Jornalismo Publico_2.0
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Jornalismo Pblico 2.0: o fim dos tempos ou a reinveno do Jornalismo? 1
Jornalismo Pblico 2.0
O fim dos tempos ou a reinveno do Jornalismo?Tecnologias mveis e uma perspectiva histrica sobre as narrativas do jornalismo dos cidados
Paulo Nuno Vicente
Faculdade de Cincias Sociais e Humanas
Universidade Nova de Lisboa
Doutoramento em Media Digitais
Programa UT AustinPortugal
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Resumo
A proposta de um Jornalismo dos Cidados baseia a sua fora argumentativa numa (re)ligao
entre jornalistas e cidados, tecnologicamente sustentada pela irrupo do que se vem
designando como uma Web 2.0.
A centralidade de uma agenda do cidado convoca, dessa forma, um forte paralelismo com o
Jornalismo Cvico/Pblico, surgido nos finais da dcada de 1980, nos Estados Unidos da
Amrica.
O presente trabalho conjuga uma genealogia dessa argumentao, justapondo-a aos mais recentes
modos de proximidade sugeridos pela incorporao de tecnologias mveis digitais em
particular, o telemvelnas rotinas de produo noticiosa.
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Introduo
Num sbado chuvoso, em Junho de 1997, o Harvard Faculty Club serviu de ponto de
reunio a vrias dezenas de jornalistas e investigadores universitrios. Na agenda estava um
debate alargado sobre a prtica do Jornalismo norte-americano e da sua relao com um interesse
pblico alargado. James Carey, professor na Universidade de Columbia, faria a sntese
discusso: o Jornalismo estava a diluir-se, progressivamente a tornar-se indistinto, mergulhando
nas guas mais vastas, hbridas, das formas de comunicao concorrentes.
O debate seria orientado para o corpo de um livro. E o grupo tinha agora nome prprio:
Commitee of Concerned Journalists1. Durante trs anos, Bill Kovach e Tom Rosentiel
coordenaram um projecto de investigao dedicado a descrever a teoria e a cultura do Jornalismo
praticado nos Estados Unidos da Amrica (EUA): 21 debates pblicos, com a presena de 3000 pessoas e o testemunho de mais de 300 jornalistas, uma srie de entrevistas, conduzidas por
investigadores universitrios, a mais de 100 profissionais do Jornalismo e mais de uma dezena de
estudos seriam vertidos para a obra Os Elementos do Jornalismo: O que os profissionais do
Jornalismo devem saber e o pblico deve exigir (Kovach & Rosentiel, 2004).
No final do projecto de investigao Kovach e Rosentiel apuraram nove fundaes, nove
princpios que se esbateram ou diluram ao longo dos tempos, mas que estiveram sempre
presentes (p. 9) no Jornalismo profissional exercido nos EUA: a) a primeira obrigao do
Jornalismo para com a verdade; b) o Jornalismo deve manter-se leal, acima de tudo, aos
cidados; c) a sua essncia assenta numa disciplina de verificao; d) aqueles que o exercem
devem manter a independncia em relao s pessoas que cobrem; e) deve servir como um
controlo independente do poder; f) deve servir de frum para a crtica e compromisso pblicos;
g) deve lutar para tornar interessante e relevante aquilo que significativo; h) deve garantir
notcias abrangentes e proporcionadas; i) aqueles que o exercem devem ser livres de seguir a sua
prpria conscincia.
Pela sua proposio genrica, vagamente normativa, estes nove elementos ainda que
redigidos, interpretados e cumpridos com nuances, mais ou menos, considerveis por todo o
mundo consubstanciam um edifcio de valores germinais partilhados pelo Jornalismo. Em
1 Comisso de Jornalistas Preocupados
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rigor, precisamente a diversidade de apropriaes destes princpios genricos que estimula um
dos mais abrangentes e concertados projectos de investigao Worlds of Journalism2
implementado em 18 pases distintos, com o objectivo de referenciar e desconstruir as diversas
culturas jornalsticas numa grelha de dimenses comuns.
Se, como identificam Kovach e Rosentiel, a principal finalidade do jornalismo
fornecer aos cidados a informao de que precisam para serem livres e se autogovernarem (p.
16), os estudos jornalsticos e a investigao no campo dos media tm vindo a permitir uma
assinalvel clarificao dos seus mecanismos de execuo. Est, hoje, cientificamente
consolidado um mapa terico de referncia, que abrange a) a produo de notcias as
organizaes noticiosas e as suas rotinas, a noo do jornalista como porteiro (gatekeeper) nos
fluxos de informao, os pressupostos de objectividade, de profissionalismo e de busca da
verdade, o relacionamento com as fontes de informao, as polticas de gnero b) o contedodas notcias o processo de estabelecimento da agenda (agenda-setting), os valores-notcia, o
enquadramento (framing), o discurso e a ideologia, a notcia como mito e como estria
(storytelling). As perspectivas so ainda mais vastas que este breve resumo.
No que se refere relao entre o Jornalismo e a Sociedade, em particular luz dos processos de
digitalizaotomos transformados em bits como ADN da informao (Negroponte, 1995) - a rpida
disseminao da noo de convergncia complexificou a equao. Num ecossistema comunicacional
onde proliferam contedos que atravessam plataformas (cross-plataform), o termo serve frequentemente
de atalho para designar a velocidade a que se fundem os desenvolvimentos na tecnologia, nos mercados,
na produo, no contedo e na recepo.
O Jornalismo vive um tempo de redefinio, uma tenso entre a desestruturao, o
desunir de muito do que at aqui estava assemblado e que constitua at h pouco tempo uma
frmula vencedora, e a reestruturao, a inovao e a procura de novas e duradouras
assemblagens (Demers, 2007: 29). De um ponto de vista da indstria e dos modelos de negcio,
uma das fundamentais linhas de interpretao a de que a reestruturao pode implicar uma
considervel desestruturao socioeconmica (falncias, encerramento de empresas,despedimentos, mo-de-obra precria).
A ateno deste texto , maioritariamente, concentrada na reorganizao das rotinas de
produo e dos contedos. Se atendermos, por um minuto, como sugere Demers, que a
2 http://www.worldsofjournalisms.org/
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informao jornalstica composta pela actualidade, pela expresso pblica e pela autoridade
editorial, fica claro que o (res)surgimento da retrica normativa de um Jornalismo dos Cidados,
na ltima dcada, vem prestar um contributo central para a tenso
desestruturao/reestruturao.
O debate da noite chuvosa, no Harvard Faculty Club, mantm a sua actualidade, em rigor,
revalidada luz da digitalizao dos processos jornalsticos. Os profissionais da rea consideram
que o Jornalismo , ainda, de algum modo, diferente de outras formas de comunicao? Onde
identificam as diferenas? Consideram que o Jornalismo precisa de mudar? Mantendo ou no
alguns princpios basilares? E quais? Este texto pretende, ainda que de forma necessariamente
modesta, contribuir para essa discusso.
Relegitimaes do Jornalismo: reivindicaes histricas de proximidade
O Jornalismo Cvico e o Jornalismo Pblico
Perante a contempornea necessidade de auto-reflexo no campo jornalstico, sugere-se,
como parcial hiptese de trabalho, uma breve expedio arqueolgica. Nesse particular sentido,
procuraro que o Jornalismo dos Cidados corresponde a uma busca de formas jornalsticas que
sugerem razoveis paralelismos histricos. Ser o Jornalismo dos Cidados uma proposta
profundamente nova ou a remediao de uma ideia reiteradamente latente e em gestao?
O tema encontra fortes antecedentes e protagonistas comuns na proposta de um
Jornalismo Cvico posteriormente, denominado Jornalismo Pblico surgido nos finais da
dcada de 1980 e incios da de 1990, nos Estados Unidos. Emerge associado a uma tentativa de
reposicionar o paradigma do jornalismo poltico, em particular, o do jornalismo praticado
durante as campanhas eleitorais. Ele parte da evidncia de seis toques de alarme 3 (Rosen, 1994):
a queda da leitura e a incerteza publicitria (econmico), a indefinio do lugar do jornalista num
sistema de comunicaes amplamente reconfigurado (tecnolgico), a Imprensa como parte de
uma classe poltica enfraquecida (poltico), as redaces como espaos de inovao, democracia
3 Apurados no decurso da investigaoProject on Public Live and the Press, levado a cabo entre 1990 e 1992.
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e diversidade limitadas (ocupacional), a ausncia de uma viso afirmativa da vida pblica
(espiritual) e um vocabulrio jornalstico empobrecido (intelectual).
O Jornalismo Pblico no pretende, contudo, um simples diagnstico; ele assume um
ponto de partida programtico, prope especficas linhas de aco; pelos termos de Rosen (p.
44), ele uma verdade praticvel que procura restaurar a ideia de um pblico activo na
imaginao poltica dos jornalistas. F-lo atravs de um reforo da tica comunitarista um bem
comum como alternativa aos direitos individuais estabelecendo no seu epicentro a edificao
de uma Agenda do Cidado, por outros termos, um agenda-setting dos cidados. As
experincias fundadoras4 procuraram cristalizar esta centralidade do pblico atravs de tcnicas
particulares de apuramento da opinio pblica sondagens de opinio, audio de painis,
grupos de discusso, fruns, entrevistas de modo a que fossem institudas consultas regulares
entre jornalistas e cidados.Esse levantamento de uma agenda de temas cvicos procura (re)fundar uma relao de
dilogo dirigida soluo dos problemas concretos do quotidiano, i.e., esta deslocao do plo
informativo da notcia para a cidadania assume a edificao de um jornalismo de proximidade
(Camponez, 2002) baseado na redescoberta dos valores comunitrios como resposta ao
universalismo, crise do racionalismo, a uma certa crtica do Homem unidimensional, falta de
respostas nas burocracias dos aparelhos de Estados e da administrao pblica, ao ruir do mundo
dividido em blocos (p. 160).
Essa revoluo coperniciana sugere, pois, que o jornalista no se resuma funo do
observador, situado no palco privilegiado das elites sociais, e passe a situar-se entre os cidados.
Ao evidenciar essa tendncia comunitarista (Mesquita, 2003), o Jornalismo Pblico procura uma
reforma da cidadania e reformulao do jornalismo (p. 26) ou, mais claramente, uma reforma
da cidadania atravs da reformulao do jornalismo.
Essa tenso desestruturar/reestruturar no avanada sem o questionamento lanado a
uma fundao histrica do Jornalismo, e que largamente o ultrapassa desde o sculo XVIII: o
conceito de objectividade. A figura dojornalista observador agora substituda pela do zelador
4 Associadas a jornais como The Wichita Eagle, Columbus Ledger Enquirer e Charlotte Observer, a fundaescomo a John S. and James L. Knight Foundation eKettering Foundation e a instituies como o Pew Centere o
Poynter Institute.
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justo5, menos preocupado com as separaes adequadas e mais com as ligaes adequadas
(Traquina, 2003: 13).
Ao contrrio do que sugere alguma crtica (Glasser, 1999; Jackson, 1997; Mesquita,
2003; Traquina, 2003), pela sua formulao terica inicialmente proposta, a noo no sugere
explicitamente tanto um jornalista causdico, i.e., parcialmente alinhado com causas
comunitrias especficas e correntes polticas, directo subscritor e/ proponente de aces
substantivas em direco reforma da vida pblica; antes concebe o jornalista profissional
enquanto capacitador comunitrio, um facilitador da resoluo dos problemas comunitrios por
via da informao que publica. Ou, por outros termos:
Uma forma de definir o jornalismo pblico chamar-lhe a arte de
ligao em desenvolvimento s comunidades onde trabalham jornalistas,incluindo a comunidade poltica. Mas nem a ligao deve ser avaliadapor si s, nem o objectivo final consiste em operar bem as ligaes. O jornalismo pblico tem xito quando fortalece a capacidade dacomunidade poltica de se compreender a si mesma, de saber dialogar ede fazer escolhas (Rosen, 1994: 55).
Contudo, a implementao prtica daquela vaga arte de ligaoainda que estipulando
mtodos concretos de auscultao das agendas dos cidados no deixa de comportar srios
riscos de ambiguidade: falha ao no propor o que dever o zelador justo fazer quando umacomunidade age de forma intolerante (Glasser, 1999: 9); sendo permevel a uma atitude anti-
institucional sistemtica (Mesquita, 2003: 24), isola ou, no mnimo, afastao jornalismo das
convencionais formas de representao poltica (partidos e sindicatos), sugerindo que, mais do
que desejar estabelecer um contra-poder,pretende autonomizar-se enquanto tal; nesse sentido, a
sua agenda processual limita a ligao dos cidados sociedade civil.
Enquanto metodologia, uma outra crtica apontada ao Jornalismo Pblico tem que ver
com a sua formulaica concepo democrtica. Escreve Glasser que a proposta aspira a uma
resposta maquinal e artificial, uma democracia ad hoce que, a no ser que o jornalismo pblico
confunda um plebiscito com uma democracia, esta quando muito uma resposta parcial (p. 11).
A crtica torna-se uma vlida hiptese de trabalho se considerarmos uma certa perversidade
5 Designao proposta por Davis Merritt, director do The Wichita Eagle entre 1975 e 1996.
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circular, um implcito risco de limitar a cobertura jornalstica a temas do agrado dos inquiridos
o culto de uma ignorncia assente na intuio (Jackson, 1997: 121) fechando o leque de
potenciais preocupaes pblicas.
Por outro lado, so igualmente levantadas dvidas sobre uma certa intencionalidade
comercial, uma utilidade no discurso jornalstico (Nieto, 1993): um reposicionamento da
credibilidade vital do Jornalismo para alm do exclusivo reduto da organizao e das rotinas
profissionais, fazendo-o assentar sobre uma noo comunitria enquanto estratgia de
hiperlocalizaouma intensa cobertura localresponde no apenas aos especficos interesses
dos leitores, mas atrai os pequenos anunciantes que desejam chegar a comunidades especficas
(p. 120).
No corao da j enunciada tenso desestruturao/reestruturao, evidencia-se um
particular foco de presso para o edifcio do Jornalismo: o confronto, a vrios nveis evidente,entre as perspectivas liberalistasa informao, abertamente, para utilidade pessoale as vises
comunitaristasa informao, manifestamente, para benefcio comunitrio. Esto em causa, em
resumo, percepes distintas do princpio de bem comum (Christians, 1999). No podemos, pois,
deixar de sugerir que as crticas levantadas ao edifcio do Jornalismo Pblico confrontem igual e
explicitamente os modelos tradicionais do jornalismo integrado em grupos empresariais; afigura-
se uma hiptese de trabalho a desenvolver, como forma de expor e reconhecer limitaes e
blindagens normativas, mais ou menos, partilhadas, vises sobre a objectividade, mais ou menos,
unidimensionais, retricas de contra-poder, mais ou menos, contnuas.
No que, em particular, toca ao Jornalismo Pblico: sendo mais uma srie de prticas do
que uma definio (Coleman, 1996) de admitir que essa impreciso conceptual gere riscos
considerveis: sem um fundamento terico explcito pode diluir-se e a sua agenda de pesquisa
pode ser difcil de formular; as crticas no podem ser dirigidas com eficcia e vrias
interpretaes da perspectiva do Jornalismo podem distorcer os seus objectivos (p. 61). Assim
sendo, como ser que os processos de digitalizao do Jornalismo apropriam e aprofundam o
paradoxo entre indivduo e comunidade, para alm de uma dicotomia entre estado e mercado?
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A Web 2.0 e o Jornalismo dos Cidados
Se, at ao incio da primeira dcada de 2000, as reivindicaes de uma aproximao do
Jornalismo realidade social que reporta cabiam, fundamentalmente, a sectores descontentes de
jornalistas profissionais, a investigadores universitrios e a alguns sectores da sociedade civil e
polticaa exemplo, a Comisso MacBride criada pela UNESCO6veremos, de seguida, como
a proposta de um Jornalismo dos Cidados convoca agora exigncias directas por sectores
sociais at aqui conhecidos como o pblico, e como essas reivindicaes utilizam um argumento
de legitimidade baseado na liberalizao tecnolgica da produo de discursos.
Uma compreenso apurada das propostas do Jornalismo dos Cidados indissocivel da
realidade tecno-social da denominada Web 2.0. Em boa medida, ela aproxima-se daquilo que
Tim Berners-Lee idealizou como sendo uma Read/Write Web, i.e., um sistema globalhipertextual, baseado na Internet e pensado para a combinao de conhecimentos, que os
utilizadores podem, simultaneamente, consultar (ler) e criar (escrever)7.
Nessa exacta medida, o valor do software proporcional escala e dinamismo dos
dados que ajuda a gerir (O'Reilly, 2005). Esse o mantra essencial desta segunda idade da
Web: uma dinmica pela qual os utilizadores geram valor-acrescentado, testam novos servios
em tempo real, dando forma a uma inteligncia colectivade que a Wikipedia o mais evidente
exemplo pelo que prescindem de alguns direitos de propriedade intelectual tradicionalmente
reservados (Creative Commons). Esta arquitectura de participao reforada por um modelo de
personalizao (RSS) e de constncia ( permanent link), em que os dados so remisturveis e
transformados (mashup).
Este novo hibridismo tcnico sugere, pois, um novo hibridismo social. esse o
entendimento que dele extraem os proponentes de uma revoluo entre as noes de amadore
profissional(Leadbeater & Miller, 2004):
6 Em plena Guerra Fria, marcada pela independncia de inmeros pases, at a sob uma autoridade colonial, foicrucialmente relevante nessa discusso a publicao, em 1980, do relatrio Many Voices, One World: Towards anew more just and more efficient world information and communication order (MacBride, et al., 1980).7 A conveno que instituiu o CERNdo original Conseil Europen pour la Recherche Nuclairefoi assinada em1954. Depois de um perodo de seis meses como consultor (1980), Berners-Lee voltaria ao CERN, em 1984, comuma bolsa de investigao. Em 1989, desenvolve o projecto World Wide Web: cria o primeiro servidorhttpde o
primeiro cliente (browser)WorldWideWebuma interface grfica que daria origem ao Mosaic (Marc Andreessene Eric Bina) e que seria a base para o desenvolvimento dos actuais browers.
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Um Pro-Am prossegue uma actividade como um amador, sobretudopelo amor a ela, mas estabelece critrios profissionais. Os Pro-Ams noganharo mais do que uma pequena poro dos seus rendimentos com
base no seu passatempo, mas prosseguem-no com a dedicao e ocompromisso associados a um profissional. Para os Pro-Ams, o lazer no o consumismo passivo, mas activo e participativo; envolve oestabelecimento de conhecimentos e percias publicamente acreditadas,frequentemente construdas ao longo de uma longa carreira (p. 20).
A digitalizao associada Web 2.0 aprofunda a tenso desestruturao/reestruturao
de que temos vindo a falar, ao problematizar a diferenciao entre profissionais, amadores e
amadores com critrios profissionais. Ser este um novo hbrido social ou antes uma
permanncia histrica que, assente nas corporizaes da Web 2.0, encontra novas formas deexpresso, a uma escala potencial para alm da nacional? Em rigor, Leadbeater e Miller (2004)
entendem-na como uma gradao, uma continuidade compreendida entre a devoo
descomprometida do amador e a alta especializao de um ps-profissional.
Longe de ser uma criao intelectual dos anos 2000, o Pro-Am recupera a ideia de um
prossumidor (prosumer), avanada h trinta anos (Toffler, 1980). Em boa medida, sugere o
autor, coube Revoluo Industrial tornar clara a distino que, de resto, expressiva se
observarmos as prticas de agricultura de subsistncia: o indivduo consome o que produz. At
certo ponto, o Jornalismo dos Cidados prope esse mesmo modelo de autarcia informativa.
A irrupo da sociedade industrial faria assentar o modelo econmico num esquema de
produo para troca. Aplicando ao nosso tema: o jornalismo na empresa, produzindo e
disseminando informao a troco de compensaes pecunirias (o preo unitrio do jornal, a
publicidade, a subveno do Estado), i.e., a informao como bem de consumo. Ou, seguindo os
exactos termos de Toffler:
Um modo mais revelador de pensar sobre a economia o de entend-lacomo tendo dois sectores. O Sector A abrange todo o trabalho no-remunerado feito directamente pelas pessoas para elas prprias, para assuas famlias, ou para as suas comunidades. O Sector B compreende todaa produo de bens e servios para venda ou troca atravs de uma rede detroca ou mercado (p. 266).
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Na exacta medida em que a Web 2.0 ps, em boa medida, fim invisibilidade daquele
Sector A, a tenso desestruturao/reestruturao no actual ecossistema comunicacional sugere,
pois, uma terceira vaga capaz de superar a oposio entre os dois sectores, o que se poder
chamar de Jornalismo Colaborativo, o fenmeno que Toffler, na dcada de 1980, apelidava de
uma nova era de sntese (p. 130) ou, avanando para a remistura, umJornalismo Pblico 2.0.
Recuperando a proposta de Jay Rosen (1994), esta hiptese exige uma nova inteligncia
sobre os assuntos sociais. Pelo prisma das fontes de informao, os jornalistas so confrontados
com um alargamento dos crebros de confiana disponveis (p. 38). Rosen utiliza o termo
pensando, sobretudo, na credenciao de novas parcerias com um certo nvel de elite intelectual
o Jornalismo e a Universidade. Mas, ao mesmo tempo, com as metamorfoses promovidas pela
Web 2.0, a linha entre o jornalismo e as publicaes pessoais torna-se difusa (Lasica, 2003),
graas a novas ferramentas ubquas que tornam possvel que qualquer pessoa possa publicar ereportar notcias.
Neste exacto sentido, uma hiptese de estudo ser que, semelhana do Pro-Am de
Leadbeater e Miller (2004), o Jornalismo dos Cidados seja uma existncia gradativa de auto-
publicao, auto-avaliao e auto-organizao, ou seja, mais um corpo de prticas em expanso
do que um conceito perfeitamente definido.
Se a Internet trouxe, pela primeira vez, meios de comunicao de muitos-para-muitos e
de alguns-para-alguns (Gillmor, 2005), temos de reconhecer que as normas por que se regem as
fontes, e no s os jornalistas, mudaram graas possibilidade de toda a gente produzir notcias
(p. 59).
Ainda que a definio de notciapor Gillmor exija uma considervel preciso, no deixa
de ser relevante a observao sobre as alteraes em curso no modo de organizao (estratgica
ou espontnea) das fontes de informao. Uma questo crucial para o Jornalismo , pois, a
informao tem toda o mesmo valor? A comprovar-se essa hiptese, o Jornalismo enfrenta um
colapso dos processos de gatekeeping e de agenda-setting (Williams & Carpini, 2004). Esta
linha de raciocnio sugere que o novo ambiente meditico mina a ideia de que existem portes
especficos pelos quais passa a informao: se no existem portes, no existem porteiros
(gatekeepers); e se apenas alguns portes sobrevivem, os porteiros estaro seriamente limitados
na gesto alargada desses fluxos de informao.
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Um rumo de estudo , nesse sentido, a de examinar at que ponto nos encaminhamos
para um sistema de informao com organizao prpria, em que indivduos e pequenos grupos
partilham entre si informaes importantes (Gillmor, 2005: 49). Porm, em oposio via todos
somos produtores de notcias, no estaremos perante um mito libertrio do jornalista cidado
(Moretzsohn, 2006)?
Considerando esta segunda hiptese, e reconhecendo-se que a Web 2.0 possibilita aos
cidados assumirem uma existncia social mais interventiva, percebe-se como as profecias do
fim do Jornalismo desconsideram o carcter especfico da mediao jornalstica, que o que
legitima socialmente esse tipo de informao e impe procedimentos necessrios para que se lhe
exija a indispensvel credibilidade (p. 63).
Fica explcito, por esta via, que a tenso desestruturao/reestruturao sugerida pela
Web 2.0 ao Jornalismo assenta, em boa parte, num confronto entre a emanao de torrentesvirtualmente ilimitadas de fontes de informao, um ciclo de notcias de 86.400 segundos
(Gillmor, 2005) e a imprescindibilidade de uma verificao jornalstica apurada, i.e., por um
lado, uma maior necessidade de procedimentos capazes de apurar a validade dos factos alegados,
por outro, uma prtica noticiosa pretensamente em tempo real.
Deste modo, a retrica libertria muitas vezes infiltrada em alguns dos discursos do
Jornalismo dos Cidadospelo povo, para o povo (Gillmor, 2005)sugere que a qualidade da
informaodecorrente, entre outros mtodos, de um exame cruzado ser como que apurada
porseleco naturaldos participantes na conversao, ou seja, pelo assumir de uma capacidade
de hetero-correco, em que do cruzamento de verses distintas deve surgir naturalmente uma
aproximao verdade.
Este mtodo wiki uma automtica transplantao do mtodo de produo de software
de fonte abertadispensa, por formulao ideolgica, a mediao do especialista profissional;
sugere, em seu lugar, que todos os intervenientes so potenciais crebros de confiana (Rosen,
1994). Se, como sugere Moretzsohn (2006), a prtica do Jornalismo dos Cidados indica o senso
comum como verdade, agravado por uma lgica de publicar primeiro e depois filtrar
diametralmente oposta do Jornalismo Profissionalessa uma clara limitao no-criteriosa
generalizao da proposta de Gillmor (2005) pela qual os meus leitores sabem mais do que eu
(p. 36). Deve, porm, compreender-se que o que Gillmor sugere no tanto o fim da figura do
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especialista, mas o reconhecimento crucial de que asoma dos meus leitores, associados em rede,
sabe mais do que eu e do que o limitado nmero de fontes por mim consultadas.
A natureza da autoridade da instituio jornalstica est, assim, sob tenso, na exacta
medida em que a comunidade se assume como uma entidade moral (Christians, 1999: 74).
sob esse prisma que tornar as coisas mais pblicas assim uma importante categoria tica
(Rosen, 1994: 38). Nesse sentido, uma certa retrica dos projectos de Jornalismo dos Cidados
baseia-se na remunerao simblica em torno do estatuto do reprter.
Porm, de um ponto de vista normativo, uma notcia no qualquer novidade; antes
uma ou mais informaes, em geral at a desconhecidas, que sujeitas a um particular mtodo de
verificao revelam ou no a sua gradativa credibilidade. este corpo de metodologias o
mesmo que permite distinguir um jornalismo de referncia de um jornalismo tablide que
sectores do Jornalismo Profissional tm vindo a aperfeioar ao longo de uma histria secular. Sedentro de um mesmo corpo disciplinar profissional subsistem prticas to divergentes na
verificao da informao, ser a expanso (escala) da conversao no-mediada dos Pro-Ams
uma automtica soluo para a credibilidade (verificao) da informao?
Em causa esto, de forma notvel, diferentes (opostos?) compromissos com a verdade
(Hudson & Temple, 2010). To velocipdicos so os desenvolvimentos neste campo 8, e to
disruptiva (dissonncia cognitiva) a lgica apresentada pelo Jornalismo dos Cidados perante
as instituies agenda-setting, valores-notcia e reportagem objectiva (Burns, 2008)que h quem
proclame a sua morte (Boriss, 2007), em favor de um Jornalismo do Especialista.
Se o legado imediato do Jornalismo dos Cidados uma disperso jornalstica em micro-
tendncias, como sugere Burns, apresenta-se uma outra interrogao: devem os jornalistas-
cidadosa exemplo, webloggersestar sujeitos mesma conjugao de direitos (proteco) e
deveres (acatamento) consagrados pelo quadro normativo da Liberdade de Expresso e de
Liberdade de Imprensa? Como devemos redefinir o privilgio do reprter (Papandrea, 2007)?
Ao centrarmos esta discusso tico-deontolgica exclusivamente na forma tecnolgica que serve
de base ao discurso jornalsticoblogues, micro-blogues, redes sociaisno estaremos a limitar
a apropriao jurdica da noo de Liberdade de Imprensa? Esta tambm uma porta crucial de
entrada na discusso motivada pelo Jornalismo dos Cidados.
8 Como forma de financiar uma crtica mais apurada sobre os acontecimentos, Gillmor props recentemente aadvocacia de um movimento de notcias lentas ( slow-news movement) (Gillmor, 2009b).
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Se, pelo canto do olho da filosofia poltica comunitarista, um refinamento moral pessoal
implica um refinamento moral da comunidade onde o indivduo est inserido, e se daqui se induz
um princpio distributivo pelo qual esse refinamento comunitrio contribui para o bem
individualser, de facto, o Jornalismo dos Cidados enquadrvel luz de um comunitarismo?
Ou, antes, de um aprofundamento do liberalismo o cidado como mensagem (Papacharissi,
2009)? E, a esse propsito, poderemos falar de uma esfera pblica em linha?
Uma questo contempornea para o Jornalismo hoje, pois, a de conjugar criticamente a
torrente informativa da Web 2.0 com o inegocivel imperativo de verificar os factos e as
alegaes sobre eles proferidos. E, ainda que s atravs da metonmia e da metfora, possamos
falar de um Jornalismo dos Cidados, deve o Jornalismo ele que se estrutura em torno de uma
retrica moral sobre os pblicos que procura servir alhear-se das conversaes mantidas em
linha, alegando que esses discursos, pela sua estrita base tecnolgica, no renem as condiesde credibilidade para serem atendidos? Ou, em alternativa, no ser exactamente a funo
histrica do Jornalista a de recolher, examinar, verificar os factos e as fontes de informao que
se constituem como contraparte dialogante?
O que a Web 2.0 sugere uma autoridade editorial dispersa. Essa retrica de
legitimidade parte frequentemente de pressupostos identificveis: o lugar da enunciao de
baixo para cima, ograssroots journalism de Gillmor, a agenda do cidado de Rosen; o nmero
seguindo uma lgica de raciocnio em que mais vozes (quantidade) correspondem a vozes
distintas (qualidade).
Boa parte da argumentao quer de jornalistas profissionais, quer de investigadores
universitrios tem perspectivado esta expansiva autonomizao dos lugares de expresso
pblica (apenas) pelo prisma da ameaaa desestruturao sua funo de agenda-settinge
degatekeeping. Recordemos o pressuposto de Kovach e Rosentiel (2004): a principal finalidade
do jornalismo fornecer aos cidados a informao de que precisam para serem livres e se
autogovernarem (p. 16). No ser aquela, numa actividade centrada no conhecimento dos seus
pblicos, uma perspectiva limitada no que tem de impermevel s novas realidades sociais? Por
outras palavras: se o weblogging pode ser visto como uma expresso do eu, no funo do
Jornalismo Profissional ser uma expresso do ns? Como veremos de seguida, a problemtica
adensada ao somarmos discusso as novas capacidades de mobilidade.
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Media locativos: reivindicaes de uma nova apropriao sobre o Espao e o Tempo
A noo de media locativos dispositivos informacionais digitais cujo contedo da
informao est directamente ligado a uma localidade (Lemos, 2007) implica uma relao
entre lugares e dispositivos mveis indita. De todos os aparelhos disponveis, o telemvel o
mais generalizado (Measuring the Information Society: the ICT Development Index , 2009): se,
nos pases de altos rendimentos, ele alcanou um estatuto de quasi-ubiquidade, nos pases de
mdios e de baixos rendimentos ele revela-se uma primeira forma de conectividade em rede.
O telemvel , nessa medida, o nico aparelho universal (Ahonen, 2008), num atalho:
um stimo meio de comunicao de massa, um quarto ecr (p. 49). Apesar disso, ou
precisamente por esse motivo, os estudos jornalsticos no tm considerado a sua dimenso
meditica; possivelmente, porque essa cultura do telemvel (Goggin, 2006) percebida comouma espcie de cultura popular, entendida como uma cultura baixa e vulgar das multides.
Enquanto isso, o facto que ele tem usos instrumentais e responde a determinadas necessidades
(p. 205).
Em boa medida, essa cultura do telemvel fatia do bolo maior de uma cultura da
convergncia (Jenkins, 2006), onde os novos e os velhos media colidem, onde os media de base
e empresariais se intersectam, onde o poder do produtor de media e o poder do consumidor de
media interagem de forma imprevisvel (p. 2). Por outras palavras, encaminhamo-nos para a
multiplicao e integrao no apenas de diferentes tecnologias para a disseminao do udio,
imagem em movimento e da computao em rede, mas tambm da actividade, social, poltica e
comercial (Monaghan & Tunney, 2010).
Se as formas de comunicao sem fios promovem profundas modificaes no espao
urbano, nas formas sociais e nas prticas da cibercultura, estaremos diante de uma nova Era da
Conexo (Lemos, 2004), onde uma forte sugesto de estudo e de experimentao surge em torno
do artefacto mvel e da rede, i.e., de um modelo aparelho/conduta (Warschauer, 2002).
Estas novas mobilidades um mundo social progressivamente mvel que altera a
natureza da interaco e da organizao social (Green & Haddon, 2009) derivam, pois, de uma
computao ubqua (Weiser, 1991), i.e., uma informatizao que se infiltra no quotidiano e que,
at certo ponto, se torna indistinguvel dele.
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Ainda que devamos discutir as suas implicaes luz da noo de diviso digital (digital
divide), o telemvel generalizou consideravelmente a portabilidade das ligaes sociais (Chayko,
2008), as comunidades so agora facilmente tornadas mveis e podem ser construdas, mantidas
e acedidas de praticamente qualquer stio a qualquer hora (p. 5). Estamos, pois, diante no
apenas de comunidades interactivas (Web 2.0), mas de comunidades portteis.
Pelo prisma tecnolgico do Jornalismo, ao entrarmos num tal ambiente mvel de
produo (Silva, 2007), pela qual, com essa estrutura disponvel, o jornalista alcana a
mobilidade para narrar as notcias in loco e em tempo real, sem a necessidade de deslocamento
at redaco para edio do material (p. 6), chegamos a um t empo de MoJos (mobile
journalists) e de LoJos (locative journalists)9 em que o telemvel de forma geral, as
tecnologias mveis, como notebooks e netbooks assume o estatuto interactivo de um lugar-
objecto, evidenciada em inmeros projectos e aplicaes de realidade aumentada egeoreferenciao.
Sugerindo um reexame noo de proximidade no Jornalismo, as tecnologias mveis
induzem uma reforada forma da tenso desestruturao/reestruturao. Uma hiptese a testar
ser a de que, mais do que sugerirem uma desterritorializao (para fora do espao), os media
locativos digitais permitam uma transterritorizalio, i.e., um fluxo de proximidade a territrios
geograficamente distantes, uma nomadizao no baseada no corpo.
Nesse sentido, estaremos cada vez mais distantes de um telemvel unvoco; ele (quase)
tudomquina fotogrfica e de vdeo, televiso e cinema, leitor de msica, correio electrnico,
mensagens escritas e multimdia, WAP, GPS - aproximando-se do estatuto de central de
comunicaes no bolso ou, como escreve Lemos (2004), um controlo remoto para diversas
formas de aco no quotidiano.
A hiptese de trabalho clara: as tecnologias mveis, associadas a redes sem fios, tm
um impacto nas prticas jornalsticas, quer na fase de produo, quer na fase de distribuio: no
so apenas as suas rotinas que so afectadas (Silva, 2008) ou as suas possveis plataformas de
publicao que se abrem para uma narrao transmeditica do quotidiano; a intermediao
jornalstica que volta a ser questionada, no apenas pela compresso sugerida pela
9 Consultar http://lojoconnect.com
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instantaneidade adoptada enquanto valor jornalstico, mas por uma nova disseminao pblica
(Green & Haddon, 2009) que alm de interactiva mobilizada.
So uma vez mais as relaes de poder entre jornalistas e pblicos a evidenciarem a sua
centralidade (Ling & Donner, 2009), na exacta medida em que:
fica claro que o telemvel faz parte de um movimento de jornalismodos cidados ou participativo, que nalguns casos mais directo,mais aberto ao comentrio pblico do que as formas tradicionais, e est afornecer ao consumidor de notcias abordagens alternativas sobre osacontecimentos (p. 119)
Pelo seu valor de mobilidade e proximidade, em que medida podem as tecnologias
mveis operar como contributo para uma (re)legitimao do jornalismo? Se as pessoas esto ausar o telemvel para documentar a sua vida quotidiana, no ser este um argumento racional e
crtico para uma renovao das formas profissionais do Jornalismo?
Como j apontam alguns estudos (Gordon, 2007), a relevncia do telemvel em
momentos crticos considervel se a percebermos enquanto ferramenta importante, para
documentar e reportar acontecimentos de testemunhas e dos que estejam envolvidos (p. 307),
para alm dos limites de censura impostos Liberdade de Imprensa pelos processos de
transferncia de tecnologia associados a convergncias polticas autoritrias (Walton, 2001).
Ilustram esta tendncia projectos colaborativos de georeferenciao como Ushahidi10
testemunho em Swahili implementados, a exemplo, no Qunia11, Repblica Democrtica do
Congo12, Haiti13, EUA14, Uganda, Malawi e Zmbia15, na Faixa de Gaza16 ou iniciativas de
fiscalizao mvel de eleies, como a que foi estimulada em Moambique (Outubro de 2009)
pelo Centro de Integridade Pblica17 e pela Associao de Parlamentares Europeus para frica
(Awepa), numa base prxima da proposta do Jornalismo dos Cidados:
10 http://www.ushahidi.com/11 http://legacy.ushahidi.com/12 http://drc.ushahidi.com13 http://haiti.ushahidi.com14 http://www.snowmageddoncleanup.com/main15 http://stopstockouts.org/16 http://labs.aljazeera.net/warongaza17 http://www.cip.org.mz/election2009/pt/
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Reforando o trabalho de mais de 100 correspondentes espalhados em quase todos osdistritos do pas, os cidados podem monitorar o processo eleitoral, enviando dados sobreanomalias no decurso, da campanha e no dia da votao (actos de violncia, uso de bens
pblicos para fins eleitorais, abertura tardia das assembleias de voto, fraca afluncia surnas, o comportamento exagerado da Polcia, excluso de observadores e delegados dospartidos, etc.)
De forma aproximada, projectos como o AppLab18, financiado pela Fundao Grameen,
procuram um contribuo tecnolgico no alvio da pobreza, sugerindo um certo dever moral do
sector das Tecnologias de Informao e Comunicao para o Desenvolvimento (ICT-D) (Banks,
2010). O limitado corpo de pesquisa exploratria j realizada neste particular campo (Dahlberg,2001; Gordon, 2007) revela que os benefcios para a esfera pblica extrados do uso do
telemvel so mais limitados do que o que as expectativas iniciais sugerem. Nesse sentido,
necessria mais pesquisa comparativa de modo a sustentar concluses generalizveis. Pretender
avan-lo, nesta fase, seria tomar uma viso parcial sobre um edifcio de prticas to recentes.
Por esse prisma, mostra-se crucial diferenciarmos um uso que procura aproximar-se da
inteno jornalstica de um uso intencionalmente poltico, a exemplo das fotografias captadas
por telemvel e publicadas em blogues por vrios militares norte-americanos em misso no
Iraque. No ser, contudo, de excluir que imagens captadas por amadores e Pro-Ams possuam
um evidente interesse pblico: a violao das leis humanitrias internacionais por militares
norte-americanos na priso de Abu Ghraib foi documentada pelos prprios; outro tipo de dvidas
coloca a publicao de imagens da execuo do ex-presidente iraquiano Saddam Hussein.
A prtica do que se auto-aproxima de uma reportagem informal (Robinson & Robison,
2006) sugere srios riscos de uma paparazzizao das comunicaes, na exacta medida em que
a recolha cooperativa de informao vai continuar a diluir a linha entre o amador e o
profissional (p. 99). Uma literal mobilizao cvica, com alargadas consequnciassociopolticas, ignora efectivamente o sistema dos tradicionais mass media como fonte de
informao e cria uma nova forma de espao pblico (Castells, Fernndez-Ardvol, Qiu, & Sey,
18 http://www.grameenfoundation.applab.org/section/index
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2007). , contudo, fundamental perceber que uma autonomia relativa do contedo e do
processo de comunicao no conduz necessariamente mudana social (p. 209).
A necessidade de gerir comunidades portteis talvez nunca tenha confrontado de modo
to expressivo o Jornalismo. Essa gesto, luz da Web 2.0 e das tecnologias digitais, evidencia
os limites da retrica libertria de que tudo jornalismo, ao mesmo tempo que demonstra as
insuficincias de umjornalismo palestra fechado sobre si mesmo.
Os ataques suicidas em Nova Iorque (11 de Setembro de 2001), de Madrid (11 de Maro
de 2004), Londres (7 de Julho de 2004), o tsunami nas ilhas de Sumatra-Andaman (26 de
Dezembro de 2004) acontecimentos consideravelmente imprevisveis e que o processo de
agenda-setting do jornalismo tem dificuldade em incorporar foram dos primeiros a fornecer
uma viso mais mensurvel das potencialidades comunicacionais da Web 2.0 associada ao
telemvel.Contudo, fica claro que no so escassos os riscos tico-deontolgicos de tal proliferao,
pelo que as imagens capturadas pelos soldados americanos em Abu Ghraib reflectem uma
mudana no uso das imagens menos como objectos a serem salvos do que mensagens para
serem disseminadas, feitas circular (Sontag, 2004).
Sem pretenderem, pela retrica do Jornalismo dos Cidados, os militares norte-
americanos tornaram-se reprteres de si mesmos, i.e., a via tecnolgica associada ao vcuo tico
fundiu, nesse caso, o narrador e o narrado. Por esse canto do entendimento, torna-se mais claro
explicar e compreender as limitaes de um certo rumo libertrio do Jornalismo dos Cidados,
em perfeita sintonia com uma filosofia da ps-modernidade:somos todos reprteres.
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Discusso: um novo Novo Jornalismo?
A tenso desestruturao/reestruturao no Jornalismo, subsidiada pela Web 2.0,
potenciada pelo uso das tecnologias mveis em particular, do telemvel na produo e na
recepo de contedos informativos. Na Era da Conexo, se todos os jornais cabem agora no
bolso (Fidalgo & Canavilhas, 2009), e se a ideia de uma maior participao jornalstica dos
cidados que o citizen journalismproclama ganhar mais consistncia com a Internet mvel,
igualmente certo que, pelo prisma da produo de notcias, a proliferao diluviana das torrentes
comunicacionais que partem das comunidades portteis vem estimulando uma compresso
libertria da tica e da Deontologia jornalsticas.
O abalo ssmico tem, pois, epicentro no exerccio de poder da intermediao jornalstica
um questionamento directo sua capacidade de monitorizao. Se, em parte, o que oJornalismo dos Cidados sugere uma relocalizao das formas de participao pblica das
suas geografias (espao) e ritmos (tempo) como podem as tecnologias mveis operar como
uma (re)legitimao do jornalismo? A proposta de um Jornalismo Colaborativo apresenta-se
como uma hiptese vlida, no que possui de um sistema partilha e de gesto (pool) para recolha,
verificao e divulgao da informao (Rushbridger, 2009). Se hoje, podemos provavelmente
concordar que ele importa, talvez seja um pouco mais difcil concordar com o que o
jornalismo (p. 19).
Nesse ponto, a ideia de umjornal mutualista exige mais do que a dicotomia velhos media
VS novos media, e est para alm de um duelo ns jornalistas profissionais VS eles jornalistas
cidados. A equao deve ser reelaborada pela universidade, reposta experimentao pela
indstria; a unio dos dois contributosem si mesmos colaborativospermitiro o apuramento,
a descrio e a categorizao da multiplicidade de manifestaes de umjornalismo conversao;
e com base nisso, a estabilizao de um quadro realista de normativas.
Precisamos, pois, reavivar e rever uma literacia dos media (Gillmor, 2009a), numa era
de saturao meditica, no centro de um ecossistema de jornalismo e informao comunitria em
desenvolvimento (p. 1).
Como tal, os equvocos sentidos em torno da noo de comunidade devem ser apurados:
corresponder o Jornalismo dos Cidados a um mpeto comunitarista emergindo do corao das
sociedades democrticas liberais? Ou, pelo contrrio, precisamente a um reforo desse
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liberalismo enquanto agregao torrencial de agendas do cidado individualizadas e
desinteressadas do bem comum?
Esta agenda do cidado como diria Freud o totem que animar a democracia
deliberativa, pondo a descoberto alguns dos seus tabus mais inconfessados? Encontramo-nos
numa fase de demonstrao, em boa medida distante de uma fase de incorporao maioritria das
prticas colaborativas nas rotinas profissionais das redaces. Interrogarmo-nos sobre o que e
para que serve o Jornalismo dos Cidados implica questionarmo-nos sobre algo maior: o que o
Jornalismo, hoje, e para que serve?
Esta proposta ser to mais autoritria quanto sirva, simultaneamente, para examinar as
diferentes manifestaes exibidas dentro das tradicionais formas de exerccio do Jornalismo. No
tanto, portanto, um debate sobre um medium, mas antes sobre as apropriaes sociais que dele
so feitas.Talvez possamos questionar se no ser uma viso demasiado fechada e exclusivistada noo de objectividade uma responsvel por impedir que mais jornalistas se juntem a uma
conversao crtica sobre a sua prpria actividade profissional.
clara, por outro lado, uma proposta de reconverso do trabalho acadmico (Rosen,1994):
Uma forma de trabalho mtuo, em que os profissionais no sejamaconselhados ou criticados, mas faam algo de que necessitam,acompanhados por acadmicos que no estejam a estudar ocomportamento de outros com distanciamento clnico, mas a ajud-los aresolver um problema ou a inventar uma nova prtica (p. 54).
Um dos problemas de postular, genrica e acriticamente, que as pessoas anteriormente
conhecidas como o pblico (Rosen, 2006) so jornalistas corresponde ao de diluir, na origem, a
diferena entre autenticidade dos factos, mecanismos de verificao e normativas tico-
deontolgicas.
Se o Jornalismo dos Cidados pode ser perspectivado pelo prisma da indstria, da
audincia e de uma cultura da convergncia (Deuze, 2009), deve, pois, assumir-se que ele no ,neste momento, tanto um conceito estabilizado, quanto uma diversidade de variaes prticas
com base em algumas ideias partilhadas; lembrando, como propunham Kovach e Rosentiel, h
mais de uma dcada, numa noite chuvosa passada no Harvard Faculty Club, que o Jornalismo
no se justifica a si prprio, mas pelas consequncias sociais (benefcios, prejuzos) que gera.
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