Jogos e Improvisação Teatral Perspectivas Metodológicas

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JOGOS E IMPROVISAÇÃO TEATRAL

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Jogos e Improvisação Teatral Perspectivas Metodológicas

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  • JOGOS E IMPROVISAO TEATRAL

  • PRESIDENTE DA REPBLICA: Dilma Vana RousseffMINISTRO DA EDUCAO: Aloizio Mercadante

    SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASILDIRETOR DE EDUCAO A DISTNCIA DA COORDENAO DE

    APERFEIOAMENTO DE PESSOAL DE NVEL SUPERIOR CAPES:Joo Carlos Teatini de Souza Clmaco

    UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTEUNICENTRO

    REITOR: Aldo Nelson BonaVICE-REITOR: Osmar Ambrsio de Souza

    PR-REITORA DE ENSINO: Mrcia TembilCOORDENADORA NEAD/UAB/UNICENTRO: Maria Aparecida Crissi Knppel

    COORDENADORA ADJUNTA UAB/UNICENTRO: Jamile Santinello

    SETOR DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTESDIRETOR: Carlos Eduardo Schipanski

    VICE-DIRETOR: Adnilson Jos da Silva

    COMIT EDITORIAL DO NEAD/UABAldo Bona, Edelcio Stroparo, Edgar Gandra, Klevi Mary Reali,Margareth de Ftima Maciel, Maria Aparecida Crissi Knppel,

    Maria de Ftima Rodrigues, Rafael Sebrian, Ruth Rieth Leonhardt.

    EQUIPE RESPONSVEL PELA IMPLANTAO DO CURSO DE LICENCIATURA DE ARTE EDUCAO PLENA A DISTNCIA

    COORDENADOR DO CURSO: Clovis Mrcio CunhaCOMISSO DE ELABORAO: Eglecy do Rocio Lippmann, Daiane Solange

    Stoeberl da Cunha, Evandro Bilibio, Maria Aparecida Crissi Knppel

    PARANwww.unicentro.br

  • ROBSON ROSSETO

    JOGOS E IMPROVISAO TEATRAL

  • Catalogao na PublicaoBiblioteca Central UNICENTRO

    COMISSO CIENTFICA: Clovis Marcio Cunha, Eglecy do Rocio Lippmann, Daiane Solange Stoeberl da Cunha, Evandro Bilibio, Maria Aparecida Crissi Knuppel

    PROJETO GRFICO E EDITORAOAndressa Deflon RickliEspencer vila Gandra

    Natacha Jordo

    Grfica Unicentroreimpresso 90 exemplares

    Nota: O contedo da obra de exclusiva responsabilidade do autor.

    Rosseto, RobsonR829j Jogos e improvisao teatral / Robson Rosseto. Guarapuava: UNICENTRO, 2012.

    84 p. Bibliografia1. Arte. 2. Teatro. 3. Improviso. 4. Educao. 5. Ensino. I. Ttulo.

    CDD 20. ed. 372.64

  • INTRODUO 09

    A IMPROVISAO TEATRAL 11

    artesLICENCIATURA EM

    SUMRIO

    O JOGO DRAMTICO 15

    O JOGO TEATRAL 19

    OS CRCULOS CONCNTRICOS 25

    O ESTMULO COMPOSTO 37

    O PROFESSOR-PERSONAGEM 45

    A IMPROVISAO COM IMAGENS 51

    A RECEPO 61

    A ORGANIZAO DA EXPERIMENTAO ESTTICA 69

    OS CANAIS DE PERCEPO E A PRTICA TEATRAL 75

    REFERNCIAS 81

    A IMPROVISAO E O ESPAO 57

    OS FRAGMENTOS DE TEXTO 31

  • JOGOS E IMPROVISAO TEATRAL

    artesLICENCIATURA EM

  • O jogo e a improvisao teatral so reconhecidos como importantes elementos do teatro. Improvisar criar, jogar, arriscar, transformar uma ideia num espao privilegiado para as concepes poticas e simblicas. No mbito do ensino, esse fazer pode desencadear processos de aprendizagens que contribuem para a formao de sujeitos autnomos, mediados pela intuio e pelas referncias dramticas. Nesse processo, os participantes compem uma cena sem preparo ou com breve combinao prvia, experimentam a fantasia e expem os seus desejos.

    Este livro delineia propostas de ensino cujo foco o jogo e o improviso no teatro. Para tanto, as principais abordagens tericas sobre esses contedos so apresentadas, com vistas ao autodesenvolvimento do aluno e a uma aprendizagem colaborativa, uma vez que o acesso s metodologias e s estratgias que permitem promover a prtica teatral condio para desenvolver a habilidade do aluno/ator nas proposies cnicas, bem como as novas formas de pensar e de relacionar experincias teatrais anteriores com as novas. No entanto, cabe ressaltar que este material no deve ser compreendido como uma 'receita', pois o desenvolvimento de uma metodologia pedaggica deve ser constantemente revisado e atualizado. Assim, o professor deve definir suas aes de acordo com o contexto da sociedade contempornea e com as circunstncias de cada turma e da escola.

    Ensinar teatro implica preparar o aluno para interagir com o teatro contemporneo em nvel da produo e da recepo, isto

    INTRODUO

    artesLICENCIATURA EM

  • , torn-lo capaz de ler e de se apropriar da linguagem teatral, incorporando aspectos das concepes cnicas observadas em seu prprio fazer teatral. Portanto, neste livro, a recepo das atividades teatrais foi destacada com o objetivo de refletir sobre a compreenso da experincia esttica na perspectiva do receptor, do aluno/espectador que participa ativamente da constituio do significado dos espetculos teatrais e das propostas de cena dos colegas. Foi considerado tambm, o potencial da incluso de estudos sobre os canais de percepo (auditivo, sinestsico e visual), visando a uma prtica reflexiva teatral no contexto educativo, bem como um melhor desenvolvimento nos estilos de aprendizagem dos alunos e nos estilos de ensinar de seus professores.

    Com sinceridade, desejo que as propostas apresentadas no decorrer deste livro frutifiquem, estendendo a investigao dos processos dos jogos teatrais e da improvisao teatral, fundamentais para a formao do professor de teatro e, consequentemente, para o aluno/ator.

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  • A improvisao teatral uma atividade na qual o texto e a representao so criados no decorrer da cena e, na maioria das vezes, sem ensaio prvio. Para compor uma ao dramtica improvisacional so utilizados temas e/ou estmulos diversos com o objetivo de envolver os atuantes em uma organizao instintiva, na qual o enredo encenado na medida em que construdo. Os atores contracenam entre si e a cena teatral resulta da criatividade coletiva, da imaginao e da espontaneidade.

    Como prtica teatral, a improvisao uma vivncia fundamental para todos aqueles que desejam fazer teatro. Improvisar uma das atividades mais exercitadas pelos atores e, especialmente, muito solicitada pelos professores no ensino do teatro, o que significa dizer que o ato de improvisar constitui uma prtica importante para a formao do aluno na linguagem teatral, tanto no processo de criao como no momento da encenao. Segundo Chacra:

    A forma teatral o resultado de um processo voluntrio e premeditado de criao, onde a espontaneidade e o intuitivo tambm exercem um papel de importncia. A esse processo podemos chamar de improvisao, como algo inesperado ou acabado, que vai surgindo no decorrer da criao artstica, aquilo que se manifesta durante os ensaios para se chegar criao acabada. Com a conjuno do espontneo e do intencional, o

    A IMPROVISAO TEATRAL

    artesLICENCIATURA EM

  • improviso vai tomando forma para alcanar o modelo desejado, passando a ser traduzido numa forma inteligvel e esteticamente fruvel (CHACRA, 2005, p. 14).

    Nesse sentido, o ato de improvisar solicita do aluno a capacidade de ser espontneo e criativo, uma vez que estimula o desenvolvimento intelectual e a sensibilidade fsica. Durante um jogo de improvisao, o atuante no um mediador da expresso criada por um dramaturgo ou interpretada por um diretor, mas uma fonte de expresso interessada em transformar-se num outro. Portanto, na ao improvisacional, o aluno amplia o repertrio de comunicao e a competncia da expresso. Assim sendo, ao mediar os processos que envolvem a improvisao, o professor deve instigar nele a capacidade da livre expresso do corpo, numa tentativa de expressar as interpretaes pessoais, com ampla conscincia do ato de improvisar consigo mesmo e com os colegas de cena.

    A prtica da improvisao confere ao aluno um espao livre para o experimento e lhe possibilita colocar em cena novas maneiras de pensar, o que resulta numa expresso artstico-esttica mais autnoma. No entanto, restringir a improvisao a uma prtica que visa somente ao aprendizado da concentrao, do domnio corporal e do desenvolvimento da criatividade, apenas uma preparao inicial para a cena. Alm disso, o processo deve ser orientado para uma criao artstica pautada nos conhecimentos j assimilados pelos alunos, com a finalidade de concretizar estticas prprias, articuladas juntamente com uma reflexo sobre essas escolhas. Compete ressaltar ainda, que as proposies cnicas dos alunos sero mediadas pelo professor e discutidas por todo o grupo envolvido (fazedores e apreciadores). Logo, o professor tem um papel fundamental nesse processo, qual seja o de analisar e de avaliar a cena em conjunto com os alunos.

    O treinamento psicofsico requerido para a improvisao teatral e para o desenvolvimento do trabalho em grupo uma capacidade necessria para o fazer teatral. Alm disso, importantes habilidades cognitivas so desenvolvidas por

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    meio dos jogos improvisacionais, incluindo a capacidade de organizar o pensamento, de perceber e de analisar, de avaliar e de raciocinar, de discernir entre o todo e as partes, de lidar com a complexidade e com a ambiguidade, e de colaborar com os outros, a fim de alcanar um objetivo comum a proposta cnica.

    Com as propostas improvisacionais, o aluno/ator se familiariza com a linguagem do palco e com os desafios que a presena em cena determina, construindo assim, seu estilo pessoal. Por outro lado, ele tambm desenvolve o senso crtico sobre o que assiste, aprende a criticar uma cena e um espetculo, distingue concepes de estticas e comenta sobre a adequao da indumentria. Enfim, aprende a avaliar todo o conjunto da encenao.

    A improvisao favorece aos alunos compartilhar descobertas, observando criticamente diversos pontos de vista, criando prticas de cooperao e desenvolvendo capacidades sociabilizadoras. Possibilita ainda, a tolerncia no convvio com pessoas de opinies diferentes e contextos prximos ou distantes da sua realidade.

    O professor, no ofcio de conduzir propostas que envolvam a improvisao, deve usar sua capacidade de acompanhar o processo com o necessrio recuo, ou seja, sem impor o seu gosto pessoal, colocando o processo de criao em constante movimento e intervindo apenas para orientar os alunos quando esses se sentirem desnorteados. De fato, o professor assume um papel diferenciado ao observar o aluno/ator individualmente ou em grupo e ao propor metodologias que o auxiliem a se constituir numa experincia teatral. Segundo Spolin (2005), experienciar adentrar no espao, envolver-se de forma orgnica com ele, o que significa comprometimento em todos os nveis: intelectual, fsico e intuitivo. Trabalhar dessa maneira mantm o acordo de grupo e permite a descoberta da soluo para os problemas tambm em grupo. Por certo, o teatro improvisacional requer um relacionamento de grupo muito intenso, pois a partir do acordo e da atuao coletiva que emerge o material para as cenas e peas.

    artesLICENCIATURA EM

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    No entanto, ao planejar atividades que envolvam a improvisao, de fundamental importncia que o professor trace as propostas, articulando-as com as necessidades do grupo, pautando o seu discurso nos fundamentos dessa prtica. Assim, ao responder questes como Qual a sua funo? Que tipos de mobilizao ela provoca? Que objetivos pretende atingir? [...], o professor certamente ter a base para respaldar o seu trabalho (CHACRA, 2005, p.95).

    nesse sentido que a improvisao teatral deve compor os contedos de estudos na pedagogia teatral e mobilizar as atividades que diversifiquem e ampliem a formao artstica e esttica dos estudantes. As vivncias emotivas e cognitivas, tanto de fazeres quanto de anlises do processo artstico teatral, devem abordar todos os componentes que envolvem a obra teatral e suas maneiras de interagir com o espectador.

    A seguir, so apresentadas proposies tericas e metodolgicas que podero subsidiar o trabalho do professor com a improvisao teatral no ensino do teatro. Contudo, cabe a cada docente avaliar as propostas e adapt-las de acordo com o seu contexto, pois o importante que os alunos sejam co-autores do discurso teatral.

    artesLICENCIATURA EM

  • O jogo dramtico foi estudado por Peter Slade, pesquisador ingls, pioneiro no campo do teatro para crianas. Em seu livro O Jogo Dramtico Infantil ,publicado no Brasil, em 1978, o autor delineia um estudo sobre os jogos dramticos, baseado em cerca de trinta anos de observao com crianas. Para Slade (1978, p. 17), o jogo dramtico infantil uma forma de arte por direito prprio; no uma atividade inventada por algum, mas sim o comportamento real dos seres humanos. O autor assinala que a dramatizao buscada por todos aqueles que esto envolvidos no jogo. Assim, todos so fazedores. Segundo ele,

    A ao tem lugar por toda parte em volta de ns e no existe a questo de 'quem deve representar para quem e quem deve ficar sentado vendo quem fazendo o qu!' [...] E nesse drama, notam-se duas qualidades importantes absoro e sinceridade (SLADE, 1978, p.18).

    O autor destaca que os professores devem estimular o aluno para que ele seja totalmente envolvido naquilo que est sendo feito e que, ao representar um papel, demonstre uma completa forma de honestidade, um sentimento intenso de realidade e de experincia. De acordo com o pioneiro do teatro para crianas, essas qualidades so percebidas nas duas formas de jogo: no jogo projetado e no jogo pessoal. No primeiro caso, a

    O JOGO DRAMTICO

    artesLICENCIATURA EM

    Nesse livro, Slade primeiramente apresenta os princpios gerais para o jogo dramtico infantil e, em seguida, sugere possibilidades metodolgicas separadas por faixas etrias, de acordo com a estrutura educacional: crianas nos primeiros anos de vida, crianas do primrio (da 1 4 srie), e pr-adolescentes (da 5 8 srie). Cabe ressaltar que essa formatao seguiu as nomenclaturas e a seriao escolar vigentes na poca da traduo do livro no Brasil.

  • criana emprega a mente toda, mas o corpo no utilizado em sua totalidade, ou seja, a criana utiliza objetos para brincar. As personagens criam vida a partir dos objetos, e ela [...] usa principalmente as mos. A ao principal tem lugar fora do corpo e o todo se caracteriza por uma extrema absoro mental (SLADE, 1978, p. 19). J no jogo pessoal, a criana se envolve por inteira na brincadeira, caracterizando-se como uma coisa ou pessoa, isto , ela representa de fato uma personagem. Dessa maneira,

    Algumas das leis bsicas que regem o d e s e n v o l v i m e n t o i n f a n t i l s o a espontaneidade e a ludicidade encontradas no jogo dramtico, um modo natural de as crianas brincarem. O espontneo faz-de-conta improvisado est diretamente relacionado ao desenvolvimento do pensamento, das emoes e da socializao da criana. um experimento que ela faz com a vida aqui e agora (CHACRA, 2005, p 105).

    As proposies sugeridas por Slade (1978) no delimitam a noo de espao para as experimentaes dramticas. Pelo contrrio, o ambiente explorado de forma uniforme e todas as suas possibilidades so utilizadas e ressignificadas com materiais disponveis, de acordo com a criatividade das crianas. Assim, o jogo dramtico entendido como uma atividade de improvisao espontnea, como um fazer atrelado ao prazer da (re-)criao da realidade, j que as crianas envolvidas possuem total liberdade para as construes dramticas a partir dos seus desejos, de modo a incorporar e/ou aproveitar as percepes, associaes e estmulos fornecidos pelo professor ou pelo prprio ambiente, em funo do enredo dramtico em desenvolvimento. O aproveitamento desses estmulos absorvido pela criana sem premeditao e os elementos so incorporados com base nas possibilidades do 'aqui e agora' que, por sua vez, evocam aes para o desencadeamento da atuao dramtica. De fato, o jogo dramtico instiga a criana a pensar, a lembrar, a criar e a experimentar, uma vez que o 'faz-de-conta' no intenciona uma

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    apresentao pblica nem qualquer outra preocupao de ordem esttica. A seguir, so elencadas algumas sugestes de Slade (1978) para que o professor possa mediar os processos dramticos:

    ? Aceitar e utilizar as sugestes das crianas e acrescentar, se julgar necessrio, alguma coisa de seu;? Oferecer menos orientao para o que fazer, evitando mostrar ou contar como deve ser feito;? Permitir a representao de muitos personagens e temas que o educador no aprova o critrio adulto deve ser livre de preconceitos;? Apresentar pedaos de tecidos ao invs de roupas acabadas, pois as crianas podem continuar a criar com os panos;? Evitar o uso de um palco formal e de peas escritas, uma vez que esses elementos interferem na absoro e na sinceridade se forem experimentados cedo demais;? Usar vrios rudos para inspirar as crianas a criarem: tambores, apitos, latas velhas, lixa de papel, dois paus, etc.

    Ao adotar essas orientaes, o professor estar contribuindo para que haja um clima propcio para que as crianas e jovens se desenvolvam na linguagem dramtica. Para Koudela (2001, p. 45), a passagem do jogo dramtico para o jogo teatral uma

    [...] transio muito gradativa, que envolve o problema de tornar manifesto o gesto espontneo e depois levar a criana decodificao do seu significado, at que ela o utilize conscientemente, para estabelecer o processo de comunicao com a plateia.

    O carter dessa transio voluntrio e livre, uma vez que o importante estimular o aluno a entrar no jogo, incentivando-o a se arriscar. Entretanto, cabe ressaltar, necessrio evitar que o medo seja o propulsor do jogo.

    artesLICENCIATURA EM

  • Viola Spolin, diretora de teatro e pedagoga, sistematizou jogos de improvisao com regras prprias e precisas e que apresentam problemas de atuao cnica a serem 'resolvidos' pelos jogadores. Ela assinala que [...] todas as pessoas so capazes de atuar no palco. Todas as pessoas so capazes de improvisar. [...] Aprendemos atravs da experincia, e ningum ensina nada a ningum (SPOLIN, 2005, p.3). Dessa forma, a autora enfatiza a importncia da experincia criativa por meio da improvisao e do potencial que qualquer pessoa tem para adquirir habilidades e competncias para atuar.

    As proposies de Spolin, desde a primeira edio de Improvisaes para o Teatro, publicado no Brasil, no final dos anos 70, contriburam e influenciaram de forma significativa os estudos e os encaminhamentos metodolgicos na rea do ensino do teatro. Alm desse livro, outras tradues da sua obra foram publicadas no Brasil, dentre elas, O Jogo Teatral no Livro do Diretor (2008), Jogos Teatrais: O Fichrio de Viola Spolin (2005), e Jogos Teatrais na Sala de Aula: O livro do Professor (2007). Todas essas obras focalizam as potencialidades do jogo de improvisao, por ela definido como:

    [...] jogar um jogo; predispor-se a solucionar um problema sem qualquer preconceito quanto maneira de solucion-lo; permitir que tudo no ambiente (animado ou inanimado) trabalhe para voc na soluo do problema; no a cena, o caminho para a

    O JOGO TEATRAL

    artesLICENCIATURA EM

    Viola Spolin sistematizou os jogos teatrais nos anos quarenta, nos E s t a d o s U n i d o s , v i s a n d o inicialmente, a um trabalho social com jogos recreativos praticados com imigrantes que no tinham o domnio da lngua inglesa e, p o s t e r i o r m e n t e , p r t i c a sistemtica com atores.

    A primeira traduo de Spolin, feita por Eduardo Amos e Ingrid Koudela, uma verso da sua tese de doutorado (1963).

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    cena; uma funo predominante do intuitivo; entrar no jogo traz para pessoas de qualquer tipo a oportunidade de aprender teatro; tocar de ouvido; processo, em oposio a resultado; nada de inveno ou de originalidade ou de idealizao; uma forma, quando entendida, possvel para qualquer grupo de qualquer idade; colocar um objeto em movimento entre os jogadores como um jogo; soluo de problemas em conjunto; a habilidade para permitir que o problema da atuao emerja da cena; um momento nas vidas das pessoas sem que seja necessrio um enredo ou estria para a comunicao; uma forma de arte; transformao; produz detalhes e relaes com um todo orgnico; processo vivo (SPOLIN, 2005, p. 341).

    possvel perceber que a preocupao de Spolin com a sistematizao dos seus jogos por meio da linguagem teatral est intrinsecamente ligada disposio de atuar buscando a soluo de um problema, que segundo ela, [...] elimina a necessidade de o professor analisar, intelectualizar, dissecar o trabalho de um aluno com critrios pessoais (SPOLIN, 2005, p. 19). Nesse sentido, o professor volta o seu olhar para descobrir aquilo de que o aluno necessita ou para aquilo que est faltando para que ele desenvolva melhor a sua expresso, como, por exemplo, a projeo da voz, a caracterizao, a ao no palco, etc.

    Os jogos teatrais de Spolin (2005) englobam trs elementos dramticos: personagem (Quem?), cenrio (Onde?) e ao ou atividade cnica (O Qu?). Alm disso, a autora desenvolveu elementos estruturais para a conduo do jogo, os quais sero explicitados a seguir.

    O Ponto de Concentrao (POC) indica a atividade a ser desenvolvida pelo jogador, como, por exemplo, a manipulao de um objeto e se torna mais complexo na medida em que os problemas de atuao progridem, eventualmente instigando o aluno/ator a explorar uma personagem com uma emoo determinada.

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    artesLICENCIATURA EM

    A Instruo o mtodo usado para que o aluno/ator mantenha o POC sempre que ele parece se desviar. dada no momento em que o jogador est em ao, ou seja, um comando a ser obedecido. Por exemplo: Veja os botes do casaco de Joo! Compartilhe a sua voz com a plateia! Escreva com uma caneta, no com seus dedos! [...] (SPOLIN, 2005, p. 26). Alm disso, a instruo tambm pode ser utilizada para indicar o trmino de um jogo, quando necessrio. A autora recomenda dizer: Um minuto!. Logo aps, os alunos/atores devem solucionar o problema com o qual esto trabalhando em um minuto ou num tempo aproximado.

    Os exerccios so feitos com times escolhidos aleatoriamente. Spolin (2005) afirma que os alunos devem aprender a se relacionar com todos. Desse modo, aps a formao dos grupos, o professor apresenta o problema de atuao de forma rpida e simples, uma vez que o importante se concentrar na explicao do POC, clarificando o problema do jogo. A autora salienta ainda, que durante o processo de tomada de decises entre os alunos das equipes formadas, o professor deve ir de grupo em grupo para esclarecer possveis dvidas acerca do problema e assinala que o 'como fazer' de um problema dever ser solucionado a partir das relaes estabelecidas na cena, no 'aqui e agora'. Lembra ainda, que logo aps as apresentaes dos jogos, deve ser realizada a avaliao, com o objetivo de verificar se os alunos/atores conseguiram resolver o problema do jogo e se mantiveram o POC durante o exerccio. Durante esse processo, o professor participa de forma objetiva com os alunos da plateia. De acordo com ela,

    O aluno da plateia no est ali sentado para ser entretido, ou para atacar ou proteger os jogadores. Para haver ajuda mtua, a avaliao deve versar sobre o que realmente foi comunicado, no sobre o que foi 'preenchido' (tanto pelo jogador como pela plateia), no uma interpretao pessoal sobre o que deveria ser feito. Isto acelera o processo, pois mantm a plateia ocupada

  • assistindo no a uma pea ou a uma estria, mas soluo de um problema (SPOLIN, 2005, p. 25).

    A seguir, so destacados trs exemplos de jogos teatrais do fichrio de Viola Spolin, dispostos em fichas separadas em uma caixa, subdivididos em trs sees A, B e C. Conforme a autora, A sequncia de cada seo e a construo de cada uma em relao a que lhe antecedeu visa conduzir o grupo mais facilmente atravs do trabalho (SPOLIN, 2001, p. 21).

    Blablao: vender (seo A nmero 86)

    FocoComunicar para uma plateia.

    Descrio Jogador individual, falando em blablao, vende ou demonstra alguma coisa para a plateia. D um ou dois minutos para cada jogador.

    InstruoVenda diretamente para ns! Olhe para ns! Venda para ns! Compartilhe a sua blablao! Agora anuncie! Anuncie para ns!

    AvaliaoO que estava sendo vendido ou demonstrado? Houve variedade na blablao? Os jogadores nos viram na plateia ou olhavam fixamente para ns? Houve diferena entre vender ou anunciar?

    Onde atravs de trs objetos (seo B - nmero 25)

    FocoComunicar o onde por meio de trs objetos.

    DescrioUm jogador individual vai at a rea de jogo e mostra onde utilizando trs objetos. Por exemplo, o jogador pode selecionar um restaurante e utilizar um refrigerante, um porta-guardanapos e uma xcara de caf.

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    artesLICENCIATURA EM

    O fichrio de Viola Spolin um instrumento de extrema flexibilidade didtica que permite as mais variadas escolhas e sequncias nos jogos teatrais.

    A blablao consiste na no utilizao de palavras, isto , na substituio de palavras articuladas por configuraes de sons sem nexo algum, de modo que parea ser uma lngua desconhecida.

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    InstruoMantenha o foco nos trs objetos! Deixe que vejamos onde voc est! Mostre! No conte!

    AvaliaoJogadores da plateia, vocs viram o restaurante? A utilizao dos trs objetos comunicou o onde ou eram objetos isolados, obrigando-nos a assumir (interpretar) o onde? Jogadores, vocs concordam com a plateia?

    Dublagem (seo C nmero 39)

    FocoSeguir o seguidor, como se a voz de um jogador e o corpo de outro se tornassem um nico jogador.

    DescrioDois ou trs jogadores (Subtime A) escolhem outros do mesmo sexo para fazerem duas vozes (Subtime B). Esse grupo inteiro (Subtime A e Subtime B) estabelece: Onde? Quem? e O Qu? Os jogadores que fazem a voz se renem em torno de um microfone, de modo que tenham uma viso clara da rea de jogo, onde os jogadores que fazem o corpo realizam Onde? Quem? e O Qu? Os jogadores que fazem a voz refletem a atividade de cena por meio do dilogo, enquanto aqueles que fazem o corpo movem os lbios como se estivessem falando, mas devem usar a bablao silenciosa, sem balbuciar as palavras exatas. Os dois subtimes seguem o seguidor com a voz e a ao. Pea para que os jogadores troquem de posio quem faz a voz passa a fazer o corpo, e quem faz o corpo passa a fazer a voz. Continue com o mesmo Onde? Quem? e O Qu? ou escolha um novo.

    InstruoSigam uns aos outros! Evitem antecipar o que vai ser falado! Repitam apenas aquilo que vocs ouvem! Movimentem a sua boca com blablao silenciosa! No iniciem! Sigam o seguidor! Tornem-se uma s voz! Um s corpo!

    artesLICENCIATURA EM

    Conforme traduo de Ingrid Dormien Koudela e Eduardo Amos (So Paulo Perspectiva, 2008).

  • AvaliaoA voz e o corpo eram uma coisa s? Plateia, vocs concordam?

    Por meio desses jogos, possvel entender a dinmica proposta por Spolin, pois o mtodo proporciona ao aluno/ator, juntamente com o grupo, uma experimentao cnica para solucionar a proposio do jogo, que resulta, posteriormente, na anlise crtica do que foi realizado. Os integrantes do processo, atuantes e expectadores, organizam de forma coletiva a apreciao acerca das atuaes.

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  • Os crculos concntricos foram criados e desenvolvidos pelo arte-educador Mark Danby, no Canad. No Brasil, essa metodologia foi introduzida por Beatriz Cabral, enquanto prtica e pesquisa. De acordo com os autores, o mtodo:

    [...] consiste em uma srie de crculos concntricos mveis, unidos por um pino central que permite associar de forma aleatria ou prescritiva opes contidas nas categorias que representam cada crculo. Cada crculo ento representa uma categoria referente a um conceito da rea de conhecimento a ser focalizada, o qual por sua vez se divide em opes. A combinao de selees, uma de cada crculo, resulta em uma estrutura que orientar a atividade dramtica (CABRAL e DANBY, 1999, p.2).

    Nesse sentido, as categorias so selecionadas a partir da temtica a ser trabalhada. De maneira geral, no campo do teatro, os itens para compor os crculos podem representar: ao, local, personagens, objetos, sons; conflito, origem do conflito, motivao, classe social, dentre outros, que reunidos aleatoriamente fornecem a base para a construo da cena.

    Cabe ressaltar que a escolha do contedo e a quantidade das categorias devero ser adequadas faixa etria do pblico-alvo. Trabalhar com crianas, por exemplo, com uma quantidade excessiva de crculos e com o emprego de conceitos complexos

    OS CRCULOS CONCNTRICOS

    artesLICENCIATURA EM

    Professora do Centro de Artes na Universidade do Estado de Santa Catarina e diretora de Artes Cnicas do Departamento Artstico Cultural na Universidade Federal de Santa Catarina. A autora, mais conhecida como Biange Cabral, PhD em Drama/Teatro/Educao pela University of Central England, da Inglaterra.

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    poder dificultar o processo dramtico. Conforme Cabral e Danby (1999, p. 05), essa estratgia similar a um jogo, em funo da forma dos crculos e a mobilidade do ponteiro central [...]. Eles sentem-se seguros para interpretar cada seleo sua maneira, e para incluir informaes pessoais sem medo de serem indevidamente criticados.

    Janaina de Sousa, em pesquisa realizada no mestrado, em 2004, investigou os crculos concntricos com adolescentes de uma stima e oitava srie da rede municipal na cidade de Florianpolis. O tema dos crculos escolhido pelos alunos foi a violncia. A pesquisadora afirma que:

    Esta estratgia permite uma interao do grupo envolvido no processo, permite o uso da improvisao, de ser autor e ator da proposta. So autores, na medida em que investigam e constroem o material de sua pesquisa, criam o discurso cnico e discutem sobre o tema escolhido por eles, a violncia. E atores, na medida em que giram o crculo e art iculam as diferentes categorias, transformando-as em cenas. [...] Os crculos permitem que muitos se manifestem, e no apenas uma nica opinio prevalea. Permitem tambm que os alunos se envolvam, desde a sua confeco em sala de aula, at o preenchimento de cada uma de suas categorias, e faz com que os temas e os desejos comuns ao grupo sejam a prioridade do crculo, o assunto principal. Tal assunto, que pensado e discutido com o grupo, faz com que valores e juzos venham tona, possibilitando um maior conhecimento sobre cada indivduo participante (SOUSA, 2004, p.11).

    Como se nota, os crculos concntricos possibilitam uma maior interao entre os alunos, impedindo que ideias pr-existentes prevaleam, j que a combinao entre as categorias ocorre de forma aleatria. Alm disso, ao trabalhar com assuntos

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    do interesse dos alunos, o envolvimento e a disponibilidade para as improvisaes de fato, maior, e no desenvolvimento do processo, podem ser permitidas vrias vises sobre o mesmo tema, possibilitando que o professor possa mediar conceitos e eventuais preconceitos postos na cena. Em seguida, so apresentados os crculos concntricos construdos no experimento desenvolvido por Sousa (2004):

    As ideias apontadas pelos alunos com relao a cada categoria, cujo tema era a violncia, foram estruturadas conforme seguem:

    ? Tipo de violncia: verbal, corporal, sexual e mental; ? Conflito: social, amoroso, psicolgico, financeiro e familiar;

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  • 28

    ?Consequncia: rebelio, brigas, desaparecimento, morte, gravidez, vingana e preconceito; ?Personagem: adolescentes, marginais, mulheres, policial, bbados, famlia e drogados; ?Lugar: escola, danceteria, favela, cadeia, carro, rua e casa.

    No h uma nica regra para a construo dos crculos concntricos, mas uma sugesto que o tema seja eleito por todos os envolvidos. Depois disso, o professor poder elencar as categorias da flecha do tabuleiro, cujo preenchimento ser realizado pelos grupos formados pela turma, ou seja, cada equipe dever escrever ou dizer para o professor uma palavra para cada categoria, de acordo com o tema escolhido por todos. Em seguida, cada grupo manusear o tabuleiro para sortear os itens para a improvisao. Desse modo, para cada categoria, o grupo dever girar o pino e registrar a palavra que se encontra abaixo de onde o ponteiro parar. Assim, diferentes elementos cnicos comporo a cena das equipes e alm dos itens sorteados, os alunos tero liberdade para agregar outras possibilidades, sem jamais ignorar as informaes assinaladas no tabuleiro. importante frisar que, dependendo dos itens sorteados pelo grupo, s vezes, a combinao dos elementos para a cena pode se tornar uma tarefa rdua, exigindo um tempo maior para cada equipe se organizar. Portanto, os membros dos grupos precisam

    [...] resolver a situao de juntar selees que a primeira vista pareciam dspares, no possveis de serem articuladas; no imaginveis juntas. Isto faz emergir idias originais, geradas pela combinao de muitas selees das vrias categorias contidas no crculo (CABRAL e DANBY, 1999, p. 5).

    Desse modo, faz-se necessrio que os grupos improvisem vrias vezes com os crculos, pois assim cada equipe poder lidar com vrias possibilidades de itens de acordo com as categorias, possibilitando que o tema e as cenas sejam explorados de formas distintas. Por conta disso, a metodologia dos crculos

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    Os crculos podem ser feitos com cartolinas de cores variadas, a fim de melhor destacar cada categoria. Os crculos com dimetros diferentes devem ser colados uns em cima dos outros. A flecha poder ser presa com um pino, com o objetivo de girar com facilidade por cima do tabuleiro. A escrita poder ser feita com caneta hidrogrfica.

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    concntricos auxilia na estruturao da cena e estimula o debate sobre um determinado tema, envolvendo o aluno no processo dramtico (desde a estruturao do tabuleiro at a escolha do tema e dos itens das categorias), dinamizando a representao no intuito de buscar a resoluo conceitual e esttica para a sua construo.

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  • A improvisao cnica, a partir de fragmentos de textos, uma proposta que estimula o aluno/ator a ressignificar a escrita na cena, uma vez que ele poder colocar em prtica as diversas possibilidades que o texto oferece, criando e elaborando a cena em funo dos seus conhecimentos histricos e estticos. Para tanto, o professor dever escolher textos teatrais e/ou textos literrios e recortar trechos para serem improvisados por duplas ou por grupos de alunos. Esse fragmento de texto servir de base para impulsionar a improvisao e deve priorizar a sua compreenso e a criao a partir de formas variadas.

    De maneira geral, os alunos esto pouco familiarizados com a forma da escrita para o teatro, j que o ensino formal trabalha com rara frequncia o texto dramtico. Nesse sentido, atividades cnicas que privilegiam o recorte de textos teatrais so uma opo que estimula o aluno a ler uma determinada dramaturgia do comeo ao fim. Por exemplo, aps a prtica teatral com fragmentos de texto, importante que o professor instigue a leitura da obra da qual o trecho foi retirado. Certamente, a curiosidade e as expectativas dos alunos sero aguadas ao longo do trabalho de experimentao na cena, tendo em vista que, por conta disso, eles podero demonstrar maior interesse pela leitura da obra original, a fim de verificar como aquele trecho por eles improvisado e ao qual acrescentaram sentido com referncias prprias, est posto na obra original.

    A seguir, apresentada uma sugesto de trabalho de improvisao, a partir de um fragmento da obra Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna.

    OS FRAGMENTOS DE TEXTO

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    MULHER - (escrevendo) Que complicao! E se ao menos eu lucrasse alguma coisa... Mas perdi foi meu cachorro.JOO GRILO - Quem no tem co caa com gato.MULHER: Como ?JOO GRILO: Quem no tem co caa com gato e eu arranjei um gato que uma beleza para a senhora.MULHER: Um gato?JOO GRILO: Um gato.MULHER: E bonito?JOO GRILO: Uma beleza! (SUASSUNA, 2005, p. 75 e 76).

    Aps escolher o trecho de um texto dramtico, o professor poder retirar os nomes dos personagens para que o aluno no reconhea o texto original. Caso contrrio, e no caso especfico da obra de Suassuna, se ele identificar o texto, geralmente se apropriar das produes realizadas a partir da obra. Em seguida, o professor apresenta as falas dos personagens sem identificao:

    Personagem 1 Que complicao! E se ao menos eu lucrasse alguma coisa... Mas perdi foi meu cachorro.Personagem 2 Quem no tem co caa com gato.Personagem 1 Como ?Personagem 2 Quem no tem co caa com gato e eu arranjei um gato que uma beleza para a senhora.Personagem 1 Um gato?Personagem 2 Um gato.Personagem 1 E bonito?Personagem 2 Uma beleza!

    O jogo com o fragmento de texto permite uma explorao sem limites. possvel separar vrios trechos de uma mesma obra com dois personagens ou mais; eleger um trecho apenas para a turma toda explorar, at se esgotarem as alternativas; solicitar improvisaes sobre o que est de fato escrito, ou ainda, acrescentar um 'antes' e um 'depois' da escrita, dentre outras possibilidades.

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    Esse texto uma pea clssica do teatro brasileiro e foi adaptada para o cinema e para uma minissrie de televiso.

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    Alm de o professor utilizar recortes de texto dramtico, outro recurso selecionar trechos de outras fontes literrias, tais como contos, poemas, romances, crnicas, etc. O efeito ser o mesmo da proposta anterior, haja vista que o aluno poder improvisar e acrescentar sua subjetividade na cena, a partir da escrita. Por exemplo:

    Hoje tive uma pequenina alegria. Uma coisa gostosa que nos oferecemos. Colhemos as cerejas de nosso ptio interno. Que pratada! Estvamos acompanhando todo o processo de amadurecimento: os brotos, o surgimento das florzinhas, depois as minsculas frutas verdes que pouco a pouco foram ficando vermelhas. Esperamos que elas ficassem no ponto... E NHAM!, elas estavam deliciosas! A ameixeira no deu nada, no vamos poder comer ameixas. impressionante a vontade de comer frutas que eu sinto (CHALLENGER e FILIPOVIDC, 2008, p. 272).

    Esse fragmento transcreve o relato real feito em 02 de julho de 1992, quinta-feira, por uma jovem (11-13 anos de idade) sobrevivente da Guerra dos Blcs, na Bsnia-Herzegovina. Entretanto, na falta dessa informao, provavelmente seria invivel compreender o sentido e o contexto do trecho, o que tambm ocorre quando o aluno se depara com um recorte de escrita selecionado em mos. Nesse exemplo, ele provavelmente no saberia os motivos pelos quais a menina relata a sua vontade de comer frutas. A proposta justamente essa: num primeiro momento, o contexto no importante, pois o aluno entender e criar a partir de suas prprias reflexes e referncias. Contudo, num segundo momento e, caso deseje, o professor poder contextualizar o trecho improvisado, que apesar de triste e impiedoso, poder transformar-se numa comdia num jogo de improvisao.

    Outra possibilidade de jogo de improvisao pode ser realizada com um trecho maior, retirado, por exemplo, do texto dramtico A Cantora Careca, de Eugne Ionesco. O professor

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    Os organizadores do livro Dirios de guerra: vozes roubadas resgataram catorze dirios de conflitos, todos escritos por crianas ou jovens, que relatam os horrores da Primeira Guerra Mundial e da recente invaso do Iraque, no se esquecendo do Vietn, da Intifada e de diversos momentos da Segunda Guerra Mundial.

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    poder solicitar que os alunos, em duplas, representem esse trecho de forma abstrata/corporal, sem fala e, no momento seguinte, com fala (acrescentando um antes e um depois). Por fim, e aps uma vasta explorao de possibilidades com o recorte, poder sugerir a leitura da pea original.

    SRA. MARTIN: Que curioso, que estranho! bem possvel, afinal! Mas eu no me lembro meu caro senhor. SR. MARTIN: Eu moro no nmero dezenove, minha cara senhora. SRA. MARTIN: Que curioso, eu tambm moro no nmero dezenove, meu caro senhor.SR. MARTIN: Mas ento, mas ento, mas ento, mas ento, mas ento, talvez ns tenhamos nos visto naquela casa, minha cara senhora?SRA. MARTIN: bem possvel, mas eu no me lembro meu caro senhor.SR. MARTIN: Meu apartamento fica no quinto andar, o nmero oito, minha cara senhora. SRA. MARTIN: Que curioso, meu Deus, que estranho! E que coincidncia! Eu tambm moro no quinto andar, no apartamento nmero oito, meu caro senhor.SR. MARTIN: Que curioso, que curioso, que curioso e que coincidncia! Sabe, no meu quarto, eu tenho uma cama. Minha cama fica coberta com um edredom verde, encontra-se no fim do corredor, entre o lavabo e a biblioteca, minha cara senhora!SRA. MARTIN: Que coincidncia, ah meu Deus, que coincidncia! Meu quarto tambm tem uma cama com um edredom verde e se encontra no fim do corredor, entre o lavabo, meu caro senhor, e a biblioteca! (IONESCO, 1993, p.8).

    fato que os alunos no leem com frequncia textos teatrais. Desse modo, oportunizar trabalhos improvisacionais com uma diversidade de gneros e estilos de escrita para o teatro,

  • certamente lhes proporcionar uma leitura e anlise crtica sobre o teatro contemporneo. Conforme Pupo (2005, p. 02), nos dias atuais, h uma diversidade de formas de escrita propostas por autores que se dedicam ao teatro, que vo desde o texto estruturado em dilogos at textos corridos, sem nenhuma definio de personagens ou de separao entre as falas. Segundo ela:

    Se examinarmos mais de perto os textos que tm sido levados para a cena contempornea no ocidente, vamos observar que regras historicamente reconhecidas sobre a construo dos dilogos, a ecloso de conflitos e at mesmo a noo de personagem, consagradas bases do gnero dramtico, no mais se aplicam. [...] Hoje, textos de toda e qualquer natureza, escritos para serem representados ou concebidos para outros fins, podem ir para a cena; no mais necessariamente o modo da escrita que caracteriza o teatro. Assim, a fico entranhada em romances, contos, poesias, fbulas, mas tambm as consideraes presentes em cartas, depoimentos, biografias, notcias, documentos histricos constituem atualmente matria-prima de concepes cnicas (PUPO, 2005, p. 02).

    O professor poder trazer para o jogo, portanto, as mais variadas formas dramatrgicas e literrias e se valer delas para orientar um estudo especfico sobre as suas estruturas, suas evolues e transformaes ao longo dos sculos.

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  • Criada por John Somers, na Inglaterra, a estratgia do estmulo composto prope o desenvolvimento de um conjunto de estmulos a partir de objetos, de textos escritos, de imagens e de fotos, etc. Assim, o professor poder construir um ou mais pacotes de estmulo em funo de um contexto histrico ou de um texto dramtico, de acordo com o assunto selecionado para a dramatizao.

    Os sentidos e significados atribudos pelos alunos a partir do manuseio desses artefatos decorrem do dilogo entre os estmulos a serem estabelecidos entre eles com o objetivo de apontar [...] a histria de sua origem, a interao entre os documentos e fragmentos de texto (por exemplo: uma receita mdica, uma pgina de dirio, uma anotao de endereo, um boletim escolar, um bilhete, etc (CABRAL, 2007, p.51).

    Ao receber um pacote de estmulo, o grupo de alunos dever articular os elementos que ele contm e revelar as reflexes realizadas em torno deles por meio da encenao, j que esses elementos sugerem um contexto e indicam a possibilidade de existncia de um ou mais personagens, em razo dos objetos, imagens e registros escritos. Assim, o pacote de estmulo tem como objetivo iniciar o processo dramtico, pois as relaes que se estabelecero a partir do cruzamento dos elementos nele contidos, de fato, so variveis. Contudo, a imaginao dos participantes ser aguada e o sentido ser dado por aqueles que esto agindo sobre o pacote.

    O ESTMULO COMPOSTO

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  • 38

    Por outro lado, ao elaborar um pacote, o professor seguramente ir imaginar as figuras dramticas a partir dos artefatos escolhidos. No entanto, no momento da prtica, os alunos podero encenar outras possibilidades no previstas por ele, o que demonstra que essa proposta requer uma postura de investigao tanto do professor quanto dos alunos, j que as alternativas colocadas em cena sero refletidas em conjunto. De qualquer modo, construir um pacote de estmulo requer ateno para que ele seja envolvente e motivador. John Somers (1999, p. 39) afirma que:

    A habilidade de juntar um estmulo composto parece residir no poder de criar personagens e eventos nos quais aqueles estmulos estejam envolvidos. Se os personagens e os eventos estiverem prontamente acessveis, o estmulo composto perde sua fora e capacidade de intrigar a qual gera o interesse dos participantes. Se a trilha for muito obscura, os participantes no ficaro motivados a segui-la. Deve haver uma tenso produtiva entre os artefatos e as informaes que estes carregam.

    Segundo Cabral (2007), a eficcia do estmulo composto est relacionada aos sentimentos despertados pela sua aparente autenticidade e o envolvimento dos alunos gerado pela qualidade dos objetos e documentos. Nesse contexto, alguns detalhes so importantes, como, por exemplo, diferentes caligrafias para os manuscritos e envelhecimento de documentos, quando for o caso. Dessa forma, os participantes criaro empatia e incluiro as histrias de vida por meio do jogo teatral, possibilitando a identificao do grupo com as situaes representadas e sua ressonncia com o contexto local. A seguir, so apresentados dois exemplos de estmulo composto.

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    Esse primeiro pacote de estmulo contm:

    ? Uma espiga de milho;? Uma fotografia em preto e branco (envelhecida,

    queimada nas bordas e manchada), na qual podem ser

    vistas seis crianas e uma mulher;? Um leno antigo;? Um pente antigo (dentes largos);? Um estojo de veludo contendo botes de roupas, trilhos

    de cortina, carretel de linha e agulha;? Duas fichas telefnicas;? Um saco antigo com zper contendo os itens listados.

    So muitas as possibilidades para a construo de uma

    personagem a partir desses elementos, tendo em vista que eles

    sugerem que a personagem viveu numa poca passada,

    especialmente por apresentar fichas telefnicas e uma fotografia

    antiga. Por outro lado, possvel tambm traar um perfil de uma

    pessoa que vive nos dias atuais e guardou todos esses materiais

    durante anos. a imaginao e a criatividade dos alunos que

    fornecer o contexto dessa personagem, que poder ser do sexo

    feminino ou masculino, uma agricultora ou um alfaiate.

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    O prximo exemplo de pacote de estmulo contm:

    ? Uma carta escrita em rabe;? Uma fotografia envelhecida (azulada) e rasgada, com trs homens com indumentria da cultura rabe;? Uma mangueira para narguil;? Uma essncia (fumo) de sabor de pssego para narguil;? Uma nota de dinheiro - Dirham (Moeda dos Emirados rabes);? Dois bonecos caracterizados de acordo com a cultura rabe;? Uma sacola com desenhos egpcios contendo os itens listados.

    A apresentao desse pacote muito instigante, uma vez que apresenta a cultura rabe, com a qual os alunos talvez no estejam familiarizados ou sobre a qual tm pouco conhecimento. Ou seja, esse pacote instiga os alunos a pesquisarem sobre os artefatos e costumes de outros povos. Certamente, provocar a descoberta o grande trunfo desse tipo de trabalho, visto que os integrantes da equipe se empenharo para desvendar os objetos e as questes que lhes so pouco familiares.

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    Narguil um cachimbo de gua utilizado tradicionalmente para fumar. encontrado em muitos pases do mundo, em especial, no Norte da frica, no Oriente Mdio e no Sul da sia.

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    Antes da improvisao, o professor poder solicitar que as equipes tracem o perfil fsico e psicolgico de uma personagem a partir dos objetos que compem o pacote de estmulo. O objetivo dessa atividade que as equipes, de fato, elaborem, discutam, reflitam e escrevam sobre o perfil do sujeito imaginado com riqueza de detalhes, delineando as caractersticas da figura dramtica, como, por exemplo, a sua altura, gnero, etnia, cacoetes, profisso e idade. Enfim, tudo o que for possvel criar, para, em seguida, passar para as improvisaes. Ao final do processo, os perfis traados sero apresentados.

    Outra possibilidade utilizar o estmulo composto como uma maneira de iniciar um contedo, como, por exemplo, um estudo sobre um determinado momento histrico ou sobre um tema especfico. possvel tambm, criar expectativas para a leitura de um texto dramtico, a partir de um pacote de estmulo que contenha itens/artefatos sobre o protagonista de um texto inspirado/retirado da prpria dramaturgia, pois o estmulo composto, conforme Somers (2011, p. 178):

    [...] pode ser visto como um foguete que conduz a nave principal a histria, seus personagens e o mundo em que vivem em vo, antes de se soltar. A energia e o interesse gerados pelo estmulo composto promovem o 'reforo' inicial para a criao da histria, e uma vez esta tenha sido iniciada, serve como uma referncia contnua no processo de criao.

    Essas indicaes metodolgicas sugeridas so motivadoras e inspiradoras para incentivar a criao de outras propostas, nas quais o professor ir definir o 'como fazer', de acordo com as suas ideias, j que os caminhos de utilizao dos pacotes de estmulo so variados. A seguir, so elencados alguns pontos a serem considerados na construo de um estmulo composto:

    1. Os objetos sugerem propriedade e uso. A significao (importncia) dada pela sua combinao e histria (especial), bem como por suas modificaes (por exemplo:

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    uma fotografia amassada). Dessa forma, um objeto, individualmente, tem um potencial limitado, isto , a combinao de objetos e documentos gera melhores resultados.2. Os documentos podem ser mais sutis e complexos, tornando-se mais eficazes quando so associados a objetos.3. Os documentos e objetos devem estar embutidos numa histria e ambos requerem investimentos da imaginao dos participantes para que essa histria se complete.4. Se o processo for bem encaminhado, os espaos da histria no podero ser completados por meio da discusso o drama uma arte que requer investigao e a significncia da histria surge por etapas.5. O cruzamento das referncias (dos diferentes estmulos) pode revelar outros dilemas e/ ou problemas, ocasionando a necessidade de estender as investigaes.6. Os estmulos compostos devem criar tenso dramtica, ou seja, levar a investigaes que tenham potencial dramtico. 7. A escolha e combinao dos objetos e documentos devem estar relacionadas com possibilidades de investigao de itens/questes particulares.8. A eficcia dos estmulos compostos est relacionada aos sentimentos despertados pela sua aparente autenticidade. Assim, a qualidade dos objetos/documentos deve ser proporcionalmente igual qualidade do envolvimento dos alunos. Portanto, importante que o professor seja cuidadoso quanto aos detalhes do material: fotocpias coloridas, papel de qualidade, diagramao e formatao dos documentos, diferentes caligrafias para documentos privados e envelhecimento de documentos, quando for o caso.9. Os estmulos devem ser selecionados de acordo com a empatia que possam despertar nos participantes e decorrem dos dilemas a que se referem. Os participantes precisam criar empatia e identidade com as questes suscitadas.

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    10. O container dos estmulos deve ser coerente com os objetos e documentos nele contidos. 11. O material deve ser introduzido com uma histria que narre, convincentemente, o local em que ele foi encontrado.12. O professor deve demonstrar que valoriza os objetos, caso contrrio, os alunos no o valorizaro. Alm disso, a manipulao dos objetos deve ser adequada. Por exemplo, deve inspirar respeito (eles pertencem a alguma coleo pessoal ou secreta), gerar intriga (algum mistrio) ou revelar afeto (pertencem a algum prximo), etc.13. Os documentos e objetos devem ficar expostos de maneira a estimular cumulativamente o seu uso e significao.14. Em uso, os documentos e objetos encorajaro atitudes e respostas dos alunos, desenvolvendo reas de significao.

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  • O professor-personagem um recurso que subsidia a criao de uma atmosfera cnica, impulsionando a teatralidade no espao de ensino. Segundo Cabral (1999, p.24), o professor-personagem a estratgia da qual o professor assume uma ou mais personagens dentro do contexto da fico criada para um determinado processo dramtico, alterando seu status e sua relao com os alunos. Assim, o professor mantm uma relao diferenciada na ao teatral e o personagem por ele assumido pode mediar, orientar, induzir e/ou conduzir o desenvolvimento da cena, tendo em vista que est imerso nas informaes e escolhas dos alunos.

    O professor-personagem em ao intervm com mais eficincia no espao de aprendizagem dos alunos ou na zona de desenvolvimento proximal, termo cunhado por Vygostsky e por ele definido como

    [ . . . ] a d istnc ia entre o n ve l de desenvolvimento real, que se costuma determinar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento potencial, determinado atravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto ou em colaborao com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1998, p.112).

    Desse modo, para o autor, o espao de aprendizagem ou a zona de desenvolvimento proximal pode ser definido como a

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    O PROFESSOR-PERSONAGEM

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    distncia entre o que os alunos podem realizar sozinhos e aquilo que eles so capazes de fazer sob a orientao ou com a colaborao de parceiros mais hbeis, nesse caso, com o auxlio do professor-personagem.

    O mtodo professor-personagem pode ser utilizado de vrias maneiras: o professor pode assumir um personagem com a turma toda, ou ainda, com o auxlio de outros professores tambm personagens, dentre outras possibilidades. Caso o professor tenha pouca experincia em atuao, ainda assim, deve se encorajar e se colocar no lugar de outra 'vida', isto , na vida de uma personagem. De fato, vivncias como essas so enriquecedoras para os alunos, mas certamente tambm as so para os professores. No entanto, Vidor (2010, p, 37) ressalta que: o fato de os professores no precisarem atuar no sentido do ator, no significa que eles no possam atuar como atores, desde que no percam de vista o contexto no qual esto trabalhando. A autora menciona ainda, que o professor, ao assumir um papel, dever aceitar e enfrentar alguns desafios como:

    1. Agir como se fosse outra pessoa diante dos alunos;2. Improvisar sua fala de acordo com o que surge da relao aqui e agora com os participantes;3. Sustentar o papel, sua lgica;4. Manter os objetivos pedaggicos;5. Aceitar o imprevisvel, o acaso;6. Ser flexvel para mudar o rumo sempre que necessrio.

    O atuar em sala de aula no consiste simplesmente em uma experincia ldica e dever estar sempre articulado com os objetivos escolares. Assim, o professor-personagem pode trazer para a sala de aula um tema gerador que esteja de acordo com o planejamento pedaggico, a fim de estimular o processo dramtico e, consequentemente, as dimenses esttica, artstica e pedaggica sobre o assunto proposto, por meio das referncias individuais e dos acordos coletivos entre os alunos. Cabral (2006, p. 20) salienta que o papel assumido pelo professor pode ser metaforicamente representado como o de um obstculo, o qual os alunos precisam superar atravs do argumento, da negociao

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    ou do compromisso. A autora sugere tambm, algumas possveis funes de um papel e classifica o status da personagem do professor:

    ?Buscar auxlio ou conselho: um psiclogo, com a tarefa de impor a disciplina em uma instituio para menores infratores, pesquisa os procedimentos mais eficazes;?Buscar informao: um turista ou um gegrafo pesquisando a regio;?Coordenador: um investigador coordenando uma equipe de policiais;?Desafiar: um detetive que no acredita que seus auxiliadores sero capazes de interpretar as pistas deixadas por um criminoso;?Introduzir informao: um mensageiro, um reprter.

    O status de um determinado papel ou personagem poder ser:

    ?Alto: rei, capito, lder, treinador, diretor de escola, etc;?Intermedirio: secretrio, representante de alguma autoridade, membro da comunidade ou da tripulao, etc;?Baixo: pedinte, vtima, refugiado, aprendiz, etc.

    importante que o status da personagem do professor seja menor que o status da personagem do aluno, pois assim, a relao entre os alunos/personagens com o professor-personagem durante o processo dramtico poder ocorrer de forma mais espontnea, na medida em que rompe com qualquer hierarquia dentro da sala de aula. No entanto, se o professor assumir um papel com o status mais alto em relao ao papel atribudo ao aluno, ele deter o controle do processo, podendo impedir o desenvolvimento da autonomia daquele. De qualquer modo, caso haja indisciplina e/ou outros problemas de concentrao para o desencadeamento teatral, um status alto para a personagem do professor poder ser a melhor opo para controlar e conduzir com mais eficincia o processo dramtico.

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    O professor-personagem pode, por exemplo, introduzir o estmulo composto (apresentado no item anterior) para a turma, com o intuito de fornecer o contexto da ao dramtica e incentivar os alunos a investigar cenicamente a partir dos artefatos encontrados no pacote de estmulo. Nesse caso, o objetivo que a personagem do professor indique pistas (histricas e circunstncias anteriores) sobre o pacote de estmulo apresentado aos alunos. Desse modo, a encenao inicial do professor-personagem criar um clima de expectativas e perspectivas para desenrolar o processo teatral. Por exemplo, se o objetivo do educador for trabalhar com a censura no perodo da ditadura militar no Brasil, poderiam fazer parte de um estmulo composto, um velho ba contendo comunicados por escrito ('bilhetinhos') proibindo a publicao de determinados assuntos, fotografias de protestos, recortes de jornais da poca e um dirio. Para dar maior nfase ao propsito das artes nesse contexto, outra alternativa seria acrescentar, no pacote, a msica Clice, composta por Chico Buarque e Gilberto Gil, alm de um trecho do musical Liberdade, Liberdade, de Millr Fernandes e Flvio Rangel.

    Para inserir o pacote de estmulo e situar o contexto, a personagem do professor poderia desempenhar o papel de um investigador policial, de um professor pesquisador ou de um sujeito que acabou de alugar um imvel e encontrou o ba no sto da casa, dentre outras possibilidades. A partir da cena introdutria do professor-personagem, os alunos so convidados a ajudar a solucionar o mistrio: a quem pertence ou pertenceram os itens encontrados no ba? As alternativas sero pensadas e refletidas pelos alunos a partir de improvisaes. Vale ressaltar, que de acordo com a faixa etria dos alunos, especialmente se forem crianas, faz-se necessrio que o professor adote cuidados para representar o papel de uma personagem em sala de aula. Assim,

    Ao assumir um personagem importante que o professor deixe claro quando est entrando ou saindo do papel um recurso til

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    Na internet, possvel obter com facilidade, por exemplo, reportagens do jornal O Pasquim, semanrio brasileiro reconhecido por seu papel de oposio ao regime militar por meio do humor.

    A msica Clice retrata, por meio de metforas, a censura da ditadura militar. Por exemplo, a pronncia da palavra 'Clice' nos remete a uma ambiguidade em relao palavra 'Cale-se', indicadora da represso sobre a produo cultural, uma vez que a manifestao artstica foi calada arbitrariamente no perodo ditatorial.

    A pea estreou em 1965 no Teatro Opinio, no Rio de Janeiro. um marco da histria teatral do Brasil por ter sido o texto de maior sucesso do chamado teatro de protesto, uma crtica severa da represso imposta pelo golpe militar de 1964

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    para os primeiros encontros com uma classe negociar uma pea de figurino (chapu, leno) ou acessrio (maleta, livro, bengala) para marcar o papel. Assim que a classe estiver familiarizada com a estratgia, o desafio de descobrir as novas personagens e seu status ser em si uma motivao para o grupo (CABRAL, 2006, p. 22).

    De qualquer modo, o professor deve avaliar a vivncia teatral de cada turma, para assim adequar e criar maneiras de introduzir a personagem sem sustos ou medos. Vale ainda lembrar, que somente por meio do envolvimento sensvel e orgnico do professor no papel de uma personagem que o espao ganha vida e a teatralidade comea a existir.

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  • De modo geral, as imagens podem estimular o trabalho com improvisaes. Ao invs de utilizar o texto como pr-texto, objetos ou os jogos sistematizados, uma alternativa para desencadear cenas apresentar imagens diversas: pintura, desenho, gravura, fotografia, etc. Entretanto, a primeira etapa para desenvolver o processo dramtico com uma representao visual, a leitura da imagem. O aluno/leitor, ao percorrer a imagem, aciona referncias que compem o seu acervo pessoal e instaura relaes, estabelecendo sentidos que, obviamente, variam de pessoa para pessoa, uma vez que os acervos de cada uma delas so diferentes. Assim, quanto maior for o acervo do aluno, maior ser sua interao com o objeto. De acordo com Ryngaert (2009, p.102):

    A imagem oferece inmeras pistas novas quando manejada regularmente e torna-se, ento, muito mais que uma simples ferramenta a servio da improvisao. [...] Malevel e polissmica por natureza, ela oferece aos jogadores um quadro no qual podem se engajar; oferece tambm, paradoxalmente, um abrigo, j que a leitura da imagem deixada apreciao de cada um.

    No entanto, as leituras individuais sero confrontadas com as demais e constituem um processo fundamental para

    A IMPROVISAO COM IMAGENS

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  • 52

    ampliar as possibilidades de apreciar uma mesma imagem. Um exerccio significativo seria solicitar a formao dos alunos em dois grupos e apresentar a cada um deles, duas obras de Van Gogh, uma retratando uma figura humana e outra um par de calados. A partir da fruio em torno da imagem, cada integrante do grupo ir compartilhar a sua leitura com os outros alunos do grupo. Aps isso, cada grupo refletir e compor uma improvisao, articulando as distintas vises sobre uma mesma imagem.

    Woman Winding Yarn, 1885, de Vincent van Gogh.

    A Pair of Shoes, 1886, de Vincent van Gogh.

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    Nesse tipo de proposta interessante trazer imagens variadas para os alunos, no priorizando apenas figuras humanas, pois o trabalho com formas abstratas, objetos, paisagens, dentre outras, possibilita-lhes uma organizao diferente para conceber a cena. Outra variante do exerccio, com grau de dificuldade maior, seria trazer duas, trs ou mais imagens para a apreciao ao invs de uma imagem para cada grupo, de maneira que, no momento da construo da improvisao, as imagens inspirem os integrantes de cada equipe para a composio da cena.

    Outra proposta a Tela Viva, uma forma diferente de trabalhar com a imagem. Nesse caso, as imagens escolhidas devero representar figuras humanas, tendo em vista que o objetivo assimilar a partitura corporal e a composio que a imagem traz para dar incio improvisao. Do mesmo modo, o jogo tem incio com a leitura da obra, seguida do estudo das formas dos corpos, do figurino, do cenrio, dos adereos e do espao. Por fim, os alunos reproduzem a tela com seus corpos em forma de uma imagem esttica, em conjunto com os elementos cnicos trazidos na imagem. Durante esse processo, um recurso que pode auxiliar no estudo e na construo da reproduo da obra o registro fotogrfico, pois o professor poder retratar as primeiras montagens da tela viva para avaliar, juntamente com os alunos, o resultado do trabalho. No momento em que os alunos se observam, possvel detalhar e traar comparaes entre a sua reproduo e a obra, avaliando desde a posio do corpo e o cenrio, at a expresso facial.

    A etapa seguinte consiste em improvisar a partir da imagem esttica reproduzida. Os alunos/atores se colocam como se fossem um quadro e permanecem concentrados na posio durante um curto espao de tempo, para que os espectadores possam observar a cena. Aps isso, do incio ao e o desenrolar da improvisao acontece. Se possvel, uma sugesto projetar a obra original no momento da cena esttica, tendo em vista que assim, os espectadores podero entender o processo de montagem da cena. Logo abaixo, seguem exemplos de tela viva:

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    No primeiro exemplo, o trabalho foi realizado por alunas do 2 ano do ensino fundamental, da rede particular, sob a orientao da professora Teresinha Cndida Barbosa, na cidade de Caetanpolis-MG, em 2009. No segundo exemplo, o trabalho foi realizado por alunos do 4 ano do ensino fundamental, da rede pblica, sob a orientao da professora Mnica Luiza Simio Pinto, na cidade de Curitiba-PR, em 2007.

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    Sister and book, 1997,Iman Maleki

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    Negros de carro, 1828, Jean-Baptiste Debret

    Cabe salientar que trabalhos como esses instigam o aluno a pesquisar os elementos cnicos e que a preocupao no recai somente na interpretao. Assim, a atuao ser pensada a partir de um perfil elaborado das personagens, de acordo com a leitura da obra e, por consequncia, os alunos/atores iro delinear uma inteno para dar sentido ao. Alm do mais, o professor poder aprofundar a proposta, pesquisando juntamente com os alunos sobre o pintor e sua produo, bem como sobre o contexto histrico da obra.

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  • Pensado em funo do espao, o jogo improvisacional uma alternativa que permite descobertas distintas sobre a relao entre os alunos jogadores e o ambiente fsico e a plateia. Dentre as possibilidades, os integrantes de um grupo podem eleger um espao determinado em virtude de uma esttica cnica priorizada ou pelas prprias referncias que o espao por si s oferece. Nesse sentido, importante que o professor focalize o espao durante as prticas teatrais, para que os alunos descubram a importncia da dimenso do espao no qual a cena ir se desenrolar. Ele pode solicitar, por exemplo, que os alunos criem formas de comunicao diferentes de acordo com o espao e que pensem do ponto de vista do espectador, respondendo s questes: Onde exatamente ficar a plateia e de que forma? Qual o ngulo de viso mais interessante para ver este jogo? De quantas formas podemos jogar com a posio ou mesmo o deslocamento da plateia? (BULHES, 2004, p. 76).

    Esse tipo de trabalho instiga um olhar diferenciado para definir a lgica de uma encenao, j que o espao determina uma carga de significao dentro do jogo cnico. Cabe ao professor solicitar aos alunos que escolham o espao em que a improvisao ocorrer, ampliando assim, as alternativas para a dramatizao e no limitando os alunos a apresentarem a encenao num lugar determinado geralmente no palco ou em outro local prprio para o teatro. Vale ressaltar que o teatro contemporneo, com frequncia, se ope esttica tradicional do teatro italiana, pois transforma o espao cnico num

    A IMPROVISAO E O ESPAO

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    experimento para o espetculo. Dessa maneira, escolher um espao para se apresentar requer do aluno um olhar investigativo e uma opo para o presumvel dilogo que esse espao travar com a cena pr-elaborada. Consequentemente, conforme Soares (2010, p. 121), a descoberta de novos espaos, espaos no-convencionais e de sua teatralidade nos permite questionar e reavaliar simultaneamente estes lugares ampliando a capacidade de comunicao [...].

    O ensino do teatro em espaos formais ou no formais de educao deve propiciar ao aluno explorar a teatralidade em diferentes espaos, com o objetivo de transform-los cenicamente, recriando lugares de encontro e de ressignificao. Dentro do espao escolar, por exemplo, o ptio, os corredores e a cantina, dentre outros, podem constituir lugares potenciais para a criao cnica. Numa outra situao, a praa e a rua podem configurar possibilidades inusitadas para aqueles que esto investigando o espao, pois alm dos significados do ambiente em si, o prprio lugar exigir o estudo das potencialidades do corpo e da voz em funo da comunicao/relao com os espectadores. Por certo,

    [...] o primeiro passo consiste em encorajar os alunos a explorar o espao do jogo enquanto rea de experimentao, de criao da teatralidade. Nessa mesma medida, encoraj-los a ocupar o espao, tomar posse dele, torn-lo expressivo, descobrindo-se a si prprios como centro deste espao singular atravs do qual a vida ganha significao (SOARES, 2010, p. 132).

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    Alunos do Curso de Licenciatura em Teatro da Faculdade de Artes do Paran - FAP (2011).

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    O jogo teatral elaborado a partir do espao configura, na percepo da materialidade do espao fsico real, o ponto de partida para a cena. Ao invs de solicitar aos alunos que escolham um espao para a apresentao daquilo que eles j haviam combinado, o jogo formulado a partir das percepes e sensaes que o espao emana. Esse procedimento visa descoberta de uma linguagem e de um dilogo entre os corpos dos alunos/atores em acordo com o ambiente.

    Para ampliar as possibilidades de jogo com o espao, o professor pode utilizar recursos diversos, tais como: fragmentos de texto, adereos, tecidos, msicas e rudos, imagens, etc. Todavia, o nmero e a diversidade de materiais para um nico exerccio poder dificultar a experimentao, cabendo a cada professor avaliar o grupo para avanar nas propostas. Alis, o contato do aluno com espetculos teatrais tambm possibilita ampliar as possibilidades de jogo. Para Ryngaert (2009, p. 73):

    U m co ntato s l i d o co m o te at ro contemporneo indispensvel para que os jogadores constituam referncias e at mesmo modelos contraditrios. [...] jogar / assistir tambm deveria ser um binmio natural, visto que as experincias do espectador remetem s do jogador, e vice-versa. A dupla experincia se impe para que sejam superados os exemplos simplrios de esquetes impostos pela televiso e para que se ouse no confronto com formas contemporneas de escrita e jogo.

    Sendo assim, ao proporcionar ao aluno o papel de espectador, tanto em espetculos teatrais quanto nas encenaes realizadas pelos colegas de turma, o professor deve promover a reflexo dos diferentes olhares. Nessa proposta pedaggica, o receptor deixa de ser um mero espectador passivo e passa a atuar como agente ativo da obra artstica.

  • Promover a aquisio de conhecimento em teatro requer trabalhar o ator e o espectador, ou seja, o fazer e o apreciar (o produtor e o receptor). Como ator, o aluno envolvido na construo e na produo da cena, o que significa fazer e apresentar. Como espectador, ele levado a assistir a espetculos ou a seus prprios colegas, envolvendo-se assim, nos processos de apreciar e de avaliar.

    O professor precisa estar disposto e preparado para possveis anlises, compreendendo os mecanismos da encenao. Caso contrrio, no instigar nos alunos, as reflexes pertinentes sobre uma determinada cena. De acordo com Pupo (2006, p.111),

    Aceitar o convite para um alargamento da percepo daquilo que presenciado no acontecimento teatral torna-se hoje condio indispensvel para o profissional que se dedica a coordenar processos de aprendizagem em teatro.

    Dessa forma, o professor precisa estar preparado para fomentar as discusses sobre as propostas apresentadas pelos alunos, tendo em vista que nas encenaes que eles produzem, ou seja, nas suas obras, eles procuram imaginar e inventar formas novas, que so representaes e expresses do mundo cultural por eles conhecido. Os alunos/artistas fazem isso por meio de diversas linguagens artsticas, tcnicas, materiais e em

    A RECEPO

    artesLICENCIATURA EM

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    diferentes nveis, manifestando criativamente seus pensamentos-emoes. Alm disso, quando esto se expressando ou representando, tambm agem e reagem frente plateia, ou seja, aos outros alunos da sala, ao professor e aos apreciadores ativos, por meio de seus diferentes modos e nveis de saber admirar, gostar e apreciar, culturalmente aprendidos. Portanto, o professor precisa saber lidar com as diferentes propostas dos alunos. Ao proporcionar-lhes o papel de espectador, tanto em espetculos teatrais como nas encenaes realizadas pelos colegas de turma, ele dever promover a reflexo das leituras diversas.

    A recepo do aluno/espectador tem a ver com as vrias formas de leitura de fruio propiciadas aos educandos a partir das atividades teatrais em sala de aula e dos espetculos assistidos. Compreender o contexto dos materiais utilizados, das propostas e das pesquisas, significa conceber o teatro no s como um fazer, mas tambm como uma forma de pens-lo.

    Em seguida, sero comentadas algumas indicaes com a finalidade de elucidar procedimentos especficos do trabalho com a recepo de atividades teatrais em sala de aula e de espetculos assistidos, sem, no entanto, pretender esgotar as discusses e possibilidades sobre o assunto.

    Os alunos que observam as criaes e atuaes de seus colegas em atividades e que so incitados a falar sobre o que viram, iniciam suas opinies crticas com base apenas no gosto. Porm, gradualmente, vo adquirindo conhecimento tcnico e ampliando seu vocabulrio. Segundo Reverbel (1997, p.30):

    Pouco a pouco, as expresses limitadas, como gosto e no gosto, isto , os julgamentos sumrios, perdem o sentido; os a lunos ana l i sam os t raba lhos dos companheiros com maior propriedade, explicando os 'porqus'. Na medida em que se cria o hbito de se criticar, os alunos se exprimem cada vez mais espontaneamente.

    Para Viola Spolin, estudiosa do jogo teatral, a recepo est vinculada avaliao (interao e discusso), pois faz parte

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    do processo de construo do desenvolvimento da confiana mtua, que se insere numa abordagem receptiva do fazer teatral. Conforme a autora:

    A plateia de jogadores no permanece sentada esperando pela sua vez, mas est aberta para a comunicao/experincia e torna-se responsvel pela observao do jogo a partir desse ponto de vista. Aquilo que foi comunicado ou percebido pelos jogadores na plateia discutido por todos (SPOLIN, 2001, p. 32).

    A recepo aberta para discusso no intuito de solucionar um problema. Para tanto, podem ser feitas as seguintes perguntas aos jogadores da plateia: O que vocs esto vendo? O que os jogadores comunicaram? Vocs esto inferindo? Adivinhando? [...]. Do mesmo modo, pode ser perguntado para os jogadores atuantes: Vocs concordam com os jogadores na plateia? Voc (seu time) tirou proveito das avaliaes dos jogadores que os antecederam? (Ibidem, p. 33).

    Como se nota, a construo do conhecimento pautada na observao realizada de forma construtiva. No h imposio do professor e o aluno livre para exprimir suas observaes, sem o receio de ser reprimido. Dessa forma, o clima propicia o desenvolvimento para a observao crtica de diversos pontos de vista, suscitando prticas de cooperao. Quando for possvel, tambm podem ser utilizadas exibies de trechos de registros em vdeo das atividades desenvolvidas em sala de aula, j que os alunos, geralmente, demonstram muito interesse em se descobrirem nas imagens apresentadas.

    O vdeo-registro uma ferramenta poderosa para fornecer aos sujeitos uma viso descentrada de si mesmos, que contribui para o fortalecimento do autoconhecimento e da autocrtica. Poder ver com os prprios olhos como se do ponto de vista do outro uma experincia enriquecedora para o self e constitui um avano rumo a comportamentos

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    menos egocntricos, menos centrados em si mesmo (JAPIASSU, 2003, p. 71, grifos do autor).

    Deve-se salientar, que o vdeo-registro, como recurso instrumental para a discusso e avaliao coletiva das solues cnicas apresentadas pelas equipes, dever cumprir somente a funo de registro documental e no dever ter qualquer preocupao de natureza esttica, em razo da esttica audiovisual.

    Outro recurso a ser utilizado poder ser a fotografia. O professor, aps selecionar algumas 'dessas' fotos, poder col-las em folha de papel ofcio, com instrues precisas ou perguntas objetivas relacionadas ao que as imagens dizem ou querem dizer (Ibidem, p. 72). Por meio dessa atividade, o aluno comear a desenvolver um olhar diferente sobre os elementos da encenao, discutindo o que foi particularmente bem-sucedido e o que poderia ser melhorado.

    Outra forma de registro possvel so os protocolos, que dizem respeito s imagens ou escritas colocadas em uma folha de papel, individualmente ou em grupo, para que os alunos expressem o que vivenciaram numa aula ou num processo teatral. Geralmente, o protocolo produzido na sesso anterior e trazido para o comeo de outra sesso para reavivar a memria sobre os assuntos discutidos e sobre os episdios ocorridos, com o objetivo de refletir sobre o que j foi realizado, com vistas continuidade do processo, em que h

    [...] a preocupao em verificar o grau de transposio das formulaes construdas na forma apresentativa (jogo teatral) para a forma discursiva (depoimento). Desenhos ou fotos elucidariam de outras formas. Preocupei-me especificamente naquele momento com o grau de abstrao e os nveis de associaes, relaes, identificaes, etc. [...] A sntese da aprendizagem, materializada pelo protocolo, tem sem dvida a importante funo de aquecer o grupo, promovendo o encontro (KOUDELA, 2001, p.91).

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    No Brasil, a prtica sistemtica da confeco de protocolos das sesses de trabalho com jogos teatrais foi inaugurada por Ingrid Dormien Koudela, c o m b a s e e m e s t u d o s d o s procedimentos utilizados por Bertolt Brecht, no bojo de sua teoria da pea didtica.

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    Por meio desses registros, os alunos participam observando o processo de cada colega e o seu prprio desenvolvimento, inclusive manifestando seus pontos de vista, o que contribuir para ampliar a recepo das prticas de cada um em suas correlaes artsticas e estticas. Analisar o conjunto desses apontamentos em grupo fundamental para que o aluno reflita sobre suas hipteses, teorias e raciocnios em relao aos temas e contedos abordados. Assim, ele poder expressar suas ideias e, posteriormente, comparar e reconhecer as semelhanas, bem como as diferenas entre as observaes do professor e dos colegas.

    Ao trabalhar a recepo das cenas produzidas pelos alunos/atores, isto , ao assistir e apreci-las, o educando/ espectador vivencia a cena em que crtica, esttica e produo artstica se entrecruzam no processo da aquisio e da apropriao do conhecimento. Conforme Ubersfeld (2005, p.28), deve-se lembrar que:

    [...] na atividade prpria do espectador cooperam dois elementos: de um lado, a reflexo e, de outro, o contgio passional, o transe, a dana, tudo o que emana do corpo do ator e incute a emoo no corpo e no psiquismo do espectador, tudo o que induz, por meio de signos (sinais), o espectador da cerimnia teatral a experimentar emoes que, sem ser idnticas s emoes representadas, mantm com elas relaes determinadas.

    A autora assinala ainda, que a identificao e o distanciamento desempenham, em simbiose, seu papel dialtico. Tanto um espetculo brechtiniano, que desperta a conscincia do espectador, ou um espetculo com cunho catrtico que envolve o espectador, um talvez no ocorra sem o outro, como diz Brecht, pela associao do prazer e da reflexo (Idem).

    Nesse sentido, destacamos que o trabalho de leitura sobre uma determinada cena amplia o referencial do educando, pois o envolve em processos de interpretao, tais como: descrever, interpretar, analisar e avaliar, que esto inseridos na aquisio de

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    Linguagem apropriada o desenvolvimento da habilidade do aluno para empregar termino log ia adequada , descrever convenes e conceitos para compartilhar significados e registrar sua percepo do trabalho observado. Compreenso Crtica o desenvolvimento da capacidade do aluno identificar e comparar a pea observada com outras similares assistidas anteriormente; reconhecer como as idias e questes foram interpretadas pela produo (CABRAL, 2000, p.225).

    O ensino do teatro, ao possibilitar a vivncia de abordagem metodolgica distinta, colabora para ampliar a percepo crtica do aluno. Por essa razo, importante que o professor utilize metodologias sobre a cena teatral no trabalho de mediao entre ele e seus alunos e, principalmente, que lance mo de recursos que possibilitem apontar direes para que estes se aprofundem em conhecimentos diversos da rea teatral e descubram novas possibilidades estticas.

    Dessa maneira, o aluno constri relaes de contedo e de esttica com as experincias vivenciadas por ele e ainda capaz de responder s perguntas: Que smbolos e signos o artista utiliza para abord-los? Eu j vi algo parecido? De que outras maneiras essa idia poderia ser encenada? Como eu faria? De que modo isso se relaciona com a minha vida? (DESGRANGES, 2003, p.78).

    Ao trabalhar a recepo teatral, uma das possibilidades instaurar essas indagaes, analisando o seu impacto e instigar a investigao e a participao dos alunos em diferentes nveis de percepo esttica, histrica e sensorial. importante que eles analisem o funcionamento da linguagem da cena e que procurem compreend-la como parte de uma estrutura articulada, ainda que nem sempre ela se apresente de forma linear. Assim, pode-se desarmar o texto da cena e voltar a arm-lo de modo a elucidar suas significaes.

    Ao tratar do texto espetacular, o professor tem a possibilidade de trabalhar tambm a recepo teatral quando

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    A citao parte da proposta curricular da cidade de Florianpolis.

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    utiliza como suporte o prprio texto da cena, no caso dos jogos e das improvisaes partirem de um texto dramtico (proposta apresentada no item Os fragmentos de texto). Ele poder fazer um estudo antes ou mesmo depois de assistir cena, a fim de avaliar de que forma o texto fala, bem como a cena se mostrou para o pblico.

    Como espectadores, olhamos uma cena, um gesto, enquanto trocam-se marcaes, olhares e luzes em pontos que escapam nossa recepo. Nesta complexa realidade semitica construda na memria, frente ao espetculo em apresentao ou ao finalizado, o texto ser assim sempre uma via segura que auxiliar a chegar aos possveis caminhos de anlise (CAMARGO, 2006, p.248).

    Assim, desenvolver o trabalho de interpretao do texto dramtico e da prpria cena teatral uma prtica cujo foco no est na busca de valoraes, mas constitui uma prtica analtica direcionada pela preocupao de desvendar os sentidos e de descobrir os pontos de vinculao entre o que a cena mostrou e aquilo que o aluno tentou mostrar. Ou ainda, consiste em dar significados e fazer ressonncias ao acmulo de conhecimentos artsticos e estticos por meio da vivncia da linguagem teatral que o aluno possui.

    O aluno deve ser estimulado a vivenciar, a analisar e a compartilhar sentimentos e experincias teatrais, pois expondo coletivamente suas dvidas, acertos, progressos e descobertas, haver no s um crescimento pessoal, mas tambm de todo o grupo envolvido no processo. Desse modo, ele deve ser estimulado a expor suas ideias, a ouvir e a respeitar as ideias dos outros e tambm a discutir e a trocar experincias.

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  • Ensinar teatro, como dito anteriormente, implica preparar o aluno para interagir com a cena contempornea em nvel da produo e da recepo. Assim, deve haver um equilbrio entre produo e recepo no trabalho em sala de aula. Nesse sentido, ao mediar processos teatrais, o professor dever organizar/planejar a aula de maneira a instig-lo a desvendar caminhos para uma livre experimentao, a fim de estabelecer um dilogo produtivo e investigativo na cena, e reflexivo sobre as diversas leituras. Dessa forma, alguns pontos devero ser considerados pelo professor ao delinear uma aula:

    ? Conhecer com propriedade os alunos, para mapear em que nvel de desenvolvimento na rea teatral eles se encontram, com vistas ao melhor planejamento das atividades.

    Antes da ao dramtica, os alunos precisam:

    ? Explorar o movimento do corpo por meio de exerccios que visam aumentar a conscincia corporal, com o objetivo de desenvolver a utilizao do corpo no espao, fazendo uso de exerccios de percepo corporal no processo criativo, interpretativo e sensorial. ? Experimentar diferentes sonoridades a partir da ressonncia corporal, localizando a projeo da voz no espao, associando-a a um trabalho de respirao e articulao, bem como higiene vocal.

    A ORGANIZAO DA EXPERIMENTAO ESTTICA

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    No ensino do teatro, comum que o aluno/ator no compreenda a importncia do trabalho corporal e vocal antes do processo cnico e, que muitas vezes, deseje ir para a cena sem ao menos realizar uma prtica de concentrao. Entretanto, cabe ressaltar que os exerccios que visam ao desenvolvimento da qualidade da presena cnica consciente na rea de jogo e que intervm no nvel de relao do atuante com ele mesmo, com o espao e com os outros, so partcipes e fundamentais para a prtica teatral. Portanto, o nvel de presena no jogo imprescindvel, uma vez que o atuante deve se encontrar num estado de prontido para que a improvisao acontea, ou seja, deve dispor de energia corporal e cerebral necessrias para que entre em cena. Desse modo, o aluno/ator permanece inteiro na cena como um corpo aceso pronto para interagir com os estmulos que sero confrontados no momento da improvisao.

    Durante os jogos e improvisaes, o professor poder:

    ? Possibilitar diversos espaos para a prtica teatral, no somente no sentido de utilizar o espao como propulsor da cena (proposta apontada no item A improvisao e o espao), mas com o objetivo de buscar dilogos com espaos diferentes daquele utilizado cotidianamente;? Oportunizar mltiplos materiais para os exerccios e propostas cnicas, especialmente artefatos flexveis e transformveis, que estimulem a criao, tais como: tecidos, papis, sucata (potes plsticos, caixas de papelo, embalagens em geral, etc.).

    A produo das cenas tambm deve fazer parte do processo criativo, pois o aluno incentivado a criar o cenrio, a confeccionar o figurino, a produzir a sonoplastia e assim por diante, no se preocupando somente com a interpretao, uma vez que ele ir participar de todo o processo da construo de uma cena. Portanto, ao fazer uso de vrios materiais que possibilitam novas criaes, os alunos se apropriam de elementos, de formas e de cores, desenvolvendo a autonomia e a sensibilidade artstica.

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    Todavia, importante que a participao dos alunos nas atividades teatrais seja voluntria, pois a obrigao tende a gerar traumas. Cabe ao professor oferecer atividades alternativas para aqueles que no aceitam atuar, como, por exemplo, analisar os colegas atuantes, fazer um protocolo, auxiliar um grupo no processo de montagem de uma cena, assessorar o professor na dinmica de uma prtica, dentre outras. O importante que, de alguma forma, ele contribua para o desenrolar das atividades e que no momento oportuno, se encoraje a participar como intrprete.

    Caso a proposta for a montagem de um espetculo, os jogos e as improvisaes podem alavancar a construo cnica. Ao invs de eleger um texto dramtico para a encenao, as atividades improvisacionais que cumprem o papel de desenvolver o processo cnico. No entanto, mesmo que a escolha seja por um texto dramtico ou de qualquer outro gnero literrio, os jogos e improvisaes auxiliam de forma construtiva no processo de montagem. Alm disso, outra possibilidade muita utilizada nos dias atuais, so os espetculos de improviso. Nesse formato, muitas encenaes so construdas no calor do momento, j que os temas so sugeridos pela plateia e os atores criam a narrativa em cena.

    De todo modo, durante a preparao dos intrpretes e dos experimentos em qualquer opo selecionada para a montagem de um espetculo, poder ocorrer um relaxamento na energia dos ensaios. Spolin (2008) sugere que o condutor do processo faa as seguintes perguntas para si mesmo:

    ? Estou dando energia suficiente?? E s t o u m e a t e n d o d e m a i s e m q u e s t e s mecnicas/tcnicas?? Quais atores precisam de ateno individual?? Os ensaios esto muitos puxados