JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

14
ARTIGO * PALAVRAS·CHAVE: Japão, eficiência econômica, qualidade de vida. ,.., A JAPAO MILAGRE ECONOMICO ", E SACRIFIC/O SOCIAL Gláucia Maria Vasconcellos Vale Economista, pós-graduada em Economia Internacional (DENUniversité Paris I, Sorbonne, Panthéon), Professora da PUC/MG, Coordenadora de Pesquisa e Desenvolvimento do SEBRAE. * RESUMO: A autora analisa a performance da economia ja- ponesa, através de alguns "indicadores de sucesso" de uso corrente: eficiência estática, eficiência dinâmica, taxa de crescimento da renda nacional, satisfação do consumidor e perfil de renda. Faz uma minuciosa incursão no terreno da organização industrial e no ambiente empresarial do país, demonstrando os pontos vulneráveis do chamado "milagre japonês" 44 Revista de Administração de Empresas *ABSTRACT: The author makes an evaluation of the Japanese economic performance, by using some "sucess indicators": static efficiency, dinamic efficiency, national income' s growth rate, consumer satisfation and income distribution. A search was conducted covering the industrial organization and enterprise environment, showing some vulnerable aspects of the so called "Japanese miracle". * KEY WORDS: [apan, economic efficiency, quality of life. São Paulo, 32(2): 44-57 Abr./Jun. 1992

Transcript of JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

Page 1: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

ARTIGO

* PALAVRAS·CHAVE: Japão, eficiência econômica, qualidadede vida.

,.., A

JAPAO MILAGRE ECONOMICO",

E SACRIFIC/O SOCIAL• Gláucia Maria Vasconcellos Vale

Economista, pós-graduada em Economia Internacional(DENUniversité Paris I, Sorbonne, Panthéon),Professora da PUC/MG, Coordenadora de Pesquisa eDesenvolvimento do SEBRAE.

* RESUMO: A autora analisa a performance da economia ja-ponesa, através de alguns "indicadores de sucesso" de usocorrente: eficiência estática, eficiência dinâmica, taxa decrescimento da renda nacional, satisfação do consumidor eperfil de renda. Faz uma minuciosa incursão no terreno daorganização industrial e no ambiente empresarial do país,demonstrando os pontos vulneráveis do chamado "milagrejaponês"

44 Revista de Administração de Empresas

*ABSTRACT: The author makes an evaluation of the Japaneseeconomic performance, by using some "sucess indicators":static efficiency, dinamic efficiency, national income' s growthrate, consumer satisfation and income distribution. A searchwas conducted covering the industrial organization andenterprise environment, showing some vulnerable aspects ofthe so called "Japanese miracle".

* KEY WORDS: [apan, economic efficiency, quality of life.

São Paulo, 32(2): 44-57 Abr./Jun. 1992

Page 2: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

INTRODUÇÃO

JAPÃO· MILAGRE ECONÔMICo. ..

o Japão de hoje é fruto de uma longaevolução histórica e o chamado "milagrejaponês", resultante do surpreendentecrescimento econômico do pós-guerra nãorepresenta um corte abrupto em relação aopassado. A grande transformação ocorreu,na verdade, há mais de 100 anos, com aRestauração Meije, quando o país iniciousua transição do' feudalismo para amodernidade, criando um tipo de socie-dade bastante peculiar.

Já naquela época, Herbert Spencer afir-mou, demonstrando uma grande capaci-dade preditiva, que, no Japão, as obriga-ções tradicionais para com os superiores e,acima de tudo, para com o imperador,constituiam a grande oportunidade do paíse que este lograria progredir seguramentesob os seus superiores e prevenir-se contraas dificuldades inevitáveis em nações maisindividualistas. Nesse comentário, encon-tra-se o embrião do que viria a ser umacaracterística distintiva da sociedade ja-ponesa - a disciplina e o espírito de grupo,que, seguramente, têm contribuido paramoldar as feições do Japão moderno e desuas organizações econômicas.

Mas o Japão moderno não pode serconsiderado, exatamente, um paraíso,fruto de um milagre econômico. Umaanálise mais minuciosa do desempenho daeconomia japonesa demonstra que, naverdade, não se pode falar de "milagrejaponês". O modelo econômico japonês énão só peculiar à realidade japonesa e nãopode, por conseqüência, ser transportadopara outras realidades como, também, nãopode ser considerado um exemplo de su-cesso absoluto, visto da perspectiva de de-terminados indicadores de desempenhoeconômico.

O propósito deste trabalho é o de anali-sar o desempenho da economia japonesa,utilizando-se, para isto, de alguns indica-dores de sucesso de uso corrente, especi-ficados a seguir:

1. Eficiência estática na alocação de recursosEsta dimensão incorpora as questões de

eficiência alocativa de curto prazo, a níveldas unidades de produção, das indústriase setores. Repercutem aqui, naturalmente,as questões das externalidades de produ-ção e consumo, dos oligopólios e outras

imperfeições de mercado, susceptíveis dereduzir a eficiência de utilização de recur-sos e fatores.

2. Eficiência dinâmica

Relaciona-se com as possibilidades decrescimento de uma economia. Nesse con-texto, a natureza do progresso técnico, ali-ada ao ambiente de expectativas que seformam em relação às possibilidades decrescimento da economia, são variáveis-chave.

3. Taxa de crescimento da renda nacional

Dado um determinado nível de eficiên-cia dinâmica de uma economia, sua taxa decrescimento pode ser aumentada se ocor-rerem mudanças na relação consumo/poupança e trabalho/lazer. Um sistemaeconômico pode, certamente, apesar desuas ineficiências dinâmicas, obter taxasmais elevadas de crescimento, através doaumento de sua taxa de poupança ou nomontante de trabalho.

4. Satisfação do consumidor

Balassa1 propõe o uso de certos fatorespara a aferição da satisfação do consumi-dor, como:

a) preferências entre objetivos de pro-dução e objetivos individuais,

b) correspondência entre a taxa atual depoupança e a desejada pelos indivíduos,

c) preferências individuais entre traba-lho e lazer. A satisfação do consumidor,como definida nos dois últimos tópicos,não afeta a eficiência estática ou dinâmicamas, seguramente, afeta a taxa de cresci-mento da renda nacional.

5. Distribuição de renda

A incorporação desta variável entre osindicadores de sucesso de um sistemaeconômico traz para a análise o problemade juízo de valor, pois pressupõe uma de-finição prévia de uma escala de preferên-cias entre uma distribuição mais igualitáriade renda, como preconizada pelas doutri-nas socialistas, e distribuição com base naprodutividade, como impera nos modelosde economia de mercado.

Copyright ©1992, Revista de Administração de Empresas I EAESP I FGV, São Paulo, Brasil.

1. BALASSA, Bela A. "Sucesscrileria for economic syslem". InBORNSTEN Morris (org.) Compa·rative EconomicSystem, modelsandcases, lIIinois, Richard D. "win Inc.1969,452 p.

45

Page 3: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

RAE

do empregado progride associado ao seutempo de permanência na empresa e não,exatamente, de seu desempenho, dacomplexidade ou responsabilidade de seutrabalho.

De acordo com uma pesquisa realizadapelo Ministério do Trabalho, apenas 4.833empresas, num total de 70.845, levavamem consideração a variável "eficiência" nadeterminação de seus salários básicos.Embora um número crescente de empresasvenha dando certa atenção a esse fator, seuimpacto na composição de salários é aindamarginal. O sistema de remuneração ba-seado no princípio de antigüidade decerta forma contraria os pressupostos dedeterminação salarial com base na produ-tividade marginal. Isto ocorre mesmoconsiderando que a idade, necessaria-mente, incorpora um elemento de experi-ência, que faz aumentar a produtividadeindividual. Num país onde a mão-de-obraé de boa qualidade, por possuir ótimo ní-vel de escolaridade, trabalhadores ini-ciantes podem apresentar taxas elevadasde produtividade, não refletivas em seussalários .

Para Druker 2, grande parte da sur-preendente produtividade do Japão nopós-guerra pode ser explicada pela dife-rença de salários entre trabalhadores maisjovens e trabalhadores mais antigos, apre-sentando, ambos, taxas similares de pro-dutividade. A empresa japonesa foi, então,beneficiada com a grande oferta de novostrabalhadores que chegavam anualmenteno mercado e eram rapidamente absorvi-dos.

Para manter esse sistema de empregovitalício e de remuneração baseada na an-tigüidade, onde a mão-de-obra é conside-rada quase um capital fixo, a empresa ja-ponesa tem que ampliar rapidamente oseu quadro de pessoal, incorporando no-vos empregados, e estimular a aposenta-doria precoce dos mais antigos. A tendên-cia recente de escassez de mão-de-obrapoderá comprometer seriamente esse mo-delo. Segundo dados de uma entidade depesquisa, Teikoku Data Bank, perto de 100empresas japonesas encerraram suas ati-vidades durante o ano de 1990por falta depessoal.

Na utilização do fator terra, pode-seobservar, também, uma ineficiênciaalocativa, estimulada pelas condições na-

2. DRUKER, Peler F. "Economicrealilies and enlerprise slralegy". InVOGEL. E. V. (org.) ModemJapanese organization and decisionmaking, Tokio, Charles E. Tutlle Co.,1983, 340 pp.

46

EFICIÊNCIA ESTÁTICA NA ALOCAÇÃO DERECURSOS

A economia japonesa apresenta umasérie de instituições e mecanismos que in-terferem no processo alocativo ótimo demercado, tais como a natureza do objetivoempresarial que não parece perseguir amaximização do lucro, a rigidez existenteno mercado de fatores, a estrutura bastanteoligopolizada e fortemente associativistade sua economia. A isto acrescentam-se asmudanças de natureza mais estrutural emcurso no país, ligadas ao processo de re-conversão industrial.

No processo de alocação de recurso, umaspecto que chama a atenção na economiajaponesa é a baixa fluidez relativa de certosfatores, o que, inclusive, destoa de algunspressupostos convencionais de eficiência,baseados em dogma da economia clássicae neoclássica. Na relativa imobilidade dofator trabalho, situa-se uma das mais im-portantes características da economia ja-ponesa.

•••••••••••••••••••••••A integração empresarial, além defacilitar a difusão de tecnologia,exerce um outro papel altamentefuncional, concorrendo para a

diminuição das incertezas e riscosassociados ao ambiente de negócios.

•••••••••••••••••••••••As empresas japonesas, regra geral, fa-

zem o recrutamento de pessoal uma vezpor ano, diretamente junto às escolas euniversidades. O fluxo de mão-de-obraentre as empresas é muito limitado e asgrandes empresas praticamente não com-petem entre si por especialistas e pessoalmais treinado. Cada empresa cria, treina emantém o seu próprio pool de trabalhado-res, com alto grau de mobilidade interna egrande flexibilidade. Essa situação derivada prática do emprego vitalício, prevalentena economia japonesa.

Com base nesse princípio, o jovemrecém-formado que ingressa na empresa,lá vai permanecer, até a idade da apo-sentadoria. Acoplada a isto, existe a práticade ascensão profissional e salarial baseadano critério de antigüidade, onde o salário

Page 4: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

JAPÃO - MILAGRE ECONÓMICO ..

turais do país e reforçada por determina-das políticas públicas. A população japo-nesa, que representa 2.5% da populaçãomundial, ocupa uma extensão territorialque equivale a pouco mais de 0.3%da su-perfície terrestre. Mais de 70%da área to-tal do país é formada por montanhas e flo-restas, ficando a área habitável bastanterestrita. A população localiza-se, basica-mente, nas áreas urbanas e nas três maio-res cidades - Tóquio, Osaka e Nagoya-concentra-se perto de 45% da populaçãototal. A essa matriz de dificuldades asso-ciadas ao uso do solo, sobrepõe-se a políti-ca de independência alimentar do país,com o lobby formado pelos agricultores,que restringe o uso do solo urbano, comimpacto perverso a nível de formação depreço, ocupação do solo e forma urbana.

Nesse ambiente de baixa fuidez relativade fatores de produção, tem lugar um tipode competição empresarial bastante pecu-liar. O Japão distancia-se bastante doparadigma da livre concorrência. Sua eco-nomia caracteriza-se, por um lado, poruma cooperação harmoniosa e, ao mesmotempo, por uma competição acirrada entreas empresas. A propósito disso, VogePafirma que a competição entre gruposempresariais é intensa no Japão, existindoem todos os níveis, mas coexistindo, sem-pre, com uma ética de negociação maior.Embora grandes empresas possam com-petir intensamente para ampliar suas res-pectivas fatias de mercado, elas não alme-jam levar seus concorrentes à falência.

Para muitos analistas da economia ja-ponesa, o motor propulsor da com-petitividade empresarial é o desejo dasempresas em ampliar suas fatias de mer-cado. Druker, analisando o comporta-mento empresarial japonês, afirma que asempresas procuram maximizar seu cresci-mento e não o lucro. Também Reischauer'salienta esse fato, afirmando que o execu-tivo japonês deriva satisfação não exata-mente de altas taxas de lucro mas do ta-manho de sua empresa e de sua importân-cia para a vida nacional. A economia japo-nesa é dominada pelos grandes gruposempresariais.

Dentro das grandes corporações é quepode ser melhor compreendido e vi-sualizado o caráter, ao mesmo tempo,competitivo e gregário da economia japo-nesa. O esforço das tropas de ocupação

americana de dissolução, no pós-guerra,dos zaibatsu, as corporações empresariaisoriginárias do Período Meiji,e que estavamna origem do processo de industrializaçãoe militarização do país, não comprometeuo caráter altamente gregário da economia.No seu lugar, surgiram os keiretsu, gran-des conglomerados empresariais apoiadosem sólidos grupos financeiros, que atingi-ram o apogeu na década de 1960.Existematualmente seis grande grupos empresa-riais: Mitsui, Mitsubishi, Sumimoto, Fuyo,Sanwa, Dai-Ichi-Kangi.

No interior dessas corporações, agru-pam-se empresas de diferentes ramos etamanhos, que desenvolvem uma estraté-gia de especialização intra-ramo e alto es-pírito de solidariedade intragrupo. Nesseambiente, a competição ocorre entre em-presas de diferentes grupos. No interiordesses agrupamentos, desenvolvem-serelações empresariais muito estáveis.

Dentro da estrutura industrial japonesa,a grande empresa recorre, freqüentemente,a empresas menores, em regime desubcontratação. Perto de 66% das peque-nas e médias empresas, que representam99%do número de empresas existentes nopaís, operam como subcontratadas deempresas maiores. O vínculo entre as em-presas tende a ser bastante estável poisaproximadamente 70% das empresassubcontratadas nunca mudaram de par-ceiro. Essa rede de interesse entre diferen-tes empresas pode ser melhor visualizadano caso da indústria automobilística, ondeas empresas menores agrupam-se em tor-no de uma empresa de montagem e pas-sam a ser reconhecidas como "GrupoNissan", "Grupo Toyota" etc.

No setor automobilístico americano, asmontadoras obtêm cerca de 50% de suasnecessidades de peças e componentes deoutras empresas; no Japão, 75%. NaToyota, pode-se encontrar um caso típicode relação vertical de subcontratação. Aempresa possui 168 empresas subcon-tratadas primárias, sendo que 21% dessetotal são formados por empresas de menorporte. Por sua vez, essas 168 empresaspossuem 5.437 subcontratantes secundá-rios, sendo 89% representado por peque-nas e médias empresas. Essas 5.437 em-presas possuem 41.703 empresas subcon-tratadas terciárias, sendo 98% representa-do por pequenas e médias empresas.

3. VOGEL, E. V. Op. cito

4. REISHAUER, Edwin O. Thejapanese. Cambridge, HarvardUniversily Press, 1977,443 p.

47

Page 5: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

RAEcesso de modernização com economiasexternas geradas pelas grandes organiza-ções, através da oferta conjunta de matéria-prima, capital humano e mercado.

Mas a cooperação empresarial convivecom um ambiente de grande competição,in-tensificada, atualmente, pelo processo dereconversãoindustrial que atravessao país.

O começo da década de 1970 marca ofinal de um ciclo de taxas elevadas decrescimento econômico, que vinha semantendo desde o início do século, so-mente prejudicado pela Segunda GuerraMundial e pelo período de reconstruçãoque se seguiu. Três eventos externos vie-ram afetar, significativamente, a economiajaponesa: os dois choques sucessivos dopetróleo em, respectivamente, 1973e 1978,e a grande valorização do yen em 1985.Embora a economia tenha demonstradogrande capacidade de adaptação à novarealidade, as conseqüências, a nível inter-no, foram penosas. Ao lado desses eventos,outros fatores externos vêm contribuindopara gerar mudanças, como as pressõespara uma maior liberalização da economiapara produtos estrangeiros e contra a pe-netração de produtos japoneses no oci-dente.

O Japão está entrando numa nova fasede seu processo de desenvolvimento eco-nômico, que pode ser caracterizada pelaredescoberta de seu mercado interno, pelaênfase em empresas intensivas em pro-gresso técnico e pela tendência a umacrescente diferenciação de produto, paraatender a uma demanda mais personali-zada e exigente.

Se durante a fase de rápido crescimentoeconômico as empresas competiam entresi, basicamente, através de preços, a partirde meados de 70a competição intensificou-se. A diferenciação de produtos, a especia-lização, a excelência empresarial passam aser variáveis cada vez mais importantes.Esse novo ambiente vai exigir das empre-sas mudanças na maneira de encarar omercado, explorar novas tecnologias e ad-quirir vantagens comparadas específicas.Muitas empresas, sobretudo de menorporte, não estão conseguindo sobreviver.No período 1974/1984, a taxa de mortali-dade das pequenas e médias empresas foide 54%, o que indica que perto de 2.7 mi-lhões de empresas encerraram suas ativi-dades.

5. ISHIKURA, Mitsuo. "Producingdistrict industry and pro motivemeasures".ln: EvolutionofPoliceandChanging Condiction of Small and ,Medium Sizes Enterprise in Japan,Osaka, OITC, 1989.

48

Mesmo fora dos grandes grupos em-presariais pode-se observar a forte ten-dência associativista das empresas. O Ja-pão possui aproximadamente 50.000 coo-perativas empresariais, reunindo perto de80.000 empresas associadas. Existe umbanco unicamente voltado para o financia-mento desses empreendimentos coletivos- o "Shoko Chukin Bank", associado aosmovimentos de relocalização industrial emcurso no país. Atualmente o banco tem di-rigido seus financiamentos para a cons-trução de distritos industriais - "Danchi"- para abrigar empresas cooperativas.

•••••••••••••••••••••••A parcela de renda familiar alocadaem gastos com alimentação, embora

venha declinando nas últimasdécadas, é ainda bastante elevada,

face a parâmetros dos demais paísesdesenvolvidos. Em 1970, o coeficiente

de Engels foi de 25%.

•••••••••••••••••••••••

Uma outra característica bastante pecu-liar do modelo industrial japonês, queconstitui, também, indicador do grau deintegração empresarial existente, é a or-ganização por linhas de produção, for-mada por empresas independentes, masque funcionam como se fizessem, coleti-vamente, parte de uma linha de montagemde um mesmo empreendimento, a exem-plo dos produtores de talhares e faqueirosda cidade de Tsubame, que é, individual-mente, a maior produtora desses artigos nomundo. Nesse local, existem mais de 200pequenas emédias empresas, possuindo, amaior parte delas, menos de 20 emprega-dos. Cada empresa especializou-se numaetapa específica do processo de produçãoe trabalha de maneira integrada com asoutras empresas. Essas empresas organi-zam-se numa espécie de associação, que seencarrega da coordenação do processo deprodução e da promoção mercadológicado produto.

Como salientado por Mitsuo Ishíkura",os japoneses conseguiram modernizar aprodução técnica de seus pequenos esta-belecimentos, além de reforçar esse pro-

Page 6: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

JAPÃO· MILAGRE ECONÔMICO ...

Em momentos de crise econômica,pode-se observar o lado perverso do mo-delo de integração empresarial que unegrandes e pequenas empresas. A pequenaempresa subcontratada funciona, muitasvezes, como uma espécie de amortecedordos efeitos mais nocivos da recessão sobrea grande empresa. Esta, através de meca-nismos de redução ou cancelamento deencomendas, mantém sua flexibilidade eenfrenta, mais facilmente, as oscilações dociclo econômico.

A Tenri Brothers Ltda", empresa situa-da em Osaka, ilustra bem a dificuldade. Aempresa iniciou suas atividades em 1974.Seu proprietário tinha sido empregadosenior de uma grande empresa e foi per-suadido a deixá-la para montar uma em-presa que atendesse, com exclusividade, àsnecessidades de seu antigo empregador,procedimento que émuito comum no país.A Tenri iniciou suas atividades com umcapital próprio de 1milhão de yen e dedi-cou-se à produção de caixas de papelão,com 16 empregados, sendo dois deles detempo parcial. No início, suas relações coma empresa subcontratante eram muitoboas, e esta fornecia-lhe, inclusive, a ma-téria-prima necessária. Os problemas sur-giram após 1978,quando seu único clien-te, por razões associadas ao preço da terra,teve que se mudar para uma localidadedistante, o que exigiu da Tenri um grandeesforço de busca de novos parceiros. Em1984, seu contrato de subcontratação foicancelado, o que levou a empresa quase àfalência. Em 1987,ela foi obrigada a mudarsuas instalações e passou a ocupar umprecário escritório conjunto commais duasempresas, reduzindo suas despesas dealuguel. Atualmente a empresa possuidoze empregados, sendo seis mulherescomo prestadoras de serviço em regime detempo parcial. O futuro é muito incertopara a empresa.

As mudanças estruturais que estãoocorrendo no interior da economia, pormais benéficas que sejam da perspec-tiva de longo prazo, estão gerandoprofundas crises. A evolução das taxasde desemprego retratam a situaçãoatual. No período 1973/1978, o núme-ro de desempregados chegou quase adobrar, passando de 680 mil para 1.249mil, o que representou 2.2%. Em 1987,o país apresentou uma taxa de desem-

prego de 3.6%, o nível mais alto atin-gido desde 1953.

EFICIÊNCIA DINÂMICA, PROGRESSO TÉCNICOE REDUÇÃO DE INCERTEZAS

Nessa dimensão de análise a per-formance relativa do modelo japonês é al-tamente positiva. O país, ao mesmotempo que diminui as incertezas e incon-sistência de expectativa que são típicas deregime de livre empresa, através de umplanejamento governamental ativo e deuma forte interação entre governo e setorprivado, possui mecanismos peculiares deabsorção, geração e difusão de progressotécnico. A estrutura oligopolizada da eco-nomia japonesa, com a existência de umasérie de agrupamentos empresariais for-mados por empresas de diferentes portes,setores e ramos de atividade, vai facilitarbastante esse processo. Enquanto as gran-des empresas possuem condições e recur-sos para o financiamento das inovações, ograu de integração empresarial existenteno país vai facilitar tanto o processo de di-fusão tecnológica entre empresas de dife-rentes portes, quanto o de desenvolvi-mento tecnológico entre empresas de di-ferentes ramos.

Por outro lado, um ponto importante aconsiderar no modelo japonês é a grandehabilidade e produtividade de sua mão-de-obra, somada à sua alta motivação e capa-cidade de absorver inovações. O desem-penho altamente positivo do Japão nessavariável destoa de outros países e coloca oJapão numa posição singular.

No que diz respeito à variável incertezae inconsitência de expectativa, pode-seafirmar que o Japão se apresenta como ummodelo econômico onde o grau de incer-teza foi reduzido ao máximo, graças a umasimbiose que une o Estado aos grandesgrupos econômicos e a clareza das defini-ções de política econômica. Durante todo oprocesso de industrialização do país, oEstado exerceu um papel fundamental,inclusive estimulando a capacidade degeração e absorção de tecnologia pelo setorprivado.

As iniciativas das reformas políticas eeconômicas do Período Meiji ficaram, so-bretudo, nas mãos dos samurais, especial-mente das categorias médias e inferiores.Esses homens rapidamente reconheceram

6. O nome original foi alterado paraevitar a identificação da empresa.

49

Page 7: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

RAEsoube, de maneira eficiente, traduzir istoem políticas voltadas para o apoio às em-presas. Através de urna atuação ativa, es-timulando e direcionando o setor privado,o governo tem definido claramente priori-dades de desenvolvimento e redirecionadoas atividades de ramos industriais tradicio-nais para ramos mais modernos, intensivosem progresso técnico. Para facilitar suamissão, o governo parece contar com o re-conhecimento da nação da importância doseu papel corno promotor e líder do pro-cesso de desenvolvimento, em conjuntocom as grandes lideranças empresariais,que se manifestam através de poderosasassociações - Keidanren, Nikkeiren,Nissho, Keizai.

Essas organizações econômicas tiveramum papel fundamental durante o processode desenvolvimento e de consolidação da .economia japonesa, funcionando cornomecanismos mobilizadores de consenso.Gerald L. Curtis", na sua análise da influ-ência que os grandes grupos empresariaisexercem sobre o meio político japonês, re-conhece que o Japão possui mecanismosúnicos para facilitar o contato e a interaçãoentre suas elites.

Embora o governo exerça um papel re-levante, no que diz respeito ao desenvol-vimento tecnológico do país, através demedidas de incentivo e estímulo ao setorprivado, é, na verdade, no segmento em-presarial privado, que tem lugar a grandecorrida na área de pesquisa e desenvolvi-mento, chave para o futuro do Japão. Osgastos do país com pesquisa e desenvolvi-mento ultrapassaram 9.000bilhões de yenem 1986,o que representou 3.5%da rendanacional, Desse total, 79% foi investidopelo setor privado. Essa participação des-toa, significativamente, da encontrada emqualquer outro país. Nos Estados Unidos,por exemplo, as empresas participam com50% das fontes de recursos para Pesquisae Desenvolvimento, enquanto que o go-verno entra com o restante. No ReinoUnido, a participação do setor privado é de50.2%,na Alemanha, de 55.2%,na França,de 41.6%. No Brasil, a participação dasempresas privadas é inferior a 10%.

A natureza das relações empresariaistambém funciona corno urna fonte de es-tímulo para a geração e a difusão deinovação. Sobretudo no interior dos gran-des grupos empresariais, existe um pro-

7. CRAIG, A. L. "Functional anddyslunctional aspects 01governmentbureaucracy'. In: VOGEL, E. V. Op.cil.

8. CURTIS, Gerald L. "Big businessand political inlluence'.ln: VOGEL,E. V.Op. cil.

50

os tratados comerciais que haviam sidonegociados por Tokugawa e levaram acabo urna série de reformas de base. Foramcriados os Ministérios de Finanças, daMarinha, das Forças Armadas e da Edu-cação. Este último levou apenas três déca-das para concluir um ambicioso programade educação universal. Foi também reali-zada urna reforma fiscal, que instituiu umimposto sobre a propriedade da terra, oque permitiu ao governo construir ferro-vias, linhas telegráficas e outros equipa-mentos na área de infra-estrutura. Foramcriadas indústrias em ramos consideradosestratégicos e enviados observadores paraos países ocidentais em busca de novosconhecimentos e tecnologias que pudes-sem ser assimiladas pelas empresas japo-nesas recém-criadas. A maior parte dessasempresas foi, posteriormente, passadapara as mãos da iniciativa privada. Mas ogoverno continuou a dedicar-se à tarefa dereforçar as empresas, através de subsídiose privilégios especiais.

•••••••••••••••••••••••No período 1901/1913 a produção

industrial japonesa cresceu, em média11 % a.a., contra 3.6% nos EstadosUnidos, 2.4% no Reino Unido e

4.7% na Alemanha.

•••••••••••••••••••••••No novo arranjo institucional do pós-

guerra, o Ministério da Indústria e Co-mércio Internacional - MITI - encarre-gou-se de definir objetivos e estratégiaspara segmentos industriais específicos.Através desse Ministério passava todoprocesso de transferência de tecnologiaocidental, tão importante no desenvolvi-mento industrial japonês. O MITI zelavapara que a melhor tecnologia fosse adqui-rida, sob as melhores condições e visandoà sua difusão no ambiente de negócios dopaís.

No entanto, enquanto o governo dita asdiretrizes que irão nortear o crescimentodas empresas, conserva-se urna amplamargem de manobra para a iniciativa pri-vada. Segundo Albert M. Craíg", no seuestudo sobre a burocracia japonesa, o ob-jetivo do Japão no pós-guerra tem sidocrescimento econômico, e a burocracia

Page 8: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

JAPÃO-MILAGREECONÔM/CO...

cesso intenso de transferência detecnologia e habilidades gerenciais. Muitasempresas estão engajadas em atividadesconjuntas de desenvolvimento tecnológico.Perto de 42%das empresas subcontratadasde pequeno e médio porte, classificadascomo possuindo excelentes habilidadesgerenciais, estão realizando pesquisa edesenvolvimento com suas subcontra-tantes, enquanto que 24% das subcontra-tadas com habilidades iguais ou inferioresa outras empresas do mesmo ramo fazemo mesmo.

A integração empresarial não só facilitaa troca de informação e a difusão do pro-gresso técnico como, também, é, muitasvezes, canalizada para essa dimensão es-pecífica. Como salientado por Tsuji",a co-municação entre diferentes indústrias tor-na possível o nascimento de novos pro-dutos, em novos ramos industriais, peloagrupamento ou fusão de empresas. A in-dústria da robótica é um caso típico, resul-tante da necessidade de união de empre-sas com conhecimentos diferenciados eespecíficos, para a realização de pesquisa eo desenvolvimento de novos produtos.Havia no Japão, em 1988, perto de 1.200grupos empresariais envolvidos em pro-cessos de melhoria tecnológica comum, amaior parte constituída por pequenasempresas.

Uma outra importante fonte de inova-ção tecnológica entre empresas de portesdiferentes é a associação de produtores,Dogyo Kumiai, formada por um grupo deempresas engajadas na produção de ummesmo produto. Nesse caso a cooperaçãoocorre entre empresas concorrentes. Essetipo de associação de empresas é tradicio-nal no Japão, remontando ao século pas-sado, a exemplo da [apan Die CastingAssociation, [apan Mold & ManufacturesAssociation, [apan Small ToolmakersAssociation e outras. Na origem desseprocesso de associação de empresas con-correntes, o caso dos fabricantes de seda éfreqüentemente citado. No final de séculoXIX,quando a seda constituía um impor-tante item na pauta das exportações japo-nesas, os produtores começaram a sentirdificuldades em manter a qualidade deseus produtos, dado o grande número denovas empresas que chegavam ao merca-do, com um produto de qualidade inferi-or. Os produtores tradicionais resolveram

unir-se e convidar as novas empresas paraintegrar uma associação de produtores,com o propósito de difundir tecnologia. AAssociação de produtores de Komoro, lo-calizada em Nagano, é um exemplo dessetipo de esforço. Ela criou uma escola detreinamento, e uma central de inspeção deprodutos, que libera um tipo de certificadode qualidade para produtos aprovados.

A integração empresarial, além de faci-litar a difusão de tecnologias, exerce umoutro papel altamente funcional, concor-rendo para a diminuição das incertezas eriscos associados ao ambiente de negóciose tornando possível à empresa japonesavisualizar e perseguir, mais facilmente,objetivos de longo prazo. Essa situaçãotambém parece permitir que os grandesgrupos empresariais guardem parte de suaenergia para competir na arena internacio-nal. Nessa área, as empresas japonesasapresentam-se como uma espécie de fren-te unida, reforçando e institucionalizandomecanismos de consulta, troca de infor-mação e ajuda mútua, na estratégia japo-nesa de penetração e conquista do merca-do externo para seus produtos e suas em-presas.

Um dos fatores determinantes de pro-dutividade é o investimento em capital. Onível de investimento anual em fábricas eequipamentos no Japão equivaleu a 25%do produto real nas duas últimas décadas,o que representou o dobro do apresentadopelos Estados Unidos. Por outro lado, arelação entre FBKF(formação bruta de ca-pital fixo - excluída residência) /PNB de1970/1978 foi de 25.4%no Japão e de 13%nos Estados Unidos. No seu estudo sobreprodutividade no Japão, Arai'? salienta ofato de as taxas de poupança nacional se-rem bastante elevadas, o que vem permi-tindo altos níveis de investimento, por suavez associados a um grande esforço depesquisa e desenvolvimento. Segundo ele,os investimentos empresariais vêm per-mitindo que as empresas reduzam a idadede seus equipamentos para pouco mais deseis anos, contra mais de doze anos nosEstados Unidos. Por outro lado, perto de50% de todo o investimento realizado em1980 foi canalizado para o desenvolvi-mento de instalações e equipamentospoupadores de mão-de-obra e automáticos.

Um indicador chave da competitividadeinternacional de uma determinada econo-

9. TSUJI, M. Present condiction ofpolícy for small and mediumenterprise in Japan. SeminárioMeasures for smaller industries,Osaka, janeiro de 1989.

10. ARAI, Joji. 'Produtividade, a ex-periênciajaponesa".ln: AumentosdaProdutividade, Rio de Janeiro,IntercuHural,1984.

51

Page 9: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

RAE

or à média ocidental, que está hoje abaixode 40 horas. Entre as grandes e as peque-nas empresas existe uma diferença sema-nal de cinco horas e meia. Também o nú-mero de dias de trabalho na semana não éfixo.Aproximadamente 97%das empresasde grande porte oferecem regime de fim desemana de dois dias, enquanto apenas 43%das empresas de pequeno porte fazem omesmo. Além do fato de a jornada de tra-balho no Japão ser muito longa, o traba-lhador não usufrui, plenamente, de suasférias. Enquanto pode tirar, em média, 14.8dias de férias remuneradas por ano, ele, naverdade, costuma tirar apenas 8.8 dias.Seus gastos pessoais com lazer são aindabastante limitados. Em 1987, a parcela darenda média familiar alocada neste item foiinferior a 6%.

mia é a relação produtividade da mão-de-obrai custo da mão-de-obra. Um estudopublicado pelo Dresdner Bank AF, naAlemanha, salienta que os baixos custos damão-de-obra, por um lado, ou, por outro,a sua elevada produtividade, não seriam,por si SÓ, suficientes para dar ao país umavantagem diferenciada na esfera interna-cional. Apresenta uma comparação entreíndices de produtividade e salário de dife-rentes países desenvolvidos, demonstran-do que o Japão possui as melhores condi-ções de competitividade, com omais baixo"salário eficiência" ou seja, com um saláriomédio relativamente mais baixo em rela-ção a outros países pesquisados e, ao mes-mo tempo, apresentando uma produtivi-dade relativamente mais alta. O valor daprodução, para cada unidade de custo deproduto, é, no Japão, 39%mais alto que naAlemanha.

TAXA DE CRESCIMENTO NA RENDANACIONAL, POUPANÇA E LAZER

Os indicadores de sucesso do modelojaponês, em relação a esta variável, sãomuito bons. O país apresenta taxas eleva-das de poupança. Durante os anos 60,essastaxas foram duas a três vezes superiores àsexistentes no Ocidente, chegando a 40%doPNB. Em 1987, a propensão média parapoupar foi da ordem de 24%. Alguns fa-tores vêm contribuindo para isto, como aconhecida frugalidade do japonês, a ne-cessidade de as famílias economizarempara enfrentar o período de aposentadoria,mal resguardado pelo Estado, a necessi-dade de oferecerem boa educação para osseus filhos, numa sociedade onde o acessoàs melhores escolas é fator determinantede mobilidade e sucesso profissional, anecessidade de economizarem para aaquisição da casa própria, num país ondeos salários relativos não são elevados e opreço da terra é o maior do mundo. Soma-se a isto a tendência de as empresas inves-tirem grande parte de seus lucros, sendorelativamente baixa a taxa de apropriaçãoprivada.

Por outro lado, o tempo de trabalho noJapão é bastante elevado, facea parâmetrosocidentais. Embora o número de horastrabalhadas por semana varie bastanteentre as unidades produtivas, a média éde41 horas e 40minutos, o que é bem superí-

52

• ••••••••••••••••••••••Cerca de 42% das empresas

subcontratadas de pequeno e médioporte, classificadas como possuindoexcelentes habilidades gerenciais,

estão realizando pesquisa e desenvol-vimento com suas subcontratantes.

•••••••••••••••••••••••Com taxas elevadas de poupança,

grande motivação e capacidade de traba-lho do empregado, além de relações tra-balhistas bastante estáveis, a performancedo Japão, no que diz respeito às taxas decrescimento da renda nacional, tem sido,inquestionavelmente, a melhor do mundo.Isto pode ser melhor visualizado pelaapresentação das taxas de crescimento desua economia ao longo deste século. Noperíodo 1901/1913, a produção industrialjaponesa cresceu, em média, 11% aa., con-tra 3.6%nos Estados Unidos, 2.4%no Rei-no Unido e 4.7%na Alemanha. Durante operíodo 1913/1938, enquanto a taxa decrescimento de produção industrial japo-nesa continuava alta - 8% aa. -, a dosEstados Unidos foi de 1.4%, a do ReinoUnido de 1.6%,a da Alemanha de 1.7%.Ocrescimento do país neste século somenteficou realmente comprometido durante aguerra e no pós-guerra, na fase de recons-trução. Esse processo estendeu-se até 1955,quando, então, a economia atingiu nova-mente os níveis anteriores à guerra, en-

Page 10: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

JAPÃO· MILAGRE ECONÔMICO ...

trando na fase de rápido crescimento, quevai durar até o início de 1970.

SATISFAÇÃO DO CONSUMIDOR E QUALIDADEDE VIDA DA POPULAÇÃO - A REVERSÃO DEEXPECTATIVAS

oJapão tem apresentado taxas elevadasde crescimento econômico, em detrimentode uma maior satisfação do consumidor. Oprocesso de rápido crescimento não gerouuma melhoria proporcional na qualidadede vida da população, que apenas agoracomeça a vislumbrar outros objetivos as-sociados ao desenvolvimento, tais comomais tempo e melhores condições paralazer, melhores condições ambientais,melhoria no sistema previdenciário. Aqualidade de vida da população é beminferior à encontrada em outros países de-senvolvidos.

Apesar do desempenho excepcional daeconomia em termos de crescimento darenda nacional, somada ao fato de a rendaper capita ser a maior do mundo, o paísainda não atingiu um nível de qualidadede vida compatível com o existente nospaíses mais desenvolvidos do Ocidente.Um estudo realizado por três sindicatos,localizados no Japão, Alemanha e EstadosUnidos permite uma comparação do pa-drão de vida da população japonesa. Fo-ram pesquisadas oito famílias japonesas,seis americanas e cinco alemãs, tomando-se como referência o mês de outubro de1987.11Embora o salário médio regular porhora, excluindo-se as horas extras, fossemuito similar nos três países, a média dehoras trabalhadas no Japão era bem supe-rior à dos demais: 2.387horas/ ano, contra2.027 nos Estados Unidos e 1.651na Ale-manha. Se considerado o poder aquisitivodos salários, o Japão fica, também, emdesvantagem. Dado o elevado custo devida do país o trabalhador japonês gastarelativamente mais em bens de consumo,tais como alimentação e vestuário. Parcelasignificativa de seu salário é alocada nes-ses itens. O japonês gasta 7.4 vezes maisque o trabalhador americano em roupas e2.1 vezes o que gasta o alemão.

O japonês também gasta muito com aeducação dos filhos. A pesquisa indicouque, enquanto o trabalhador americano ébeneficiado por um ensino publico básicode boa qualidade, o alemão gasta, em mé-

dia, 72.000 yen/ano e o japonês 369.000yen. No que diz respeito ao item habitação,embora as residências japonesas sejam, emgeral, muito pequenas - média de 40m2

por família - e geralmente situadas longedo local de trabalho, não são acessíveispara todos os trabalhadores. O preço mé-dio de uma residência no país equivale, emmédia, a 5.7 vezes o salário anual de umtrabalhador, enquanto nos Estados Unidose na França esta relação é de três vezes.

Essesdados vêm demonstrar que apesarde o Japão ter se transformado em umagrande potência econômica, o atual padrãode vida de sua população ainda deixamuito a desejar. Essa constatação pode sermelhor observada através de um indicadormais geral, o Coeficiente de Engels. Aparcela de renda familiar alocada em gas-tos com alimentação, embora venha decli-nando nas últimas décadas, é ainda bas-tante elevada, face a parâmetros dos de-mais países desenvolvidos. Em 1970,essecoeficiente foi de 25%.No período 1980/1985, enquanto a porcentagem da rendafamiliar gasta com alimentação foi de 19%no Japão, nos Estados Unidos foi de 13%ena Bélgica,Nova Zelândia, Áustria, ReinoUnido, Alemanha Ocidental, França, Ca-nadá, Suíça, Suécia, Noruega esse coefici-ente foi inferior. No caso da Noruega, essecoeficiente foi de 5%. No Brasil, ele foi de35%.

Apesar de o Japão ser dos maiores pro-dutores de aparelhos eletrônicos, tendoproduzido 17milhões de aparelhos de te-levisão em 1985, a relação aparelhos deTV/ população é bastante inferior àamericana. Em 1985,o Japão apresentavauma média de, respectivamente, 787/580aparelhos de rádio e TV para cada grupode 1.000habitantes, enquanto os EstadosUnidos apresentavam 2.101/798.

O sistema de seguridade social, emboravenha sendo aperfeiçoado, é ainda muitoincipiente. A aposentadoria representa umsério problema social. Ocorre muito cedo,quando o empregado está ainda em plenaforma, nos seus 50/55 anos, gerando umaqueda abrupta de renda. O pai de famíliaaposentado, que não possuir uma pou-pança acumulada ao longo de seus anos detrabalho ou não conseguir um novo em-prego, em geral em empresas menores as-sociadas ao seu antigo empregador, passapor muitas dificuldades.

11. Citado por OIT· OrganisacionInlernacionale dei Trabajo,Actualidad Sociolaborial, nº 4/1988.

53

Page 11: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

RAEoutro lado, enquanto que a diferença derenda entre um executivo e um operário sesitua entre quatro a seis vezes no Japão, nosEstados Unidos essa variação chega, nomínimo a dez vezes, enquanto que, noBrasil, freqüentemente ultrapassa vintevezes.

Enquanto que, no Japão, a taxa de par-ticipação na renda nacional dos 40% maispobres é de 22% e a taxa de participaçãodos 20% mais ricos é de 38%, nos EstadosUnidos essas taxas são de, respectivamen-te, 17% e 49%, no Canadá e na França de17% e 42%, no Reino Unido de 19% e 40%.Na Hungria, é de, respectivamente, 21% e36% e na Iugoslávia de 19% e 39%. NoBrasil, esses coeficientes atingem 7%e 67%.

O perfil de renda atual do país pode sermelhor compreendido através da obser-vação dos mecanismos de fixação salariale da organização do mercado de trabalho,já que 94% da renda pessoal é determinadapelos salários

Atualmente a média salarial do paísequivale a 16 vezes a prevalente 30 anosatrás. O crescimento econômico do país nopós-guerra trouxe melhoras significativaspara sua população. Esse desempenho foipossível graças ao excepcional desempe-nho do setor industrial. No entanto, en-quanto que no período 1958/1987 o PNBaumentou 23.4 vezes, os salários na in-dústria aumentaram apenas 14.2 vezes.

A análise mais minuciosa da evoluçãodos salários na manufatura face à evoluçãoda produtividade no setor é bastante sig-nificativa: no período 1970/1987, os salá-rios reais aumentaram 62%, enquanto aprodutividade aumentou 156%. Uma dasexplicações para isto, e que parece essencialpara a compreensão do modelo japonês, éque parte da produtividade não está serevertendo em ganho salarial e sim emmassa de investimento. Isto caracteriza aeconomia japonesa como um economia demobilização, onde a acumulação visandoao crescimento econômico é, ainda hoje, avariável-chave e legítima da sociedade. Emprol desse objetivo, o trabalhador japonêsestá disposto a dar sua contribuição. E osacrifício parece estar sendo mais igual-mente distribuído entre a população, em-bora certos segmentos da sociedade sejammais sacrificados. Nessa categoria, situam-se a mão-de-obra móvel, especialmente afeminina, e os aposentados.

12. CHRISTOPHER, R. C. TheJapanese mind, lhe Golialhexplained.Tokyo, Charles E. TutlleCo., 1988, 352 p.

54

Algumas instituições de Welfare sãoainda bastante atrofiadas, a exemplo dasinstituições para o bem-estar das mulheres- em 1986havia apenas 55 delas, com umacapacidade de atendimento de menos de2.000 pessoas, instituições para o bem-es-tar de mães e dependente - apenas 88,além de entidades para o cuidado de cri-anças, incluindo creches e maternais -33.297 no total e intituições para o bem-es-tar dos idosos, em número de 4.787.

DISTRIBUiÇÃO DE RENDA - A DISTRIBUiÇÃODOS SACRIFíCIOS NUMA SOCIEDADE MAISIGUALITÁRIA

A estrutura de distribuição de renda dopaís não apresenta grande concentração, secomparada com outros países. Embora noJapão haja um excessivo apego à hierar-quia, o que molda profundamente as re-lações pessoais, a sociedade japonesa nãopode ser considerada muito estratificada.Para Chrístopher" os japoneses gostam dese ver como uma sociedade sem classes ou,mais exatamente, como uma sociedadecomposta por pessoas praticamente damesma classe. A maioria das pesquisasrealizadas entre jovens indica que 90%deles se consideram da classe média.

•••••••••••••••••••••••É na análise da variável "satisfaçãodo consumidor" que reside o pontovulnerável do modelo econômico

japonês. A atual qualidade de vida desua população não está consistentecom o patamar que o país atingiu na

esfera econômica imemacional.

•••••••••••••••••••••••De fato, não parece existir na sociedade

nenhum sentimento forte de classe e asdiferentes categorias de renda, status efunção não estão fisicamente segregadas.Se é verdade que a sociedade japonesapossui grande apego à hierarquia, tambémé verdade que ela é movida por variáveismeritocráticas, associadas ao local de es-tudo e trabalho das pessoas.

A diferença de renda média entre aquinta parte mais pobre da população e aquinta parte mais rica equivale, no Japão,a 60%da existente nos Estados Unidos. Por

Page 12: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

JAPÃO - MILAGRE ECONÔMICO ...

A estrutura dual do mercado de traba-lho, com a existência, por um lado, de umcontingente de mão-de-obra melhor re-munerado, formado por profissionais, ba-sicamente do sexo masculino, relativa-mente jovem e vinculado a empresasmaiores e, por outro, um contingente demão-de-obra móvel, formado sobretudopor mulheres, mal remunerado e pratica-mente sem garantias de emprego, além deaposentados, permite grande flexibilidadeà empresa para enfrentar períodos de os-cilação no ciclo econômico.

•••••••••••••••••••••••Países como a França e mesmo aInglaterra, de poder econômico

declinante, possuem maior prestígio einfluência na esfera da diplomacia

política que o Japão.

•••••••••••••••••••••••o número de mulheres trabalhadoras

tem crescido, passando de 18 milhões em1960 para 23 milhões em 1986, represen-tando hoje 48% da força de trabalho total.Mas a participação da mulher no mercadode trabalho, por grupo de idade, é bastantevariável, o que demonstra a dificuldade dea mulher fazer carreira na empresa. Nosperíodos que vão, respectivamente, dosseus 20/24 anos e 50/59 anos, a participa-ção feminina amplia-se significativamente,apresentando uma queda acentuada noperíodo intermediário. Isto indica que, porocasião do casamento ou do nascimentodos filhos, a mulher afasta-se do mercadode trabalho, para voltar novamente nameia idade. Esse fato apresenta sérias des-vantagens, visto que a carreira e o saláriode um trabalhador progridem em funçãode seu tempo de permanência na empresa.O diferencial de salário entre a mão-de-obra feminina e a masculina acentua-sesignificativamente com a idade.

Também existe uma grande diferençaentre as condições de trabalho numagrande empresa e numa pequena. Emborao salário inicial seja praticamente o mesmonas pequenas e nas grandes empresas, adefasagem fica cada vez maior, à medidaque o trabalhador progride na empresa.Além disto, o trabalhador, numa pequenaempresa, não goza, muitas vezes, dos be-

nefícios indiretos oferecidos, freqüen-temente, por uma grande empresa. Essesbenefícios indiretos são muitos importan-tes, pois o país ainda não desenvolveu umsistema público eficiente de serviços e be-nefícios previdenciários. Por ocasião daaposentadoria, que se dá quando o traba-lhador atinge os seus 50/55 anos, a dife-rença entre os salários pagos por uma pe-quena empresa e por uma grande empre-sa é muito grande. Empresas que empre-gam até 29 empregados pagarão, emmédia, perto de 57%dos salários pagos poruma grande empresa, enquanto que em-presas com 30 a 99 empregados pagarão oequivalente a 66% dos salários de umagrande empresa e empresas entre 100a 499pagarão perto de 79%.

CONCLUSÃOAs análises precedentes permitem si-

tuar o Japão numa esfera distinta, seja domodelo capitalista convencional, seja domodelo socialista. Na sociedade japonesa,vamos encontrar a presença de uma com-petição empresarial acirrada que termina,muitas vezes, em cooperação harmoniosa.Esta última é, também, a maneira de asempresas japonesas apresentarem-se naarena internacional. Os grandes gruposempresariais parecem colocar no mesmopatamar o interesse nacional e a busca dolucro privado. Nesse ambiente, uma rigo-rosa racionalidade organizacional convivecom uma hierarquia vigorosa e o mérito,com a antigüidade. A intensidade e a na-tureza do processo de acumulação até ho-je perseguido indicam um Estado em fasecontínua de mobilização nacional, com umgrau de coesão nunca visto por nenhumanação moderna e um perfil de distribuiçãode renda muito melhor do que o existenteem países que fizeram a opção ideológicapela igualdade. A curiosa simbiose entre ogoverno e o setor privado tem sustentadoe legitimado esse processo, e a população,apenas agora, começa a visualizar outrosobjetivos ligados ao processo de desen-volvimento econômico.

As grandes vantagens do modelo japo-nês residem na sua excepcional eficiênciadinâmica, com a existência de um climaaltamente favorável ao investimento, alémde um ambiente empresarial muito propí-cio à geração e difusão do progresso técni-

55

Page 13: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

RAEta taxas elevadas de poupança, seu padrãode consumo é de grande austeridade. Partesignificativa de sua renda é, ainda hoje,alocada para gastos com alimentação. Suascondiçõesde habitação sãobem inferioresàsencontradas em outros países desenvolvi-dos.Amoradia padrão é relativamentemaiscara, em geral de pequeno porte e localiza-da longe do local de trabalho. Muitos dosserviçosebenefíciossociaiseprevidenciáriosgerados pelo Estado são ainda incipientes esuas falhas atingem particularmente algunssegmentos mais vulneráveis da população,tais como os aposentados, os trabalhadoresde tempo parcial, as mulheres, os trabalha-dores estrangeiros.

Esses segmentos também têm sido osmais sacrificados pela atual lógica de acu-mulação. Através de mecanismos de re-dução e ampliação de seu contingente detrabalhadores móveis e de suas relaçõescom a pequena empresa subcontratada, agrande empresa japonesa preserva suaflexibilidade em momentos de mudançano ambiente de negócios. Estimulando aaposentadoria precoce de seu pessoal, ad-ministra a massa salarial e preserva o sis-tema de emprego vitalício sem compro-meter a sua competitividade.

Por outro lado, é inquestionável que ossacrifícios gerados por esse processo decrescimento econômico estejam sendo maisigualmente distribuídos pela população,embora alguns segmentos sofram mais doque outros. Isto pode ser constatado pelaanálise do fator "perfil de renda", onde ficapatente que o país atingiu um patamar dedistribuição de renda dos menos concen-trados do mundo.

Avaliando-se as perspectivas de evolu-ção da economia japonesa, é importanteconsiderar hoje que determinadas variá-veis, eventualmente, poderão vir a funcio-nar como restrição à atual lógica de acu-mulação que rege a sociedade, e que nãofaziam parte do contexto econômico dopós-guerra:

co. Nesse aspecto, muitas das restriçõesque vêm comprometer a sua eficiência es-tática, ou seja, sua capacidade de alocaçãoótima de recursos num determinado perío-do de tempo, acabam funcionando comoestímulos para uma melhor eficiência di-nâmica. Este é o caso, por exemplo, da es-trutura associa tivista e oligopolizada desua economia, que vai facilitar a difusão doprogresso técnico e a negociação de inte-resses entre o setor privado e o governo.Também na baixa mobilidade de sua mão-de-obra, com sua relativa rigidez, em vir-tude dos princípios de emprego vitalício ede antigüidade, pode-se encontrar parte daexplicação da grande identidade de inte-resses entre trabalhadores e sindicatos comas empresas.

•••••••••••••••••••••••" Dizem que nós, os japoneses,

copiamos todo mundo e éverdade. Primeiramente copiamosos coreanos, depois os chineses,depois os ingleses e depois os

americanos. Sempre o que nos pareciao melhor no mundo para ser

copiado. Agora não sabemos maisquem copiar. Talvez copiemos

nós mesmos."

•••••••••••••••••••••••A capacidade de trabalho e de sacrifício

de sua população, que vem mantendo ta-xas elevadas de poupança e um patamarmuito reduzido de lazer, tem tido reflexossignificativos a nível das taxas de cresci-mento da renda nacional. Esse fator cons-titui um ponto-chave para compreensão dochamado "milagre japonês" do pós-guerra.Indica que a acumulação, visando aocrescimento econômico, constitui, aindahoje, o motor propulsor e legítimo da so-ciedade.

No entanto, é na análise da variável"satisfação do consumidor" que reside oponto vulnerável do modelo econômicojaponês. A atual qualidade de vida de suapopulação não está consistente com o pa-tamar que o país atingiu na esfera econô-mica internacional. Ao mesmo tempo emque a jornada de trabalho é mais longa doque a existente em outros países desen-volvidos e o trabalhador japonês apresen-

56

1. Crescente reconhecimento de queexistem outros objetivos ligados ao pro-cesso de crescimento econômico:

Até o momento não foram contempla-dos objetivos de crescimento econômicoassociados à melhoria na qualidade devida da população. Surgem, no entanto,evidências de que essa situação está em

Page 14: JAPAO MILAGRE ECONOMICO E SACRIFIC/O SOCIAL

JAPÃO· MILAGRE ECONÕMICO...

fase de questionamento. O próprio japonêscomeça a reivindicar diminuição no tempode trabalho, melhoria salarial, maior in-vestimento em habitação, implantação deum sistema eficiente de previdência social,maior tempo e melhores condições de lazer.

2. Mudança no perfil ocupacional e es-cassez de mão-de-obra:

No pós-guerra o Japão foi beneficiadocom grandes excedentes de mão-de-obra,provenientes, em parte, do deslocamentode contingentes de trabalhadores do cam-po para a cidade e, também, do curto masproeminente baby boom no início dos anos50. No entanto, a partir dos anos 70, a eco-nomia japonesa começou a enfrentar pro-blemas de escassez de mão-de-obra. Seconsiderada a estrutura do mercado detrabalho, somada à atual tendência de-mográfica do país, o Japão deverá sofrer asconseqüências geradas por um peso ex-cessivo da mão-de-obra mais velha e, con-seqüentemente, melhor remunerada, nacomposição de sua força de trabalho, o quepoderá afetar suas condições de com-petitividade no mercado internacional.Soma-se a isto o papel crescente desempe-nhado pela mão-de-obra feminina. Atéquando as mulheres concordarão em fazerparte de um contingente discriminado emarginalizado, embora essencial do mer-cado de trabalho?

3. Surgimento de novas necessidadesligadas a problemas de proteção ambientale de proteção ao consumidor:

A gestão dessas necessidades emergen-tes vai exigir um grande esforço do Go-verno e da DIETA, o parlamento japonês,no sentido de se desenvolver uma legisla-ção adequada, que, ao mesmo tempo quepreserve os direitos do consumidor e di-minua a poluição, não seja um sério entra-ve à atividade empresarial.

Por outro lado, é na esfera internacional,com muitas das variáveis fora de seu con-trole, que o Japão deverá jogar a cartadadefinitiva nos próximos anos. A sua gran-de dependência de fontes externas supri-doras de matéria-prima e energia torna-oparticularmente vulnerável a mudançasnesse ambiente. Outros problemas mani-festam-se nessa área, como os conflitos deinteresse comercial entre o Japão e seusprincipais parceiros comerciais, especial-

mente os Estados Unidos e os países daComunidade Européia. O aprofundamen-to dessas diferenças pode levar o país auma situação de impasse, à medida que omundo for levado a rever os princípios dolivre comércio, que vêm regulando o rela-cionamento entre as nações desde o pós-guerra.

Por outro lado, o grau de influência eprestígio político de que goza o Japão jun-to à comunidade internacional não está,nem de longe, de acordo com seu recentepoderio econômico. Países como a Françae mesmo a Inglaterra, de poder econômicodeclinante, possuem maior prestígio e in-fluência na esfera da diplomacia políticaque o Japão. Provavelmente, nos próximosanos, essa situação deverá se inverter e,nesta hora, o país deverá estar conscientede seu papel na comunidade das nações.Talvez hoje ele mesmo não saiba o que viráa ser. O fato, no entanto, que merece sersalientado e que constitui sua característi-ca única e um fator chave para a compre-ensão da sociedade japonesa é a sua gran-de habilidade para adaptar-se a circunstân-cias e necessidades radicalmente diferentesdas anteriores, sem perder ou sacrificar seusenso distinto de identidade. Como sali-entado por um professor da Universidadede Tóquio: "dizem que nós, os japoneses, co-piamos todo mundo e é verdade. Primeira-mente copiamos os coreanos, depois oschineses, depois os ingleses e depois osamericanos. Sempre o que nos parecia omelhor no mundo para ser copiado. Agoranão sabemos mais quem copiar. Talvez co-piemos nós mesmos."

Países e empresas procuram copiar oubuscar inspiração no "modelo japonês",que se tornou sinônimo de eficiência eco-nômica. No entanto, por trás do "milagrejaponês", existe uma capacidade de sacri-fício e de cooperação que as sociedadesocidentais, com sua grande afluência esenso de individualismo, não possuem e,mais importante, não almejam possuir. Omodelo japonês não pode ser replicado.Está assentado em variáveis culturais ehistóricas muito peculiares. Pode e deve sercompreendido pois traz contribuiçõesessenciais para o debate sobre o futuro dasociedade pós-industrial e as propostassobre as condições materiais da existênciahumana: liberdade, individualismo,igualdade e progresso. O

57