Jornal Da Unicamp - Reciclagem de gesso

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Jornal da Unicamp Baixar versão em PDF Campinas, 17 de dezembro de 2012 a 31 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 550 Em busca do gesso sustentável Pesquisa aponta potencial de reciclagem do material usado na construção civil Texto: SILVIO ANUNCIAÇÃO Fotos: Divulgação Edição de Imagens: Everaldo Luís Silva Um estudo conduzido na Unicamp apontou a viabilidade de reciclar o resíduo do gesso proveniente da construção civil. A pesquisa, desenvolvida pela engenheira civil Sayonara Maria de Moraes Pinheiro, atestou a possibilidade de recuperar o material, mantendo as mesmas propriedades físicas e mecânicas do gesso comercial. O crescimento da construção civil no país na última década tem acentuado o descarte inadequado do resíduo no ambiente, que pode contaminar o solo e o lençol freático. “Com a investigação mostramos que é viável recuperar um resíduo que não era considerado possível de ser reciclado. Tanto que não existem usinas de reciclo para este material no país. Estima-se que o resíduo do gesso represente em torno de 4% do volume do descarte da construção civil, que no Estado de São Paulo corresponde a mais de 50% de todo o resíduo sólido urbano gerado”, evidencia a engenheira civil. A sua investigação integrou tese doutora do defendida em 2011 junto ao programa de pós-graduação da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. Pelos critérios de originalidade, inovação e qualidade, a pesquisa foi agraciada com o Prêmio Capes de Tese 2012, concedido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Sayonara Pinheiro foi orientada pela docente Gladis Camarini, do Departamento de Arquitetura e Construção da FEC. “O prêmio Capes é a consagração da pesquisa em nível nacional. Eu estou muito feliz! Gostaria de ressaltar a colaboração dos alunos dos PIC Jr. [Programa de Iniciação Científica Júnior] e Pibic [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica], além do apoio da minha orientadora. Sem eles não seria possível fazermos ensaios no volume que foi feito. Reciclamos aproximadamente 400 quilos de gesso, algo que é significativo para uma pesquisa de laboratório”, reconhece a premiada. POLO DE ARARIPE O gesso é amplamente utilizado na construção civil. O seu uso mais comum está relacionado ao revestimento de tetos e paredes; confecção de componentes pré-moldados como forros e divisórias; e como elemento decorativo, devido as suas propriedades de lisura, endurecimento rápido e relativa leveza.

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Reciclagem de gesso

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Jornal da UnicampBaixar versão em PDFCampinas, 17 de dezembro de 2012 a 31 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 550

Em busca do gesso sustentávelPesquisa aponta potencial de reciclagem do material usado na construção civil

Texto: SILVIO ANUNCIAÇÃO

Fotos: Divulgação

Edição de Imagens: Everaldo Luís Silva

Um estudo conduzido na Unicamp apontou a viabilidade de reciclar o resíduo do gesso proveniente da construção civil. A

pesquisa, desenvolvida pela engenheira civil Sayonara Maria de Moraes Pinheiro, atestou a possibilidade de recuperar o  material,

mantendo as mesmas propriedades físicas e mecânicas do gesso comercial. O crescimento da construção civil no país na

última década tem acentuado o descarte inadequado do resíduo no ambiente, que pode contaminar o solo e o lençol freático.

“Com a investigação mostramos que é viável recuperar um resíduo que não era considerado possível de ser reciclado. Tanto

que não existem usinas de reciclo para este material no país. Estima-se que o resíduo do gesso represente em torno de 4% do

volume do descarte da construção civil, que no Estado de São Paulo corresponde a mais de 50% de todo o resíduo sólido urbano

gerado”, evidencia a engenheira civil.

A sua investigação integrou tese doutora do defendida em 2011 junto ao programa de pós-graduação da Faculdade de

Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. Pelos critérios de originalidade, inovação e qualidade, a pesquisa foi

agraciada com o Prêmio Capes de Tese 2012, concedido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

Sayonara Pinheiro foi orientada pela docente Gladis Camarini, do Departamento de Arquitetura e Construção da FEC.

“O prêmio Capes é a consagração da pesquisa em nível nacional. Eu estou muito feliz! Gostaria de ressaltar a colaboração dos

alunos dos PIC Jr. [Programa de Iniciação Científica Júnior] e Pibic [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica], além

do apoio da minha orientadora. Sem eles não seria possível fazermos ensaios no volume que foi feito.  Reciclamos

aproximadamente 400 quilos de gesso, algo que é significativo para uma pesquisa de laboratório”, reconhece a premiada.

POLO DE ARARIPE

O gesso é amplamente utilizado na construção civil. O seu uso mais comum está relacionado ao revestimento de tetos e paredes;

confecção de componentes pré-moldados como forros e divisórias; e como elemento decorativo, devido as suas propriedades de

lisura, endurecimento rápido e relativa leveza.

A matéria-prima é o minério de gipsita, cujas maiores jazidas estão localizadas no polo gesseiro de Araripe, no sertão de

Pernambuco. O polo é responsável por 95% da produção nacional. Todo o processo produtivo da região foi acompanhado de

perto pela estudiosa da Unicamp, atualmente professora da Universidade Federal do Vale de São Francisco (Univasf), situada

próxima à região. 

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Ela explica que o segmento gesseiro nacional encontra-se em expansão. A taxa de crescimento anual é da ordem de 8%,

com expectativa de crescimento ainda maior, segundo dados do Sindicato da Indústria do Gesso de Pernambuco. O

incremento se deve, conforme a engenheira, principalmente, à disseminação de sistemas construtivos alternativos, ao baixo

custo do gesso e ao alto teor de pureza das jazidas de gipsita nacional.

“A extração da gipsita representa 1,9 milhão de toneladas

por ano no Brasil. O polo Gesseiro do Araripe é responsável pela maior parte desta produção, tendo como principais

consumidores os Estados da região Sudeste. O polo é constituído por 37 minas de exploração, cerca de 100 calcinadoras

e, aproximadamente, 300 pequenas unidades produtoras de componentes, a maioria com processos artesanais”, detalha

Sayonara Pinheiro. O volume de resíduos gerado por essas unidades produtoras representa, de acordo ela, massa significativa

para proporcionar reciclagem industrialmente.

IMPACTO

A deposição inadequada do resíduo de gesso pode contaminar o solo e o lençol freático, alerta a estudiosa da Unicamp. Isso

acontece devido às características físicas e químicas do material, que em contato com o ambiente pode se tornar tóxico.

“O resíduo do gesso é constituído de sulfato de cálcio di-hidratado. A facilidade de solubilização promove a sulfurização do solo

e a contaminação do lençol freático”, pontua Sayonara Pinheiro.

Do mesmo modo, a deposição do resíduo em aterros sanitários comuns não é recomendada.  Neste caso, além de tóxico, a

dissolução dos componentes do gesso pode torná-lo inflamável, explica a pesquisadora. “O ambiente úmido, associado

às condições aeróbicas e à presença de bactérias redutoras de sulfato, permite a dissociação dos componentes do resíduo

em dióxido de carbono, água e gás sulfídrico, que possui odor característico de ovo podre. A incineração do gesso também

pode produzir o dióxido de enxofre, um gás tóxico. As possibilidades de minimizar o impacto ambiental, portanto, são a

redução da geração do resíduo, a reutilização e a reciclagem”, aconselha.

LEGISLAÇÃO

No mesmo ano da defesa do estudo de Sayonara Pinheiro, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) publicou resolução

nº 431 estabelecendo uma nova classificação para o gesso. A resolução altera a classificação do material. Antes, ele

era agrupado na categoria de “resíduos para os quais não foram desenvolvidas tecnologias ou aplicações economicamente

viáveis que permitam a sua reciclagem ou recuperação”. Agora, a deliberação inclui o gesso na categoria de “resíduos

recicláveis”, tais como o plástico, papel, papelão, metais, vidros e madeiras. 

“Mesmo que haja segregação deste resíduo na obra, encontramos um problema: a ausência de local para descartá-lo e a

inexistência de usinas de reciclo. E porque não existem as usinas de reciclagem? Porque a Resolução do Conama que recomenda

a reciclagem do resíduo é recente, e as pesquisas relacionadas ao processo de reciclagem e ao conhecimento das características

do gesso reciclado são incipientes. O objetivo do nosso estudo foi justamente avaliar  essas propriedades no material

reciclado, desenvolvido em modelo experimental”, revela a pesquisadora.

RECICLAGEM

O modelo experimental para a reciclagem do resíduo constituiu, de acordo com ela, nas fases de moagem e calcina ção. Após

estas etapas foram avaliadas as propriedades físicas e mecânicas do material reciclado. “Os resíduos foram submetidos a ciclos

de reciclagem consecutivos. Com estes ciclos, nós queríamos verificar se era possível reciclar o gesso, que já havia passado por

processo de reciclo. Chegamos até o 5º ciclo de reciclagem e o gesso apresentou características  químicas e microestruturais

similares ao longo de todo o processo. Podemos inferir, portanto, que ele pode ser reciclado indefinidamente”, conclui.

Os ciclos de reciclagem provam, segundo a engenheira, que o gesso da construção civil pode ser totalmente sustentável.  “Pode-

se utilizar o resíduo do gesso em diversos ciclos de reciclagem, que é uma das diretrizes da sustentabilidade no setor.

Além disso, evita a extração da matéria-prima de fabricação do gesso, que é a gipsita”, complementa Sayonara Pinheiro.