Jornal Sem Terra - 316

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Páginas 4 e 5 www.mst.org.br ANO XXX– Nº 316 – NOV/DEZ 2011 Brigada participa da colheita de azeitonas na Palestina Página 12 SOLIDARIEDADE MST de luto com a morte do companheiro Egídio Brunetto Páginas 8, 9 e 13 HOMENAGEM “A primeira tarefa é olhar para dentro, para nossos assentamentos", afirma Elemar Cezimbra ENTREVISTA

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Páginas 4 e 5

www.ms t . o rg . b r ANO XXX– Nº 316 – NOV/DEZ 2011

Brigada participa

da colheita de azeitonas

na Palestina

Página 12

SOLIDARIEDADE

MST de luto com

a morte do companheiro

Egídio Brunetto

Páginas 8, 9 e 13

HOMENAGEM “A primeira tarefa é olhar

para dentro, para nossos

assentamentos", afirma

Elemar Cezimbra

ENTREVISTA

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2 JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011

EDITORIAL Tarefas é organizar assentamentos para serem referência de produção de alimentos de qualidade

Palavra do leitor FRASE DO MÊS

DIREÇÃO NACIONAL DO MST

Edição: Igor Felippe Santos. Revisão: Joana Tavares, Luiz FelipeAlbuquerque e Vanessa Ramos. Projeto gráfico e diagramação: ElielAlmeida. Assinaturas: Mary Cardoso da Silva. Impressão: AtlânticaGráfica e Editora Ltda.. Tiragem: 10 mil exemplares. Endereço: Al.Barão de Limeira, 1232 – CEP 01202-002 – São Paulo/SP – Tel/fax:(11) 2131-0840. Correio eletrônico: [email protected]. Página nainternet: www.mst.org.br. Todos os textos do Jornal Sem Terrapodem ser reproduzidas por qualquer veículo de comunicação, desdeque citada a fonte e mantida a íntegra do material.

Mande sua mensagempara o Jornal Sem Terra

Sua participação é muito importante. Ascorrespondências podem ser enviadas [email protected] ou para a Alameda Barão de Limeira,1232, Campos Elíseos, São Paulo/SP, CEP 01202-002. Asopiniões expressas na seção “Palavra do leitor” nãorefletem, necessariamente, as opiniões do Jornal sobreos temas abordados. A equipe do JST pode,eventualmente, ter de editar as cartas recebidas.

Crédito da Foto: do livro”Nossa Marcha,Nossa Casa, Nossa Vida”, do MST-AL

O ANO DE 2011 poderia ser considera-do como o 9º ano de um projeto políti-co no governo, que é formado por umacoalizão de forças sociais e políticas,tendo na presidência o PT. Porém, paraa Reforma Agrária, o processo se deucomo se fosse o primeiro ano de um novogoverno, com um viés menos político emais gestor. Por um lado, isso provocauma descontinuidade das políticas pon-tuais que vinham sendo realizadas. Poroutro, abre perspectivas de conquistarmosprogramas mais estruturados.

Um balanço desse primeiro ano degoverno Dilma Rousseff demonstra quetivemos poucos avanços concretos. Seno início do ano havia possibilidades daimplementação de programas de qualifi-cação dos assentamentos – fundamental-mente na área de habitação, alfabetiza-ção e escolarização e de agroindustria-lização – pouco se efetivou na prática.

Em relação à obtenção de terras, te-mos uma faca de dois gumes. Por umlado, foi uma vitória a suplementação doorçamento da obtenção de R$ 400 mi-lhões, obtidos em nossa jornada, che-gando a R$ 930 milhões (valor superioraos anos anteriores, que será mantido em2012). Por outro lado, somente 2.500 fa-mílias do MST foram assentadas.

O elemento que fica bastante claro éa necessidade de convencimento daviabilidade econômica dos assentamentospara que a presidenta realize desapro-priações. Para a assinatura de qualquerdecreto de desapropriação, o que não foivisto até dezembro, será necessário aoIncra convencê-la da viabilidade.

Fizemos em 2011 um grande processode lutas, buscando a unidade das forças nocampo e na cidade. Até os pequenosavanços só foram possíveis com amobilização social e a presença da ReformaAgrária nas lutas de várias organizações.Lutamos bravamente contra as mudançaspropostas pelo agronegócio no CódigoFlorestal e contra os agrotóxicos.

O ano foi de expectativas e poucosavanços concretos, mas estamos longe decair no desânimo. O Incra apresentouuma proposta com parâmetros paradesapropriações à presidenta. O governose comprometeu com a qualificação dos

assentamentos e o orçamento foi recom-posto para o próximo ano. Não teremosum novo Plano Nacional de ReformaAgrária estruturado como tal, mas há umcompromisso com novos assentamentose qualificação da produção.

TarefasVamos aproveitar 2012 também para

fazer um grande debate no nosso Movi-mento, buscando compreender os cami-nhos do capital no campo, o potencialda Reforma Agrária e o nosso papel. Onecessário acúmulo de forças e as con-quistas econômicas para a nossa basedevem cumprir o papel de elevar a for-mação política e ideológica para avançarna democratização da terra e nas trans-formações da estrutura da sociedade quedefendemos desde a nossa fundação.

O ano termina com o sentimentode dever cumprido pelas lutas, ativi-dades e alianças que conseguimos cons-truir, mas infelizmente levaremos cica-trizes das perdas de companheiros quemorreram, muitos deles nas rodoviasdo Brasil, como o nosso grande diri-gente Egídio Brunetto.

Vamos cobrar os compromissos comlutas, ocupações, marchas e mobiliza-ções. As tarefas colocadas são organizaros assentamentos para serem referência

de produção de alimentos de qualidadee sem venenos para a população brasi-leira, organizar os pobres do campo eda cidade em novos acampamentos eocupações e realizar alianças ainda maisfortes. Os compromissos assumidos sóse converterão em conquistas concretascom pressão social e unidade no progra-ma e na luta com outros setores da classetrabalhadora, principalmente do campo.

Se o lema desse governo é “País rico épaís sem pobreza”, temos que abrir os olhosda povo que o modelo do agronegócio,baseado no latifúndio, na exportação, naexclusão social, no envenenamento danatureza e na destruição das florestas é araiz da pobreza no campo. Vamos avançarna conquistas e a sociedade compreenderáque combater a pobreza é fazer ReformaAgrária. O ano novo será feliz com a forçae mobilização do povo!

Por um 2012 de lutas e conquistas

“A principalreferência de lutado Brasil é o MST”

TARIQ ALI, escritor eativista paquistanês, que visitou a

Escola Nacional FlorestanFernandes, em Guararema (SP),

no dia 17 de novembro

EmpreendedorismoFalta ao MST mais empreendedorismo:por que não anunciam seus produtosna Europa? Com certeza iria venderigual água. Por que não montam umarede lojas aqui mesmo no Brasil, ondesó venderiam produtos orgânicosgerados na Reforma Agrária?

DANIEL

AgrotóxicosTrabalho em um hospital. Já sepercebe um aumento na oncologiae quimioterapia. Saiu no jornaltempos atrás que era aplicado duasvezes veneno na plantação detrigo. Hoje já aumentou paraquatro vezes. Já cheguei a pensarque o certo era produção em

gigantescas escalas, mas plantomeu tomate em casa e não comprono mercado. Vi com meus olhos aprodução de tomate: o uso deagrotóxicos é gritante. Nãodeixemos para acreditar no perigodos agrotóxicos quando nossasfamílias forem dizimadas.

AURICELIO LOPES

Um balanço desse primeiro

ano de governo Dilma

Rousseff demonstra que

tivemos poucos avanços

concretos em nossa pauta

Fizemos em 2011 umgrande processo delutas, buscando aunidade das forças nocampo e na cidade

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3JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011

ESTUDO Alimentos que compõem a base das dietas mundiais estão se transformando em commodities

HORÁCIO MARTINS DE CARVALHO

ENGENHEIRO AGRÔNOMO E CIENTISTA SOCIAL

Os meios de comunicação de massanoticiaram que a população mundialhavia alcançado um total de 7 bilhõesde pessoas. Essa notícia, afora ossensacionalismos que a acompanha-ram, destacava, ademais, que 1 bilhãode pessoas se encontravam em situaçãode desnutrição ou subnutrição. Issoquer dizer que estavam sofrendo,principalmente, de “fome oculta”, pornão ingerirem a quantidade mínimanecessária de calorias diárias.

Entretanto, nunca se produziu tantosalimentos como na última década. Háalimentos disponíveis no mundo paraatender à demanda, mas essa populaçãoem situação de fome não possui rendi-

mentos que permitam adquiri-los. Sãoextremamente pobres. Fazem parte dosnúmeros sobre a pobreza que envergo-nham os povos, constrangem os maisapáticos e evidenciam a negação do maiselementar direito humano: o acesso àalimentação. Devido a essa pobreza e suascircunstâncias, registram-se 150 milhõesde crianças subnutridas com menos decinco anos de vida, sendo que 12,9milhões de crianças morrem a cada anoantes de completarem essa idade.

Para o período 2010-2011, o balançomundial entre a produção e o nível deconsumo de cereais deve atingir umdéficit de 43,1 milhões de toneladas. Mas,as atuais reservas mundiais que oscilamem torno de 483 milhões de toneladaspermitiriam satisfazer em 11 vezes essedéficit estimado (de acordo com artigode Vicent Boix). E se levarmos em contaque em 2009-2010 o mundo cultivou 2,3

bilhões de toneladas métricas de cereaise, desse total, 46% foi para a boca depessoas, 34% foi para animais e 18% foipara máquinas – biocombustível e plás-ticos (segundo entrevista de Joel E.Cohen), se poderá inferir que a fome é,antes de tudo, resultante da especulaçãomundial de estoques e preços sobre osalimentos por grandes empresas capi-talistas como Cargill, Bunge, LouisDreyfus e ADM, entre algumas outras.

“A fome tende a se aprofundar namedida em que os preços mundiais dosalimentos estão batendo recordesconsecutivos de alta nos últimos meses.Segundo a revista The Economist, osalimentos estão com os preços mais altosdesde 1984. Relatório publicado emfevereiro pelo Banco Mundial revela queos preços dos alimentos continuam asubir. Entre outubro de 2010 e janeirode 2011 aumentaram 15%. O aumentodos preços ocorreu principalmente comos alimentos básicos: trigo, milho,açúcar e óleos comestíveis”, afirmaEduardo Magalhães, em artigo.

Avanço dasmonoculturas

No Brasil, as iniciativas governa-mentais conseguiram superar a situaçãosocialmente constrangedora de 1987,quando se constatou que aproximada-mente 40% da população brasileira (50milhões de pessoas) vivia em extremapobreza. No entanto, ainda que seja umpaís com grande área agricultável, osdados evidenciam que esta áreadisponível para a produção de ali-mentos está sendo destinada aos mono-cultivos como a cana-de-açúcar e a soja,destinados preferencialmente à agro-indútria e à exportação.

De acordo com estudos de GersonTeixeira, “do ano de 2000 para 2010, aárea colhida com lavouras temporáriasno Brasil passou de 44 milhões para58,3 milhões de hectares, significandoum crescimento, no período, de 14,3milhões de hectares. Basicamente, esseincremento na área colhida se deveu aoaumento verificado nas lavouras de canae soja. Juntas, essas culturas cresceram,

Fome no mundo, resultante daespeculação nas bolsas

Proposta de soberaniaalimentar da ViaCampesina é uma dasprincipais estratégiaspara a superação dafome no mundo

em área colhida, 14 milhões de hectares.Vale assinalar que a soja liderou comampla margem essa expansão, comincremento de 9,7 milhões de hectares.Ou seja, somente a expansão de áreacolhida com soja, entre 2000 e 2010,foi quase quatro vezes maior que o totalda área colhida atual de arroz, ou cercade três vezes superior à área atualcolhida com feijão”.

Os alimentos que compõem a basedas dietas mundiais estão se transfor-mando economicamente em ‘commo-dities’, mercadorias negociadas emmercados futuros e objeto internacionalde especulação comercial. Esta é umadas principais causas da elevação dospreços dos alimentos. Mas, é a ausênciade políticas de Reforma Agrária e dedistribuição da renda e da riqueza queimpedem a melhoria dos rendimentosde bilhões de pessoas em situação deextrema pobreza em todo o mundo.

A crise financeira global que estáse avizinhando já indica que haverá re-cursos públicos disponíveis para salvaros bancos e as grandes empresas nacio-

nais e transnacionais das consequênciasexplícitas da especulação, da fraude eda sordidez em que os seus negóciosse reproduziam e se reproduzem. Po-rém, mantida a concepção de mundo daideologia capitalista, em que o valorcentral é a vida como negócio, seráimpossível eliminar as causas dossofrimentos das pessoas pobres esubalimentadas. Para isso, é necessárioromper com o paradigma de sociedadeem que se vive.

A superação dessa desumanidadeexige ação integrada dos povos que de-sejam encontrar e instituir uma soluçãoglobal, portadora de uma diversidadeque contemple outros paradigmas paraas sociedades de todo o mundo, e capazde canalizar as esperanças e desejos desuperação das causas das desigualdadessociais, das discriminações étnicas e asde gênero e incorporem uma nova rela-ção das pessoas com a natureza. A pro-posta de soberania alimentar da ViaCampesina Internacional é uma dasprincipais estratégias para a superaçãoda fome no mundo.

Na pintura 'Retirantes' (1944), de Cândido Portinari: fome e concentração de terras

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Grandes transformações no campo abrem a perspectiva do MST se reposicionar na luta de classesENTREVISTA

LUIZ FELIPE ALBUQUERQUE

SETOR DE COMUNICAÇÃO

Jornal Sem Terra – Qual o balançoda Reforma Agrária?

Elemar Cezimbra – Em termos dedesapropriações de áreas, o balanço foiextremamente negativo. Nenhuma áreafoi desapropriada no governo Dilma.As medidas para desenvolver os assen-tamentos tampouco avançaram. O pro-grama para agroindústria, a negociaçãodas dívidas e a assistência técnica atétiveram alguns avanços, mas, a políticacomo um todo é extremamente negati-va. O governo entrou na lógica triunfa-lista do agronegócio. Insistem emmanter a invisibilidade do campesinatopor esse Brasil afora e todas as con-tradições criadas por esse modelo, semlevar em conta toda a complexidade, odesenvolvimento cultural, educacionale social do campo.

JST – O governo tinha margempara fazer mais?

EC – O governo podia muito ter outraspolíticas. Não é só porque há uma cor-relação de forças desfavorável que nãopoderia ter alguns avanços. Os avançosque reconhecemos que aconteceram nosúltimos anos se devem à nossa luta. Mas,o agronegócio fez uma contra-ofensivamuito forte e o governo se rendeu muitorápido. O governo atendeu prontamentetodas as demandas do agronegócio, comoo retrocesso na questão do Código Flo-restal e a liberação dos transgênicos. Ogoverno comunga dessa visão de desen-volvimento, de mão única, baseado nolatifúndio e no agronegócio. Não temuma visão do imenso número de campo-neses que podem ir parar nas favelas, casonão consigam ficar no campo. Esse é oresultado desse modelo. O contrapontoda não realização da Reforma Agrária éa militarização das periferias do Rio de

Janeiro e a violência desraigada. Ogoverno não olha esse outro aspecto. Nãoouve-se o que está sendo dito por muitosintelectuais. É um governo surdo.

JST – E qual o porquê dessaposição do governo?

EC – Primeiro, as alianças. Mas o pró-prio governo defendia que essas alianças,com setores centristas e do agronegócio,não impediria que fossem trabalhadasduas visões de agricultura, a familiar e oagronegócio. No entanto, o que se colocada estrutura do Estado para o agrone-gócio, os grandes projetos e as transna-cionais é imensuravelmente maior doque se destina à pequena agricultura, queé amplamente majoritária. São quase 5milhões de famílias de pequenos emédios agricultores, além dos sem-terra,que não são beneficiados. Essa aliançaparece estranha num primeiro momento,por vir de um setor que tem uma trajetória

de esquerda popular. Mas é por isso quenos governos Lula e Dilma oagronegócio teve avanços como nuncana história deste país, pois houve umajunção. Quando era oposição, essas forçasbarravam um monte de coisas. Agora nãohá quem barre. Foi muito fácil passar ostransgênicos. Agora estão levando devento em poupa a questão do CódigoFlorestal. Aumentou o número de créditopara o agronegócio, que está ganhandouma série de outras benesses. É umgoverno que também se entusiasmou comessa lógica de que o Brasil tem umavocação agrícola por natureza.

JST – Desde o início, o governo Dilmanunca deu sinais de que investiria nacriação de novos assentamentos, mas quedaria prioridade ao fortalecimento dos jáexistentes. Como avalia essa posição?

EC – Cumpriram à risca a ideia de nãoinvestir na criação de novos assenta-

A agricultura passou por uma grande

transformação no Brasil nos últimos 10 anos,

com o avanço do modelo do agronegócio.

Esse modelo está baseado na produção de

monoculturas em latifúndios, em uma

aliança dos fazendeiros capitalistas com

empresas transnacionais e capital financeiro,

promove uma mecanização que expulsa as

famílias do campo e utiliza de forma

excessiva venenos, os agrotóxicos.

Essas mudanças operaram transformações na

base material na agricultura, que impõem

novos desafios para os movimentos que lutam

pela Reforma Agrária e pela agricultura fa-

miliar e camponesa. “A dinâmica da luta

mudou muito e isso também nos obriga a rever

todo o processo. A conjuntura da década de

1980 era uma. Hoje é completamente diferente

e muito mais complexa. O inimigo de classes

é muito mais poderoso”, avalia o integrante

da Coordenação Nacional do MST, Elemar

do Nascimento Cezimbra.

Nesta entrevista ao Jornal Sem Terra,

ele avalia a Reforma Agrária sob o governo

Dilma, os avanços necessários para o MST

e as perspectivas para o próximo período.

Viníci

us M

ansu

r

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mentos. Tanto que não desapropriaramnenhuma área. Havia, inclusive, mais de100 processos de desapropriações que jáestavam prontos e na mesa da presidentaDilma, mas ela mandou voltar. Isso éimpactante para quem esperava algumavanço de um governo com caráter maispopular. Toda a estrutura do Estado,quando se trata de interesses populares,é emperrada. O governo não faz muitopara agilizar e acelerar. As políticas paramelhorar os assentamentos foi muitotímida. Avançou muito pouco.As nossas lutas conseguiram acrescentaralguns pontos, colocando alguns recursospara uma coisa ou outra, mas, até agoranão se tornaram realidade - pelo menosna rapidez que se esperava e que erapossível. Se compararmos o orçamentodos governos anteriores com o governoatual em relação à Reforma Agrária,vemos uma grande diminuição. Ou seja,é um Estado que já não ajuda muito sobum governo com pouca vontade deatender esses setores sociais.

JST – Nesse quadro, qual balançodas atividades do Movimento?

EC – Nossa organização já tem quase30 anos. O Brasil passa por uma con-juntura de grandes transformações nocampo. O capital financeiro globali-zado chegou pesadíssimo no Brasil nosúltimos anos. Tudo isso causa muitasmudanças. O MST agora está em umafase de se reposicionar nesse cenárioda luta de classes. Para isso, vamos nosreorganizar, recompor forças e nosreorientar em vários aspectos. Esse éo grande debate que estamos preparan-do até o nosso 6º Congresso Nacional.Estamos fazendo uma avaliação,procurando entender essa conjunturacomplexa com todas suas implicações,dentro do quadro da esquerda no Brasile do descenso da luta de massas. Tudoisso também afeta a nossa luta, porqueé uma parte desse todo e sofre as in-fluências do que acontece na sociedade.Precisamos avançar enquantoreferência de organização de luta.Até o Movimento ser criado, porexemplo, foram seis anos de articu-lações. Inicia-se em 1979 e o 1º Con-gresso aconteceu só em 85. Agora,quase 30 anos depois, precisamosavançar para corresponder às mu-danças pelas quais o país passou. Jáestamos há quatro anos discutindo evamos continuar esse debate por maisdois anos. Ao mesmo tempo, vamoscontinuar fazendo as lutas.

JST – Quais os desafios doMovimento no próximo período?

EC – Depois de 30 anos, o MST seterritorializou nesse país. Estamos em1200 municípios. Nossa primeira tarefana luta é olhar para dentro, para osnossos assentamentos. Temos que nosreorganizar para apontar umaperspectiva de agricultura diferente, umnovo projeto, nos nossos assentamentos.

Queremos produzir alimentos, levandoem conta o meio ambiente, ter outrarelação com a sociedade, recriar comuni-dades rurais, trabalhar a perspectiva deque o campo tem um lugar, sim, nahistória do desenvolvimento desse país eque não pode ser um vazio de gente.Além de organizar nossa casa, temos queolhar para o nosso entorno: dialogar comas comunidades vizinhas, com os municí-pios. Aprofundar as articulações com aclasse trabalhadora, com outras organiza-ções, aliados e com articulações interna-cionais. Isso nunca poderá ser abandonado.A partir daquilo que o Movimento jáconquistou, teremos que nos relançar.Em 1985, não tínhamos quase nada. Osassentamentos estavam começando.Hoje, temos mais de 1 milhão de pessoasna base. São mais de 500 mil famílias.Há toda uma referência que se construiu.E tudo isso se mantém.

JST – É hora de dar umsalto de qualidade?

EC – Nessa dinâmica de transforma-ção, há momentos em que se exige sal-tos de qualidade. O MST está nessemomento. A dinâmica da luta mudoumuito e isso também nos obriga a revertodo o processo. A conjuntura da déca-da de 1980 era uma. Hoje é completa-mente diferente e muito mais comple-xa. O inimigo de classes é muito maispoderoso. Isso exige do MST um tra-balho de base muito mais forte. E nissotemos que dialogar, ouvir, saber das

demandas e nos organizar para res-pondê-las, o que deriva de uma sériede outras mudanças.

JST – O que o Movimento precisa fazerpara aprofundar esse processo?

EC – Em primeiro lugar, levar essedebate a toda nossa base. Precisamosavançar no trabalho de base para termaior solidez no próximo período.A militância vai ter que estudar, en-tender esse momento e aprofundarnesse debate. É a primeira tarefa quejá está sendo feita. Nossa base vai terque entender esse novo período ecomo é que temos que nos posicionardentro desse contexto.Enquanto se faz o trabalho de base,vamos também nos reorganizar.Também temos de seguir, com maisqualidade, na formação de quadros.Qual é a cabeça e o estilo do militanteque vamos precisar nesse novo período?Se não tiver gente preparada nãoconseguiremos conduzir a luta. Osdirigentes que vão conduzir têm queestar colados com a base e bempreparados para essa nova conjuntura.A luta pela terra continua. Temos quetrabalhar melhor com a nossa base aideia de que a Reforma Agrária clássica,baseada apenas na distribuição de terras,está ultrapassada. A perspectiva éretomar com mais força o trabalho deocupação de terras e latifúndios.

JST – E o trabalho de basenos assentamentos?

EC – Temos que aprofundar a dis-cussão sobre o tipo de assentamento quequeremos, levando em conta a organi-zação, a agroecologia, assistência técni-ca, a cooperação e a agroindústria. Eestamos pressionando o governo para

liberar mais investimentos. Temos umavisão de um camponês desenvolvido,avançado, que busca uma cooperaçãoque não é o fim em si mesma, mas omeio. Esse é outro desafio. Temos quedesenvolver os assentamentos buscandouma finalidade social na luta de classes,na perspectiva de uma transformaçãomais profunda. Tudo isso são meios,mecanismos e instrumentos para essaperspectiva maior, a perspectiva dautopia. Quem perde a utopia estáperdido. Essas tarefas são grandes, mastemos que avançar.

JST – Qual o papel de juventudenesse debate?

EC – Precisamos fazer uma discussãoforte sobre o que nós queremos com asnossas crianças e nossa juventude. Qualé o lugar deles e como fazer com queparticipem? É um trabalho que vamosretomar com mais força. O setor degênero, as questões das mulheres,também é outro ponto. Temos queacelerar o processo de participação dasmulheres na base, com mais efetividade,clareza e intencionalidade.Temos que traçar metas, aprender a nosorganizar com menos espontaneidade.Junto à utopia, temos que traçar aestratégia e suas diretrizes. Traçar açõese avaliá-las. Trabalhar planejadamenteé algo muito difícil em uma organizaçãocamponesa, mas temos que nosorganizar. Essa qualidade não é sópolítica e ideológica, é também técnicae administrativa. Organizar bem osrecursos, viabilizar as finanças equalificar a relação com o Estado.Temos que trabalhar seriamente o ladoda autossustentação, com muito maisefetividade para podermos nos colocarcom mais força no próximo período.

“O Brasil passa por umaconjuntura de grandestransformações no campo.O capital financeiroglobalizado chegoupesadíssimo no Brasil nosúltimos anos. Tudo issocausa muitas mudanças”

É necessário aprofundar a discussão da agroecologia e da cooperação.

Doug

las M

ansu

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6 JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011

ESTADOS 45 trabalhadores rurais da Via Campesina receberam o diploma de bacharelado e licenciatura em Geografia

ELISA ESTROLIONI

SETOR DE COMUNICAÇÃO MAB

“QUE a universidade se pintede negro, de mulato, de ope-rário, de camponês.” Ainda

que a utopia descrita por Che Guevaraesteja longe da realidade brasileira, aUniversidade Estadual Paulista (Unesp)deu um passo nesse caminho: 45 traba-lhadores rurais da Via Campesina rece-beram o diploma de bacharelado e licen-ciatura em Geografia, em novembro.

A turma, batizada de Milton San-tos, em homenagem ao geógrafo brasi-leiro, teve início em 2007, em uma par-ceria entre Programa Nacional de Edu-cação na Reforma Agrária (Pronera),Instituto Nacional de Colonização e Re-forma Agrária (Incra), a Escola Na-cional Florestan Fernandes (ENFF) ea Via Campesina.

O formato do curso foi adaptado àrealidade dos trabalhadores rurais,composto de duas etapas anuais: umarealizada em janeiro e fevereiro, na Unesp,e outra em julho e agosto, na ENFF.

“O nosso curso é considerado espe-cial pelo sistema de alternância. Nossotempo se dividia em tempo escola (pe-ríodo das aulas) e o tempo comunidade,

Camponeses conquistam diplomaem geografia pela Unesp

Assentadoscomemoram quatroanos de rádioem Madalena

MARCELO MATTOS

SETOR DE COMUNICAÇÃO MST-CE

AS FAMÍLIAS doassentamento 25 de maio,no município de Madalena

(a 180 km de Fortaleza),comemoraram os quatro anosda rádio 25 de maio FM - 95,3,na comunidade Quieto,no final de novembro.

Há quatro anos, no dia 23 denovembro de 2007, a rádiocomeçou a romper mais uma cerca,a do latifúndio da comunicação,com a construção da primeira rádiodo Movimento no Ceará, noprimeiro assentamento do estado.

A rádio transmite para 15municípios programas musicais,esportivos e informativos, como o“Reforma Agrária em Debate”. Aosdomingos, vai ao ar o “SemTerrinha em Ação”, feito pelaspróprias crianças. O programa“Cantoria” transmite música dosartistas da Reforma Agrária.

A programação da rádio, que éconstruída de forma coletiva pelafamílias do assentamento, é abertaà comunidade, fazendo umacomunicação diferente, educativa,comprometida com atransformação social.

Além dessa, o MST mantémno ar mais duas rádios no Ceará(a Camponesa FM 95,7,abrangendo 10 municípios, e aRádio Lagoa do Mineiro FM95,3) e pretende inaugurar maisuma, a Aroeira Vilane FM 95,3.O Movimento tem também umprograma às terças-feira na rádioAM São Francisco de Canindé.

RAFAEL SORIANO

SETOR DE COMUNICAÇÃO MST-AL

UMA MARCHA de Sem Ter-ra tomou as ruelas de estandesda 5ª Bienal do Livro da Uni-

versidade Federal de Alagoas (Ufal), nolançamento do livro “Nossa Marcha,Nossa Casa, Nossa Vida”, uma publi-cação de depoimentos e imagens da lutapela Reforma Agrária em Alagoas.

A maioria das fotos foram tiradaspelo fotógrafo Raul Spinassé, durantea Marcha Estadual Por Reforma Agrá-ria e Soberania Popular em 2009. Olivro é um documento que tenta trans-mitir a simplicidade e os traços de umpovo que sabe o que quer e como chegar

Cerimônia de formatura da turma, batizada com o nome de Milton Santos

onde continuávamos nossa militância,trabalho e estudo. A Via Campesina temcomo princípio que para estudar nãodevemos nos afastar da realidade, dosespaços da luta”, conta Ivanei Dalla Cos-ta, militante do Movimento dos Atin-gidos por Barragens (MAB) e partici-pante do curso.

Os coordenadores do curso pelaUnesp, Antonio Thomaz Jr. e BernardoMançano, descrevem o processo decriação do curso como “uma verdadei-ra batalha campal” travada dentro daburocracia da universidade. Porém,com a sensibilidade e clareza de muitos

diretores, foi possível o projeto.Além de militantes da Via Cam-

pesina (do MST, MPA, MAB, PJR),também participaram do curso inte-grantes das Escolas da Família Agrí-cola, da Consulta Popular, da Educa-fro e do Movimento dos TrabalhadoresSem Teto (MTST).

“Temos a certeza que a possibili-dade deste curso de geografia, e demuitos outros que estão sendo reali-zados em diversos lugares do país, éresultado de muita luta, de muitasocupações de terra feitas por este Brasilafora”, afirmou Ivanei.

Rostos e lutas em preto e brancoaté lá. A cerimônia contou com a pre-sença de representantes do governo doestado, do Conselho Regional de Ser-viço Social e da Editora da Univer-sidade Federal de Alagoas (Edufal).Para Débora Nunes, da CoordenaçãoNacional do MST, “as imagens bemretratadas no livro são um convite àsociedade alagoana para se aproximardo Movimento”. Segundo a militante,há um elitismo na produção doconhecimento.

A publicação é resultado de umacuradoria de fotos em preto e brancode cenas cotidianas, traços humanos,momentos lúdicos e de militância,acompanhadas de depoimentos dospróprios trabalhadores.

Livro retrata cotidiano e traçoshumanos dos Sem Terra

Judit

e Sa

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7JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011

ESTADOS Cada casa tem 71 metros quadrados, três quartos, sala, cozinha e banheiros

LEANDRO CARRASCO

SETOR DE COMUNICAÇÃO

O PROJETO de elaboraçãode técnicas de construçãode moradias, no Mato

Grosso do Sul, rendeu à Reforma Agrá-ria o título de vencedora da 6ª Ediçãodo Prêmio Fundação Banco do Brasilde Tecnologia Social 2011, na catego-ria regional, no dia 22 de novembro.

O projeto foi desenvolvido pelaAssociação Estadual de CooperaçãoAgrícola (Aesca), em parceria com oMST. “É um reconhecimento do trabalhoque está sendo feito, em parceira entre aAesca, o Incra, o MST e as famíliasassentadas. Isso mostra a capacidade quenós temos de organização das famílias,além de gestão de recursos públicos”, dizMaria de Fátima de Medeiros Vieira,coordenadora do projeto.

Casas de 71 metros quadrados, comtrês quartos, sala, cozinha e banheirosforam construídas pelo projeto. De acordo

Projeto de construção de casasrecebe prêmio do Banco do Brasil

Metro quadrado custou 25% do valor de mercado

Festa da abóbora

mostra produção

do assentamento

8 de outubro

BIA CARVALHO

SETOR DE COMUNICAÇÃO MST-SE

O assentamento 8 de outubro,localizado no município de SimãoDias, região Agreste de Sergipe,

reuniu 500 pessoas na 12ª Festa da Abó-bora, no final de outubro. A história come-çou há 14 anos, no dia 8 de outubro de1997, quando 250 famílias do MST ocupa-ram a fazenda Quingibi-Floresta.

O assentamento é um dos maioresprodutores de milho e abóbora de Sergipe.Em 2011, produziu 150.000 sacas de milho e15.000 quilos de abóbora. Parte dessesalimentos é vendido para outros estados doNordeste e para o Rio de Janeiro.

Para Marcelo Alves, engenheiro agrônomodo MST, o assentamento é “uma vitrine daslutas e das conquistas da classe traba-lhadora”. Os assentados estão terminandoa construção de duas agroindústrias de milhoe de doce de abóbora.

Agroecologia

Em 2010, durante o curso do programa“Saberes da terra”, destinado aos filhos dasfamílias assentadas no assentamento 8 deoutubro, os educandos começaram uma roçapara colocar em prática uma experiênciaagroecológica dentro do assentamento.

Os alunos resgataram sementes crioulas,adaptadas ao clima, e plantaram milhobiológico, misturado com feijão e hortaliças.“A primeira roça foi um sucesso”, comemorouo educando Eduardo Ribeiro Lima. “Ganhamosdo ponto de vista da saúde, do meio ambientee também da coletividade, porque foi umtrabalho realizado de forma coletiva”, avalia.

Neste ano, o projeto ganhou apoio da Em-brapa, que será parceira dessa experiênciapor três anos. Com isso, a roça agroecológicaganhará um sistema de irrigação e seráconstruído um banco de sementes com asvariedades cultivadas.

com Fátima, o mais impressionante é queo custo da moradia ficou em um poucomais de 1/4 do preço de um metro qua-drado avaliado no mercado. O preço dometro caiu de R$ 800 para R$ 250, se-gundo a coordenadora do projeto.

O projeto foi selecionado como ga-nhador disputando com outros 26 pro-gramas. Foram inscritos 1.116 projetos,mas apenas 264 candidatos atenderam aoscritérios estabelecidos no edital e se confi-guraram como Tecnologias Sociais.

SETOR DE COMUNICAÇÃO MST-RS

AS FAMÍLIAS de sete assen-tamentos da região metropolitanade Porto Alegre inauguraram

uma unidade de beneficiamento de se-mentes de arroz orgânica, em outubro. Aunidade beneficiará sementes produzidaspor 33 famílias assentadas envolvendo12 municípios produtores.

Para o presidente da CooperativaCentral dos Assentamentos do Rio Gran-de do Sul (Coceargs), Émerson Gia-comelli, a unidade garante uma maiorautonomia para as famílias, que nãodependerão de outros mecanismos parabeneficiar as sementes.

Com essa unidade, será possível rea-lizar todo o processo pós-colheita, aumen-tar a produtividade das sementes orgânicase ampliar a renda das famílias. “Teremosuma maior produtividade no arroz,

Assentamento produz por ano15.000 quilos de abóbora

elaborado a partir de uma semente limpa,sem agrotóxico”, afirmou.

A unidade vai funcionar em Eldora-do do Sul, na BR 290. A capacidade debeneficiamento é de 40sc/hora.

Premiação

O projeto Casa da Leitura doassentamento Filhos de Sepé, em Viamão,

região metropolitana de Porto Alegre foifinalista do Prêmio Fato Literário, quepremia projetos na área da cultura.

O projeto é uma iniciativa do profes-sor aposentada da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul (UFRGS), Gra-ciela Quijano, com o apoio do MST edo Instituto Preservar. A proposta con-siste na leitura de contos e poesias àscrianças do assentamento e da EscolaNossa Senhora de Fátima.

De acordo com a coordenadora doprojeto, Cilone Zang, no local são ofe-recidas oficinas de fotografia, culinária,teatro, reaproveitamento de sucatas,capoeiras e outros. A iniciativa comple-tou 13 anos em 2011.

Além disso, o projeto proporciona areflexão crítica nas crianças, de modo quepercebam e compreendam suas realidadespessoais e coletivas, aproximando osassentados, crianças e jovens dos livros.

Unidade de beneficiamento envolveassentados em 12 municípios

Projeto de Leitura é finalista de prêmio

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MST-

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Page 8: Jornal Sem Terra - 316

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

Page 9: Jornal Sem Terra - 316

10 JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011

Dilma não assinou nenhum decreto de desapropriação de terras em 11 mesesREALIDADE BRASILEIRA

POR LUIZ FELIPE ALBUQUERQUE

DO SETOR DE COMUNICAÇÃO

A PRESIDENTA Dilma Rousseff en-cerrou seus primeiros 11 meses de go-verno sem ter realizado nenhuma novadesapropriação de terra. A presidentarecebeu cerca de 90 processos de desa-propriações, cujos trâmites técnicos játinham sido completamente realizadosno governo anterior, bastava apenas asua assinatura. Todavia, as desapropria-ções dessas áreas ainda não saíram.

A promessa do governo diante dajornada de agosto de liberar até o finalde ano R$ 400 milhões para a suple-mentação do orçamento do InstitutoNacional de Colonização e ReformaAgrária (Incra) para a obtenção deterras foi cumprida apenas em 1º de

dezembro. Com isso, saiu na imprensaque 60 áreas serão desapropriadas, comcapacidade de acolher 3.000 famílias.Mas, ainda falta a assinatura de Dilma.

Essa demora adia a criação de novosassentamentos para resolver o problemadas famílias acampadas e joga por águaa baixo o trabalho do Incra, que tornouessas áreas passíveis de serem desapro-priadas em um processo que leva de umano e meio a dois anos.

Nos dez primeiros meses do atualgoverno, apenas 6.072 famílias foramassentadas no país. A comparação donúmero de assentamentos criados entrejaneiro e agosto com o primeiro mandatodo governo Lula demonstra a lentidão daReforma Agrária. Segundo dados do Incra,o governo criou 35 novos assentamentos,diante dos 135 do período Lula.

Investimentos

O quadro relacionado aos investi-mentos nos assentamentos existentesnão é muito diferente. Relatório inter-no do Incra, divulgado em outubropelo Estado de S. Paulo, aponta queapenas 10% do orçamento do órgãodestinado às obras de infraestruturapara os assentamentos foram utiliza-

dos. Dos R$ 159 milhões programa-dos, somente R$ 16 milhões tinhamsido aplicados.

Estava previsto também o investimentode R$ 900 milhões na instalação dasfamílias em seus lotes, a maior partedestinado à construção de moradias.Entretanto, só 27% (R$ 204 milhões) dessevalor foi utilizado até então. No caso doscontratos de serviço para assistênciatécnica, foi empregado metade do valorprevisto para o ano todo: R$ 72 milhões

dos R$ 146 milhões reservados.“Temos mais um ano perdido para a

Reforma Agrária. A lentidão para oassentamento das famílias acampadas epara a execução de políticas parafortalecer os assentamentos é uma ver-gonha para um governo que tem comometa acabar com a pobreza no Brasil.

Apenas 6 mil famílias assentadas em 2011

Sem Reforma Agrária, superar a pobrezanão passa de propaganda”, avalia Marinados Santos, da Coordenação Nacionaldo MST. Enquanto a criação de novasáreas da Reforma Agrária e os investi-mentos nos assentamentos não avançam,cresce a concentração de terras no país.Segundo o Incra, há 5,3 milhões deimóveis rurais no Brasil registrados noórgão, que juntos somam 587,1 milhõesde hectares de terras.

Cerca de 330 milhões de hectaresestão nas mãos de 131 mil proprietários,o que representa menos de 5%. Ou seja,cerca de 64% das propriedades rurais bra-sileiras pertencem a 5% de latifundiários.

“Durante a nossa jornada, o governoadmitiu a inoperância e, sob ordem dapresidenta Dilma, firmou compromissospara destravar essas medidas, garantindoo assentamento de 20 mil famílias acam-padas neste ano, a criação de um pro-grama de agroindústria e políticas paraa educação de trabalhadores assentados”,avalia Marina dos Santos.

O governo assumiu também o com-promisso – ainda não cumprido – de ela-borar uma política para a Reforma Agrá-ria (uma emergencial e outra a longoprazo) e a renegociação das dívidas dospequenos trabalhadores rurais.

Reforma Agrária em números

Assentamentos• 6 mil famílias assentadas até outubro

de 2011 (das 180 mil famíliasacampadas, de acordo com o Incra)

Infraestrutura• 10% do orçamento do órgão destinado

às obras para os assentamentos foramutilizados (de R$ 159 milhõesprogramados, somente R$ 16 milhõesforam aplicados)

Construção de moradias• 27% do orçamento utilizado foi em

“instalação das famílias nos lotes”(apenas R$ 204 milhões, dos R$ 900milhões previstos. A maior partedestinado à construção de moradias)

Assistência técnica• R$ 72 milhões (foi empregado metade

do valor previsto para o ano todo, dosR$ 146 milhões)

Concentração das terras• Há 5,3 milhões de imóveis rurais no Brasil

registrados no órgão, que juntos somam587,1 milhões de hectares de terras.

• 330 milhões de hectares estão nasmãos de 131 mil proprietários

• Menos de 5% dos proprietárioscontrolam 64% das propriedades rurais

Enquanto a criação denovas áreas da ReformaAgrária não avança,cresce a concentraçãode terras no país

Cerca de 180 mil famílias vivem em acampamentos, 60 mil delas organizadas pelo MST

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11JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011

Crianças reivindicam direito à educação e denunciam fechamento de escolas públicasREALIDADE BRASILEIRA

VANESSA RAMOS E MARCIA RAMOS

SETOR DE COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO

HÁ 16 ANOS, crianças Sem Terra –filhos e filhas de camponeses que lutampela Reforma Agrária no Brasil –cumprem o papel de protagonista dentreas diversas lutas do MST. São criançasque fazem história com quadros de váriascores, falas de muitos lugares, ritmosdo imenso Brasil, cantando e encantandocomo sujeitos do seu caminhar, na lutapor escola, terra e dignidade.

Nos encontros dos Sem Terrinha,também chamados de Jornada Na-cional dos Sem Terrinha, as criançasbrincam, cantam e debatem. São mo-mentos, sobretudo, de celebração dasvivências da mística, enraizada na di-nâmica do ser Sem Terrinha. “A genteaprende a ser Sem Terrinha atravésdas brincadeiras e das conversas”, disseFernanda, de 12 anos, do Assenta-mento Agrovila III, em Itapeva, nointerior de São Paulo.

O Encontro dos Sem Terrinha aconteceuma vez por ano, em torno do Dia dasCrianças, o 12 de outubro. Neste ano, ainiciativa mobilizou mais de 13 mil

Jornada dos Sem Terrinha mobiliza13 mil crianças de todo o país

crianças de assentamentos e acampamentosdo MST, em 16 estados. “Achei o encontromuito bom, organizado e interessante.Gostei muito de ver tantas crianças juntas”,contou Quéllem, de 12 anos, do Acampa-mento Jacy Rocha, na Bahia.

O tema trabalhado nesta edição foi:“Fechar escola é crime”, da CampanhaNacional Contra o Fechamento deEscolas do Campo, lançada pelo MSTem junho deste ano, para denunciar ofechamento de escolas na área rural.Foram fechadas 37.776 escolas docampo nos últimos 10 anos, segundo oCenso Escolar do Ministério daEducação (MEC).

Dentre as reivindicações dos SemTerrinha, estavam o direito à educaçãode qualidade; a construção de escolasno campo, desde a educação infantilao ensino médio; a reabertura das esco-las fechadas; a construção de Centrosde Educação Infantil, Ciranda Infantilcom parque, acesso a oficinas de teatro,música, dança e alimentação escolardos assentamentos de Reforma Agráriae da agricultura familiar.

Amanda, de 11 anos, do acampa-mento Claudia e Néia, em Campos dosGoytacazes (RJ), participou do En-contro Sem Terrinha pela primeira veze gostou. “Participei de muitas brin-cadeiras e teve outras coisas legais: fil-mes, oficinas... Estudei sobre os vene-nos [agrotóxicos] e aprendi que não

pode colocar nas plantas. E cantamosassim: ‘brilha no céu a estrela do Che,nós somos Sem Terrinha do MST’, noato que fizemos em frente à Câmarade Vereadores”, contou.

Para Andrea, de 13 anos, irmã deAmanda, o encontro trouxe assuntosbem sérios: “fechar escolas é feio, por-que tem muitas pessoas que ficam semestudar e por isso fechar escola é crime”.

“Nós precisamos de cuidados, terum bom local para aguardar o ônibus,já que temos que estudar na cidade.Melhor seria a escola no assentamentoe isso é direito nosso”, desabafou Quia-ra, 13 anos, do Assentamento Geni-valdo Moura (AL).

A Jornada Nacional dos Sem Ter-rinha foi realizada no Paraná, MinasGerais, Rio de Janeiro, Paraíba, Espíri-to Santo, Rio Grande do Norte, SantaCatarina, São Paulo, Mato Grosso doSul, Mato Grosso, Bahia, Alagoas,Pernambuco, Ceará, Pará e Maranhão.

“O encontro foi

bom, organizado e

interessante”, avalia

Quéllen, de 12 anos,

acampada na Bahia

Crianças denunciaram o fechamento de mais de 37 mil escolas

Dezesseis estados se mobilizaram na jornada de outubro

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12 JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011

Militantes contribuem com o trabalho dos camponeses e participam das lutas pela libertaçãoINTERNACIONAL

MARCELO BUZETTO

COLETIVA DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E INTEGRANTE

DA BRIGADA DE SOLIDARIEDADE NA PALESTINA

UM GRUPO de 17 militantes do MST,da Via Campesina Brasil, da ConsultaPopular e do Sindicato dos Metalúrgicosdo ABC (região metropolitana de SãoPaulo) ficou durante 30 dias na Pales-tina, visitando diversos territórios ocu-pados por Israel em 1948, em 1967 eem comunidades ocupadas ilegalmenteapós os acordos de Oslo (1994).

Os militantes, que ficaram na regiãoentre outubro e novembro, formaramuma brigada de solidariedade internacio-nalista, que recebeu o nome de GhassanKhanafani, jornalista, escritor e revolu-cionário palestino assassinado por agen-tes israelenses no Líbano em 1972.

A brigada contribuiu na colheita deazeitonas junto às famílias camponesaspalestinas, em uma ação de solidariedadecontra a violência praticada por colonossionistas-israelenses e pelo exército deIsrael, que procuram intimidar e impedira realização desse trabalho.

O grupo participou também do 1º En-contro de Camponeses, TrabalhadoresRurais e Pescadores da Palestina, organiza-do por entidades como a União dos Comitêsde Trabalho Agrícola, a União dos Comitêsde Mulheres Palestinas, o Centro deInformação Alternativa e o Mundubat.

Nesse período, os militantes puderamdebater com as organizações locais os pas-sos necessários para a construção da ViaCampesina no mundo árabe, além de apro-fundar o conhecimento sobre a situaçãoeconômica, política, social e cultural, pormeio do contato com organizaçõespolíticas palestinas e com movimentos

israelenses que apoiam essa luta delibertação nacional e autodeterminação.

A brigada conheceu a luta dos trabalha-dores israelenses por moradia e visitou umgrupo de famílias sem-teto que ocuparamum prédio em Jerusalém e foram despe-jados pela polícia. Essas famílias orga-nizam o Comitê em Defesa da MoradiaPública, que pressiona o governo israe-lense a criar uma política habitacional paraatender os interesses dos mais pobres.

A pobreza e a desigualdade social nascidades hoje controladas por Israel é cres-cente. Na cidade velha de Jerusalém, nasproximidades do Muro das Lamentações,local sagrado para o judaísmo, é possívelse deparar com homens e mulheresisraelenses pedindo esmolas.

O grupo de militantes brasileiros tam-bém esteve reunido com a Força Para osTrabalhadores (FPT), uma experiênciaconcreta de organização autônoma dos tra-balhadores. A entidade é uma nova centralsindical, construída por meio das lutas dostrabalhadores precarizados e de outrascategorias sem representação sindical.

A FPT está em processo de constru-ção, mas já obteve algumas vitórias im-portantes, como na greve de empresasquímicas de Haifa, no início deste ano.Trabalhadores israelenses e árabes-

palestinos estão se sindicalizando, o queé fato inédito desde a fundação do Estadode Israel, em 15 de maio de 1948.

Durante visita em Hebron, conhece-mos a parte da cidade ocupada por Israelem 1967, onde estão fechados as casas e ocomércio que eram de famílias palestinas,expulsas para que fosse 11realizado oprocesso de transformação de Hebron emuma “cidade judaica”, obsessão dos colonossionistas que controlam parte da cidade.

Solidariedade na luta

A brigada participou da mobilizaçãodo Comitê Popular de Bi´lin, comunidadeda Cisjordânia conhecida por realizar todasexta-feira passeatas contra o muro doapartheid, construído para separar a vilado assentamento judeu-sionista criado apósos acordos de paz de 1994.

Assim como em Bi´lin, várias terraspalestinas da Cisjordânia foram ocupadasmilitarmente por Israel para dar continui-dade ao projeto expansionista-colonialista,fato que tem feito crescer críticas (entre opovo) aos acordos assinados entre Autori-dade Palestina e Israel.

Como Israel não cumpre as resoluçõesdas Nações Unidas e as deliberações dosacordos, palestinos já falam do fim e da

Brigada de Solidariedade Internacionalfica 30 dias na Palestina

morte do processo de paz iniciado pelasnegociações diretas com Israel. A luta e amobilização popular ganham força comoprincipais instrumentos para derrotar aocupação israelense.

Na manifestação em Bi lin, soldadosisraelenses jogaram bombas de gás e dispara-ram contra os palestinos e os internaciona-listas do Brasil, Venezuela, França, Irlandado Norte e Inglaterra. Em uma ação legítimade defesa diante do ataque das forçascolonialistas israelenses e dos colonos quetomaram suas terras, jovens palestinosresponderam com pedras a agressão sofrida.

Violência semelhante já tinha aconteci-do contra a brigada e os camponeses pales-tinos no vilarejo de Jalud, durante a colhei-ta de azeitonas na Área C, território palesti-no da Cisjordânia sob controle total dastropas israelenses. Colonos israelensesatiraram com fuzis e agrediram os interna-cionalistas. Logo depois chegou o exércitocom o chamado “armamento não-letal”.

A Brigada Internacionalista GhassanKanafani é mais um exemplo concretoda luta dos trabalhadores e trabalhadoraspela construção de uma nova sociedade,mais justa, democrática e verdadeira-mente humana: a sociedade socialista,que superará as fronteiras criadas pelomundo do capital.

A brigada participou dacolheita de azeitonas junto àsfamílias camponesas palestinas,que são reprimidas porcolonos sionistas-israelensese pelo exército de Israel

Militantes debateram com organizações locais a construção da Via Campesina no mundo árabe

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13JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011

O último orgulho de Egídio foi uma cartinha escrita por usa filha à presidentaLUTADORES DO POVO

VANESSA RAMOS

SETOR DE COMUNICAÇÃO

O CÉU ESTAVA CLARO, onde umagrande festa acontecia sob o calor dedezembro, no Mato Grosso do Sul.Ônibus e carros chegavam e não paravamde chegar. Era gente do Brasil todo paraprestigiar a festa que uma liderançaindígena realizava para casar a sua filha,chamada Atiliana, uma indígena da triboTerena, com o camponês e militante SemTerra Egídio Brunetto.

O ano da união de uma indígena comum Sem Terra foi 1995. Dez anos antes,no dia 25 de maio de 1985, o MST reali-zou a primeira ocupação no municípiode Abelardo Luz, em Santa Catarina.Como não podia ser diferente, Egídioestava lá. Por ser um jovem ativo, lide-rou a primeira comissão de negociaçãode despejo e assentamento das famíliasacampadas. E assim iniciou a sua belatrajetória dentro do Movimento.

Filho de camponeses Sem Terra,Egídio nasceu em 8 de novembro de1956. Começou a trabalhar na roçaainda criança para ajudar o pai. Comomuitos jovens camponeses, a indig-nação cresceu junto dele e logo desco-briu que a única solução para resolveros problemas sociais e agrários do

Brasil era a luta. Assim, não demoroumuito para se envolver com a Pastoralda Terra, na região de Xanxerê, muni-cípio de Santa Catarina.

Ainda na década de 80, foi para oMato Grosso do Sul lutar pela ReformaAgrária e por mudanças sociais. Láconheceu Atiliana, com quem teve ofilho Giovanni Ernesto, uma homena-

gem ao seu pai e ao Che Guevara. Era2 de maio, domingo do Dia das Mães.“E lá estávamos na maternidade. Eletodo orgulhoso dando entrevista, le-vou a repórter até meu quarto e tam-bém falei um pouco da importânciadesse papel de ser mãe e, assim, semostrou companheiro, sempre cuida-doso. Levantava na madrugada comi-go para cuidar de Giovanni. Era omelhor pai, orgulhoso em cada sur-presa que nosso menino apresentavae, assim, continuávamos nos aman-do”, relembra Atiliana. Em 2002,nasceu a menina Anahi, uma homena-gem a índia Guarani que defendeuseu povo contra os espanhóis. “Nossavida foi construída com muita ale-gria”, conta Atiliana.

Como um pássaro, Egídio voou maisalto: empunhou a bandeira do inter-nacionalismo e da solidariedade às lutados povos e da classe trabalhadora, res-ponsável pela relação do Movimentocom organizações camponesas na Amé-rica Latina e no mundo. Foi o fundadorda Via Campesina Internacional.

Segundo seu amigo e companheirode luta no Movimento, o catarinenseAdemar Bogo, duas característicasfortes marcavam a sua personalidade:a sensibilidade e a inteligência. “Umcamponês astuto, um sábio formado pe-la própria cultura. Gostava das coisaspráticas. Era franco, direto e extrema-mente generoso”, descreve.

Contador de histórias

Egídio aprendeu a importância daorganização dos camponeses participandodela. De acordo com Bogo, orientava-sepor princípios e era portador de umaelevada auto-estima e de uma moralrevolucionária. Gostava de ouvir histó-rias e depois recontá-las. As viagens quefizera pelo mundo o ajudaram a se tornaruma bela biblioteca de exemplos. Ouvialideranças, personalidades e intelectuaiscom admiração e tornava o que diziamem conteúdos de reflexões nas falas queconstantemente fazia.

Carregava consigo sempre alguma se-mente, um remédio ou uma receita eaproveitava todos os momentos paraanunciar os benefícios que a naturezaguarda para colaborar com o ser humano.Não era intransigente, mas tinha firmezanaquilo que dizia e defendia. Para ele, oimperialismo era inaceitável e deveria sercombatido com todos os instrumentos emtodas as parte do mundo.

Paciente, meio tímido, sabia esperar.Não gostava de exibir-se, nem de pompa,de luxo ou privilégio, mas defendia aestética e a beleza, frutos do trabalho edas conquistas humanitárias. “Movia-sepela mística revolucionária”, segundoBogo. “Percebia-se na expressão da falae no olhar que guardava em si umaesperança, um desejo, uma utopia. Portudo isso, praticava com facilidadedezenas de valores”, disse Bogo.

MST perde Egídio Brunetto,companheiro de todas as batalhas

A perda

Na final da tarde do dia 28 de no-vembro de 2011, um trágico acidente deautomóvel em Ponta Porã, na divisa doMato Grosso do Sul com o Paraguai, tiroua sua vida. Egídio seguia para um assen-tamento da região quando sofreu oacidente. Nos últimos meses, antes datragédia, o orgulho de Egídio era uma car-tinha escrita pela filha para ser entregue àpresidenta Dilma. A redação tratava deracismo. Atiliana contou que nem elemesmo tinha pensado na dimensão doproblema que ela colocou no papel, poisela trabalhou a ideia do racismo contra obranco, o negro e o índio. “Ele ficou tãofeliz e orgulhoso, principalmente quandoela escreveu: o governador diz que os índiossão preguiçosos, mas meus avós trabalhammuito para ter o que comer”.

“Ele foi o companheiro mais mara-vilhoso que alguém pode ter. Sou muitofeliz de ter sido a pessoa que conviveucom seus beijos, abraços, carícias. Elefoi companheiro, amante, namorado.Me encheu de pequenos símbolos quehoje me agarro para diminuir a dor dasaudade que ficou em meu peito”,contou emocionada Atiliana.

“Foi o companheiro maismaravilhoso que alguém pode ter.

Sou muito feliz de ter sido apessoa que conviveu com seus

beijos, abraços, carícias”

Atiliana, esposa de Egídio Brunetto

“Um camponês astuto, um

sábio formado pela própria

cultura. Gostava das coisas

práticas. Era franco, direto e

extremamente generoso”

Ademar Bogo, companheirode luta no MST

Egídio empunhou a bandeira do internacionalismo e solidariedade

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Egídio com a filha Anali no colo

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14 JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011

Escritor escreveu prosa e criou inúmeros poemas, conhecidos e amados mundialmenteLITERATURA

As várias faces do poeta portuguêsJOANA TAVARES

REPÓRTER DO JORNAL BRASIL DE FATO

O NOME PARECE ter sido um destino.Fernando Pessoa nasceu e morreu emLisboa, capital de Portugal, vivendode 1888 a 1935. Foi muitos. Desdecriança, conheceu o mundo escreven-do, criando e inventando heterônimos,seus personagens-escritores que tinhambiografia, histórias e estilos próprios.Os mais conhecidos são Álvaro de

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.Todos meus conhecidos têmsido campeões em tudo.E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco,tantas vezes vil,Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,Indesculpavelmente sujo,Eu, que tantas vezes não tenho tidopaciência para tomar banho,Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,Que tenho enrolado os pés publicamentenos tapetes das etiquetas,Que tenho sido grotesco, mesquinho,submisso e arrogante,Que tenho sofrido enxovalhos e calado,Que quando não tenho calado, tenho sidomais ridículo ainda;Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dosmoços de fretes,Eu, que tenho feito vergonhas financeiras,pedido emprestado sem pagar,Eu, quem quando a hora do soco surgiu, metenho agachadoPara fora da possibilidade do soco;Eu, que tenho sofrido a angústia daspequenas coisas ridículas,Eu verifico que não tenhopar nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que conheço e que faça comigoNunca teve um ato ridículo,nunca sofreu enxovalho,Nunca foi senão príncipe – todos elespríncipes – na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humanaQue confessasse não um pecado,mas uma infâmia;Que contasse, não uma violência,mas uma cobardia!Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.Quem há neste largo mundo que meconfesse que uma vez foi vil?Ó príncipe, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses!Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado,Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,Como posso eu falar com os meussuperiores sem titubear?Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

Poema em linha reta

Campos, Alberto Caiero e RicardoReis, mas não são os únicos.

Foi por meio dessas outras pessoasou por seu próprio nome que o poetaportuguês criou inúmeros poemas,conhecidos e amados mundialmente eainda escreveu em prosa, para criançase em versos simples. Dizem que teveuma vida solitária e quieta e que morreupor excesso de álcool. Mas digam oque disserem, foi um dos principaispoetas de nossa língua.

Tabacaria

Não sou nada.Nunca serei nada.Não posso querer ser nada.À parte isso, tenho em mimtodos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,Do meu quarto de um dos milhõesdo mundo que ninguém sabe quem é(E se soubessem quem é, o quesaberiam?),Dais para o mistério de uma ruacruzada constantemente por gente,Para uma rua inacessível a todosos pensamentos,Real, impossivelmente real,certa, desconhecidamente certa,Com o mistério das coisas porbaixo das pedras e dos seres,Com a morte a por umidadenas paredes e cabelosbrancos nos homens,Com o Destino a conduzir a carroçade tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como sesoubesse a verdade.Estou hoje lúcido, como seestivesse para morrer,E não tivesse mais irmandadecom as coisasSenão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da ruaA fileira de carruagens de umcomboio, e uma partida apitadaDe dentro da minha cabeça,E uma sacudidela dos meus nervose um ranger de ossos na ida.

(...)

O guardadorde rebanhos

O mistério das cousas, onde está ele?

Onde está ele que não aparece

Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?

Que sabe o rio e que sabe a árvore?

E eu, que não sou mais

do que eles, que sei disso?

Sempre que olho para as cousas penso

no que os homens pensam delas,

Rio como um regato que

soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas

É elas não terem sentido nenhum.

É mais estranho que todas as estranhezas

E do que os sonhos de todos os poetas

E os pensamentos de todos os filósofos,

Que as cousas sejam

realmente o que parecem ser

E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos

aprenderam sozinhos:

- As cousas não têm

significação: têm existência.

As cousas são o único

sentido oculto das cousas.

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15JORNAL SEM TERRA • NOV/DEZ 2011

Para não esquecerJaneiro

“A privataria

tucana” mostra

corrupção do PSDB

O livro “A privataria tucana”, dojornalista Amaury Ribeiro Jr,apresenta uma grande reportagemque devassa os subterrâneos daprivatização realizada no Brasil sob ogoverno de Fernando HenriqueCardoso. É, talvez, a mais profunda eabrangente abordagem jamais feitadeste tema.Essainvestigação —que durou 10anos — não selimita a resgatara selvagerianeoliberal dosanos 1990, quedizimou opatrimôniopúblico nacional,deixando o paísmais pobre e osricos mais ricos. Também comprovaas movimentações de Verônica Serra,filha do ex-candidato do PSDB àPresidência da República, e as deseu marido, o empresário AlexandreBourgeois, que seguiram no Caribeas lições do ex-tesoureiro de Serra eeminência parda das privatizações,Ricardo Sérgio de Oliveira. Descreveainda suas ligações perigosas com obanqueiro Daniel Dantas.

“A Privataria Tucana”,Amaury Ribeiro JrGeração EditorialR$ 30,00

O Sindicato dos JornalistasProfissionais de São Paulo foi palco deuma atividade de comemoração dos 30anos do Jornal Sem Terra, no dia 16 denovembro. A atividade foi promovidapelo MST e pelo Intervozes, quelançou o relatório “Vozes Silenciadas”,que apresenta estudo da coberturamidíatica sobre o Movimento durante aCPMI de 2010. “O Jornal Sem Terra semantém até hoje porque está ligado auma trajetória de luta concreta. Acomunicação é uma grande aliada parafazer a luta avançar”, afirmou Solange

Engelmann, da Coordenação Nacionaldo MST. Para Altamiro Borges, doCentro de Estudos de Mídia AlternativaBarão de Itararé, o jornal cumpre os trêsprincipais papéis da imprensa popular:ser um agitador, um propagandista e umorganizador coletivo.

30 anos JST

01 Revolução Cubana, 1959

01 Levante popular em Chiapas,México, 1994

01 Independência da RepúblicaNegra do Haiti, 1804

03 Nascimento de Luiz CarlosPrestes, 1898

09 Greve dos tipógrafos de três jornaisno Rio de Janeiro, considerada aprimeira greve no Brasil, 1858

13 Morre o historiador marxista NélsonWerneck Sodré, 1999

15 Nascimento de MartinLuther King, 1929

15 Assassinato de Rosa Luxemburgoe Karl Liebknecht, 1919

21 Morre Vladimir IlitchUlianov Lênin, 1924

22 Nascimento de AntonioGramsci, 1891

22 Nascimento de Leonel Brizola, 1922

28 Nascimento de José Martí, 1853

29 1º Congresso do MST, 29 a 31 dejaneiro de 1985

A editora Expressão Popular lançouum pequeno livro com um perfilsimples, mas não simplista, dogeneral que serviu aos mais nobresinteresses do povo brasileiro. Oprofessor e militante socialistaJosé Paulo Netto conta a trajetóriado historiador rigoroso e cultoestudioso da cultura que ofereceuao país as mais altas provas decoragem cívica e grandeza moral.

MST recebe 1º Prêmio CUTDemocracia e Liberdade Sempre

O MST recebeu o prêmio “Instituição de Destaque na Luta porDemocracia e Liberdade” de 2011 na 1ª edição do Prêmio CUT

Democracia e Liberdade Sempre, em 13 de dezembro. O presidente daCentral Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique, e a secretaria

de Meio Ambiente, Carmen Foro, entregaram o troféu para os dirigentesdo MST Gilmar Mauro e Atiliana Brunetto (na foto). O prêmio

homenageia personalidades e entidades que lutam pela democratizaçãodo Brasil. Maria da Penha, Rosalina Santa Cruz, Frei Betto, D. Pedro

Casaldáliga e o ex-presidente Lula também foram homenageados.

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Page 15: Jornal Sem Terra - 316

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2012 é a atualidade da

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instrumento para a luta

do povo brasileiro, que

decidirá o modelo

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