JoseVieira_Corporativismo

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~--~--------------------------- Autor: JOSÉ RIBAS VIEIRA Titulo: O CORPORATIVISMO E O PODER JUDICIÁRIO: UMA REFLEXÃO Sub-tttulo: GT: DIREITO E SOCIEDADE Trabalho apresentado ao XII Encontro Anual da ANPOCS Águas de são Pedra 1988

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Autor: JOSÉ RIBAS VIEIRA

Titulo: O CORPORATIVISMO E O PODER JUDICIÁRIO: UMA REFLEXÃO

Sub-tttulo:

GT: DIREITO E SOCIEDADE

Trabalho apresentado ao XII Encontro Anual da ANPOCS

Águas de são Pedra1988

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129 ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

GT: DIREITO E SOCIEDADE

TEMA: O CORPORATIVISMO E O PODER JUDICIÁRIO: UMA REFLEXÃO

AUTOR: JOSÉ RIBAS VIElRA (PUC/RJ/UFF/UFRJ)

ÁGUAS DE SÃO PEDRO, ESTADO DE SÃO PAULO - OUTUBRO DE 1988

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I - INTRODUÇÂO

A análise da relação possível da categoria corporativi~

mo para compreender o papel do Poder Judiciário na Assembléia Na

cional Constituinte remete, necessariamente, este estudo a discu

tir como ponto básico a noção da representação.

Constata-se que a partir do momento da separaçao insti-

tucional entre o Estado e a sociedade na Europa Ocidental do sé-

culo XVI foi dado o início de uma certa rediscussdo sobre o per-

fil da representação e do poder. Tal fenômeno político configu-

rou não mais a possibilidade, por exemplo, de uma representação

meramente simbólica do poder estatal na pessoa do monarca.

É fácil, assim, perceber que o processo social desse m~

mento histórico se direcionava pela necessidade de materializar

mecanismos políticos para tornar presente a sociedade no Estado.

O pensamento hobbesiano no século XVII, tipifica a con-

cepçao de que a soma dos indivíduos oactua a favor do soberano

para a construção do poder político moderno.

Estas condições históricas levaram, então, a construção

de uma nova base da teoria da representação. Esta concretização

irá apresentar alguns desdobramentos.

Em geral, a visão do Estado despontada na transição da

formação capitalista modela-se, desde então, por este compromisso

de estarem identificados quase todos os setores sociais como uma

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• <>

2

representação homogênea da sociedade.

Neste nivel, cabe destacar, o fato de que a teoria da

representação politica caminha num sentido 'opost.o de não viabili

zar a possibilidade de lli~ar~presentatividade de interesses loca

lizados diante da estrutura estatal. Pelo contrário, autores c~

mo SIEYES, colaboram para efetivar uma teoria de representação~

litica de caráter integrador. Defende-se, assim, que o "intere~

se da nação", "a vontade popular" ou outras categorias politicas

são capazes de enquadrar a presença dos segmentos diferenciados

da sociedade no poder estatal.

Não deve ser esquecido, também, a noçao de que a pro-

pria teoria juridica acaba por consolidar mais este aspecto for-

mal e abstrato assumido pela noção da representação moderna [ 1 ]

Apesar dessa perspectiva absoluta da representação poli

tica moderna em todos os niveis, do aparato do Estado, deve ser

observado que o Poder Judiciário acaba seguindo urna direção dis-

tinta.

Mais uma vez ,recorrendo a análise elaborada por HOBBES,

já é defendida no século XVII a idéia de que a Justiça é a mani-

festação positividade e autônoma da vontade do soberano.

Denota-se, ainda, que a visão de uma Justiça independen-

te, distanciada assim, de interesses sociais localizados, torn~

se um projeto definido pelos constituintes da etapa revolucioná-

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·.3

ria de 1789 na França.

o vulto de tal projeto redundará na solidificação de to

da urna perspectiva de estruturação do Judiciário no Estado Moder[2Jno

Seguindo este impulso histórico, o Poder Judiciário edi

fica-se, desse modo, na idéia de representação da sociedade numa

idélica concepção de Justiça.

Daniel Soulez Lariviere observa com muito acuidade esse

fenônemo a respeito da função jurisdicional:

"Certamente, o conceito de uma magistratura in-.dependente de tudo, salvo de uma idéia da Justi

ça que seria aquela de Deus, pertence ao domí~nio do fantasma ou mesmo do delírio, se seguemos trabalhos de Freud e de Lacan ... " [3J.

Após este balanço demonstrativo da relação intrlnsecaen

tre representatividade e o poder estatal moderno, cabe abri~ o

caminho para urna outra etapa da discussão neste estudo.

Hoje, a crise do papel tradicional desenhado para o Es-

tado, a fragmentação de demandas sociais e a incapacidade do Ju-

diciário cumprir com sua pretensa noção de justiça, conduziram

para um desmoronamento da teoria da representação polltica moder

na.

d . f P . [4] 1 t .Trabalhos como e Glan ranco asqulno aer am, por

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·.4

exemplo, para.o dado de que os partidos políticos, instrumentos

necessário para a condução da representatividade política mo~

derna estão perdendo, aceleradamente, este seu papel e espaço

institucional.

Afigura-se no cenário político, assim, uma crescenteau

tonomia de esferas de interesses econômicos, sociais e cultu-

rais sem uma contrapartida da viabilidade de mecanismos para

representá-los.

11 - O INTERESSE DE SETORES SOCIAIS E SUA REPRESENTATIVIDADE

No item anterior, tive a oportunidade de destacar como

a teoria da representação política moderna sufocou, na verdade,

o surgimento de qualquer nível de discussão a respeito da cate-

goria de interesses diversificados.

A idéia de interesse, como foi examinada, so aparecia I

de forma muito reduzida através de noções de cunho genético tais

como "interesse da nação", ou no caso do Poder Judiciário, por

meio da concepção idealizada de justiça.

Os anos 80 demarcaram a impossibilidade da teoria da

representação moderna firmar uma saída para a crise de represe~

tatividade da esfera política.

Com toda força de expressao, o debate dirigiu-se a re~

peito de como o processo político e jurídico pode viabilizar e

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·~5

resolver determinados e tão distintos interesses.

Na verdade, a falência da teoria da representatividade

nesta década fez revelar com mais clareza a noção de que a par-

ticipação política com o intuito de direcionamento dos interes-

ses das pessoas constitui uma parte muito diminuta de suas vi-

das.

são as organizações específicas que se transformam em

Dorta-vozes desses interesses ao orientar, mobilizar e defender

certos valores [5 ]

Cabe reconhecer, ainda, que os instrumentos tradicio-

nais de legitimação de interesses como os partidos políticos e

o próprio parlamento tornaram-se impotentes para homogeneizar

tantos setores sociais abrindo uma via mais nítida para o predo

mínio mais direto das organizações/grupos de interesses.

o jornal Tribuna Alemã, veiculando uma notícia public~

da em Stuttg~~Zeitung (05 de novembro de 1987, sob o título

"O lobbysta do funcionalismo e sua gentil intransigência" reve-

la o poder da direção da Confederação dos Funcionários Públicos

Alemães. Tal Doder demonstra toda a sua pujança contra mecanis

mos tradicionais da representação de interesses como se corpor~

ficam, também, nos sindicatos A Tribuna Alemã reporta do segui~

te modo o comportamento do Chefe da Confederação dos Funcio~á -

rios Públicos Alemães:

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..6

"Podemos descrever a -t at i c a de Krause com a a-juda das frases.que ele emite sem hesitar. Fa-la, por exemplo, dos "direitos dignos de fun -cionalismo", dos "princípios tradicionais de

• -.. tr --func1onar1o. Nao ede estranhar que tenha seoposto veemente contra a reivindicação dos sindicatos a favor de direito de greve para fun=cionários públicos" [6].

Ao examinar o predomínio crescente dessas organizações/

grupos de interesse em detrimento de instituições políticas

tradicionais (partidos/sindicatos), Claus Offe aponta para a e-

xistência de uma nova racional idade política.

Tal racionalidade ê conduzida, segundo o citado autor

alemão, em termos que o político ê reduzido tanto para socieda-

de quanto para Estado como algo de "resultados", "eficiência 11

etc [7 ]

Este perfil pode provocar, muitas vezes, uma certa "di~

funcionalidade" do processo político. De um lado, a força des-. - / d' t - de tal ordem de'sas organlzaçoes grupo e ln eresse e grandeza

para obter resultados de suas demandas que resta as políticas

públicas, devido ao excesso de pressões, a necessidade de "man-

tê-Ias distantes". De outro lado, segundo a análise de Offe,

tais políticas não podem prescindir delas, pois, por exemplo,elas apresentam uma estrutura de controle d~ seus integrantes[8~

A essa crise dos mecanismos de representação política

moderna e o avanço dos grupos de interesses (organizações) ,Claus

affe sintetiza como o despontar de um novo processo político:

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• o

7

"Nas recentes.contribuições por Anderson,Icnes-cu, Lehmbruch,.Panitch, Ruin, Schmitter, Win-kler, e outros, O termo corporativismo (algu-mas vezes, usado em conjunçao com qualificado -res tais como neo, liberal ou so~ietal) temsido usado comO-Um conceito analítico para des-crever mudanças globais na estrutura políticadas sociedades capitalistas avançadas. Corporativismo ~ um conceito que nio descreve uma si-tuaçao, mas preferentemente um "eixo" de desen-volvimentos. Noutras palavras, sistemas políticos podem ser mais ou menos corporativista,maisou menos avançado no processo de corporativiza-ção dependendo da extensão para a qual o "status" público é atribuído para os interesses degrupo" [9].

Assim, Claus Offe nao só contribui para delimitar o fe-

nomeno da corporatização das relações sociedade/EStado, como tam

bém, tenta firmar certos critérios para avaliar o grau de sua

institucionalização. Para o referido autor, um maior ou menor

nível de corporativização mede-se por meio de:

1. os recursos subsidiados pelo Estado para o interesse

grup%rganização através de isenções de taxas, associação obriIgatória concedida pelo Estado, acesso ao meio de comunicação CQn

trolado pelo Estado, etc.

2. o nível de sua representatividade devido aos resulta

3. A participação interna de seus integrantes.

dos obtidos pela precisão política.

4. O papel que os grupos de interesse/organizações sao

convocados para implementar.legislação, sistema judicial e polí-[ 1 O]tica de planejamento

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• ?

8

Embora já tenha sido delimitado o campo político do pr~

cesso corporativismo, cabe no próximo ítem deste estudo concei -

tuá-lo mais precisamente.

111 - CONCEITO DE CORPORATIVISMO

Apesar da importante contribuição dada por Claus Offe

para traçar o perfil da corporativi~ação, um outro estudioso que

se destaca é Philippe Schmitter.

Uma das preocupaçoes de Schmitter é salvar a categoria

examinada de conotações desvirtuadoras de sua aplicabilidade an~

lítica tais como os epitetos de vinculação com o facismo [11]. O

autor norte-americano acompanha o mesmo raciocínio vi.sualizado

por Offe ao compreender "o corporativismo como sistema de inte -

resse e/ou atitude de representação" [ 12 ]

Tendo concretizado uma depuração nos desvios do uso do

conceito de corporativismo, Schmittes define-o como:

"Corporativismo pode ser conceituado corno umsistema de representação de interesse no qualassuas unidades integrantes são organizadas den-tro de um limitado número de categorias singu-larmente. compulsoriamente. não competitivameü-te. hierarquicamente ordenadas e funcionalmentediferenciadas. reconhecidas ou licenciadas (senão instituída) pelo Estado e agraciada por ummonopólio representativo de decisão dentro desuas respectivas categorias em troca observandocertos controles' na sua seleção de lideres e articulação de demandas e apoies" [13].

Schmitter avança, mais ainda, inspirado no ,pensamento

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9

do romano Michail ~anoilesco, ao perceber que Q corporativismo

se apresenta corno resultado ou da própria vontade estatal de

substituir o sistema representativo ou, então, os próprios se

tores da sociedade estimulillfia instituição organizativa. O au

tor americano conclui que se estaria diante de duas formas de

corporativismo a saber: corporativismo estatal ou societal.

Além destas. distinções, Schmitter ressalta que, .na

verdade, o Corporativismo está, intimamente, vinculado a crise

de pluralismo. Tal crise resulta na necessidade de instituir

urna via estável para lli~ regime dominantemente burguês, devido

a concentração de propriedade, competição entre economias na-

cionais, expansao da politica pública, etc [ 15]

Acredito que este estudo reune, agora, condições de

perquirir a respeito do fenômeno da corporatização e a socieda

de brasileira.

IV - O CORPORATIVISMO E A SOCIEDADE BRASILEIRA

A denominada transição politica vivenciada pela socie

dade brasileira, nos últimos anos em decorrência do colapso

das bases do regime militar de 1964, tem motivado os estudio -

sos a investigar por que essa mudança não foi be~ sucedida. em

estruturas num sistema pluralista democrático.

Guillermo O'Donnell veio responder [16] a essa indag~

çao ao estudar melhor as forças sociais da sociedade brasilei-

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·~10

ra. Para .0 cientista 'social argentino e necessário, antes demais nada, traçar um dado comparativo. Assim, em relação a Eu-ropa experimentando a consolidação politica da burguesia tal

fato não impediu que outros setores Bociais fossem capazes, co-

mo e o caso do operariado, de ampliar sua participação eleito-ral, sindiçal. No entanto, no Brasil, lembra O'Donnell o qua-

dro foi, distintamente, de outro nivel:

"Em contraste, a heterogeneidade e desorganização do setor popular brasileiro, marcada pelaherança escravagista, posteriormente refletida,ao mesmo tempo que reforçada por um flexívele - nesse sentido - eficiente sistema de domi-nação sociai tem resultado numa ausência - mi-tigada durante breves períodos no passado e,atualmente, a partir da onda de greves de1978/79 - é a de setores populares que, principalmente através de sindicatos e partidos polIticos (sejam ou não "classistas" ou ca t ch= a lL),

'um grau de organização suficientemente sólido,identidades coletivas suficientemente compartidas no seu interior e diferenciadas o bastantecom relação a outras classes, como para imporpor direito próprio sua condição de atos na política nacional. A particular presença é ade uma burguesia que se constitui como sujeitosocial e político quase sem outro interlocutorque um aparato estatal com o que - por isso mesmo - tem se relacionado tão simbolicamente'116f

É fácil, assim, reconhecer que numa sociedade como a

descrita acima por O'Donnell, não haveria de prosperar as condi

ções básicas do plu~alismo politico.

Nos itens anteriores deste estudo, procurei demonstTar

através das análises de Claus Offe e Philippe Schmitter que a

noção de pluralismo politico é um instrumento para viabilizaros

minimos niveis de intermediação de interesses/demandas da socie

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...., 1 1

dade.

A constituição da sociedade/Estado no Brasil num p1àno,

no qual estes dois polos, por meio de setores segmentados, domi-

nantes e excludentes (cornoa burguesia desenhada por O'Donnell) ,

realizam suas vinculações de modo quase direto, dando margem ao

surgimento de um específico fenômeno político-social. Trata-se

do autoritarismo que possibilita a existência de quadro de rela-

ções entre certos setores sociais da sociedade e Estado no país

prescindindo de qualquer forma de representação política.

Nesse nível, historicamente, determinados setores so-

ciais ou as próprias partes do aparato estatal (corno o Poder Ju-

diciário) a eles institucionalmente ligados conduziram a materia

lização de seus interesses/demandas sem a necessidade de se fun-

damentar nos instrumentos da representação política moderna.

Quando hoje tenta-se resgatar a categoria "corporativi~

mo" para compreender certos desdobramentos de normas constitucio

nais na Assembléia Nacional Constituinte (ANC), creio que é ne-

cessário adotar e pensar acerca do conceito do autoritarismo.

É verdade que o cenário desenhado pela ANC aproxima- se

muito da concepçao de corporativismo utilizada pelos estudosrnais

avançados corno os de Claus Offe e Philippe Schmitter.

Entretanto, no caso brasileiro, o processo autoritário

nao pluralistasempre conduziu a uma racionalidade política ex-

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12

cludente de modo a assegurar, permanentemente, a certos setores

sociais ou instituições a manutenção de seus interesses.

Hoje, por exemplo, ao se reestudar o periodo Vargas po~"

anos 30 para investigar se houve, realmente, usando a classifi-

cação de Philippe Schmitter,um corporativismo estatal na condu-

ção do processo decisório demonstram, ao contrário, a predomi-

nância de um certo corporativisrno societal através de associa-

ções comerciais, federações de indústria, etc, na materializa-

ção da politica do Estado [ 1 7]

Mas, penso, no caso exemplificativo dessa mencionada fa

se histórica, nao se trata, apenas, de discutir se é corporati-

visrno estatal ou societal, é necessário recuperar toda dinâmica

autoritária do processo politico brasileiro para compreendê-Ia.

Esse meu raciocinio fundamenta-se na própria oonclusão

de Schnütter no :pentido de que a corporativização da sociedade

liga-se muito mais a mudança de um contexto capitalista mais

complexo e de dificil controle.

Pergunta-se: o Brasil já teria sido enquadrado dentro

desse nivel politico resultante de uma etapa capitalista mais

conflitiva?

Basta lembrar que,a nivel politico, no Brasil nunca se

esgotou "e consolidou a forma do pluralismo representativo como

fase necessária para o surgimento da corporatização.

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."

13

A tItulo de sIntese, acredito que se pode utilizar essa

categoria "cor!?orativismo" mais para delimitar certos momentosda

ANC. Todavia, deve ser assumida, criteriosamente, uma posição

de vinculá-Ia sempre a concepção do autoritarismo polItico pred~

minantemente no !?rocesso histórico brasileiro.

Tal conclusão nao exclui que, em razao da própria diná-

mica do capitalismo no Brasil, há presença na Constituinte de

certas formas modernas de corporatização.

A "União Ruralista Democrática" (UDR) aproxima-se muito

do perfil de corporativismo delineado por Claus Offe e Philippe

Schmitter. É importante sublinhar os critérios de avaliação de

corporativização previstos pelo autor alemão. A UDR apresenta ,

assim, "status" de representatividade, alto nIvel de mobilização

de seus quadros, capacidade e reconhecimento na elaboração norma

tiva e de polIti~públiGas como agrIcolas e creditIcia.

Feitas essas observações a respeito de autoritarismotD~

porativismo no Brasil, cabe examinar a relação entre o Poder Ju-

diciário e a sua presença na ANC.

v - O PODER JUDICIÁRIO E A CONSTITUINTE

Estou certo de que o item anterior foi esclarecedor a

respeito de enfatizar o peso do autoritarismo COQO ele~ento pre-

cedente para compreender o corporativismo no Brasil.

Tal posição nao exclui uma perspectiva de visualizar,em

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• a

14

alguns pontos da relação da sociedade/Estado no Brasil um verda-

deiro fenômeno da corporatização (o caso da UDR).

É necessário.perquirir, agora, como examinar a atuação

do Judiciário na Constituinte.

A situação da Justiça na ANC tem de ser vista dentro do

contexto já examinado por mim ao demonstrar essa simbiose entre

o autoritarismo e pontos aproximativos ao corporativismo.

Entretanto, nao pode ser esquecido o fato de que o Po-

der Judiciário é parte do aparato estatal. Dentro desse nIveldeve ser resgatada o seu percurso institucional [18]

Desse modo, para examinar a presença do Judiciário na

ANC e importante, também, considerar a idéia de instituição.

Torna-se suficiente uma leitura das atas da Sub- Comis-

sao do Poder Judiciário ou das próprias notIcias veiculadas nos

jornais para perceber o que se desponta não é defesa nItida de

interesses localizados mas_sim de instituições.

rio prendeu-se a noção de que o STF sempre desenhou um

histórico e imprescindIvel.

pape 1

Ao debater a criação de um corte constitucional, por e-

xemplo, no Brasil a manutenção do atual perfil do Poder Judiciá-

o editorial do Jornal do Brasil sob o tItulo "Missão Ex

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."

15

clusiva" (19 de julho de 1987) é esclarecedor desse sentido ins

titucional na qual se arraiga o Poder Judiciário. o Jornal flu

minense, assim, defende o STF:

"Trata-se de uma idéia tão infeliz que sugereuma conspiração para transformar o STF numINPS de políticos. Sem biografia suficientepara aspirar a coisa melhor que esse. Seu au-tor parte do equívoco de que o STF está emcrise, quando na verdade o problema da Justi-ça no Brasil ê do Supremo para baixo. O STFsó tem honrado a nação".

Além dessa discussão a respeito do destino do STF, foi

também relevante a questão do estabelecimento de um Conselho Na

cional de Justiça.

o editorial do Jornal do Estado de são Paulo de 06 de

novembro do ano passado, é nítido no aspecto da vinculação ins-

titucional em relação ao Poder Judiciário. Expressa-se, assim,

o editorial do matutino paulista sob o título "A bem da Justi -

I ça":

"o resultado da votação do artigo 144 do "Ca-bral 11" - aquele que dispõe sobre a criação doConselho Nacional de Justiça - evidencia quan-to já se avançou no caminho de estabelecer, naConstituição,a falência das instituições".

Creio ter demonstrado que, durante as minhas análises

das documentações produzidas pela ANC sobre a Justiça no Brasil,

perpassa, muitas vezes, não a idéia do predomínio de organiza-

çoes associativas de interesse, e sim mais o aspecto de caráter

institucional.

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1 6

VI - CONCLUSÃO

O trabalho procurou ressaltar a necessidade de ter uma

certa limitação na amplitude da aplicabilidade da categoria do

corporativismo para examinar as relações sociedade/Estado no Bra

silo

Ficou patente que, para muitos dos aspectos discutidos

na ANe, a importância da noção de autoritarismo acaba se config~

rando corno instrumento nara enquqdrá-los.

No entanto, noutros niveis mais intimamente ligados ao

próprio aparato estatal, é relevante para efeitos analiticos res

gatar e acrescentar a perspectiva institucional.

do Poder Judiciário.

Esse é o caso

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17

NOTAS

[1) A titulo de exemplo a distinç~o dada pelo Diretto públ~

co do século XIX entre soberania popular e nacional. Uma

outra presença do Direito na teoria da representativid~

de é o pensamento de Carl Schmitt. Este autor alemão

define o Estado como sendo determinado por um "status"

de um povo, e, por certo, o "status" da unidade políti-

ca. Como, segundo Carl Schmitt, é impossível uma iden-

tidade direta entre o Estado e povo, resulta na sur~~

to da representação. Concluo da minha parte que para o

jurista alemão citado, a representação trabalho como um

instrumento para restabelecer a relação povo/Poder Poli

tico. Para o autor citado, a representação não é frag-

mentação de interesses sociais presentes. Pelo contrá

rio, representação significa ~~a forma para alcançar a

unidade. (Vide Carl Schmitt, Teoria de Ia Constitucion

(México, D.F., Editora Nacional, 1966), pág. 237.

[2) Seria equivocado de minha parte afirmar que esse proce~

so de "autonomia" do Poder Judiciário partiu/apenas, da

sociedade francesa do século XVIII. O próprio exemplo

norte-americano aponta, também, para a noçao da suprem~

cia do Judiciário (é o caso de enaltecimento da Corte

Suprema.

[3) Daniel Soulez La.rí.v í.é re , "La Magistratura: "To be or

not to be" in Esprit (Mars-lwril 1988) - La France en

Rolitique 1988, pág. 178

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18

[4] Gianfranco Pasqui~o, Istituzioni, Partiti Lobbies (Ro-

ma: Laterza, 1988), pags. 26 e 27.

[5] Pasquino, op. cit., pago 21.

[6] Tribuna Alemã n9 357, dezembro de 1987, pago 6.

[7] Claus Offe, "The Attibution of public status to interest

groups: observations on the West German case" in Orga-

nizing interests in Western Europe" (Pluralism, Corpo-

rativism, and the transformation of politics) (Ed. por

Suzanne D. Berger} (New York: Cambridge University,198~pâ.q , 125.

[8 ] I b i dem, pag . 131.

[9] Ibidem,. pág. 136.

[10] Ibidem, pags. 136 e 137.

[11] Philippe C. Schmitter, "Still the Century of Corpoti-

vism?" in Trends Toward Corporatist Intermediation (e-

ditors Philippe C. Schmitter e Gerhard Lehmbuch) (Be-

verly Hills, Cal: Sage Publications, 1979), pág. 8.

[ 12 ] Ibidem, pago 9.

[1 3] Ibidem, pago 13.

[ 1 4 ] Ibidem, pago 20.

[ 1 5 ] Ibidem, pags. 24 e 25

[ 1 6 ] Guillermo O'Donnell, "Hia"':.os,Instituições e perspecti

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19

vas (org. Fábio ~.vanderleyReis e Guillermo O IDonnell{São Paulo, SP: V~rtice, Editora Revista dos Tribu-nais, 1988), pág. 76.

[17] Vide, Boris Fausto, "Estado, Trab.:llhadorese burgue-sia (1920-1945) in Novos Estudos (mar de 1988) n9206: 37.

[18] Vide, Daniel Soulez Lariviere, op. cito Esse aspec-to institucional é importante, também, paya expli-car o comportamento das Forças Armadas ou de entida-des para-estatais como a OAB na Constituinte (vide ,nesse caso, o artigo esclarecedor de Joaquim Fal-cao, "Os Advogados - a tentação monopolistica" inFSP, de 18 de abril de 1988).