermagem e de cuidadores sociais, que apontam uma elevada participação do sexo feminino

em comparação com a do masculino.

Os dados empíricos mapeados na literatura para esta pesquisa apontam essa realidade

com bastante contundência (QUADRO 1).

QUADRO 1 - Mapeamento sobre composição da força de trabalho na área social

SEXO Indicador n (total)

Feminino Masculino Fonte de pesquisa

Educação, saúde e serviços sociais

7.651.694

população ocupada8

5.914.420

( 77,3%)

1.737.274

(22.7%)

Referência (1)

Serviços Domésticos 6.658.627

população ocupada

6.206.202

(93.2%)

454.425

(6.8%)

Referência (1)

Trabalhadores sociais do PIS MS

507

(100%)

371 (73,2%)

136 (26,8%)

Referência (2)

Beneficiárias do PIS MS, novembro de 2006

69.844

(100%)

52.515 (75%)

17.329 (25%)

Referência (3)

Enfermeiras, pesquisa Porto Alegre

(100%) (98,45%) (11,55%) Referência (4)

8 População ocupada é a pessoa que trabalhou nos últimos 12 meses anteriores à data de referência da pesquisa,

ou parte deles.

Page 58: JACY CORRÊA CURADO final

57

Cuidadores sociais em pesquisa de mestrado

29

(100%)

23 (79%)

6 (21%)

Referência (5)

Enfermeiras diplomadas na França em 2001

300.000

(100%)

(84%) (16%) Referência (6)

Profissões de ajuda em domicílio, França em 2001

(100%) (99%) (1%) Referência (6)

Fonte: (1) Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD/2005. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006); (2) Mato Grosso do Sul (2006); (3) Mato Grosso do Sul (2007); (4) Lautert (1997); (5) Santos (2006); (6) Diebolt (2005).

Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2005, aponta

para uma aumento progressivo da inserção das mulheres no mercado de trabalho, alcançando

hoje um percentual de 46,4% no nível de ocupação apresentando aumento de 3,7% da

população feminina ocupada para 2,4% da masculina (INSTITUTO BRASILEIRO DE

GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, IBGE, 2006).

O relatório O progresso das mulheres no Brasil, publicado pelo Fundo de

Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), juntamento com a Cidadania,

Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA) e a Fundação Ford, em 2006, reconhece a

ampliação da participação feminina no mercado de trabalho; contudo aponta que pouco se

alterou nos últimos 30 anos na composição da estrutura ocupacional, que é demonstrada pela

massiva presença das mulheres no que chamam de tradicionais guetos femininos como as

áreas de Enfermagem, Nutrição, Assistência Social, Psicologia, Magistério e Secretariado. Os

dados da PNAD/2005 também apontam essa distribuição por sexo da composição ocupacional

da População Ocupada no Brasil (IBGE, 2006).

Com relação às políticas públicas de transferência de renda, como é o caso do

Programa de Inclusão Social de Mato Grosso do Sul, a composição por sexo demonstra uma

maior participação feminina tanto na composição dos trabalhadores sociais do programa,

como na composição das beneficiárias9.

A historiadora francesa Dielbolt (2005, p. 323) confirma que na França “[...] as

profissões sanitárias e sociais são ainda hoje muito feminizadas [...] nas profissões de ajuda

9 Beneficiários: pessoa que recebe o benefício de uma política social. A função do beneficiário é ser

responsável pela aplicação do benefício e também cuidar das pessoas próximas da família e doentes.

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58

em domicílio, a proporção de trabalhadores do sexo feminino é de 99%”. E comenta as

condições desses trabalhos considerados “femininos”: “[...] as mulheres que trabalham nesse

setor vêem suas remunerações estagnarem, suas condições de trabalho se degradarem, e as

grandes greves não conseguiram obter a valorização desejada pela categoria” (DIELBOLT,

2005, p. 325).

A pesquisa acima confirma uma permanência dos padrões de ocupação da mulher no

trabalho, mesmo em países desenvolvidos que gozam de uma maior equidade nas relações de

gênero.10A partir desses dados levantados, demonstra-se a feminização ou guetização da

ocupação feminina no mercado trabalho, apontando para o caráter universal da divisão sexual

do trabalho. No estudo de caso aqui apresentado, os sentidos do trabalho social irão buscar

compreender esse fenômeno por meio de uma análise transversal de gênero sobre o trabalho

social.

10 Em um exercício comparativo realizado pela pesquisadora entre Uganda, Brasil e Bangladesh, foi

demonstrado o caráter universal da divisão sexual do trabalho. (1991)

Page 60: JACY CORRÊA CURADO final

59

3 CAMINHOS DA PESQUISA

Page 61: JACY CORRÊA CURADO final

60

Neste capítulo são apresentados os objetivos da pesquisa e os caminhos construídos e

percorridos para a sua realização, inserindo algumas considerações teóricas, metodológicas e

epistemológicas. Em uma pesquisa de cunho construcionista social, o delineamento

metodológico não é algo dado, estático, definido a priori, mas vai se moldando e adquirindo

forma no processo do pesquisar. Dessa forma, explicitam-se os passos observados ao longo da

pesquisa, que incluem os procedimentos de coleta de material discursivo e da análise

realizada

3.1.OBJETIVOS

3.1.1. Objetivo geral

Compreender os sentidos atribuídos ao trabalho social, considerando as relações de

gênero, na perspectiva de profissionais que atuam no Programa de Inclusão Social, do

Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, na gestão 2003-2006, programa este eleito como

estudo de caso para esta pesquisa.

3.1.2. Objetivos específicos

Detectar as associações feitas com a palavra Social.

Analisar as diferentes práticas discursivas sobre o trabalho social, relacionadas com as

vivências no trabalho social.

Discutir os sentidos atribuídos ao trabalho social.

Problematizar a relação da auto-estima e empoderamento no trabalho social em uma

perspectiva de gênero.

Page 62: JACY CORRÊA CURADO final

61

3.2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS, METODOLÓGICAS E

EPISTEMOLÓGICAS

Entende-se metodologia como o conjunto de passos que agrega uma orientação

epistemológica e teórica, passando pela coleta de dados e chegando à análise e discussão do

processo e dos conhecimentos aí produzidos.

Delinear uma metodologia de pesquisa, portanto, vai além da escolha de um método,

seja qualitativo, seja quantitativo. Os caminhos que se percorrem estarão sempre inter-

relacionados com as posturas epistemológicas, teóricas e porque não ético-políticas, acerca

dos fenômenos que se propõem a estudar e compreender.

Como explicitado no objetivo geral, escolheu-se o Programa de Inclusão Social como

estudo de caso, para compreender os sentidos atribuídos ao trabalho social, na perspectiva de

trabalhadores sociais. Para tanto, os procedimentos metodológicos foram orientados pelo eixo

do método qualitativo, o que não significa excluir a linguagem numérica das estratégias

analíticas.

O eixo qualitativo aqui desenvolvido exibe particularidades do diálogo com diferentes

posicionamentos sobre o conceito de gênero e trabalho social, com a abordagem teórico-

metodológica sobre práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano (SPINK, M.,

2004a) e o alinhamento com pressupostos do construcionismo social sobre a produção de

conhecimento e a prática em pesquisa (IBÁÑEZ-GRACIA, 2004; IÑIGUEZ, 2002; SPINK,

M., 2004b).

O Construcionismo Social desenvolve-se no contexto da Modernidade Tardia, e em

meio aos diversos movimentos filosóficos e metodológicos que se entrecruzam a partir da

segunda metade o século XX, tais como o “giro lingüístico” discutido por Ibáñez-Gracia

(2004), a discussão sobre a relação entre saber e poder de Foucault (1985), pela

desfamiliarização da dicotomia qualitativo e quantitativo proposta por Spink e Menegon

(2004) e das pesquisas feministas e de gênero representadas por Harding (1991), Haraway

(1995), para ficar com autoras que firmaram posições teóricas e epistemológicas nesse

período.

Page 63: JACY CORRÊA CURADO final

62

O debate epistemológico da ciência permeia o tempo atual, nomeado de Modernidade

Tardia, ou Modernidade Reflexiva, usando aqui a divisão proposta pelo sociólogo Ulrich

Beck (1993 apud SPINK, M., 2004b) para se referir à modernidade11. Nessa perspectiva, a

pesquisa científica como prática reflexiva, crítica e social está inserida em um sistema de

regras pautadas por estratégias de validação há muito consagradas pela tradição. Trabalhar a

pesquisa como estratégia de práticas sociais requer um esforço continuado de ressignificação

de aspectos implicados no desenvolvimento de uma metodologia de pesquisa (SPINK;

MENEGON, 2004).

Da extensa discussão do que vem a ser ciência, e o que deve ser considerado

científico, fica o consenso de que o fazer-em-ciência é uma atividade metódica, em que o

método científico é um conjunto de concepções sobre a natureza, sobre o ser humano e sobre

o próprio conhecimento, embasando os procedimentos utilizados na construção do

conhecimento científico (SPINK; MENEGON, 2004).

Para Woolgar (1996 apud SPINK; MENEGON, 2004), o conhecimento científico é

determinado pelas relações sociais, sistemas de crenças e valores das comunidades científicas,

e não pelo caráter efetivo do mundo físico.

Outro pilar importante à desmistificação da tradição científica é a pesquisa feminista e

de gênero, que, além de considerar a pesquisa como prática social, revela as relações de poder

e hierárquicas das relações de gênero e a cristalização da diferença. Questiona,

principalmente, a concepção de “homem universal e economicus”, que é típica da razão

cartesiana e o alijamento da mulher no edifício da ciência.

Na Psicologia Social Moderna, Gergen (1985 apud SPINK, M., 2004b, p. 20) afirma

que “[...] a investigação construcionista preocupa-se com a explicitação dos processos por

meio dos quais as pessoas descrevem e explicam o mundo em que vivem”.

Para se entender a postura construcionista do conhecimento é necessário que se façam

várias desconstruções dos pressupostos básicos da atividade científica,12 assim como da

11 Segundo Spink, M. (2004b), Beck (1993) utiliza o termo Modernidade Reflexiva que apresenta três estágios

de desenvolvimento: a Pré-Modernidade, que corresponde à transição do feudalismo para sociedade moderna; a Modernidade Clássica que é coexistente com a sociedade industrial, e a Modernidade Tardia, que é coexistente com a sociedade de risco.

12 Thomás Ibáñez (1994 apud SPINK, 2004) sugere a desconstrução de quatro pressupostos básicos das atividades científicas: ontológicos, epistemológicos, metodológicos e sobre a natureza humana.

Page 64: JACY CORRÊA CURADO final

63

dicotomia entre sujeito-objeto de pesquisa que devem ser tomados como construções sociais.

Contudo, Ibáñez (1994 apud SPINK; MENEGON, 2004) argumenta que o conhecimento não

é uma ficção desenfreada e, portanto, sua produção obedece a parâmetros que formatam o

relato possível. Nesse sentido, o construcionismo seria um convite a examinar essas

convenções e entendê-las como regras socialmente situadas.

No que se refere à posição do construcionismo social no debate metodológico, Spink e

Menegon (2004) afirmam que o que está em pauta não é apenas a definição de uma opção

técnica que esteja associada aos objetivos da investigação, mas é o posicionamento no debate

entre realismo e construcionismo, que vai definir a postura metodológica, que independe do

método ser qualitativo ou quantitativo.

Como será visto mais adiante, é nesse contexto teórico, metodológico e

epistemológico que se inseriu a escolha pela realização de Oficinas temáticas, posicionando-a

como um instrumento de pesquisa psicossocial.

3.2.1.Implicações éticas da pesquisa

Spink e Menegon (2004), no capítulo A pesquisa como prática discursiva: superando

os horrores metodológicos, fazem uma interessante distinção entre ética na pesquisa e

pesquisa ética. A ética na pesquisa “[...] está vinculada a prescrições e normatizações – algo

que vem de fora” (SPINK; MENEGON, 2004, p. 90). Isto é, relaciona-se ao cumprimento de

códigos, declarações e diretrizes que regulamentam os procedimentos éticos em pesquisa. No

Brasil, a normatização para pesquisas envolvendo seres humanos foi promulgada pela

Resolução n. 1/1988 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e revisada em 1996, dando

origem à Resolução do CNS n. 196, de 10 de outubro de 1996, do Ministério da Saúde.

A noção de pesquisa ética inclui as prescrições, mas vai além e configura-se pelo

compromisso e aceitação de alguns aspectos imprescindíveis a uma prática ético-política em

pesquisa. Para Spink e Menegon (2004, p. 91), nessa proposta é necessário:

1) pensar a pesquisa como uma prática social, adotando uma postura reflexiva em face do que significa produzir conhecimento 2) garantir visibilidade dos procedimentos de coleta e análise dos dados e 3) aceitar que a dialogia é intrínseca à relação que se estabelece entre pesquisadores e participantes.

Page 65: JACY CORRÊA CURADO final

64

Considere-se que esta pesquisa se enquadra no que se considera uma pesquisa ética,

pois propiciou que se produzisse um conhecimento compartilhado entre pesquisadora e

integrantes da pesquisa. Ao serem realizadas oficinas com as trabalhadoras sociais do PIS e,

ao mesmo tempo, coletar dados e abrir um espaço de produção de sentidos sobre o trabalho

social, contribuiu-se para o “empoderamento” dessas trabalhadoras sociais. Além disso, o

resultado da pesquisa será compartilhado não só com as trabalhadoras do Programa, mas

também com as trabalhadoras sociais deste país.

Outro aspecto abordado é a relação entre pesquisador e participantes na pesquisa

qualitativa, em que Spink e Menegon (2004) sugerem que se observem três cuidados éticos:

os consentimentos livres e esclarecidos, a proteção do anonimato e o resguardo do uso

abusivo do poder na relação entre pesquisador e participante.

No que se refere ao consentimento, esta pesquisa observou três procedimentos: a)

autorização da Coordenação Estadual e Municipal do PIS (ANEXO); b) submissão do projeto

de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da UCDB, que foi aprovado sem

restrições quanto aos aspectos éticos da pesquisa (ANEXO); c) obtenção dos Termos

Consentimento Livre e Esclarecido de todos(as) participantes da pesquisa, garantindo-se o

anonimato em todo o processo de coleta e análise do material (APÊNDICE A).

Dessa forma, foram resguardados todos os procedimentos formais exigidos pela

Resolução CNS n. 196/1996, e da Resolução 016, de 20 de dezembro de 2000, do Conselho

Federal de Psicologia (CFP). Além desses cuidados prescritivos, buscou-se realizar uma

pesquisa ética, orientada pela concepção construcionista em pesquisa e pelo compromisso da

pesquisadora, que se orientou pela produção de um conhecimento crítico voltado à redução

das desigualdades sociais, particularmente as de gênero.

3.3. OFICINA COMO INSTRUMENTO DE PESQUISA PSICOSSOCIAL

Quando se procurou o verbete oficina no dicionário, encontram-se duas definições

interessantes: “lugar onde se exerce um oficio” (FERREIRA, 1999, p. 1.436). Quando se

pensa em oficina imediatamente vem à cabeça um lugar de trabalho, onde coisas são

construídas ou consertadas. Segundo Portella e Gouveia (1998, p. 15), “[...] as oficinas são

processos de trabalho onde a participação e reflexão de todos(as) são requisitos fundamentais

para a compreensão dos conteúdos e para a construção do conhecimento”.

Page 66: JACY CORRÊA CURADO final

65

Ao trabalhar com oficinas está-se colocando em uma concepção metodológica que

pressupõe o processo de aprendizagem como algo que se constrói e não apenas se transmite.

Oficina é processo e pressupõe relações mais horizontais e democráticas, em que nada

acontece se não houver participação direta de todos os envolvidos.

Segundo Afonso13 (2002), a oficina deve ser um trabalho aceito pelo grupo, nunca

imposto. Para ela, mesmo nos casos em que a Oficina seja uma demanda de terceiros, como

neste caso, de uma pesquisa, o grupo deve aceitar a proposta e dela se apropriar e,

principalmente, a participação voluntária e o desejo dos participantes devem ser respeitados.

A concepção de demanda é diferente da encontrada na clínica, porém, considera-se a

existência de uma situação que envolve elementos sociais, culturais e subjetivos e que

precisam ser trabalhados em um dado grupo social. O pesquisador pode partir de uma

“escuta” e interpretação da demanda social.

O papel de coordenador(a) ou pesquisador(a) em uma oficina deve ser de escuta e de

adequação da proposta inicial aos interesses da pesquisa e do grupo, demonstrando

flexibilidade durante o processo de pesquisa. Tomando como parâmetro o desenvolvimento

de metodologia de oficina para fins de pesquisa (SPINK, M., 2003a), entende-se que quatro

momentos de preparação na prática de oficinas podem ser adequados ao contexto e à

finalidade de pesquisa, a saber: demanda, pré-análise, foco e enquadre, e planejamento

flexível.

A oficina como instrumento de pesquisa tem sido utilizada por Mary Jane P. Spink

desde 1996, particularmente em seu trabalho sobre risco (SPINK, M., 2003a). Para a autora,

as oficinas de risco consistem em um misto de grupo focal e dinâmica de grupo,

desempenhando um duplo papel: a) são intervenções visando à sensibilização para os riscos

da vida cotidiana; e b) são instrumentos de coleta de dados. Por isso, a autora ressalta a

importância dos registros das informações, que devem ser sistematizadas em formulários

específicos, que contemplem cada atividade desenvolvida na oficina.

Existem várias possibilidades de análise das oficinas, e o pesquisador deve escolher a

mais adequada em função da organização do material coletado. Entre as formas utilizadas por

Spink, M. (2003b) na análise das oficinas de risco encontram-se: a) a análise de associação de

13 Lúcia Afonso é psicologa social comunitária com grande experiência em processos grupais na área de

promoção de saúde e tem desenvolvido a técnica de Oficinas comoinstrumento de intervenção psicossocial.

Page 67: JACY CORRÊA CURADO final

66

idéias; b) a classificação das situações de risco, que ela subdivide em risco imprevisível, sem

pensar no risco e sabendo do risco; c) a análise de transcrição seqüencial, com as falas e

temas-chave, identificando as pessoas que se pronunciaram; d) Mapa de Risco, em que as

falas são visibilizadas por temas e expostas como descrição, explicação e expressões de

emoções associadas a situações de risco.

Considerando a perspectiva construcionista e a abordagem teórico-metodológica de

produção de sentidos, optou-se por usar a oficina como instrumento de coleta de dados, que

foi adaptada às necessidades desta pesquisa, por entender que seja a mais adequada aos

objetivos estabelecidos. Nessa opção, considera-se, também, a larga experiência da

pesquisadora na utilização desse instrumento em seu trabalho educativo, relacionado com a

questão de gênero e o “empoderamento” das mulheres.

3.4. ESTUDO DE CASO: O PROGRAMA DE INCLUSÃO SOCIAL

A pesquisa foi realizada com trabalhadores do Programa de Inclusão Social, com a

obtenção da autorização oficial da Superintendente Estadual do Programa, que ocorreu

mediante reunião para apresentação e explicação dos objetivos da pesquisa. Após a

autorização, os procedimentos da pesquisa foram encaminhados à Coordenação Municipal do

Programa, para a definição dos participantes, escolha do local de realização e agendamento

das Oficinas.

A facilidade com que a pesquisa foi acolhida e conduzida pode ser atribuída ao

envolvimento anterior da pesquisadora em diversas atividades do Programa e do

conhecimento pessoal e profissional, com várias trabalhadoras da equipe, e por ser este um

campo de trabalho social da pesquisadora.

Escolheu-se o PIS como estudo de caso, para compreender os sentidos atribuídos ao

trabalho social, na perspectiva de seus profissionais, por ser o Programa de maior

envergadura, investimento e abrangência social no Estado, e ser uma versão do governo

Estadual do Programa Bolsa-Família, que é considerado pela ONU, o maior e mais bem

sucedido programa de enfrentamento à pobreza do mundo, atendendo 11 milhões e meio de

famílias até novembro de 2006 (BANCO MUNDIAL, 2006).

Page 68: JACY CORRÊA CURADO final

67

3.4.1.Apresentando o Programa de Inclusão Social

O Programa de Inclusão Social, foi criado pelo Governo do Estado de Mato Grosso do

Sul no dia 20 de abril de 2003. Constituindo-se como parte de um Programa de Políticas

Públicas, visa a garantir melhores condições de vida às famílias vítimas de pobreza e exclusão

social, dando-lhes suporte temporário às necessidades básicas, por meio do Programa Bolsa-

Escola, Segurança Alimentar e Nutricional e das reuniões socioeducativas. O objetivo do

Programa de Inclusão Social é possibilitar, às famílias em situação de vulnerabilidade e risco,

a segurança social por meio da concessão de benefícios, bem como a mediação do

desenvolvimento de capacidades humanas e sociais (POCHMANN; BLANES; AMORIM,

2006).

O Programa Bolsa-Escola (PBE), por sua vez, foi criado em 1999 para garantir o

ingresso e a permanência na escola pública de crianças e adolescentes de 6 a 16 anos

completos. As famílias inscritas no Bolsa-Escola Estadual recebiam R$ 136,00 mensais no

período de referência da pesquisa (abril a agosto de 2006).

Finalmente, o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional (PSA) foi criado em

2001 para garantir o acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de

modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas, com base em

práticas alimentares que possibilitem a saudável reprodução do organismo humano,

contribuindo assim para uma existência digna. A partir de 2003, o PBE e o PSA passaram a

ter uma coordenação e uma estrutura única, uma vez que as famílias beneficiárias e os

critérios de permanência e contrapartida são equivalentes. Está, portanto, vinculado à

SETASS.

O PIS traz uma concepção ampliada de inclusão social, pois tem como pressuposto

que:

As pessoas em situação de vulnerabilidade social têm direito a programas, projetos e serviços que lhes garantam a condição de cidadãos; todavia, é preciso investir em políticas públicas estruturantes que possam oferecer-lhes dignidade e liberdade de opção para conduzir a própria vida (MATO GROSSO DO SUL, 2006, p. 4).

Esse Programa insere-se nas Políticas de Transferência de Renda, que em dezembro de 1991

foi aprovado pelo Senado da República, como Programa de Garantia da Renda Mínima, que

Page 69: JACY CORRÊA CURADO final

68

foi apresentada pelo Senador Eduardo Matarazzo Suplicy. Desde então, muitos ajustes ao

programa foram realizados e, entre estes, o economista José Márcio Camargo relacionou a

renda mínima à escolarização. Assim, as famílias beneficiárias deveriam ter filhos de 7 a 14

anos de idade e estar inseridas no processo educacional público. Entre seus precursores

encontra-se o ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque de Holanda, que

implantou no Distrito Federal o Programa Bolsa-Escola, uma das primeiras sementes do

Bolsa-Família (SOUZA, 2005).

Constituindo-se como um campo de contradições, as Políticas de Transferência de

Renda, desde sua concepção, tem despertado preocupação com o desenvolvimento humano,

em que se problematiza a possibilidade de o beneficiário acomodar-se com a assistência

cedida, desinteressando-se em trabalhar e não desenvolver formas autônomas de ser e viver.

Cury e Suplicy (1994 apud SOUZA, 2005, p. 19) defenderam o Programa, afirmando

que “[...] qualquer que seja a forma específica adotada, é o instrumento que poderia reverter a

perversa tendência de concentração da renda que nossa economia vem apresentando ao longo

da história”.

O Relatório Final da Conferência Internacional sobre Transferência de Renda

Condicional, realizada em julho de 2006 pelo Banco Mundial, apontou as virtudes e as

fragilidades dos programas de transferência de renda em diversos países, particularmente da

América Latina, destacando o Bolsa-Família brasileiro como uma das experiências mais bem-

sucedidas. Esse documento destaca, como vantagens, a descentralização das ações e o baixo

custo diante dos efeitos obtidos e, como limitações, a exclusividade do papel do Estado na

execução das políticas sociais e a dificuldade de fiscalização, que evitem fraudes,

irregularidades e corrupção (BANCO MUNDIAL, 2006).

3.5. PARTICIPANTES DA PESQUISA: TRABALHADORES(AS) SOCIAIS

No total, participaram da pesquisa 37 trabalhadores sociais, que atuam no Programa de

Inclusão Social, do Governo de Estado de Mato Grosso do Sul na gestão 2003-2006. A

pesquisa foi realizada no período de abril a agosto de 2006, por meio de oficinas temáticas.

A equipe do PIS Estadual totalizava 512 gestores públicos. Dessa composição, 73,2%

são de mulheres para 26,8% de homens, demonstrando assim uma prevalência do sexo

Page 70: JACY CORRÊA CURADO final

69

feminino entre os gestores do Programa.

Dos 87 agentes de acompanhamento familiar do Programa de Inclusão Social de

Campo Grande, 21 participaram da pesquisa, perfazendo 24,1% do total de agentes do

Programa. Dos gerentes regionais do PIS de Campo Grande, 100% participaram da pesquisa,

pois o município está mapeado em sete grandes regionais para fins das políticas públicas. Da

equipe de coordenação e capacitação, participaram a superintendente regional, a coordenadora

estadual e municipal do PIS de Campo Grande, além de gestoras da Coordenação da Gestão

de Programas Sociais do Governo do Estado (COGEPS), coordenadora e membros da equipe

de capacitação.

No período da realização da pesquisa, a equipe de trabalhadores sociais do PIS atendia

69.840 famílias, e dentre os titulares14 do benefício do Programa, 75% (52.520) são mulheres

e 25% (17.320) são homens.

3.6. PROCEDIMENTOS DE COLETA: OFICINAS TEMÁTICAS

Para a coleta do material discursivo foram realizadas quatro Oficinas sobre “Os

Sentidos do trabalho social” com trabalhadores do PIS, do Governo do Estado de Mato

Grosso do Sul, no período de abril a agosto de 2006.

As oficinas foram realizadas na sede do Programa de Inclusão Social, na sala da

Superintendente Estadual do Programa, por se configurar como um espaço adequado: cadeiras

disponibilizadas em círculo, ar-condicionado, isolamento de barulho, além da garantia de não

interferência de terceiros durante a realização das oficinas. Outro fator que influenciou a

escolha desta pesquisadora por esse local, foi a facilidade de acesso aos participantes, pois

todos freqüentam a sede do programa ao menos no início e final do turno de trabalho, e

também por ser o local de reuniões de planejamento, avaliação, treinamentos e outros.

As Oficinas foram marcadas conciliando o melhor horário para os participantes e da

disponibilidade da sala. A pesquisadora realizou o convite para a participação nas oficinas da

14 Titular é o conceito utilizado pelo Programa de Inclusão Social para designar a pessoa responsável pelo

benefício concedido pelo Programa.

Page 71: JACY CORRÊA CURADO final

70

pesquisa em uma reunião geral da equipe do Programa, quando as pessoas interessadas

poderiam preencher a ficha de inscrição, escolhendo o horário da Oficina. Um cartaz com a

lista de inscrição foi anexado no Mural, na sede do Programa, e também disponibilizado na

sala da administração municipal do Programa. A duração das Oficinas variou entre 1 hora e

30 minutos a 2 horas e 30 minutos, de acordo com a intensidade de participação e motivação

dos integrantes. O Quadro 2 apresenta as informações sobre a realização das quatro oficinas.

QUADRO 2 - Realização das Oficinas sobre os sentidos do trabalho social

Participantes Oficina

Grupo n Data realização

Oficina 1 Agentes de acompanhamento familiar 12 11/04/2006

Oficina 2 Gerentes regionais de Campo Grande 7 24/05/2006

Oficina 3 Agentes de acompanhamento familiar 9 07/06/2006

Oficina 4 Equipe de coordenação e capacitação 9 02/08/2006

Conforme mencionado, o modelo de oficina utilizada foi uma adaptação da

metodologia de oficina desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisa e Estudos sobre Práticas

Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano, do Programa de Estudos de Pós-Graduados

em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (SPINK, M., 2003a,

2003b) (Modelo da Oficina).

As cadeiras foram numeradas e disponibilizadas em forma circular. Contou-se com a

colaboração de duas psicólogas, ex-alunas da pesquisadora, para auxiliar na condução da

Oficina. Uma delas havia realizado estágio curricular no Programa de Inclusão Social em

2004.

As Oficinas foram integralmente gravadas para posterior transcrição. No início de

cada uma das Oficinas, foram distribuídos e lidos pela pesquisadora o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido, para ser assinado por todas(os) participantes. Foram,

também, distribuídos papéis, tarjetas de cartolinas e canetas para a execução dos trabalhos.

As Oficinas foram organizadas em quatro momentos de acordo com os objetivos e

formulários de sistematização, previamente elaborados. Primeiramente realizaram-se a

identificação do grupo de participantes e a autorização individual para a realização da Oficina.

Page 72: JACY CORRÊA CURADO final

71

No segundo momento, aplicou-se a técnica de associação de idéias relacionadas com a

palavra social; após esse momento, solicitou-se um relato escrito das experiências mais

marcantes de trabalho social e posterior discussão dos sentidos atribuídos pelo grupo ao

trabalho social e as formas de empoderamento.

Dessa forma, realizaram-se as quatro Oficinas Os sentidos do trabalho social, com

bastante serenidade e desenvoltura, pois o espaço propiciou que as(os) participantes, a

pesquisadora e a auxiliar se sentissem integradas(os) e envolvidas no processo, o que facilitou

a fluidez das discussões sem muitas resistências.

Outro fator importante da pesquisa foi a possibilidade de sensibilização sobre o

trabalho social durante a realização das Oficinas, pois se considerou um espaço para reflexão

e análise de condições de vida como trabalhadoras sociais, e por isso, não sem muita emoção

durante os relatos e discussões.

3.7. PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

A própria metodologia das Oficinas forneceu um roteiro de análise que foi organizado

por meio das seguintes atividades:

a) atividade 1: Apresentação da oficina e registro de informações sobre os

participantes;

b) atividade 2: Associação de palavras com o termo “social”, com o registro das

palavras que emergiram (exercício 1);

c) atividade 3: Relatos e discussão das vivências do trabalho social, com o

recolhimento das tiras com os relatos de situações (exercícios 2);

d) atividade 4: Discussões sobre a produção de sentidos do trabalho social, com a

gravação das discussões (exercícios 3).

Da atividade um, foi analisada a composição dos(as) participantes da pesquisa, seu

perfil por sexo e função. Na atividade dois (exercício 1), que resultou em 221 associações,

agruparam-se as associações em um formulário-síntese, excluindo as repetições, que deram

Page 73: JACY CORRÊA CURADO final

72

um total de 150 palavras associadas à palavra “Social” (APÊNDICE B).

A atividade três constou do relato de vivências do trabalho social a ser classificado em

trabalho militante, voluntário e profissional. Esses relatos consistiam em memórias de

situações importantes que influenciaram a escolha pessoal pelo trabalho social. Os relatos

escritos em tiras de papel foram sistematizados e quantificados nos formulários específicos de

cada oficina. A discussão das vivências desses trabalhos sociais forneceu dados para a análise

dos sentidos do trabalho social, pois mesmo sendo classificadas pelos próprios participantes,

não se percebeu uma diferença substancial dentre essas classificações do trabalho social,

como se havia pensado anteriormente.

Na atividade quatro, analisaram-se as práticas discursivas utilizadas para falar dos

sentidos do trabalho social e das formas de empoderamento, que foram extraídas das

discussões provocadas por três perguntas-eixo:

a) Diante das situações discutidas até o momento, alguém gostaria de falar sobre o

sentido que atribui ao trabalho social?

b) Quais os sentidos que vocês acham que as outras pessoas (a sociedade) atribuem

ao trabalho social?

c) Para finalizar, alguém gostaria de compartilhar as estratégias que utilizam para

enfrentar as dificuldades decorrentes do trabalho social?

Como último item de análise, a partir da pergunta três do roteiro da Oficina, traçou-se

um mapeamento das estratégias de empoderamento utilizadas pelos participantes da pesquisa

quando se encontram em situação de vulnerabilidade social por sua função de trabalhadores

sociais.

Page 74: JACY CORRÊA CURADO final

73

4. RESULTADOS: SÍNTESE DA SISTEMATIZAÇÃO DAS OFICINAS

Page 75: JACY CORRÊA CURADO final

74

Neste capítulo o objetivo é apresentar o processo que permitiu sistematizar e chegar

aos sentidos atribuídos ao trabalho social e possíveis formas de empoderamento, cuja

discussão é apresentada no capítulo cinco. Para tanto, adotou-se como estratégia apresentar

uma síntese da sistematização das oficinas realizadas.

Como discutido nos procedimentos de análise, a análise obedeceu à seqüência dos

exercícios desenvolvidos nas Oficinas Os sentidos do trabalho social, como demonstrados a

seguir.

4.1. PERFIL DOS PARTICIPANTES

As informações obtidas na primeira atividade consistiram na apresentação da oficina,

incluindo a assinatura dos consentimentos livres e esclarecidos por parte dos 37 participantes

e a identificação desses trabalhadores sociais.

Foi a partir dessa atividade que se traçou um sintético perfil sócio-demográfico dos(as)

participantes da pesquisa, conforme mostra as Tabelas 1 e 2.

TABELA 1 - Perfil dos(as) participantes da pesquisa, segundo o sexo

Oficinas Sexo

1 2 3 4 Total

Sexo feminino 10 (83,4%) 6 (85,7%) 8 (88,8%) 8 (88,8%) 32 (86,5%)

Sexo masculino 2 (16,6%) 1 (14,3%) 1 (11,2%) 1 (11,2%) 5 (13,5%)

Total 12 (100%) 7 (100%) 9 (100%) 9 (100%) 37 (100%)

Conforme mostra a Tabela 1, dos 37 participantes da pesquisa, 32 (86,5%) são do sexo

feminino para 5 (13,5%) do sexo masculino.

Page 76: JACY CORRÊA CURADO final

75

Com relação às funções ocupadas no Programa de Inclusão Social, 21(56,8%) são

agentes de acompanhamento familiar e, considerando que a equipe de agentes de

acompanhamento familiar era composta de 87 pessoas, participaram desta pesquisa 24,1% do

total de agentes (TABELA 2).

TABELA 2 - Perfil dos(as) participantes, segundo a função no PIS

Oficinas Grupo

1 2 3 4 Total

Agentes de acompanhamento familiar 12 9 - 21 (56,8%)

Gerentes regionais de Campo Grande - 7 - - 7 (18,9%)

Equipe de Coordenação e Capacitação - - - 9 9 (24,3%)

Total 12 7 9 9 37 (100%)

Os(as) gerentes regionais de Campo Grande perfazem 19% do total de participantes da

pesquisa, porém são 100% de gerentes dessa regional. Já a equipe de coordenação e

capacitação perfaz 24% dos participantes da pesquisa. Considerou-se equipe de coordenação e

capacitação, os profissionais que atuavam nas coordenações estadual e municipal de Campo

Grande, gestores da COGEPS e algumas gestoras da equipe de capacitação.

4.2. SISTEMATIZAÇÃO DE REPERTÓRIOS ASSOCIADOS À PALAVRA

SOCIAL

Como decorrência dessa segunda atividade (exercício 1), os repertórios associados à

palavra social foram transcritos para um extenso formulário, no qual se verificaram a

diversidade de associações e a freqüência com que apareceram no grupo, conforme Exemplo

1.

Page 77: JACY CORRÊA CURADO final

76

Exemplo 1:

FORMULÁRIO 2 - Associação de idéias

Discussão: Seqüência de associação de idéias à palavra Social.

Grupo: agentes de acompanhamento familiar

Data: 11/04/2006

Frequência Associações à palavra SOCIAL

Total

1) Trabalho em grupo

2) Cidadania x x x 3

3) Empoderamento x x 2

No total das quatro oficinas, obtiveram-se 221 associações. Extraídas as repetições,

obteve-se um glossário de 150 vocábulos (ou repertórios) utilizados para falar sobre o

“social”, o que mostra a polissemia de possibilidades de produção de sentidos (APÊNDICE

B).

Partindo desse glossário de 150 palavras associadas ao termo social, realizou-se uma

segunda sistematização em que se agruparam esses repertórios em dez categorias de sentidos

possíveis, extraídas da própria lista de associações: ajuda; auto-ajuda; direitos sociais;

transformação social; mercado profissional; assistencialista; político eleitoral; não

profissional; desapego ao dinheiro; risco à saúde.

Empreendendo um novo esforço de síntese, já contando com as análises das situações

de vivências do trabalho social, chegou-se a quatro sentidos-eixo, para o agrupamento dos

repertórios associados à palavra social, conforme mostra a Tabela 3.

Page 78: JACY CORRÊA CURADO final

77

TABELA 3 - Resultado do agrupamento de repertorias associados à palavra Social

Sentidos -eixo Total

Social como ajuda 40 (26,5%)

Social como direitos e transformação social 67 (44,5%)

Social como mercado profissional e gestão social 32 (21,5%)

Social como assistencialismo e político-eleitoral --------------

Outros 11 (7%)

Total 150 (100%)

Na atividade de associação de idéias, não foram encontrados repertórios que pudessem

identificar com o sentido de assistencialismo e político-eleitoral; contudo, na discussão das

vivências e dos sentidos do trabalho social e formas de empoderamento, eles aparecem como

sentidos que são atribuídos ao trabalho social pela sociedade, ou seja, pelos outros. Nesse

estágio da análise, alguns repertórios já apontavam para sentidos que eram transversais ao

trabalho social e remetiam às relações de gênero, trazendo sentidos de afeto como instrumento

de trabalho; de desapego financeiro no trabalho social e de não-profissionalismo no trabalho

social. Esses sentidos não foram quantificados, pois eles são engendrados por todos os demais

sentidos produzidos nas oficinas.

4.2.1.Das vivências de situações importantes do trabalho social

Nessa terceira atividade, os(as) participantes escreveram no papel três vivências

pessoais que entendiam serem importantes no trabalho social. Posteriormente, foi solicitado

aos participantes que classificassem essas situações como trabalho social militante, voluntário

ou profissional. A sistematização dessas vivências e sua classificação foram feitas por meio

do formulário, conforme Exemplo 2.

Page 79: JACY CORRÊA CURADO final

78

Exemplo 2:

FORMULÁRIO 3 – Classificação das vivências

Discussão: Classificação do trabalho social

Grupo: equipe de coordenação e capacitação

Data: 02/08/2006

Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− Identidade: época da ditadura. Buscar/querer que mais pessoas participem, que não sejam “manipuladas”.

X

− Movimento de Mulheres: quase na mesma época da Pastoral da Juventude, reforçou minha identidade de mulher, entendimento do que é ser feminista e o movimento fortemente estruturado do poder patriarcal da sociedade.

X

− Comunicar a morte do filho a uma mãe. X

Como resultado, obteve-se o relato de 99 vivências, devidamente classificadas

pelos(as) participantes, que apresentou a seguinte distribuição: 73 relatos classificados como

trabalho profissional; 16 como trabalho voluntário e 10 como trabalho militante. Essas

vivências foram discutidas entre o grupo, gravadas e transcritas para posterior análise dos

sentidos atribuídos ao trabalho social.

4.3. OS SENTIDOS DO TRABALHO SOCIAL E AS FORMAS DE

EMPODERAMENTO

Na quarta e última atividade, as discussões sobre trabalho social e formas de

empoderamento foram incentivadas a partir de três perguntas, que forneceram material muito

rico para a análise dos sentidos do trabalho social. Como exemplo das discussões, são

transcritas algumas falas, referentes a cada pergunta (Exemplo 3).

Page 80: JACY CORRÊA CURADO final

79

Exemplo 3:

Comentários da classificação do trabalho social

Pesquisadora: [Pergunta 1] Diante das situações discutidas até o momento, alguém gostaria de falar sobre o sentido que atribui ao trabalho social ?

Participante 12: É um sentido de pertença do processo de transformação... eu faço Psicologia e acho que só eu me interesso por isso... nesta linha social de 60 acho que é só eu... é complicado... você deixa de fazer para gente para fazer para os outros... é gratificante.

Participante 5: Pode acabar, acho que não, eu tenho um aluno que eu alfabetizei 8 anos atrás... ele diz “eu esqueço da escola, eu esqueço do governo, mas da sra. jamais eu vou esquecer, porque a sra. me alfabetizou ”... essa família jamais vai te esquecer, na cabeça dela vai estar a sua foto...

Pesquisadora: [Pergunta 2] Quais são os sentidos que vocês acham que as outras pessoas/sociedade atribuem ao trabalho social?

Participante 6: Eles não têm consciência social como a gente tem, a julgam, criticam... acham que a gente fica sentada aqui o dia inteiro sem fazer nada...

Participante 2: Quando a sociedade não conhece eles colocam que é assistencialista... mas quando a gente vai esclarecer eles mudam.

A partir das discussões realizadas com essas duas perguntas, reafirma-se a pertinência

dos quatro sentidos-eixo que emergiram da atividade de associação de idéias – trabalho social

como ajuda, como promotor de direitos e transformação social, como mercado profissional e

gestão social, como estratégia político-eleitoral e assistencialista. Além disso, emergiu com

maior nitidez o quinto sentido, já anunciado, mas ainda de maneira tímida, que são os

repertórios que trazem sentidos de transversalidade no trabalho social (afeto, desapego

financeiro e não-profissionalismo), que podem ser mais bem compreendidos por meio da

perspectiva de gênero.

Encerrando essa síntese, são apresentados exemplos aplicados à última pergunta, que

está relacionada com essa transversalidade das relações de gênero e se refere às estratégias de

empoderamento, que são utilizadas pelos participantes da pesquisa em seu cotidiano do

trabalho social (Exemplo 4).

Page 81: JACY CORRÊA CURADO final

80

Exemplo 4:

Comentários da classificação do trabalho social

Pesquisadora: [Pergunta 3] Para finalizar, alguém gostaria de compartilhar as estratégias que utilizam para enfrentar as dificuldades decorrentes do trabalho social?

Participante: Quando eu entrei aqui, eu pensei que ia enlouquecer, não ia dar conta, eu olhei para minha vida, dentro da minha casa, meu esposo, minha filha, da minha família em geral, e pensei no que eu tinha conhecido, porque eu também não tinha noção desta realidade toda, então o que eu coloquei para mim, que eu poso, e que minha vida é maravilhosa, que eu não estou sozinha, eu tenho colega, ela me ajudou muito, ela lutou muito do meu lado.

Participante : Ah, a gente conversa com o outro, desabafa. Às vezes aquela pessoa passou pela mesma situação que a gente e compartilhando as experiências eu fica mais aliviada...

Com a análise desses relatos, realizou-se um mapeamento das estratégias de

empoderamento do trabalho social, utilizadas pelos(as) participantes da pesquisa quando se

encontram em situações de vulnerabilidade em função de seu trabalho.

Como afirmado no início deste capítulo, o objetivo foi apresentar o processo que

permitiu chegar a uma síntese temática que agrega cinco grupos de sentidos-eixo, que são

atribuídos ao trabalho social e a possíveis formas de empoderamento, que serão discutidos no

próximo capítulo.

Page 82: JACY CORRÊA CURADO final

81

5. DISCUSSÃO TEMÁTICA: OS SENTIDOS DO TRABALHO

SOCIAL

Page 83: JACY CORRÊA CURADO final

82

No capítulo anterior, apresentou-se a construção analítica dos cinco sentidos-eixo que

serão discutidos neste capítulo. Dos cinco eixos, três resultam das vozes dos(as) participantes

da pesquisa como trabalhadores sociais (trabalho social como ajuda, como promotor de

direitos e transformação social, como mercado profissional e gestão social). O quarto eixo,

trabalho social como estratégia político-eleitoral e assistencialista, resulta da presentificação

de diferentes vozes sociais, trazidas pelos participantes. Finalmente, o quinto sentido-eixo

resulta do processo mais refinado da análise feita pela pesquisadora, que são sentidos

transversais atribuídos ao trabalho social e atravessados pelas relações de gênero e que

remetem aos sentidos de afeto como instrumento de trabalho; de desapego financeiro no

trabalho social e de não-profissionalismo no trabalho social.

5.1. TRABALHO SOCIAL COMO AJUDA

A ajuda, no seu tempo longo, remete às matrizes das práticas socioassistenciais da

sociabilidade primária (CASTEL, 1999), baseadas nas relações entre as famílias mais

abastadas aos mais necessitados, como o mendigo, o mendicante, o miserável, indigente e

carente, com forte presença dos discursos e práticas da caridade e da “ajuda ao próximo” de

origem religiosa.15 Na discussão articulam-se os repertórios e as discussões das oficinas com

aspectos da literatura que fala do tempo longo e vivido do trabalho social como ajuda.

5.1.2. Repertórios que expressam ajuda social

Da seqüência de associação de idéias à palavra social, foram classificados alguns

repertórios que compõem o glossário (APÊNDICE B) disponível para dar sentido trabalho

social como ajuda – trabalho social como ajuda: repertórios em uso:

− Carente − Dedicação − Compreensão

− Povo − Doação − Humanidade

15 Ajuda: auxílio, amparo, socorro. Ajuda de custo. Quantia suplementar paga por determinado serviços ou dada

para determinadas despesas. Ajudar: Dar ajuda; auxiliar, socorrer, favorecer facilitar, propiciar. Auxiliar, fazer alguma coisa. Prestar auxílio a alguém (FERREIRA, 1999, p. 80-81).

Page 84: JACY CORRÊA CURADO final

83

− Gente − Fraternidade − Humanismo

− Pobreza − Esperança − Semente

− Fome − Vida − Solidariedade

− Amor − Caridade − Envolvimento

Do total de 150 palavras associadas ao termo social, 40 delas (26,6%) foram

identificadas como pertencentes ao sentido-eixo do trabalho social como ajuda. Constatou-se

que muitos repertórios associados à ajuda, apresentados nas Oficinas, mostram a permanência

de sentidos atribuídos aos aspectos sociais encontrados nos textos históricos sobre o tema

(CASTEL, 1999).

Ao comparar com os repertórios analisados nas Oficinas com a literatura consultada,

identificaram-se várias nomeações sobre a pessoa que é objeto da ajuda social, que foram se

constituindo a partir da Idade Média, principalmente até o século XVI, em que houve uma

forte presença das práticas de benevolência com sentido religioso, ainda sem uma presença

significativa do Estado. A pessoa, objeto da ajuda social, encontrado na literatura, recebe as

nomeações: andarilho, suplicante, estropiado, indigentes, paralíticos, humilde, mancos, pobre,

vagabundo, carente, cegos, manetas, mutilados, mendigo, retardados.

Nas Oficinas realizadas, com referência à pessoa, que é objeto da ajuda, registraram-se

repertórios novos, como povo e gente.

Conforme breve pesquisa realizada na literatura Castel (1999), Faleiros (1997), Costa

(1983), Vasconcelos (2002), os repertórios do tempo longo, indicaram e subsidiaram a

identificação de matrizes socioassistenciais relacionadas com o sentido da ajuda como prática

do trabalho social, alguns exemplos:

− Asilo − gratidão − nativos

− benemerência − higienismo − pobreza

− bondade − impotência − readaptação

− caridade − indignidade − reintegração

Page 85: JACY CORRÊA CURADO final

84

− chagas − maldade − repressão

− degenerescência − miséria − socorro

− eugenia − missionários − sofrimento

− flagelo

Nas Oficinas, outros repertórios emergiram nos discursos e nas práticas sociais

remetendo-os às noções de humanismo, solidariedade, doação e não aos sentidos de

benemerência, bondade, gratidão entre outras.

5.1.3. Categorização do Trabalho Social como ajuda

No Quadro 3, são exemplificados os sentidos do trabalho social como ajuda, extraídos

das Oficinas – relativa à discussão sobre os sentidos do trabalho social –, agrupando-os em

relação às pessoas objeto de ajuda, às práticas sociais dos participantes e estratégias e

repertórios que os remetem aos objetivos do trabalho social.

Page 86: JACY CORRÊA CURADO final

85

QUADRO 3 - Categorização do Trabalho Social como ajuda

Agrupamento Transcrição Pessoas objeto da ajuda − gente doente

− entrevados

− pessoas deprimidas, carentes, desanimadas

− crianças

− adolescentes

− família

Práticas sociais − ser um ombro amigo, companheiro, pessoa com quem a gente se abre, que conversa

− dando a mão e caminhando com eles

− o que eles querem é isso, abraçar, chorar.

− a confiança deles é tanta, é mutua a confiança

− é interessante o envolvimento que a gente tem com a comunidade

− eu acredito assim que a gente tem que dar o melhor, dar o melhor de si, a gente precisa gostar principalmente, se não gostar não tem como dar o melhor

− com envolvimento

− trabalho voluntário

− trabalho emergencial

Estratégias − dar oportunidade tanto na sua vida pessoal e profissional

− conseguir dar uma renda, um salá rio

− ajudá-los a crescer e desenvolver

− poder ajudar a família

Dentre as pessoas identificadas como objeto da ajuda, o doente, tanto físico como com

problemas psicológicos (depressão e desânimo), é o mais recorrente. A expressão pessoa

carente, oriunda das práticas de caridade, ainda está presente, e também a criança, o

adolescente e a família, na maioria das vezes na posição de doentes ou de portadores de

alguma enfermidade.

Das práticas sociais como ajuda, o interessante é a presença dos atributos físicos e

corporais como instrumento de trabalho, expressos nas frases “dar o ombro, chorar junto,

abraçar”, indicando a importância do contato, da proximidade, encontrado na origem do

trabalho social, que endereçava a ajuda exclusivamente aos mais próximos e à vizinhança,

conforme discute Castel (1999). Por conseguinte, para ajudar é preciso se envolver

emocionalmente, “tem que gostar”, demonstrando que as necessidades sociais não são

Page 87: JACY CORRÊA CURADO final

86

somente de base material, mas também da ordem do psicológico, do emocional e espiritual. E

a forma como essa prática se apresenta é da forma voluntária, para além da obrigação ou do

prescrito para a função do trabalho social, e é algo emergencial, que pode trazer auxílio,

amparo, socorro, não algo processual e permanente.

As estratégias da ajuda social podem ser retratadas como o “dar a mão”, “caminhar

juntos”, dar alguma coisa, como oportunidade, salário, ajudar a crescer, de acordo com a

capacidade da pessoa que está realizando a ajuda. O ato de doar, dar, é encontrado em

diversas falas, podendo ser considerada a principal estratégia da ajuda social que requer

disposição para a doação.

5.1.4. Trabalho Social como ajuda: sentidos em destaque

Serão destacados dois sentidos de ajuda social considerados as mais importantes

dentre os apresentados pelos(as) participantes das Oficinas. Discute-se a ajuda ao doente, ao

enfermo, apresentando diversos tipos de doenças e doentes, sendo a maior ênfase dada ao

câncer como alvo da ajuda e o sentido de ajuda ao próximo, a partir da matriz religiosa.

5.1.4.1. A ajuda ao doente, ao enfermo

Consideram-se as doenças e os doentes como construções históricas e sociais, que

variam de acordo com o momento histórico e a conjuntura epidemiológica de uma sociedade.

Mapearam-se as seguintes doenças e os portadores de doença-alvo da ajuda social expressos

nas Oficinas (Formulário 3):

− câncer − problemas psicológicos

− portadores de necessidades especiais motoras

− distúrbios alimentares

− portadores de HIV − paralisia cerebral

− câncer fígado − desnutrição

− deficiente mental

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87

Das doenças mapeadas, encontram-se as epidemias mais recentes como o HIV/AIDS e

o câncer de fígado como alvo da ajuda dos trabalhadores sociais, como demonstra a fala a

seguir:

Primeiro fato marcante foi uma visita feita a residência de uma beneficiária que estava em fase terminal de HIV - desnutrição e CA de fígado. Estava acamada há 1 mês e o esposo já bem debilitado também, não tinha mais forças para trocá-la nem dar banho. Chamamos os bombeiros e pedimos a internação da mesma. No dia seguinte ela veio a falecer. (Oficina 02)

As doenças psicológicas também se fazem presentes, como os distúrbios alimentares e

problemas psicológicos, além da paralisia cerebral e deficiência mental:

Visita que fui fazer para inclusão e deparei com uma criança com problema psicológico e não comia comida somente tomava líquidos como leite e suco artificial . (Oficina 03)

A dimensão psicológica é abordada na Oficina relacionando-a com a pobreza, pois

apesar dessa problematização, ainda o estar doente apresenta-se em alguns momentos de

forma “naturalizante” como a expressa a fala a seguir:

[...] as pessoas não tem necessidade somente de um benefício que complemente a sua renda... as necessidades vão além, as pessoas estão muito carentes, deprimidas, desanimadas, muitas vezes por esses fatores não conseguem administrar suas vidas de um modo geral, mas as vezes eu me pergunto, são fatos que acontecem em decorrência somente da pobreza? (Oficina 03)

[...] Quando incluí no programa uma senhora, com aparência frágil, pálida de fome com 3 crianças. Ela deixara de comer para alimentar os filhos. (Oficina 01)

Identificou-se a ausência de práticas discursivas em relação à educação em saúde,

particularmente sobre adesão e formas de tratamentos aos doentes e doenças.

Quando visitei uma senhora de 85 anos que tem 2 filhos especiais com mais ou menos 60 anos que não andam e não falam. Até hoje ela cuida deles com se fossem crianças. (Oficina 01)

Família usuária do programa, onde todos na casa estão com tuberculose, inclusive as crianças. Descobri essa situação em reunião com as famílias na igreja. (Oficina 01)

Page 89: JACY CORRÊA CURADO final

88

5.1.4.2. Doar ao próximo pela caridade religiosa

Abaixo, apresenta-se o um mapeamento extraído das falas de participantes das

Oficinas, sobre as práticas discursivas de ajuda de cunho religioso (Formulário 3):

− sacolão − desenvolver atividades na igreja, com crianças e adolescentes

− vaquinha − cantar para enfermos em hospitais, asilos

− levar à igreja − doação de alimentos, brinquedos

− visitar hospitais na época de natal e ano novo

− brincar com crianças enfermas

A doação poder ser considerada uma das principais práticas discursivas relacionadas

com a ajuda social. A doação de alimentos, de brinquedos, alimentos, doação do tempo estão

presentes nas ações beneficentes da igreja, que são realizadas por participantes da pesquisa.

[...] também voluntárias da sociedade, que colaboravam junto com o grupo, pra gente tá levando alguma coisa, como brinquedos, até mesmo a questão de alimentos, algumas pessoas doavam alimentos, pra gente estar levando às essas Instituições. (Oficina 04)

Sabendo a necessidade de uma família que estava passando, resolvi junto com minha esposa levar sacolão para suprir as necessidades do momento com, isso esta família agradece até hoje por este gesto de caridade. (Oficina 03)

Levar amparo, auxílio aos enfermos também se faz comum como demonstra um

participante da pesquisa, que é praticante religioso:

No final do ano a gente freqüenta o R.P. [Hospital Regional] e canta para o pessoal que esta internado, é uma emoção muito grande... . (Oficina 03)

[...] também todos os dias dos pai e mãe a gente vai ao asilo São João Bosco, agenda com ela, leva equipamentos, som, levamos coquetel a maioria passa sem ninguém lá dentro. (Oficina 03)

Page 90: JACY CORRÊA CURADO final

89

Sendo a ajuda um dos principais sentidos atribuídos ao trabalho social, deve-se levar

em consideração a presença da matriz religiosa preponderante nessas práticas sociais. Os

repertórios linguísticos desses sentidos nos remetem para uma discussão da dimensão de

gênero em uma perspectiva transversal. Não obstante, como será visto no próximo tópico, um

importante sentido atribuído ao trabalho social está relacionado com a Era dos Direitos,

apresentando uma mediação do Estado nas práticas sociais, conforme discute Bobbio (1992).

5.2. TRABALHO SOCIAL COMO PROMOTOR DE DIREITO E

TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Dos sentidos do trabalho social produzidos pelas Oficinas, foram identificados os

relacionados com os direitos, que remetem à noção de cidadania apontando uma forte

presença do Estado como seu provedor. A matriz dos sentidos dos direitos está

intrinsecamente ligada ao surgimento do conceito de democracia, que segundo Bobbio (1992,

p. 1), “[...] é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são

reconhecidos alguns direitos fundamentais”. Considera a linguagem dos direitos como “[...]

ambígua, pouco rigorosa e frequentemente usada de modo retórico” (BOBBIO, 1992, p. 9)

Menegon (2006, p. 172) confirma esta opinião comentando que “[...] falar de linguagem de

direitos é ir além... é adentrar na polissemia de sentidos com os desafios que isso traz”.

Situam-se os sentidos de direitos como pertencentes à matriz da Modernidade Clássica

ou Sociedade Industrial, que é uma forma de organização social marcada pela emergência dos

Estados-Nação e pelo capitalismo contemporâneo, datado pela Revolução Industrial, que se

pauta pela distribuição de bens, tendo no Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) o seu

principal modelo de desenvolvimento. É na Modernidade Clássica que a noção de direitos

sociais e cidadania se consolidam e impactam nas diversas formas de organização e

pensamento social (SPINK, M., 2004b; BOBBIO, 1992). O Estado do Bem-Estar Social é

caraterizado pela presença do Estado na distribuição de benefícios sociais, ou na redução das

desigualdades sociais e, mais recentemente, na promoção da inclusão social.

Page 91: JACY CORRÊA CURADO final

90

5.2.1. Repertórios que expressam direitos e transformação social

Dos 150 repertórios associados ao termo social, foram identificados 67 vocábulos

(44,6%) relacionadas com os sentidos de direito e transformação social, o que perfaz o maior

escore dentre os sentidos de trabalho social produzidos nas Oficinas.16

Abaixo, apresentam-se os repertórios associados aos sentidos de direito e

transformação social pelos(as) participantes das Oficinas (Formulário 2):

− educação popular − bem-estar − estado

− serviço social − comunicação − democracia

− assegurar − dignidade − garantia

− direito − emprego − mudanças

− visibilidade − aposentadoria − verdade

− garantia − segurança − políticas públicas

− acesso a serviços − aprendizagem − inclusão

− integração − assistência justiça − exclusão

− direitos e deveres − cidadania − conscientização

− troca de experiência − ética − luta

− socialização − gênero − busca

− emancipação − cidadania − ação

− empoderamento − justiça − companheirismo

− educação − desigualdade − liberdade

− saúde − compromisso − ideais políticos

− família − igualdade − batalha

− trabalho − autonomia − despertar

− renda − transformação − comprometimento

16 Direito : Conjunto de leis que determinam a forma por que se devem fazer valer os direitos; conjunto de leis

reguladoras dos atos judiciários; direito constituição e a competência dos órgãos do Estado, assim como o exercício dos direitos e poderes políticos dos cidadãos e a estes concedem o gozo dos serviços públicos e dos bens do domínio público (FERREIRA, 1999, p. 688).

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91

− habitação − injustiça − participação

− cultura − equidade −

É importante salientar que as noções de direito produzidas nas Oficinas da pesquisa se

alinham ao que Bobbio (1992, p. 5) nomeia como Direitos Sociais, que o autor classifica

como os direitos de segunda geração, que se referem à “[...] proteção ao trabalho contra o

desemprego, os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo, depois a

assistência para invalidez e a velhice.” Segundo Manzini-Covre (2002, p. 14), Direitos Sociais

“[...] são todos aqueles que devem repor a força de trabalho, sustentando o corpo humano –

alimentação, habitação, saúde, educação, etc.”.

Das palavras associadas ao termo social, a cidadania, justiça, desigualdade e

compromisso são as mais recorrentes e são oriundas do Estado de Direitos (BOBBIO, 1992).

Dentre os tipos de direitos, os sociais são os mais citados e, dentre estes, a educação é

considerada o principal repertório mapeado, seguido por saúde e trabalho. Segundo o autor,

esses direitos não saíram do papel, apesar de constarem em diversar declarações.

O cidadão é o principal sujeito da ação social, não mais o mendigo, carente e

indigente, tão presentes nos sentidos do trabalho social como ajuda. A noção do direito à

equidade traz o repertório bordão “para todos, para todas”. Essa noção, segundo Bobbio

(1992, p. 3), é fortemente encontrada nos discursos do Estado Moderno, pois “[...] passou-se

da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um

modo diferente de encarar a relação política não mais predominantemente do angulo do

soberano, e sim daquele do cidadão”.

Agruparam-se, também, repertórios com sentidos de transformação social nas

estratégias de ação como luta, despertar, participação e a conscientização encontradas em todo

o material de educação popular com base freiriana e das Comunidades Eclesiais de Base

(CEBs), conforme discute Pereira, W. (2002, p. 64):

O paradigma da Educação Popular é compreendido como um conjunto de idéias políticas, filosóficas e pedagógicas que nasceram com os movimentos de Educação de Base e Cultura Popular no final da década de cinqüenta e início dos anos sessenta e que cresceram o interior da resistência popular nos anos setenta e início dos oitenta.

Page 93: JACY CORRÊA CURADO final

92

Apesar de existir no discurso uma crítica ao sistema capitalista e algumas falas sobre o

socialismo como sociedade idealizada, o principal sentido dado à transformação social

também se refere ao acesso aos direitos e à cidadania dentro de uma concepção do Estado de

Direito.

5.2.2. Caracterização do Trabalho Social como portador de Direitos e

Transformação Social

Conforme exemplifica o Quadro 4, entre as referências às pessoas portadoras de

direitos, às práticas sociais e às estratégias de ação do trabalho social como direito e

transformação social, observa-se uma extensa produção discursiva permeada por múltiplas

matrizes que norteiam o fazer social.

QUADRO 4 - Categorização do trabalho social como direitos e transformação social

Agrupamento Transcrição

Pessoas portadoras de direitos

− é uma pessoa

− adolescente

− crianças

− índios

− mulher

− agente transformador

Práticas sociais − reuniões socioeducativas

− reuniões com palestras

− roda de bate-papo, conversas sobre direitos e deveres sobre cidadania

− é um trabalho de formiguinha

− pegar da raiz,

− você começa a explicar isso, mostrar como é a cultura indígena

Estratégias - mostrando para eles a visão política

- luta pela justiça, pela igualdade - luta pela igualdade...para ela o que interessa é a família e não o

candidato

- faz com que ela amplie sua visão do modo de lidar - faz enxergar um mundo diferente

Page 94: JACY CORRÊA CURADO final

93

Foram identificados novos atores sociais, como os indígenas, as mulheres e os negros,

além da criança e do adolescente, não mais vinculados a doenças, mas sim constituindo

cidadãos de direitos. A pessoa também é usada para nominar o sujeito social de direitos.

Segundo Bobbio (1992, p. 72), com os direitos sociais ao lado do homem abstrato e genérico

dos direitos de liberdade surgem “[...] novos personagens como sujeitos de direito,

personagens antes desconhecidos nas Declarações dos Direitos de liberdade: a mulher e a

criança, o velho, o muito velho, o doente e o demente, etc.”.

A conscientização, o enxergar, o ampliar a visão são prioritários como estratégias de

ação. Se comparadas com as estratégias dos sentidos de ajuda, observa-se a primazia dos

fenômenos ideológicos e da consciência sobre as ações vinculadas ao corpo, como o abraçar,

dar o ombro e chorar junto.

Nesse caso, o espaço da conscientização são as reuniões, encontros, palestras, que

justificam o discurso recorrente de que os agentes de transformação social “só fazem

reuniões”.

Quanto às estratégias de ação, a igualdade e a justiça, termos estes vinculados à Era de

Direitos, e fortemente presentes nos discursos da sociedade industrial, são assinaladas como

de maior ênfase. O Estado de Direito é lembrado por meio da Lei Orgânica de Assistência

Social (LOAS), Lei n. 8.742, de 07 de dezembro de 1993, que é o mais recente ordenamento

público das políticas sociais do Brasil. A linguagem de direitos como forma de transformação

social, de cunho socialista, ou a luta de classes de cunho marxista, foram poucas vezes

expressos como projeto político entre os trabalhadores sociais nas Oficinas. Tomando como

base as discussões, observamos que apesar das críticas ao capitalismo, busca-se a

transformação social a partir das garantias dos direitos sociais e da construção da cidadania.

5.2.3. Trabalho Social como promotor de Direitos e Transformação Social:

sentidos em destaque

Os sentidos de destaque do trabalho social como promotor de direitos e transformação

social estão relacionados a conscientização e o acesso do direito à educação como estrategia

de transformação social.

Page 95: JACY CORRÊA CURADO final

94

5.2.3.1. Conscientização

A conscientização ainda é a principal estratégia de transformação social, como se pode

observar na próxima fala:

[...] nós vamos morrer e as sementes do Che Guevara vão germinar ainda aqui... que é infinito, nós não vamos ver, mas é uma coisa que vai ficar. (Oficina04)

Não se tem a intenção de fazer uma discussão do conceito de consciência, que é um

termo que marcou o pensamento teórico e a práxis social na modernidade. O termo

conscientização se situa no campo dos fenômenos ideológicos e possui, entre suas matrizes, o

Marxismo, a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire e a Teologia da Libertação, que tem

como seu expoente Leonardo Boff. Essas matrizes serviram de subsídios teórico-

metodológicos para a prática do trabalho social das CEBs e pastorais sociais, como diz um

participante da pesquisa:

Pastoral da Juventude: fiz formação integral a partir do grupo de jovem da Igreja Católica onde comecei a entender e discutir a questão do protagonismo, a consciência sócio-política e projeto de vida [...]. (Oficina 04)

Na academia, foram as metodologias participativas em pesquisa, como é o caso das

comprometidas pesquisas-ação participante, que propunham que ao pesquisar dever-se-ia

também conscientizar, o que nos remete às matrizes das estratégias de ação com sentidos dos

direitos e transformação social.

[...] compreender a pobreza, saber e ter consciência de como é gerada e vivida pela maioria da população. (Oficina 01)

Nessa perspectiva, na Psicologia, Lane (1985, p. 24), em sua proposta por uma nova

Psicologia Social, utiliza o conceito marxista de consciência de si para propor um novo

entendimento do comportamento humano:

Apenas quando formos capazes de, partindo de um questionamento deste tipo, encontrar as razões históricas da nossa sociedade e do nosso grupo social que explicam por que agimos hoje da forma como fazemos é que estaremos desenvolvendo a consciência de nós mesmos.

Page 96: JACY CORRÊA CURADO final

95

E, citando o russo Leontiev (1978 apud LANE, 1985, p. 24), a autora demonstra ser

fundamental o processo de conscientização nas práticas Psi, pois “[...] a consciência

individual do homem só pode existir nas condições em que existe a consciência social”.

Além do sentido de levar a consciência dos direitos para quem não as têm, o

pressuposto é de que o agente de conscientização tem que ter sido ou estar sendo

conscientizado, para poder levar consciência ao outro como relatam os participantes das

Oficinas em seu processo de formação:

[...] fui ao Fórum Social Mundial: grupos de trabalho, discussões, quantidade de pessoas, realidades relatadas. (Oficina 01)

[...] muitas vezes as famílias não sabem os direitos que tem em relação a associação de bairro ao posto de saúde essas coisas... você leva isso, você esta passando o que aprendeu para frente... (Oficina 04)

Como meio de promover a conscientização, observa-se que se privilegiam as reuniões,

a discussão, os encontros, palestras como demonstra o quadro das características do trabalho

social como direito.

As reuniões sócio-educativas foram um avanço, tanto para o programa que ganhou uma credibilidade assim como para os agentes que gostam e acreditam na emancipação das famílias. (Oficina 01)

5.2.3.2. Acesso à educação

A educação é posicionada como a principal via de acesso à inclusão e ascenção

social.

[...] famílias usuárias do PIS, com muito esforço fez vestibular e está cursando Universidade, essa pessoa me surpreendeu muito. (Oficina 02)

Dos Direitos Sociais, a educação é a que se apresenta como a principal forma de

alcançar a ascensão social. Vários são os relatos que demonstram a crença na educação como

forma de inclusão social, sobrepondo o direito à alimentação, que é um dos objetivos do

Programa de Inclusão Social. Em outras falas, encontram-se agentes que relataram

experiências desse trabalho com muito orgulho:

Page 97: JACY CORRÊA CURADO final

96

Outra experiência relevante é acreditar que o ser humano é capaz de ser sujeito de sua história; mesmo em situação de pobreza; Agradecer não pelo programa; mas em saber que tem direitos e olhar em seus olhos com lágrimas, dizer hoje eu aprendi ler e escrever meu nome através do BB educar, obrigada pela atenção professora se referindo a mim. (Oficina 04)

Bobbio (1992, p. 75) confirma essa posição de primazia da educação assinalando que

“[...] não existe atualmente nenhuma carta de direitos, para darmos um exemplo convincente,

que não reconheça o direito à instrução”. A seguir são apresentados alguns exemplos em que

o direito à educação é ressaltado como propiciadora de acesso à inclusão social:

Família que com boa vontade e com o benefício conquistou seu espaço em uma faculdade. (Oficina 02)

Filha de beneficiário assistido está no 3° semestre na faculdade de Pedagogia. [...] Nada disso seria possível sem o trabalho social. (Oficina 02)

[ ] o exemplo da beneficiária da bolsa escola, fez concurso, passou hoje esta terminando geografia, ela é mulher, é doméstica, é negra, e é o incentivo que o agente dá no bairro... (Oficina 03)

Já os direitos humanos estão presentes em menor escala nas falas das participantes das

Oficinas, por exemplo, os direitos da mulher. Todavia, há situações significativas, como o

relato desta agente social:

Uma beneficiária que sofreu agressões físicas do esposo e conseguiu denunciar, ficou em casa de guarda e hoje trabalha como enfermeira no posto de saúde. (Oficina 02)

Outras formas de direitos, como direito à saúde, à terra, à aposentadoria emergiram

com menor frequência nas discussões das oficinas, por vezes, depositando muita esperança

na educação como estratégia prioritária de inclusão e ascenção social, em detrimento de

pensar outros caminhos possíveis, como por exemplo, os movimentos e organizações sociais,

que apontassem para a superação coletiva das condições de exploração e desigualdades ainda

vividas pela população beneficiária dos programas de inclusão social.

Page 98: JACY CORRÊA CURADO final

97

5.3. TRABALHO SOCIAL COMO MERCADO PROFISSIONAL E

GESTÃO SOCIAL

O trabalho social como uma mercadoria não é propriedade da sociedade no sistema

liberal capitalista, pois sempre permearam essas práticas as trocas simbólicas que evocam

preenchimento afetivo, prestígio social, crescimento espiritual, um lugar no céu, entre outras.

Contudo, o que se está chamando de mercado e gestão social é a recente abordagem do

trabalho social como uma prática profissional que é pautada por uma racionalidade do

mercado, emprestando os termos e as concepções da área de gerência administrativa e gestão

de produção (ÁVILA, 2001; CARVALHO, 2001; MARINO, 2003).

O sentido de mercado e gestão social é encontrado com mais força no Terceiro Setor

da economia:

No campo social, tais relações ganham oxigênio do chamado terceiro setor (nem Estado, nem mercado), representado pela enorme expansão das organizações da sociedade civil e de fundações empresariais sem fins lucrativos, quem se movem em redes mundializadas, em estreita intimidade com organizações supranacionais, especialmente as organizações das Nações Unidas (ÁVILA, 2001, p. 8).

Segundo Ávila (2001, p. 16), a palavra gestão social se refere à gestão das ações

sociais públicas e, atualmente, “[...] a política social, os programas sociais, os projetos são não

apenas canais dessas necessidades e demandas, mas também respostas a ela”.

Todavia, ao se reportar aos resultados desta pesquisa fica claro que o fato de a

pesquisa ter sido realizada em um programa de inclusão social governamental e os

trabalhadores terem vínculos empregatícios e, portanto, remunerados, não fez com que essa

prática discursiva fosse a mais utilizada entre os participantes da pesquisa.

Page 99: JACY CORRÊA CURADO final

98

5.3.1. Repertórios associadas ao Mercado Profissional e Gestão Social

No que se refere aos resultados das associações feitas com o termo social, dos 150

repertórios associados ao social, 32 (21%) foram relacionados como tendo sentidos de

mercado17 profissional e gestão social, ficando atrás dos sentidos de direitos e de ajuda.

Abaixo, são apresentados exemplos de repertórios que integram as práticas discursivas

para falar sobre mercado profissional e gestão social (Formulário 2):

− usuário − prosperidade − parcerias

− beneficiário − interesses − encaminhar

− população de baixa renda − conceitos − formação

− sucesso − seriedade − protagonismo

− profissionalismo − sabedoria − cooperação

− benefícios − valor − opção

− sustentabilidade − potencial − pertencimento

− desenvolvimento − amplitude − qualidade de vida

− perspectivas − custo − atualização

− liberalismo − território

− capacidade − conhecer a realidade

Resultados, benefícios, potencial entre outras descritas fazem parte dos repertórios

utilizados nas práticas discursivas do mercado e gestão social. A pessoa da ação social é o

beneficiário, usuário e a população prioritária é a de baixa renda. Como repertórios

relacionados com as estratégicas de mercado profissional, encontra-se a parceria, a formação,

o protagonismo e o conhecimento da realidade, todos presentes nos manuais de gestão social,

que são compreendidos como ingredientes necessários para obter resultados e sucesso na

execução de uma política de programa social.

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99

5.3.2. Categorização do trabalho social como Mercado Profissional e Gestão

Social

Ao analisar o trabalho social como mercado profissional e gestão social, constatou-se

nas práticas discursivas do terceiro setor, que este está vinculado à matriz da gestão de

projetos de organizações não-governamentais e nos programas governamentais das políticas

sociais (ÁVILA, 2001). Também essas práticas discursivas foram encontradas nas novas

modalidades do trabalho voluntário, hoje regulamentado pela Lei n. 9.608/1998, que

regulamenta a gestão desse trabalho. No Quadro 5 a seguir, apresenta-se a categorização do

trabalho social como mercado profissional e gestão social.

QUADRO 5 - Categorização do Trabalho Social como ajuda

Agrupamento Transcrição Pessoa − beneficiária

− usuária

− população de baixa renda Práticas sociais − ---------------------------------------- Estratégias − trabalho que nós fazemos ele dá resultado é um trabalho que dá

resultado

− é muito gratificante, porque a gente vê que aquele trabalho que gente está fazendo está surtindo efeito

− um estímulo para nós fazermos assim

O usuário e beneficiário são as pessoas-alvo dos programas e políticas sociais. O

benefício adquire o significado de um direito conferido a alguém, e não mais o sentido de

favor, ajuda ou graça. A renda tem sido utilizada como indicador prioritário de caracterização

socioeconômica da população beneficiária ou usuária dos serviços expresso na nominação

população de baixa renda.

Não foram identificadas nas falas dos participantes das Oficinas, práticas sociais com

base no paradigma de mercado profissional e gestão social, apesar de apresentarem em alguns

momentos uma linguagem que corresponde a esse sentido.

17 Mercado: lugar onde se comercializam gêneros alimentícios e outras mercadorias. Conjunto de atividades de compra e venda de determinado bem ou serviço, em certa região; comércio.Gestão: ato de gerir; gerência, administração (FERREIRA, 1999, p. 1.319).

Page 101: JACY CORRÊA CURADO final

100

No que concerne às estratégias de ação, encontram-se resultados de ordem material,

subjetiva, espiritua l, política e também o uso dos resultados de inserção social como estímulo

e valorização dos trabalhadores sociais. Aí aparece um arsenal técnico social acompanhado de

uma linguagem de matriz empresarial, como avaliação de processo, resultado, impacto, marco

zero, eficiência, eficácia, ou seja, indicadores que vêm construindo novas práticas discursivas

no campo social.

5.3.3. Trabalho Social como Mercado Profissional: sentidos em destaque

Uma prática bastante comentada entre os trabalhadores sociais, participantes da

pesquisa, sobre quando são contatados pela mídia, é a clássica pergunta: Qual é o resultado

desse projeto? Segundo as participantes, não adianta falar de dados considerados subjetivos,

pois a mídia sempre quer números, estatísticas, indicadores numéricos e outros.

Os resultados são produtos de processos de avaliação e, segundo Carvalho (2001, p.

63), “[...] tornou-se imprescindível para captar recursos. Cada vez mais as agências

financiadoras exigem dados avaliativos dos resultados e impactos dos serviços”.

Porém, contrapondo essa necessidade do mercado social, encontram-se outros sentidos

como “resultado” do trabalho social, que não são quantificáveis pela linguagem numérica, tão

valorizada pela mídia e autoridades políticas. Na próxima fala de uma das participantes,

identifica-se resultados subjetivos, como aumento da consciência, auto-estima,

empoderamento:

No que se refere aos Programas do Governo do Estado de MS, algo que me chamou a atenção é a “pessoa” mudar de atitude; isto é ser incluída após um cadastro é através do acompanhamento, realmente ser identificado que a pessoa (usuário) mudou de vida; significa adquirir consciência crítica, auto-estima e alcançar transformação. (Oficina 04)

Observa-se uma exigência por resultados entre os(as) próprios(as) trabalhadores(as)

sociais, como expressa esta outra agente de acompanhamento familiar:

Eu gostaria de fazer mais... eu fico ansiosa... eu sou ansiosa... gostaria de ver o resultado total. (Oficina 01)

Page 102: JACY CORRÊA CURADO final

101

Há uma maior auto-suficiência dos beneficiários após mudança do beneficio para o cartão. (Oficina 01)

Nas práticas discursivas do mercado profissional, há uma preocupação em valorizar o

conhecimento técnico científico para melhor gerir os projetos e políticas sociais, que se

contrapõem à naturalização do trabalho social como um instinto ou uma vocação que

prescinde da capacidade técnica profissional, como demonstra esta fala:

Então, a minha opção dessa área social, dentro da Psicologia é me colocar à disposição de um maior número de pessoas, de colocar os conhecimentos científicos, a sua capacidade do seu serviço, daí você vê o quanto de capacidade você tem para servir e colocar isso à disposição das pessoas e ver o quanto de capacidade tem o ser humano. (Oficina 04)

5.4. TRABALHO SOCIAL COMO ESTRATÉGIA POLÍTICO-ELEITORAL

E ASSISTENCIALISTA

A prática do assistencialismo 18 tem assumido um sentido pejorativo e não se encontra

presente nas práticas discursivas dos trabalhadores sociais participantes da pesquisa, quando

se referem ao trabalho que realizam.

[...] Pô! Tem que acabar com essa porcaria de dar cesta, de dar dinheiro [...] [sentido atribuído pela sociedade relatado]. ( Oficina 04)

Contudo, foi amplamente utilizado como sentido atribuído pela sociedade, quando da

discussão evocada pela pergunta: Qual o sentido que vocês acham que as outras pessoas, a

sociedade e a mídia atribuem ao trabalho social?

Se você pegar a maioria vai achar que é assistencialismo, é coisa para dar voto [...]como eu também no passado já pensei assim, não tenho vergonha de falar isso[...] agora, a mídia e a grande imprensa e a grande sociedade, vê como assistencialismo: [eles falam] eu não consigo mais achar capataz, o povo ganha sacolão, não consigo mais arrumar doméstica, porque ganha sacolão, o povo não quer mais trabalhar... não tem mais doméstica, eles dizem em coro, infelizmente é isso... (Oficina 03)

18 Assistencialismo: Ação realizada com as camadas mais pobres da sociedade por pessoas, organizações

governamentais, não-governamentais ou empresas com o objetivo de apoiar ou ajudar, mas sem pretensões de transformar a realidade (PRÓ-MENINO/RISOLIDARIA, 2006).

Page 103: JACY CORRÊA CURADO final

102

O assistencialismo, diferente da assistência social, é caracterizado como uma prática

de dominação, expresso em uma relação de favor aos mais desfavorecidos, que devem

retribuir com gratidão. E essa gratidão poderá ser com a submissão e dependência dos

assistidos, principalmente em períodos eleitorais.

Como uma das matrizes do discurso assistencialista, encontra-se a conhecida

expressão “para inglês ver”, que nasceu como referência às leis que o Brasil se comprometeu

a cumprir diante das pressões inglesas contra o tráfico de escravos, mas que nunca foram

levadas à sério:

Enfim, havia uma estratégia de dar uma “satisfação” servil (mas enganosa) ao estrangeiro opressor (que, por sua vez, durante muito tempo fingia -se deixar enganar) com a finalidade de resguardar (com brios orgulhosamente nacionalistas) uma certa liberdade. No caso, a liberdade reivindicada e tão ardilosamente defendida era a de continuar mantendo uma feroz opressão sobre outros estrangeiros, os escravos. Enfim, de uma só vez, servilismo e resistência, orgulho e marotagem, brio e canalhice (FIGUEIREDO, 1995 apud RAMMINGER, 2001, p. 1).

Como mostrou essa análise, a prática discursiva do assistencialismo foi trazida na

pesquisa pelos trabalhadores sociais participantes das Oficinas, não como expressão de sua

prática profissional, mas sim para expressar o sentido que, segundo eles, é atribuído pela

sociedade ao trabalho social. A sociedade é materializada “pelo outro”, que no caso foi um

familiar, amigo, transeunte na rua, político, jornalista, profissional liberal, operador de direitos

entre outros que foram citados.

[fala sobre o “outro”] ... é para ganhar voto, porque nos temos uma história anterior de pouco trabalho social, tudo é por troca de voto. (Oficina 03)

Apesar de haver uma generalização do sentido negativo atribuído ao assistencialismo,

há uma diferença que deve ser ressaltada. Se por um lado, os trabalhadores sociais realizam

uma crítica buscando a superação desta prática social, a sociedade, o outro a faz na tentativa

de desvalorização e homogeneização de todas as práticas sociais como sendo assistencialista,

negando assim as diferenciações existentes e, principalmente, não reconhecendo a assistência

como um direito do cidadão como retrata as falas durante essa discussão nas oficinas:

[...] [eles pensam que] Trabalho Social é fazer caridade, é você ser bonzinho entre aspas e fazer as coisas conforme acha e não conforme uma política... (Oficina04)

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103

[eles] pensam que você é política, você é candidata a vereadora... (Oficina 03)

Para os participantes, os sentidos atribuídos pela sociedade, o trabalho social não

possui status de políticas públicas, ficando sempre à mercê da vontade política do governante

que o faz somente com interesse de manter o seu grupo no poder, e com essa racionalidade, o

trabalhador social não é reconhecido como profissional.

A concepção de classe social, que pouco esteve presente em outros momentos das

Oficinas, se apresenta como uma forma defensiva para contrapor a acusação da sociedade de

que o trabalho social por eles(as) realizado seja assistencialista ou eleitoreiro:

[...] elas não trocam mais sua força de trabalho por meia dúzia de bananas, isso que esta acontecendo e é isso que esta mudando... e é justamente isso que a sociedade e a elite esta assustada, entendeu... eu tenho que valorizar minha força de trabalho. (Oficina 03)

Na compreensão que os participantes das Oficinas possuem sobre os sentidos que a

sociedade atribui ao trabalho social, encontra-se uma certa animosidade no tratamento, tendo

em vista o uso de repertórios usados para ser referir à pessoa-alvo da ação social e ao valor

desse trabalho:

[sobre um evento] No microfone, daí o cara detonou mesmo a questão do Governo X, de distribuir bolsas para as famílias, entendeu? De dar dinheiro à “pobres, esses f.d.p.”... então a gente vê que a leitura que essas pessoas fazem da classe menos favorecida é de submissão, é de opressão é de controle social. (Oficina 04)

Nesse item, chamou nossa atenção a ausência de um posicionamento crítico dos

trabalhadores sociais participantes da pesquisa em relação às práticas assistencialistas e

político eleitorais da própria equipe, pois mesmo que uma ênfase maior seja creditada ao

“outro”, era esperado que ao longo das discussões das oficinas, surgisse algum tipo de

questionamento ou reflexão sobre a continuidade ou resistência a essas práticas nos

programas governamentais de políticas de transferência de renda .

Page 105: JACY CORRÊA CURADO final

104

5.5. SENTIDOS TRANSVERSAIS DO TRABALHO SOCIAL: UMA

PERSPECTIVA DE GÊNERO

Foram identificados nas práticas discursivas das Oficinas, sentidos transversais ao

trabalho social que se analisou em uma perspectiva de gênero, buscando problematizar a

relação entre o trabalho social e o feminino e o fato de nessa categoria o trabalho ser exercido

em sua maioria por mulheres. É importante salientar que no formulário da Oficina, não consta

nenhuma pergunta que aborde direta ou indiretamente as relações de gênero ou a questão da

mulher. Entretanto, esse atravessamento se fez presente em vários momentos. Foram

agrupados em três itens os aspectos transversais a serem analisados em uma perspectiva de

gênero: o afeto como instrumento de trabalho, o desapego ao valor financeiro e a não

profissionalização do trabalho.

5.5.1. Afeto como instrumento de trabalho

A problematização do afeto como instrumento de trabalho tem ocupado espaço na

agenda de estudos de gênero, particularmente no debate econômico na esfera da Reprodução e

Sustentabilidade da Vida Humana e Economia Solidária, realizados por várias pesquisadoras:

Carrasco (2003), Kergoat (2000), Matthaei (2002), Guerin (2005), Nobre (2003).

Ao serem analisadas as falas das Oficinas, identificaram-se as seguintes características

do trabalho social que reportam às formas que são subjetivadas como afeto:

− Gostar do povo, gostar do ser humano, valorizar, ter envolvimento.

− Eu acho que isso é meio como sacerdócio.

− Ter contato físico, abraçar, pegar, porque tem pessoas, que bota um salto alto, chega lá e passa reto.

− Você deixa família, faculdade, filhos, tudo pelo profissional... porque é necessário.

− O que elas querem é isso, abraçar, chorar.

− Eu acho que isso é meio como sacerdócio.

O afeto como instrumento de trabalho esteve presente em vários momentos das

Oficinas, e perpassa em maior ou menor intensidade as diferentes características do trabalho

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social, como o militante, o voluntário e o profissional, assim como todos os sentidos a ele

atribuídos, seja de ajuda, de direitos, do mercado e assistencialista. Pode-se perguntar quais os

fundamentos da relação, mulher, afeto e trabalho? O altruísmo feminino existe?

[...] quando houve a união dos dois Programas, veio junto novas famílias com problemas maiores e meu coração teve que aumentar para caber mais preocupações [...]. (Oficina 01)

A presença marcante do afeto no trabalho tem sido comumente justificada por ser um

trabalho feminino, uma inclinação para a doação, que segundo Nogueira (2001b), seria uma

abordagem essencialista e naturalizante desse fenômeno, ou quando muito uma construção

sociocultural dessa característica feminina.

O valor afeto, recentemente, foi eleito como uma categoria da Psicologia Social com o

objetivo de potencializar as pessoas para combater as causas do sofrimento ético-político.

Para Sawaia (2005), sofrimento ético e político é a dor física e emocional, que do ponto de

vista social, pode ser evitado. Essa autora, entretanto, ao discutir a problemática do afeto, não

considera a dimensão das relações de gênero implicadas nas relações de afeto. Pergunta- se,

então, quem utiliza o afeto como estratégia política? Em quais tipos de trabalho, instituições

e organizações? Qual é o valor a ele atribuído?

Na área do trabalho, essa dimensão está centralizada na categoria de cuidado19 e da

atividade de proximidade20, ambas utilizam o afeto, emoção e doação como características

fundamentais do fazer laboral.

Guerín (2005), no capítulo A construção social do altruísmo feminino, desenvolve um

argumento crítico à posição essencialista, que atribui à mulher uma inclinação para o uso do

afeto no trabalho, mesmo quando essa essência feminina é considerada como um caráter

construído das preferências sexuadas, ou seja, uma construção sociocultural. Uma das falas da

Oficina demonstra vinculação :

[...] eu era muito considerada uma Mãezona do Programa, pois me doía na alma ver a situação familiar, econômica, social de cada família que era por

19 Entende-se por Cuidado “[...] provisão diária de atenção social, física, psíquica e emocional às pessoas”

(ARAÚJO; SCALON, 2005, p. 22). 20 Atividade de proximidade. Um trabalho executado por afeição ou por senso das responsabilidades perante

outrem, sem a espera de uma comtrapartida imediata (FOLBRE, 1997 apud GUERIN, 2005, p. 38).

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mim atendida. (Oficina 01)

Para Guerín (2005, p. 41), é na formação identitária que se encontra uma explicação

para essa diferença, pois “a identidade de si” dos homens se oporia a uma identidade

construída por meio “da relação com outro” para as mulheres, ou seja, do “ocupar-se do outro

nasceria a solicitude”. Mas seriam somente as mulheres capazes de solidariedade e entrega

social? Um trabalhador social homem demonstra em sua fala o afeto dedicado ao seu trabalho

quando relata:

[...] acho que nesta função que nós trabalhamos, quem não for voluntário não consegue chegar a um nível legal... porque você se entrega mesmo. (Oficina 01)

Nesse sentido, ressalta-se que a perspectiva de gênero em uma abordagem do

construcionismo social também aponta, segundo Nogueira (2001b), uma alternativa a esse

dualismo entre essencialismo e socialização, quando se discute a diferenciação entre homens e

mulheres. Nessa perspectiva, há uma recusa em compactuar com discursos universalizantes e

generalizáveis sobre a mulher ou de todas as mulheres.

Amartya Kumar Sen (2005, p. 112), Prêmio Nobel de Economia em 1988, acredita

que as pessoas são igualmente capazes de altruísmo e de compaixão, no sentido de que a

preocupação com outrem influencia diretamente seu próprio bem-estar, e considera que “[...]

as mulheres são particularmente afetadas por esse processo de preferência adaptativa,

resultado natural de sua opressão”.

Guerín (2005, p. 40), ao comentar sobre uma possível generosidade feminina expressa

no ato da doação, aponta uma diferenciação de gênero, dizendo que: “[...] as mulheres mesmo

que não necessariamente dão mais que os homens, mas elas são menos sensíveis às deduções

fiscais (sua doação seria menos interessada)”.

Estudos mostram, porém, que a presença da mulher no domínio das atividades de

proximidade não foi modificada pela participação cada vez maior na vida ativa, que segundo

o debate atual pode estar invisib ilizando interesses econômicos ao reforçar a feminização

dessa atividade como elemento valorativo da mulher. Pois essa prática ao “[...] ser

socialmente construída e imputada como ‘responsabilidade’ ou naturalizada como ‘atributo’

feminino, se enfraquece como processo social e também onera as mulheres” (ARAÚJO;

SCALON, 2005, p. 22).

Page 108: JACY CORRÊA CURADO final

107

A ausência de contrapartida social e pública, que ofereça segurança e atenção às

necessidades da reprodução da vida, estaria constituindo uma crise dada pelas relações de

poder existentes como opressão, exploração e subordinação nas relações de gênero, raça,

classe em um contexto de globalização e internacionalização do capital humano.

Em uma perspectiva de gênero do construcionismo social, esses posicionamentos

podem ser compartilhados, não como uma questão de identidades individuais, unitárias e

consistentes de homem e mulher, mas como assinala Nogueira (2001a, p. 264):

[...] desenvolve-se mediante peças de discursos, organizadas em um sistema de significados que estão disponíveis aos indivíduos para darem sentido às suas posições, que historicamente são reconhecidos como respostas femininas e masculinas.

Poder-se-ia, então, imaginar com Nogueira (2001a), que não sendo as identidades e

pessoas que são construídas, e sim uma forma de dar sentido às relações sociais, ressignificar

o discurso essencialista e naturalizante do altruísmo feminino poderia ser um caminho para a

transformação das relações desiguais de gênero.

5.5.2. Desapego financeiro no trabalho social

[...] ser apegado a dinheiro, nem pensar [...] então vai ser fiscal de renda!. (Oficina 03)

Há uma prática discursiva consensual entre as participantes das Oficinas de que o

valor do trabalho social não é financeiro, contudo, afirmam que é um trabalho de grande valor

subjetivo, seja religioso, emocional, psicológico, político, humanitário, entre outros, como

atestam as próximas falas:

[...] e se disso tudo aqui a gente conseguir salvar uma pessoa a gente já fica contente... concorda comigo... tratar as pessoas como cristão... o nosso papel é evoluir espiritualmente, intelectualmente, então eu penso assim, se eu conseguir no meio disso tudo salvar um... pelo menos. (Oficina 03)

[...] o trabalho social que a gente faz, acho que a gente ganha muito mais do que a gente doa... eu evolui muito mais espiritualmente como pessoa do que você ajudar a eles.. eu sou outro tipo de pessoa...o que eu vi realmente é como que a coisa é difícil . (Oficina 03)

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108

[...] nós estamos ajudando a mudar, de repente nós não vamos ver isso hoje, é uma semente que estamos plantando que vai servir para meus filhos, meus netos. (Oficina 03)

Porém, quando se refere ao valor atribuído pela sociedade, isto é, o outro, o discurso já

expressa certa desvalorização como descreve uma profissional da área:

[...] a maioria ainda vê o trabalho social não como um emprego, mas como uma caridade, uma doação... os jovens assim, mesmo na Igreja, minhas colegas de turma, da faculdade, falam assim: “Ah! Coitada! É pobre, não deu conta de abrir um consultório e foi trabalhar na área social”. Quando a gente conversa e perguntam: “Ah! O que você tá fazendo?” e eu explico meu trabalho, meio que assim... tipo: “Coitada, é Funcionária Pública”. Daí assim, eu tenho que fazer um discurso e explicar meu trabalho, mas existe muito preconceito realmente do Trabalho Social [...]. (Oficina 04)

Há uma fala que assinala a desvalorização não só do trabalho, mas também do

trabalhador(a) social, ao relatar situações de preconceito e discriminações sofridas por parte

da família, dos amigos, colegas profissionais:

[...] quem trabalha nessa área também sofre muita discriminação. (Oficina 04)

[...] Então, quando a gente faz essa opção de estar trabalhando com as desigualdades. Então a gente é massacrado, né. (Oficina 04)

[...] o profissional social tem uma angústia, é um trabalho legal... não é obrigação, não é só pelo salário... (Oficina 01)

[...] nós não temos estrutura nenhuma de trabalho, e quando falo estrutura gente, não falo carro... não é isso, e uma folha de papel, uma caneta, um caderno... é importante... é importante, mas até aonde ele é importante. (Oficina 03)

O trabalho social não ocupa um espaço central na agenda das instituições que cuidam

do interesses dos trabalhadores, como sindicatos, associações, ou mesmo na esfera da

legislação trabalhista nacional e nos protocolos e acordos internacionais, enfim, de todo

aparato de proteção ao trabalhador no país. No entanto, há um crescente debate que se situa

no campo dos estudos econômicos feministas, que tem trazido à tona o seu valor econômico e

ideológico, e a apropriação do Estado sobre a força de trabalho social, que em sua maioria

quantitativa, ainda é feminina. Serão percorridos alguns pontos desse extenso debate, para

compreender os sentidos das práticas discursivas produzidas pelos(as) participantes das

Oficinas em relação ao valor do trabalho social.

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109

Na sociedade capitalista, o valor21 é um indicador fundamental na classificação do

trabalho, como produtivo ou reprodutivo. Essa dicotomia econômica tem sido criticada, pois

produz a divisão sexual do trabalho, que cria hierarquia, desvalorização e a invisibilidade da

esfera reprodutiva (KERGOAT, 2000; MATTHAEI, 2002; FRIEDAMN, 2002).

Se considerar que o trabalho social assume características do campo da

sustentabilidade social e humana, seja das produções e atividades de cuidados diretos,

realizadas a partir do lar, do mercado ou da oferta de serviços públicos, para Carrasco (2003,

p. 18), ele estará submetido ao sistema de valor capitalista e patriarcal, “[...] que constrói

estruturas sociais, estabelece relações sociais e de poder, elabora o conhecimento e desenha

símbolos e a utilização da linguagem”.

Assim, entende-se que há um paradoxo gritante no valor do trabalho social, se por um

lado, ele possui um grande valor de uso (social), não há uma correspondência no seu valor de

troca (de mercado). E são as mulheres as que assumem nesse contrato social, maior

responsabilidade no trabalho social junto com crianças, pessoas idosas, doentes e dos homens,

para que estes cumpram com sua condição de cidadãos. Como exemplo, têm-se as mulheres,

como maioria no exercício do trabalho social, que decorre das políticas públicas e, também,

sendo a maioria computada como titulares beneficiárias das políticas de inclusão social, como

é demonstrado a seguir pelo discurso de Estado, Lei n. 10.836, de 09 de janeiro de 2004, que

criação do Programa Bolsa Família, em seu artigo 2º, “§ 14. O pagamento dos benefícios

previstos nesta Lei será feito preferencialmente à mulher na forma do regulamento”.

Para o MDS, o público alvo preferencial para o recebimento do benefício em nome da família é a mulher. Essa decisão tem como base estudos sobre o papel da mulher na manutenção da família e na sua capacidade em usar os recursos financeiros em proveito de toda família (BRASIL, 2006).

Ao se referir ao papel do Estado, Kergoat (2000) pontua que, além de regulador do

mercado de trabalho, tem desenvolvido programas de proteção social supostamente para

cobrir necessidades não-satisfeitas pelo mercado, determinando assim a situação social que

ocupam as pessoas e a estruturação das desigualdades sociais, incluídas as de sexo. Para

21 Para Nobre (2002) a teoria econômica marxista considera que só o trabalho humano cria valor. Assim como

distingue o valor de uso de uma mercadoria de seu valor de troca, que é quantificado em horas de trabalho humano em dadas condições sociais e históricas, ele distingue também o trabalho produtivo para a sociedade, do trabalho produtivo para o capitalismo.

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110

Araújo e Scalon (2005, p. 23), “A ausência de uma contrapartida social e pública que ofereça

redes de segurança e atenção gera um déficit de cuidado, particularmente no tocante a

crianças, enfermos e idosos, com impactos especiais sobre as mulheres”.

5.5.3. A não profissionalização do trabalho social

Há uma hierarquização entre o sentidos da profissionalização e a não

profissionalização do trabalho social. Segundo algumas falas das Oficians, quanto maior a

especialização, mais distante da ponta e mais próximo ao poder de decisão e prestígio

profissional, menos envolvimento afetivo e entendimento dos anseios da população

[...] isso é assim, quanto mais a pessoa cresce culturalmente, mais distante ela fica. (Oficina 01)

[...] nós temos agentes que tem simplesmente um supletivo e que faz um trabalho social assim muito grande, maravilhoso, mas que temos assistente social aqui, que tem olha assim não sei 4 anos na faculdade e não dá conta. (Oficina 03)

Elegendo considerações como as transcritas, analisam-se as práticas discursivas

trazidas em nossas Oficinas, que contrapõem o trabalho social ao trabalho profissional, como

descreve uma participante:

Ter consciência de que ela trabalha, que ela vivencia. Não adianta fazer curso, ter experiência maravilhosa, se ela não vivencia, se ela não faz nada, se ela não busca, se ela não sente, tem que sentir, tem que sentir um pouco, na sua fala, nos seus sentidos, com quem trabalha, com quem tá lá na ponta. (Oficina 04)

[...] nós estamos na ponta, nós sabemos o que esta acontecendo, quando subo para alar com a coordenação eu peço, pelo amor de Deus, converse antes com os agentes primeiro antes de qualquer coisa, porque nós sabemos lá o que realmente acontece... infelizmente tem pessoa que faz um trabalho técnico, que não enxerga muito, não sabe, não se envolve... sempre tem gente assim. (Oficina 03)

Segundo os(as) participantes das Oficinas, para se realizar um trabalho social, é

necessário mais do que ser profissional, é preciso vivenciar, fazer parte, conhecer a realidade,

apresentando não só uma distinção entre conhecimento e prática empírica e cientifica, mas

privilegiando um ao outro:

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[...] porque, nós saiamos a campo com um assistente social para a gente aprender a fazer a visita, gente foi uma coisa deprimente... nós tivemos que procurar a coordenação para expor... porque que as pessoas tratavam as pessoas daquela forma... sem ética, completamente errado, eles humilhavam as pessoas. (Oficina 03)

E mesmo quando se aceita ser um profissional, no caso, o assistente social, não se

considera a qualificação técnica e metodológica suficiente, pois recursos como a emoção, a

identificação pessoal e ideológica parecem ser os mais valorizados pelo grupo:

Eu sonhava com o serviço social, hoje eu sou estudante de geografia... me decepcionei demais com vários profissionais da área de assistência social. (Oficina 03)

[...] Não é militante de partido, mas é militante em termos de profissão, de uma causa justa, democracia, de “vou participar”. (Oficina 04)

Eles falam que a gente não deve misturar a razão com a emoção... no profissionalismo você não se envolve... mas é difícil... você se envolve com o usuário, é impossível não se envolver. (Oficina 01)

Porém, reconhecem a existência de uma nova conjuntura no campo social, que

demanda por profissionais cada vez mais qualificados, para atender um mercado em

expansão, dado o investimento público realizado nos últimos anos:

[...] E hoje o que a gente vê, as pessoas muito voltadas para essa área, se especializando, mestrado, pós-graduação. E às vezes a gente percebe que está abrindo um maior campo de trabalho, mais espaço. Então, isso a gent ]começa a ver que tem alguma coisa acontecendo no Social. Porque de repente, começou a ampliação desse mercado. (Oficina 04)

Utilizou-se o conceito de divisão sexual do trabalho para compreender as matrizes das

práticas discursivas do não profissionalismo no campo social. Reconhece-se que a defesa do

trabalho social como não-profissional, o coloca na esfera do que é da natureza, o que não

precisa ser aprendido, o que é comandado pelos instintos, no caso o feminino, assim

justificando o discurso do uso da emoção, da proximidade, do contato em detrimento da

técnica, do método e da razão. O que deve ser problematizado é a forma dicotômica entre

essas duas esferas: a da razão, cultura e a natureza, emoção, além do não reconhecimento da

hierarquização de valores atribuídos. Por um lado, há uma super valorização por parte dos

trabalhadores sociais participantes da pesquisa, de aspectos não-profissionais na prática do

trabalho social, com uma forte rejeição à adoção de uma postura técnica, considerada como

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112

fria, distante e desumana, por isso inadequada a esse fazer social. Por outro lado, não se

verifica pela sociedade, um reconhecimento traduzido em valor financeiro (poder de renda) ou

ocupacional (prestígio e acesso ao poder) dessas mesmas características, ressaltadas e

enaltecidas como femininas.

Auad (2006, p. 23) argumenta que “[...] questionar, e não imediatamente negar, o que

percebemos com tipicamente feminino ou tipicamente masculino pode ajudar a notar como

muitas diferenças entre homens e mulheres não são naturais”. Segregar o trabalho social como

feminino é não reconhecer a força do processo de socialização desempenhado pela educação

diferenciada entre meninos e meninas que condiciona homens e mulheres para

desempenharem os papéis sexuais22 a eles prescritos (BELOTTI, 1985), que recentemente foi

criticado por Auad (2006) ao propor o modelo de co-educação no contexto escolar23.

À luz das discussões e teorias feministas de trabalho da mulher, pode-se concluir que

toda e qualquer categoria de trabalho, que seja instituída como feminina e, no caso do estudo

com o trabalho social, deve-se compreender não somente como uma construção social,

conseqüência de processos de socialização rompendo com as formas de naturalização, mas

também questionar o próprio estatuto do feminino como sendo algo pertencente naturalmente

às mulheres detentoras de características necessárias ao cuidado social.

Importante para o rompimento desse pensamento, seria compreender as formas de

operação da divisão sexual do trabalho, que apontam não somente para discriminações

salariais e ocupacionais, mas também para o processo de desvalorização, invisibilidade de

toda a categoria que passa pelo processo de feminilização de sua força de trabalho.

22 Utiliza -se o conceito de papel sexual – prescrito e desempenhado - para ser fiel ao texto de Belotti, que é

datado na década de 1980, em que o conceito era amplamente utilizado pelos estudos da mulher. 23 Co-educação – trata-se de uma política educacional – modo de gerenciar as relações de gênero - que prevê um

conjunto de medidas e ações a serem implementadas nos sistemas de ensino, nas unidades escolares, nos afazeres nas salas de aula e nos jogos e nas brincaderias dos pátios (AUAD, 2006, p. 79).

Page 114: JACY CORRÊA CURADO final

113

5.6. ESTRATÉGIAS DE EMPODERAMENTO DOS TRABALHADORES

SOCIAIS

Como última etapa da Oficina Os sentidos do Trabalho Social foi perguntado aos

participantes se gostariam de compartilhar as estratégias que utilizam para enfrentar as

dificuldades decorrentes do trabalho social?. Na análise da discussão, registraram-se as

seguintes estratégias de empoderamento entre os trabalhadores sociais que participaram da

pesquisa:

− Colega − Deus

− Agente − Equipe

− Gerente − Família

Considerando o escopo desta pesquisa, a extensão da análise de gênero e

empoderamento dos trabalhadores sociais foram dadas pela modalidade dos dados

disponibilizados, centralizada na dimensão das relações de trabalho entre os membros da

equipe e, se possível, na medida em que essas práticas possibilitaram ampliar as

oportunidades e a valorização do(a) trabalhador(a) social.

Dessa forma, apontam-se os aspectos que podem estar promovendo o empoderamento

de trabalhadores sociais, assim como aqueles que ainda estão contribuindo para a manutenção

da desvalorização, invisibilidade e exploração da força de trabalho social, que como já

argumentado é majoritariamente do sexo feminino:

[...] inclusive, nós que trabalhamos com os miseráveis, homossexuais, pobres e que são discriminados... é como esses funcionários, a maioria dos que trabalham são mulheres, aí entra a questão de gênero, é interessante. É como a maioria dessas pessoas que trabalham com o social são mulheres. (Oficina 4)

Notou-se que as estratégias de empoderamento citadas não são institucionalizadas,

normalmente situadas no campo das relações afetivas e pessoais, sendo a família um

importante mecanismo de empoderamento pessoal, ou seja, o lugar de repor as energias para

voltar ao trabalho:

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Eu acho que a minha família é essencial no apoio a mim, ao meu trabalho... sabe, é onde eu busco forças para continuar... (Oficina 04)

É, muitas vezes a própria família se transforma numa válvula de escape. (Oficina 04)

Não... não é que eu leve problema para casa, não é isso não. Mas você se depara com tanta desigualdade, tanta pobreza, injustiça que o sentimento, você acaba levando [...] Tipo, de chegar um pouco mais emocionada [...] assim, dar mais valor a riqueza que é a família. (Oficina 04)

[...] quando eu entrei aqui, eu pensei que ia enlouquecer, não ia dar conta, eu olhei para minha vida, dentro da minha casa, meu esposo, minha filha, e pensei no que eu tinha conhecido, porque eu também não tinha noção desta realidade toda, então o que eu coloquei para mim, que eu poso, e que minha vida é maravilhosa, que eu não estou sozinha, eu tenho colega, ela me ajudou muito, ela lutou muito do meu lado... (Oficina 03)

Outro componente bastante marcante, utilizado como estratégia de empoderamento, é

a própria equipe, os colegas de trabalho, demonstrando uma grande afinidade e identificação

entre eles(as) e em diferentes níveis de hierarquia:

Ah! Somos uma equipe realmente, então a gente meio que... que se apóia um no outro. Busco um pouco ali, outro aqui... e assim vai... . (Oficina 04)

Não tem um problema da qual você tem, que você não tem um agente, um gerente, para conversar, olhe a situação é essa... me mostre uma luz... eu estou perdida... muita oração... tem DEUS... me indique o caminho... me ilume... caminhe junto comigo... na minha frente. (Oficina 03)

[...] E no final... tudo dá certo, aqui é uma equipe realmente, todos se ajudam. (Oficina 04)

[...] a gente resolve os nossos problemas se apoiando no colega, sabe? Às vezes nem precisa conversar sobre o que tá angustiando, só de você chegar perto da pessoa, ver...sabe? Às vezes eu vou lá na sala do 2 ou da 8 e só de olhar, sabe? Só de ver ali... da pessoa sorrir para mim... já me sinto melhor. (Oficina 04)

O empoderamento dos(as) trabalhadores(as) sociais se apresenta como uma questão

paradoxal, pois, se de um lado há indícios de empoderamento na posição dos trabalhadores,

por atribuírem entre si um alto valor ao seu trabalho, e constituírem um importante setor das

políticas publicas atuais, por outro lado, esse valor de si, como trabalhador(a) social, não tem

alterado as suas condições de vida, no que se refere aos salários, aos contratos e às condições

de infra-estrutura de trabalho.

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Quanto às estratégias de empoderamento, observou-se que elas assumem

características não- institucionalizadas, utilizando como recursos os laços familiares e pessoais

e, principalmente, ocorre pela forte identificação entre os(as) próprios(as) trabalhadores(as)

que apresentam mais características de solidariedade, companheirismo, espírito de equipe do

que competitividade e individualismo.

Contudo, ao se pensar empoderamento como ampliação de oportunidades de acesso à

recursos econômicos e poder político, esse tipo de rede de laços afetivos, pessoais e entre os

próprios membros da equipe encontrado entre os(as) trabalhadores(as) sociais pesquisados,

não têm levado a uma alteração no valor salarial nem mesmo aumentado o poder político

dessa categoria de trabalho, apesar de o fruto de seu trabalho ser amplamente utilizado em

momentos de campanhas eleitorais e divulgação das realizações e resultados de um governo.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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No início desta dissertação, situei a importância da minha experiência e convivência

com trabalhadores(as) sociais ao longo dos últimos 20 anos, tanto para a formulação dos

objetivos como para o delineamento desta pesquisa. Nessa trajetória, sempre me perguntava o

que nos levava a ter tamanha motivação, dedicação, disponibilidade e entrega para esse

trabalho. Em uma ocasião, fiquei impressionada com a diretora de uma instituição, que atende

meninas grávidas, em situação de risco, cujo relato informava que em algumas situações,

quando as mães não podiam amamentar seus filhos, ela “produzia leite” para alimentar esses

bebês. Essa história, e outras semelhantes me instigaram a pesquisar os sentidos do trabalho

social. A pergunta que buscava responder era se essas práticas poderiam estar relacionadas a

novas formas de desigualdades de gênero em relação ao trabalho, ou se estávamos diante de

algum tipo de altruísmo feminino.

Nas leituras realizadas para produzir o capítulo sobre o campo-tema desta dissertação,

constatei que as diferentes maneiras de posicionar o trabalho social fazem parte de matrizes

que articulam materialidades engendradas no tempo longo de nossas organizações sociais,

políticas, econômicas e culturais que, por sua vez, se atualizam no tempo vivido de

socialização de cada um de nós e se presentificam no tempo curto das práticas discursivas que

fazem as relações cotidianas de trabalhadores(as) sociais, que participaram desta pesquisa.

Inicialmente, caracterizamos as práticas engendradas pelo trabalho social como

voluntária, militante e profissional, Porém, no decorrer da pesquisa percebemos a

impossibilidade de separar essas maneiras de fazer no trabalho social cotidiano dos(as)

trabalhadores(as) participantes da pesquisa. Esse fazer social entrelaçava as três maneiras,

sempre de forma concomitante: ora voluntário, ora profissional, ora militante. Ou seja,

mostrava-se voluntário profissional ou militante voluntário e assim por diante.

Um dos destaques desta pesquisa, acreditamos estar no seu delineamento teórico-

metodológico, que forneceu os ingredientes necessários para a construção dos resultados

apresentados. Utilizamos o método qualitativo, que se orientou pela abordagem de práticas

discursivas e produção de sentidos no cotidiano, pelos pressupostos do construcionismo social

em pesquisa e pela interlocução com a transversalidade de gênero nas relações.

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O uso da Oficina como instrumento de pesquisa, baseada no modelo desenvolvido por

Spink (2003), no âmbito do Núcleo de Estudos e de Pesquisa sobre Práticas Discursivas e

Produção de Sentidos no Cotidiano, da Pós Graduação em Psicologia Social, da Pontifícia

Universidade de São Paulo (PUC-SP), nos surpreendeu pela sua capacidade de gerar dados,

no nosso caso, material discursivo que foi sistematizado e analisado para compreender os

sentidos atribuídos ao trabalho social, na perspectiva de trabalhadores dessa área. A ênfase na

circularidade das falas, mais do que nas individualidades que as expressavam, nos possibilitou

reconhecer o caráter coletivo dessas práticas sociais e entender os discursos como sendo um

processo público e multifacetado, por meio dos quais os sentidos são produzidos de forma

progressiva e dinâmica.

As quatro Oficinas realizadas, nomeadas de “Os sentidos do Trabalho Social”, além de

cumprir um papel de instrumento de coleta de informações, tornaram-se espaços de reflexão e

de sensibilização dos(as) trabalhadores(as) sociais, demonstrando o caráter de participação

ativa as pessoas que participaram da pesquisa.

Considerando a diferença hierárquica ou funcional dos(as) participantes da pesquisa,

que foram divididos em grupos de Agentes de Acompanhamento Familiar, Gerentes das

Regionais de Campo Grande e equipe de coordenação e capacitação do Programa de Inclusão

Social, não observamos uma diferenciação significativa em relação aos sentidos atribuídos ao

trabalho social.

Entre os cinco sentido-eixos sobre o trabalho social, que foram identificados na análise

das práticas discursivas, os três primeiros sintetizam sentidos atribuídos pelos participantes:

trabalho social como ajuda, trabalho social como promotor de direitos e transformação social,

e trabalho social como mercado profissional e gestão social. O quarto sentido, trabalho social

como estratégia político-eleitoral e assistencialista, por sua vez, resulta das diferentes vozes

sociais, trazidas pelo “outro”, sempre caracterizado como vindo da sociedade, não fazendo

parte, entretanto, de uma reflexão crítica dessas práticas nas políticas de governo.

Ao detectarmos esses sentidos, compreendemos que o trabalho social possui todos os

ingredientes necessários para enfrentar o individualismo, a competição desumana e a

violência de uma sociedade capitalista, pois carrega valores éticos e morais de solidariedade,

de respeito humano e de justiça social, seja nas suas formas ancestrais de ajuda ao próximo de

cunho religioso, seja nas estratégias de transformação social e luta pelos direitos humanos,

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seja nos valores presentes nas novas formas de gestão social.

Consideramos importante analisar também os sentidos transversais, isto é, aqueles

presentes em todos os sentidos-eixos, que foram agrupados em três itens: o afeto como

instrumento de trabalho, o desapego ao valor financeiro e a não profissionalização no trabalho

social, que foram analisados em uma perspectiva de gênero.

Esses sentidos considerados transversais, tendo em vista a perspectiva de gênero, nos

remeteu a uma das principais questões que permeou esta pesquisa: a problematização da

relação entre trabalho social e a participação da mulher, com a conseqüente naturalização

desse trabalho como sendo da esfera feminina.

Nesse particular, a grande contribuição foi trazida pela articulação entre

posicionamentos do construcionismo social às teorias de gênero e da Psicologia. Há muito

tempo nos parecia insuficiente apenas reconhecer o caráter sócio-cultural das relações de

gênero para compreender a massiva presença das mulheres no fazer do trabalho social, ou

ainda considerar esse como inerentemente feminino.

Concordamos que o trabalho social resguarda sim, características do altruísmo, do uso

do afeto, da preservação de redes de laços humanos e envolvimento emocional, mas isso não

significa legitimar a exclusividade das mulheres como detentoras desses posicionamentos,

pois os homens inseridos nesse trabalho se posicionam utilizando-se dos mesmos atributos

que são conferidos às mulheres, mesmo que ainda ocupem uma menor parcela nesse setor.

A questão da participação de homens e mulheres deve ser diferenciada de uma

possível naturalização do trabalho social como feminino, uma vez que essa concepção o

associa às diferenças inatas ou aos atributos psicológicos femininos, concebidos como

internos, persistentes, descolados das experiências cotidianas de interação social. Por outro

lado, há uma ênfase quase que incontestável nos processos de socialização, pois não se nasce

mulher ou homem e sim tornava-se mulher ou homem de acordo com nosso entorno

sociocultural. Contudo, mesmo reconhecendo o caráter mutável dado pela socialização,

aprendi com os(as) construcionistas sociais em gênero, que essa abordagem socializante

continua concebendo as identidades de forma dual (masculino e feminino) ou seja, espera-se

que homens e mulheres se comportem como o esperado, mesmo reconhecendo que esses

comportamentos são construídos socialmente.

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Para desnaturalizar o feminino do trabalho social e questionar formas cristalizadas em

processos de socialização e de formações identitárias, precisamos constituir uma nova forma

de compreender gênero, concebendo-o como um processo em construção e reconhecendo as

distinções entre homens e mulheres como ativamente criadas a todo e qualquer momento, não

mais como uma questão de identidades individuais, unitárias e consistentes, mas como se

desenvolvendo mediante peças discursivas, organizadas num sistema de significados

disponíveis aos indivíduos de forma a darem sentido as suas posições.

Contudo, as relações de gênero são formas de significar relações de poder, o que nos

faz pensar que a naturalização do feminino no trabalho social parece estar relacionada com a

desvalorização, a não monetarização e a não profissionalização ainda existente no trabalho

social, pois ao considerá- lo como uma extensão da mulher e de sua função reprodutiva,

estamos retirando o que há de humano e cultural desse trabalho e posicionando-o na esfera do

reino natural, que não precisa ser investido de valor social e econômico

Ora, se considerarmos os valores embutidos no trabalho social como sendo os mais

elevados da trajetória da humanidade, que figuram entre os necessários para a sobrevivência

de um mundo ecologicamente sustentável, por que então esses valores são desvalorizados e

invisíveis, gozando de menor remuneração, infra-estrutura e prestígio entre os outros

trabalhos e ocupações atuais? Tudo indica que é nesse campo que se mantêm e se

reproduzem as desigualdades de gênero e a divisão sexual do trabalho. Por ser considerado

como trabalho de mulher e, portanto, feminino, é significado como sem valor em uma

sociedade ainda predominantemente sexista.

Nessa condição, vale a máxima construcionista de que para desconstruir os sentidos do

feminino como mulher e masculino como homem, produzidos pelo pensamento ocidental,

implicaria em pensar que o campo do trabalho social, é um campo de produção e

sustentabilidade humana, que exige características de afeto, solidariedade, justiça e da

preservação de redes de laços humanos, mas não deveria ser considerado um trabalho

exclusivo da mulher, ou mesmo um trabalho feminino, pois assim estamos cristalizando e

segregando as possibilidades de “fazer gênero” de homens e mulheres. Poderíamos assim

pensar, que ampliar as formas como homens e mulheres “fazem gênero” indicaria caminhos a

transformação de uma nova ordem mundial. Nosso argumento, é que para nós,

trabalhadores(as) sociais, essa parece ser uma das alternativas de empoderamento e

transformação social para além das nossas relações familiares e da nossa equipe de trabalho.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Projeto: GÊNERO E OS SENTIDOS DO TRABALHO SOCIAL.

Pesquisador: Jacy Corrêa Curado Orientador: Profa. Dra. Vera Sônia Mincoff Menegon (UCDB-MS). Eu, .............................................................................................................................................................. declaro por meio deste Consentimento Livre e Esclarecido que, fui devidamente informado(a) e compreendi os objetivos propostos para a pesquisa Gênero e os Sentidos do Trabalho Social, sob a responsabilidade da psicóloga Jacy Corrêa Curado, a ser realizada no Programa de Inclusão Social (PIS). Ficou claro para mim que o objetivo da Oficina é compreender os sentidos atribuídos ao trabalho social, considerando as relações de gênero, na perspectiva de profissionais que atuam no PIS, eleito como estudo de caso para esta pesquisa. Vamos explorar diferentes aspectos da noção que as pessoas têm do trabalho social e para isto serão feitos três exercícios. Os exercícios serão acompanhados de discussões de grupo, sendo que alguns serão gravados. Isto nos auxiliará na análise do material, uma vez que estas oficinas têm a função de aprofundar nossa compreensão sobre os sentidos do trabalho social na sociedade contemporânea de modo a auxiliar no desenvolvimento de atividades preventivas em diferentes contextos aonde o trabalho social é exercido. Para podermos gravar a oficina precisamos de seu consentimento, sendo este um procedimento normal dentro dos padrões de ética em pesquisa. O nosso compromisso em relação ao uso das gravações e do material escrito produzido nesta Oficina é que suas vozes não serão, em hipótese alguma, utilizadas nos meios de comunicação; que o material gerado nesta Oficina só será utilizado obedecendo os critérios de confidencialidade. Ou seja, nenhum participante será identificado e que o material da Oficina só será utilizado para fins da pesquisa, e sua divulgação em artigos, livros, congressos e publicações científicas. Concordando em participar, de maneira voluntária, desta pesquisa, assino o presente Consentimento Livre e Esclarecido.

Campo Grande MS, .......... de ....................................... de 2005.

Assinatura: ....................................................................................

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APÊNDICE B – Síntese do Formulário 2 - Associação de idéias à palavra Social

Oficinas Associações à palavra SOCIAL

1 2 3 4 Total

TRABALHO SOCIAL COMO DIREITO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

1) Justiça 5 3 1 9 2) Educação 3 1 3 7 3) Cidadania 3 3 2 8 4) Desigualdade 3 1 4 5) Saúde 3 2 5 6) Autonomia 2 1 3 7) Família 3 1 1 2 7 8) Educação popular 1 1 9) Transformação 1 1 10) Serviço social 1 1 11) Para todos 1 1 12) Compromisso 2 2 2 1 7 13) Trabalho 2 1 2 1 6 14) Injustiça 2 2 15) Emancipação 2 1 3 16) Igualdade 1 1 1 4 17) Políticas Públicas 2 2 4 18) Estado 1 1 19) Equidade 1 1 20) Democracia 1 1 21) Renda 1 1 22) Habitação 1 1 1 3 23) Assegurar direito 1 2 3 24) Cultura 1 1 25) Bem-estar 1 1 26) Responsabilidade 1 2 3 27) Comunicação 1 1 28) Dignidade 1 1 2 4 29) Todos/todas 1 1 30) Visibilidade 1 1 31) Estudo 1 1 32) Garantia 1 1 33) Emprego 1 1 34) Aposentadoria 1 1 35) Segurança 36) Aprendizagem 37) Informação 2 2

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Oficinas Associações à palavra SOCIAL

1 2 3 4 Total 38) Aprendizado 1 1 39) Assistência 1 1 40) Mudanças 1 1 41) Acesso a serviços 1 1 42) Integração 1 1 43) Cidadão 1 1 44) Socialização - 1 1 45) Direitos e deveres 2 1 3 46) Ética 1 1 47) Relação 3 3 48) Verdade 1 1 49) Troca de experiência 1 1 50) vida pública 1 1 51) exclusão 1 1 52) Luta 1 1 53) Busca 1 1 54) Ação 1 1 55) Companheirismo 1 1 56) Troca de experiência 1 1 57) Conscientização 1 1 58) Comprometimento 1 1 59) Liberdade 3 1 1 5 60) Ideais 1 1 61) Participação 1 1 2 62) Política 2 4 6 63) Inclusão 1 1 7 64) Gênero 1 1 65) Empoderamento 2 2 66) Batalha 1 1 67) Despertar 1 1

TRABALHO SOCIAL COMO MERCADO PROFISSIONAL

68) Sucesso 1 1 69) Benefícios 1 1 70) Dinamismo 1 1 71) Território 1 1 72) Sustentabilidade 1 1 73) Parcerias 1 1 2 74) Desenvolvimento 1 1 2 75) Perspectivas 1 1 76) Liberalismo 1 1 77) Capacidade 1 1 2 78) Prosperidade 1 1 79) Interesses 1 1 2

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Oficinas Associações à palavra SOCIAL

1 2 3 4 Total 80) Encaminhar 1 1 81) Baixa-renda 1 1 82) Conceitos 1 1 83) Seriedade 1 1 84) Formação 1 1 85) Protagonismo 1 1 86) Projeto social 1 1 87) Usuário 1 1 88) Sabedoria 1 1 89) Valor 1 1 90) Cooperação 1 1 91) Potencial 1 1 92) Profissionalismo 1 1 93) Amplitude 1 1 94) Custo 1 1 95) Opção 1 1 96) Conhecer a realidade 1 1 97) Pertencimento 1 1 98) Qualidade de vida 1 1 99) Atualização 1 1 100) Garantia 1 1

TRABALHO SOCIAL COMO AJUDA 101) Ajuda 3 1 4 102) Dificuldade 1 1 103) Pobreza 1 1 104) Melhoria 1 1 105) Respeito 1 1 2 106) Pessoas 1 2 3 107) Povo 1 1 108) Gente 1 1 2 109) Ser Humano 1 1 110) Construção 2 111) Fraternidade 1 1 112) Esperança 1 1 2 113) Vida 2 2 114) Caridade 1 1 115) Compreensão 1 1 116) Doação 1 1 117) Conquista 1 1 118) Fome 1 1 119) Humanidade 1 1 120) Amizade 1 1 121) Troca 1 1

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Oficinas Associações à palavra SOCIAL

1 2 3 4 Total 122) Humanismo 1 1 123) União 1 3 4 124) Amor 1 1 1 3 125) Carência 1 1 126) Semente 1 1 127) Dedicação 1 1 128) Auto-estima 1 1 1 3 129) Solidariedade 2 1 3 130) Envolvimento 2 2 131) Importante 1 1 132) Satisfação 1 1 133) Relacionamento 1 1 2 134) Vínculos 2 2 135) Afeto 1 1 136) Completude 1 1 137) Auto-conhecimento 1 1 138) Lazer 1 1 139) Crescimento 1 1 140) Prazer 1 1 141) Vivência 1 1

OUTROS 142) Mundo 1 1 143) Sociedade 3 2 2 7 144) Comunidade 2 2 2 6 145) Conhecimento 1 1 1 3 146) População 1 1 147) Indivíduo 1 1 2 148) Grupo 2 1 3 149) Realidade 1 1 150) Visão de mundo 1 1

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APÊNDICE C – Sínteses das Oficinas 01, 02, 03 e 04

OFICINA 01

FORMULÁRIO 1 - Descrição do Grupo

Informações gerais da Oficina

Data: 11 de abril de 2006

Horário: 8h

Grupo: agentes de acompanhamento familiar

Local: Sede do PIS

Pesquisadora: Jacy Corrêa Curado

Assistente de pesquisa: Joyse Cabreira de Sousa

Disposição espacial do grupo

3 4

2 5

1 6

C O

12 7

11 8

10 9

Idenficiação do grupo

Código Nome dos participantes Sexo Idade Outras características O01.P1 Participante 1 F

O01.P2 Participante 2 F

O01.P3 Participante 3 F

O01.P4 Participante 4 M

O01.P5 Participante 5 F

O01.P6 Participante 6 F O01.P7 Partic ipante 7 F

O01.P8 Participante 8 F

O01.P9 Participante 9 F

O01.P10 Participante 10 F

O01.P11 Participante 11 F

O01.P12 Participante 12 M

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FORMULÁRIO 2 - Associação de idéias

Discussão: Seqüência de associação de idéias à palavra Social.

Grupo: agentes de acompanhamento familiar

Data: 11/04/2006

Frequência Associações à palavra SOCIAL

Total

4) Justiça X X X X X 5

5) Educação X X X 3

6) Família X X X 3

7) Cidadania X X X 3

8) Sociedade X X X 3

9) Desigualdade X X X 3

10) Liberdade X X X 3

11) Saúde X X X 3

12) Inclusão X X X 3

13) Ajuda X X X 3

14) Autonomia X X 2

15) Compromisso X X 2

16) Trabalho X X 2

17) Comunidade X X 2

18) Injustiça X X 2

19) Emancipação X X 2

20) Igualdade X X 2

21) Políticas Públicas X X 2

22) Política X X 2

23) Estado X 1

24) Fome X 1

25) Equidade X 1

26) Dinamismo X 1

27) Território X 1

28) Democracia X 1

29) Renda X 1

30) Auto-estima X 1

31) Pobreza X 1

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Frequência Associações à palavra SOCIAL

Total

32) Dificuldade X 1

33) Melhoria X 1

34) Respeito X 1

35) Habitação X 1

36) Busca X 1

37) Benefícios X 1

38) Cultura X 1

39) Pessoas X 1

40) Povo X 1

41) Indivíduo X 1

42) Bem-estar X 1

43) Ação X 1

44) Gente X 1

45) Conhecimento X 1

46) Responsabilidade X 1

47) População X 1

48) Ser Humano X 1

49) Dignidade X 1

50) Respeito X 1

51) Luta X 1

52) Relacionamento X 1

53) Emprego X 1

54) Sustentabilidade X 1

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FORMULÁRIO 3 – Classificação das vivências

Discussão: Classificação do trabalho social

Grupo: agentes de acompanhamento familiar

Data: 11/04/2006

Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− Toda vez que visito alguma família e vejo a sua necessidade de ter o que dar aos filhos e praticamente fica em nossas mãos a decisão de resolver momentaneamente o seu problema.

X

− Dinâmica do “espelho”, trabalhado no grupo sócio – educativo, faz com que a beneficiária que sofria violência rompesse com a relação doentia em que se encontrava. Hoje sua auto-estima esta muito melhor.

X

− Num atendimento social, ela relatou que nunca mais gostaria de ver “homem” na frente dela. Estava com ódio do sexo masculino. Fiquei chocada, pois ela estava abrindo mão de uma necessidade dela de ser humano, por conta de um fato brutal acometido pelo amor de sua vida, pais de seus filhos, que são do sexo masculino. Achei muito triste.

X

− Durante esse tempo que estou no PIS, pude observar que as pessoas não têm necessidade somente de um benefício que complemente a sua renda, e que na maioria das casas das famílias que faço visitas, as necessidades vão além, as pessoas estão muito carentes, deprimidas, desanimadas, muitas vezes por esses fatores não conseguem administrar suas vidas de um modo geral, mas as vezes eu me pergunto, são fatos que acontecem em decorrência somente da pobreza?

X

− O ano 2000, quando iniciei no Programa Bolsa Escola, eu era muito considerada uma Mãezona do Programa, pois me doía na alma ver a situação familiar, econômica e social de cada família que era por mim atendida; apesar de ser professora de História, dar aulas para os filhos daqueles beneficiários, convívio com as famílias só me foi dado, após minha entrada no Programa PBE.6.

X

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Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− Em 2001/2002 quando houve a união dos dois Programas, veio junto novas famílias com problemas maiores e meu coração teve que aumentar para caber mais preocupações. Com a convivência com as famílias e com outras agentes, juntamente com as capacitações eu participei. E isso mudou um pouco, consigo ver todos os tipos de problema e arrumar alguma forma para ajudar a família a entender por que ela passa por isso.

X

− As reuniões sócio-educativas, foram um avanço, tanto para o programa que ganhou uma credibilidade [com relação a responsabilidade com as famílias que atende] assim como para os agentes que gostam e acreditam na emancipação da famílias.

X

− Um senhor alcoolatra que não bebe no dia da reunião sócio-educativa X

− Trabalho desenvolvido no grupo sócio-educativo cujo tema “saúde”, uma beneficiária que não fazia o preventivo há cinco anos foi conscientizada e descobriu que estava câncer. Hoje esta em tratamento e agradece a oportunidade de estar em grupo.

X

− Um beneficiário que morava com o cunhado foi expulso de casa com a esposa e os filhos, arrumaram uma lona e fizeram um barraco em um terreno baldio, sem água, luz e banheiro. Conseguimos casa e creche para a família.

X

− Quando visitei uma senhora de 85 anos que tem 2 filhos especiais com mais ou menos 60 anos que não andam e não falam. Até hoje ela cuida deles com se fossem crianças.

X

− Quando inclui no programa uma senhora, com aparência frágil, pálida de fome com 3 crianças. Ela deixara de comer para alimentar os filhos.

X

− Há mais ou menos um ano atrás, me vi diferente com a realidade dura das pessoas que são excluídas ou não tinham oportunidade de melhorar, vi no rosto de cada um a alegria de não passar mais fome.

X

− Também tem aqueles que deixam os filhos, que querem se livrar deles, numa escola ou creche. X

− Crianças que ficam em creche, que se não tomam banho na creche fica de 2 a 3 dias sem banho. X

− Promoção em 2003. X

− Analisar que alguma parte da população desconhece a pobreza de seu próprio estado, bairro e município. X

− Observar que a pobreza causa danos na vida social, cultural, psicológica e econômica dos indivíduos. X

− Compreender a pobreza e saber e Ter consciência de como é gerada e vivida pela maioria da população. X

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Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− Pais que deixam crianças doentes nas creches e sai para o trabalho. E ficam muito tristes. X

− Uma entrevista individual no presídio, um detento, já acreditava que não era mais gente, pois contou que foi preso por engano e não tinha mais esperança na vida.

X

− Quando mudei para o PIS Campo Grande, encontrei uma realidade diferente não referente às famílias atendidas, mas os colegas de trabalho.

X

− Auto-suficiencia dos beneficiários após mudança do beneficio para o cartão.

− Confiança e respeito das famílias pelo trabalho.

− As pessoas foram alfabetizadas, e que hoje podem cuidar sozinhas de suas compras, notas fiscais, sacar seu dinheiro etc.

X X

− Quando participei da Pastoral da juventude, quando fui para cidade X percebi: crianças de 10 anos grávidas, realidade de pobreza, contexto da cidade.

X

− Quando fui a X, em um momento de conflito por causa da terra. Fomos em um grupo para constatar a realidade, percebi todo o cenário que envolvia aquele povo. Eles estavam amontoados em 3 equitares era desumano ver aquela realidade sem muita estrutura (organização, esperança, acolhida)

X

− Quando fui ao Fórum Social Mundial: grupos de trabalho, discussões, quantidade de pessoas, realidades relatadas.

X

− Casal de idoso que queria ir a igreja ver a replica de Nossa Senhora que estava em Campo Grande, não tinha ninguém para levá-los. Sabendo desta vontade do casal, eu e minha esposa, fomos até a casa deles, para pegar e levá-los a esta igreja. Com isso o casal de idosos ficaram tão emocionados que choraram

X

− Sabendo a necessidade de uma família que estava passando, resolvi junto com minha esposa levar sacolão para suplir as necessidades do momento com, isso esta família agradece até hoje por este gesto de caridade.

X

− Também, levei um casal para fazer o encontro de casais, porque estavam passando por um momento muito difícil na relação.

X

− Grupo de baixa renda, e que mesmo assim fizeram “uma vaquinha” para pagarem gastos do enterro de um integrante do grupo.

X

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142

Comentários da classificação do trabalho social

PROFISSIONAL (leitura e discussão das fichas):

Pesquisadora: Vamos ler as tarjetas e comentar as vivências descritas no grupo ?

Participante 2: Não sei como trabalhar com o alcoólatra... pois ele bebe 30 dias e só não bebe no dia da reunião.

Participante 6: Uma mulher que quebrou o ciclo da violência e ficou com raiva de “homens”... eu acho muito ruim ela abrir mão da vida afetiva. Hoje ela esta bem melhor, esta se tratando. Já consegue entender que é um problema dele.

Pesquisadora: Como você se sente fazendo isso...

Participante 6: no começo me sentia insegura... pois não imaginava que a violência era tão grave..é muito sério...

Participante 2: Fiz a vivência do espelho... quem é a pessoa mais importante para mim... eu tentei bolar alguma coisa para elas sentirem que primeiro elas teriam que se amar... para depois ser amadas...meu intuito era trabalhar a auto-estima... e fiquei muito feliz de depois ter ouvido que ela conseguiu romper com o ciclo de violência na casa dela...pois ela não se deu conta que ela não se amava... que ela era importante... Quando você consegue salvar ao menos uma pessoa no grupo... você consegue ver o resultado e saber como ele é importante.

Pesquisadora: Esse resultado sempre ocorre ? Vocês conseguem ver esse resultado ? Vocês se sentem responsáveis por esse resultado?

Participante 12: Eu me sinto agente de transformação...

Participante 10: Eu dava aula de história... mesmo dando aula não percebia como as famílias viviam... pois quando entrei no programa Bolsa escola, fui conhecer as casas que tinham os filhos como meus alunos... ai começei entender o porque das dificuldades na escola...quando começei a perceber a mudança nas famílias, começei a sentir as mudanças em mim... foi bom para mim...eu cresci... foi gratificante... No começo eu era muito mãezona... se chovia eu corria atrás da lona, de comida, se eu não fizesse eu não ficaria bem com minha consciência...aquilo ficou muito tempo... eu entrei em 2000 e 2001 e 2002 uniu os programas aumentou o número de pessoas com problemas, aumentou o meu desespero.. queria agarrar o programa... fui com as capacitações com o pessoal daqui e de fora... eu fui aprendendo que você tem problemas, as famílias têm problemas que você não consegue resolver tudo do jeito que você pretendia ou como você quer não é ?... acho que você pode dar uma esperança...conversar, sentar e tentar encaminhar as pessoas... tipo violência, alcoolismo, crianças estupradas... a gente encaminha as pessoas.

Pesquisadora: Você se sente bem encaminhado ou gostaria ainda de fazer mais?

Participante 10: Eu gostaria de fazer mais... eu fico ansiosa... eu sou ansiosa... gostaria de ver o resultado total... tipo ela assim... cuidar do alcoólatra... esse beneficiário é alcoólatra... e eu não consigo encaminhá-lo para tratamento... eu fico triste... isso me entristece. Eu sinto dificuldade com as pessoas que trabalham com a gente... aqui é um lugar frio e gelado... nem bom dia consigo tirar e aquilo dói... estou me sentindo uma ciobinha pequena.

Participante 2: Isso é assim, quanto mais a pessoa cresce culturalmente, mais distante ela fica...

MILITANTE (leitura e discussão das vivências):

Pesquisadora: [comentários da pesquisadora sobre o trabalho militante] Terra, indígena...

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Participante 12: Participação de pastoral... a consciência indígena... a esperança... é bem diferente da ótica que fazemos dele.

Pesquisadora: O trabalho de militância ajuda no trabalho profissional?

Participante 8: Ajuda muito... ajuda até na compreensão da problemática... na igreja, no sindicato... é uma outra luta... da exclusão, falta de oportunidade... acho que em todos os meios que a gente atua ou atuou... é uma luta é constante.

Participante 12: A doação que você tem (não que o profissional não tenha) como militante ou como voluntário é diferente são 3 instâncias diferentes

Participante 10: Eu já acho que não... você no seu profissional é voluntário... você esta indo no bairro... na militância também... muitas vezes as famílias não sabem os direitos que tem em relação a associação de bairro ao posto de saúde essas coisas...você leva isso você esta passando o que aprendeu para frente.

VOLUNTÁRIO (leitura e discussão das vivências):

Participante 9: Eu sempre levo roupa para distribuir... não é meu trabalho mais eu levo.

Participante 6: Acaba influenciando... o profissional social tem uma angÚstia é um trabalho legal... não é obrigação... não é só pelo salário... o militante acaba tendo um envolvimento maior porque é dele... até mais envolvimento pela causa.

Participante 12: A necessidade é muito maior... as vezes penso vou trabalhar até uma e meia e acabou...e aí ficamos a tarde inteira

Participante 10: Mas acontece certas coisas lá que as vezes a gente não consegue dormir... pensando o que poderia fazer... a necessidade é muito maior.

Pesquisadora: Quem já perdeu o sono por causa do trabalho?

Participante 10: Eu já... A maioria.. acho que nesta função que nós trabalhamos, quem não for voluntário não consegue chegar em um nível legal... porque você se entrega mesmo...você deixa família, faculdade, filhos, tudo pelo profissional... porque é necessário.

Participante 6: Eles falam que a gente não deve misturar a razão com a emoção... no profisssionalismo você não se envolve... mas é difícil...você se envolve com o usuário, é impossível não se envolver.

Pesquisadora: [Pergunta 1] Diante das situações discutidas até o momento, alguém gostaria de falar sobre o sentido que atribui ao trabalho social?

Participante 6: Eu por exemplo era escriturária, um trabalho muito técnico, mexia com contas, telefone... a partir do momento que vi o que era o trabalho social... começei a ler mais sobre a questão social, pois até então eu não sabia, achei interessante.. eu mesmo sempre quis assim não como assistencialista, mas entrar... [...] eu sabia que quando fazia direito eu não podia ajudar nada, pois dependia de alguém... pois minha irmã mesmo diz que ela leva até o juiz, ela não pode fazer nada... chegando lá ela é incompetente... o assistente social depende também, depende da lei, só que ele pode, ele não precisa ter poder realmente... eu começei a entender isso... ele estando perto do poder ótimo... eu consigo resolver... como agente... tem como fazer e ver resultado... trabalhei na violência doméstica no hospital regional eu pude ver resultado... no presídio.. eu pude me satisfazer... eu queria ver resultado.. nunca vi resultado no que fazia... e eu vi resultado... você ver resultado é muito interessante... é diferente.

Participante 3: Eu também trabalhava na receita e controle com as notas fiscais e não tinha muito tempo para ver o outro ser humano, o lado espiritual emocional... acho que este programa mudou muito a minha maneira de pensar de ver as coisas...eu cresci como pessoa... e assim... todo muito tem um pouquinho de vontade de melhorar a realidade de nossa cidade, nossa realidade e acho que é um passo para isso.

Partic ipante 12: É um sentido de pertença do processo de transformação... eu faço psicologia e acho

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que só eu me interesso por isso... nesta linha social de 60 acho que é só eu... é complicado... você deixa de fazer para gente para fazer para os outros... é gratificante.

Participante 10: Na minha casa as minhas filhas falam “Mãe pelo amor de Deus, não dá o endereço da onde a gente tá morando”, porque eu sou tão assim... o que vai acontecendo com as famílias, você se sente igualzinho a elas, você também vai passando por problemas... onde você mora? qual seu telefone? E eu já estou passando. Eu tenho que tomar muito cuidado para separar isto daí... por que eu sinto demais... eu me envolvo...

Participante 1: Acho que para o profissional que esta lá na ponta, se ele se coloca em um degrau de cima e não se envolve, não tem resultado... não tem comunicação.

Participante 5 É um trabalho gratificante... [...] quem tá fora tem imagem diferente.. eu estou no lugar que realmente eu vou contribuir mais, não vou mudar totalmente a vida das pessoas, mas alguma coisinha eu vou fazer.

Pesquisadora: [Pergunta 2] Qual os sentidos que vocês acham que as outras pessoas/sociedade atribuem ao trabalho social?

Participante 10: Eles vêem de outro jeito... a maioria vê como político, só para ganhar voto, para ajudar pobre, é cabo eleitoral... é deprimente... triste.

Participante 9: A gente trabalha isso nas reuniões para que eles não se sintam assim... eles ouvem estas coisas

Pesquisadora: Quem vocês acham que falam isso?

Participante 1: Eu trabalho com índio, e a maioria não entende... poucos os que apoiam o trabalho... mas já consegui mudar a cabeça de 6 pessoas, todos os parentes dentro de casa... passei a agir e é inadmissível falar mal de meu trabalho, falem para outras pessoas, ou então vão comigo na aldeia, e eu já levei, tia, mãe, irmã o namorado...

Participante 10: A partir do momento que você discute com a pessoa, elas entendem, já fiquei horas, de parar e ficar explicando...

Participante 12: Muitas vezes atrapalham o processo, acham que é político... oposição...

Participante 1: Acho que tem questão de classe social, uma professora mestra da faculdade vive criticando o trabalho... outra pessoa, uma psicóloga que não conheço pessoalmente, é patroa de uma índia... me ligou para reclamar, que perdeu a empregado porque estamos dando este 100,00 reais... e não quer mais trabalhar... uma pessoa instruída.

Pesquisadora: A grande maioria são mulheres, acham que este trabalho é feminino ?

Participante 7: Acho que está ligado ao trabalho da mulher.

Participante 12: Acho que este espaço deve ser de homem e mulher... é transformador.

Participante 6: Minha sala serviço social tinha 62 mulheres para 2 homens, acho que todos os políticos deveriam estudar serviço social... a maioria são contra... precisam tomar consciência.

Participante 5: Tenho medo do homem não ter paciência para analisar... a maioria são mulheres... os homens são poucos... acho que é da natureza da mulher... os homens têm preferência por mulheres...

Participante 2: Acho que as mulheres podem ter vergonha de falar seus problemas com homens... talvez seja por isso.

Participante 10: As mulheres entendem melhor os problemas das mulheres donas de casa, o dia a dia...

Participante 6: Gostei muito desta pergunta, interessante...

Pesquisadora: [Pergunta 3] Para finalizar, alguém gostaria de compartilhar as estratégias que utilizam para enfrentar as dificuldades decorrentes do trabalho social ?

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Participante 6: Trocar experiências com as outras colegas agentes...

Participante 2: Fazer terapia... é difícil para nós...

Participante 7: Eu faço terapia uma vez por mês... eu continuo sofrendo com o problemas dos outros...

Participante 1: Os grupos de conversa com estagiários de psicologia.

Participante 8: Uma agente quis fazer um trabalho mas foi proibida, não pode, pois iam levar até o conselho... ela começou a conversar... não pode.

Participante 2: Agente psicóloga é igual a todas... até pior... não pode... não sei se ajuda.

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146

OFICINA 02

FORMULÁRIO 1 - Descrição do Grupo

Informações gerais da Oficina

Data: 24 de maio de 2006

Horário: 8h

Grupo: gerentes regionais de Campo Grande

Local: sede do PIS

Pesquisadora: Jacy Corrêa Curado

Assistente de pesquisa: Joyse Cabreira de Sousa

Disposição espacial do grupo

3 2

1

C O

4 7

5 6

Idenficiação do grupo

Código Nome dos participantes Sexo Idade Outras características O02.P1 Participante 1 M 44 Nível Médio

O02.P2 Participante 2 F 36 Pedagogia

O02.P3 Participante 3 F 46 Artes

O02.P4 Participante 4 F 26 Gestão Imobiliária

O02.P5 Participante 5 F 41 Psicologia O02.P6 Participante 6 F 34 História

O02.P7 Participante 7 F 53 Superior incompleto

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FORMULÁRIO 2 - Associação de idéias

Discussão: Seqüência de associação de idéias à palavra Social.

Grupo: gerentes regionais de Campo Grande

Data: 24/05/2006

Frequência Associações à palavra SOCIAL

Total

1) Trabalho em grupo X 1

2) Cidadania X X X 3

3) Empoderamento X X 2

4) Troca de experiência X 1

5) Conhecer a realidade X 1

6) Conhecimento da causa X 1

7) Parcerias X 1

8) Qualidade de vida X 1

9) Inclusão X X X 3

10) Lazer X 1

11) Exclusão X 1

12) Ideais X 1

13) Realidade X 1

14) Direitos e deveres X X 2

15) Atualização X 1

16) Informação X 1

17) Garantia X 1

18) Amor X 1

19) Relação X X X 3

20) Compromisso X X 2

21) Semente X 1

22) Verdade X 1

23) Dedicação X 1

24) Conquista X 1

25) Batalha X 1

26) Futuro X 1

27) Conceitos X X 2

28) Vínculos X X 2

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Frequência Associações à palavra SOCIAL

Total

29) Afeto X 1

30) Completude X 1

31) Mundo X 1

32) Mudanças X 1

33) Habitação X 1

34) Formação X 1

35) Família X 1

36) Desigualdade X 1

37) Gênero X 1

38) Educação X 1

39) Trabalho X 1

40) União X 1

41) Esperança X 1

42) Auto-estima X 1

43) Auto-conhecimento X 1

44) Integração X 1

45) Emancipação X 1

46) Liberdade X 1

47) Visão de Mundo X 1

48) Dignidade X 1

49) Grupo X 1

50) Cidadão X 1

51) Integração X 1

52) Socialização X 1

53) Organização X 1

54) Conhecimento X 1

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FORMULÁRIO 3 – Classificação das vivências

Discussão: Classificação do trabalho social

Grupo: gerentes

Data: 24/05/2006

Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− O primeiro fato marcante foi uma visita feita a residência de uma beneficiária que estava em fase terminal de HIV - desnutrição e CA de fígado. Estava acamada há 1 mês e o esposo já bem debilitado também, não tinha mais forças para trocá-la nem dar banho. Chamamos os bombeiros e pedimos a internação da mesma. No dia seguinte ela veio a falecer..

X

− Trabalho na casa de apoio em Marília/SP, local onde famílias ficavam quando levavam seus filhos (crianças) para fazerem tratamento com câncer. Famílias que muitas vezes não tinham condições de acompanhar. Ali deparávamos com as desigualdades sociais, a esperança, a dor, foi uma experiência maravilhosa.

X

− Parte integrante de uma associação de moradores (secretaria cultural), pude verificar o quanto as pessoas tem sonhos e ideais e a dificuldades encontradas para alcançar os objetivos. O descaso dos governantes a não prioridade do “social”, acredito que se fosse hoje com a experiência que adquiri nos anos seria um resultado melhor.

X

− Famílias usuárias do PIS, onde todos na casa estão com tuberculose, inclusive as crianças. Descobri essa situação em reunião com as famílias na igreja.

X

− Trabalhei 4 anos no projeto com saber da Setass. O projeto foi investido, criei vínculos com as crianças, hoje mensalmente nos encontramos e discutimos como está o dia-a-dia de cada um, em número reduzido. No início +- 40 crianças, hoje a média são de 10 a 15 adolescentes.

X

− No natal, ou melhor, em dezembro de 2003, eu estava na entrega de cesta de natal na E.E. Elia França e uma garotinha de uns 7 anos entregou para mim um bilhete. Nele estava escrito o que ela gostaria de ganhar: “um boné rosa”. Quando voltamos ao programa fui até a superintendente e mostrei o bilhete. A D. comprou dois bonés e me pediu para entregá-los.

X

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150

Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− Uma família de 5 pessoas, o esposo desempregado, ex detento. A esposa trabalha com trabalho fixo. O esposo passou a cuidar da casa, dos filhos e tomar conta (bicos) de filhos de visinhos que não tem creche para deixar as crianças nos procurou, pediu ajuda para estudar e a partir das ser (reuniões sócio-educativas) que ele representa a esposa ele cuida de 10 crianças e estuda para dar melhor qualidade de vida a todos ao seu redor.

X

− Família que com boa vontade e com o benefício conquistou seu espaço em uma faculdade. X

− Uma família que conseguiu auxílio doença do INSS, apenas com informações e orientações, pois não estavam trabalhando com carteira assinada.

X

− Participante de reuniões sócio-educativas com 83 anos levantou a auto-estima, começou a estudar e hoje sabe ler e escrever até arrumar companheira.

X

− Família de 5 pessoas onde 4 são deficientes: mental e físico. Hoje está inserido na sociedade. X

− Famílias usuárias do PIS. Com muito esforço fez vestibular e está cursando Universidade, essa pessoa me surpreendeu muito.

X

− Famílias usuárias do PIS, almoçando no pastel douro. Quando a mesma me olhou ela ficou preocupada em me encontrar naquele lugar, veio justificar-se. Por ser famílias do PIS, ela tem o direito de almoçar onde quiser.

X

− Uma família com 10 pessoas na casa, casa essa com 2 peças, sem banheiro. A partir da inclusão no PIS, essa família passou a melhorar a sua auto -estima. Hoje todos os 8 filhos estão em sala de aula e a mãe das referidas crianças pode trabalhar fora e ajudar o esposo construir 2 quartos a mais na casa e o tão esperado banheiro.

X

− As famílias do PIS nos eventos de entregas de cartão. Felizes de poder agora receber em dinheiro o benefício.

X

− Trabalho no PIS (Campo Grande) onde imaginava que era uma mera distribuição de cestas, no decorrer dos anos conheci realmente o que era o nosso trabalho, a dimensão e embora todas as dificuldades me sinto realizada em poder ter esse contato com as famílias e verificar o quanto elas mudaram do início até hoje.

X

− Filha de beneficiário assistido está no 3° semestre na faculdade de Pedagogia. Trabalha na limpeza de uma escola, recebe Bolsa-universitária. Cumpre 4 horas na Secretaria d outra escola. Nada disso seria possível sem o trabalho social.

X

Page 152: JACY CORRÊA CURADO final

151

Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− As primeiras visitas domiciliares para verificar o perfil social e econômico de famílias. A miséria encontrada com falta de alimento, casa sem piso, de taboa com frestas enormes, sem lamas, ou seja, um lugar confortável para dormir, pois o que vieram restos de lixos (madeira) no chão misturado a trapos onde jamais pareceria com uma cama. Me deixou perplexa, pois nunca tinha visto tanta miséria e ainda por cima vivida com uma naturalidade pela família.

X

− Uma beneficiária que sofreu agressões físicas do esposo e conseguiu denunciar, ficou em casa de guarda e hoje trabalha como enfermeira no posto de saúde.

X

Comentários da classificação do trabalho social

Pesquisadora: [Pergunta 1] Diante das situações discutidas até o momento, alguém gostaria de falar sobre o sentido que atribui ao trabalho social ?

Participante 4: Amor.

Participante 6: Dedicação.

Participante 7: Respeito.

Participante 3: Respeito da história de vida / a realidade / vida.

[Silêncio].

Pesquisadora: Vocês falaram muito em mudança na vida do outro, não ?

Participante 5: Nós somos multiplicadores né...

Participante 1: A troca de experiência, a gente aprende muito com isso, se você encaminhou alguma coisa que deu certo... outro encaminhamento já parte daí...

Participante 6: Eu, antes de ser gerente, antes de tudo, eu sofri muito no inicio... de querer tudo na hora, de que a pessoa seja igual a mim... a gente sabe que o ser humano tem os seus limites... tem que respeitar o fraco do outro... é essa parte de ser gerente para mim que é o principal... o limite do outro.

Participante 3: Eu não sou técnica de profissão... isso nós adquirimos aqui... mesmo que eu não esteja... não faça mais parte... vai ter resultado... ele vai continuar exercitando aquilo que eu falei para ele né.

Pesquisadora: Vocês acreditam nisso, que mesmo depois do final do programa isso pode continuar?

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Participante 6: O que a gente deixou... a coisa da transformação começa acontecer de pouquinho mesmo... temos o exemplo do Nova Lima... esta desenvolvendo um Programa, aparece o artesanato, as mães, o Sebrae... mas esta foi uma semente que foi plantada há sete, oito anos atrás...

Pesquisadora: Há 20 anos eu participava de um Cineclube no Nova Lima.

Participante 5: A gente escuta falar, o projeto Rondon, a gente brinca, falando a Região do Lagoa nunca mais vai ser a mesma depois de ter passado pela mão de vocês... pode chegar outros agentes, pode chegar outras pessoas, comentar outro tipo de coisa, mas a semente quem esta plantando é vocês... porque ali, e cada região da gente, estamos ali como semeador mesmo, plantar semente para a transformação.

Participante 6: De 80 crianças, hoje eu estou com 12 na idade 7 e 8 anos, eu tenho certeza que destas pelo menos 2 vão se formar no nível superior, para mim já é um ganho extremo... é o que penso que é o que fiz com a vida que tive... essas reuniões, de empoderamento que a gente esta dando, tipo fortalecer em tem 2.780, que 80 consiga futuramente, 50 já é um ganho, para que quebre este padrão de pobreza, nasceu pobre vai morrer pobre... a gente esta ai para fazer a diferença... está ai para mostrar para eles que eles podem ser outra coisa... a história da sra. de construir o quarto, ela já repassa para outros, sem a gente pedir, ela tem uma idéia multiplicadora, ela conta com orgulho... como ela conseguiu isso tudo? ... através da gente, a gente tá lá, tá colocando na cabeça, esta incentivando, tá mostrando certo e errado... a gente não forma consciência claro... mas gente dá o caminho... dá a rede.

Participante 5: Pode acabar, acho que não, eu tenho um aluno que eu alfabetizei 8 anos atrás... ele diz “eu esqueço da escola, eu esqueço do governo, mas da sra. jamais eu vou esquecer, porque a sra. me alfabetizou”... essa família jamais vai te esquecer, na cabeça dela vai estar a sua foto...

Pesquisadora: [Pergunta 2] Qual os sentidos que vocês acham que as outras pessoas/sociedade atribuem ao trabalho social ?

Participante 2: Quando a sociedade não conhece eles colocam que é assistencialista... mas quando a gente vai esclarecer eles mudam.

Pesquisadora: Assistencialista é uma coisa ruim ?

Participante 2: Com certeza

Participante 3: Veio uma advogada aqui com um beneficiário para gente explicar, porque ele tinha sido desligado... e ela falou gente !!! eu não sabia disso tudo, eu desconhecia, eu se alguém me procurar eu vou encaminhar para vocês... eu vou contar como funciona, acho que era defensora pública.

Participante 6: Eles não têm consciência social como a gente tem, aí julgam, criticam... acham que a gente fica sentada aqui o dia inteiro sem fazer nada... não tem noção do que é educação popular... minha família mesmo, a partir do momento que eu vim trabalhar no programa eles tem outra visão, mesmo assim é aquela visa preconceituosa que esta dando cesta, sustentando vagabundo, que direito de criança e adolescente são os responsáveis... preciso de uma política... nem sei se é política... mas alguma coisa que mostre, a comunicação mesmo, que mostre o que a gente faz... as pessoas que estão ao nosso redor sabem... mas a maioria da população não sabe e aí julgam com preconceito.

Participante 1: Por exemplo, aconteceu com os comerciantes, odiavam o governo por causa da cesta, ai depois fiz uma reunião com eles para explicar do programa que os beneficiários também recebiam bolsa escola, e eles diziam que esta cesta não esta deixando eles venderem... agora com cartão eles estão amando... gera economia local.

Pesquisadora: Para finalizar, alguém gostaria de compartilhar as estratégias que utilizam para enfrentar as dificuldades decorrentes do trabalho social ?

Participante 6: Antes eu não conseguia separar o meu trabalho da minha vida pessoal. Tanto que eu até levava os meninos para a minha casa... Hoje, já não, eu entendo que o que eu pessoa fazer por eles eu já estou fazendo. Mesmo porque eu não vou conseguir mudar o mundo sozinha...

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Participante [não identificado]: Eu ainda não consigo chegar em casa e esquecer o eu passei no trabalho. Eu ainda sofro muito com a miséria que presencio.

Participante [não identificado]: Ah, a gente conversa com o outro, desabafa. Às vezes aquela pessoa passou pela mesma situação que a gente e compartilhando as experiências eu fico mais aliviada.

Participante 1: Bom, eu já não sou muito de falar, não. Quando encontro uma família que precisa, eu auxílio, eu tento encaminhar quando eu não posso fazer nada, senão eu faço meu papel.

Pesquisadora: E quando você encaminha e não resolve a situação da família ?

Participante 1: Olha, se o que eu podia fazer eu fiz. Minha consciência fica tranqüila. Eu não levo problema para casa.

Page 155: JACY CORRÊA CURADO final

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OFICINA 03

FORMULÁRIO 1 - Descrição do Grupo

Informações gerais da Oficina

Data: 07 de junho de 2006

Horário: 12h

Grupo: agentes de acompanhamento familiar

Local: Sede do PIS

Pesquisadora: Jacy Corrêa Curado

Assistente de pesquisa: Joyse Cabreira de Sousa

Disposição espacial do grupo

3 4

2 5

1 6

C O

7

8

9

Identificação do grupo

Código Nome dos participantes Sexo Idade Outras características O03.P1 Participante 1 F 26 Serviço Social incompleto

O03.P2 Participante 2 F 37 Administração de empresa incompleto

O03.P3 Participante 3 M 40 História

O03.P4 Participante 4 F 43 2º Grau

O03.P5 Participante 5 F 26 2º Grau O03.P6 Participante 6 F 26 Serviço Social acadêmica

O03.P7 Participante 7 F 45 Serviço Social incompleto

O03.P8 Participante 8 F 43 Geografia incompleto

O03.P9 Participante 9 F 44 2º Grau

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FORMULÁRIO 2 - Associação de idéias

Discussão: Seqüência de associação de idéias à palavra Social.

Grupo: agentes de acompanhamento familiar

Data: 07 /06/2006

Frequência Associações à palavra SOCIAL

Total

1) Cidadania X X X 3

2) Assegurar direito X 1

3) Responsabilidade X X 2

4) Despertar X 1

5) Compromisso X X 1

6) Amor X 1

7) Construção X X 2

8) Ética X 1

9) Família X 1

10) Comprometimento X 1

11) Desenvolvimento X 1

12) Sociedade X X 2

13) Assistência X 1

14) Grupo X 1

15) Fraternidade X 1

16) Dignidade X X 2

17) Segurança X X 2

18) Educação X X X 3

19) Saúde X X 2

20) Habitação X 1

21) Esperança X 1

22) Trabalho X X 1

23) Aposentadoria X 1

24) Direitos e deveres X 1

25) Informação X 1

26) Igualdade X 1

27) Conscientizarão X 1

28) Parcerias X 1

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Frequência Associações à palavra SOCIAL

Total

29) Aprendizado X 1

30) Liberalismo X 1

31) Prosperidade X 1

32) Comunidade X X 2

33) Participação X 1

34) Conhecimento X 1

35) Interesses X 1

36) Aprendizagem X 1

37) Companheirismo X 1

38) Perspectivas X 1

39) Solidariedade X X 2

40) Envolvimento X X 2

41) Importante X 1

42) Satisfação X 1

43) Necessidade X 1

44) Liberdade X 1

45) Capacidade X 1

46) Auto-Estima X 1

47) Carência X 1

48) Baixa-renda X 1

49) Ajudar X 1

50) Encaminhar X 1

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FORMULÁRIO 3 – Classificação das vivências

Discussão: Classificação do trabalho social

Grupo: agentes de acompanhamento familiar

Data: 07/06/2006

Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− O Trabalho da Presidente dos idosos do meu bairro é muito bom e nos dá grandes lições de vida

X

− Teve um dia que o correio informou eu não seria possível entregar a carta que estaria a data e o local de entrega da cesta. Fomos então informar as famílias. O tempo estava chuvoso e andei muito, cansei muito. fiquei com fome e valeu a pena pois as famílias que visitei em muitas casas estava sem o alimento. Gostaria de mostrar a importância de nosso trabalho.

X

− Uma beneficiária tinha cinco filhos e estava grávida novamente da sexta criança, quando foi fazer a última ultra-sonografia descobriu que eram trigêmeos e fazendo ao pré natal foi dectado um problema na coluna dela.

X

− Foi quando conseguimos mobilizar nossa comunidade para se inteirar nos assuntos do bairro onde moro e também ajudar a melhorar

X

− Na área socia l tive várias experiências que me capacitaram bastante e que vieram de encontro ao trabalho que exerço hoje. Conheci entre tantas famílias, uma que me chamou a atenção no aspecto da emancipação. O neto de uma beneficiária, com uma família de 9 pessoas onde há criança s na faixa etária menor que 7 anos. Ao expor seu trabalho na feira dos beneficiários foi contratado para trabalhar em um dos buffet´s de festas infantis. Esta condição me estimulou muito e acrescentou que de cada um de nós, na questão de levar conhecimento e propiciar momentos para o desenvolvimento social.

X

− Ensinar crianças a pensar e analisar (contexto) ensinar a questionar a realidade deles: Porque sou pobre ? porque meu pai esta desempregado ? porque minha família não consegue melhorar de vida ?

X

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Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− Estava eu em uma reunião quando senhora idos falou eu não importa a distância para ela aprender a ler e escrever, porque isso é muito importante para a sua vida hoje. E isso me emocionou muito por que muitos jovens não têm essa vontade de aprender, porque ficam reclamando de tudo e essa senhora é uma lição para todos nós.

X

− Uma mãe que não era brasileira e havia vindo do Paraguai fugido e seus filhos eram brasileiros, mas não tinham documentações.

X

− Identificar o que é risco social X

− O me tocou, foi na área da educação, quando uma pessoa que estava falando sobre a profissão fez com refletisse sobre minha escolaridade, e que não é a idade que iria atrapalhar com que eu pudesse retornar aos estudos e sim a minha decisão de pagar o preço dessa empreitada, resolvi voltar a estudar para Ter a profissão desejada. Hoje estou concluindo o curso de Serviço Social, e me sinto satisfeita pela decisão tomada, apesar de tantas dificuldades que encontrei no percurso.

X

− Participando de uma palestra sobre auto-estima, pude refletir sobre minha capacidade.

X

− Admiro a força de vontade que presencio nas aulas de alfabetização, pois o envolvimento e o compromisso das pessoas é algo gratificante.

X

− Presenciei a transformação de uma pessoa que através das reuniões sócio -educativas acreditou na sua capacidade de transformação.

X

− Uma das conquistas que eu tive, foi quando eu percebi, que o meu trabalho com as famílias estava dando certo, e antes pensava que eu não ia conseguir, hoje vejo que sou capaz.

X

− Se deparar com a pobreza. O que mais me marcou como profissional é me deparar com as realidades das aldeias de Dourados.

X

− Visita que fui fazer para inclusão e deparei com uma criança de oito anos que tinha um problemas psicológicos e não comia comida somente tomava líquidos com leite e suco artificial.

X

− O trabalho dos programas de inclusão social é maravilhoso, pois permite você levar mais que um benefício, mas principalmente a palavra ou mesmo ouvir a família que, na maioria das vezes não tem ninguém que a ouve.

X

− Compromisso, trabalho voluntário (Bbeducar) X

− Trabalho com idosos (asilo) nos dias dos pais e dia das mães.

X

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Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− Visitas a hospitais na época de Natal, Ano Novo. X

− Desenvolver atividades na igreja, junto a cria nças e adolescentes.

X

− Eu era coordenadora de uma comunidade e fui intimada, por uma pessoa que tinha ouvido no rádio que uma família estava passando por grandes necessidades e esta senhora disse que, de alguma forma a igreja era responsável e deveria tomar providências, nem que fosse com doações de alimentos. Foi muito boa essa experiência para minha vida.

X

Comentários da classificação do trabalho social

Pesquisadora: [Pergunta 1] Diante das situações discutidas até o momento, alguém gostaria de falar sobre o sentido que atribui ao trabalho social

Pesquisadora: Qual é o sentido deste trabalho social para vocês, já falaram alguns, quais outros, o que mais gostariam de falar sobre este sentido, o que significa...

Participante 7: Eu acredito assim que a gente tem que dar o melhor, dar o melhor de si, a gente precisa gostar principalmente, se não gostar não tem como dar o melhor..

Pesquisadora: Se não gostar acham que não ficam neste trabalho social ?

Participantes [todos]: Não consegue...

Participante 1: Ela tem uma visão de até aonde ela quer chegar com social, a transformação que é de dentro para fora... porque tem muita gente, assistente social que tem muita teoria na área social, e na hora de colocar estas informações a pessoa não faz a metade... entendeu

Participante 4: E dentro de mim que a transformação tem que começar...porque senão, não adianta eu ir a campo que eu não vou executar o trabalho da forma que ele tem que ser...eu vou simplesmente ir lá, andar, andar não vou falar coisa com coisa, e não vou... quer dizer não vou chegar a lugar nenhum com este trabalho, não tenho um objetivo...se meu objetivo é unicamente o meu salário no final do mês eu não fico neste trabalho... o objetivo é tirar a venda né, é desvendar os olhos das pessoas, acho todo nosso objetivo é auxiliar, desvendar !

Participante 9: É uma coisa muito séria, e bastante importante que eu ouvi nesta semana, é que nós temos agentes que tem simplesmente um supletivo e que faz um trabalho social assim muito grande, maravilhoso, mas que temos assistente social aqui, que tem olha assim não sei 4 anos na faculdade e não dá conta... (todas concordaram).

Pesquisadora: O que é então, se não formação profissional que é o elemento fundamental...não só necessita de uma formação acadêmica ?

Participante 8: Como nós comentamos, de nossa primeira visita que a gente aprendeu o trabalho, isso há cinco anos atras, nós fizemos um trabalho, um debate com os assistentes sociais, porque, nós saiamos a campo com um assistente social para a gente aprender a fazer a visita, gente foi uma coisa deprimente, que o assistente social chegava em um determinado bairro, uma casa, uma casa para fazer a visita... o que aconteceu com aquela leva de pessoas que estavam entrando ?...nós tivemos que procurar a coordenação para expor para a coordenação porque que as pessoas tratavam as pessoas daquela forma...sem ética, completamente errado, eles humilhavam as pessoas..

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Participante 1: Eu quero falar um pouquinho sobre o serviço social, eu fiz 6 semestres, eu acho na verdade que o serviço social tem sua história anterior, se você observar a assistente social de antes e de hoje, eles tem uma conduta, a maneira que ela protege seu trabalho...

Participante 8: Eu sonhava com o serviço social, hoje eu sou estudante de geografia... me decepcionei demais com vários profissionais da área de assistência social..

Pesquisadora: E qual é o sentido do trabalho social, não só do assistente social é mais abrangente?

Participante 3: O trabalho social que a gente faz, acho que a gente ganha muito mais do que a gente doa...eu evolui muito mais espiritualmente como pessoa do que você ajudar a eles.. eu sou outro tipo de pessoa...o que eu vi realmente é como que a coisa é difícil

Participante 4: É como isso funciona, porque quem tá de fora... esses dias a gente ouvi lá uma agente de saúde que disse o seguinte: o nosso trabalho é uma pessoa que esta diante do quadro negro e não consegue levar no posto fazer pré natal. Ela ia perguntar para gente como fazia isso... e ela disse: você vai perder tempo, porque o único trabalho deles é olhar a nota... e isso justamente em um momento que a gente esta levando as pessoas no posto de saúde, para saber como funciona o posto, o conselho gestor, que a comunidade local não sabe que existe... quando a gente ouve isso de um agente comunitário... primeiro a gente fica bravo de ouvir... a gente não ia falar de um serviço de uma pessoa que a gente não tem o conhecimento.. e é muito triste ver que tem pessoas que não sabe o trabalho de uma agente como funciona...

Participante 7: Acho que tudo é um processo, eu acho que a gente tem isso, é um despertar de dentro para fora... tudo é um processo...acho que cada cidadão poderia olhar um pouquinho para social, projetos... eu tenho uma experiência que foi chocante, trabalhar numa aldeia, conhecer a realidade de uma aldeia..

Participante 3: Em um projeto você olha a maioria com traços indígenas fortes... ai você encontra a questão indígena : índio é tudo vagabundo, não trabalha... e ai você começa a explicar que os índios não vivem em um sistema capitalista e não tem a necessidade de acumular para sobreviver...você começa a explicar isso, mostrar como é a cultura indígena, que o índio não tem pagar poupança para aposentar... que os valores deles são diferentes... e ai chega no final do processo eles percebem que realmente é uma cultura diferente... quem falou que a cultura branca é melhor que a dos índios, aonde esta escrito isto ?

Pesquisadora: Vocês estão falando de vocês, dos agentes, e as outras pessoas, o outro, a sociedade, como vocês acham que elas vêem o trabalho social ?

Pesquisadora: [Pergunta 2] Qual os sentidos que vocês acham que as outras pessoas/ sociedade/ mídia atribuem ao trabalho social ?

Participante 3: Se você pegar a maioria vai achar que é assistencialismo, é coisa para dar voto... a grande maioria, como eu também no passado já pensei assim, não tenho vergonha de falar isso, eu acho que tem que reconhecer a evolução... quando você começa a participar do processo, e ver que aquilo é emergencial, para tirar... hoje, a gente tem uma lista de pessoas para excluir que não precisam mais... agora, a mídia e a grande imprensa e a grande sociedade, vê como assistencialismo... eu vejo em Aquidauana um cumprade diz: eu não consigo mais achar capataz, o povo ganha sacolão, não consigo mais arrumar doméstica, porque ganha sacolão, o povo não quer mais trabalhar... não tem mais doméstica (eles dizem em coro) infelizmente é isso...

Participante 8: A partir do momento que você esta em um programa social e dá benefícios, a nossa visão, é a nossa visão, e eles não tem a dimensão do problema que nós vivemos, como a sociedade esta adormecida também, se passam fome e eu acho que esta tudo numa boa, então para “mim” é para ganhar voto, porque nos temos uma história anterior de pouco trabalho social, tudo é por troca de voto.

Participante 4: Eu acho que as pessoas estão entendendo que elas são, eu não sou mão de obra e que nós somos uma força de trabalho e essa força tem que ser va lorizada, então o que esta acontecendo não é não tem mais doméstica, não tem mais isso ou aquilo, tem sim, porém elas passaram a se valorizar, entendeu, elas não trocam mais sua força de trabalho por meia dúzia de bananas, isso que esta acontecendo e é isso que esta mudando... e é justamente isso que a sociedade e a elite esta assustada, entendeu... eu tenho que valorizar minha força de trabalho.

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Pesquisadora: Vocês acham que enquanto trabalhadoras sociais se sentem valorizadas, pela sociedade ?

Participante 8: E ai entre um questionamento não é pessoal, é de toda uma classe vamos dizer assim, porque nós somos tão valorizados nos comentários nos discursos, o que faltou para que nós conseguíssemos assegurar o nosso valor, o nosso trabalho, não ficar na dependência deste ou daquele partido, deste ou daquele governo, o que esta faltando eu penso, na área social, do assistente social, ela esta sendo agora conhecido o trabalho social, não é conhecido, acredito nem reconhecido..

Participante 4: Tanto é que fomos contratados como professores...

Participante 8: Foi a forma que o governo achou, a forma que ele teve de nos contratar...

Pesquisadora: Porque isto acontece no trabalho social ?

Participante 8: Os governos anteriores nunca investiram no social, nunca trabalhou no social, nem pensou...

Participante 3: Sabe porque eles tão investindo no social hoje, porque o poder esta estrangulado, esta ficando insustentável, quer no campo, quer na cidade... então vai chegar uma hora vai ter uma guerrilha.. nos discursos acadêmicos uma beleza, o direitos, oh !! o trabalho de vocês...

Participante 4: O trabalho interno... aqui tá, nós não temos estrutura nenhuma de trabalho, e quando falo estrutura gente, não falo carro...não é isso, e uma folha de papel, uma caneta, um caderno... é importante... é importante, mas até aonde ele é importante

Pesquisadora: Como vocês se sentem ?

Participante 85 Tem momento que a gente fica pirado mesmo, não um papel para tirar cópia, não tem caneta... e isso, o que a gente faz, o programa já parou por causa disto ? nunca, e isso não é agora, isso é desde que o programa é programa

Pesquisadora: O que mostra isso tudo ?

Participante 8: Nosso trabalho esta surtindo efeito

Participante 4: Nós estamos ajudando a mudar, derrepente nós não vamos ver isso hoje, é uma semente que estamos plantando que vai servir para meus filhos, meus netos..

Participante 5: O exemplo da beneficiária da bolsa escola, fez concurso, passou hoje esta terminando geografia, ela é mulher, é doméstica, é negra, e é o incentivo que o agente dá no bairro...

Participante 8: Quem não tem perfil para ser agente de acompanhamento familiar ele para, fica estagnado...fica pelo salário.

Pesquisadora: O que seria este perfil, quem é o trabalhador social ?

Participante 1: Eu acho que o trabalhador social, acho na verdade como eu, é uma construção, eu acho que devia ter mais oportunidade para o trabalhador social, acho não existe uma receita...

Participante 4: Gostar do povo, gostar do ser humano, valorizar, ter envolvimento..

Participante 4: Ter contato físico, abraçar, pegar, porque tem pessoas, que bota um salto alto, chega lá e passa reto...

Participante 8: Pensam que você é política, você é candidata a vereadora...

Participante 5: Eu já sou ao contrário, tem pessoas que falam para mim que eu tenho que ser candidata, eu não me acho, não passa isso na pela minha cabeça, eu não tenho assim essa utopia final, não passa isso pela minha cabeça...

Participantes [todos]: Não ser apegado a dinheiro, nem pensar...

Participante 3: Vai ser fiscal de renda.

Participante 1: Como a gente pode falar no trabalho da saúde... quando a gente vai no bairro... tem pessoas que não deixam ser tocadas, agentes... o que elas querem é isso, abraçar, chorar... entendeu...

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Participante 4: Existem pessoas que trabalham desta forma, mas sabe qual é a alegria deles quando a gente esta fazendo uma visita, tem muitos usuários que quando estamos fazendo um visita eles falam: vêm almoçar aqui...

Participante 5: Tomar água deles, e olhe que nem sempre tem copo de vidro

Pesquisadora: Nunca ninguém aqui pegou nenhuma doença ?

Participantes [todos]: Nada, nada, nunca...

Participante 8: E olha que nós fazemos um trabalho em bairro, extremamente, pobreza mesmo..

Participante 5: A gente trabalha com pessoas soropositivos, tudo que é doença imaginária a gente trabalha... acho que o orgulho é que traz doença, todo tipo de doença... a doença que a gente pode levar é desespero de ter de ver eles triste, a auto – estima baixa, não ter vontade de fazer nada

Participante 4: Isso não acontece contra a gente, não tem história de falar, ah !eu peguei isso e aquilo

Participante 5: Risco com isso existe, eu sei que existe, agora falar eu peguei uma doença, não...

Participante 8: Eu tenho uma beneficiária, que ela esta com o filinho com um monte de problemas principalmente paraplégico... e eu quando estou pra baixo eu vou lá, por ele levanta meu astral... muitas vezes eles dão remédios pra nós e como ele falou, nós estamos ganhando muito, mais do que dando, como pessoa, porque eles tem muita coisa para passar para nós... é assim coitado daqueles que acham... nós...

Participante 3: É uma pena professora, porque se aquele povo de Brasília, se eles pudessem andar com a gente aqui... eu não preciso ir muito longe...pode voltar para aqui mesmo

Participante 4: Vamos aqui dentro mesmo, não os colegas, não agentes, mas tem pessoas que não vêem a importância do trabalho do agente, dentro do próprio PIS e aonde eu defendo em todas as reuniões que eu participo, como eu defendo o agente, nós estamos na ponta, nós sabemos o que esta acontecendo, quando subo para falar com a coordenação eu peço, pelo amor de Deus, converse antes com os agentes primeiro antes de qualquer coisa, porque nós sabemos lá o que realmente acontece...infelizmente tem pessoa que faz um trabalho técnico, que não enxerga muito, não sabe, não se envolve...sempre tem gente assim...

Pesquisadora: Para finalizar, alguém gostaria de compartilhar as estratégias que utilizam para enfrentar as dificuldades decorrentes do trabalho social ?

Pesquisadora: Como vocês fazem para superar tudo isso que vocês vivenciam, quem aqui precisou utilizar algum recurso ?

Participante 1: Quando eu entrei aqui, eu pensei que ia enlouquecer, não ia dar conta, eu olhei para minha vida, dentro da minha casa, meu esposo, minha filha, da minha família em geral, e pensei no que eu tinha conhecido, porque eu também não tinha noção desta realidade toda, então o que eu coloquei para mim, que eu poso, e que minha vida é maravilhosa, que eu não estou sozinha, eu tenho colega, ela me ajudou muito, ela lutou muito do meu lado...

Participante 8: É uma família, é grupo de 13 pessoas...

Participante 5: Eu discordo...

Participante 8: Não tem um problema da qual você tem, que você não tem um agente, um gerente, para conversar, olhe a situação é essa... me mostre uma luz... eu estou perdida... muita oração... tem DEUS... me indique o caminho... me ilume... caminhe junto comigo... na minha frente.

Participante 1: Nunca devemos reclamar...nunca reclamar

Participante 3: A verdade é o seguinte professora, a grande síntese de isso tudo para a pessoa que trabalha aqui,... tem a questão do capital e trabalho e isto existe em todo lugar, mas a que trabalham aqui, eu acho que isso é meio como sacerdócio as pessoas tão porque querem se melhorar, tentar melhorar aos poucos...e se disso tudo aqui a gente conseguir salvar uma pessoa a gente já fica contente...concorda comigo... tratar as pessoas como cristão... o nosso papel é evoluir espiritualmente,

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intelectualmente, então eu penso assim, se eu conseguir no meio disso tudo salvar um... pelo menos

Pesquisadora: E você já salvou ?

Participante 3: [riu] ... ele [Deus] sabe se eu salvei...

Participante 1: e acho na verdade, é um trabalho emergencial, que tem tanta gente doente, entrevados, crianças que não tem nenhuma formação educacional, eu me preocupo, tenho minha família, e não quero parecer nenhum individualismo... minha filha amanhã, eu posso sentir necessidade, eu sinto uma necessidade emergencial de fazer trabalho social, eu me encontrei aqui...

Pesquisadora: Vocês nunca se sentiram frágeis, o que fazem ?

Participante 5: Nós estamos esse momento agora, que várias pessoas que foram visitadas para serem incluídas, e não foi nem passado para os agentes que isso ser feito desta forma...ligando para as pessoas ou para o vizinho... puxa vida, simplesmente ligaram para minha casa e falaram que eu não ia ser incluído... passasse para gente, a gente ia fazer a visita e a gente avisa, olha não foi agora... mas não, a gente se sente de mãos atadas... eu outro dia aqui, pedi permissão para minha gerente de falar com a coordenadora, pedir para duas pessoas, uma mãe esta com câncer...e uma outra mãe que esta com o menininho com o corpo cheio de caroço...que tem que trabalhar para ter o que comer dentro de casa...

Participante 3: Eu tenho um lance mais forte, problemas financeiros existem no governo, mas porque esta sendo desligado quem não é perfil... e eles não tão preocupados... querem resolver o problemas financeiro deles...

Participante 1: Eles estão em uma reta final... e querem acertar as contas

Participante 3: O grande problema é que não pode neste tipo de trabalho nosso, a política não pode entrar e ela caminha ao nosso lado, esta é a grande questão..

[Silêncio].

Pesquisadora: Gente, já são uma hora da tarde... eu gostaria de agradecer, eu estou aprendendo bastante também e convido para assistirem o resultado talvez no inicio do ano que vêm...

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OFICINA 04

FORMULÁRIO 1 - Descrição do Grupo

Informações gerais da Oficina

Data: 02 de agosto de 2006

Horário: 14h

Grupo: equipe de coordenação e capacitação

Local: Sede do PIS

Pesquisadora: Jacy Corrêa Curado

Assistente de pesquisa: Patrícia da Cunha Montaño

Disposição espacial do grupo

3 4

2 5

1 6

C O

12 7

11 8

10 9

Identificação do grupo

Código Nome dos participantes Sexo Idade Outras características O04.P1 Participante 1 F 42 Pedagogia

O04.P2 Participante 2 F 47 Psicologia

O04.P3 Participante 3 M 34 Professor

O04.P4 Participante 4 F 46 Professor

O04.P5 Participante 5 ... ... ... O04.P6 Participante 6 ... ... ...

O04.P7 Participante 7 ... ... ...

O04.P8 Participante 8 F 30 Assistência Social

O04.P9 Participante 9 F 40 Assistência Social

O04.P10 Participante 10 F 52 Psicologia

O04.P11 Participante 11 F 32 Psicologia

O04.P12 Participante 12 F 46 Psicologia

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FORMULÁRIO 2 - Associação de idéias

Discussão: Seqüência de associação de idéias à palavra Social.

Grupo: coordenadores da área social (PIS-COGEPS)

Data: 2/08/2006

Frequência Associações à palavra SOCIAL

Total

1) Cidadania X X 2

2) Assegurar direito X X 2

3) Compromisso X 1

4) Amor X 1

5) Família X X 2

6) Desenvolvimento X 1

7) Sociedade X X 2

8) Trabalho X 1

9) Comunidade X X 2

10) Participação X 1

11) Interesses X 1

12) Solidariedade X 1

13) Capacidade X 1

14) Acesso a serviços X 1

15) Protagonismo X 1

16) Inclusão X 1

17) Pertencimento X 1

18) Vida X X 2

19) Vida Pública X 1

20) Gente X 1

21) Humanidade X 1

22) Política X X X X 4

23) Seriedade X 1

24) Caridade X 1

25) Compreensão X 1

26) Doação X 1

27) Projeto social X 1

28) Usuário X 1

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Frequência Associações à palavra SOCIAL

Total

29) Educação popular X 1

30) Políticas sociais X 1

31) Autonomia X 1

32) Políticas públicas X X 2

33) Transformação X 1

34) Serviço social X 1

35) Para todos X 1

36) Amizades X 1

37) Troca X 1

38) União X X X 3

39) Todos/todas X 1

40) Relacionamentos X 1

41) Crescimento X 1

42) Prazer X 1

43) Respeito X 1

44) Sucesso X 1

45) Justiça X 1

46) Sabedoria X 1

47) Valor X 1

48) Humanismo X 1

49) Visibilidade X 1

50) Profissionalismo X 1

51) Pessoas X X 2

52) Comunicação X 1

53) Estudo X 1

54) Custo X 1

55) Opção X 1

56) Cooperação X 1

57) Indivíduo X 1

58) Potencial X 1

59) Vivência X 1

60) Amplitude X 1

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FORMULÁRIO 3 – Classificação das vivências

Discussão: Classificação do trabalho social.

Grupo: equipe de coordenação e capacitação

Data: 02/08/2006

Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− Identidade: época da ditadura. Buscar/querer que mais pessoas participem, que não sejam “manipuladas”.

X

− Movimento de Mulheres: quase na mesma época da Pastoral da Juventude, reforçou minha identidade de mulher, entendimento do que é ser feminista e o movimento fortemente estruturado do poder patriarcal da sociedade.

X

− Comunicar a morte do filho a uma mãe. X

− Uma família que me chamou pedindo para eu desligar o benefício, e relatando que o maior valor que ela tinha a receber, não era os alimentos, que na época era cesta não era cartão, não era os alimentos que tinha na cesta, que era o sentimento de que ela era importante para a sociedade, que ela sabia que ela existia, no momento em que nem ela mesmo não lembrava que ela existia. Ela falou pra mim, que tava num momento de guerra e se sentia hoje a pessoa mais forte pro trabalho.

X

− 2006: às vésperas de um final de mandato, com as possibilidades de continuidade ou não do projeto idealizado em 2000.

X

− PIS/MOVA: com família, reuniões sócio-educativa; alfabetização de adulto. X

− “Casa Dom Bosco”: trabalho com criança e adolescente em estado de risco. “Meninos de Ruas”. X

− Atuação com projeto preventivo com comunidades. X

− Quando um aluno do BBeducar não alfabetizado seis meses depois escreveu e leu uma carta contando sua vida.

X

− Deixar meu serviço após 5 anos, mudar de função foi muito doloroso. Hoje percebo o quanto foi bom, pois “estacionar” não é correto para nenhum profissional.

X

− 1992/93: Trabalho de Campo Grande – Programa de Saneamento para População de Baixa-Renda, foi quando me descobri realizando um trabalho com populações de periferia (no próprio bairro). Despertou em mim o interesse pela área de atuação.

X

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Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− 2000: Início do trabalho no Programa de Segurança Alimentar no Governo de MS. Idealizando a proposta, pensando no desafio de sua execução.

X

− A confiança que a família deposita nos serviços do PIS. X

− Trabalho desenvolvido com meninos de rua. X

− O trabalho em equipe pelo social, sempre trabalhei em equipes privadas. X

− A alegria dos beneficiários, quando passaram a receber o dinheiro ao invés da cesta. Ficaram empoderados, relatos feitos nas reuniões sócio-educativas.

X

− No que se refere aos Programas do Governo do Estado de MS, algo que me chamou a atenção é a “pessoa” mudar de atitude; isto é ser incluída após um cadastro é através do acompanhamento, realmente ser identificado que a pessoa (usuário) mudou de vida; significa adquirir consciência crítica, auto -estima e alcançar transformação.

X

− Uma experiência pessoal é aprender trabalhar em grupo multidisciplinar. Conhecendo, personalidades e temperamentos diferentes; acreditar no potencial do outro e ser valorizada como pessoa e enquanto equipe; apesar das diferenças todo trabalho foi alcançado através do objetivo do grupo; não individual mas acreditando na mediação da Educação Popular.

X

− Presenciar o caos da injustiça social, uma criança comendo um bife azedo, sujo de borra de café como se o alimento fosse um troféu. Pois a mãe havia achado no lixão onde ia toda madrugada.

X

− Que o trabalho em grupo sempre seja mais rico e proveitoso. Trará melhores resultados e modificará, fará crescer a todos.

X

− Singeleza do ser humano é uma das mais bonitas virtudes, independente de cargos, classes sociais, etc. X

− A dinâmica do crescimento pessoa é rica e excitante e serve como estímulo para acreditar que uma situação sempre pode ser melhorada, mais justa e mais humana.

X

− Assumir meu 1º serviço como nomeada “cargo de confiança” Secretária de Assistência Social. X

− Outra experiência relevante é acreditar que o ser humano é capaz de ser sujeito de sua história; mesmo em situação de pobreza; Agradecer não pelo programa; mas em saber que tem direitos e olhar em seus olhos com lágrimas, dizer hoje eu aprendi ler e escrever meu nome através do BBeducar, obrigada pela atenção professora se referindo a mim.

X

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Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

− Pastoral da juventude: formação integral a partir do grupo de jovem da Igreja Católica onde comecei a entender e discutir a questão do protagonismo, consciência sócio-política e projeto de vida entre outros.

X

− Grupo AME, crianças portadoras de HIV, com Paralisia Cerebral Severa e câncer. X

Comentários da classificação do trabalho social

VOLUNTÁRIO (leitura e discussão das vivências):

Pesquisadora: Bem, então, é assim... to com trabalho voluntário... bom vamos começar pelo voluntário porque tem pouco, né? Se alguém gostaria de ler, pode ser?

Participante 5: Grupo AME, crianças portadoras de HIV, com Paralisia Cerebral Severa e câncer.

Pesquisadora: Alguém gostaria de comentar, pode ser? Comentar sobre esse trabalho?

Participante 4: É uma experiência que surgiu dentro da Igreja, né... que partiu do grupo de jovem, Grupo AME, que fazia esse trabalho junto de algumas Instituições, né, a AACC, que fazia acompanhamento com eles, contato com as crianças, tinha momentos em que a gente chegava até o grupo pra, até as crianças, que elas chamava... crianças que vinham do interior do Estado para o tratamento de câncer, aqui no Hospital Regional ou em outro hospital e era encaminhada a AACC, que era a casa das crianças com câncer. E nós tínhamos um dia da semana que ia para lá, final de semana e acompanhava as crianças, através de brincadeiras, teatro. As crianças portadoras de Paralisia Cerebral Severa, Oligonópolis, lá também foi uma experiência muito boa porque são crianças que... é... você se comunica praticamente com o olhar, com os olhos, porque são totalmente paralisadas, algumas já estão num estado do trabalho que vocês vêm fazendo com elas, um estado bem já de melhora muito grande. E o grupo também ia pra lá com outro tipo de brinquedo, porque eles tinham restrições de alguns brinquedos, que não podiam ser brinquedos... ah!... porque não tinham coordenação motora, então não podia ser brinquedo duro, não podia ser brinquedo alérgico, porque eles não podiam ter nenhum tipo de alergia, né... então o grupo também, o Grupo AME fazia. E a experiência maior foi dentro da casa das crianças com AIDS, que era das irmãs e que hoje está bem próxima da UCDB, que ta mais próxima... que era aqui na... perto da.... Rua Alegrete.

Participante 4: Isso! Na rua Alegrete, né, que ali foi uma experiência dura porque era um momento que nós íamos pra lá também, tinha um contato com essas crianças e chegava um certo momento que perdia, porque algumas crianças morriam, enquanto você fazia uma semana, ela tava muito feliz, né, brincava com o grupo, tava ali se divertindo, você chegava na outra semana, ela tinha falecido. Algumas crianças até no momento de você brincar, ela já começava a dar sintomas de... terminal, de... do HIV, então foi três momentos, assim, que nós passamos, quatro anos nesse grupo trabalhando e onde esse grupo tinha, né, o chamado Amigos do AME que eram pessoas, também voluntárias da sociedade, que colaboravam junto com o grupo, né, pra gente tá levando alguma coisa, como brinquedos, até mesmo a questão de alimentos, algumas pessoas doavam alimentos, pra gente estar levando às essas Instituições, pra ta trabalhando com as famílias.

Pesquisadora: Dentro da Igreja?

Participante 4: Isso, na Igreja.

Pesquisadora: O trabalho social começou ali?

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Participante 4: Isso, o trabalho social começou dentro da Igreja.

Pesquisadora: Legal.

Participante 8: Outra experiência relevante é acreditar que o ser humano é capaz de ser sujeito de sua história, mesmo em situação de pobreza. Agradecer não pelo programa, mas em saber que tem direitos e olhar em seus olhos com lágrimas, dizer: “hoje eu aprendi ler e escrever meu nome através do BBeducar, obrigada pela atenção professora”. Se referindo a mim. Foi uma experiência que eu tive muito edificante, numa época que eu era gerente do município começou a abrir um programa, é... uma parceria através do Banco do Brasil, o projeto Bbeducar. E na época, nós não tínhamos nenhuma remuneração, era um trabalho voluntário, então nós trabalhávamos como funcionário do programa e, além desse serviço, é... nós poderíamos ser professores do Bbeducar, professor daquelas famílias que estão é... dedicadas do programa com parceria da escola. E eu tive o prazer de ser professora sem nunca ter sido, eu não fiz magistério, eu não tenho nada por fora que se refere a professor, nem aula de reforço eu nunca dei! Nunca! E aí, eu fui, participei...

Pesquisadora: Foi por que você quis?

Participante 8: Foi porque eu quis, não foi imposto pelo programa. O programa abriu, quem tivesse o perfil, do ponto de vista pessoal: “Quer? Gosta?”. Então pode fazer. Participei de uma capacitação, né, que teve do Banco do Brasil, com professores, profissionais da área de educação, aí eu comecei a minha vida como professora. Eu não me achava uma professora, né, porque eu nunca tinha escutado alguém se referir a mim como professora. Então, essas pessoas humildes, em situação de pobreza, né, e elas olhando pra você e dizer q elas queriam aprender, que estavam ali com tanta dificuldade, esforço, cada um tinha sua história individual, né, as suas dificuldades peculiares, mas no final de tudo, o aluno dizer para você: “olha, hoje eu descobri que isso é um direito, e eu aprendi ler e escrever, obrigada professora”. Olhando lá dentro: “Obrigada... sabe...assim, se não fosse aquele momento... nunca” e chorou, nossa! Isso eu nunca esqueci, nunca esqueci e até hoje tantas, né... isso foi muito gratificante para mim como ser humano, né...além de tá trabalhando, mas como ser humano é muito gratificante você perceber que você fez parte da história de uma pessoa, fica uma vivência muito boa.

Participante 11: É o meu...

Pesquisadora: Pode ser, não tem problema, você quem fez, né?

Participante 11: Pastoral da juventude: formação integral a partir do grupo de jovem da Igreja Católica onde comecei a entender e discutir a questão do protagonismo, consciência sócio-política e projeto de vida, entre outros.

Pesquisadora: Alguém quer comentar? (Risos)

Participante 11: Isso é o meu... eu sempre fui chamada de “igrejeira”. Bom, então, foi... eu era a Pastoral da Juventude do grupo jovem da Igreja Católica, na Copavila II, no...no ano de 1992 a gente começou. Foi bem legal, que a proposta era que nós jovens trabalhássemos com grupo de jovens da Copavila II, agora tem asfalto, pizzaria, tem um monte de coisa, ta bem legal, bem melhor, porque naquela época tinha muita gangue, escola da Copavila I e Copavila II que brigavam, tinha muito índice de droga, hoje também tem, mas ainda naquela época... não sei... se era melhor ou pior, mas era mais evidente, né. E o grupo jovem era uma possibilidade de a gente propor uma atividade diferente para o jovem, de lazer, de religião, mas também de que eles são os protagonistas. A gente discutia vários temas, como cidadania, conceituação política, é... tentar trabalhar um projeto de vida com a juventude. “Eu K. , Jovem, o que eu quero para minha vida? Quais as possibilidades que a gente têm? Como é que a gente pode praticar as ações?”. Então, foi no grupo jovem que eu comecei a despertar com outros jovens, de outras escolas, com as irmãs de lá, a criar um espaço pra discutir assuntos da sociedade, não só a Igreja e a própria Igreja era questionada, era voltado para... tinha cinco dimensões: consagração, integração, consciência política, aí tinha outra...é... passar técnicas, como falar de propósitos, como falar em público, uma série de coisas diferentes.

Pesquisadora: Você participava ou dada o curso?

Participante 11: Era as duas coisas, a gente participava e ao mesmo tempo, era multip licadores, envolvia outros jovens, outras ações para preparação de outros jovens, que a gente chamava de protagonistas. No caso, eu era uma protagonista.

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Pesquisadora: Começou o trabalho social na Pastoral?

Participante 11: Lá na comunidade, na Pastoral.

MILITANTE (leitura e discussão das vivências):

Pesquisadora: Bom, o trabalho voluntário tivemos umas experiências, a gente vai ver depois, né, que tem muito mais voluntário por aí, mas que vocês não consideraram como voluntário. Então, tem também os militantes que são poucos, né? Se alguém quiser ler para comentar, né, o que é uma experiência de u trabalho militante.

Participante 8: Movimento de Mulheres: quase na mesma época da Pastoral da Juventude, reforçou minha identidade de mulher, entendimento do que é ser feminista e o movimento fortemente estruturado do poder patriarcal da sociedade.

Pesquisadora: Quem quer comentar essa experiência?

Participante 11: O Movimento de Mulheres foi um movimento na própria comunidade e na ótica da mulher, né. E a gente me perguntava: “você é feminista?”, “Não, eu não sou feminista, eu trabalho com a conscientização da mulher, porque parecia, na época, que ser feminista era ser radical, era não gostar de homem, era um monte de coisa... e que era outro sentido, que eu fui entendendo melhor o que é ser mulher, o que é ser feminista e a relação do patriarcado e que, muitas vezes, nós mulheres introjetamos e reproduzimos uma série de coisas e também fazia críticas a Igreja que acaba importando na gente. Então, o Movimento de Mulheres foi uma... era um movimento paralelo, sempre tava em crise com a Igreja, porque o movimento a gente era questionada, o movimento era para outros aspectos que não para a Igreja, né. Então, era pra que as mulheres tivessem um espaço legal para discutir. No Movimento de Mulheres uma vez me convidaram, eu já como Psicóloga, para fazer um trabalho de auto-estima com as mulheres, a sociedade patriarcal...isso foi despertando elas para outros fatos...

Pesquisadora: Foi importante para você porque te identificava: “A K. vai lá e faz um trabalho legal”...

Participante 11: Dentro da Igreja Católica existem vários grupos, a carismática, vários movimentos, né. Mas tem que ter pé-no-chão, sabe, né? Dar um toque mais concreto.

Pesquisadora: Tem um aqui e vou ler: Identidade: época da ditadura. Buscar, querer que mais pessoas participem, não sejam “manipuladas”.

Participante 10: Acho que pela idade, fui eu... pela época...(risos). Na verdade, é o seguinte, acho que tudo isso a minha prática começou na época que eu era militante que eu vivi muito a época da ditadura e... começou a época da ditadura, e eu era de uma cidade pequenininha, que não tinha nada, nem movimento de Igreja, nada disso... era época da repressão. Na época da ditadura, do DOPs, eu participava do Movimento de Grêmio Estudantil, era uma universidade pública, e eu vivi isso na pele, de ser detida pelo DOPs. E na verdade, isso tem um pouco a ver porque isso foi formando a minha identidade, com ideal de justiça, de não querer que as pessoas fossem usadas, manipuladas, nesse sentido. Então foi muito forte isso na minha vida e acho que isso definiu a minha opção enquanto profissional da área social.

Pesquisadora: Você já estava na faculdade?

Participante 10: Já, sempre engajada em Grêmio Estudantil, nos diretórios de curso...

Pesquisadora: Participava de algum partido?

Participante 10: Não, como Movimento Estudantil, que na época tinha, né... era a UNE, a gente tinha um grupo, estudava fora, né, não tinha pai nem mãe, né, por perto...aí você vai embora, né... e eu me envolvi mesmo no movimento, de desejo de participação, de poder falar, de querer ser ouvido na época e, é bem por aí. Não é militante de partido, mas é militante em termos de profissão, de uma causa justa, democracia, de “vou participar”.

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PROFISSIONAL (leitura e discussão das vivências):

Pesquisadora: Vocês podem participar, falar um pouco, ta? A maioria que colocou aqui é de trabalho profissional. Então, a gente pode ir lendo e comentando o que é esse trabalho, né, que a gente faz? Como a gente vê? O que traz para a gente, para as pessoas para o lado profissional? A gente não pode ler todas, né, pelo tempo...

Participante 4: Comunicar a morte do filho a uma mãe.

Participante 9: No meu primeiro ano de formada, de serviço como profissional, né, e assim... quando eu tava na faculdade eu nem estágio podia pegar é... na área hospitalar porque eu não tenho muito... para essas coisas... sou mia fraca. E aí, foi interessante, porque eu fui trabalhar no Centro de Saúde 24 horas e todo mundo sabe que no Centro de Saúde 24 horas é praticamente um hospital, e eu me deparei um dia tendo que ir na casa de uma mãe, porque ela deixou o filho lá e voltou correndo para buscar os documentos e demorou, e nisso, o filho faleceu. Então, eu tive que ir na casa da mulher porque ela tava demorando e o menino, a criança tava morta, para mim aquilo lá... eu quase saí do Centro de Saúde porque eu já nem queria trabalhar assim... num órgão de saúde, mas foi uma experiência muito válida que foi muito bacana que me marcou profundamente.

Pesquisadora: Você não desistiu por que?

Participante 9: Porque, não só por essa questão, mas eu tava no Centro de Saúde e faz parte da minha profissão, né... eu gostava das outras coisas que eu fazia, que era trabalhar com as mães, tinha programas sociais, cada programa, programa de diabéticos, informação, de formação de grupos, né, palestras, essas coisas que a gente fazia muito. Então, o trabalho era muito legal, só essa parte, que eu tinha que passar pela parte do 24 horas, eu já me arrepiava, não gostava muito assim... mas, tirando isso, era bem bacana, né...

Pesquisadora: Você consegue identificar porque você não gostava?

Participante 9: Não, mas acho que tem mais a ver comigo, assim mesmo, pessoal assim, eu não gosto muito de sofrimento, eu posso até me deparar assim, por exemplo, é... na secretaria, mudando um pouco, a gente fazia monitoria é... em asilo, mas a parte de doença me incomoda. Quando eu ia numa APAE, por exemplo, ou numa Pestalozzi parecia que me sugava, eu saia assim... sabe? Carregada, porque eu não sei lidar com a doença, eu fico deprimida.

Pesquisadora: Eu também sou assim... não gosto de doença.

Participante 2: Por que na área social, né? A minha opção pela Psicologia Social foi levar afeto ao maior número de beneficiárias... de pessoas. Porque em clínica você fica limitada a uma pessoa, presa ao individual, e na Psicologia Social, a gente pôde se colocar mais a disposição, atendendo em grupo, a um maior número de pessoas, né. Então, eu penso assim, é... indicadores sociais, culturais, o que faz a pessoa adoecer, a lhe causar sofrimento, por que uma age de uma maneira e a outra age diferente, de maneira oposta, então sempre fui para a área de educadores... é... eu acredito muito no ser humano, então, por isso optei pela área social. Então, a minha opção dessa área social, dentro da Psicologia é me colocar à disposição de um maior número de pessoas, de colocar os conhecimentos científicos, a sua capacidade, do seu serviço, daí você vê o quanto de capacidade você tem para servir e colocar isso à disposição das pessoas e ver o quanto de capacidade tem o ser humano.

Pesquisadora: Denise, só uma pergunta, como você fez essa opção pelo social? Porque na sua época não era tão assim... não era como hoje. Como você fez essa opção? Foi filho, foi...

Participante 2: A gente era mal-vista, por uma questão cultural, até hoje mesmo, né? Acho que a própria sociedade vê nossa profissão e é isso mesmo, porque a Psicologia mesmo começou a tratar o ser humano a partir da doença, a tratar com o doente, a doença, a própria Psicanálise, a Psiquiatria. É até normal que a sociedade ainda veja assim, dessa forma. Vai demorar ainda um tempo, né, pra mudar isso. E acho que depende de nós, profissionais sociais, mudar essa visão, né. Mas a opção mesmo, né... porque o meu perfil é... eu me adapto muito ao resultado, então eu gosto da área social mesmo, porque já tá mais perto de uma atitude, poder contribuir pro ser humano mesmo.

Pesquisadora: Foi difícil?

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Participante 2: Foi, foi difícil... não, não foi difícil, porque eu não me preocupava com isso, né, mas foi difícil no sentido do... da própria questão econômica mesmo. Porque pelo menos na minha época que na clínica era mais fácil do que a área social. Hoje é mais difícil a clínica. Fiquei desempregada, mas depois...

Participante 1: Minha experiência profissional foi: Uma família que me chamou pedindo para eu desligar o benefício, e relatando que o maior valor que ela tinha a receber, não era os alimentos, que na época era cesta não era cartão, não era os alimentos que tinha na cesta, que era o sentimento de que ela era importante para a sociedade, que ela sabia que ela existia, no momento em que nem ela mesmo não lembrava que ela existia. Ela falou pra mim, que tava num momento de guerra e se sentia hoje a pessoa mais forte pro trabalho. Então, ela continuava no mesmo estado de pobreza, né... porém ela, ela se sentia capaz, porque ela dizia que não precisava dos alimentos daquela cesta. Ela, naquele momento, ela estava... em vida... para receber aquela cesta porque ela... ela relatou que era como se ela tivesse dormindo um tempo da vida dela. E de repente, de repente, ela com as visitas da gente, ela percebeu que ela era uma pessoa capaz, uma pessoa inteligente.

Pesquisadora: Você era agente?

Participante 1: Sim, eu era agente.

Pesquisadora: Quais foram seus sentimentos quando ela falou isso?

Participante 1: Porque na verdade eu tava visitando como agente, né, e eu era professora, né, eu tinha contato com a área social, foi um período difícil de minha vida, perdi meu marido, mudei de casa, perdi minha filha, acabei adoecendo, então eu estava retornando, e foi muito difícil para assumir uma sala de aula. Então, eu tinha um entendimento dentro de mim que eu tinha que atender muito as pessoas, que tinha que fazer muitas coisas, que eu tinha que reagir. Aí, que busquei a área social, né. Então, é... foi pra mim, uma experiência que marcou muito, porque eu lembrava que ela continuava na mesma situação de vida, econômica, então eu me comparava com ela, né. Porque eu já tinha saído, né, já tinha conseguido uma série de coisas num momento mais ruim de minha vida. Porém, eu não tinha ainda aquela capacidade, aquela vontade, é... e eu via ela com aquela força, que mesmo ela, é...continuando, vivendo na mesma casa humilde, né... ela me relatou os sonhos, ela sonhava, ela planejava sua vida, ela tinha planos, tava tudo organizado, o que ela ia fazer primeiro, né...e aquilo, tudo assim... é... eu aprendi muito, né... na verdade, ela tava me atendendo.

Participante 10: Ladrão que vai roubar, desiste e devolve tudo... (risos)

Participante 1: Na verdade, eu tava precisando, não ela.

Pesquisadora: A essência do trabalho social está no envolvimento de cada um.

Participante 12: A dinâmica do crescimento pessoal é vida é excitante e serve como estímulo para acreditar que uma situação sempre pode ser melhorada, mais justa e mais humana.

Participante 2: Na verdade, acho que não leu direito, acho que não deu para entender minha letra...

Participante 12: A dinâmica do crescimento pessoal é vida e excitante e serve como estímulo para acreditar que uma situação sempre pode ser melhorada, mais justa e mais humana. Ela complementa, complementou o que a Maria José acabou de dizer...

Participante 2: Mas, acho que essa questão da mudança, que se pode mudar uma situação, acreditar no outro, né... saber que o outro tem potencialidade, acho que isso que move a gente pra área social.

Participante 10: Se a pessoa não acredita no outro, fica difícil, né...é, e como hoje tem injustiças, né.. a própria economia traduz né, isso, é... é muito pouco ganhando muito e milhões ganhando nada praticamente, então é por isso que precisa lutar, ter direito, e ter direito no sentido de qualidade. É, porque o nosso país é o país das desigualdades, né. Então, quando a gente faz essa opção né de estar trabalhando com as desigualdades, né. Então a gente é massacrado, né.

Participante 2: Inclusive, nós que trabalhamos com os miseráveis, homossexuais, pobres e que são discriminados... e como esses funcionários, a maioria dos que trabalham são mulheres, aí entra a questão de gênero, é interessante. E como a maioria dessas pessoas que trabalham com o social são mulheres.

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Participante 10: Aí a gente faz outra leitura, que a mulher negra, portadora de deficiência, perpassa por criança, pobre, perpassa por tudo isso... quem trabalha nessa área também sofre muita discriminação

Participante 11: Assumir meu primeiro serviço como nomeada “cargo de confiança” Secretaria de Assistência Social.

Participante 9: Eu trabalhava já há uma ano e pouquinho e eu fui convidada, assim, para trabalhar no interior, como secretária da Assistente Social, então foi um... não era voluntária assim, mas você se sente valorizada, reconhecida, né, pelo prefeito. Porque na verdade, eu fui dar uma palestra e ele gostou de mim e tal. E aí ele me convidou e aí então, você se sente valorizada, foi muito importante, o pessoal, os amigos, vieram dar parabéns. Foi muito gostoso. Na época, eu fiquei me achando... uma coisa boa assim, né, para uma satisfação profissional, muito grande assim...

Pesquisadora: Você acha que essa satisfação, essa valorização, compensaria todas as dificuldades, ter depois o reconhecimento?

Participante 9: Ah! Sim, principalmente no começo, não foi fácil não, uma amiga minha que eu fui substituir, né, pensava que com ela eu poderia contar porque ela era profissional da área lá e não foi o que eu encontrei, foi uma barra muito grande, porque ela fez loba entre os funcionários, assim, dificultando meu trabalho. Foi difícil assim, vencer a barreira. Mas eu... foi muito bom, ta... foi muito legal, trabalhando uma conquista a cada dia, conquistar o setor, o usuário, porque ele tem aquela... aquela relação, né, sabe? De quem tratava. Ainda mais no interior, isso é muito forte. Assim, eles não gostam de cara de quem é forasteiro, né. Então é... foi uma conquista a cada dia, foi legal.

Participante 11: Só complementando o que ela falou... em relação a educação, uma coisa que eu acho legal na área social é isso, a gente acaba... em outras áreas também, mas na áreas sociais é que a gente aprende por nós mesmos, né, porque muitas vezes, pela força acontece essas guerras internas, porque muitas vezes num grupo, a gente tem o mesmo objetivo, tem clareza de onde quer chegar, mas dentro do grupo tem disputa por vaga, e as pessoas não sabem perder, né... e...

Pesquisadora: Você também via isso na Igreja, na Pastoral?

Participante 4: Tinha...

Pesquisadora: Tinha?

Participante 4: Tinha não, tem! O que tem lá é o que a K. falou, as vezes a pessoa, você começa a fazer seu trabalho, seu trabalho começa a dar certo, quem tá lá, lá de dentro, começa a te tratar de modo diferenciado... e... até mesmo o voluntariado. O voluntário, ele é voluntário, não tá ganhando nada, ele é o coordenador, mas ele se sente ameaçado, por uma pessoa que também é voluntário e que tá chegando e fazendo um bom trabalho... então, têm dessas coisas...

Pesquisadora: Quer dizer que vocês são coordenadores, então vocês estão mais próximos do poder...

Participante 10: É, e quanto mais próximos do poder, mais complicado.

Participante 12: Porque um trabalho voluntário, um agente, ás vezes você não tem tanto isso... quando eu era secretária aqui, eu não sabia, não lembrava até de nada disso.. até, até que quando chega o final do mandato, você não vê a possibilidade de continuidade ou não do projeto que tá sendo realizado. É, eu acho que até... eu mesma aqui levei uma etapa pra entender, esse final, né. Eu custava entender, né. É...isso que a gente tá vivendo hoje né, aqui no programa. Você realizar, organizar uma coisa nova, ter continuação, né, e outra é você estar a véspera de um outro mandato em que você sabe que as coisas vão mudar, né... é, aí você faz aquele balanço, se valeu a pena, se não valeu, né... o que vai ficar, o que não vai ficar.

Participante 1: O trabalho Social, eu creio que é isso, né... 2006: às vésperas de um final de mandato, com as possibilidades de continuidade ou não do projeto idealizado em 2000. Então, são seis anos...o trabalho social você idealiza, não em seis meses, né... depois você já se pergunta, você, eu, eles...e agora eu, perguntando no que avançou? A gente consegue fazer tantas coisas, né? E a Secretaria de Saúde Pública parece que não vê, parece que as coisas não avançam. Eu como

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professora, eu entendo assim, acho que quem tá no meio também, como que eram as pessoas que trabalhavam nesse programa, que entendimento nós tínhamos desse projeto, entendimento que a gente tem hoje, né...quais foram os pontos, todos positivos, mas assim...uma visão do lado que não é positivo de ver, as limitações que esse trabalho traz, né. E é onde você assim, tem que se adaptar a ele. E ter o entendimento de quanto isso é positivo.

Participante 10: A alegria dos beneficiários, quando passaram a receber dinheiro ao invés da cesta. Ficaram empoderados, relatos feitos nas reuniões sócio-educativas.

Pesquisadora: De quem?

Participante 1: Meu... isso aí foi bem interessante, de como eles se sentiram mais valorizados como pessoas, eles diziam nas reuniões, porque com... com a comida da cesta, eles só comiam e acabava depois, né, mas com o dinheiro eles tinham mais oportunidades de buscar novas maneiras, tipo assim, de sair daquela condição, de investir em algo, ou mesmo de procurar um emprego, né.

Participante 9: É legal você ter colocado essa experiência porque, uma das coisas, das críticas que a gente escuta, é que o beneficiário, né, o usuário dos programas assistenciais, se acomodam quando recebem o benefício, sabe, fica ocioso com o dinheiro...e não é bem isso que na prática a gente vê... né... é tipo um... uma ajuda inicial, sabe, dar o primeiro peixe...

Participante 10: É, depois eles aprendem a pescar ou vão tentar ao menos pescar...

Participante 9: Uma experiência pessoa, pessoal é aprender trabalhar em grupo multidisciplinar. Conhecendo personalidades e temperamentos diferentes. Acreditar no potencial do outro e ser valorizada como pessoa e enquanto equipe. Apesar das diferenças, todo trabalho foi alcançado, através do objetivo do grupo, não individual, mas acreditando na mediação da educação popular.

Participante 8: Então, eu acredito muito que sozinhos a gente não consegue nada e se consegue, consegue bem menos sabe? Então faz bem e faz crescer não só como pessoa, mas profissionalmente, né. Então, assim, foi uma experiência única, porque assim, a gente tem muito medo porque é a vida do indivíduo... de ser responsável por alguma coisa, isso pesa nas costas, né. Mas quando você passa por isso e olha pra trás e vê que fez o mínimo e que o outro percebe é... gratificante. Além das famílias que você tem uma convivência direta, no nível individual fica muito complicado, é muito difícil... daí você se depara com uma equipe de vários prof issionais para trabalhar, isso é tudo!

Pesquisadora: Acho que não só como Psicólogo você não dá para trabalhar sozinha...

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Participante 8: É legal isso, trabalhar em equipe.

Pesquisadora: Gente, é... então, é assim, né, não vai dar para ler todas as experiências, pelo tempo, mas eu queria que a gente continuasse agora sobre outra questão.

Pesquisadora: [Pergunta 1] Diante das situações discutidas até o momento, alguém gostaria de falar sobre o sentido que atribui ao trabalho social?

Pesquisadora: Eu queria que vocês conseguissem dar uma pensada no que é o sentido desse trabalho para cada um aqui. O que faz você vir trabalhar na área social. Vocês que estão na coordenação, que têm várias responsabilidades com tanta vida de pessoas, de famílias. Então, por que a gente faz isso? Podíamos estar fazendo outras coisas. Por que? Qual é o sentido para cada um? Que traz esse trabalho para cada um?

Participante 10: No trabalho social a gente sempre quer mais, tanto no nível individual como profissional. Mostrar as nossas capacidades; mostrar o pouco que você conseguiu...

Pesquisadora: Então, quem esta em um cargo de coordenação, tem que trabalhar até tarde da noite, nos fins-de-semanas, viajar muito, deixar família, os filhos... Como é isso para vocês? Então, vocês identificam um pouco isso, assim...

Participante 9: Você falando nisso, estou aqui pensando... não é que eu deixe assim de lado a minha vida profissional... a minha vida pessoal, não deixo. Fica assim, normal, também não tá desmoronando. É, mas é uma questão engraçada quando você coloca isso, assim...dias atrás, da semana passada, eu tenho feito acompanhamento das mudanças sócio-educativas. Então, assim, eu tava um pouco afastada, quando você tá assim... eu trabalho na Coordenadoria, com a audiência e coordenadores. Quando você trabalha com um órgão específico, você não vai muito para a ponta, você perde um pouco da visão, de muitas coisas. Eu estava na sede, eu não tinha um compromisso longo, como o PIS. Eu vim pra cá agora, em janeiro. Então a gente perde um pouquinho essa relação assim... de proximidade mais com o usuário. Mas como eu tava falando, eu tava indo semana passada nos bairros e a gente começa a se deparar com essa questão assim, né, da pessoa bem humilde mesmo, da falta total de muitas coisas, não só às vezes do que comer, é... é... muita coisa que realmente a pessoa tem deficiência para a vida dela, e aí você realmente se esquece um pouco dos seus problemas na verdade, entende? Porque eu também tenho muita falta, de muitas coisas. Porque eu quero construir, eu quero um monte de coisas, que eu não tenho possibilidade, de tá fazendo a minha vida pá melhorando, como a gente sempre deseja, ter carro, quer trocar de carro, tem isso, quer comprar mais aquilo, mas a gente começa a ver que o outro... não tem nada, aliás, que você realmente tem e o outro não tem. Então, você começa a perceber e aí quando eu me deparo com essas situações eu me sinto muito pelas crianças agora, porque eu tenho uma filha, então eu me toco muito, não posso ver uma criança peladinha, andando descalça, eu me emociono, sabe? Então, a gente que às vezes anda meio durinhaa gente sempre trabalha e sempre quer mais. Então, é essa questão que você começa a perceber, não é que você às vezes se esquece da sua vida, mas você começa a perceber que você tem e o outro não tem nada, entendeu? Então, acho é... tem algumas pessoas que esquecem mesmo da vida pessoal, mas eu vejo que não é isso não, é que você começa a perceber que o que você tem é muito e o outro é que não tem nada [sentido terapia / auto-ajuda].

Participante 12: Eu acho que essa questão de ter... do muito, assim, que o muito não é a questão material, existe aquele que não tem nada material e na vida dele, ele tá levando, às vezes ele é até mais feliz. Talvez o que você vê como uma falta, para ele não é. É na verdade, o sinal que a gente tem daquela família. Porque a visão dele, a necessidade dele pode ser bem diferente da que eu tenho, já que eu olho com os meus olhos, com as minhas possibilidades, com os meus valores que eu tenho.

Participante 5: A minha concepção de família, no meu caso por exemplo, sempre foi muito grande. As coisas que eu aprendi trabalhando com o social, eu acho que é uma riqueza para mim. Eu mesma tinha muito preconceito com a área social, com a área da educação, depois, com a prática, tive mais abertura. Então, a visão de mundo que eu tinha era totalmente diferente, porque a minha mãe ficava me protegendo das coisas feias que não eram pra eu ver, aí você cresce, vê, enxerga tudo isso. Então, hoje, como eu coloquei naquele papel, como exemplo, um fato marcante é, de uma criança que tava comendo uma carne azeda, toda suja do lixão, de papel, de cigarro, de pó de café, então, assim, como se fosse um troféu, porque ela tinha um pedaço de carne, sabe? Ela tinha um pedaço de carne. Então

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foi uma situação assim, sabe? Que você revê mil coisas: o lixo da sua casa, a mesa de domingo, sabe... o que você tira e de repente joga fora, o que às vezes você desperdiça, contribui muito para a vida pessoal da gente.

Pesquisadora: Tem muita gente que vai fazer um trabalho social para poder dar um sentido para a vida delas, não ?

Participante 2: Acho que outra coisa legal também é que numa gestão pública por mais severa que seja, existem as oportunidades de serviço, de programas, tudo que trata esse tipo de público. É que você pode fazer o bem para um número enorme de pessoas, em pouco tempo. Isso é legal no setor público. Pode-se ter essa ação direta né, mesmo você não estando lá, né... a gestão pública ela propicia ao profissional... ele ganha, mesmo que não... que não tão próximo da realidade você pode com uma Lei, com um Decreto, levar um bem a uma comunidade inteira [sentido coletivo/ publico].

Pesquisadora: Queria perguntar assim: “E quem pode contar?” “Ah! Eu vi a pessoa mudando?” Vocês que estão na Coordenadoria, como você sente esses ganhos, como chega para vocês essa mudança, como isso chega para vocês? Como você percebe que: “Olha, eu contribuí”, “Olha, eu ajudei a fazer”, “Puxa! Aquela pessoa mudou”. Como chega isso, chega os ganhos, ou só chegam coisas ruins? Como vocês percebem o que vocês tão fazendo socialmente?

Participante 11: São bem diferentes...são outros funcionários que passam pra gente, vários técnicos, agentes, gerentes, coordenação, como também mudei, muita gente também está mudando essa relação com o beneficiário, como o trabalho se desenvolve. Eu particularmente que estou no projeto tenho oportunidade de estar na ponta, seja em eventos, seja em algum trabalho específico, você ouve depoimentos, quase todos nós conseguimos com menos freqüência que os agentes aqui a gente tem contato também. O legal do programa é isso, que o presidente não fica só no gabinete, o presidente tem certos momentos que tem que estar com os beneficiários.

Pesquisadora: Você também vai na ponta?

Participante 2: Eu sempre vou, seja através de uma Lei, através de um simples Ato de Lei, a gente pode tá beneficiando um grande número de pessoas naquela área, mesmo que seja afastada, numa periferia, por condições de vida melhor e por aí vai. Você faz essa opção. Por exemplo, por um Decreto, como o que acabou de sair de Transferência de Renda, e você tá aqui dentro e tem a oportunidade de fazer com que a questão pública no social, seja cada vez mais útil em tecnologia, em informação, qualificação e o Trabalho Social, ele fique para que outras pessoas vejam, como outros trabalhos, como é o Trabalho Estatístico, o trabalho de outras áreas, Trabalho de Engenharia, eles ficam registrados. As pessoas vão e eles estão lá ainda. E no nosso caso não, porque é muito subjetivo, a tecnologia dessa área ainda é ineficiente, então, a luta da gente informatizar é para que outras pessoas vejam a tecnologia melhor. Quanto mais justo for o benefício, quanto mais investimentos tivermos mais próximos a gente vai estar. Quanto mais a gente deixar o Trabalho Social registrado, mais a pessoa vão poder ver, no que evoluiu, comparar... isso eu acho que a Ordem Pública dá pra gente e se for em outro ambiente, você talvez não consiga esse ganho.

Pesquisadora: Isso é difícil, é ainda mais em Coordenação...?

Participante 2: É, você não consegue estar lá na ponta. A gente estuda no planejamento. Embora possa não parecer, mas a gente trabalhava com planejamento na área social, no escoamento socia l do loteamento, de construir escolas, aonde que a gente vai buscar recursos para as famílias não andarem lá na ponta pra ir num Posto de Saúde... isso é Qualidade de Vida! Então, na Ordem Pública você tem esse poder, de estar no comando, na direção, você tem esse poder de decidir.

Pesquisadora: [Pergunta 2] Qual os sentidos que vocês acham que as outras pessoas/ sociedade/ mídia atribuem ao trabalho social?

Pesquisadora: Como você vê que a sociedade, que a mídia vê o Trabalho Social... vocês trabalham num programa que é super visado, de geração de renda, transferência de renda, sempre que tem matéria sobre isso eu estou lendo, leio tudo, por interesse mesmo. Como você vê que a sociedade vê o Trabalho Social? Em termos gerais, no geral, assim... as pessoas falando, a imprensa, outros setores da sociedade falando...

Participante 1: Eu, por exemplo, vivi isso em Amambai. No começo do meu trabalho no PIS

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contratamos um grupo de pessoas e essas pessoas tinham que fazer uma pesquisa em Amambai, sobre o Programa de Inclusão Social do Governo do Estado, que foi a maior riqueza pra Amambai, porque, porque até então naquele dia, a própria FUNAI e FUNASA eram mais omissas lá, com os índios. O fato do Governo do Estado não tinha obrigação direta com os índios, cobrou mais desses setores e eles falaram que Amambai era uma cidade que era mesmo preciso fazer essa pesquisa social. Porque Amambai era uma cidade que ninguém queria ir, porque não podia tomar um lanche na praça, não podia entrar em nenhuma sorveteria, que os indinhos tavam te cutucando e as mães pedindo comida, naquela miséria social, era constrangedor. E hoje após seis anos de programa é... não se via pessoas na rua mendigando, a cidade voltou a ter vida noturna, tinha melhorado o desenvolvimento. Então, era o relato que a gente ouvia. E pra nós é simples ver porque a gente acompanha o processo. Porém a gente percebe isso também no... na... por exemplo, pelo que eu já vi várias pessoas do próprio comércio comentando isso com a gente né, que esse Governo do Z., de investimento do Governo da área social...e que isso melhorou muito isso, principalmente o pequeno comércio, Então, quer dizer, que aumentou as condições de ganho das pessoas menos favorecidas, e que na verdade, é clientela do pequeno comércio.

Partic ipante 12: Isso pode até ser um avanço nesse sentido, que tenha melhorado, mas a idéia do Trabalho Social continua a mesma, trabalho assim, que você pode... de pessoa para pessoa, que tem que ter perfil, sabe? De coisas pejorativas, sabe? É aquela visão que Trabalho Social não é isso, que Trabalho Social é fazer caridade, é você ser bonzinho entre aspas e fazer as coisas conforme acha e não conforme uma política, no sentido de direitos, as coisas ainda tem um bom tempo para a gente mudar. Então pode até ter uma visão de amor e tal, mas ter um entendimento do que é o Social. Por exemplo, a pessoa que para ser contratadas como agente,... a pessoa que vem, ela vem crua, com aquela idéia mesmo de caridade, que “eu quero ajudar”, “vou ajudar”, “doar”. Nunca num sentido de uma política de estar inserido, de perpassar pelos direitos

Pesquisadora: Profissional...

Participante 12: Não, não... eu acho que a gente ainda tem um longo caminho a trilhar ainda. E quando a gente trabalha, percebe o outro, como por exemplo, o Agente Sanitário do programa, a gente consegue falar da parte do entendimento do que é o Social, de uma forma diferenciada. Então, eu acho que é um ganho imenso. E é isso que eu falo o quanto avançou, porque existem pessoas com consciência crítica e vão poder trabalhar com outras pessoas e outras pessoas. Ter consciência de que ela trabalha, que ela vivencia. Não adianta fazer curso, ter experiência maravilhosa, se ela não vivencia, se ela não faz nada, se ela não busca, se ela não sente, tem que sentir, tem que sentir um pouco, na sua fala, nos seus sentidos, com quem trabalha, com quem tá lá na ponta. É isso que faz você ir mudando os seus conceitos.

Participante 2: Eu acho que de modo geral, ainda é visto como assistencialismo [sentido assistencialismo], mas eu acho que está mudando pouco-a-pouco. Então, hoje você ouve muito falar de Programa Social de Emprego e a gente tem falado também de funcionário que tava inscrito no Programa Social de Emprego e que mudaram. Então, eu acho que é uma coisa paulatina, crescente, que não tem retorno, porque é uma questão mundial, a pobreza está crescendo, a exclusão está aumentando, como vamos fazer com isso? É o que foi notado, mas eu acredito ainda que é... parte dos pequenos mesmo, que conforme aonde o indivíduo trabalha, o contato que ele tem com o mundo, sua concepção, é a forma como ele vai agir. Então, a gente têm pessoas da própria família, do seu próprio meio, que tá junto e que falou: “Pô! Tem que acabar com essa porcaria de dar cesta, de dar dinheiro”, como pessoas mais esclarecidas, que lêem, que tem acesso à educação, que acham que o Governo tem que dar. Então, acho que é uma coisa de educação mesmo, de ter sensibilidade, de perceber que não é assim.

Participante 10: Eu penso que tem a ver até com a Europa e com os Estados Unidos, que vê o Brasil, que tem a leitura de ser um país do Terceiro Mundo, que nós, a nossa cultura, a nossa educação, a classe dominante vê os pobres dessa forma mesmo, como preguiçosos, como incapazes, quer dizer então, que acha que o assistencialismo aí tem a ver com isso, acha que não basta dar o benefício para uma pessoa, porque ela é pobre, porque ela é miserável, porque ela joga dinheiro fora, porque ela bebe... a sociedade da classe A e B vê dessa forma, até reclama dos Programas Sociais, porque na verdade as pessoas hoje elas entendem o que é direito, elas brigam por um salário melhor, que ela tá recebendo um benefício do Governo e queira ou não queira dá uma condição dela poder

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exigir alguma coisa a mais, né. Então, eu vejo que é uma fuga injusta ainda... porque eu acho que a nossa educação fez com que uma grande parte das pessoas tivessem essa visão, e imprimissem essa marca na gente, porque até a gente às vezes, na nossa família tem que ficar defendendo, né, porque vê dessa forma, e a gente tem que ficar defendendo, né. Não entendem que eles também passam por dificuldades. E que a gente pode estar aí, nas mesmas condições.eu acho que é uma coisa assim, que a gente tem que dar uma aprofundada a mais, é um mundo que eu acho que a classe precisa evoluir. Esses dias, eu não vi, eu tava numa reunião com a mulher do Senador, e contaram que foram num leilão aí e o cara já tinha terminado o leilão, um exemplo, né, que me marcou isso né, que terminou o leilão, aí o cara lá, um fazendeirão rico e tal, já tinha acabado o leilão tava, todo mundo saindo, daí ele pegou o microfone e falou: “É melhor vocês todos voltarem”, foi mais ou menos isso: “Queria dar um último recado e aí o cara...”.

Pesquisadora: No microfone?

Participante 10: No microfone, daí o cara detonou mesmo a questão do Governo Lula, de distribuir bolsas para as famílias, entendeu? De dar dinheiro à “pobres, esses filhos da puta”... então a gente vê que a leitura que essas pessoas fazem da classe menos favorecida é de submissão, é de opressão, é de controle social.

Pesquisadora: Eu não entendi bem o que você falou dos Estados Unidos e Europa, porque eu vejo que os Estados Unidos... os Estados Unidos têm uma coisa muito grande de voluntariado, as famílias mesmo ricas de lá costumas deixar o patrimônio para a área social, para uma Fundação, e que no Brasil isso não é muito comum, essa responsabilidade social.

Participante 10: Eu vejo assim, eles tem aquela coisa de economia de mercado, de economia tão forte, de matriz ideologia, então... sabe a impressão que eles passam é que o Brasil é um país de Terceiro Setor, vamos dizer assim...

Pesquisadora: Que não pode dar certo...?

Participante 10: é, e aí vem dinheiro para a gente, dinheiro com um monte de condicionalidades, um monte de contrapartidas que você têm que investir, passa essa dívida enorme e que, na verdade, a população não consegue realmente abstrair isso. Acho que é esse o sentido. Eu penso é que os Estados Unidos... não sei se é porque é Estados Unidos, mas eu penso que é na verdade, a impressão que nos dá é de que eles são muito fortes, e nós não conseguimos perceber para mudar nossa cultura, a gente acaba querendo fazer igual, né?

Participante 8: A gente rema contra a maré, tudo leva ao contrário, a Globalização.

Participante 10: Eu uma vez, eu fiz um curso do Di Loreto, não sei se você fez?

Pesquisadora: Não, não fiz.

Participante 10: E eu tava trabalhando na Mata do Jacinto e precisa o capital, mão-de-obra, a gente precisa dessa máquina para poder existir... e você tá indo contra essa coisa que é crescente, Sabe, eu não sei se é uma coisa assim... a gente continua acreditando que é possível ir contra essa máquina que tá colocada aí.

Participante 8: O próprio Paulo Linhares falou isso na abertura dele, do próprio capitalismo, que era mais um paliativo, que a gente tem que mudar essa visão que é muito mais ampla que só o Social. Então, essa realidade de a gente estar remando contra a maré, faz parte de toda uma história da ideologia capitalista, que é muito mais profunda.

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Participante 10: E aí, ele coloca que nós vamos morrer e as sementes do Che Guevara vão germinar ainda aqui...que é infinito, nós não vamos ver, mas é uma coisa que vai ficar [sentido transformação].

Participante 11: Eu penso assim, embora o que a XYZ fala... é verdade que têm pessoas que... que não pensam assim, infelizmente é a minoria, a maioria ainda vê o Trabalho Social não como um emprego, mas como uma caridade, uma doação...os jovens assim, mesmo na Igreja, minhas colegas de turma, da faculdade, falam assim: “Ah! Coitada! É pobre, não deu conta de abrir um consultório e foi trabalhar na área social”. Quando a gente conversa e perguntam: “Ah! O que você tá fazendo?” e eu explico meu trabalho, meio que assim...tipo: “Coitada, é Funcionária Pública”. Daí assim, eu tenho que fazer um discurso e explicar meu trabalho, mas existe muito preconceito realmente do Trabalho Social. E hoje a gente tem discutido no nosso projeto, o que a pessoa acha que é muito melhor acreditar num Governante que faz um monte de obras, do que o que investe no ser humano. E a gente é questionada a respeito disso e eles falam que na verdade só investem nas pessoas, não investem...não quer dizer que não tenham também a intenção de perpetuar um projeto político, mas que eles só vêem isso, eles não querem acreditar no popular. A gente faz reuniões educativas pra famílias e eles falam: “Imagina! Pessoas semi-analfabetas vão construir conceitos, vão ter aprendizado.” Mas as pessoas não conseguem ver que isso é possível. E nós vamos discutir ordem democrática, democracia, consciência crítica, educar com medidas sócio-educativas. Eles falam: “Imagina! É um absurdo que isso é possível.”.

Participante 10: É, mas isso tá mudando.

Participante 2: É ainda forte o preconceito. Eu trabalhava no planejamento da área social e quando entrava alguém mais humilde, bem mal-vestido, nem era pra mim ás vezes: “Vai lá, olha a Denise ali.” (Risos) é interessante isso, existe preconceito, mas eu acredito que tá mudando isso, a gente tem experiências concretas de pessoas da área social que tão sendo tratadas como profissional. A área social ta caindo aquela fase de ser messianismo, as pessoas que estão naquilo, estão? Gostam? Tão lá até hoje, mas elas tão sendo cobradas, se elas querem ficar, elas vão ter que se informar, vão ter que aprender. O nosso Programa de Transferência de Renda está sendo alvo de críticas do mundo inteiro. Então no Brasil, a crítica mais... no momento atual que a gente vive é mais negativa que positiva. A gente que vive dentro do Programa, sabe que não é por aí, tem um ganho, né. Mas as críticas são mais negativas que positivas.

Participante 12: A dificuldade da população de lidar com a comunidade ligada, que fala, que expõe, que pensa, isso é muito difíc il, você tem dificuldade de lidar com isso, é mais fácil só chegar e impor o seu saber... você ter que ouvir o outro? E aí? Vou saber lidar com o que ele quer? Aí bate uma insegurança e aí com essa insegurança eu vou fazer o que? Reajo como posso. No poder, é melhor uma sociedade oca, bem tranqüila, que não ameaça, não dá problemas e vamos lá!

Pesquisadora: Mas, é obvio que tem essa diferença né? Uma das coisas que me levou a fazer essa pesquisa é isso, eu sempre via essa diferença de o valor das pessoas que trabalham na área social e o valor que a sociedade dá, Lá na UCDB, por exemplo, existe preconceito: os professores falam que a Jacy é a Professora dos “Pês”, “Ah! O que é isso?” “É a Professora das Putas, dos Pobres, dos Pretos, tudo isso é com ela”. Então agora, qualquer evento, entrevista quando é periferia: “Fala com a Jacy.” Então, já estão te estigmatizando “Ah! Isso é com ela aqui”. Não é uma coisa que deveria ser de todo mundo. Mas, “É com essa maluca, meio samaritana ”...

Participante 12: Mas saber inverter isso é muito legal... o por que que você é assim? Porque você pensa, você tem um jeito de enxergar, uma maneira de trabalhar...

Pesquisadora: De acreditar...

Participante 12: De acreditar e fazer com que isso seja positivo.

Participante 1: Uma coisa que eu tenho observado, que tem chamado minha atenção, uma coisa recente, é o crescimento de pessoas buscando se profissionalizar na área social, que antes ninguém queria, porque Pedagogo queria cadeira, Psicólogo, Assistente Social era tudo voltado para o individual. E hoje o que a gente vê, as pessoas muito voltadas para essa área, se especializando, mestrado, pós-graduação. E às vezes a gente percebe que está abrindo um maior campo de trabalho, mais espaço. Então, isso a gente começa a ver que tem alguma coisa acontecendo no Social. Porque de repente, começou a ampliação desse mercado [sentido mercado].

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Participante 10: Uma vez, quando eu trabalhei com Meninos de Rua, passou muito tempo depois e eu encontrei alguns meninos... me procuraram... não, não... homens, casados, com filhos, e me mostraram o lado inverso da moeda, que hoje eles tão com família, tão trabalhando, são profissionais, um era Bombeiro, lembro disso... então, isso acho que não mudou, acho que não muda na gente, porque a gente acredita nas pessoas, e elas mostram pra gente no futuro que elas mudaram realmente. E quanto a contribuição da gente naquele momento, minha e de outras pessoas, porque não é só minha, eu entendo que nem a 8 colocou, é um coletivo, é a equipe multiprofissional, foi um grupo de pessoas que trabalhou comigo e foi muito positivo na época. E eu acho que aqui no Programa a gente tem isso aqui muito claro, né. eu já trabalhei em outras experiências, em periferia, com mulheres e tal...mas aqui no programa a gente vê isso mesmo. O quanto a gente tem visto em Conselhos de Famílias, que as mulheres que não falavam, ficavam quietas, bem delicadas, agora elas vão e defendem, isso que é legal, você vê o outro defender aquilo que é importante para a vida dele. Muda a ótica. É o que eu sempre digo por aí: “A gente pode passar, vai passar, com certeza vai passar, mas o que foi feito, foi bem feito e que vai ter continuidade, seja onde for, nunca mais vão calar a boca dessas mulheres, que isso não se perde, não se perde”. Ver que as mulheres podem mudar, falar, participar... acho que isso vale a pena!

Pesquisadora: Para finalizar, alguém gostaria de compartilhar as estratégias que utilizam para enfrentar as dificuldades decorrentes do trabalho social?

Pesquisadora: Bem, percebe-se pelo relato de vocês, que se trabalha muito aqui no PIS, que vocês realmente estão envolvidos no Programa, que vestem a camisa. Mas, vocês são Coordenadores, e assim, acabam tendo mais responsabilidades, porque tudo chega até vocês...como vocês fazem para superar tudo isso que vocês vivenciam, quem aqui precisou utilizar algum recurso e qual recurso usou?

Participante 12: Quando eu entrei aqui, que aliás já faz um bom tempo...

Participante 10: Que isso, foi ontem!

Participante 12: É... eu pensei que não ia dar conta, sabe, de fazer um bom trabalho, de conseguir atingir aquilo que você programa com a equipe. Mas você realmente veste a camisa, entra em contato com essa realidade toda e segue em frente. Depois, você vê que se superou e sempre pode se superar e realizar um bom trabalho, né.

Participante 5: Eu só ficava pensando... o tempo todo: “Não vai dar tempo”. É muita coisa, aqui, família, mas é gratificante você perceber que, com seu trabalho, pode mudar um pouco a realidade. E no final...tudo dá certo, aqui é uma equipe realmente, todos se ajudam.

Participante 9: Eu acho que a minha família é essencial no apoio a mim, ao meu trabalho...sabe, é onde eu busco forças para continuar...

Participante 10: É, muitas vezes a própria família se transforma numa válvula de escape.

Participante 9: Não... não é que eu leve problema para casa, não é isso não. Mas você se depara com tanta desigualdade, tanta pobreza, injustiça que o sentimento, você acaba levando, sabe? Tipo, de chegar um pouco mais emocionada... assim, dar mais valor a riqueza que é a família.

Pesquisadora: E quando vocês se sentem frágeis, o que fazem?

Participante 11: Ah! Somos uma equipe realmente, então a gente meio que... que se apóia um no outro. Busco um pouco ali, outro aqui...e assim vai...

Pesquisadora: Quem aqui faz Terapia? Alguém faz?

Participantes [todos]: Não... não.

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Participante 1: Como a 2 falou, a gente resolve os nossos problemas se apoiando no colega, sabe? Às vezes nem precisa conversar sobre o que tá angustiando, só de você chegar perto da pessoa, ver...sabe? Às vezes eu vou lá na sala do 2 ou da 8 e só de olhar, sabe? Só de ver ali... da pessoa sorrir para mim... já me sinto melhor.

Participante 8: Realmente, a gente aqui tem muito disso.

Pesquisadora: Então quero agradecer a todos vocês, que eu sei que são super ocupados em seus cargos, nos seus trabalhos, mas que vieram, se dispuseram a estar aqui para essa pesquisa, podem ter certeza de que eu estou aprendendo bastante também e convido para assistirem o resultado talvez no inicio do ano que vêm...

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ANEXOS

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ANEXO A – Autorizações para realização da Pesquisa

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ANEXO B – Modelo adaptado de Metodologia de Oficina 24

Capa

Laboratório de Psicologia da Saúde, Cultura e Sociedade Mestrado em Psicologia

Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)

OFICINA: OS SENTIDOS DO TRABALHO SOCIAL

Campo Grande-MS 2007

24 Metodologia de Oficina desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisa e Estudos sobre Práticas Discursivas e

Produção de Sentidos no Cotidiano, do Programa de Estudos de Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

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I. OBSERVAÇÕES GERAIS

Número de participantes: 7 a 12 pessoas.

Tempo mínimo previsto: 2 horas.

Material necessário: canetas, formulários para registro, folhas de papel em branco, tiras de papel, lousa (cartolina ou flipchart) e canetas hidrográficas ou giz, gravador, pilhas e fitas.

Convite aos participantes: ao fazer o contato inicial com os participantes, explicar os objetivos da oficina, conforme explicitado no termo de consentimento, enfatizando a necessidade de uso de gravador para registro das discussões para fins de análise.

Consentimento livre e esclarecido: antes de iniciar a oficina, explique novamente os objetivos e solicite que os participantes assinem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Trabalho em dupla: como o potencial de mobilização da oficina é alto, é aconselhável que a condução dos grupos seja feita em dupla, de preferência com estagiários de psicologia que estão realizando estágio no Programa de Inclusão Social.

Ajuda a quem não escreve: é necessário definir procedimentos para os casos em que as pessoas não tenham facilidade de escrever. Nesses casos, podemos oferecer ajuda, por isso, também, é importante garantir a presença de um observador.

Ambiente confortável: é aconselhável realizar o grupo em ambientes informais, de preferência com os participantes e pesquisadores sentados em círculo. No caso de preferir sentar à volta de uma mesa, sugerimos que todos possam se ver e que haja espaço para os participantes se movimentarem e levantarem para mudar as tiras de papel, fato que ocorre com freqüência.

Linguagem adequada ao grupo: como vamos trabalhar com populações muito diferentes, não dá para padronizar a linguagem. Fica “artificial”. Mas, é importante padronizar os procedimentos.

Limites de cada um: cabe frisar que nenhum participante deve ser forçado a revelar as situações vivenciadas. A revelação deve ser voluntária. Isso deve ser reiterado tantas vezes quanto parecer ser necessário.

Atenção à duração dos exercícios: os participantes tendem a se estender nas discussões. Portanto, é importante estar atento ao tempo previsto para cada exercício.

Registros necessários: vale lembrar que as oficinas têm duplo papel: 1) são intervenções visando a sensibilização os sentidos do trabalho social; e 2) são instrumentos de coleta de dados. Por isso, é importante o registro das informações, assumindo este várias formas:

1) Formulário 1: registro de informações sobre os participantes;

2) Formulário 2: registro das palavras associadas a “social” (exercício 1);

3) Recolhimento das tiras e registro das vivências e valorização na área social (exercício 2 e 3);

4) Gravação das discussões (exercício 3 e 4);

5) Observações gerais sobre a dinâmica do evento (papel do observador).

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II. PROCEDIMENTOS

Apresentação.

Exercício 1. Associação de idéias à palavra Social.

Exercício 2. A vivência do trabalho social (memórias de situações importantes que influenciaram a escolha pessoal pelo trabalho social).

Exercício 3. Os sentidos do trabalho social e formas de empoderamento.

Apresentação

Tempo previsto: 15 minutos.

1) Em primeiro lugar, disponha os participantes em círculo, de modo que todos possam se ver e ouvir.

2) Coordenadora e auxiliar de pesquisa: apresentar as duas pesquisadoras.

3) Objetivo: Compreender os sentidos atribuídos ao trabalho social, em uma perspectiva de gênero, de profissionais que atuam no Programa de Inclusão Social (PIS), do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, eleito como estudo de caso para esta pesquisa.

4) Procedimento : explicar que a oficina está dividida em três exercícios.

5) Autorização para gravar: falar da dupla função da oficina (pesquisa e sensibilização) e conseqüente necessidade de gravar. Pedir permissão e explicar que o material será tratado de forma a garantir sigilo.

6) Assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido: explicar que a conduta ética em pesquisa com seres humanos requer a explicitação dos objetivos e a assinatura de um Termo de Consentimento para assegurar que os participantes entenderam os objetivos e os procedimentos. Distribuir uma cópia para cada pessoa, dando tempo para a leitura individual (ou grupal, se os participantes preferirem).

7) Apresentação dos participantes: verificar se todos os participantes se conhecem. Caso contrário, fazer uma breve apresentação de cada um (por exemplo, primeiro nome e profissão).

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Exercício 1. Associação de idéias à palavra Social.

Tempo previsto: 20 minutos. Material: papéis em branco e canetas.

Em primeiro lugar, distribua uma folha de papel e uma caneta para cada integrante. Depois diga as seguintes instruções:

1. Livre associação:

− Escreva neste papel a palavra SOCIAL.

− Agora, escreva abaixo todas as palavras que vêm à sua cabeça quando se fala a palavra - Social.

− Quando você sentir que as palavras não estão saindo naturalmente, pode parar. Não se importe com o número de palavras que você escrever.

Tempo previsto: 10 minutos

2. Listar associações:

− Agora, vamos fazer uma lista de todas as palavras e frases que surgiam de modo a identificar as associações mais freqüentes.

Tempo previsto: 10 minutos.

Obs.: um(a) coordenador(a) escreve as associações numa lousa, quadro, cartolina ou em flipchart, de modo que todos os integrantes possam ver as palavras, enquanto o outro observador anota as palavras no Formulário 2.

3. Alertar para a diversidade:

− Ao final, comente que, como podemos observar a partir da variedade de palavras que o grupo produziu, fica claro que não existe uma definição única, nem a mais correta, mas que, como muitas outras; Social é uma palavra com múltiplos sentidos.

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Exercício 2. A vivência do trabalho social.

Tempo previsto: 30 minutos. Material: tiras de papel e canetas.

Em primeiro lugar, distribua três tiras de papel para cada integrante e disponha o restante no centro do círculo formado pelos participantes:

1. Recordação (situações marcantes que envolvem algum tipo de trabalho social): − Pense em sua vida desde quando você era criança e procure lembrar-se de situações que

envolvem algum tipo de trabalho social que considera importante destacar ou relatar ou compartilhar. Deixe sua memória fluir concentrando-se apenas nas suas emoções e sentimentos. Escreva cada situação num desses pedaços de papel. Uma situação para cada papel. Se você precisar de mais papel pegue aqui no meio.

Tempo previsto: 10 minutos

2. Classificar estas situações: − Trabalhos social militante, voluntário e profissional.

Tempo previsto: 5 minutos [Ligar o gravador].

3. Discutir os diferentes tipos de trabalho social com o grupo:

− Agora, vamos conversar um pouco sobre essas três situações. Muito bem, agora alguém gostaria de falar de uma situação que não foi abordada na Oficina. Repetir com os demais montes, facilitando o debate.

Tempo previsto: 20 minutos

Obs.: minutos antes de concluir esta fase, faça o seguinte alerta... Atenção, caso alguém queira mudar as tiras de lugar, de um monte para outro, pode ficar à vontade. Apontar as três pilhas e repetir a distinção entre as três.

[Recolha as papeletas].

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Exercício 3. Os sentidos do trabalho social e formas de empoderamento.

Tempo previsto: 45 minutos.

As perguntas abaixo visam propiciar a discussão sobre poder e trabalho social. Faça as perguntas, uma por vez, gravando toda a discussão:

1. Diante das situações discutidas até o momento, alguém gostaria de falar sobre o sentido que atribui ao trabalho social ?

Tempo previsto: 15 minutos

2. A maioria das pessoas envolvidas no trabalho social são mulheres, vocês acham que este é um trabalho feminino ?

Tempo previsto: 15 minutos

3. Qual os sentidos que vocês acham que as outras pessoas/sociedade atribuem ao trabalho social ?

Tempo previsto: 15 minutos

3. Para finalizar, alguém gostaria de compartilhar as estratégias que utilizam para enfrentar as dificuldades decorrentes do trabalho social ?

Tempo previsto: 15 minutos [Encerre a oficina perguntando o que as pessoas acharam dos exercícios e da dinâmica].

[Verifique se alguém ficou por demais mobilizado e dê atenção especial a esta pessoa].

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III. FORMULÁRIOS 1, 2 e 3

FORMULÁRIO 1 - Descrição do Grupo

Informações gerais da Oficina

Data: .........................................................................................................................................

Horário: ....................................................................................................................................

Identificação: .............................................................................................................................

Grupo: ......................................................................................................................................

Local: .......................................................................................................................................

Pesquisadora: ............................................................................................................................

Assistente de pesquisa: ...............................................................................................................

Disposição espacial do grupo

3 4

2 5

1 6

C O

12 7

11 8

10 9

Identificação do grupo

n. Nome dos participantes Sexo Idade Outras características 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

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FORMULÁRIO 2 - Associação de idéias

Discussão: Seqüência de associação de idéias à palavra Social

Grupo: ...........................................................................................................................................

Data: ..............................................................................................................................................

Frequência Associações à palavra SOCIAL

Total

1)

2)

3)

4)

5)

6)

7)

8)

9)

10)

11)

12)

13)

14)

15)

16)

17)

18)

19)

20)

...

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FORMULÁRIO 3 – Classificação das vivências

Discussão: Classificação do trabalho social

Grupo: agentes de acompanhamento familiar

Data: 11/04/2006

Vivências de trabalho social

Voluntário Militante Profissional

...