Jornal A Sirene Ed. 3 JUNHO

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PARA NÃO ESQUECER A SIRENE EDIçÃO NÚMERO 3 - JUNHO

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EDITORIAL

Junho de 20162 A S I R E N E

As famílias que ainda não preencheram o formulário para recebimento do dinheiro das doações feitas à Prefeitura de mariana devem comparecer ao Escritório dos Atingidos até o dia 24 de junho, prazo fi nal.

COMISSÃO DOS ATINGIDOS INFORMA

Escritório dos AtingidosEndereço: Rua Bom Jesus, 202 - CentroHorário de funcionamento: de segunda-feira a sexta-feira (8h às 12h e de 13h às 17h)

Em maio, a tragédia que se iniciou em mariana e chegou ao Atlântico voltou a ser destaque na grande mídia. Os seis meses do rompimento da Barragem de Fundão foram estampados em diferentes veículos, que analisaram a atual situação do Vale do Rio doce. Alguns problemas já apontados no jornal A Sirene permanecem sem solução, como o carreamento do rejeito da barragem para os rios, a paralisação das investigações sobre esse crime ambiental e o questionamento dos critérios adotados pela empresa para defi nir a condição de atingido. As matérias da grande mídia confi rmam a continuidade dessas e de outras pendências. Em meio a esse interesse nacional, a Sirene foi destaque em uma matéria publicada no Observatório da imprensa, fórum de opiniões que dedica-se a pensar o papel do jornalismo no Brasil. A matéria em questão ressalta a importância de A Sirene para os atingidos de mariana e municípios próximos, como Barra Longa. O nosso jornal é fruto do trabalho voluntário dos atingidos e de simpatizantes dessa causa, e a sua continuidade ganhou dois reforços em maio. A Comissão dos Atingidos de mariana, com o aval do ministério Público e da Arquidiocese de mariana, aprovou recursos que garantirão a publicação mensal de A Sirene por mais dois anos. A Brazil Foundation, entidade que mobiliza recursos para ideias e ações que procuram transformar o país, aprovou um projeto que fi nanciará bolsas e ofi cinas que permitirão aperfeiçoar a produção do jornal. A quarta edição que estamos colocando nas ruas reforça o compromisso de demonstrar a realidade vivenciada por nós atingidos. Em “Eu, a Samarco e o fi m da Alegria”, mauro marcos da Silva narra um ocorrido na década de 1980, demonstra que o problema da adoção de “critérios” pela Samarco não é recente. Na matéria “doenças”, o relato de duas mães exemplifi ca outros de Barra Longa e indicam que as consequências do contato com o rejeito devem ser investigadas, e não negadas pela empresa. O texto sobre a dona Tita, uma senhora de 93 anos, registra a importância do nosso vínculo, como atingidos, com as regiões onde morávamos, e como estamos nos adaptando à realidade criada após o início da tragédia. A matéria sobre Paracatu focaliza outro assunto sensível: como a tragédia atingiu a continuidade das festas e das celebrações tradicionais nas regiões afetadas pelo rejeito. Caso a interrupção das atividades na igreja de Paracatu continue, ela impedirá a realização da Festa do menino Jesus e da centenária Folia de Reis nesse distrito. A Sirene continua soando.

Realização: Atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão/mariana | Apoio: #UmminutodeSirene e iCSA/UFOP | Editor: Gustavo Nolasco e milton Sena | Colaboradores: Adelaide dias, Ana Cristina maia, Ana Elisa Novais, Elke Pena, Elias de Souza, Fernanda Tropia, Gladsmar inácio, Genival Pascoal (Geninho Bravo), Guilherme meneguin, isabella Walter, Jadir José Arantes (Nonô do Gama), José do Patrocínio (Zezinho de Paracatu), Juçara Brittes, Kleverson Lima, Letícia Oliveira, Lucas de Godoy, Luiza Geoff roy, madalena das dores, marinalva Salgado, marília mesquita, marlene Agostinha martins, manoel marcos muniz, mauro marcos da Silva, mauro Lúcio Pais (Cria), milton dos Santos, mônica dos Santos, Rodolfo meirel, Sérgio Papagaio, Silvana dutra, Silvany diniz, Stênio Lima, Valcileno Souza, Wellidas monteiro da Silva (Preto) Fotografia: isabella Walter, Lucas de Godoy, Rodolfo meirel e Stênio Lima | Projeto Gráfico/Diagramação: Lara massa, marilia mesquita, Silmara Filgueiras, Stênio Lima | Revisão: Equipe A Sirene | Agradecimentos: daniela Paschoal, José Estévão martins (Zezé), José das Graças Caetano (Zezinho Café), Kleverson Lima, marcos Paulo de Souza miranda, manoel marcos muniz, maria das Graças Quintão, maria das Graças Arantes (Naná), maria de Fátima Arantes, movimento dos Atingidos por Barragens - mAB, Padre Geraldo martins, Simária Quintão, Th iago Alves, Valdemira inácia Vieira Arantes (d. Tita) | Impressão: Sempre Editora | Tiragem: 2.000 exemplares | Contato: [email protected].

EXPEDIENTE

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Direito de entenderEspecial sobre “doações”

Qual valor total arrecadado pela Prefeitura? Como será distrubuído? No total foram cerca de R$ 1.150.000,00. O valor correto somente a Prefeitura pode repassar. Os valores estão em três contas da prefeitura. Por isso, foi celebrado um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (chamado TAC), entre a 2ª Promotoria de Justiça, o município e as comissões dos atingidos. No total, 305 famílias foram beneficiadas, todas de mariana. O critério adotado foi a perda da moradia, ou seja, a pessoa/família que tinha moradia no local, independentemente da natureza, tem direito ao valor. Os critérios foram discutidos e validados com todos os participantes do TAC. Levou-se em consideração a natureza do evento e a intenção dos doadores: auxiliar os desabrigados. Os recursos serão distribuídos em duas fases. A primeira foi concluída no dia 31/03, foram R$ 800 mil. Na segunda, será distribuído o restante. Essa medida foi

uma cautela para evitar, que caso uma família não fosse contemplada, pudesse ser compensada na segunda fase. de fato, a estratégia mostrou-se apropriada: alguma famílias não foram contempladas e agora na segunda fase, serão atendidas, conforme avaliação das comissões.Qual o valor nessa segunda fase? Na segunda fase, serão distribuídos os valores restantes. Não é possível saber com exatidão quanto haverá na data, porque as doações continuam. Estima-se algo em torno de R$ 350 mil. O mais importante é que as famílias não contempladas na primeira fase serão compensadas na segunda. Eles serão pagos até o dia 30 de junho.Caso minha situação esteja dentro dos critérios adotados, o que é preciso fazer para ser contemplado? A família/atingido que tiver direito ao valor da doação deve procurar as comissões de atingidos para cadastramento até o dia 25 deste mês.

Por Comissão dos AtingidosCom Apoio do Promotor Guilherme Meneghuin

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Eu, a Samarco e o fim da Alegria

A minha relação com a Samarco começou em 1976. Nessa época, eu e minha família morávamos na Vila de Alegria, vizinha da unidade da mina de Germano. meu pai, era funcionário da empresa Samitri (atualmente Vale S/A - acionista da Samarco), e utilizava uma estrada antiga que dava acesso a Bento Rodrigues, passando pela Fábrica. meu pai permanecia na Vila de Alegria durante a semana para trabalhar, onde eu também estudava. A estrada que utilizávamos foi eliminada para a construção das barragens de Germano (1977), Santarém (1995) e Fundão (2007). Recordo que antes da Samarco tínhamos o direito de ir e vir. Porém, posteriormente, passou a ser comum termos que cavar para transitar, pois a empresa começou a fechar a estrada com “montanhas” de terra, valas e cercas.Como a Samarco não possuía local para colocar seus rejeitos, construiu um “bota fora” muito próximo à Vila de Alegria, na Vila Velha, onde minha família residia. A Vila de Alegria era divida por nomes que se equiparavam a bairros, como a Vila Velha, Vila Nova, Vila do Canga e a Vila dos Engenheiros. Esse “bota fora" soterrou duas pessoas nos anos 1980: o meu amigo Edvaldo, cujo corpo até hoje não foi encontrado, e um tratorista da empresa, de nome José Luiz. mortes estas justifi cadas pela empresa como negligência dos pais do menino Edvaldo e imprudência do tratorista, que ao ver uma avalanche de terra pulou do trator para tentar se salvar: queriam que ele tivesse morrido dentro do trator?diante destes fatos, a Samitri decidiu acabar com a Vila de Alegria, e determinou que a Samarco fornecesse subsídio para que cerca de 110 famílias adquirissem lotes em mariana. A Samarco usou como critério contemplar apenas famílias cujo domicilio eleitoral fosse a seção da Vila de Alegria, alegando que as demais famílias possuíam outro

domicílio, deixando de fora cerca de 70, inclusive a minha, por possuir domicílio eleitoral em Bento Rodrigues. Trinta anos depois, após o rejeito da Samarco atingir Bento Rodrigues, vi toda essa história se repetir. meu imóvel foi totalmente destruído, obrigando-me a deixar o local onde eu nasci, cresci e escolhi para viver. Só que desta vez a dor e a perda foram maiores. Bento Rodrigues é minha terra natal, meu domicílio eleitoral e local onde possuo estreitos laços afetivos, já que meus antepassados vivem há gerações nesse distrito. mas esses fatos parecem irrelevantes para a Samarco, que mais uma vez utiliza critérios como lhe convém. Agora ela exclui famílias sob a alegação de que essas possuíam casas de fi nal de semana (moradias não habituais), ignorando de forma explicita o princípio da igualdade garantido pela Constituição Brasileira, pela Convenção Americana sobre direitos Humanos e pelo Código Civil Brasileiro. Esse último, por exemplo, determina que o "domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo defi nitivo” e que se "a pessoa natural tiver diversas residências, onde alternadamente viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas”. Narrei essa história na Audiência Pública realizada no dia 26/04/2016 aos representantes do ministério Público Estadual, do Poder Público municipal e da Samarco. Terminei minha fala com três perguntas: 1 - por que a empresa não cumpre o estabelecido na legislação? 2 - se a minha residência era de fi nal de semana, por que meu iPTU não era proporcional?3 - se a minha residência era de fi nal de semana, por que foi destruída pela lama da Samarco em uma quinta-feira? Até o momento, a Samarco continua em silêncio.

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Por Mauro Marcos da SilvaCom apoio de Kleverson Lima, Ana Cristina Maia, Gustavo Nolasco e Silmara Filgueiras

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Por Mauro Lúcio Santos Pais Pinto (Cria) Com apoio de Kleverson Lima e Marília Mesquita

Atingidos terão voz no acordão?

Em maio, a Comissão dos Atingidos participou de um encontro com o ministro do meio Ambiente, José Sarney Filho, o prefeito de mariana, duarte Júnior, vereadores do município e representantes da empresa Samarco e da Secretaria Estadual de meio Ambiente.dois assuntos dominaram a reunião: a retomada das atividades da Samarco e o Acordão firmado, em março, entre o governo federal, os governos es-taduais (mG e ES) e as empresas Samarco, Vale e BHP. Acordo que nós e o ministério Público criti-camos por não contar com a participação dos atin-gidos das regiões afetadas pelo rejeito. A Samarco pode retomar suas atividades? O mi-nistro deixou claro que a liberação de uma nova licença ambiental para a Samarco só dependeria da empresa. Para isso, ela deveria comprovar o cum-primento das normas da mineração e das exigên-cias de reparo socioambiental. disse que não esta-va satisfeito com o que viu na região de mariana, pois os rios, como o Gualaxo do Norte, continuam com uma cor avermelhada, causada pela lama da barragem. Neste cenário, avisou, a liberação não sairá com a velocidade que a Samarco deseja. Em relação ao Acordão, Sarney Filho disse que não o apoiou quando era membro da Comissão Exter-na da Câmara Federal, mas garantiu que trabalhará para que o processo seja transparente e que conte com a nossa presença. Algumas questões ficaram no ar: como será a participação dos representantes de todas as cidades afetadas pelo rejeito? Qual será o peso da nossa voz e do nosso voto dentro da Fun-dação que será criada pelo Acordão? Entramos e saímos da reunião com perguntas, mas sentimentos que a posição do ministro, caso seja mantida, será mais um ponto de apoio impor-tante nas negociações com as mineradoras. Pedimos somente o que achamos justo: queremos ter voz e poder de decisão nesse processo pois é nosso direito. Sarney Filho deixou mariana e seguiu para Belo Horizonte, onde entregou ao governa-dor Fernando Pimentel o

relatório final da Comissão Externa da Câmara dos deputados. O texto responsabiliza a Samarco pela tragédia, solicita a apuração das responsabilidades dos órgãos envolvidos no licenciamento e fiscali-zação, pede uma moção de repúdio ao Acordão e propõe mudanças no Código de mineração. Três projetos de lei exemplificam essa proposta de alteração do Código: 1) Equipara a resíduos perigosos os rejeitos de mineração depositados em barragens abaixo das quais existam comunidades que possam ser atingi-das por seu eventual rompimento.2) Aumenta o teto das multas em até cem vezes o valor máximo, no caso de desastre ambiental, e ga-rante que o pagamento de multa não desobrigue o infrator de reparar os danos causados. 3) Fortalece as ações de prevenção e preparação na gestão de risco de desastre, no caso de rompimento de barragem.Saiba mais sobre o relatório no site da Câmara Federal.http://www2.camara.leg.br

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E o julgamento?Por Wellidas Monteiro da Silva (Preto)

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A Lavoura perto do BentoPor atingidos do BentoCom apoio de Adelaide Dias, Ana Cristina Maia, Fernanda Tropia, Isabella Walter, Lara Massa, Lucas de Godoy e Rodolfo Meirel

O terreno sempre esteve lá. No trajeto pro Bento podia ser visto da estrada, mas ninguém nunca deu muita atenção. Nos anos 1970, alguns chegaram a trabalhar nele, no plantio do eucalipto, na ronda de formiga ou na vigia do lugar. Quando o Bento desapareceu debaixo da lama da barragem de Fundão, a Lavoura foi lembrada como o lugar ideal para receber a comunidade. O mais importante era fi car próximo ao Bento. Ninguém sabe ao certo quem sugeriu, mas todos sabem que agora era o que queríamos

Porque Lavoura“Quando surgiu o boato da Lavoura e que o pessoal parou pra pensar onde que era o terreno, já foi sensação. Todo mundo gostou. Não consegui ver outro". "Pelo menos lá (no sentido do Bento) dá pra gente continuar a ir nos lugares que a gente ia antes.“

"Se fi zesse pro lado de cá (da sede de mariana), não ia ser mais um distrito, ia ser um bairro. E a gente não queria ser bairro de mariana"."Ninguém é obrigado a morar onde não queira, estando nas condições que a gente tá hoje. A Samarco colocou a gente nessa situação e se a pessoa não quer, ela vai ter que achar uma solução. É um direito da pessoa querer ir ou não".

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Os critérios de escolha"A montagem dos critérios foi antes, só com a comissão e o pessoal da Samarco. depois teve uma reunião geral com todo mundo e as pessoas preencheram o questionário. O critério que eu levantei foi que o terreno do novo Bento tinha que ficar na mesma rota do antigo. depois da definição dos critérios é que a Samarco foi atrás dos terrenos".

"Teve visitas aos outros terrenos também. Graças a deus que teve, porque a partir dessas visitas, quem estava em dúvida, teve certeza da Lavoura".

“No dia do Centro de Convencões eu fui lá. Eles apresentaram os 3 terrenos. mas, tipo assim: parecia praticamente que a Lavoura era o melhor mesmo, se você fosse por na balança só os dados técnicos.”

A Vida no Bento“A maioria tem o mesmo objetivo: viver num cantinho, sossegado, na rocinha lá, com os mesmos vizinhos, todo mundo unido, do mesmo jeito. Pra você ver como que a gente sente falta um do outro. isso mostrou que, querendo ou não, a gente gostava um do outro e não percebia. A gente não percebia como que a gente gostava do Bento”.

“Lá no Bento era assim: a gente ficava amigo a semana inteira, trabalhando, não sei o que. Aí no final de semana a gente brigava com todo mundo: brigava no futebol, brigava no truco, qualquer coisa. Aí na segunda-feira voltava a conversar. Era tipo irmão mesmo”.

Ministério Público questiona “No dia da reunião com o ministério Público, já tinha sido agendado o dia da votação final. mas para as peritas a votação não podia acontecer naquele dia (marcado), porque os estudos que eles apresentaram, estavam incom-pletos. Elas questionaram o negócio da água (é vizinho ao aterro sanitário de mariana). Foi onde eu fiquei com medo”.

O dia da votação“Fui brincar com meu pai que era pra votar no terreno de Carabina e ele quase me bateu”.

“Foi muito tenso. A pessoa ia votar e eu pensava: São Bento, toca no coração dessa pessoa”.

“Não dormi, preocupada. Fiquei lá o tempo todo, desde a hora que começou até acabar. Não arredei o pé. Aí me deu dor de barriga, vontade de fazer xixi, me deu vontade de tudo. Lá na sala de votação tinha a urna de brancos e nulos, Lavoura,Carabina e Bicas. Aí começou pelos votos brancos e tinha que seguir a sequência. Na hora que abriu a urna dos votos brancos, não tinha nada. Beleza! Na hora que abriu a urna da Lavoura e que nós olhamos, tinha muito papelzinho. Foi contando, contando e contando. Vocês não tem ideia do alívio que eu tive”.

“Porque é uma escolha que vai para o resto das nossas vidas. Não é uma eleição para prefeito, que tem de 4 em 4 anos”.

“Não sei se é uma vitória não. mas que comemorei, eu comemorei”.

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Céu de esperançaPor: Zezinho de Paracatu e Stênio LimaCom apoio: Adelaide Dias e Silvany Diniz

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História, fé, tradição e cultura se unem por um bem comum em Paracatu de Baixo: a reabertura da Capela de Santo Antônio quase completamente soterrada pela lama da Samarco e que segue interditada

A Festa do menino Jesus é uma das principais manifestações culturais de Paracatu de Baixo e sobrevive há 46 anos. Outra tradição local é a Folia de Reis, que corre por mais de séculos. instrumentos e vestimentas usados na Folia foram levados pela lama, mas a memória afetiva criada em torno da tradição e a vontade em continuá-la permanece. José do Patrocínio, seu Zezinho, é um dos principais defensores dessas duas heranças. Para arrecadar dinheiro para a Festa do menino Jesus, que acontece em setembro , seu Zezinho e seu grupo saíam com a Folia passando por monsenhor Horta, Campinas, Ponte do Gama, Furquim e redondezas. Em outros locais, a Festa do menino Jesus é realizada em dezembro, próximo ao nascimento de Cristo. Em Paracatu, a data foi alterada para setembro, para evitar que a chuva atrapalhasse as comemorações. A vontade de Seu Zezinho é realizar a Festa onde ela sempre aconteceu, no terreiro de sua casa, em Paracatu. Seu desejo é mantê-la grandiosa. Quer ver o povo celebrar, com fartura, na data escolhida.O promotor marcos Paulo de Souza miranda defende o anseio de seu Zezinho. O coordenador da Promotoria Estadual de defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de minas Gerais segue pressionando a Samarco para

que a Capela seja entregue até setembro. Seu Zezinho pôde ver a igreja por dentro dos tapumes, mas por fora das paredes. As obras de

retirada da lama seguem a passos lentos. Os arqueólogos ainda buscam por peças sacras enterradas a mais de 1 metro e meio de lama ao redor da Capela.

Até lá, a Folia não para. Seu Zezinho e seu grupo, composto por foliões de Águas Claras e Paracatu, se apresentam em outros eventos, como o Festival da Vida, em mariana.

Ganharam duas sanfonas e a Samarco iniciou a entrega de alguns instrumentos que sua lama levou. Eram oito bumbos, três sanfonas, oito pandeiros, chic chic, reco-reco, violão...Seu Zezinho segue esperançoso. Quer de volta a casa, a Capela e seguir, mantendo a tradição que defende com garra há 46 anos.

“Essa bandeira tava lá, a enchente passou, levou os instrumentos, as outras bandeiras, levou tudo... Ela

tava num plástico. Tudo foi embora, ela não foi e nem fi cou barro nela”.

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dos três terrenos apresentados pela Samarco, o chamado “Lavoura” foi escolhido para a construção do novo Bento.

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AgendaMaio

depois de ignorar por muitas semanas as reuniões com a população de Barra Longa, a Samarco volta a participar.04Novo Bento

10Ficou definido que as seções eleitorais do Bento, Paracatu de Baixo e de Cima serão agrupadas em um só lugar: no Centro de Convenções. Também foi aprovada por unanimidade ao continuação do Jornal A Sirene por mais dois anos.

A Sirene Continua

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181717

Foi apresentado pela Samarco às comissões o Programa de Negociação Coordenada elaborado para dar início às negociações para indenizações.

Reunião com as comissões para apresentação do grupo Cáritas Brasileiras, entidade que pode vir a ser assessoria os atingidos em demandas diversas.

População de Barra Longa e o mAB paralisam as obras da Samarco em protesto pelo descumprimento de acordo que tinha feito com os atingidos.

Reunião entre mAB, ministério Público e Samarco definiu ampliação dos cartões e adiantamento das indenizações e as respostas serão dadas por escritas a partir do dia 7 de julho.

1819

Ficaram definidos os três terrenos que irão para votação para construção da nova Paracatu: os terreno de Joel, de Toninho da Vale e de Vicente Flausino. Já está em andamento o levantamento das pessoas que poderão votar na escolha.

decidiu-se que em casos de necessidade de sepultamento, os cemitério das localidades atingidas serão liberados. Também ficou definido que as pessoas deverão procurar a central da Samarco (Rua Bom Jesus, 157) para receber as respostas por escritas das reivindicações.

Por Genival Pascoal, Milton Sena e Valcileno de Souza

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Junho

0806040201 Reunião Grupo de Trabalho de Paracatu

18h - Escritório dos Atingidos

Reunião de negociação dos atingidos de Bento Rodrigues/Samarco/ministério Público 18h - Centro de Convenções

Reunião Grupo de Trabalho Ponte do Gama/Samarco 10h - Casa de D. Terezinha - Ponte do Gama

Reunião interna da Comissa dos Atingidos 18h - Escritório dos Atingidos

Reunião grupo de trabalho de Paracatu 18h - Escritório dos Atingidos

Reunião grupo de trabalho de Bento Rodrigues 17h - Escritório dos Atingidos Reunião de negociação dos atingidos de Paracatu e demais localidades/Samarco/ministério Público 18h - Centro de Convenções

09

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Reunião interna da Comissão dos Atingidos 18h - Escritório dos Atingidos 13

15 Reunião Grupo de Trabalho de Paracatu 18h - Escritório dos Atingidos

Reunião Grupo de Trabalho de Bento Rodrigues 17h - Escritório dos Atingidos Reunião pública geral dos atingidos de mariana/Samarco/ministério Público 18h - Centro de Convenções

20 Reunião interna da Comissão dos Atingidos 18h - Escritório dos Atingidos

22 Reunião Grupo de Trabalho de Paracatu 18h - Escritório dos Atingidos

23 Reunião de negociação dos atingidos de Bento Rodrigues/Samarco/ministério Público 18h - Centro de Convenções

27 Reunião interna da Comissão dos Atingidos 18h - Escritório dos Atingidos

Reunião Grupo de Trabalho de Paracatu 18h - Escritório dos Atingidos 29Reunião Grupo de Trabalho de Bento Rodrigues 17h - Escritório dos Atingidos Reunião de negociação dos atingidos de Paracatu e demais localidades/Samarco/ministério Público 18h - Centro de Convenções

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lavouras só restam as lembranças e muita lama pra não deixar esquecer o prejuízo 3. local onde temos esperança de reconstruir nossas vidas.

Marianense: 1. comunidade que nos acolheu e peço que tenha paciência com a nossa permanência 2. se mobilizaram para tentar ajudar, mas ficamos todos reféns da Samarco 3. pessoas nascidas na sede e distritos de mariana.

Prejuízo: 1. o dia 5 de novembro de 2015 2. é tirar da gente nossos valores morais e financeiros 3. perda, roubo, estrago, dano, agravo, ruína.

Rejeição: 1. falta de amor ao próximo 2. negar nossos direitos 3. deficiência de amor, abuso de autoridade em diferentes áreas.

Vizinhança: 1. o que quero que permaneça no novo Bento 2. precisa entender que todos foram atingidos 3. conjunto de pessoas que habitam os mesmos lugares 4. pessoas que devem ser boas umas com as outras.

temos sofrido dia a dia, desde o rompimento da barragem 2. a falta de respeito a cada pessoa atingida 3. ato de considerar que certas características de uma pessoa são erradas.

Igualdade: 1. o que somos: iguais (mas muitos se acham superiores) 2. haveria se não houvesse distribuição mal feita de recursos, principalmente aos mais humildes 3. valor que só pode ser estabelecido quando comparamos duas ou mais coisas.

Intolerância: 1. falta de respeito com o próximo 2. ato de depreciar uma pessoa devido a sua orientação política, sexual e religiosa 3. descaso e falta de paciência com o outro.

Julgamento: 1. de pessoas sem coração que não se colocam no lugar do outro 2. aquilo que deve ter critério e cuidado 3. ato no qual a autoridade judiciante após examinar os autos, emite sobre ele um juízo.

Lavoura: 1. lugar onde vamos continuar nossa vida 2. das

Acolhimento: 1. o que recebemos das pessoas quando tudo aconteceu 2. está faltando uma ação mais abrangente, pois tem muita gente a espera de assistência e acolhimento 3. maneira de receber ou ser recebido 4. consideração.

Compaixão: 1. sentimento que pessoas que nos julgam não têm 2. o que sinto pelas vidas que se foram na lama 3. sentimento piedoso para com o outro.

Comunidade: 1. pessoas que ocupam um mesmo espaço cultural e histórico 2. vai voltar com o novo Bento 3. foram destruídas e é preciso reconstruí-las para salvar a dignidade de um povo 4. grupo, local de tamanho variável, integrados.

Desconfiança: 1. o que tenho com relação à empresa 2. medo de que a sociedade e os responsáveis (mineradoras) fechem os olhos para o que aconteceu 3. sentimento de não acreditar em algo ou alguém.

Discriminação: 1. o que

A gente explica

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PONTE DOS ATINGIDOS

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Por Sérgio PapagaioCom apoio de Lucas de Godoy (foto) e Stênio Lima (Arte)

Sonhei que estava em Bento no dia do acontecimento, era 05 de novembro de 2000 e 15 anos, quando a barragem estourou, sai correndo na frente para o povo avisar, a lama desceu mais rápido e quando ia me levar, senti uma mão tão forte a me carregar e uma voz baixinha no ouvido, você tem a nobre missão de agir com devoção à ponte dos futuros atingidos e, quando percebi, estava em Gama. E antes de mim, a lama, sem controle acabava de arrancar a ponte que tinha lá. mas eu precisava saltar. Então maria estendeu seu manto pra eu passar. Sai correndo rumo a Paracatu de Cima, a lama acabava de a ponte torta levar. do jeito que vinha correndo não consegui parar, a mão de São Benedito foi ponte pra eu saltar.

Rumo a Paracatu de Baixo, continuei minha jornada, o que me fez passar sobre a ponte insistente, foi o poder de São Clemente, que me levou no coração até onde há pouco era a ponte do Bucão. Um pouquinho mais pra baixo fui tomado pela emoção: quando vi Glorinha e Bilu voando com uma senhora negra cobertos com um manto azul e na ponte que unia mariana e a Barra, tive uma ajuda em dueto. do lado de lá, a padroeira de Campinas e de cá, o do Barreto. Olha o poder da padroeira, em apenas um segundo já chegava no Gesteira, e encarregado de passar do outro lado pra levar um só recado. mas, como saltar sem ponte?Foi ai que percebi, a fé fez construir sobre o barro o jeito de prosseguir. Tive com a padroeira uma prosa

divina, ela me conduziu até a fazenda das Corvinas, quando fui atravessar, a ponte não estava lá, mas quando olhei de novo, eu já podia passar sobre uma madeira do monte das Oliveiras. Ao chegar à ponte da Onça, estava tão cansado que mal parava em pé, então, me levou no colo até a ponte do Quindumba, o patrono São José e, de um jeito tão bonito, os doze apóstolos com a cruz conduziram-me pro outro lado, onde num canto sentado, estava JESUS. meu deus, só agora entendi o que já estava escrito, a ponte dos atingidos é seu filho, JESUS CRiSTO....Quando acordei fiquei sabendo, o governo quer construir com as empresas uma ponte denominada Acordão, mas, para nós atingidos, ela só pode ter um nome: Ponte da TRAiçÃO!....

Concebida disse para Clemilda:

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No quintal, a tragédia

“A gente tem que contar a história da Dona Maria. A casa dela foi a única atingida no Borba!”, disse Marlene da Comissão de Pedras, preocupada com a amiga da localidade vizinha, onde a lama passou por volta da oito horas da noite no dia 05 de novembro

morando há 53 anos na comunidade do Borba, dona maria vive junto do rio, companheiro que lhe dava alguma pesca e um pouco de água para acionar o seu pequeno moinho. Ali criou seus dez filhos e cuidava de suas vaquinhas, patos, galinhas, porcos, perus, plantação de milho, cana, café, carambola, laranja, jabuticaba...

O rejeito chegou à noite em seu quintal. dona maria só conseguiu escapar de uma tragédia maior graças ao alerta de um amigo da família. Com pouco tempo para agir, salvou apenas os documentos e a imagem de Nossa Senhora Aparecida, santa padroeira da festa que a própria dona maria realiza há quinze anos em Pedras. Passou a noite daquele 05 de novembro a céu aberto, no alto da estrada, ouvindo o som da destruição. A única casa atingida pela lama no Borba foi a sua, completamente soterrada. Por isso, ela segue sozinha na luta pelo reconhecimento dos seus direitos. Hoje, dona maria continua próxima ao local da tragédia, vivendo com seu filho marquinho em uma casa situada um pouco acima de sua antiga residência.

Angustiada pelo medo de que a empresa a obrigue a voltar a viver em local de risco, a família deseja que a nova casa seja construída na parte mais alta do próprio terreno. A posição é irredutível. Não querem viver com o medo de passar novamente pelo desastre do rompimento de outra barragem da Samarco."E se a outra barragem romper?".

Por Marlene Agostinha Martins e José Estevão Martins Com apoio de Adelaide Dias, Isabella Walter, Lara Massa e Rodolfo Meirel

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A Samarco preocupa muito com o povo da Praça e esquece as pessoas que moram no morro. Enquanto estão mexendo lá em baixo, a poeira vem toda para o alto e prejudica o povo de cima. Na Praça eles jogam água o tempo todo. Por que o povo do morro é diferente dos da Praça? Por que falam que eu não fui atingida? Cadê meu lote no Gesteira? Cadê pelo menos o material de limpeza pra ajudar a limpar a poeira que eles deixam na nossa casa? Meu cartão, onde está? Não tenho direito, né?! Dizem que eu não fui atingida. Então onde está o local onde meu fi lho brincava? Minha casa está com trincas por causa dos caminhões pesados da Samarco. Será que vão dizer ainda que não sou atingida?

Minha fi lha, de apenas 1 ano, tem sido prisioneira dentro de casa e o motivo é a alergia. Quando ela sai pra rua, porque precisa ir na Praça tomar vacina, volta toda encalombada. No escritório da Samarco falam pra mim provar que essa alergia é consequência da lama, porque eles dizem que a lama não é tóxica e que já foi analisada. Mas eu sou obrigada a discordar, pois quando minha fi lha coloca o pé na rua ela enche de caroço. Sei que aquele ar de deboche é pra mim, os funcionários da Samarco pensam que a gente é bobo. Estou super, super revoltada. A lama que chegou a Barra Longa tem feito eu gastar um absurdo em medicamento com minha fi lha, o hidratante mais barato custa R$55. E dizem, simplesmente, que eu não fui atingida. Mas não é só minha fi lha, tem outras crianças na cidade. Tem criança com problema no olho, com uma bactéria que o médico disse que, se não tratar e for para o sangue, a criança corre risco de vida. A alergia sempre começa com uns carocinhos e depois está na pele toda. Tem uma colega que só essa semana já gastou R$180 com medicamento. Ela está com medo da bactéria ir pro sangue e matar a fi lha dela. Tem o fi lho de outra colega que também está doente, com alergia. São várias crianças que estão sendo devoradas pelas bactérias da lama.

Mas agora, antes de tudo, eu quero a saúde da minha fi lha.Simone Silva.

As marcas (in)visíveis da lama Por Simone Silva e Jéssica LimaCom o apoio de Marília mesquita

Simone Silva, 38 anos, e Jéssica Lima, 21 anos, tem algumas coisas em comum. As duas vivem em Barra Longa, cidade da confl uência do rio Gualaxo do Norte e do ribeirão do Carmo, nos quais passaram 34 milhões de metros cúbicos de lama mais tudo que arrastou desde a cidade de Mariana. As duas são funcionárias da Escola Estadual Pe. José Epifânio Gonçalves, instituição que herdou marcas da destruição e que passa por reformas. As duas são mães, levavam as crianças para brincar na quadra do Esporte Clube Barralonguense - quando não representava risco à saúde - e agora tentam tratar a alergia das fi lhas.

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Quando cheguei em Ponte Nova, a Dra. Aparecida falou que é uma infecção gravíssima na pele e que está muito lesio-nado o lugar. Ela falou que é causada por essa poeira, alguma coisa que a minha fi lha deve ser alérgica. Para o tratamento, ela receitou dois vidros de antibiótico, o Cefalexina; um sabo-nete Soapex, para dar banho nela; e a Mupirocina Creme, para aplicar nos locais de lesão duas vezes ao dia. Agora em vista do que estava, melhorou muito, mas estou preocupada por-que ela já tomou dois vidros de antibiótico e até hoje a pele dela está com marcas.

Maria Clara tem 5 anos e em janeiro começou a vomitar e a ter febre, esse foi o primeiro problema que ela desenvolveu. Ao levar ao médico, iniciou o tratamento com Plasil e contro-lou um pouco os sintomas. Até o dia que o pai dela resolveu levá-la para brincar na quadra do Barralonguense. Nesse dia, ela estava com algumas picadas de pernilongo e depois disso o que eram picadas começou a abrir feridas e a soltar um líquido, então a pele começou a melar. Conforme ela coçava foi espalhando e as perebinhas” aumentando. Quan-do eu já havia gastado na farmácia mais de R$200 em pomadas, resolvi levá-la ao médico. E era tão urgente, que fui no dia 9 de maio, e no dia 10 maio, já estava marcado o encaminhamento para uma consulta com a dermatologista de Ponte Nova.

Jéssica Lima.

Barra Longa foi a última cidade que teve as ruas invadidas pala lama. No dia 6 de novembro, 9 horas após o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, a extensão entre os distritos de Barreto e Gesteira, mais os bairros de Volta da Capela, Centro e morro Vermelho que pertencem à Sede, foram tomados pela lama. Sete meses após a ruptura da barragem, ruas foram desobstruídas, casas foram reformadas, quintais foram limpos e cartões auxílio foram distribuídos. mas os 6.143 barralonguenses continuam convivendo, diáriamente, com a lama. A empresa, através da assessoria, diz que médicos, enfermeiros, psicólogos e outros profi ssionais de saúde foram contratados para ampliar o atendimento na cidade e que estão à disposição de toda a população. Que adquiriu itens indispensáveis para o atendimento de saúde e disponibiliza ambulância tripulada em regime de plantão 24h para o transporte de pacientes. Porém, a alergia não é tratada como uma doença ocasionada pelos componentes dos

rejeitos de Fundão e são os alérgicos quem devem buscar providências quanto aos seus problemas. Enquanto a lama passou por muitos lugares, em Barra Longa ela fi cou. A lama está em marcas de muros, nas solas de sapado e no pó dos moveis. Está no chão e no ar. A Samarco fala que tem realizado o monitoramento da qualidade do ar da cidade. Que foi instalada uma estação de monitoramento que analisa a presença de partículas do ar a cada hora e que é emitido um relatório com a quantidade média do material encontrado. A população não confi a nesses relatórios e acredita que a empresa manipula os resultados ao jogar água nas ruas.A empresa afi rma que os testes divulgados em março pela Fundação Gorceix - instituição vinculada à Escola de minas da Universidade Federal de Ouro Preto - indicam que o rejeito não representa risco à saúde e que não oferece perigo ao ser manuseado. No entanto, o matérial foi recolhido no dia 30 de novembro de 2015.

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O sonhode Dona Tita 

Por Milton e Jadir José Arantes (Nonô do Gama) Com o apoio de Fernanda Tropia, Lucas de Godoye Silmara Filgueiras

Dona Tita morava em Ponte do Gama com alguns de seus fi-lhos em uma casa aconchegante, com varanda, horta, gado e bichos de estimação. Depois da lama, seu lugar virou um grande canteiro de obras, que ela visita toda semana pra não cair na tristeza. Mas ela não perde a esperança de voltar. Aos 93 anos continua sonhando com o futuro.

Cota, filha de Dona Tita - “Ela sente saudade de tudo. de acordar cedo, do serviço, de soltar as galinhas, bus-

car bezerro…”. Nonô do Gama, filho de Dona Tita - “Ela já trabalhou muito. Ela ia até monsenhor Horta (quase 12 quilôme-tros) a pé com um balaio de ovo na cabeça”.Dona Tita - “E com tranqüilidade!”.

Nonô - “mãe tem o sonho de acabar o tempo dela aqui, por isso temos pressa em refazer a casa”.

Dona Tita - “Lá na cidade tá bom, mas aqui é muito mió. Na cidade avista só casa e carro.

Aqui olha pro lado, olha pro outro e ainda avista muita coisa bonita, né?”.Dona Tita - “Ninguém sabia disso, me-nina! Eles tinham de ter avisado. Não avisou não. Pra mim a água subindo era uma enchente boba. mas nós tivemos que subir pros eucaliptos e esperar passar. Quando cabo, trapaiô tudo”.Dona Tita - “Aqui perdeu as coisas, mas não perdeu as pessoas. mas teve gente que morreu lá longe e vieram achar aqui. Triste né, me-nina?”.Nonô - “A terapia dela não é aquele negócio de cidade, de ficar batendo papo. Ela fica mais ner-vosa. A terapia dela é ter o jeito dela andar aqui, andar na roça, circular por aí afora...”.