Jornal A Parada n.4 - r. pouso alegre, n.4

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DISTRIBUIÇÃO GRATUITA Nº 4 Agosto de 2006 é vivo nas pontas de papilas e dedos o gosto táctil dos metais, o metal das chaves, cada chave de cada lugar onde morei, sua dentição impressa na minha

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Jornal A Parada n.4 - r. pouso alegre, n.4

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Agosto de 2006

é vivo nas pontas de papilas e dedos o gosto táctil dos metais, o

metal das chaves, cada chave de cada lugar onde morei, sua

dentição impressa na minha

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EDIÇÃO Daniel Bilac, Valquíria Rabelo CONSELHO EDITORIAL Chico

Lopes, Daniel Bilac, Deivid Junio, Flávio Gonçalves, Valquíria Rabelo

CAPA e ILUSTRAÇÕES Daniel Bilac TEXTOS Adriana Versiani, Ana

Sílvia Ribeiro, Anderson Nunes, Bruno Ramalho, Chico Lopes, Deivid

Junio, Eugênio Macedo, Fernanda Cosso, Flávia Almeida, Flávio

Gonçalves, Guilherme Santos, José Aloise Bahia, Jovino Machado, Léo

Kildare Louback, Marco Anhapoci, Maria Luiza Falcão, Mirous, Ricardo

Muzafir, Samir Honorato, Valquíria Rabelo PROJETO GRÁFICO Daniel

Bilac, Valquíria Rabelo DIAGRAMAÇÃO Valquíria Rabelo

caro leitor,

este número do “a parada” traz poesias e

prosas diversas, de autores ainda mais diversos

que, juntos, ajudam a compor, através de

dezesseis páginas, as nuances desse endereço

fantástico: r. pouso alegre, nº4.

além disso, a edição apresenta sensíveis

mudanças em relação às anteriores. não só o

jornal, mas o projeto passa por uma fase muito

vindoura de reformulação.

foi criado um conselho editorial, formado

pelos membros mais ativos, que será importante

para legitimar nossas ações enquanto uma

organização coletiva, como também para ampliar

as possibilidades de novas realizações.

r. pouso alegre, nº 4

no jornal, a estrutura foi e está sendo

repensada. alguns espaços foram extintos e

outros, criados. A primeira novidade (e

esperamos que outras surjam nas próximas

edições) é um espaço de entrevistas, inaugurado

por wilmar silva, poeta, editor e curador do

projeto “terças poéticas”, no qual o jornal

“a parada” se apresentará no dia 29 de agosto.

fechamos este número com a poesia visual

de adriana versiani, ocaso do poeta - na crença

de que o nosso próprio ocaso ainda tarda, e

muito, a vir.

os editores

pele, uma mordida eterna, o clique das fechaduras ecoando no aposento: sala vazia?

Contato: [email protected]

Tiragem: 5.000Iniciativa Independente

Apoio Cultural:

O texto que percorre as páginas desta edição pertence a Marco Anhapoci.

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Pergunta quando não há respostaSamir Honorato

Todos ali esperavam a resposta dele. No caso, a minha resposta, porque ele, a quem aguardavam de forma

inquietante, era eu.

Parecia um tribunal, mas podia ser qualquer outro tipo de lugar – uma sala de aula ou de interrogatório.

Meu pai, como um bom advogado que era, inquiria a si próprio quais eram as minhas chances de responder

aquela pergunta, enquanto ansiava que o tempo encurtasse, na medida em que ele mesmo não adivinhava o que

eu poderia responder, não conseguindo nem supor que tipo de resposta caberia para tal pergunta. Pergunta

que, inclusive, fora levantada por mim, após ter percebido, num piscar de tristes olhos, que, juntamente

com o esvair do tempo, a morte também se aproxima.

Minha mãe, perdida entre os pontos mal feitos do crochê e o trejeito involuntário de seus

atormentados olhos, fingia não ser afligida por aquilo que fora solto de repente no ar e que, nesse

instante, pungia as suas lembranças tenras de maneira tão exacerbada que temi que pulasse de sua

boca o seu coração falido.

Meu irmão e minha irmã, ambos mais velhos, sentavam-se diante da tv, trocando de canais

incontroladamente, talvez, a procura de algo, ali na telinha, que fornecesse força e luz para as suas

cabeças tonteadas, confusas depois da colisão que meu indagar causara.

Confesso que nem lembro mais o que perguntei. Decerto que para livrar-me de pensar em demasia

acerca de tudo. Hábito esse que tem me custado algumas rugas, no alvorecer dos meus vinte anos.

Deve ter sido algo terrível. Algo de dimensão gigantesca, de proporção análoga às perturbações minhas

e daqueles que a mim circundavam. Mas o quê? – o que é viver? E para quê? Para quê? Agora eu

lembro. Eu me lembro...

ImagemNaAçãoDeivid Juznio

Num segundofechei os olhose encontrei um mundo

quarto obscuro? porta dos fundos? eu sabia, como nunca soube das linhas da palma

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Bombardeio à Ilha da Esperança IIChico Lopes

À noite,pontos luminosos cruzam o céu.Uma criança acreditaserem estrelas-cadentese conta aos mísseiso desejo de que a guerra acabe.

...e pede a eles,em segredo,um amanhã melhor.

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Destino (fragmento)

Mirous

Nasci condenado a ser triste,a ter amigos imagináriose amores platônicos

Primeiro amorDeivid Junio

Pulei murosroubei amorasbrinquei de amoresCom pinga-fogome queimei

Mas hoje,onde moras?

Migalhas de pão

Valquíria Rabelo

Migalhas de pão Migalhas de pão Migalhas de pão

hidrocoresMarco Anhapoci

uma bolinha, dois olhinhos,corpo de palitinhos, trancinhas:as hidrocores das suas íris são relâmpagos

seu retrato mais nítidoé ainda aquele desenho de canetinhano avesso dos meus olhos

o que dizem? Sou tristeza fria. Confesso, mas não peçoperdão. Digo o que resta dizer: ‘Adeus’.

Queria ter chorado. Mas foi atrás do orgulho queme escondi. Foi como aprendi. Estou de volta, ou finjoestar. Sei que não há mais; nem restos, nem nada. Nadamais apropriado que morrer numa roda. Assim a gentevive, rodando sem saber o porquê, sorrindo bobamentea cada volta. Mas não é agora que vou fraquejar. Carregoo retrato nosso, pra não esquecer, e só. Mas não sei sequero lembrar. Memória é dor. É luto. É preto e branco.

***

Estava sentada na calçada. Uma senhora paroupra conversar comigo, como se eu fosse criança. Talvezfosse mesmo. Como menina, me portei. Talvez fosselouca a velha, mas nem sua loucura nem sua velhiceme incomodavam. Ela pediu pra entrar. Deixei. Pediuum prato de comida. Eu dei. Não tive coragem demandá-la embora. Dormiu no sofá. Na manhã seguinte,encontrei-a ali, sentada, o olhar atormentado. Percebias lágrimas no rosto, já secas, e o retrato preso na mão.Compreendi. E foi aí que conheci a mesquinhez, justoa minha. E foi então que eu não era mais criança.

Silêncio. Só o que queria. Já não queria mais osom das máquinas, das próprias reclamações, doconhecido sinal da fábrica. Nem do jantar fazia questão.Fim de expediente. O caminho pra casa. O ronco domotor do carro. O buzinaço. O trânsito. A lembrançade que tinha de comprar pão. Padaria, fila, moedas. Ogasto e o desgaste. O ronco do carro de novo. Lar. Ochoro da esposa. O descaso - amargo. A briga. As malas.O adeus. A porta batendo. O abandono no quarto.Solidão. Fim. O pão em vão. Silêncio? A campainha dotelefone. Uma voz cobrando o aluguel. Despejo ou fuga?Vergonha. Barulhenta vergonha. Tudo era barulho. Quese danasse o pão. A idéia (súbita). O carro outra vez.O parque. A roda gigante. O ponto (calculado) maisalto. O salto. Silêncio. O nada.

***

Não, nunca fui mãe. Mas assim me acusam.Como, se mal suporto a criança que sou? minha própriainfantilidade? Sou menina, sem inocência. Sou sócaprichos. Mas não choro feito criança. Daquele jeito,sem pudor. Vou embora. Porque não me contento compouco. E você é pouco. E o amor é menos. E de mim,

de minha mão ou das letras do meu nome ou do aniversário de minha

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Valquíria Rabelo

Cartomantes

Velha infância sempre novaDeivid Junio

Sempre rimam criança com esperançaNão há que serPego-me distraído, debruçadoolhando a brincadeira das crianças na calçadaResolvi não fechar a janela por séculos:criança rima com saudade

FotografiasBruno Ramalho

Sorrisos em estaticidade,em falsa felicidade(e, às vezes, não),fazem o belo das fotografias,retratos da vida na farta ilusão.

Pensamentos assimsão sempre tão vise as pessoas não foram(ou mesmo não são)mais do que em fotografiasde um álbum de família,personagens fracassadas da ficção.

mãe, tudo o que havia atrás de cada porta: o cheiro de cada hálito que

Quando menina, esperava o ano inteiro por qualquer data digna decomemoração. Em especial, por meu aniversário. Os dias de véspera se arrastavam

lentos, como que por teimosia ao meu desejo. Nunca me importei muito com a festa,embora me agradasse encontrar a família reunida nessas raras ocasiões, visto que todos

nós morávamos muito longe. Ainda assim, confesso que me alegravam muito mais os presentesque os convidados. Ganhava de tudo: bonecas, ursos de pelúcia, jogos de tabuleiros e, às vezes,indesejadas roupas. Queria mesmo brincar, sem a menor preocupação em conservar os objetos.Tanto que, um ano depois, tudo que havia ganhado estava rasgado, quebrado ou faltando algumapeça. E os brinquedos que ficavam inteiros nesse intervalo de tempo denunciavam o seu poucouso.

Adorava presentes, fossem caros ou simples. Mas nunca gostei de dá-los. Queria todos paramim, de forma que minha mãe, todas as vezes em que eu era convidada para festas de colegas, sevia obrigada a comprá-los em duplicata. Sempre fui um pouco egoísta.

Nos aniversários alheios, nunca ficava dançando as músicas bobas com as meninas nemjogando bola. Na verdade, misturava-me com as pessoas mais velhas e conversava de igual paraigual. Achavam-me muito precoce. Não apenas por minha postura ou pelos assuntos quecompreendia, mas pelo meu desinteresse pelos da minha idade.

Deve ter sido por volta dessa época que aprendi alguns ofícios, como o bordado e a canastra.Convivia tanto com as senhoras que até das rodas de baralho eu participava. Jogava muito bem,apesar de não ter a maldade das adversárias, que por vezes roubavam ou mentiam estrategicamente.Travessuras. Mas se eu não tinha a malícia era por não ter um passado mais vasto do que oconfirmado pelos bolos de glacê coroados com velas de um só dígito. Apesar da minha ingenuidade,as velhinhas diziam que eu tinha futuro. Não sei se blefavam.

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Atrás da GamelaGuilherme Santos

Era tarde. Ou cedo, você pode pensar. O sol já ia parecer, e o marido nãovoltara. Melhor mesmo se nunca voltasse. Lembrava-se agora do casamento. Moçapobre, o homem tinha-lhe parecido honesto, tinha posses, violência também,descobriu depois. Arrependimento enchera-lhe os anos e envelhecera-lhe as feições.

A porta abriu-se de súbito. A respiração fétida do homem cambaleante encheua casa como um veneno que se espalha pelo ar. A massa suja veio em sua direçãocom um olhar vermelho. Abraçou-a, quis-lhe os favores da carne.

Negou enojada. Indagou-o a respeito do atraso, dos olhos vermelhos, docheiro imundo.

Dor.Num instante viu-se ao chão segurando o lábio cortado e a face violentada.

Mais horas de dor e vergonha passaria a pobre mulher.Atrás da gamela de água achou seu refúgio mais uma vez, enquanto o corpo

satisfeito do marido já inconsciente cobria a cama. Lágrimas percorriam-lhe a face.Não podia mais suportar o que os anos lhe haviam dado. Pegou de uma faca dacozinha o cabo de madeira, alisou a lâmina. Hesitação.

Cravado o instrumento penoso no coração sem vida do homem, cujo olhardesesperado transmitia a sensação da iminência da morte e traía-lhe a inocência,pôs-se a pensar. Que havia de fazer agora?

Chamou à casa um cunhado. Mostrou-lhe o incidente, deu-lhe provas dedefesa, foi convincente. Pediu que lhe fizesse companhia, que a ajudasse a acalmaros ânimos. O homem concordou, não era daquele tempo que lhe punha os olhos,o sem vergonha. Seduziu-o. Fê-lo dormir ali.

À noite, apavorada, ligou para a polícia. O cunhado, seu amante, dominadopela loucura do ciúme, atacou-lhe o marido, subjugou-a e ocupava o sofá de suacasa.

RemoerValquíria Rabelo

O homem tossiu de lado,entortando o chapéu- imaginário, já que não o usava.Tirou os sapatos que não calçavae as meias guardadasfazia tempo.

Afrouxou a gravata que sentia no pescoço,desabotoou a camisa no tronco nu,e usou a voz seca para dizero que já não valia.

As palavras retumbaram no quartoem que ele um dia viveu,no qual a luz se acendeue a moça que lhe amava sorria.

E tudo era perfeito,a não serpor não ser,por não ter sido.Dormiu outra vezsossegado pela voze pelas mãos da mãe mortaque dizia ‘’já passou,já passou’’.

senti, meu pai embriagado, os perfumes doces das mulheres maquiladas, o cigarro de

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MemóriaBruno Ramalho

Um homem,três mulheres,um quadrado.

Um lunático,uma amiga,uma amada,uma irmã.

Um homem,três presentese a memória.

Um poeta,três mulheres,quatro estrofese uma história.

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SaudadesRicardo Muzafir

Joguei fora suas lembranças

Meu passado não mais te pertence

Joguei fora seu amor

Mudei os móveis de lugar

Quebrei o espelho, que te refletia

Tranquei o quarto de dispensa

Com os pertences de sua vida

Queimei seus retratos

Numa fogueira incandescente

Que durou o dia inteiro

Até o seu rosto fugir da minha mente!

Joguei fora seus pecados

Meu futuro não mais te pertence

Seu sexo adoeceu

Troquei o quarto de lugar

Da sala fiz meu escritório

Do nosso retrato retalhei seu rosto

Cortei nossa alma

Separei nosso sangue

Dividi nossas vidas

E agora vivo meu presente sem você!

Divido minha vida com o cão

Animal dócil, amigo e fiel

companheiro

E agora, cadê você?

O cão late e eu choro.

Cadê você?

Olhos VermelhosGuilherme Santos

Estava lá em seu barco ind’agora. Os peixes não se renderam. Malditos. Que

apodreçam lá mesmo onde estiverem. Ah...Que fazer agora? O cansaço o dominava.

Saiu da margem lamacenta. A tristeza o carregava.

Há alguns anos, casara-se com uma rapariga muito bem afeiçoada. A família

pobre dera-lhe a mão dela sem questionar. Naquela época tinha posses, seu barco

ainda rendia bem. As posses... foram-se no jogo, o barco vai bem obrigado, só não

tem peixes.

Na rua escura sentou-se sem cerimônia. A cabeça entre as mãos pesava

toneladas. Como contar à mulher que não teriam jantar? Pois não contaria.

Entrou num bar sujo qualquer que havia por ali. Bebeu, brigou, riu, caiu, chorou,

e bebeu. Hora de voltar para casa.

Abriu a porta meio sem jeito, não queria acordar ninguém, mas que se há de

fazer? A mulher veio perguntar onde estivera. Ela era tão bonita! E desce sermão!

Olhos vermelhos?! Será que ela enlouqueceu? Não queria, mas teve de lhe

bater. A danada tinha que aprender quem é que manda!

E depois disso, cheio de carinho, veio ter com ela, em privacidade. E já bem

depois, satisfeito e feliz, dormiu.

Que se sucedeu depois então é que não se sabe. Verdade que ainda se o

perguntou muito depois daquela noite. De fato, o que houve o homem nunca vai

saber. Fato é que não acordou mais.

Dar ao sono a fadiga da manhã

Dormir trabalhando

para acordar sonhando e passar o dia

assim

etéreo

Eugênio Macedo

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meu tio, ou mesmo o cheiro que vinha da rua, das árvores, da grama, da terra, dos

Page 8: Jornal A Parada n.4 - r. pouso alegre, n.4

muros de chapisco, do asfalto molhado de uma chuva fina caída há mais de quinze

Crie um verso

Sinais

Fernanda Cosso

Livre.

Liberta.

Libélula.

Asas ao vento...

Rápidas fugas

Passos de balé

O que faz

sozinha no brejo?

- Mando sinais nas ondas do lago. . .

Esconde-esconde

Deivid Junio

Entre a casa e o muro do vizinho

há um beco

Hoje não mais me cabe

Só uma sombra

por lá assombra

e tenho medo...

Meu Deus,

será lá que deixei minha infância?

bem viveu

quem pouco

se escondeu

e a alegria que estava aqui?!

gato comeu

Jovino Machado

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Sente

Ana Sílvia Ribeiro

Percorre a face

Percorre um rio

Percorre morna

Percorre curva

Estala ao mar

Confunde o mar

Busca o mar

O mar é o peito

O mar é onda

O mar é dor

Aos meus vinte anos

Chico Lopes

Desejo crônico

que me assola ao fundo:

voltar no tempo,

brincar de bola

e chutar o mundo.

9

anos, eu sabia; o número de pregos nas paredes, cada detalhe das molduras, das

Um cubo rubro

Anderson Nunes

Traçam-se linhas retas

Desenhos da mais fina perfeição

Tudo se encaixa, reto

Sem nenhuma emoção

O homem não cabe aí,

Em sua própria prisão racional.

Ele busca mais, fugindo de si

Feito louco ou animal

Onde está a verdade?

Na obra inteiriça?

Nos pedaços que restaram?

Razão, intelecto

Paixão, instinto

Pó, homem, pó?

Crie um verso

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10 Em entrevista a Daniel Bilac e a Valquíria Rabelo, do Jornal A

Parada, o poeta, ator/perfomer e editor, Wilmar Silva, curador

das Terças Poéticas (um projeto de extensão do Suplemento Literário)

fala a respeito dos novos suportes; apresentações e performances;

da necessidade de novas posturas em relação à poesia e das Terças

Poéticas (TP), que completou um ano em julho de 2006.

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D d

e

poes

ia f

alad

a, e

sses

vár

ios

outr

os

suport

es. A

inte

rnet

é u

m s

uport

e que

tem

se

fort

alec

ido c

ada

vez

mai

s, m

as,

nes

se s

entido,

tem

exi

gido t

ambém

muita

del

icad

eza

dos

poet

as p

ara

usa

r es

se s

uport

e

com

inte

ligên

cia.

Eu a

cho q

ue

todas

ess

as o

utr

as e

xper

iênci

as (

as e

xper

iênci

as d

o c

orp

o e

da

voz)

são

exper

iênci

as q

ue

fort

alec

em e

cham

am p

ara

o liv

ro. [...]

Eu p

enso

que

o l

ivro

tem

sim

o s

eu e

spaç

o.

Agora

, nós

pre

cisa

mos

incl

usi

ve

repen

sar

o e

spaç

o d

o li

vro

na

soci

edad

e at

ual

e a

cho q

ue

essa

ques

tão

está

sen

do r

epen

sada

a par

tir

des

sas

atitudes

que

os

poet

as v

êm r

ealiza

ndo p

elo B

rasi

l af

ora

. A

gora

, é

clar

o, é

um

a co

isa

muito d

elic

ada

e m

uito s

util, q

ue

exig

e um

a del

icad

eza

muit

o g

rande

dos

poet

as n

o

senti

do d

e ch

egar

incl

usi

ve

à m

ídia

, à

gra

nde

míd

ia.

As

gra

ndes

edit

ora

s, n

atura

lmen

te,

não

têm

publica

do p

oes

ia.

São

pouco

s poet

as q

ue

têm

liv

ros

de

poem

as p

ublica

dos

pel

as g

randes

edit

ora

s

[...]

, m

as n

ão s

e tr

ata

apen

as d

isso

. E

u a

cho q

ue

se t

rata

tam

bém

de

um

a at

ivid

ade

per

man

ente

que

o

poet

a te

m q

ue

real

izar

com

a s

ua

poes

ia, co

m o

seu

liv

ro, l

evan

do o

seu

tra

bal

ho p

ara

as e

scola

s, p

ara

centr

os

cultura

is,

par

a a

com

unid

ade,

par

a as

pes

soas

, usa

ndo t

odos

os

suport

es p

oss

ívei

s. O

Wal

y

Sal

om

ão d

izia

“a

poes

ia é

a a

rte

do im

poss

ível

”. V

amos

usa

r os

suport

es im

poss

ívei

s; o

u s

eja,

é u

ma

atitude.

Tem

os

que

fala

r e

pen

sar

na

poes

ia p

erm

anen

tem

ente

.

A P

ara

da:

Você c

om

en

tou

qu

e o

poeta

, h

oje

, p

recis

a f

azer

o e

spetá

cu

lo d

a s

ua p

oesi

a,

um

a

ap

rese

nta

ção a

lém

do l

ivro

. U

m p

roje

to q

ue p

rop

õe e

ssa a

pre

sen

tação p

ara

o p

úb

lico é

o

Terç

as

Poéti

cas,

do q

ual

você é

cu

rad

or.

Com

o s

urg

iu a

id

éia

do p

roje

to?

W.S

.: B

em,

eu f

ui

convid

ado p

ela

Cam

ila

Din

iz,

que

é ed

itora

do S

uple

men

to L

iter

ário

, par

a se

r o

cura

dor

do p

roje

to. C

laro

, ac

eite

i de

imed

iato

o c

onvite.

Ace

itei

apai

xonad

amen

te, in

clusi

ve,

porq

ue

Page 11: Jornal A Parada n.4 - r. pouso alegre, n.4

da

po-

e-

sia

A P

ara

da:

O p

roje

to e

stá f

azen

do

um

an

o.

Qu

al

o b

ala

nço

qu

e v

ocê f

az

dess

e a

no q

ue p

ass

ou

e o

qu

e v

ocê e

spera

a p

art

ir d

e a

gora

?

W.S

.: F

oi

surp

reen

den

te a

rec

eptivid

ade

e o r

econhec

imen

to q

ue

o p

roje

to t

eve,

não

som

ente

em

Bel

o H

ori

zonte

, não

som

ente

em

Min

as G

erai

s, m

as e

m v

ário

s

outr

os

esta

dos

bra

sile

iros.

Todas

as

ediç

ões

do p

roje

to s

ão f

oto

gra

fadas

e f

ilm

adas

.

Ser

á publica

do u

m c

atál

ogo p

ela

Fundaç

ão C

lóvis

Sal

gad

o e

Suple

men

to L

iter

ário

,

onde

tere

mos

espaç

o p

ara

todos

os

convid

ados

apre

senta

dos

até

agora

des

de

o

pri

mei

ro d

o a

no p

assa

do (

quem

abri

u o

pro

jeto

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o p

oet

a M

ilto

n C

ésar

Ponte

s)

até

os

atuai

s e

os

outr

os

que

ainda

se a

pre

senta

rão, p

orq

ue

este

cat

álogo s

erá

lança

do

na

últim

a T

P d

o a

no d

e 2006. [...]

Nós

fare

mos,

entã

o, es

sa im

pre

ssão

. E

ntã

o, ac

ho

que

é um

mér

ito, as

sim

, fa

bulo

so, el

e se

rve

com

o e

lem

ento

de

refl

exão

pra

pen

sar

que

a poes

ia t

em e

spaç

o e

com

pet

e a

nós

busc

arm

os

esse

esp

aço.

A P

ara

da: P

ara

fin

ali

zar,

você já c

om

en

tou

qu

e s

on

ha q

ue a

lgu

m d

ia a

poesi

a

vai

ser

con

sid

era

da u

m r

am

o à

part

e d

a l

itera

tura

. E

xp

liq

ue.

W.S

.: <

riso

s> I

sso é

del

icad

o d

e m

ais.

.. ao

diz

er iss

o, es

tava

pen

sando u

nic

amen

te

na

poes

ia q

ue

eu v

enho d

esen

volv

endo e

tam

bém

nas

poét

icas

de

alguns

outr

os

conte

mporâ

neo

s. P

orq

ue

a poes

ia...

eu n

ão p

enso

que

a poes

ia s

eja

um

gên

ero

lite

rári

o.

Eu a

cho a

té q

ue

a lite

ratu

ra p

rest

a um

des

serv

iço à

poes

ia.

Ach

o q

ue

a

poes

ia,

embora

se

utilize

das

pal

avra

s, n

ão q

uer

ser

let

ra,

não

é l

etra

. É

a f

alta

da

letr

a. E

la é

a f

alta

. A

cho q

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as t

ransf

orm

ações

, as

mudan

ças,

ou o

poem

a em

si,

não

é?,

a m

etáf

ora

, as

im

agen

s, a

músi

ca,

o b

arulh

o q

ue

seja

, que

no p

oem

a

per

tence

m a

um

a outr

a ver

dad

e. [

...]

As

atitudes

fís

icas

e p

síquic

as d

os

poet

as d

e

um

modo g

eral

são

rad

ical

men

te o

post

as a

o c

om

port

amen

to d

os

lite

rato

s, e

est

ou

diz

endo i

sso e

nquan

to s

uje

itos.

E n

atura

lmen

te a

quilo q

ue

se c

ria,

que

é ch

amad

o

poes

ia, não

per

tence

à lit

erat

ura

.

Wilmar Silva lançará, em Setembro de 2006, o livro

“Estilhaços no lago de púrpura”. No mesmo mês, se

apresentará no evento “Cabaré Voltaire”, com sua

perfomance “Subida ao Paraíso”. Para entrar em contato

com

W.S.,

envie

um

email

para:

[email protected]

silencioso das gavetas, o arrastar escandaloso das cadeiras, o gemido de cada dobradiça

11sem

pre

tra

bal

hei

com

poes

ia,

cria

ndo p

erfo

rman

ces

ou m

esm

o c

om

o p

roduto

r, b

usc

ando r

ealiza

r

outr

os

pro

jeto

s [...]

. O

conce

ito d

o p

roje

to s

urg

iu d

essa

inte

nçã

o d

e tr

azer

um

esp

aço h

íbri

do, a

ber

to,

o m

ais

dem

ocr

átic

o p

oss

ível

, num

a ca

sa r

efer

ênci

a, n

ão s

ó p

ara

Bel

o H

ori

zonte

, m

as n

acio

nal

men

te

fala

ndo,

que

é o P

alác

io d

as A

rtes

. O

conce

ito é

tra

zer

o p

oet

a, e

que

ele

tenha

ali

um

esp

aço,

um

tem

po d

e tr

inta

, quar

enta

min

uto

s par

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rese

nta

r se

us

poem

as, ou e

m p

erfo

rman

ces,

ou e

m lei

tura

,

ou e

m a

udio

vis

ual

ou e

m C

D, ou s

eja,

confo

rme

as s

uas

condiç

ões

e, na

seqüên

cia,

hom

enag

ear

um

poet

a fa

leci

do.

[...

] E

agora

em

julh

o e

stam

os

com

ple

tando u

m a

no.

É u

m p

roje

to d

e per

iodic

idad

e

sem

anal

e d

esde

julh

o d

e 2005 f

oi,

a ca

da

terç

a-fe

ira,

se

fort

alec

endo c

ada

vez

mai

s, q

uer

sej

a pel

os

convid

ados,

pel

as a

pre

senta

ções

, que

fora

m e

est

ão s

endo r

ealiza

das

ali o

u p

elo p

úblico

, que

foi

cres

cendo c

ada

vez

mai

s. [

...]

Eu c

ham

o d

e pro

jeto

de

leit

ura

, viv

ênci

a e

mem

óri

a de

poes

ia.

A P

ara

da:

Qu

e t

ipo d

e i

mp

acto

, ou

seja

, q

ue t

ipo d

e i

nfl

uên

cia

s vo

cê a

cre

dit

a q

ue a

s T

erç

as

Poéti

cas

tivera

m e

m B

elo

Hori

zon

te?

W.S

.: N

unca

aco

nte

ceu, não

em

Bel

o H

ori

zonte

, ta

lvez

nem

no B

rasi

l, u

m p

roje

to d

e co

nti

nuid

ade

e

de

per

man

ênci

a e

sem

anal

com

o a

s T

erç

as

Poéti

cas

que

conse

guiu

conte

mpla

r es

sa d

iver

sidad

e,

essa

s dif

eren

ças

de

voze

s. E

xist

iram

, sim

, outr

os

pro

jeto

s. C

laro

, muitos

outr

os:

quer

sej

a em

fac

uld

ades

,

em e

scola

s, o

u o

utr

os

pro

jeto

s pro

movid

os

pel

o p

oder

público

munic

ipal

, es

tadual

, ou m

esm

o

pro

jeto

s de

pro

duçõ

es iso

ladas

, in

div

iduai

s, c

ole

tiva

s, m

as o

fat

o é

que

eu a

cho q

ue

as T

P, por

tudo,

acab

aram

se

torn

ando e

sse

pro

jeto

poss

ível

, um

aco

nte

cim

ento

poss

ível

. Q

uan

do e

u r

etorn

o a

os

jard

ins,

que

eu c

ham

o a

té d

e “J

ardin

s das

Del

ícia

s do P

alác

io d

as A

rtes

”, a

sen

saçã

o q

ue

eu t

enho é

que

tem

ali u

ma

siner

gia,

alg

o a

lém

daq

uel

a re

alid

ade.

[...

] O

TP

é u

m p

roje

to d

e pas

sagem

dos

poet

as, ou s

eja,

é u

m p

roje

to e

m q

ue

colo

cam

os

ali o p

oet

a de

fren

te p

ara

o s

eu e

spel

ho.

Qual

é o

seu

espel

ho?

É o

lei

tor;

ess

e le

itor

ao v

ivo.

A P

ara

da:

Para

qu

e t

ipo d

e p

úb

lico v

ocê c

on

sid

era

qu

e a

s T

erç

as

Poéti

cas

são d

irecio

nad

as?

W.S

.: O

pro

jeto

TP

é d

irec

ionad

o à

s pes

soas

que

amam

a p

oes

ia. [...]

É u

m p

roje

to q

ue

o p

úblico

se

const

itui

muit

o d

e es

tudan

tes,

de

poet

as, ar

tist

as d

e um

modo g

eral

, jo

rnal

ista

s e

o p

úblico

com

um

.

Eu já

per

cebi a

li, e

u tiv

e es

ses

dep

oim

ento

s de

pes

soas

que

vêm

de

cidad

es p

róxim

as a

Bel

o H

ori

zonte

;

de

San

ta L

uzi

a, d

e L

agoa

San

ta,

de

Nova

Lim

a ou d

e bai

rros

da

per

ifer

ia d

e B

elo H

ori

zonte

, que

sabem

e c

om

par

ecem

ao p

roje

to. O

u s

eja,

ess

a ocu

paç

ão d

o c

entr

o d

e um

a ca

pital

é u

ma

cois

a m

uito

import

ante

. E

u a

cho q

ue

é um

pro

jeto

que

se p

rest

a in

clusi

ve

a is

so,

a es

sa r

e-hab

itaç

ão d

o e

spaç

o

urb

ano; o e

spaç

o p

úblico

urb

ano q

ue,

por

nat

ure

za d

ever

ia p

erte

nce

r a

todos.

[...

] O

pro

jeto

se

pre

sta

a re

pen

sar

o e

spaç

o u

rban

o,

o m

eio u

rban

o.

Page 12: Jornal A Parada n.4 - r. pouso alegre, n.4

Sobre vôoLéo Kildare Louback

Não estava preparada para aquele acontecimento: pisei num pássaro morto no meio de um cruzamento.Dilacerei. A pressa era tanta que fingi não ter visto. Vi. Senti. Relembrei a dor de ser destroçada. Andei apassos largos para, cansada, esquecer. Ofeguei-me. Quem terá feito mal àquela criatura tão singela e indefesa,que tanto se deu a vida toda e nunca foi notada na sua notável insignificância. As patinhas estiradas, durascomo as estacas que abrem caminho à força, nos invadindo sem o pingo de piedade. Buraco qualquer. Tantapena. Cobrem o chão em volta. Umas já voaram para longe demais para serem vistas. Apenas sentidas. Ocheiro indica seu paradeiro. O corpo esmagado. Muito peso em cima. Sufocava. Acho que foi atropelamento.Claro. Seqüelas nítidas. Dizem que ela estava distraída, olhando obsessivamente um corpo caído. Asas quebradase as vísceras jogadas. Se bem que já não voava mais fazia tempo. No máximo, vôo de falcão adestrado. Vai evem constante e contra a própria vontade.

Segui caminho totalmente incomodada. A imagem pulsando forte. Acho que era andorinha. Eu beija-flor.Milhares de batidas por minuto davam o tom da vida que pairava aparentemente imóvel. Pisei nele semquerer? Terrível demais matar mais que se pode suportar. O motivo ninguém sabe. Talvez descarga elétricados fios da iluminação pública. Ele tem direito a um enterro digno, com cortejo e tudo. É tão bonito. Sempresonhei com isso. Queira voltar lá se tivesse forças. Levaria o pequenino no colo até o sepulcro e rezaria,pedindo aos anjos do senhor que um dia me dessem as graças de ser como ele. Mas ninguém há de dar-lheatenção. Nunca deram. Ficará caído, até ser devorado pelos monstros que habitam a escuridão do mundo,esperando, observando o momento de se darem à luz. Sorte deles, que sempre terão motivos para viver.Vida que nasce e renasce a cada dia diante da morte dos infelizes que sonham alcançar os céus e repousar, umdia sequer, naquela nuvem com formato do urso de pelúcia que ganhei da minha avó.

das portas, das janelas, o que vinha pelas janelas, e a janela do meu quarto se inundando

12

Aurora da minha vidaDeivid Junio

Sou adulto de maioridadeNossa! Nem havia notadoOntem mesmo fui dormir com oito anos...

Entre esmaltes e cicatrizesmeu baú tem mais azul.Tem fotos de atrizes,bobagens, bilhetes, versos, rimas,medalhinha de São Dimas.Tem alhos, bugalhos, retalhos, atalhos.Os filhotes de fantasmasbrincam com a sua letra de criançasuavizando a dor do mundo.Meu baú não tem tampa nem fundo,mas sangra.

Jovino Machado

Page 13: Jornal A Parada n.4 - r. pouso alegre, n.4

AnjosMaria Luiza Falcão

Vão chegando devagar,De pontos diversos vêm.

Agrupam-se, pouco a pouco,

Em quase círculo, irmãos,

Partilham o objeto da fé.

Sentados, pernas unidas,

Cabeça pendenteUne-se às mãos,

Assim permanecem,

Tempo passando,

Em contrição.

Finda a vigília,

Erguem-se e vão.Circulam, sem destino,

Começam outra oração.

E seguem, há mais pedidos,

Agradecem, ou não.

Um se destaca,

Parece aflito,O corpo contorce,

Talvez em transe.

Não olham ao alto,

E eu estranho:

Afinal, onde anda aquele Deus?

No céu deles, estrela é néon,E pisca, é notícia,

Gira veloz num telão.

Cansados agora,

Quem sabe, aflitos,

Por um milagre

Não pedido.Absolvição, Luz Divina,

Pra sair da escuridão.

Não é um enxame,

Nem a vida é mel.

Não é um bando,

Pois ave, só no céu.Mas são anjos,

Tortos, perdidos,

Asas podadas,

Pés e corpo no chão.

Almas presas, submissas,

Ao vício:

Perdição

de um sol de oito horas da manhã dos meus oito anos que lambia minhas

13

AcasoFlávia Almeida

Pensava que jamais voltaria ali desde que tudo terminara.

Voltou. Não por vontade ou curiosidade de ver se tudo

permanecera intocável; voltou por acaso. Passava na porta e

decidiu entrar, num impulso repentino e impensado. Antes de

entrar, sentiu um frio na barriga, um sorriso incontível inundando

o rosto, talvez uma lágrima, talvez uma angústia. Mas estava tudo

igual: concreto aparente, chão de pedras, pessoas. Passou da

porta, já não sentia nada – estava tudo igual. É que as lembranças

são mais bonitas nas fotos, pensou. Já não era o seu lugar. Mais

tarde, em casa, pegaria as fotos, todas as lembranças, e já não

sentiria nada; destruíra a magia naquele acaso. Jurou nunca mais

entrar lá, mas era tarde demais.

Page 14: Jornal A Parada n.4 - r. pouso alegre, n.4

Aos Meus Nove AnosChico Lopes

Piloto sonhos no vazio dessa tarde,manobro pássaros na imensidão do mar dourado,ultrapasso o vento na corrida ao infinito,capturo estrelas no universo prateado.

Salvo rainhas de impérios ilusórios,destruo monstros que vêm da escuridão,desafio bruxos em caldeiras escaldantese quiméricas fadas sem varinhas de condão.

Levo comigo meu dragão de doze faces,jorrando água de narinas grandiosas,lavando a lua de lunáticos lascivose o Universo de estrelas desonrosas.

Viajo longe montado em devaneios,na noite escura meu Sol brilha mais forte,navego nuvens de secas tempestades,zombo do tempo e desafio a sorte.

Meu rumo certo, eu nunca o conheço,a liberdade é sempre minha guia,faço do nada minha musa inspiradorae desse nada é que meu mundo então se cria.

canelas e meus pés, meus braços e mãos, minhas orelhas e face, dentes e pálpebras, eu

14

O que é, o que é?Flávio Gonçalves

“Azus; eles são azus!” – falou de repente

aquela menina que todos os dias vinha sentar-

se à sua porta.

Olhou para ela intrigado. Então, lembrou-

se da pergunta que lhe havia feito e sorriu. A

menina retribuiu o sorriso e ele, observando

aquele rostinho puro e ingênuo a mirá-lo,

perdeu-se em pensamentos. Imaginou o quanto

seria bom poder voltar a ser criança como ela,

a sorrir como ela, a levar a vida como se só

existisse a alegria, a brincadeira, o agora.

Imaginou o quanto seria bom voltar a sonhar

azul.

Quis ser atriz, artista, arteira, moleca... quis ser personagem de um

livro qualquer, escritora, poeta, professora. Cresci. Quis mais nada,

não. Percebi que as minhas querências eram coisas de gente pequena

na idade e grande na alma. Porque quando a gente cresce na idade,

a alma parece que fica menor. E então, meus sonhos de criança já

não cabiam mais em mim. Passei a ansiar coisas menores: uma

carreira estável, um amor não-durável, ou qualquer coisa assim que

tentasse me fazer uma pessoa feliz. Sei não, mas acho que ainda

quero de volta as minhas querências da infância. Ser feliz é algo

grande demais pra quem tem alma pequena.

Flávia Almeida

Barco de papelMarco Anhapoci

Foi navegando no meu barco de papel

Que eu pesquei um peixe de origami

As flores não caem do céu

Não

Page 15: Jornal A Parada n.4 - r. pouso alegre, n.4

Mais um dia de trabalho terminava. Estacionou o carro na garagem,acionou o alarme, como sempre fazia, e dirigiu-se às escadas. Subiu a passoslentos, o cansaço pesando nos ombros, nas costas, no corpo todo. Com obraço esquerdo suspendia a velha maleta preta, tão típica dos executivos. Decabeça baixa, contava os degraus, tentando desvencilhar-se dos inúmerospensamentos desagradáveis que lhe ocorriam.

“Vinte e dois (não quero saber!), vinte e três, vinte e quatro (tá, medeixa em paz!), vinte e cinco (eu já ouvi, agora dá pra calar a boca!), vinte e...,vinte e..., droga, perdi a conta por sua causa!”. Aquele homenzinho de vermelhoem seu ombro não dava sossego. Tagarelava sem parar, relembrando-lheseus problemas, instigando sua ira, insinuando pérfidas conspirações contraele: seus colegas de trabalho, sua mulher, seus parentes, seus amigos, todosqueriam sua ruína. Onde estava o outro homenzinho, o de roupa branca, quecostumava aparecer em seu outro ombro para desmentir o de vermelho?Pensando sobre isso, ele reparou que esse outro homenzinho andava meiosumido ultimamente.

Chegando a um patamar, depois de uma longa subida, parou emfrente à primeira porta à direita e, tirando do bolso sua chave, experimentoua fechadura. Forçou a chave para um lado, para o outro; nada. Ergueu acabeça, tentando identificar o número. Não conseguia enxergar direito naquelapenumbra em que se encontrava o corredor, a visão prejudicada pelo excessode álcool em seu organismo. “Devo ter me enganado”.

Andou lentamente até a próxima porta e repetiu o mesmoprocedimento com a chave. Nada outra vez. Mais alguns passos vagarosos,nova tentativa na porta seguinte e outro resultado frustrante. A essa altura,começou a ficar em dúvida se queria realmente chegar em casa. O homenzinhode vermelho não perdeu a oportunidade e disparou a falar em seu ouvido,reforçando a idéia e acrescentando outras mais maléficas. Após algunssegundos de reflexão, decidiu-se por tentar ainda a última porta. Avançoupara a fechadura, sem muito ânimo, e encaixou mais uma vez a chave. E maisuma vez teve também que retirá-la, sem conseguir abrir a porta.

Desconsolado, olhou para o lado e viu uma janela. Caminhoutropegamente até a mesma e a abriu. Postou a maleta no chão, apoiou asmãos no parapeito e, chegando o corpo para frente, começou a observar apaisagem exterior. Girou a cabeça mansamente de um lado para o outro,mirando sem muita atenção a movimentação da cidade. Olhou, então, parabaixo e, de repente, seus pensamentos começaram a concentrar-se, tomandouma forma mais coesa. O homenzinho de vermelho, agora bem mais agitado,gesticulando muito, continuava seu discurso repleto de sugestões malignas.

Quando finalmente suas idéias se definiram e sua mente clareou-se umpouco, percebeu o que deveria fazer. “Por que eu não pensei nisso antes?!” -disse em voz alta para si mesmo. Desapertou o nó da gravata, tirou o paletó,abriu um pouco a camisa, afrouxou o cinto e olhou novamente para baixo,pela janela, certificando-se do seu destino. Agora sim iria para o seu lar deverdade, para o lugar certo, o lugar que lhe pertencia!

Quando pegou sua maleta, já com a decisão sobre seus próximos atosfirme na cabeça, o homenzinho de branco apareceu em seu outro ombro ecomeçou a lhe falar com voz calma e bondosa. Exasperado com a presençado rival, o homenzinho de vermelho começou a gritar, desdenhando dascoisas que seu opositor dizia. Ficaram, então, os dois homenzinhos a prelecionarsimultaneamente, procurando, cada um, conquistar a atenção do homem cujacabeça encontrava-se entre eles.

Tentando abster-se do incômodo causado por aquela confusão depalavras que ocorria ao pé de seus ouvidos, ele procurou focar seuspensamentos apenas no seu objetivo. Imaginou-se aliviado, descansando empaz, a tensão e a angústia do dia-a-dia simplesmente esquecidas. Apenas maisalguns passos, alguns instantes, e estaria tudo consumado.

Com essas idéias na mente, começou a caminhar, desceu as escadas atéo andar de baixo, dirigiu-se à primeira porta do lado direito, colocou suachave na fechadura, destrancou a porta e entrou. Estava em casa.

Lar Doce LarFlávio Gonçalves

sabia. hoje, outras gentes e coisas habitam lugares que eu soube e agora não sei,

BalbuciarDeivid Junio

o bebêainda sem tamanhomas tão grande diante do orgulho dos paisjápoeticamentebalbucia:gugu...dadáma mapa pacomeça a engatinhardepois dá seus primeiros passos seus primeiros tropeços seus primeiros versosgugu dadandoma mamandopa papando

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cafagesteMarco Anhapoci

depois de ana carolina,

engessei meu coração.

passou uma semana:

- assina meu gesso, mariana?

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ocaso do poetaAdriana Versiani

Arte

: A

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Poema dos trinta anosJovino Machado

aos sete perdi a infâncianão perdi a elegânciaaos dezessete perdi a virgindadenão perdi a dignidadeaos vinte e sete perdi a ingenuidadenão perdi a vaidade

não perdi a fégosto de caféando a pé

Com viverLéo Kildare Louback

Eu morreria de saudades se soubesse de que se trata esse sentimento que tanto atormenta oshomens. Mas ele, depois de muito tentar e pouco entender, conseguiu cortar meu rabo. E dasaudade conheci apenas o medo e a dor. Fugi, para talvez nunca mais.

Tela (Para Marco Llobus)

José Aloise Bahia

pintar no rosto um humor qualquer

reinvenção do corpo

ressentimento de mundo

reintenção do espírito

ressensação de nada

reimitação do não

no olhar oblíquo a mancha da palavra

aparência de cor afogadas matizes

que eu era e não sou mais.

volto somente em visitas clandestinas durante dias de chuva querendo encontrar asportas fechadas para poder enxergar, através delas, para sempre, a mesma casa.

(m.a.)16