João Candido - A Luta pelos Direitos Humanos

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Projeto Memória, em sua 11ª edição homenageia João Cândido, principal líder da Revolta da Chibata ocorrida em 1910. Acreditamos na importância da valorização de personagens que contribuíram para a formação nacional brasileira – seja através de obras escritas, como de ações concretas, exemplos, palavras e gestos criativos e transformadores. Este livro fotobiográfico, distribuído para mais de 5 mil bibliotecas públicas em todo o país, resulta de pesquisa em importantes acervos documentais (textos e imagens) que trazem à tona a história, nem sempre bem divulgada, das condições de vida da maioria da população brasileira e dos caminhos encontrados para sobreviver e, mesmo, alterar tais situações. Está claro que não se pode mudar o que já passou, mas é possível modificar nossa percepção sobre este passado. Ler mais em Portal Capoeira - www.portalcapoeira.com

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  • A Luta pelos Direitos Humanos

  • A Luta pelos Direitos Humanos

  • Marinheiros a bordo do encouraado Bahia.

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  • FUNDAO BANCO DO BRASIL

    PresidenteJACQUES DE OLIVEIRA PENA Diretores ExecutivosELENELSON HONORATO MARQUESJORGE ALFREDO STREIT Gerente de Educao e CulturaMARCOS FADANELLI RAMOS AssessorCLAUDIO ALVES RIBEIRO BRENNAND PETROBRAS PresidenteJOS SERGIO GABRIELLI Gerente Executivo deComunicao InstitucionalWILSON SANTAROSA

    Gerente de Responsabilidade SocialLUIS FERNANDO NERY Gerente de PatrocniosELIANE COSTA Gerente de Patrocnios CulturaisTAIS WOHLMUTH REIS

    Coordenador de Tecnologias SociaisLENART NASCIMENTO ACAN ASSOCIAO CULTURALDO ARQUIVO NACIONAL Diretoria ExecutivaPres. LICIO RAMOS DE ARAUJOV. Pres. OSCAR BOCHAT FILHOFERNANDO JOO ABELHA SALLESJOSE GOMES DE ALMEIDA NETTO Pres. do Conselho FiscalWANDERLEI PINTO DE MEDEIROS Pres. do Conselho ConsultivoHANS JRGEN FERNANDO DOHMANN PRODUO Coordenao GeralELIZABETE BRAGA Coordenao de ProduoFLVIA DIAB

    Assessoria de ProduoSTANLEY WHIBBE Coordenao de AdministraoRUY GODINHO Consultoria HistricaMARCO MOREL Equipe de PesquisacoordenadoresMARCO MORELTNIA BESSONEauxiliaresGABRIEL LABANCARODRIGO CARDOSOSILVIA CAPANEMA TextoMARCO MOREL Reviso de TextosSARAH PONTES Projeto Gr coLULA RICARDI - XYZdesign ProduoABRAVDEO

    A Luta pelos Direitos Humanos

  • Quero dizer quedaqui para o ano 2000e para adiante ainda vai ter Joo Cndido.JOO CNDIDO - DEPOIMENTO NO MUSEU DAIMAGEM E DO SOM EM 1968

  • O Projeto Memria, uma iniciativa da Fundao Banco do Brasil

    em parceria com a Petrobras, associando-se neste ano Associao

    Cultural do Arquivo Nacional (ACAN), reconhece que a histria de um

    pas ponto chave para compreendermos o presente e prepararmos o

    futuro. Trazer tona a permanncia das teias do passado (gerado, pri-

    mordialmente, pelo trabalho escravo e baseado na grande agricultura

    monocultora de exportao) tocar em preconceitos, desigualdades

    e violncias ainda hoje mal resolvidos, apesar das conquistas e me-

    lhorias. E tal escolha do tema aponta, sobretudo, para a disposio em

    transformar democraticamente tal realidade, valorizando a a rmao

    dos Direitos Humanos no Brasil em suas variadas dimenses.

    Este livro faz parte dos materiais do Projeto Memria, in-

    terligados mesma temtica e distribudos em alcance nacional:

    vdeo documentrio, conjunto pedaggico (Almanaque Histrico,

    Guia do Professor e DVD-rom), exposio itinerante e stio na in-

    ternet www.fundacaobancodobrasil.org.br (Programas e Aes/Edu-

    cao/Projeto Memria).

    Tal iniciativa ocorre num momento em que o Estado nacional

    brasileiro comea a assumir postura expressiva diante do legado de

    Joo Cndido e dos marinheiros que participaram da rebelio - e que

    pode ser resumida na concesso de anistia pstuma a estes persona-

    gens, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional e sancionada

    pelo presidente da Repblica em 23 de julho de 2008, alm de outras

    iniciativas o ciais e, sobretudo, da sociedade civil.

    responsabilidade coletiva garantir que os Direitos Huma-

    nos sejam realidade para todos, independente de posio social, nvel

    de instruo, gnero, religio, cor da pele, opo poltica, etc. Aproxi-

    mando-se o centenrio da Revolta da Chibata, podemos constatar

    que a vida de Joo Cndido traz muitas lies para aprendermos e

    ensinarmos: virar as pginas de sofrido passado em direo a um

    futuro melhor.

    ACAN . PETROBRAS . FUNDAO BANCO DO BRASIL

    o escolher o homenageado deste ano o marinheiro Joo

    Cndido, principal lder da Revolta da Chibata ocorrida em 1910 o

    Projeto Memria, em sua 11 edio, mantm sintonia com as ten-

    dncias que procuram ampliar a conquista de Direitos Humanos bsi-

    cos numa sociedade tradicionalmente marcada por desigualdades e

    injustias sociais.

    Acreditamos na importncia da valorizao de personagens

    que contriburam para a formao nacional brasileira seja atravs

    de obras escritas, como de aes concretas, exemplos, palavras e

    gestos criativos e transformadores.

    Este livro fotobiogr co, distribudo para mais de 5 mil biblio-

    tecas pblicas em todo o pas, resulta de pesquisa em importantes

    acervos documentais (textos e imagens) que trazem tona a hist-

    ria, nem sempre bem divulgada, das condies de vida da maioria da

    populao brasileira e dos caminhos encontrados para sobreviver e,

    mesmo, alterar tais situaes. Est claro que no se pode mudar o

    que j passou, mas possvel modi car nossa percepo sobre este

    passado. Pretende-se assim, ao lado do importante trabalho de divul-

    gao, uma contribuio historiogra a sobre o assunto.

    Homenageando pela primeira vez um negro no Projeto Me-

    mria, apresentamos a trajetria marcante deste indivduo nascido

    em 1880, lho de escravos, e inclumos referncias ampliadas: ao

    conjunto dos 2.300 marinheiros participantes do episdio que ter-

    minou com os castigos corporais na Marinha de Guerra, ao contexto

    da poca, s questes mais abrangentes da cultura, da Histria do

    Brasil e de temas atuais.

  • O Mar Meu Amigo

    JOO CNDIDO

  • 1. O DRAGO DO MAR REAPARECEU...

    2. NASCIMENTO: O FIM DA ESCRAVIDO

    3. O NAVEGANTE NEGRO

    4. EXPLODE A REVOLTA DOS MARINHEIROS

    5. A REPRESSO CHEGA COM FORA

    6. TRAJETRIA DOS HERIS DA PLEBE

    7. HOMENAGENS EM VIDA

    8. JOO CNDIDO VIVO NAS MEMRIAS

    9. DESAFIOS ATUAIS

    PARA SABER MAIS

    CRONOLOGIA

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    21

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    NDICE

    13

  • Quem conhece o sentido exato da cano ao lado pode entender melhor

    os laos simblicos e histricos entre a Revolta da Chibata e as lutas contra a es-

    cravido realizadas pelas camadas pobres da populao. Tal comparao foi criada

    pelo escritor cearense Edmar Morel que, em 1949, lanou o livro Drago do Mar

    o jangadeiro da abolio (reeditado como Vendaval da Liberdade). Ao publicar na

    dcada seguinte A Revolta da Chibata, em vrias passagens o autor no resiste

    em assinalar semelhanas entre os dois heris da plebe por ele estudados e

    valorizados: ambos trabalhadores do mar, oprimidos do ponto de vista racial e so-

    cial e que encabearam movimentos de grande repercusso e vitoriosos em seus

    objetivos imediatos de combate ao escravismo e suas permanncias. Analogia bem

    aproveitada na msica O Mestre-Sala dos Mares, de Joo Bosco e Aldir Blanc.

    H muito temponas guas da GuanabaraO Drago do Marreapareceu...

    MSICA DE JOO BOSCO E ALDIR BLANC, MESTRE-SALA DOS MARES

    1.O DRAGO DO MAR REAPARECEU...

    15

  • 1716 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s

    Essa alegoria assinala um ponto-chave em nossa Histria: o de que a Aboli-

    o no se realizou apenas por cima, isto , pela iniciativa das elites parlamenta-

    res, de abolicionistas ilustres, dos proprietrios esclarecidos e da Coroa Imperial

    (ou, mais simplesmente, da princesa Isabel), mas foi um longo e penoso processo

    de embates no qual participaram, tambm, setores variados da populao, como as

    camadas mdias, pobres livres, libertos e os prprios cativos. De forma direta ou

    indireta, as aes individuais ou coletivas dos escravos ajudaram a minar o sistema

    escravista.

    Drago do Mar era o apelido do jangadeiro cearense Francisco Jos do Nascimento:

    caboclo, classi cado como pardo livre, um dos principais lderes do rduo movi-

    mento que culminou com a extino do cativeiro no Cear em 1884, ou seja, quatro

    anos antes da Lei urea.

    Foram trs anos de lutas duras. Quando nalmente decretou-se a Abolio

    cearense em 25 de maro de 1884 (inclusive com apoio do presidente da Provncia),

    o modesto Francisco Jos do Nascimento, Drago do Mar, junto com sua jangada,

    des lou em triunfo pelas ruas da cidade imperial do Rio de Janeiro, sendo apoiado

    e aplaudido por abolicionistas como Jos do Patrocnio e Joaquim Nabuco. O evento

    teve grande destaque na imprensa e repercusso internacional. E 26 anos trans-

    correram desde a Abolio nos verdes mares do Cear at o reaparecimento do

    Drago do Mar nas guas da baa da Guanabara, na gura de um bravo marinheiro.

    CASTIGOS CORPORAIS

    A histria dos castigos corporais na Marinha de Guerra brasileira longa e

    repleta de episdios violentos. Na realidade, no se trata de caracterstica isolada

    dessa instituio, mas das foras armadas em geral e situa-se, em linha de conti-

    O uso do aoite nos escravos,

    habitual durante mais de trs

    sculos, foi proibido por lei

    de 1886, 24 anos antes da

    Revolta da Chibata.

    Drago do Mar era o apelido

    do jangadeiro cearense

    Francisco Jos do Nascimento:

    caboclo, classi cado como

    pardo livre,

    Capas da 1. edio (

    esquerda) e 3. edio do

    livro de Edmar Morel sobre

    outro heri da plebe e

    trabalhador do mar que

    lutou contra a escravido.

    6 17s

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  • No raiar da Repblica e crepsculo do sculo XIX, os castigos corporais na

    Marinha foram logo suprimidos, em 16 de novembro de 1889. Porm, na poca em

    que Joo Cndido serviu na Armada, a situao era semelhante do perodo colonial

    sob esse ngulo. Tal fator explica-se pelos antigos costumes aristocrticos, pelo

    preconceito racial, pelo sistema de dominao que se reproduzia e pela reintroduo

    legal das punies por meio do Decreto 328, de outubro de 1890, que substitua os

    regimentos coloniais, mas renovava e justi cava a permanncia dos referidos casti-

    gos na Repblica brasileira.

    nuidade, nos variados contextos de uma sociedade que viveu mais de trs sculos de

    escravismo e tradio autoritria, deixando permanncias at hoje. A estrutura so-

    cial no Brasil construiu-se de forma arraigada sobre o famoso trip: produo agrria

    monocultora, exportadora e escravista embora as hierarquias sociais e a produo

    de subsistncia fossem cada vez mais complexas, sobretudo a partir do sculo XVIII.

    Em suma, a Marinha fazia parte da sociedade, com seus paradoxos, limites e possi-

    bilidades de transformaes.

    A revista Ilustrao Brasileira,

    na poca da Revolta da Chibata,

    mostra como os castigos

    corporais eram antigos e

    inadequados.

    O lorde, almirante e marqus

    Thomas Cochrane, chamado

    de Pirata por Joo Cndido,

    reforou o uso da chibata na

    Marinha brasileira na poca da

    Independncia.

    Ao longo do sculo XIX, a disciplina na Marinha foi baseada em regras do

    perodo colonial, sobretudo no Regimento Provisional para o Servio e Disciplina das

    Esquadras e Navios da Armada Real de 1796, complementado com os Artigos de

    Guerra. O artigo 80 decretava que os marinheiros seriam corrigidos por meio de

    pancadas de espada, e chibata.

    Momento marcante ocorreu com o processo de Independncia no Brasil,

    quando a Marinha se reorganizou, inicialmente, sob a liderana de um experiente

    militar e mercenrio internacional de guerra, o almirante ingls Thomas Cochrane,

    contratado por d. Pedro I e Jos Bonifcio para atuar nas guerras de Independncia.

    Com essa reestruturao da Marinha os castigos corporais foram mantidos e at

    reforados pela tradio aristocrtica inglesa (que viria a ser responsvel por pro-

    cessos de colonizao particularmente violentos como os da frica do Sul e ndia).

    A presena de lorde Cochrane, conde de Dundonald e marqus do Maranho seria

    decisiva nessa triste permanncia em poca de algumas mudanas.

    1918 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s1 J O

    A chibata na revolta, na Marinha do Brasil, aqueles o ciais

    ingleses, Cochrane e outros que eram piratas na Marinha

    inglesa, expulsos de l, andaram pelo mundo roubando. Aqui

    no Brasil eles impunham.(Joo Cndido, depoimento ao Museu da Imagem e do Som)

    Note-se que essas regras republicanas sobreviveram ao uso do aoite nos

    escravos que, pelo menos legalmente, fora proibido pela lei de outubro de 1886, por-

    tanto ainda no Imprio, aps intensa presso dos abolicionistas que denunciavam

    maus-tratos, inclusive pela imprensa.

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  • 21

    Filho de escravos, Joo Cndido no nasceu em senzala, mas numa chou-

    pana onde moravam seus pais, Joo Cndido Felisberto e Igncia Felisberto, em

    24 de junho de 1880. A modesta habitao cava na fazenda de Vicente Simes

    Pereira (localidade de Coxilha Bonita, serra do Herval, interior do Rio Grande do

    Sul), prxima da casa-grande mas fora de suas vistas. Mantinha-se pequena rea

    prpria para cultivo de horta de subsistncia e criao de animais domsticos. A

    condio de vida dessa famlia cativa explica-se por motivos pessoais e, tambm,

    pelo contexto histrico.

    2.NASCIMENTO:O FIM DA ESCRAVIDO

    221

    Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. So dotadas de razo e conscincia e devem agir em relao umas s outras com esprito de fraternidade.ARTIGO I DA DECLARAO UNIVERSAL DOSDIREITOS HUMANOS

  • Uma das raras fotos que mostra

    Joo Cndido com meia idade,

    nos anos 1930: serviu de capa

    para o livreto escrito por Ado

    Pereira Nunes e apreendido

    pela polcia.

    Os costumes da escravido,

    arraigados na sociedade

    brasileira (como mostra

    esta pintura do alemo J. M.

    Rugendas), se faziam sentir

    de maneira ntida ainda no

    comeo do sculo XX.

    Os pais do futuro marinheiro haviam conquistado, no interior da propriedade

    rural escravista, uma certa autonomia, chamada de liberdade, numa espcie de

    acordo com o proprietrio (que alguns chamam de benevolente) situao que no

    era incomum em outras partes do Brasil, onde cativos, com diferentes graus de au-

    tonomia em relao ao trabalho e direito de locomoo, formavam famlias estveis

    dentro do sistema escravocrata. Tal condio requeria boas doses de habilidade

    recproca na convivncia dos escravos com os senhores e consentimento de alguns

    aspectos na dominao pelos cativos, para que estes pudessem se liberar de ou-

    tras opresses.

    2322 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s2 J O

    Alm do mais, Joo Cndido Felisberto, o pai, era tropeiro, isto , participava

    da conduo de tropas de gado, o que lhe dava possibilidades amplas de locomo-

    o uma das caractersticas da escravido no Brasil meridional to marcado pela

    pecuria, mas que no exclua outras formas de coero inerentes ao sistema es-

    cravista. Em vrias ocasies, seu lho Joo Cndido acompanhou-o nas cavalgadas

    pelos pampas, comendo arroz carreteiro ou charque (carne salgada) com farinha. J

    Igncia Felisberto, a crer em testemunhos orais tanto dos prprios descendentes

    quanto de familiares do fazendeiro, tinha personalidade marcante: era parteira e

    praticava medicina artesanal com amplo conhecimento do uso da ora. Alm de sete

    lhos (trs homens e quatro mulheres), teve vrios lhos de peito, ou seja, crian-

    as que amamentou. Era tambm exmia caadora e embrenhava-se com freqncia

    nos matos, trazendo tatus e outros animais tpicos da regio.

    Observe-se que a dcada de 1880, quando nasceu Joo Cndido, marcou

    momento peculiar na histria da escravido no Brasil. O futuro marinheiro j nascera

    aps a lei de 1871, que declarava livres todos os lhos de escravos nascidos a partir

    daquela data. Embora, na maioria dos casos, as crianas continuassem nas fazen-

    das vivendo do mesmo modo que os pais. O sistema escravista estava em crise.

    No se pode esquecer: no Rio Grande do Sul a escravido foi abolida em boa parte da

    provncia a partir de 1884 (quatro anos antes da Lei urea), num processo equivalen-

    te ao que ocorrera no Cear e no Amazonas, ou seja, em reas perifricas do centro

    escravista do Imprio. A Abolio proclamou-se em julho de 1884 em Porto Alegre e

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  • por todo o litoral gacho, solenemente e com repercusso nacional, realizando-se a

    seguir, aos poucos, em alguns municpios do interior, embora em vrias localidades o

    cativeiro permanecesse at a Lei urea. Assim, o futuro marinheiro nasceu e passou

    os primeiros anos numa provncia onde a escravido fora seriamente abalada antes

    mesmo da iniciativa da Coroa Imperial. Por mais arraigadas que fossem a escravido

    e suas conseqncias, elas no apareciam aos moradores do Rio Grande do Sul na

    dcada de 1880 como fatais e inquestionveis. Esse foi, digamos, o bero histrico

    daquele que seria o lder da Revolta da Chibata.

    Se Joo Cndido, por um lado, esteve marcado desde seu nascimento pe-

    las relaes escravistas, por outro, vivenciou na tenra infncia a crise e derrocada

    desse sistema, acompanhado por diversas formas e estratgias de luta, por parte

    dos cativos e diferentes aliados, para alcanar as liberdades: pac cas ou violentas,

    alternando confronto e negociao, tentativas de ruptura e de insero na ordem

    vigente. Experincias histricas complexas e intensas que, mesmo quando no

    verbalizadas pelo personagem, fariam parte de seu repertrio social e de uma me-

    mria coletiva ainda recente. Basta ver que muitos dos adversrios o acusariam,

    sugestivamente, de submisso aos superiores ou, ao contrrio, de radicalidade nas

    atitudes que tomou. Tal julgamento poderia parecer paradoxal, mas refere-se a

    posturas que integraram o vasto conjunto dos caminhos de sobrevivncia e supe-

    rao do escravismo.

    O PERODO PS-ABOLIO

    A situao de Joo Cndido e dos demais marinheiros da Revolta da Chibata

    deve ser compreendida no contexto Ps-Abolio. Hoje sabemos ser um equvoco

    considerar que o Brasil do sculo XIX estava dividido entre uma maioria negra e es-

    crava e uma minoria branca e senhorial e, tambm, que a maior parte da populao

    negra e parda no Brasil era cativa. Ou seja, a rebelio de 1910 no seria realizada

    apenas por um contingente recm-sado da escravido ou de seus descendentes

    2524 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s2 J O

    Joo Cndido nasceu

    nas serras gachas hoje

    pertencentes ao municpio

    Dom Feliciano.

    AS TRSCIDADES NATAIS

    Joo Cndido costumava se apresentar como natural de Rio Pardo e, algumas vezes,

    de Encruzilhada do Sul. Manteve por toda a vida o sotaque gacho. Mas a fazenda onde nasceu

    pertence hoje ao municpio de Dom Feliciano. Essa, digamos, trplice naturalidade, originou-

    se de certa tendncia de municipalizao nacional e, deste municpio, em particular. Desde

    que Rio Pardo foi erigida em vila, em 1809 (tinha a maior extenso da provncia), at hoje, se

    desmembraram de seu territrio cerca de 300 municpios.

    Rio Pardo, o principal ncleo urbano nesse conjunto, era cidade porturia uvial (rio

    Jacu), portanto, local de encontro e escoamento do comrcio da regio pelo menos desde

    o sculo XVIII, com a destruio da Misso de So Nicolau (que abrigava os aldeamentos in-

    dgenas organizados pelos jesutas) e reconquista portuguesa do territrio. Acolhe at hoje

    casario colonial e oitocentista. Foi certamente a que o futuro marinheiro, ainda criana, viu

    o primeiro cais e suas embarcaes e conheceu sobrados. Ambiente central e constante em

    sua formao inicial, da se considerar tambm um rio-pardense.

    J Encruzilhada do Sul emancipou-se de Rio Pardo em 1849, quando se fundou uma

    vila que passou a ter Cmara Municipal: logo, na poca do nascimento de Joo Cndido, a

    fazenda na qual veio ao mundo situava-se em Encruzilhada. O lugar fora alvo de violentas

    batalhas durante a Revoluo Farroupilha (18351845) e a Guerra do Paraguai (18641870)

    e, um ano depois da emancipao, o pelourinho da praa principal, para castigar sicamente

    criminosos e escravos, havia sido retirado por representar um vergonhoso smbolo de violn-

    cia o que no signi cou que os castigos tivessem desaparecido.

    Quanto ao municpio de Dom Feliciano, criado em dezembro de 1963, desmembrou-se

    de Encruzilhada do Sul. Estima-se que 70% da populao tm origem na imigrao polonesa

    e a padroeira da cidade Nossa Senhora de Czestochowa.

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  • 2726 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s2 J O

    Joo Cndido conheceu

    a Marinha tradicional,

    com embarcaes

    herdadas do Imprio.UM PROTETORNA MARINHA

    Joo Cndido se valeria de laos de proteo em momentos decisivos de sua vida. Ainda

    em Rio Pardo, conheceu o futuro almirante Alexandrino de Alencar, tambm natural da cidade

    (protegeu meus pais e minha famlia, relataria o marujo) e que o encaminhou para a Marinha aos

    14 anos de idade. O almirante Alexandrino, gura expressiva, lutara na Guerra do Paraguai sob as

    ordens dos almirantes Barroso e Tamandar. Participou da Revolta da Armada (189394), gerada

    pela pouca ateno dada Marinha no governo Floriano Peixoto. Posteriormente, Alexandrino seria

    ministro da Marinha em cinco governos, ocasio em que foi procurado por Joo Cndido, que j

    sofria duras perseguies pela Revolta da Chibata. Ao tentar ganhar a vida navegando, o ex-marujo

    teve documentos arbitrariamente apreendidos pela Capitania dos Portos e procurou o conterrneo

    para pedir justia. Alexandrino telefonou para o capito responsvel e ordenou-lhe: Entregue os

    papis de Joo Cndido imediatamente; eu tambm j fui revoltoso e hoje sou ministro da Marinha.

    Esse almirante faleceu em 1926. Registre-se que tais protees ocasionais podem ter arrefecido,

    mas no impediram as numerosas perseguies que se abateram sobre Joo Cndido.

    imediatos, embora estes estivessem presentes. Basta assinalar que, no incio do

    sculo XIX, as estimativas demogr cas (no havia ainda Censo organizado) apon-

    tavam que um tero da populao brasileira era composta de pardos livres.

    Do ponto de vista dos ex-escravos, isto , considerando-os como agentes

    histricos, o tempo do Ps-Abolio tinha um duplo signi cado: liberdade e cidada-

    nia, conforme assinalam historiadores como Hebe Mattos e Flvio Gomes. Ou seja,

    colocava-se no apenas a superao do cativeiro, mas a busca de insero na socie-

    dade que se transformava.

    Com a Lei urea, os pais de Joo Cndido saram da fazenda e ele fez a migrao

    do campo para a cidade: morou em Rio Pardo e Porto Alegre at a adolescncia. Assim,

    as relaes pessoais baseadas na identidade regional (pertencimento a uma mesma

    localidade ou regio) so marcantes na sociedade brasileira e, em geral, ultrapassam as

    diferenas sociais ou polticas e geram atitudes de proteo ou compadrio.

    A iniciao do futuro marujo na vida pblica deu-se atravs de Pinheiro

    Machado, o famoso caudilho gacho com grande domnio poltico sobre o Brasil na

    Primeira Repblica e atuao decisiva diante da Revolta da Chibata. Joo Cndido

    narrou em suas memrias na Gazeta de Notcias que, por motivos de fora maior,

    lutou nas tropas governistas da Diviso Norte sob o comando de Pinheiro Machado

    durante a Revolta Federalista em 1893 (que eclodiu contra o governo de Floriano

    Pinheiro Machado, importante

    lder poltico, comandava a

    primeira tropa na qual Joo

    Cndido serviu, aos 13 anos.

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  • Peixoto), tendo participado de batalhas importantes, como a de Passo Fundo (RS).

    Desse modo, o futuro marujo, aos 13 anos, aparentemente com alistamento forado

    (o que era comum entre jovens de sua condio social), estreou as atividades pbli-

    cas numa rebelio, combatendo-a. Vale assinalar que o navio de guerra do governo

    central, Maraj, bombardeou Porto Alegre na ocasio, gerando pnico, destruio,

    feridos e morte. Portanto, a ameaa dos marinheiros rebelados em 1910 de fazer o

    mesmo com a capital federal tinha antecedentes recentes e exemplos o ciais.

    O adolescente Joo Cndido viu-se alistado inicialmente no Arsenal de

    Guerra do Exrcito, em Porto Alegre, em agosto de 1894. No ms de janeiro de 1895

    transferiu-se como aluno para a Escola de Aprendizes de Marinheiros, na mesma

    cidade, cursando-a durante 11 meses. Mas, devido expulso de grande nmero de

    marujos aps a Revolta da Armada e conseqente falta de efetivos, foi enviado

    para a 16 Companhia da Marinha, Quartel Central da ilha de Villegaignon, na capital

    federal. Chegou sozinho ao Rio de Janeiro em 5 de dezembro de 1895 e, depois de

    ter sido inspecionado e julgado apto para o servio da Armada, cinco dias depois

    tornava-se grumete, recebendo o nmero 85.

    Grumetes (ao centro) na porta da

    Igreja Candelria (RJ): alistados

    para serem corrigidos ou para

    terem uma colocao.

    Rio de Janeiro no comeo do

    sculo XX: cidade cosmopolita e,

    ainda, capital imperial do pas.

    2928 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s2 J O

    i d i d

    No momento da inscrio na Marinha, constatou-se que havia um subo cial

    chamado Joo Cndido Felisberto e, para evitar um homnimo, suprimiu-se o sobre-

    nome do novo auxiliar. No s os corpos, mas tambm os nomes eram castigados.

    En m, Joo Cndido entrou para a Marinha por causa de uma rebelio que presenciou

    e o impressionou mas na qual no teve qualquer participao e seria excludo da

    a 17 anos por outra revolta, da qual foi lder.

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  • A entrada para a Marinha e as viagens consecutivas representaram, para

    Joo Cndido, a exploso de nitiva do mundo rural e escravista em que nasceu.

    Segundo suas palavras: Eu entrei na Marinha com 14 anos e entrei bisonho. Toda

    luz que me iluminou, que me ilumina, graas a Deus, que pouca, foi adquirida,

    posso dizer, na Marinha. Bisonho, no custa lembrar, signi ca pouco adestrado,

    novato, recruta inexperiente.

    Joo Cndido percorreu todo o litoral brasileiro, as principais bacias hi-

    drogr cas (Prata e Amaznica) e navegou por trs continentes (frica, Europa,

    Amrica do Norte e Amrica do Sul). Conheceu e presenciou personagens e even-

    tos histricos. Instruiu-se e instruiu nas artes militares; recebeu elogios, promo-

    es, rebaixamentos e punies. Aprendizados mltiplos marcados pela presena

    das guas, presena soberana do mar.

    31

    3.O NAVEGANTENEGRO

    Ns que vnhamos da Europa, em contato com outras marinhas, no podamos admitir que na Marinha brasileira ainda o homem tirasse a camisa para ser chibateado por outro homem.

    JOO CNDIDO - DEPOIMENTO NO MUSEU DAIMAGEM E DO SOM EM 1968

  • Em setembro de 1897, Joo Cndido servia no cruzador Andrada quando a

    embarcao transportou da Bahia para Santos (SP) soldados sobreviventes da guer-

    ra de Canudos, ms em que os rebeldes seguidores de Antnio Conselheiro foram

    de nitivamente derrotados.

    A experincia mais marcante parece ter sido a Bacia Amaznica que ele

    percorreu durante sete meses, quando se incorporou otilha Amaznica e viajou da

    foz do Amazonas ao Acre, atravessando o grande rio e os principais a uentes. Apre-

    ciou os portos, a populao ribeirinha, as fazendas e seringais, a grandeza das matas

    e rios. Embrenhando-se em meio oresta e atento paisagem social, Joo Cndido

    recordaria em depoimento j no m da vida no Museu da Imagem e do Som: Eu co-

    nheci o Amazonas em criana e a mesma coisa de hoje, escravatura, escravido

    aqui na mo dos seringueiros. O marujo no se cansava de apontar as permanncias

    do escravismo na sociedade brasileira. Os acontecimentos saltavam-lhe aos olhos,

    o aprendizado poltico amadurecia. No Acre de 1903, Joo Cndido presenciou a luta

    antiimperialista do gacho Plcido de Castro (no era militar de carreira, nem apoia-

    do de incio pelo governo brasileiro) que arregimentara um exrcito improvisado para

    garantir a permanncia dessa parcela do territrio ligada ao Brasil. Impressionou ao

    marujo a rebelio bem sucedida e, no nal, reconhecida o cialmente.

    3332 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s3 J O

    Joo Cndido conheceu

    terras e guas em quatro

    continentes.

    Marinheiros viajam

    no bonde eltrico:

    o Rio de Janeiro,

    cosmopolita,

    modernizava-se.

    O cais Pharoux (atual

    Praa XV, Rio de Janeiro,

    RJ) era porto para viagens

    nacionais e internacionais.

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  • Em julho de 1909, o marujo gacho viajaria em novo itinerrio europeu, desta

    vez, para acompanhar o m da construo e compor a tripulao do encouraado

    Minas Gerais, em Newcastle-on-Tyle, Inglaterra. Viajou por terra de Marselha a Paris

    a Cidade Luz, no esplendor da Belle poque. Em fevereiro de 1910, o Minas Gerais

    faria a viagem inaugural at Hampton Roads, EUA, para acompanhar o traslado ao

    Brasil dos restos mortais de Joaquim Nabuco, um dos grandes lderes abolicionistas,

    dentro de suas convices e peculiaridades. O corpo de Nabuco seria sugestivamen-

    te seguido pelos marinheiros que, nove meses depois, enterrariam a prtica dos

    castigos fsicos, um dos resqucios do escravismo no Brasil.

    VIGIAR, PUNIR E ELOGIAR

    No s pelas viagens, mas sobretudo no interior dos navios, a tripulao

    vivenciava as mais diversas experincias. Joo Cndido sofreu castigos (embora

    nunca tenha sido chibateado, o que indicava, nos padres da poca, bom comporta-

    mento). E mereceu elogios e promoes. Trata-se de um complexo jogo de relaes

    de poder que envolvia o ciais e subalternos.

    O marinheiro Joo Cndido surgiu, efetivamente, no dia 23 de julho de 1898,

    quando foi promovido 2 classe dessa condio, deixando de ser grumete. Em 11

    de dezembro de 1900, teve anotado na sua cha que completara cinco anos de

    servio sem nada que o desabone, sendo ento alado a marinheiro de 1 classe.

    Estava com 20 anos de idade. Porm, antes disso, sofrera duas punies. A primeira,

    novembro de 1897, em que foi castigado com quatro dias de solitria, sendo dois

    a po e gua, por haver tentado ferir com um garfo a seu companheiro. Veja-se a

    dureza do castigo para um gesto que sequer se concretizara. A segunda, em outubro

    de 1898, castigado com trs dias de solitria rigorosa por entrar em luta corporal

    com um seu companheiro.

    Promovido a cabo-de-esquadra em maro de 1903, Joo Cndido exerceu

    tal funo por mais de quatro anos, sendo ento rebaixado a marinheiro de 1 classe

    de nitivamente. Nesse perodo, recebeu mais trs punies: dois dias de solitria

    rigorosa porque por ter esbofeteado um colega em 1904 e, a mesma penalidade,

    no ano seguinte, por introduzir um baralho de cartas a bordo; alm de ter o salrio

    diminudo durante dois meses por compartilhar cachaa a bordo.

    Ao longo dos 15 anos em que navegou, Joo Cndido foi preso seis vezes,

    num total de 17 dias. Durante o servio na Marinha, o marujo gacho contraiu tuber-

    culose, cando quatro meses hospitalizado entre 1900 e 1903, quando teve alta

    por curado. Entretanto, essa doena o acompanharia durante anos aps deixar o

    servio militar.

    Joo Cndido, em 1906, partiria para outras longitudes: esteve em Cabo Ver-

    de, no continente de seus ancestrais africanos, no dia 1 de junho. Nessa viagem

    conheceu os canais de Kiel (Alemanha) e da Mancha (entre o mar do Norte e o oce-

    ano Atlntico), os mares do Norte e Bltico e vrias cidades, como So Petersburgo

    (Rssia). Anote-se a proximidade com a famosa revolta dos marinheiros do encou-

    raado Potemkin, ocorrida um ano antes no porto de Odessa, mar Negro (Rssia), e

    que seria tema do lme de Sergei Eisenstein, 20 anos depois. Os comentrios sobre

    o evento ainda recente no poderiam deixar de circular pelos portos da regio.

    3534 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s3 J O

    A modernidade no alcanava

    a todos: cocheiros e

    carroceiros ainda ocupavam

    as ruas cariocas no incio do

    sculo XX.

    O lder da Revolta da Chibata

    esteve nos mares russos

    um ano aps a rebelio no

    encouraado Potenkim.

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  • No decorrer do perodo, constam elogios formais em sua cha (os chama-

    dos Assentamentos). Por aviso do ministrio da Marinha de 5 de outubro de 1907,

    foi elogiado nominalmente pelo zelo, dedicao e patriotismo de que deu provas,

    mantendo as honras e tradies da Marinha nacional. Recebeu menes de bom

    comportamento em janeiro, fevereiro e maro de 1908 e, consecutivamente, janeiro,

    maro, junho, agosto e setembro de 1910, ou seja, nos meses anteriores revolta.

    Elogios e punies dependiam, muitas vezes, da ligao pessoal que cada

    marujo tinha com o ciais ou comandante a bordo. Mantinham-se relaes que se

    tornaram arcaicas, seja pela violncia das penalidades, seja pelos motivos dos elo-

    gios. A Marinha modernizava-se em termos tcnicos e de aparelhagem com a aqui-

    sio de navios possantes e de ltima gerao mas a mentalidade que a regia

    era ainda semelhante dos tempos coloniais, assim como a legislao referente

    Armada, no apenas interna, mas tambm a gerada pelos poderes Executivo e Legis-

    lativo. Desse modo, surgia uma contradio mais aguda da Armada com a sociedade

    brasileira e com o padro de outros pases.

    Alguns o ciais da Marinha de Guerra apontavam os marujos como brutos,

    brbaros, violentos, ignorantes e intratveis. Porm, ao contrrio, foram justamente

    os marinheiros que, antenados com a modernidade e sentindo no corpo os efeitos do

    arcasmo, iriam impor novos rumos instituio. A luta pela a rmao dos direitos

    humanos estaria no cerne dessas mudanas.

    3736 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s3 J O

    Sobre as guas da baa da

    Guanabara, marujos do Minas

    Gerais no momento em que a

    bandeira vermelha da rebelio

    foi retirada do mastro.

    Dias antes da Revolta

    da Chibata os cariocas

    lotavam as praias.

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  • Ao explicar as origens da Revolta da Chibata, Joo Cndido, em seu depoi-

    mento no Museu da Imagem e do Som, fez uma sntese do aprendizado das viagens

    e experincias daquela gerao de marinheiros brasileiros: A revolta nasceu dos

    prprios marinheiros para combater os maus-tratos e a m alimentao da Marinha

    e acabar de nitivamente com a chibata na Marinha. E o caso era este. Ns que v-

    nhamos da Europa, em contato com outras marinhas, no podamos admitir que na

    Marinha brasileira ainda o homem tirasse a camisa para ser chibateado por outro

    homem.

    A populao carioca e os o ciais da Marinha sequer suspeitavam que uma

    rebelio estava para eclodir.

    3938 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s3 J O

    UM MARUJO INSTRUDO E INSTRUTOR

    Ao contrrio do esteretipo que

    identi cava Joo Cndido como um homem

    sem instruo, ele foi, sim, instrudo e ins-

    trutor. Por um ano, freqentou a Escola de

    Aprendizes de Marinheiros em Porto Alegre,

    em 1895. Depois, j engajado, esteve lotado

    na mesma Escola em Recife, durante quatro

    meses em 1903, como instrutor. Alm disso,

    exerceu as seguintes funes em diferentes

    navios: artilheiro, maquinista, faroleiro, sina-

    leiro, gajeiro e timoneiro. Dominava saberes

    complexos. Lotado na Diviso de Instruo

    do navio-escola Benjamin Constant, partici-

    pou de atividades variadas, como: artilharia,

    torpedo, evoluo, tiro ao alvo, bloqueio de

    portos, levantamento hidrogr co e reco-

    nhecimento de portos. O marinheiro gacho

    serviu como instrutor na Diviso Naval de

    Instruo do navio-escola Primeiro de Mar-

    o, quando ensinou exerccios militares para

    aspirantes da Escola Naval, em agosto de

    1908. Ou seja, no lhe faltou instruo.

    O encouraado Minas Gerais,

    o mais poderoso da Marinha

    brasileira, recm-chegado

    da fbrica na Inglaterra,

    em dia de gala na baa da

    Guanabara: fora do crculo

    dos marujos, ningum sabia

    da conspirao.

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  • A CONSPIRAO

    A idia de rebelio amadureceu entre os marujos desde 1908. Passaram

    fase da conspirao e, nalmente, organizao. Pode-se situar o fracasso

    de nitivo das tentativas de negociao e acordo com as autoridades quando,

    em maio de 1910, Joo Cndido foi recebido gentilmente pelo ento presidente

    da Repblica, Nilo Peanha e pelo ministro da Marinha, seu velho conhecido,

    almirante Alexandrino de Alencar. Apesar da cordialidade, no houve nenhuma

    disposio ou medida concreta das autoridades mximas do pas para atender

    s demandas, com destaque para o m da chibata e demais castigos corporais. O

    dilogo pac co no levava a nada.

    41

    4.EXPLODE A REVOLTA DOS MARINHEIROS

    441

    Ningum ser submetido tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. ARTIGO 5 DA DECLARAO UNIVERSAL DOSDIREITOS HUMANOS

  • Em cada guarnio a conspirao tinha dinmicas prprias: os encontros

    ocorriam de modo informal ou em comits clandestinos e locais variados. Reuniam-se

    entre si e com integrantes dos demais navios, mas em pequeno nmero. A partir da,

    as informaes circulavam entre os marujos que no compareciam aos encontros. As

    tripulaes remetidas para ocupar as novas embarcaes fabricadas na Inglaterra

    formaram a base principal do movimento. O levante esboou-se com rmeza na

    tripulao do cruzador-ligeiro Bahia, onde estavam Francisco Dias Martins, Ricardo

    Freitas e Adalberto Ribas, homens brancos e com bom domnio da cultura letrada:

    o primeiro era cearense de famlia com alguns recursos e, o outro, posteriormente

    se tornaria professor. Dias Martins costuma ser apontado como mentor intelectual

    do movimento. No Bahia estava tambm Marcelino Rodrigues de Menezes, o ltimo

    marujo a receber chibatadas na Marinha brasileira. Os integrantes do Minas Gerais,

    entre os quais Joo Cndido, eram mais numerosos e, ao retornarem primeiro ao

    Brasil vindos da Inglaterra, deram os passos iniciais na organizao do levante.

    O primeiro grozinho foi na organizao dos comits,

    j com ttulo de comits revolucionrios. A inteno

    era aquela, logo que tivssemos o elemento inicial para

    impormos s autoridades, a revolta teria que vir.(Joo Cndido, depoimento ao Museu de Imagem e do Som)

    A guarnio do So Paulo mostrou-se aguerrida, e nela estavam o alagoano

    Manoel Gregrio do Nascimento e o baiano Andr Avelino de Santana, ambos negros.

    J os tripulantes do Deodoro eram bem politizados e consideravam os conspiradores

    como membros de uma Diviso Revolucionria, entre os quais, o marujo Jos Alves

    de Souza.

    No havia o ciais envolvidos: apenas marinheiros, cabos e sargentos.

    A hierarquia no interior do levante no seguiria a mesma lgica da hierarquia

    institucional. A estada na Inglaterra, seja pelo menor controle exercido sobre os

    marujos, seja pelo exemplo de conquista de direitos, estimulou o desenrolar do

    projeto. Foi o perodo da conspirao que se estendeu na volta ao Brasil.

    A organizao, propriamente, da revolta efetivou-se em trs encontros

    preparatrios em 12 de setembro, 23 e 25 de outubro de 1910, no chamado Comit

    Revolucionrio que se formou com todo sigilo, sem que as autoridades pudessem

    saber, como narrou Joo Cndido, reunindo-se cada vez num ponto diferente: na Vila

    Ruy Barbosa, situada na rua dos Invlidos, 71, no Centro do Rio de Janeiro e, ainda, na

    rua do Livramento e no bar Jogo de Bola, que cavam nos bairros prximos ao porto,

    como Sade e Gamboa.

    4342 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s4 J O

    Nilo Peanha, presidente

    da Repblica, recebeu

    Joo Cndido cordialmente

    seis meses antes da

    rebelio, mas no se disps

    a acabar com a chibata na

    Marinha brasileira.

    Os marujos do recm-

    construdo encouraado

    So Paulo formaram uma

    das principais bases da

    Revolta da Chibata.

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  • Tal Comit congregava representantes das variadas tripulaes e era

    che ado por Vitalino Jos Ferreira e, com ele, estavam no comando Pedro Lino dos

    Santos, Jos Eduardo de Oliveira, (Ni) Cssio de Oliveira e Manoel da Silva Lopes.

    Todos tripulantes do encouraado Minas Gerais.

    A segunda reunio preparatria, em 23 de outubro, a nica que contou com

    agentes de todas as guarnies rebeldes (nos demais encontros sempre um navio

    estava em viagem), ocorreu num dos muitos cortios da cidade, na vila Ruy Barbosa, e

    se revestiu de certa solenidade: houve um juramento de que, cobertos com a bandeira

    da Repblica, fariam todo o possvel para o bom cumprimento da causa, conforme

    narrou Joo Cndido nas memrias publicadas na Gazeta de Notcias. O cortio, ou

    casa de cmodos, era habitao tpica das classes populares urbanas no sculo

    XIX e incio do XX. No local da reunio residiam muitos marinheiros, na sua quase

    totalidade msicos, os quais faziam parte direta do movimento, como testemunhou

    Joo Cndido. Entre os marinheiros, de fato, havia msicos exmios, como Manoel

    Gregrio do Nascimento, e cou famosa a sesso de maxixe apresentada rainha

    d. Amlia (esposa de d. Manuel II, ltimo rei de Portugal), quando esta recebeu a

    tripulao do navio-escola Benjamin Constant que visitava Lisboa, em 1909.

    4544 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s

    RIO DE JANEIRO:AS VRIAS CIDADES

    O Rio de Janeiro pelo qual se moviam preferencialmente os marinheiros conspiradores ainda tinha

    fortes traos coloniais e africanos, sobretudo os bairros porturios de Sade e Gamboa que, somados

    rea do morro da favela local e da praa Onze, formavam o que j foi chamado de Pequena frica carioca.

    Pelas vielas tortuosas, casarios antigos, ladeiras e desvos, havia cortios, sobrados e construes

    encravadas na rocha. A regio, considerada bero do samba, abrigava tambm os primeiros grupos de

    choro, ao lado do maxixe e do lundu. Os temidos capoeiras ponti cavam por ali. Cemitrios como o dos

    ingleses e o dos escravos haviam cado em desuso e davam a medida de um tempo que cava para trs.

    No longe desses locais, o Rio de Janeiro se modernizava vertiginosamente, com a abertura da

    larga avenida Central (hoje Rio Branco) inspirada nos bulevares franceses: prdios suntuosos estilo Belle

    poque, calades largos e lampies so sticados. Foi a era da demolio do morro do Castelo, en m,

    do bota-abaixo de antigas casas e vielas, com o afastamento das classes pobres do Centro da capital

    federal, empurradas para os morros e periferias. O ano da Revolta da Chibata foi o da inaugurao de

    prdios monumentais e europeizados, como o da Biblioteca Nacional e do Teatro Municipal, ambos na

    Cinelndia que, como o nome diz, este abrigava a ltima palavra em tecnologia do entretenimento, o

    cinematgrafo.

    Apesar da proclamao da Repblica, o Rio continuava a exercer, na prtica, o papel de cidade

    imperial da nao.

    Uma parte do Rio de Janeiro

    se modernizava com rapidez:

    a avenida Central (Rio

    Branco) era exemplo ntido

    dessas mudanas.

    Marinheiros msicos

    participaram da Revolta da

    Chibata, como este grupo

    a bordo do encouraado

    Minas Gerais.

    Marinheiros freqentavam

    a parte mais tradicional da

    cidade, como o mercado

    prximo ao cais Pharoux

    (Praa XV).

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  • A REVOLTA SOBRE O MAR

    Cerca de 2.300 marinheiros, entre os dias 22 e 27 de novembro de 1910,

    tomaram quatro possantes navios de guerra e, apontando os canhes sobre a capital

    do Brasil da poca, exigiram o m dos castigos corporais vigentes na Marinha. O

    movimento, que caria conhecido por Revolta da Chibata, trouxe para a cena

    pblica setores oprimidos da populao, como agentes histricos transformadores.

    Rebelar e revelar j foram uma s palavra, em portugus antigo. A rebelio revelou

    rostos, nomes, falas e gestos de homens at ento annimos, destacando-se,

    como smbolo maior, a gura do marinheiro negro Joo Cndido. Foi uma revolta

    multitnica (com expressiva presena da populao negra) e de carter poltico (se

    entendemos poltica, alm da viso tradicional de atividade parlamentar, partidria

    ou governamental, como a gesto das relaes de poder na sociedade).

    4746 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s4 J O

    A Revolta da Chibata ampliou

    a conquista de Direitos

    Humanos no pas. A bandeira

    vermelha da rebeldia (mastro

    direita) manteve-se

    hasteada no So Paulo e

    demais embarcaes.

    Os marujos, de armas na mo,

    conseguiram acabar com a

    chibata na Marinha.

    Capito Batista das Neves,

    comandante do Minas Gerais e

    conhecido por aplicar com rigor

    a chibata, foi morto durante a

    rebelio e passou a ser considerado

    heri por setores da imprensa.

    A Ilha Fiscal, que abrigara 31

    anos antes o ltimo baile da

    Monarquia, foi um dos cenrios

    da Revolta da Chibata.

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  • 4948 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o sJJ OJ OJ OOJ OOOO

    Naquela noite o clarim no pediria silncio e sim combate. (Joo Cndido, depoimento a Edmar Morel)

    A palavra liberdade era

    gritada e escrita pelos marujos.

    Foto de Augusto Malta.

    O pessoal de baixo da rebelio:

    maquinistas do encouraado

    So Paulo.

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  • Compuseram a Revolta da Chibata os encouraados Minas Gerais, So Paulo

    e o cruzador-ligeiro Bahia (recm-construdos na Inglaterra) e o antigo encouraado

    Deodoro. Dessas embarcaes ouviam-se gritos de Viva a liberdade e Abaixo a

    chibata. A tripulao do cruzador Repblica abandonou-o e se distribuiu entre os

    navios rebelados. Os marujos do cruzador-torpedeiro Timbira tambm se insurgiram

    e expulsaram os o ciais, mas tal embarcao no acompanhou os movimentos dos

    demais navios em rebelio. O estopim do movimento: a sesso de chibatadas no

    marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes, no dia 21 de novembro.

    5150 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s50 J O

    Os tiros de canho dos

    navios rebeldes causaram

    medo e correria.

    Duas crianas morreram, no

    alto do morro do Castelo,

    atingidas pelos disparos de

    advertncia dados durante

    a revolta. Os marujos

    zeram subscrio para

    indenizar os familiares.

    Famlias abastadas, com

    a criadagem, foram as

    primeiras a sair da cidade

    quando a rebelio eclodiu.

    A fuga da cidade de setores

    da populao deu-se por

    vrios meios, conforme a

    charge em O Malho.

    Saldo da exploso revolucionria: cinco o ciais mortos (quatro combatendo

    os marujos e um suicdio), vrios marinheiros feridos e, pelo menos, dois mortos

    (alguns defendendo os o ciais, outros do lado da revolta), alm dos tiros de

    advertncia dados pelos rebelados que mataram duas crianas no morro do Castelo,

    destruram algumas casas comerciais e atingiram dependncias do mosteiro

    de So Bento. Os o ciais mortos foram: capito-tenente Jos Cludio da Silva

    Junior, capito-de-mar-e-guerra Joo Batista das Neves, e os primeiros-tenentes O

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  • Mario Lahmayer, Mario Alves de Souza e Amrico Sales de Carvalho (acuado pelos

    revoltosos, suicidou-se).

    Os marujos enviaram um manifesto e diversos telegramas ao governo com

    suas reivindicaes. Na declarao, manuscrita em bela caligra a, apresentavam-

    se como cidados brasileiros e republicanos e exigiam: desaparea a chibata.

    Caso no fossem atendidos, estavam dispostos a bombardear a capital do pas e as

    embarcaes que os hostilizassem. Pediam, tambm, anistia.

    O governo do marechal Hermes da Fonseca, empossado h uma semana, e

    o Congresso Nacional, acuados, aceitaram todas as condies.

    O capito da Marinha e deputado federal Jos Carlos de Carvalho, a pedido

    do senador Pinheiro Machado ( gura poltica dominante no Brasil, lder do recm-

    criado Partido Republicano Conservador), serviu como intermedirio e negociador.

    O emissrio do governo, ao perguntar aos tripulantes do encouraado So Paulo

    quem era o responsvel pela revolta, ouviu a resposta: Todos. Acertadas as

    5352 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s5 J O

    Outra parte dos cariocas foi

    para o cais acompanhar a

    revolta e admirar a evoluo

    dos navios. No faltou quem

    aplaudisse.

    Nem mesmo do alto do morro

    do Castelo as tropas do

    Exrcito conseguiram atingir

    os navios rebeldes.

    O ciais do Exrcito, reprteres

    e curiosos observam, de longe,

    a revolta.

    Capito Jos Carlos de

    Carvalho, tambm deputado,

    negociou com os marinheiros

    o m do levante.

    Na Praia de Santa Luzia, um

    Krupp em descanso. Populares

    esperam a hora do combate.O

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  • 5554 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s5 J O

    Manifesto dos

    marinheiros contra a

    escravido na Marinha,

    reivindicavam direitos

    sagrados de cidadania.

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  • 5756 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s56 J O

    condies de parte a parte, o capito Pereira Leite, frente de outros o ciais, foi

    enviado para assumir o comando dos navios, em 27 de novembro. Joo Cndido e os

    demais marujos receberam o o cial batendo continncia. As bandeiras vermelhas da

    insurreio foram retiradas dos mastros. A chibata estava o cialmente abolida da

    Marinha de Guerra brasileira.

    SURGE O ALMIRANTE NEGRO

    O marinheiro de 1 classe Joo Cndido, da 16 Companhia da Marinha

    nacional foi, incontestavelmente, o principal lder da Revolta da Chibata, seja

    pela atividade que exerceu durante a rebelio, seja pelo reconhecimento dos

    companheiros de Armada que o aclamaram como lder. Tambm o ciais, governo,

    parlamentares, imprensa e a populao em geral o viam nesta condio, ainda na

    poca do episdio.

    Em cinco dias o marujo gacho transformou-se, de ilustre desconhecido,

    Joo Cndido bate continncia

    para o capito Pereira Leite:

    gesto que marcou a devoluo

    dos navios pelos revoltosos.

    In uenciado pela poltica e

    pela burguesia, o marechal

    Hermes da Fonseca assina

    a anistia, deixando de lado

    a ptria e o Z Povo.

    Charge de oposio

    Revolta da Chibata.

    Joo Cndido l o decreto da

    anistia, ao lado do marinheiro

    Antonio Ferreira de Andrade.

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  • na maior celebridade do Brasil daquele momento, atraindo sobre ele no s

    entusiasmo e admirao, mas tambm implacveis dios, vinganas e difamaes

    que o acompanhariam por toda a vida. Atestam isso a quantidade de fotos, charges

    e artigos publicados em destaque nos principais jornais, os discursos na Cmara

    Federal e no Senado, dilogos registrados nas ruas, casas e cafs. Depois da revolta

    da esquadra, Joo Cndido tornou-se a conversa de todas as rodas, registrava o

    Correio da Manh.

    O papel de Joo Cndido como dono do Brasil durante aqueles dias foi

    proclamado, entre outros, pelo escritor Gilberto Amado com artigo em O Pas, na edio

    de 27 de novembro (os marujos ainda no tinham devolvido os navios), chamando-o

    de Almirante, rbitro da nao, marinheiro formidvel, heri e homem que violentou a

    Histria, concebendo que os navios por ele comandados faziam parnasianismos de

    manobras. Surgia assim, no calor dos acontecimentos, o apelido mais recorrente do

    marujo, que na Gazeta de Notcias, em 1912, era tratado de Almirante Negro por Joo

    do Rio. Da mesma forma, o jovem Oswald de Andrade presenciou o episdio por ele

    considerado como a primeira revoluo poltica que o Brasil teve nesse sculo a

    do marinheiro Joo Cndido, a quem o futuro modernista em seu livro de memrias,

    Um homem sem pro sso, no deixa de intitular como Almirante Negro. At ento a

    Marinha brasileira no tivera em seus quadros um almirante negro.

    O primeiro reprter do Correio da Manh (cujo nome no foi publicado) a

    entrevistar o marujo gacho, ainda a bordo do encouraado rebelde, assim registrou

    5958 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s58 J O

    Joo Cndido (ao centro),

    descontrado e com a velha

    roupa de marujo, ostenta o

    leno vermelho de chefe da

    revolta ao lado de Julio de

    Medeiros ( sua esquerda,

    de palet), do Jornal do

    Commercio, nico jornalista

    autorizado a subir a bordo

    antes da anistia.O preconceito racial

    se in ltra no trao

    de J. Carlos sobre

    Joo Cndido: vestido

    como o cial, ar

    zangado, o marujo

    comanda homens

    brancos e, falando

    errado, sente falta

    de usar a chibata,

    segundo a charge.Fon

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  • sua aparncia: ele um crioulo reforado, alto, simptico, com olhar penetrante e

    enrgico. Trazia no pescoo um leno de seda encarnado e branco, vestindo blusa

    igual a dos companheiros.

    Comandante supremo da rebelio, dirigindo junto a seus colegas e com

    sucesso os navios de guerra mais poderosos e modernos da poca, Joo Cndido

    centralizou as decises e as comunicaes durante o levante. O marinheiro gacho

    tinha per l prprio e era, at ento, bem visto por o ciais e marujos. Como distintivo

    do cargo que exercia, apenas o leno vermelho, a altivez e a energia com que dava

    as ordens.

    Vale saber que as carnes de um servidor da ptria

    s sero cortadas pelas armas dos inimigos, mas nunca

    pela chibata de seus irmos. A chibata avilta.(Joo Cndido, entrevista ao Correio da Manh durante a rebelio em 1910)

    6160 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s6 J O

    A o cialidade rebelde do

    encouraado So Paulo posa

    para fotos. Andr Avelino (3

    da esquerda para direita) era

    imediato e, Manoel Gregrio

    do Nascimento (4 da esquerda

    para direita), o comandante.

    OS LDERES DA REVOLTA DA CHIBATA

    No tempo da revolta / Joo Cndido era almirante / Avelino imediato

    / E Gregrio comandante. / Joo Cndido almirante / ainda deve se

    lembrar / que tem seu nome gravado / no barco Minas Gerais...(Cano entoada por marinheiros e relatada por Zeelndia Cndido, entrevista Silvia

    Capanema P. de Almeida, em 2002)

    Formou-se uma o cialidade de revoltosos para garantir a organizao do movimento e o bom

    manejo das embarcaes. Na prtica, no exerceram sobre seus companheiros o mesmo controle que

    os o ciais graduados. A lista mais completa, composta de 26 nomes, foi fornecida por Joo Cndido

    em suas memrias na Gazeta de Notcias. O comando geral da esquadra tinha trs homens: almirante-

    chefe, marinheiro de 1 classe Joo Cndido; assistente, marinheiro de 2 classe Joo Baptista Marques

    Pimentel; secretrio, Antonio Ferreira de Andrade. Em seguida, vinham os comandos de cada guarnio.

    Comandante do Minas Gerais, cabo Jos Francisco das Chagas; imediato, Vitalino Jos Ferreira; o cial da

    navegao, Jos Luis da Frana; o cial encarregado da artilharia, cabo Theodoro {Francisco Theodosio

    de Abreu}; auxiliares: Joo Jos da Motta, Ernesto Jos dos Santos, Jos da Silva Medeiros, Alexandre

    Manoel Marinho; encarregados dos sinais, os marinheiros de 2 classe Jos Ferreira de Melo e Jos

    Eduardo Ribeiro; telegra stas da estao-rdio, segundo-sargento Jos Ferreira Braga, cabo Joo Jos de

    Moraes e marinheiro de 2 classe Antonio Bittencourt; chefe de mquinas, o marinheiro foguista Miranda

    e encarregado da eletricidade e protetores, segundo-sargento Antonio dos Santos.

    No encouraado So Paulo: comandante, marinheiro de 1 classe Manoel Gregrio do Nascimento;

    imediato, cabo Andr Avelino; o cial da navegao, cabo Cavalcanti; encarregado da artilharia, marinheiro

    de 1 classe Ferreira do Nascimento; encarregado das torres, cabo Joo Pereira da Silva, para a destacado

    da tripulao do Minas Gerais.

    O Bahia seria comandado por Francisco Dias Martins; imediato, Carlos Jos de Freitas; o cial da

    navegao, Manoel Jos da Silva; o ciais de artilharia, chefes Henrique Gomes e Adalberto Ferreira Ribas,

    tendo como auxiliares Rozendo das Neves e Alonso Barbosa.

    Observe-se que nessa lista no consta a o cialidade revoltosa do encouraado Deodoro, que

    parece ter sido escolhida pelos marujos revelia dos colegas que conspiravam h mais tempo. Sabe-se

    que o comandante rebelde desse navio foi o marujo Antonio Alves Lessa (ou Leite) e que fazia parte do

    comando revoltoso da embarcao o marinheiro Jos Alves de Sousa.Ar

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  • Anistiados, os marinheiros devolveram os navios e largaram as armas em

    27 de novembro de 1910. J no dia seguinte, o marechal Hermes da Fonseca dri-

    blava a anistia e assinava o decreto 8.400, que permitia a excluso da Armada de

    todos os marujos cuja presena fosse julgada inconveniente por seus superiores.

    Discretamente, comeava a se armar a teia que desaguaria numa represso em

    massa, intensa e arbitrria.

    63

    5.A REPRESSO CHEGA COM FORA

    6363

    Ningum ser arbitrariamente preso, detido ou exilado. ARTIGO 9 DA DECLARAO UNIVERSAL DOSDIREITOS HUMANOS

  • O saldo nal da represso resultaria em: 1.216 expulses da Marinha (dados

    o ciais), ou seja, nmero equivalente a quase metade dos participantes da Revolta

    da Chibata; centenas de prises, inclusive dos lderes do movimento (que sofreram

    maus-tratos); degredo e trabalho escravo para centenas. E nmero ainda no

    contabilizado de assassinatos, dos quais cerca de 30 so conhecidos os nomes e o

    modo como foram mortos.

    Embora tais agresses tenham sido praticadas pela sede de vingana de

    o ciais da Marinha (assim reconhecem os prprios historiadores navais, como o

    vice-almirante Hlio Lencio Martins), estes no podem ser considerados os nicos

    responsveis. O governo do marechal Hermes da Fonseca (sobretudo o ministro

    da Marinha, almirante Joaquim Marques Batista de Leo) referendou todos os

    atos e at promoveu os mais notrios carrascos. Ou seja, o Estado brasileiro teve

    responsabilidade direta pelas violncias cometidas contra marinheiros e civis em

    1910 e 1912. Mas tambm a imprensa, de modo quase unnime, incitava represlia

    contra os marujos, atravs de artigos, editoriais, charges, depoimentos e outros

    recursos. At o Correio da Manh, o nico dos grandes rgos que simpatizara com o

    6564 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s6 J O

    Os marujos, at ento

    annimos, ocuparam as

    primeiras pginas do noticirio

    dos grandes jornais.

    As constantes crticas da imprensa

    Revolta da Chibata favoreceram

    a represso contra os marujos. A

    realidade inverteria o sentido desta

    charge, na qual o marinheiro negro

    apresentado como violento.

    O preconceito de raa tornou-se

    mais visvel diante da rebelio dos

    marinheiros, como nessa charge

    publicada em O Malho queixando-

    se da disciplina invertida. O

    Almirante Negro com seu leno

    vermelho no pescoo aparecia aqui

    com ares de malandro.Corr

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  • 6766 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s66 J O

    At a publicidade tentou se

    aproveitar, em tons racistas,

    da revolta dos marinheiros,

    como nesse reclame do

    cronmetro Royal, onde o

    marujo negro fala errado.

    Parte da sociedade apoiava a

    represso aos marujos rebelados,

    como indica esta charge da

    revista Careta: a anistia era vista

    como chibata de nossa alma.

    A sede do Batalho Naval, na

    Ilha das Cobras, bombardeada

    aps a segunda rebelio, em

    dezembro de 1910.

    movimento, agora clamava por ordem e disciplina. E mesmo uma parte signi cativa

    da populao condenava abertamente o governo por ter concedido anistia. Aps o

    susto de todos e a euforia de alguns com o resultado da revolta, prevaleceria o

    medo, o preconceito, a violncia ilegal praticada no interior do aparelho de Estado e

    o desejo de recompor a ordem abalada.

    Doze dias aps o m da Revolta da Chibata, 9 de dezembro de 1910, eclode

    outra rebelio de marujos, desta vez envolvendo as guarnies do Batalho Naval (na

    Ilha das Cobras) e do cruzador-ligeiro Rio Grande do Sul. Os combates foram rpidos,

    porm mais violentos do que na insurreio de novembro, pois o governo partia

    agora para esmagar os rebeldes, dos quais 24 foram mortos, alm do falecimento

    de soldados do Exrcito, is ao governo, aquartelados no mosteiro de So Bento e

    de oito civis (entre os quais um monge beneditino) atingidos por disparos na cidade,

    que levaram 132 feridos aos hospitais. Os navios com os marujos da Revolta da

    Chibata no tiveram qualquer participao neste segundo episdio, ao contrrio: Joo

    Cndido e Manoel Gregrio, por exemplo, e as respectivas guarnies, mantiveram-

    se distantes dos novos rebeldes e at se ofereceram para combat-los, mas o

    governo no con ava nesse apoio e negou munies aos anistiados, ordenando que

    abandonassem as embarcaes e voltassem a terra.

    H fortes indcios de que o governo estimulara esses acontecimentos, a

    m de ter um pretexto para reprimir abertamente e fraudar de vez a recente anistia.

    Joo Cndido sempre insistiu nesta a rmativa, de que houve manipulao o cial na

    segunda revolta. Mas no h dvidas num ponto: manipulados ou no, o governo usou

    os novos acontecimentos para uma represso ampliada que atingiu os revoltosos de

    dezembro, os de novembro e at a populao civil.

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  • O estado de stio durante um ms foi logo solicitado pelo governo e aprovado

    no Congresso Nacional, com poucas vozes discordantes. Estavam, assim, suspensas

    as garantias e liberdades, embora o governo no tenha chegado a efetivar o decreto.

    A censura foi imposta aos jornais os mesmos que vinham pedindo mais represso.

    Centenas de civis levados s prises, sobretudo operrios ligados ao movimento

    sindical e ao anarquismo. Tambm marinheiros viram-se presos em massa. Calcula-

    se, pelo menos, 600 detenes que lotaram os crceres das mais diversas instituies

    no Rio de Janeiro. Vale assinalar que os marujos do cruzador-ligeiro Rio Grande do

    Sul rebelaram-se no momento em que eram mandados para Santos (SP) em misso

    de reprimir uma greve operria.

    Na vspera do Natal de 1910, o governo preparou dois golpes duros contra

    os participantes da Revolta da Chibata, que ocorreriam numa ilha, no mar e na

    oresta: o massacre da Ilha das Cobras e a viagem tenebrosa do navio mercante

    Satlite, rumo Amaznia. Dois eventos traumticos que teriam ampla repercusso

    na imprensa nacional e internacional como exemplo agrante de desrespeito aos

    direitos humanos. Alm das mortes ocorridas nesses locais, sabe-se de outros

    casos. O marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes (cujas chibatadas recebidas

    6968 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s68 J O

    A Ilha das Cobras foi tambm

    palco de torturas e assassinatos

    de marinheiros rebeldes.

    Represso em massa: aps a

    Revolta da Chibata, marujos so

    conduzidos presos pelas ruas da

    ento Capital Federal.

    Centenas de marinheiros

    (inclusive os anistiados) foram

    detidos: ocorreram mortes na

    Ilha das Cobras, no navio Satlite

    e fuzilamentos em quartis.

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  • foram o estopim da Revolta da Chibata) narrou quatro dcadas depois ao jornal O

    Globo: Eu mesmo assisti ao assassinato do cabo Medeiros, fuzilado por ordem do

    marechal Hermes. Depois, no Realengo, vi tombarem Canuto, Zacarias e Marinho, sob

    carga de fuzil. So, pelo menos, mais quatro marujos executados.

    As medidas repressivas, tornadas pblicas, zeram com que uma parte da

    imprensa brasileira voltasse a denunciar as violncias e arbtrios como o Correio da

    Manh. A revista Illustrao Brasileira publicou, em dezembro de 1910, longa matria

    sobre castigos corporais e torturas ao longo da histria.

    A ILHA DO MARTRIO

    Joo Cndido deixou o encouraado Minas Gerais, aps a revolta do Batalho

    Naval. Ao desembarcar no Arsenal da Marinha, foi cercado por dezenas de fuzileiros

    armados e imediatamente preso, sob acusao de estar liderando a recente rebelio.

    Detido no Quartel Central do Exrcito, incomunicvel, passou por interrogatrios

    duros e afrontosos, sem tortura fsica.

    No dia 24 de dezembro, Joo Cndido viu-se conduzido Ilha das Cobras.

    Sob pretexto de que todas as cadeias da cidade estavam lotadas, foi o primeiro a

    ser jogado numa cela solitria, encravada na rocha, mida, de aspecto lgubre e

    apertada. Apesar da denominao do local solitria foram a seguir colocados

    na jaula (expresso do carcereiro) mais 17 marujos. Na solitria ao lado caram

    outros 13 marinheiros. Ao todo, 31 detidos, despidos, num espao onde mal cabiam

    duas pessoas. Eram os considerados elementos perigosos, no linguajar o cial.

    O comandante do Batalho Naval, capito-de-fragata Francisco Jos

    Marques da Rocha, simplesmente levou as chaves das jaulas com ele ao se retirar

    da guarnio noite. Na madrugada de 25, ouviram-se gritos de desespero dos

    encarcerados, debaixo de um calor sufocante. Durante o dia, o carcereiro jogou

    cal sobre os detentos, a pretexto de higienizar o local. No dia 26, abriram a porta

    da cela e perguntaram se Joo Cndido vivia. O marujo gacho, com o rosto colado

    7170 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s7 J O

    Na falta de fotogra as

    recentes dos castigos

    corporais, a imprensa

    publicava antigos desenhos

    para abordar assunto atual.

    Joo Cndido, com seu porte

    altivo, parecia conduzir os

    soldados que o prendiam.

    A violenta represso contra

    os marujos gerou denncias

    pela imprensa, que tratava

    abertamente do tema.

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  • 7372 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s7 J O

    Parte da imprensa negava a

    represso, como nesta foto

    em que so apresentados

    vivos marujos que teriam sido

    fuzilados. Entretanto, centenas de

    rebeldes foram assassinados.

    Nas dependncias navais

    da Ilha das Cobras, baa

    da Guanabara, marinheiros

    foram mortos e Joo Cndido

    sobreviveu por um triz.

    numa fresta da porta, ainda respirava, e vrios cadveres se amontoavam l dentro,

    inchados, envoltos em fezes e urina. Somente no dia 27, quando a notcia da violncia

    comeou a vazar, o capito Marques da Rocha mandou retirar os detidos, que estavam

    desde o dia 24 sem receber qualquer alimento ou gua. Na cela de Joo Cndido, ele

    e o tambm gacho Joo Avelino Lira, 26 anos, apelidado de Pau da Lira, saram

    vivos, inanimados e traumatizados. Nos sobreviventes das duas celas jogou-se cido

    fnico, a pretexto de desinfeco, ocasio em que alguns soltaram partes da pele do

    corpo. Ficaram ainda uma noite largados no cho de um aposento, nus e ao dispor

    das moscas, como lembrou Joo Cndido, acrescentando: Era assim que se morria.

    Eu vi.

    Con guram-se, nesse episdio, torturas, tratamentos cruis, desumanos e

    degradantes, que resultaram em traumas, assassinatos e tentativas de homicdio.

    A Liga dos Direitos do Homem, em Bruxelas (Blgica), enviou carta de protesto ao

    governo do marechal Hermes da Fonseca, assim como outras entidades de direitos

    humanos. O capito Marques da Rocha foi exonerado do cargo e submetido ao

    Conselho de Guerra, para abrandar o impacto do caso. Absolvido, seria promovido e

    faria carreira meterica, chegando logo a almirante.

    Os gemidos foram diminuindo, at que caiu o

    silncio dentro daquele inferno. Quando abriram a

    porta, j tinha gente podre.(Joo Cndido em depoimento a Edmar Morel sobre a

    priso da ilha das Cobras.)

    Poucos sabem os nomes dos marujos mortos

    nas celas da Ilha das Cobras entre o Natal e o Ano Novo

    de 1910. O Correio da Manh publicou uma lista de 15

    pessoas: Ado Roque da Silva, Antonio Pinheiro, Jos

    Antonio dos Santos, Florentino Marques de Oliveira,

    Carlos Pereira dos Santos, Porfrio Pereira dos Santos,

    Joo Manoel Vaz, Jos Francisco da Costa, Eduardo

    M. dos Santos, Jos Domingos dos Santos, Francisco

    Mathias de Faria, Scipio {Cipio} Zanotti (apontado

    como lder da revolta de dezembro); Malo Cariba, Jos

    Francisco dos Santos e Benedito Mariano. Alm desses,

    Joo Cndido recorda-se que na sua cela estavam o

    marinheiro sentenciado Avelino de Campos e o foguista

    extranumerrio Rodolfo dos Santos. O mdico-legista da

    Marinha registrou insolao na causa dos bitos e foram

    enterrados em condies piores do que indigentes: trs

    corpos em cada caixo, sepultamento s escondidas,

    noite, no cemitrio So Francisco Xavier (bairro do Caju).

    MORTOS E DESCONHECIDOS

    O Correio da Manh denunciou

    torturas e assassinatos de

    marinheiros na Ilha das Cobras.

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  • 7574 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s7 J O

    O HOSPITAL DOS LOUCOS

    Diante das brutalidades sofridas e presenciadas na Ilha das Cobras,

    Joo Cndido, nos primeiros momentos, cou traumatizado e tinha vises dos

    companheiros mortos, que reapareciam em sua memria gritando e agonizando,

    deformados e sofrendo. Examinado por uma junta mdica, rapidamente concluram

    que estava louco e resolveram envi-lo para o Hospital Nacional dos Alienados, no

    bairro da Urca, prximo Praia Vermelha (hoje no prdio oitocentista funciona um

    campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro). Ampliava-se, assim, o espectro

    repressivo, chegando ao controle dos corpos e das mentes por meio da psiquiatria.

    SATLITE,O NAVIO FANTASMA

    Tambm na vspera de Natal de 1910, foram embarcados no navio

    mercante Satlite, do Lide brasileiro, com destino ao desterro na Amaznia,

    441 presos assim quali cados em relatrio o cial: 105 ex-marinheiros, 292

    vagabundos e 44 mulheres. O grupo ia escoltado por 50 soldados do Exrcito

    comandados pelos segundos-tenentes Francisco de Melo, Joo da Silva Leal

    e Libnio Augusto da Cunha Matos. O navio fora fretado pelo governo federal,

    por iniciativa conjunta dos ministrios da Guerra, da Justia e da Marinha,

    sob a chancela formal do presidente da Repblica. Os detentos deveriam ser

    entregues Comisso Telegr ca che ada pelo ento coronel Cndido Rondon

    e para a construo da estrada de ferro MadeiraMamor.

    Durante a viagem foram fuzilados 11 marinheiros, cujos corpos

    lanaram-se ao mar. Entre eles, o marujo Vitalino, chefe do Comit Revolucionrio

    que organizara a Revolta da Chibata. A lista dos executados estabelecida pelo

    comandante do navio, Carlos Brando Storry, tem 10 nomes: Hernani Pereira dos

    Santos, Nilo Ludgero Bruno, Isaas Marques de Oliveira, Jos Alexandrino dos

    Santos, Ricardo Benedito, Flavio Jos Bon m, Argemiro Rodrigues de Oliveira,

    Pedro Justino de Sousa, Vitalino Jos Ferreira e Aristides Pereira da Silva; os

    dois ltimos, tripulantes do encouraado Minas Gerais que tiveram parte ativa

    na rebelio de novembro. Um nome no est identi cado. E assim que chegaram

    ao destino, a vila de Santo Antonio do Rio Madeira, em 18 de fevereiro de 1911,

    mais trs marinheiros foram executados anonimamente e os corpos jogados

    na mata, sob pretexto de que tentaram fugir, chegando assim a 14 mortes

    por fuzilamento. Ao mesmo tempo, os donos dos seringais a uram ao local

    e distriburam entre si as peas, isto , recolheram para trabalhos forados

    em condies desumanas, na oresta, centenas de marinheiros e civis, dentre

    os quais, operrios. As mulheres foram repartidas entre os acampamentos

    para prostituio. Desse modo, difcil contar ao certo quantos morreram

    dos 441 prisioneiros, mas tem-se notcia de raros sobreviventes. Os militares

    do Exrcito responsveis pelos fuzilamentos no foram sequer investigados.

    Estavam em misso o cial.

    O psiquiatra Juliano Moreira

    assinou a alta de Joo

    Cndido do Hospital Nacional

    dos Alienados: mdicos

    concluram que o marinheiro

    no estava louco.

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  • 7776 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s7 J O

    O agrante capta o exato

    momento em que Joo Cndido

    saa do carro-priso para o

    Conselho de Guerra.

    Porm, pode-se dizer que o tiro saiu pela culatra. Ainda que marcada por

    critrios raciais da antropologia fsica, a instituio psiquitrica tinha contradies

    e brechas, no era um monoltico aparelho repressivo. Os mdicos logo constataram

    que o marujo gacho no era louco. No pronturio foi descrito como indivduo de

    perfeita orientao autopsquica, memria conservada nas suas duas formas, boa

    ateno e percepo, associando bem as idias, sendo perfeita a sua faculdade de

    julgamento. Ao mesmo tempo eram apontados estigmas fsicos de degenerao,

    mais prprios da raa e estado de depresso permanente. Certa vez Joo Cndido

    a rmou a um mdico: Talvez sejam mais loucos os que me do como tal.

    O diretor do hospcio, o conhecido psiquiatra Juliano Moreira, logo se tornou

    um admirador de Joo Cndido e, compreendendo o que se passava, passou a proteg-

    lo e mant-lo internado para que escapasse da represso militar. Moreira chegou

    a juntar material para escrever sobre a vida do marujo, mas no levou adiante o

    projeto. O diretor determinou que o marinheiro poderia usufruir de maior liberdade de

    movimentos. A casa sua, dizia cordialmente Juliano Moreira para Joo Cndido.

    Entretanto, a correspondncia particular do marujo era controlada, violada e at

    censurada no hospital, o que o irritou.

    Nos registros consta que lia diariamente jornais, preferindo o Correio da

    Manh, mas tambm acompanhava outros veculos, como Jornal do Brasil e Dirio

    de Notcias. Sempre pedia livros emprestados e nunca faltava alguma obra em sua

    cabeceira. E escrevia bilhetes que remetia a amigos. Mais do que isso, Joo Cndido

    passou a sair livremente do hospital, circulando pela cidade, embora com discrio,

    para no ser reconhecido. Visitava amigos, ia ao teatro e at arranjou uma namorada

    no bairro de Laranjeiras, dormindo algumas vezes na casa dela. Formou-se uma rede

    de solidariedade entre simpatizantes e amigos espalhados, que lhe forneciam algum

    dinheiro, cigarros e comida. Um tempo mais ameno surgia, onde o sofrido marujo se

    recuperava dos traumas sob as rvores frondosas que cercavam o hospcio ou no

    seu quarto, de onde avistava a enseada de Botafogo.

    CONSELHO DE GUERRA: MARUJOSENFIM ABSOLVIDOS

    A permanncia no hospital durou de 18 de abril a 4 de junho de 1911, quando

    levaram Joo Cndido de volta priso na Ilha das Cobras. No sofreu os maus-tratos

    de antes, mas ele e os demais presos caram 18 meses incomunicveis. Somente

    em setembro de 1912 foi ouvido pelo Conselho de Investigao, que pronunciou a ele

    e mais 69 marujos pelo crime de sedio na Ilha das Cobras j que no era possvel

    acus-los pela Revolta da Chibata, devido anistia legalmente estabelecida. Apenas

    dez dos acusados estavam presentes no Conselho de Guerra, em outubro: Joo

    Cndido, Francisco Dias Martins, Manoel Gregrio do Nascimento, Ernesto Roberto

    dos Santos, Deusdedit Teles de Andrade, Raul de Faria Neto, Alfredo Maia, Joo

    Agostinho, Vitorino Nicssio de Oliveira e Antonio de Paula. Os demais foram dados

    como desaparecidos, degredados, fuzilados ou mortos por insolao.

    Os advogados da defesa foram chamados pela Irmandade de Nossa

    Senhora do Rosrio, agremiao fundada no sculo XVIII por escravos alforriados

    e que se caracterizou por abrigar e proteger cativos na poca da escravido.

    Evaristo de Moraes, Caio Monteiro de Barros e Jernimo Jos de Carvalho aceitaram

    com entusiasmo a causa e se recusaram a receber qualquer honorrio. Jernimo

    de Carvalho (visto como homem pardo) era dos mais envolvidos e comparou

    positivamente seu cliente, Almirante Negro, ao Marechal Branqussimo aluso ao

    presidente da Repblica. Monteiro de Barros jogou todo peso de sua erudio jurdica.

    Evaristo de Moraes, militante do movimento abolicionista e defensor das primeiras

    causas operrias, encerrou a defesa num emocionado e lcido pronunciamento de

    trs horas ininterruptas. Ao nal, veio a sentena: absolvidos por unanimidade. Pela

    primeira vez desde que fora preso, Joo Cndido chorou, de emoo, enquanto os

    demais comemoravam efusivamente.

    Os marujos absolvidos s foram liberados em 30 de dezembro de 1912.

    Ao sair da cadeia, Joo Cndido, precedido pelo noticirio dos jornais, encontrou

    pequena multido que o aplaudia e consagrava. Na mesma data, ao sentir o gosto da

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  • liberdade, Joo Cndido teve notcia ruim, embora no surpreendente: acabava de ser

    excludo dos quadros da Marinha de Guerra do Brasil. Foi o ltimo dia em que usou a

    farda.

    Os ecos da Revolta da Chibata eram recentes e o marujo gacho tinha

    se tornado um smbolo vivo da luta pelas liberdades, reconhecido como heri por

    signi cativos setores da sociedade. Entretanto, a fama no o ajudou a ter vida

    tranqila.

    Um cineasta pioneiro captara imagens de Joo Cndido e da rebelio em

    novembro de 1910. Em janeiro de 1912, uma sala de cinema na rua Marechal Floriano,

    Centro do Rio de Janeiro, espalhou cartazes pela cidade anunciando a estria de A

    vida de Joo Cndido, de Alberto Botelho. Mas o chefe da polcia, Belizrio Tvora,

    censurou a ta, proibindo a exibio e at apreendendo os cartazes de propaganda.

    Esse material passou dcadas esquecido e, antes que o assunto voltasse a chamar

    a ateno, a nica cpia da pelcula foi destruda num incndio em So Paulo na

    dcada de 1950.

    Menos de um ms aps ser solto, Joo Cndido, que passara por verdadeiro

    crculo de horrores, presenciou expressiva homenagem, assim noticiada por O Pas:

    Circo Spinelli - Companhia Eqestre Nacional da Capital Federal Grandiosa funo

    em benefcio do ex-marinheiro nacional Joo Cndido com um programa cheio de

    novidades e atraes. Tratava-se do grupo circense do famoso palhao negro e

    um dos maiores atores do cinema brasileiro da poca, Benjamim de Oliveira, que

    empolgava e fazia rir as multides.

    7978 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s7 J O

    Joo Cndido, ainda sob

    vigilncia, fotografado no dia

    em que foi absolvido pelo

    Conselho de Guerra, 1912.

    A Gazeta de Notcias destacou a

    sada do marujo da priso.

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  • Nos primeiros tempos depois de sair da priso, Joo Cndido morou na rua

    Ipiranga, no ento buclico bairro de Laranjeiras, Zona Sul carioca. O carpinteiro

    naval Freitas abrigou-o, oferecendo-lhe um quarto. Recebeu tratamento para

    tuberculose e mais alguma ajuda em dinheiro da Irmandade do Rosrio. Apaixonou-

    se por uma das lhas do carpinteiro, Marieta; casaram-se na igreja da Glria (Largo

    do Machado) e tiveram trs lhos. Por essa poca, o ex-marujo ainda conseguia

    emprego na Marinha Mercante e em barcos particulares. Assim, sucessivamente,

    trabalhou: como timoneiro no patacho Antonico, que conduzia acar para o Sul

    do Brasil; como carregador no cargueiro Ramona, que transportava caf e cereais

    at o Paran; como timoneiro no navio vela Miarim, que fazia a rota RJBuenos

    Aires; no navio Ana, que levava passageiros para Florianpolis.

    81

    6.TRAJETRIA DOS HERIS DA PLEBE

    881

    Um homem da plebe, em geral, no tem histria na Histria do Brasil.

    EDMAR MOREL , NO L IVRO DRAGO DO MAR,O JANGADEIRO DA ABOLIO

  • O trabalho excessivo e pesado na carga acabou por prejudicar sua sade e

    teve que baixar hospital. Sem esquecer que, em todos esses empregos, foi demitido

    por presso de o ciais da Marinha sobre os patres. A perseguio continuava,

    implacvel. Sua esposa faleceu em 1917, quatro anos depois do casamento.

    Ento, em 1919, juntando o dinheiro que restava, comprou o modesto caque

    Trs Marias para pescar na praia de Santa Luzia, Centro do Rio de Janeiro, e vender os

    peixes em cestos perto dali, no mercado do cais Pharoux (Praa XV). Em condio de

    pobreza, mas perto dos elementos entre os quais cava mais vontade (cais, navios,

    marinheiros, o mar) e no meio de sua gente, viveu por quatro dcadas, sem salrio

    xo e garantias sociais, como os demais pescadores pobres em todo o Brasil.

    8382 J O O C N D I D O A L u t a p e l o s D i r e i t o s H u m a n o s8 J O

    Foto dir. pescadores,

    biscateiros e marinheiros

    freqentavam o cais

    Pharoux (Praa XV, Rio de

    Janeiro, RJ).

    Joo Cndido vivia com sua segunda esposa, Maria Dolores Vidal, com quem

    cou durante oito anos e teve quatro lhos, entre os quais Zeelndia Cndido, que

    se tornaria uma das principais defensoras da memria do pai