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O Teletrabalho - conceito e implicações Paulo Serra Universidade da Beira Interior Ano lectivo 1995/96 Índice 1 Introdução 1 2 A Sociedade da Informação 3 3 A Europa, a Sociedade da Informação e o Teletrabalho 6 4 O Teletrabalho 9 5 A situação portuguesa (algumas pis- tas) 22 6 Conclusões (e alguns problemas...) 23 7 Bibliografia 26 1 Introdução "Se se encontra um mortal que não tenha mais nenhuma ambição que não a de ampliar o império e o poder do género humano sobre a imensidade das coisas, terá de se convir que essa ambição é pura, mais nobre e mais augusta que todas as outras." Francis Bacon, Novum Organum "Conhecer a natureza para a dominar- tal é a divisa da revolução científica europeia dos séculos XVI e XVII, de que Bacon é um dos arautos. Esta divisa prenunciava, desde logo, o advento de um "novo mundo", ba- seado na progressiva união entre a ciência e a técnica. Esse "novo mundo"traria o bem- estar, a abundância e a felicidade a todo o género humano, construindo uma sociedade mais livre, mais igualitária e mais fraterna. Com a Revolução Industrial, nos séculos XVIII/XIX, tal sonho parece começar a to- mar forma. No entanto, rapidamente o so- nho começa, nalguns aspectos, a tornar-se pesadelo: a falta de casas e/ou as más condi- ções de habitabilidade, o trabalho infantil e feminino, as longas jornadas de trabalho, os baixos salários, a falta de condições de segu- rança no trabalho, de assistência médica e de segurança social, a anomia, a desorganização familiar, as greves, a destruição da maquina- ria, etc. É a época da chamada "questão so- cial", do triunfo das doutrinas socialistas e comunistas, dos sindicatos, dos conflitos so- ciais que parecem ameaçar a própria sobre- vivência da sociedade. Com o desenvolvimento da Revolução In- dustrial surge a preocupação do "Estado So- cial", e muitos destes problemas vão sendo resolvidos de forma satisfatória. No en- tanto, outros problemas surgem, resultantes do crescimento da produtividade científico- tecnológica, da industrialização e da urba- nização: o congestionamento das cidades, a poluição, a escassez dos recursos energéti- cos, o alargamento dos subúrbios, o desem- prego dito "estrutural", as novas regras da

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  • O Teletrabalho - conceito e implicaes

    Paulo SerraUniversidade da Beira Interior

    Ano lectivo 1995/96

    ndice1 Introduo 12 A Sociedade da Informao 33 A Europa, a Sociedade da Informao

    e o Teletrabalho 64 O Teletrabalho 95 A situao portuguesa (algumas pis-

    tas) 226 Concluses (e alguns problemas...) 237 Bibliografia 26

    1 Introduo"Se se encontra um mortal que no tenha

    mais nenhuma ambio que no a deampliar o imprio e o poder do gnero

    humano sobre a imensidade das coisas, terde se convir que essa ambio pura, maisnobre e mais augusta que todas as outras."

    Francis Bacon, Novum Organum

    "Conhecer a natureza para a dominar- tal a divisa da revoluo cientfica europeiados sculos XVI e XVII, de que Bacon umdos arautos. Esta divisa prenunciava, desdelogo, o advento de um "novo mundo", ba-seado na progressiva unio entre a cincia ea tcnica. Esse "novo mundo"traria o bem-estar, a abundncia e a felicidade a todo o

    gnero humano, construindo uma sociedademais livre, mais igualitria e mais fraterna.

    Com a Revoluo Industrial, nos sculosXVIII/XIX, tal sonho parece comear a to-mar forma. No entanto, rapidamente o so-nho comea, nalguns aspectos, a tornar-sepesadelo: a falta de casas e/ou as ms condi-es de habitabilidade, o trabalho infantil efeminino, as longas jornadas de trabalho, osbaixos salrios, a falta de condies de segu-rana no trabalho, de assistncia mdica e desegurana social, a anomia, a desorganizaofamiliar, as greves, a destruio da maquina-ria, etc. a poca da chamada "questo so-cial", do triunfo das doutrinas socialistas ecomunistas, dos sindicatos, dos conflitos so-ciais que parecem ameaar a prpria sobre-vivncia da sociedade.

    Com o desenvolvimento da Revoluo In-dustrial surge a preocupao do "Estado So-cial", e muitos destes problemas vo sendoresolvidos de forma satisfatria. No en-tanto, outros problemas surgem, resultantesdo crescimento da produtividade cientfico-tecnolgica, da industrializao e da urba-nizao: o congestionamento das cidades, apoluio, a escassez dos recursos energti-cos, o alargamento dos subrbios, o desem-prego dito "estrutural", as novas regras da

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    competio econmica, o falhano do "Es-tado Social"(incapaz de responder s cres-centes exigncias em matria de sade, se-gurana social...), etc.

    A pouco e pouco, comea a desenhar-se anecessidade (e a realidade) de uma nova vi-ragem. Segundo alguns tericos, j estara-mos a viver, de algumas dcadas a esta parte(alguns falam dos anos 60), uma "nova revo-luo industrial". Ao contrrio da anterior,no se trata agora de produzir mais e me-lhor determinados bens fsicos ou materiais(essa no ser a resposta aos problemas donosso tempo). Trata-se, isso sim, de melhorproduzir, distribuir e utilizar a informaoe o conhecimento. Baseada nas chamadasTICs (Tecnologias de Informao e Comu-nicao), essa "revoluo"est a criar umasociedade radicalmente diferente das anteri-ores, a que muitos chamam "sociedade da in-formao". Os seus efeitos comeam, hoje,a tornar-se visveis em todos os domnios davida social.

    Um dos domnios em que nos interessa es-tudar esses efeitos o do trabalho. Fala-seactualmente, e cada vez mais, de uma novaforma (supostamente mais flexvel, mais pro-dutiva, mais cmoda) de organizar o traba-lho: o teletrabalho.

    Assim, este nosso trabalho tem o objectivode responder - que ser talvez mais um per-correr - aos seguintes problemas fundamen-tais:

    1. A "sociedade da informao": o que ?quando surgiu? quais os seus compo-nentes fundamentais? quais os seus as-pectos positivos e negativos?

    2. A Europa e a "sociedade da informa-o": como se tem situado (e situa) a

    Europa face sociedade da informao?que iniciativas tm vindo a ser toma-das? quais os efeitos, a mdio e longoprazo, dessas medidas? que papel atri-budo ao teletrabalho no contexto da so-ciedade da informao?

    3. O teletrabalho : como e quando sur-giu? que razes levaram e levam aoseu aparecimento e desenvolvimento?quais as suas implicaes sociais ("van-tagens/desvantagens")? qual a posiodos parceiros sociais (governos, sindi-catos, empresrios) sobre o teletraba-lho? que experincias tm sido feitas?quais as tendncias futuras?

    Para tentar responder a estes problemas, anossa investigao percorreu as etapas e mo-bilizou os recursos seguintes:

    1. Pesquisa bibliogrfica na Biblioteca daUBI (Universidade da Beira Interior),no CDE (Centro de Documentao Eu-ropeia) da mesma e no CIEBI (Centrode Inovao Empresarial da Beira Inte-rior);

    2. Entrevista ao Director do CIEBI, Dr.Joo Carvalho, com o objectivo de obteruma primeira viso global sobre a pro-blemtica do teletrabalho, traduzindo aperspectiva das empresas e das organi-zaes de desenvolvimento locais, naci-onais e internacionais (europeias e ame-ricanas);

    3. Recolha, em Jornais e Revistas nacio-nais, de notcias e artigos relativos sproblemticas em estudo (e de que al-guns constam, a ttulo de exemplos, nos"Anexos"a este trabalho);

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    4. Consulta da Bibliografia recolhida nasinstituies referidas em 1. e da dis-tribuda, aos Mestrandos do Curso deCincias da Comunicao, pelas ProfasDroutoras Ana Maria R. Correia e Ma-ria Joaquina Barrulas.

    O presente trabalho no , como bvio,um texto definitivo e fechado. Ele represen-ta a nossa viso "aqui e agora", em funo dedeterminadas condies de tempo, de espaoe de percurso pessoal. Gostaramos, nomea-damente, de ter incidido tambm nos seguin-tes aspectos:

    a) Qual a situao portuguesa, em termosde "sociedade de informao"em geral e deteletrabalho em particular? As revistas e osjornais consultados (e at conversas do dia adia) do-nos conta dum interesse crescentesobre estas matrias - mas qual ser a reali-dade "no terreno"?

    b) Como se situa, em termos tericos eprticos, a Escola portuguesa face s pro-blemticas da "sociedade da informao"edo teletrabalho? Passa-se alguma coisa ou,como tememos, tambm nestes domnios aEscola vai ser "a ltima a saber"?

    c) Quais as possibilidades de implementar,a nvel da gesto e administrao correntesde uma Escola, um sistema de teletrabalho?

    2 A Sociedade da Informao"Great excitement was generated during the

    1970s and early 1980s about the arrival ofnew social conditions. Computer and

    communications technologies had madepossible the "Information Society". All

    manner of benefits awaited us; newprosperity, new democratic and educational

    opportunities, a "global village"thanks to

    new telecommunications , and arealignment of workplaces and class

    relations. There is no denying thatadvantages do indeed accrue from such

    technological development, but a littlehistorical reflection and sociological

    imagination makes warning bells ring."David Lyon, The Electronic Eye, p. VIII

    nas dcadas de 60 e 70 que so publi-cadas algumas das obras consideradas fun-damentais na teorizao da chamada "socie-dade da informao": Understanding Media, de Marshall McLuhan (1964), The New In-dustrial State, de John K. Galbraith (1967),The Age of Discontinuity, de Peter Druc-ker (1969), La Societ Post-Industrielle,de Alain Touraine (1969), The Coming ofthe PostIndustrial Society, de Daniel Bell(1973), The Information Economy, de MarcPorat (1977), The Third Wave, de Alvin Tof-fler (1980)...

    Apesar dos diferentes nomes que estes (eoutros) autores do nova sociedade emer-gente ("aldeia global", "novo estado indus-trial", "sociedade ps-industrial", "economiada informao", "terceira vaga", para citarapenas alguns) (CORREIA e BARRULAS,1995), acabou por se generalizar a expresso"sociedade da informao". Expresso quealguns contestam, argumentando que "infor-mation has existed and been of value in everyage."(MARTIN, 1988, p. 303; ver tambmWEBSTER, 1994, p. 1)

    Este tipo de afirmaes parece fazer es-quecer, aos que as fazem, a diferena abissalque reside na utilizao da partcula "de"ou"da", para ligar "sociedade"e "informao".O que se quer acentuar, com a partcula "da", que na sociedade dita "da informao", ainformao assume uma posio no ape-

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    nas importante (como em qualquer outro tipode sociedade), mas central e decisiva. Comefeito, aqui a informao entendida comoo recurso fundamental, com um valor e umuso prprios e estando na base do desen-volvimento tecnolgico, econmico, sociale cultural. Neste tipo de sociedades pos-svel identificar uma tecnologia da informa-o, uma indstria da informao, um mer-cado da informao e um mercado de traba-lho em informao. (CORREIA e BARRU-LAS, 1995)

    Para Daniel Bell, que considerado poralguns como um dos tericos fundamentaisda "sociedade da informao", "the post-industrial society is an information society,as industrial society is a goods-producingsociety."(BELL, citado em ROBBINS eWEBSTER, 1987, p. 97). Numa sociedadedeste tipo, ainda segundo Bell, o centro davida econmica e social j no reside na pro-duo (de bens materiais), mas na informa-o. A informao, sendo o recurso que estna base da produtividade e do crescimentoeconmico, acaba por substituir o trabalhocomo fonte de valor. E, deste modo, o co-nhecimento e a informao tornam-se "thetransforming agent of the postindustrial so-ciety". (ROBBINS e WEBSTER, 1987, pp.97-100)

    Uma "sociedade da informao"no o apenas em funo de um ou outro crit-rio (por exemplo, econmico ou tecnol-gico) exclusivo. Segundo William J. Mar-tin, que assinala que a "sociedade da infor-mao" ainda, em muitos casos, mais umaquesto do futuro que do presente, o seu"reconhecimento"envolve os seguintes cri-trios: tecnolgicos (as TICs como foramotriz), sociais (qualidade de vida), eco-nmicos (a informao como factor econ-

    mico chave: recurso, servio, mercadoria,fonte de valor acrescentado e emprego), po-lticos (liberdade de informao, levando amaior participao e consenso) e culturais(reconhecimento do valor cultural da infor-mao, visando a promoo do desenvolvi-mento nacional e individual). (MARTIN,1988, pp. 304-306). Frank Webster, que norefere os critrios sociais e polticos, acres-centa o ocupacional (desenvolvimento cont-nuo das ocupaes baseadas no trabalho dainformao) e espacial (as "redes"e as "auto-estradas"da informao, conduzindo com-presso do espao-tempo e globalizao daeconomia). (WEBSTER, 1994, pp. 3 e se-guintes)

    Se verdade que, como se infere dasafirmaes de David Lyon acima transcri-tas, a "sociedade da informao" olhada,nos anos 70 e 80, de forma altamente po-sitiva, constituindo para alguns uma verda-deira "utopia ", no menos verdade que,nos tempos mais recentes, ela tem gerado umconjunto de vises menos optimistas, parano dizermos sombrias (passa-se aqui algosemelhante ao que se passou aquando do ad-vento da sociedade industrial).

    Na origem destas vises estaro, ainda se-gundo Lyon, factos como os seguintes: ofalhano das economias baseadas nas TICsna sada da recesso e no combate ao de-semprego (o Japo, a Europa e os EUA es-to a braos com crises que no conseguemresolver, ou resolvem a custo, acrescenta-mos ns); o surgimento da "guerra electr-nica"(de que a Guerra do Golfo o exem-plo mais recente, exemplo nosso); os perigosderivados do espectro do "big brother", queleva alguns a falar de uma "sociedade da vi-gilncia", termo que, segundo o Autor, tersurgido em 1985. (LYON, 1994, p. VIII)

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    Tom Forester, em artigo fortemente cr-tico da "sociedade da informao", compa-rando as previses feitas por alguns em rela-o mesma (a "fbrica sem trabalhadores",o "escritrio sem papel", a "sociedade semdinheiro", a "vivenda electrnica", a "tele-democracia", etc.) com a realidade, chegaa concluso de que, afinal, "society has notchanged very much". (FORESTER, 1992,p. 134; ver tambm, acerca do falhano dasprevises sobre a sociedade da informao,PRIESTLEY, 1995, p. 25)

    Com efeito, segundo Forester, a realidademostra que:

    a) Ao contrrio do que se temia, a compu-torizao no levou ao desemprego macio,criando mesmo novas oportunidades de em-prego;

    b) A maior parte dos trabalhadores parecetrabalhar mais que antes, tornando um mi-toa anunciada "sociedade do lazer";

    c) As fbricas totalmente robotizadas e au-tomatizadas so ainda uma fico;

    d) O "escritrio sem papel"permaneceuma utopia: o consumo de papel no paroude aumentar, de forma exponencial, nos lti-mos anos, com o computador, o fax, a foto-copiadora,etc.;

    e) Os correios tradicionais continuam a serempresas florescentes e em expanso;

    f) Apesar dos cartes e dos sistemas dotipo multibanco, os Bancos continuam a tergrande parte da actividade centrada no papel(e no papel-moeda);

    g) A "vivenda electrnica"(e o "teletraba-lho"feito a partir dela, na viso de Alvin Tof-fler) , na maior parte dos casos, um cenriofalhado;

    h) O videotexto, o "home banking"e as te-lecompras falharam, sobretudo devido a cau-sas sociais;

    i) A "teledemocracia"permanece uma fic-o;

    j) A vida domstica (apesar dos PCs, dosVCRs, dos CDs) permanece basicamente amesma;

    k) Todas as previses sobre as escolas(com a propagada "revoluo na sala deaula") e o "tele-ensino"falharam. (FORES-TER, 1992, pp. 133-139)

    Acresce a estes factos que, ainda segundoTom Forester, a revoluo nas tecnologias dainformao criou problemas inesperados sociedade e aos indivduos, de entre os quaisdestaca os seguintes:

    a) no que se refere sociedade: maior vul-nerabilidade perante as falhas tecnolgicas;problemas relativos segurana dos dadosarmazenados nos computadores e privaci-dade pessoal; dificuldade de utilizao, pelocidado comum, de tecnologias ainda dema-siado complexas; possibilidade de desastrespor fogos, sabotagens,etc.; acrscimo da vi-gilncia electrnica...

    b) no que se refere ao indivduo: sobre-carga de informao, que o indivduo deixade ter capacidade de interpretar e que podemesmo levar paralisia da desciso; proble-mas a nvel das relaes humanas (destrui-o das relaes de trabalho, confuso entretrabalho e lazer, "comunicaoolismo", empo-brecimento da interaco social)... (FORES-TER, 1992, pp. 140-145)

    Tony Benn, por seu lado, embora reco-nhecendo que "the computer revolution isoverwhelmingly the most important revolu-tion in our lifetime"(BENN, 1995, p. 58),acha que todos ns, enquanto cidados nelaenvolvidos, devemos colocar(-nos) as se-guintes questes: quem controla as novastecnologias? que efeitos tero? represen-tam maior vulnerabilidade? impem novas

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    formas de explorao? implicam novas dis-tanciaes entre ricos e pobres? quem con-trola e usa a informao sobre ns? e paraqu? as novas tecnologias traro novos n-veis de desemprego (e de insegurana)? po-demos controlar democraticamente as novastecnologias da informao?

    Podemos achar que estas so vises de-masiado cpticas e negativas sobre a "socie-dade da informao". No entanto, elastm a grande qualidade de nos fazer pararpara pensar criticamente neste "mundo novo"que se anuncia (e realiza) perante os nossosolhos. Como bvio, no est na nossa mofazer com que ele exista ou no - mas tere-mos, seguramente, algum papel na sua ori-entao futura.

    3 A Europa, a Sociedade daInformao e o Teletrabalho

    O Programa INFO 2000 (que, de acordo como seu ttulo, se destina a "estimular o de-senvolvimento de uma indstria europeia decontedos multimedia e incentivar a utiliza-o de contedos multimedia na nova socie-dade da informao"), considera que a defi-nio e orientao de uma aco poltica co-mum, a nvel europeu, com o objectivo depreparar o advento da sociedade da informa-o, passou pelos seguintes momentos fun-damentais:

    1. Livro Branco ("Crescimento, competiti-vidade, emprego: os desafios e as pistaspara entrar no sculo XXI") , de 1993;

    2. Relatrio Bangemman ("A Europa ea sociedade global da informao -Recomen-daes ao Conselho Euro-peu"), de 1994;

    3. Cimeiras do Conselho Europeu deCorfu e Essen, ambas em 1994;

    4. Plano de Aco da Comisso "A ViaEuropeia para a Sociedade da Informa-o", de 1994;

    5. Conferncia do G7 em, Bruxelas, de-dicada Sociedade da Informao, em1995. (p. 10; ver tambm CORREIA eBARRULAS, 1995).

    Para justificar a urgncia da tomada e im-plementao de decises no que se refere indstria de contedos - que considera comoo sector mais importante, em termos de vo-lume de negcios e de empregos, da inds-tria da informao - o Programa avana osseguintes dados estatsticos relativos inds-tria europeia da informao (englobando aindstria de contedos, os equipamentos eservios de telecomunicaes, as tecnologiasda informao e a electrnica destinada aogrande pblico), referentes a 1994: volumede negcios - 439 000 milhes de ecus; em-pregados a tempo inteiro - 4,48 milhes. (p.14; as somas so nossas, com base nos dadosreferidos no Programa).

    O RELATRIO DELTA, para alm da re-petio de algumas das ideias fundamentaisdo Livro Branco e do Relatrio Bangem-man (documentos que analisaremos daqui apouco), d-nos algumas informaes impor-tantes sobre a posio da Europa em relao sociedade da informao.

    Segundo o Relatrio, a problemtica dasociedade da informao preocupou a UnioEuropeia desde os anos 80. Os trabalhos pre-paratrios para o incio da sociedade da in-formao envolveram o lanamento de Pro-gramas nos domnios das tecnologias deinformao, como o ESPRIT (1984), das

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    comunicaes avanadas, como o RACE(1985), dos sistemas telemticos de interessegeral, como o STIG (1985), bem como ostrs primeiros programas em aplicaes tele-mticas (desde 1986): o AIM (cuidados desade), o DRIVE (transportes rodovirios) eo DELTA (ensino distncia). Simultanea-mente, desenvolveram-se polticas no mbitodas telecomunicaes e, mais recentemente,no do audiovisual. (p.1)

    Na histria das posies da ComunidadeEuropeia acerca da sociedade da informao, no entanto o LIVRO BRANCO que deveser considerado o documento fundamental,uma espcie de "Bblia"que viria a balizartodas as reflexes e aces futuras (algumasainda em curso). sobre esse documentoque, mais ou menos sob a forma de par-frase, nos debruaremos a seguir.

    O problema fundamental que leva reali-zao do Livro Branco "resume-se numa pa-lavra: desemprego."(p. 9) Desemprego quederiva, nomeadamente, da mudana de cen-rio tcnico, levando ao advento de "uma novarevoluo industrial", que envolve: a mu-dana acelerada das tcnicas, dos empregos edas competncias; a "desmateriali-zao"daeconomia; a transferncia das actividadesprodutivas para o exterior; a predominnciados servios; o papel decisivo da posse e cir-culao da informao. (pp. 10/11) Umadas pistas para reduzir o desemprego , deforma activa (criando empregos), passa pelodesenvolvimento da sociedade da informa-o, com a abertura "de um mundo "mul-timedia"(som/texto/imagem), que representauma mutao comparvel primeira revo-luo industrial."(p. 14) E avanam-se al-guns dados estatsticos referentes aos EUA:calcula-se em 6 milhes o nmero de pes-soas de pessoas j envolvidas pelo teletraba-

    lho; 200 das suas maiores empresas j utili-zam as redes de banda larga ("autoestradasda informao"). Face ao avano dos EUA,o que est em jogo , a curto prazo, a so-brevivncia ou o declnio da Europa. A res-posta da Europa deve ser urgente, dando sa-tisfao s novas necessidades das socieda-des europeias: "redes de comunicao dentrodas empresas; acesso generalizado a basesde dados cientficas e de lazeres; difuso doteletrabalho; desenvolvimento dos cuidadospreventivos e da medicina ao domiclio paraos idosos, etc.."(p. 14). H, em suma, quecriar as "auto-estradas da informao"(redesde banda larga) e desenvolver os servios eas aplicaes que lhes esto associadas, atra-vs de uma "parceria entre sectores pblicoe privado"(p. 14). Criar as redes europeiasde infrastruturas e lanar os fundamentos deuma sociedade da informao so aces queconstituem "as chaves para uma melhor com-petitividade e colocar-nos-o altura de con-trolar o progresso tcnico ao servio do em-prego e do melhoramento das condies devida."(p. 22)

    A sociedade da informao, com as suas"redes de informao", trar modificaes scondies de trabalho: horrios de trabalhomais flexveis, alterao do local de traba-lho e possibilidade do teletrabalho, alteraodas condies contratuais e dos sistemas deremunerao. As empresas tero acesso aosnovos mercados, podero globalizar as suasactividades e estratgias, podero desenvol-ver formas de aliana e cooperao muitomais amplas. Todos os consumidores teroacesso a novos servios na rea da informa-o, das bases de dados, da cultura e do la-zer.(p. 24) Os EUA e o Japo adiantaram-se Europa nesta mutao - e a Europa deveresponder a este desafio, sob pena de perder

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    a sua competitividade. (p. 25; ver tambm p.100) Prevem-se quatro aplicaes priorit-rias das "redes de informao": teletrabalho,teleformao, telemedicina e teleadministra-o. No que ao teletrabalho se refere, afirma-se que nos Estados-Membros j esto a serdesenvolvidos projectos. (p. 27) Acrescenta-se, noutro passo do Documento, que o tele-trabalho e a teleparceria "constituem facto-res importantes para a transferncia do tra-balho e das empresas para zonas menos fa-vorecidas da Europa (zonas rurais, perifri-cas, em reconverso...)", adiantando a possi-bilidade de lanar um projecto para estimulareste tipo de aplicaes. (pp. 102-103)

    Segundo o Livro Branco, a sociedade dainformao uma sociedade "em que a ges-to, a qualidade e a rapidez da informa-o se transformam no factor-chave para acompetividade: como factor produtivo paratodo o sector industrial e como servio for-necido aos consumidores finais, as tecnolo-gias da informao e da comunicao influ-enciam todos os nveis da economia". (p. 97)A introduo das TICs mostra os seguin-tes efeitos econmicos positivos: em m-dia, uma situao de emprego mais favor-vel nas empresas que introduziram as TICs;crescimento da produtividade; aumento doPIB; reduo da inflao. Como lados menospositivos das TICs, apontam-se as seguin-tes possibilidades: risco de excluso cultural(sociedade a duas velocidades); reforo doisolamento individual; intruso no espao ena vida privada; problemas de tica e de mo-ral. (p. 98)

    Com a misso de estabelecer prioridadese definir modalidades de aco e o respec-tivo calendrio, o Livro Branco prope a cri-ao de uma "task force", a um "nvel muitoelevado", para as Infra-Estruturas Europeias

    da Informao, a funcionar sob mandato doConselho Europeu. (p. 105)

    Do trabalho dessa "task force"viria aresultar o Relatrio BANGEMMAN, queconstitui outra pea fundamental na defini-o europeia da sociedade da informao.

    Baseando-se em muitas das formulaesdo Livro Branco, que evitaremos repetir, oRELATRIO BANGEMMAN prope, en-tre outras, as seguintes recomendaes fun-damentais:

    A Unio Europeia deve confiar nos meca-nismos do mercado, como fora motriz, de-vendo as iniciativas implicar a parceria entreos sectores pblico e privado, liberalizando osector das telecomunicaes e acabando comos monoplios. (pp. 4 e 12)

    As vantagens esperadas so: a melhoria daqualidade de vida dos cidados europeus, daeficincia da sua organizao social e econ-mica e o reforo da coeso. (p. 6)

    Merecem ser promovidas as seguin-tes aplicaes das TICs: teleconferncia,teleco-mrcio, transferncia electrnica dedados (EDI), sistemas de pagamento electr-nico, redes de ligao das PMEs aos mer-cados, a outras empresas, a universidades, ainstitutos de investigao e a laboratrios, te-lebanco, telecompras, entretenimento a pe-dido (por exemplo o VOD), etc. (pp. 9-10)

    Constituem elementos fundamentais dassociedade da informao os seguintes: asRedes (telefnicas, de satlites, de cabos),para transporte das informaes; os ServiosBsicos (correio electrnico, vdeo interac-tivo), para utilizao das redes; e as Aplica-es (ensino distncia, teletrabalho), queoferecem solues especializadas para certosgrupos de utilizadores. (p. 21)

    Em matria de Redes, o Relatrio apontaa necessidade de olhar a existncia da RDIS

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    (Rede Digital com Integrao de Servios)europeia, iniciada em 1993, como apenas oprimeiro passo do processo que permite a co-municao directa, PC a PC, de voz, dadose imagens em movimento; o prximo passodevero ser as comunicaes multimedia embanda larga (conjugando todos os meios decomunicao), que dever constituir a "co-luna dorsal"da sociedade da informao eu-ropeia. (p. 21)

    Quanto s Aplicaes, propem-se dez,"para lanar a sociedade da informao": 1.Teletrabalho; 2. Ensino distncia; 3. Umarede para universidades e centros de inves-tigao; 4. Servios telemticos para asPMEs; 5. Gesto do trfego rodovirio; 6.Controlo do trfego areo; 7. Redes paraos cuidados de sade; 8. Informatizaodos concursos pblicos; 9. Rede transeuro-peia de administraes pblicas; 10. Auto-estradas de informao nas cidades. (pp. 23-29)

    Sobre o Teletrabalho (apresentado com osubttulo "Mais empregos, novos empre-gospara uma sociedade das comunicaes m-veis"), o Relatrio vai colocando uma sriede questes, a que vai dando a respectiva res-posta, como a seguir se indica:

    O que deve ser feito: deve promover-seo teletrabalho em casa e em escritriosexternos, a fim de evitar aos trabalhado-res o percurso de longas distncias casa-trabalho e vice-versa;

    Quem o far: as empresas do sector pri-vado, se as condies do teletrabalho serevelarem vantajosas;

    Quem ganha: as empresas e a admi-nistrao pblica podero ganhar emtermos de maior produtividade, maior

    flexibilidade e economia de custos; ogrande pblico poder ganhar na redu-o dos nveis de poluio, do congesti-onamento do trfego e do consumo deenergia; os trabalhadores podero ga-nhar a nvel do aumento da flexibilidadedos contratos de trabalho (para os quetiverem de trabalhar em casa) e da re-duo das distncias (para os que traba-lharem fora de casa);

    Questes a ter em conta: o teletrabalhopode levantar problemas relativamente diminuio das oportunidades de con-tacto e promoo social; alm disso,desconhece-se o seu impacto na legis-lao laboral e na segurana social;

    Meta a atingir: criar centros-piloto deteletrabalho em 20 cidades, envolvendoo mnimo de 20 000 trabalhadores, atao final de 1995; transformar 2% dostrabalhadores dos servios em trabalha-dores distncia, at 1996, e 10 milhesde postos de trabalho distncia at aoano 2000. (p. 25)

    Curiosamente, nem o Livro Branco nemo Relatrio Bangemann, que tanto se refe-rem ao teletrabalho, propem uma definiodesse conceito... (HUWS, 1995, p. 5)

    4 O Teletrabalho"It is possible to imagine the total

    telezombie in his or her telehouse hookedobsessively into the virtual world. The real

    world, with direct and emotional contactand so much imperfection, could be kept at

    bay. Telework could pay for telegames orteleplay. Screen shopping could replace

    window shopping, teleshopping the trip to

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  • 10 Paulo Serra

    the takeaway, grocer or travel agent.Spending could be directly networked,

    possibly using a smart or debit card. Chatlines and electronic forums could providingnew undemanding friends. At the end of theday, the latest teledisaster or telewar could

    be switched off, with the zombie going tobed and - help, call in the telepsychiatrist -

    the more or less real world of dreams."Judy Hillman, Telelifestyles and the

    Flexicity: The Impact of the ElectronicHome, p. 4

    4.1 Anlise histricaAo contrrio do que acontecia at h algunsanos atrs, hoje em dia j acontece com al-guma frequncia folhearmos um Jornal ouuma Revista portugueses e encontrarmos umartigo ou uma notcia sobre as problemticasda sociedade da informao e do teletraba-lho (para exemplificao ver, nos "Anexos"aeste trabalho, os Documentos 2, 3, 4, 7, 8, 9 e10). O que mostra que, apesar de serem rela-tivamente recentes, entre ns, elas tm vindoa ganhar importncia crescente, mesmo a n-vel do grande pblico.

    No que se refere cena internacional, oteletrabalho faz parte, h j bastante tempo,das preocupaes da Comisso Europeia,dos Governos e das grandes Empresas detodo o mundo desenvolvido.

    Segundo Lemesle e Marot (cuja exposioseguiremos, nesta breve anlise histrica), oconceito de "trabalho distncia"(com quemuitas vezes se identifica o teletrabalho)aparece pela primeira vez nos anos 50, comos trabalhos de Norbert Wiener sobre a Ci-berntica. Wiener d o exemplo hipotticode um arquitecto que, vivendo na Europa,poderia supervisionar, distncia, a cons-

    truo de um prdio nos EUA, utilizandoa comunicao por fac-simile. Asim, se-gundo Wiener, podemos distinguir dois tiposde comunicao, permutveis entre si: comotransporte fsico e como transporte de infor-mao.

    Por outro lado, nos anos 60 reaparece emfora, na sociedade europeia, algo que es-tava quase extinto desde os finais do sculoXIX: o trabalho em casa (domiclio). Inci-dindo inicialmente na produo de vesturio,txteis e calado, ele estende-se, na dcadade 70, a sectores como a embalagem e mon-tagem de artigos elctricos e electrnicos, aalimentao industrial, as bebidas, os deter-gentes, os plsticos, os cosmticos, etc.

    Da convergncia das noes de "trabalho distncia"e "trabalho em casa"surge o pri-meiro conceito de "teletrabalho", nos anos70. Este conceito est perfeitamente ilus-trado em Alvin Toffler que, no seu livro ATerceira Vaga, de 1980, citado pelos Auto-res, anuncia a probabilidade de, num futuroprximo, milhes de pessoas se deslocaremdos escritrios e fbricas para os seus domi-clios, dando origem a "uma indstria fami-liar dum tipo superior, fundada sobre a elec-trnica e, concomitantemente, uma nova po-larizao sobre o lar, tornado o centro da so-ciedade."(LEMESLE e MAROT, 1994, p. 4)

    O interesse pelo teletrabalho, nos anos 70,resulta da conjugao de vrios factores, deque se destacam: a crise energtica (no-meadamente, a petrolfera), as ideias "loca-listas"resultantes do Maio de 68, a diminui-o dos preos das TICs (e especialmente,dos computadores), o aparecimento da "te-lemtica"(neologismo criado, em 1978, porS. Nora e A. Minc, para designar o "casa-mento"entre as tecnologias da informao eas telecomunicaes). O grande objectivo

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  • O Teletrabalho - conceito e implicaes 11

    deste tipo de teletrabalho reduzir o "com-muting"(deslocaes casa-trabalho, e vice-versa, a que os franceses chamam "pendu-laire") por aquilo a que o americano JackNilles, em 1973, chama "telecommuting",assente na substituio do transporte (fsico)do trabalhador pela telecomunicao (da in-formao). dentro desta concepo que,nos fins dos anos 70 e nos anos 80 surgemvrias experincias de teletrabalho. (LE-MESLE e MAROT, 1994, pp. 3-6)

    Este teletrabalho dos anos 70/80 conce-bido segundo o que Lemesle e Marot cha-mam o "paradigma da deslocalizao"(ou da"substituio"), assente nos seguintes pres-supostos:

    a) Desconcentrao da actividade assala-riada: na formulao de Jack Nilles, citadapelos Autores, trata-se de levar o trabalhoao trabalhador, e no o inverso, substituindoo "commuting"pelo "telecommuting", comoatrs referimos;

    b) Aco paliativa e correctiva: o teletra-balho como soluo para problemas como ocongestionamento do trfego urbano, a po-luio atmosfrica, o "atraso"de zonas maisdesfavorecidas (nomeadamente, as rurais), a"depresso"econmica e social dos subr-bios, etc.;

    c) Dinmica exgena de desenvolvimentode micro-realizaes: o teletrabalho comomedida coerciva ou incitadora para levar asempresas a deslocalizarem postos de traba-lho, a fim de evitar a concentrao geogr-fica e urbana, reduzir o congestionamento dotrfego e a poluio atmosfrica (estas foramas razes fundamentais que levaram ao lan-amento de muitas das experincias de tele-trabalho nos EUA, nomeadamente no Estadoda Califrnia);

    d) Reduo dos custos: o teletrabalho

    como forma de reduzir custos de deslocao,de instalaes, de mo de obra, etc.

    e) Motivao social: o teletrabalho comosoluo para pessoas incapacitadas, idosas,donas de casa, portadoras de deficincia,etc. poderem aceder ao mercado de trabalho,contribuindo assim para evitar a sua exclusosocial;

    f) Simplicidade da frmula de emergn-cia: o teletrabalho visto como assentando naseguinte equao "desenvolvimento tecnol-gico + poltica de ordenamento = capacidadede desenvolver uma nova organizao espa-cial da empresa". (LEMESLE e MAROT,pp. 16-18)

    Por outro lado, o facto de nesta poca(anos 80) o teletrabalho ser frequentementeconcebido(e praticado) como "trabalho emcasa", faz surgir opinies fortemente crti-cas sobre ele, acusando-o de conduzir ao iso-lamento social, atomizao do trabalho e explorao do trabalhador, predominante-mente feminino. (HORNER e DAY, 1995, p.334)

    Na opinio de Lemesle e Marot, as experi-ncias fundadadas neste tipo de paradigma -muitas vezes promovidas e financiadas pelospoderes pblicos - falharam, na maior partedos casos. O seu falhano mostra que, nosanos 90 - que viram ressurgir o interesse peloteletrabalho - ele deve ser visto no contextode um outro paradigma, a que os autores cha-mam o "paradigma econmico"(ou da "dife-renciao"), implicando os seguintes pressu-postos:

    a) o teletrabalho como fonte de valoracrescentado e, como tal, com interesse eco-nmico para as empresas; o que implica

    b) substituir a noo "clssica"de teletra-balho pela de "tele-servio"(telegesto, tele-traduo, teleformao, telesecretariado, te-

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  • 12 Paulo Serra

    lecontabilidade, etc.).; o que implica, por suavez

    c) criar as estruturas que permitam organi-zar o mercado desses tele-servios.

    Uma das formas ilustrativas deste para-digma , segundo os Autores, a "corretagemem teletrabalho- envolvendo organismos quefuncionam como "interface"entre os clientesque procuram um determinado tipo de ser-vio distncia e os trabalhadores indepen-dentes ou empresas susceptveis de fornece-rem esse servio - que surge em Frana porvolta de 1990. (Os Autores expem e anali-sam um Caso que, pelo interesse que nos pa-rece ter, em termos de ilustrao dos dois di-ferentes paradigmas de teletra-balho, repro-duzimos nos "Anexos"a este Trabalho, comoDocumento 6). (LEMESLE e MAROT, pp.100-101 e 117)

    4.2 Conceito e modalidades deTeletrabalho

    A breve anlise histrica do conceito de te-letrabalho, que acabmos de fazer, permitenos constatar, desde logo, que no h um,mas (poder haver) vrios conceitos de te-letrabalho - conceitos que no tm, neces-sariamente, de ser contraditrios, e podemmesmo ser complementares.

    Etimologicamente (e habitualmente), te-letrabalho significa "trabalho distncia".Mas, por demasiado ampla (o delegadode informao mdica que, trabalhandopara uma empresa farmacutica sediada emLisboa, vende medicamentos no Porto ,"teletrabal-ha"?), esta definio insufici-ente. As trs definies de teletrabalho queapresentamos a seguir mostram, de formaclara, tal insuficincia:

    i) Definio 1: "Since telework means

    work at distance, anyone who operates awayfrom a central point but remains in contactby telephone is in a sense a teleworker. (...)More usually however the word "telewor-ker"is used to describe individuals whosework also involves at least some sort of com-puter with screen display , a telephone, afax and possibly online text and data con-nection, wether direct or through a mo-dem."(HILMAN, 1993, p. 10)

    ii) Definio 2: "(Le tltravail est) acti-vit professionelle exerce distance grce lutilisation interactive des nouvelles tech-nologies de linformation et de la commu-nication. Il concerne le travail salari ou letravail indpendant et interesse toutes les t-ches consistant manier, traiter, analyser ouproduire de linformation."(RUBINSTEIN,1993, p. 57)

    iii) Definio 3: "Le terme "tltra-vail"dsigne des activits exerces loin dusige de lenterprise (on lapelle aussi per-fois travail distance) par la communicationdifere ou directe au moyen des techniquesnouvelles."(TATE, 1995, p.63)

    Qualquer destas definies de teletrabalhoacentua dois aspectos essenciais do mes-mo:por um lado, o facto de se exercer distncia;mas, por outro lado (e isto decisivo parao conceito de teletrabalho), o facto de eleimplicar a utilizao das novas tecnologiasde informao e telecomunicao. (Veja-se,nos "Anexos"a este trabalho, o Documento1, com a representao do conceito de tele-trabalho).

    H ainda Autores que consideram que,sendo o teletrabalho uma realidade multi-forme, ser mesmo impossvel aceitar qual-quer definio essencial do mesmo que noseja unilateral, optando por uma definio dotipo descritivo, que se concentra em identifi-

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  • O Teletrabalho - conceito e implicaes 13

    car e descrever as vrias formas ou modali-dades do teletrabalho. (LEMESLE e MA-ROT, 1994, pp. 7-10)

    Seguindo esta via descritiva, um estudoda OIT (Organizao Internacional do Tra-balho), sobre o teletrabalho, publicado em1990, distinguia quatro grandes modalidadesou formas de exercer esta actividade: o tra-balho, com computador, em casa; o trabalhonos centros-satlites; o trabalho nos centrosde vizinhana (tambm chamados "centrosde teletrabalho"ou "de recursos"); o trabalhomvel.

    A literatura consultada, seguindo em geralesta posio da OIT, distingue as seguintesmodalidades ou formas de teletrabalho:

    a) Quanto ao local de trabalho (a flexibili-dade do local de trabalho um dos aspectosfundamentais e uma das apregoadas vanta-gens do teletrabalho):

    Em casa: o trabalhador est em casa, li-gado a um escritrio central ou sede. Esta amodalidade em que se pensa habitualmente,quando se fala em teletrabalho, talvez por sera que mais cedo foi teorizada e iniciada; elaliga-se a um outro conceito ("utopia"?) im-portante na teorizao da sociedade da infor-mao, e ainda por realizar: o de "domtica","casa electrnica"ou "casa inteligente".

    Segundo HUWS (1995, p. 10), esta mo-dalidade de teletrabalho admite ainda as trspossibilidades seguintes: a) teletrabalho atempo parcial (sendo o resto do tempo pas-sado no local de trabalho); b) teletrabalhoa tempo inteiro, para um empregador exclu-sivo; c) teletrabalho "free-lance", para vriosclientes ou empregadores.

    Num centro-satlite ou escritrio-satlite ("satelite broad office"): que per-tena de uma empresa, mas est situado emlocal diferente da sede, normalmente pr-

    ximo da residncia do trabalhador. Este tipode soluo existe por exemplo na Califr-nia e na Suia (para citar um caso: o Cr-dit Suiss, com sede em Zurique, tinha em1993 oito escritrios-satlites, de onde cercade 100 trabalhadores podiam trabalhar em li-gao com a sede).

    Num centro de teletrabalho ou centro derecursos (partilhados): os equipamentos, dosprprios ou alugados, so partilhados por uti-lizadores pertencentes a vrias empresas ouindependentes. Situa-se geralmente perto dolocal da residncia dos utilizadores (h quemlhe chame tambm "centro de vizinhana")e pode tambm ser utilizado para telefone-mas, telecompras, lazer, etc. (so deste g-nero as "telecottage"ou telecabanas, de quefalaremos adiante, com a diferena de esta-rem implantadas no meio rural).

    O teletrabalho mvel, nmada ou itine-rante: assenta no conceito de "escritrio m-vel"ou "porttil", e pode ser feito a partir dohotel, da estao de servio, do automvel,do avio, etc. H quem afirme mesmo que,com a crescente oferta de produtos nas reasdos computadores portteis e das telecomu-nicaes mveis, talvez o futuro do teletra-balho passe mais pela "mottica"do que pela"domtica"... (RUBINSTEIN, 1993, p. 73);HUWS (1995, p. 24) refere que a sociedadenova-ior-quina de estudos de mercado LinkResources estimava, em 1994, em 7 milheso nmero de trabalhadores mveis nos EUA,e previa que esse nmero atingisse os 20 mi-lhes no ano 2000!

    O tele-servio, fornecido por empresasde trabalho distncia: o que est distnciaso os clientes ou os utilizadores do servio,podendo o trabalhador estar na empresa ouem outro (ou outros) dos locais acima assi-nalados.

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  • 14 Paulo Serra

    No que respeita s modalidades deescritrio-satlite e tele-servio, cabe aquireferir que, actualmente, algumas empre-sas europeias e americanas instalam os seusescritrios-satlites em ou subcontratam em-presas de tele-servios de outras zonas doglobo (nomeadamente o Sudoeste Asitico),pondo em prtica o chamado teletrabalho"off-shore". Tarefas como a programao ea anlise de sistemas, a dactilografia, a fo-tocomposio, a impresso, a contruo debancos de dados, a elaborao de catlogos,para citar alguns dos casos mais correntes,so feitas em pases como a ndia, a China,as Filipinas, a Jamaica, a Malsia, etc., emque os custos so muito inferiores e a mo-de-obra to qualificada como a ocidental.(LEMESLE e MAROT, pp. 29-34)

    Para concluir a caracterizao destas mo-dalidades de teletrabalho assinale-se que,sendo o local de trabalho flexvel, o tele-trabalhador poder utilizar uma ou simulta-neamente vrias das solues que acabmosde enumerar. Por exemplo: dois dias emcasa, dois dias no escritrio-satlite, ocasi-onalmente no carro ou no hotel, um dia dasemana no escritrio central...

    b) Quanto ao horrio de trabalho (a flexibi-lidade do horrio de trabalho outra das ca-ractersticas fundamentais do teletrabalho):

    A tempo inteiro: podendo o trabalhadorgerir o seu tempo da forma que entender, tra-balhando num ou em vrios locais;

    A tempo parcial.c) Quanto situao scio-profissional: Trabalho assalariado; Trabalho independente.Combinando todas estas possibilidades

    (em termos de local, de horrio e de situa-o scio-profissional) facilmente vemos agrande quantidade de modalidades ou for-

    mas que o teletrabalho pode, pelo menos te-oricamente, assumir. O que justifica, plena-mente, a qualificao de "flexvel", que secostuma aplicar ao teletrabalho, e que cons-titui um dos grandes motivos do interesseactual em relao ao mesmo. (HILLMAN,1993, p. 5 ; HORNER e DAY, 1995, p. 333;ver, no Documento 5 dos "Anexos"a este tra-balho, alguns exemplos reais das vrias pos-sibilidades de teletrabalho)

    Pelo interesse que podero ter, para Portu-gal em geral e para a Beira Interior em par-ticular, analisaremos mais detidamente duasdas modalidades do teletrabalho que acab-mos de referir.

    4.2.1 O trabalho em casa

    Como dissemos anteriormente, segundoHUWS (1995, pp. 10-23), o teletrabalho emcasa pode admitir trs possibilidades diferen-tes, que passamos a analisar:

    a) Teletrabalho a tempo parcial: os tele-trabalhadores implicados so, em geral, alta-mente qualificados (gestores, quadros, tcni-cos, vendedores, etc.), parecendo ser esta aforma de teletrabalho que mais apreciam.

    b) Teletrabalho a tempo inteiro, para umempregador exclusivo: envolve trabalhado-res em geral pouco qualificados, da rea dosecretariado (dactilografia, televendas, tele-secretariado, tarefas administrativas, etc.). Amaior parte destes trabalhadores so mulhe-res, no tm grande segurana de emprego,so muitas vezes remunerados em funo dasua produtividade, ganham geralmente me-nos que os seus colegas no teletrabalhado-res...

    Uma das experincias mais famosas e bemsucedidas (pelo menos de acordo com osseus promotores), no campo desta forma de

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  • O Teletrabalho - conceito e implicaes 15

    teletrabalho, foi a levada a efeito pela Bri-tish Telecom, com a participao da Unionof Communication Workers, no decorrer de1992/93 (terminou em Junho de 1993), emInverness, na Esccia, envolvendo 12 opera-dores telefnicos. Em cada uma das casas foiescolhido um espao prprio (apenas desti-nado ao efeito ou sendo parte da sala de jan-tar), que foi equipado com uma estao detrabalho. Os operadores deviam aprender ausar o correio electrnico, "bulletin boards"eformulrios electrnicos. Apesar de os tra-balhadores poderem ir ao escritrio e seremvisitados regularmente pelos gestores, foraminstalados "vision phones"para, quando o de-sejassem, falarem com os seus supervisores ecolegas. Os trabalhadores continuavam a ga-nhar o mesmo salrio e a usufruir do mesmotipo de regalias que tinham anteriormente, aque se juntavam condies como o reforoda iluminao e o pagamento dos gastos doaquecimento e luz. (HILLMAN,1993, p. 14)

    Segundo a Britih Telecom, a experinciateria mostrado que os operadores "were lessstressed, took less sick leave and were moreproductive."(citado em HORNER e DAY,1995, p. 338)

    c) Teletrabalho "free-lance": envolve pro-fissionais independentes, de reas como ojornalismo, a traduo, a edio, a consul-toria, etc. Recobre, em parte, a forma detrabalho a que alguns autores chamam "tele-servio".

    OLSON defendeu, em 1981 (e a maiorparte das pesquisas americanas posteriorest-lo-o confirmado), que o trabalho em casadeve, para ter sucesso, obedecer s seguintescondies:

    1. Limitar (simplificar) ao mximo os

    equipamentos (exemplo: computador etelefone);

    2. Dar ao indivduo os meios de controlaro seu ritmo de trabalho;

    3. Fazer com que os resultados da activi-dade sejam facilmente mensurveis;

    4. Preferir as actividades que necessitemde concentrao intelectual;

    5. Definir planos de trabalho, quando ne-cessrio;

    6. A actividade no deve consumir dema-siadas comunicaes de longa distn-cia.(LEMESLE e MAROT, 1993, pp. 82-8)

    4.2.2 Os Centros de Teletrabalho

    Para evitar uma das desvantagens que nor-malmente atribuda ao teletrabalho em casa- o isolamento social do trabalhador, com to-das as consequncias da decorrentes - foramcriados os centros de teletrabalho, referidosatrs.

    O "antepassado"directo desse tipo de cen-tros a chamada "tele-cabana"(telecot-tage)ou "centro comunitrio de tele-servio", sur-gida na Escandinvia por volta de 1985, como objectivo de minorar as desvantagens dasreas rurais, propiciando-lhes condies erecursos existentes apenas nas cidades, deforma a criar emprego e promover o desen-volvimento. Desde o seu aparecimento, oseu nmero no parou de crescer: em 1990 jhavia cerca de 50 na Dinamarca, Finlndia,Noruega e Sucia; em 1993 o seu nmeroatingia as 100 unidades. Na Gr-Bretanha,

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  • 16 Paulo Serra

    onde a ideia tambm foi lanada, j havia 45no final de 1992 (HILLMAN, 1993, p. 15-16); e, em Junho de 1994, a "TellecottageAssociation"contava com mais de uma cen-tena de membros. (HUWS, 1995, p. 31)

    Algumas das "tele-cabanas"no utilizamedifcios prprios, instalando-se em Esco-las e Bibliotecas. Podem facultar serviosde informao local e regional, econmica ecomercial, servios educativos, servios deapoio a pequenos negcios, formao pro-fissional, servios de tele-compras, acesso abases de dados nacionais e internacionais,servios de telecomunicaes, actividades delazer (TV por cabo, por exemplo), salas parareunies, etc. (HILLMAN, 1993, p. 15-16);onde possvel, oferece tambm facilidadesde "telecommuting". A sua gesto correnteest a cargo de um especialista em tecnolo-gias da informao, que ajuda os utilizadores(pblico em geral, profissionais, comercian-tes...). O interesse deste tipo de soluo, paraPortugal, est bem patente num documentoda Comunidade Europeia, de 1988, em quese diz que que as autoridades dinamarquesas"have recently provided the Spanish, Greekand Portuguese authorities with relevant in-formation."(COM (88) 371final, p.55; paraesta descrio das "tele-cabanas", ver pp. 54-55)

    4.3 A realidade scio-profissionaldo Teletrabalho

    4.3.1 Profiss oes e sectores de actividade

    Em princpio, o teletrabalho pode aplicar-seem todas as profisses e actividades que nose refiram produo e distribuio de bensmateriais (ver, nos "Anexos"a este trabalho,os Documentos 2 a 8). Essas profisses e ac-

    tividades, por vezes chamadas "informacio-nais"ou "de escritrio", so classificadas porLemesle e Marot da seguinte forma:

    produo da informao: profisses ci-entficas e tcnicas, recolha de informa-o, consultoria, etc.

    tratamento da informao: dactilogra-fia, secretariado, tratamento de texto eedio electrnica, corretagem, progra-mao, comunicao de gesto, realiza-o de relatrios, controle e superviso,etc.

    distribuio da informao: educa-o, formao, espectculos, "media",publicida-de, vendas, marketing, etc.

    explorao e manuteno dos sistemasde informao: "hot line"informtica,explorao e manuteno das telecomu-nicaes, etc. (LEMESLE e MAROT,1994, p. 25; LENCASTRE, 1995, p.29)

    Quanto aos sectores de actividade, o te-letrabalho j abrange, com sucesso, sectoresmuito importantes das sociedades, de que sedestacam os seguintes:

    Administrao Pblica: o teletrabalhoj existe, sobretudo a partir de 1985, erevela tendncia para aumentar, na ad-ministrao central e regional de pa-ses como os EUA (particularmente noEstado da Califrnia), a Gr-Bretanha,a Sucia, a Alemanha, a Holanda, etc.Optou-se, normalmente, pelo trabalhoem casa ou em escritrios-satlites,conjugando teletrabalho com trabalhotradicional no escritrio.

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  • O Teletrabalho - conceito e implicaes 17

    Ensino e formao: existem estrutu-ras de ensino e formao distn-cia em pases como os EUA, o Ca-nad, a Gr-Bretanha, a Holanda, aFrana,etc., fornecendo o seu servio aodomiclio, em centros prprios ou nolocal de trabalho (em empresas comoa France-Tlcom, a Telecom Argen-tina, a Hewlett-Packard, a Bull...). OPrograma europeu DELTA (DevelopingEuropean Learning through Technolo-gical Advance), lanado em 1988, umbom exemplo desta tendncia.

    Companhias de Seguros e Bancos: re-correm ao teletrabalho Bancos comoo Crdit Suiss, o Chase ManhattanBank, o Midland Bank e Companhiasde Seguros como as Mutuelles Unies,a AXA, a MACIF, aa New York Life,a Massachussets Life , a Tavelers Insu-rance, etc.

    Venda por correspondncia e "telemar-keting": empresas como La Redoute,Trois Suisses, Otto desenvoveram for-mas diversas de teletrabalho.

    Sector da Informtica: as principais em-presas deste sector, como a Rank Xe-rox, a ICL, IBM, a Control Data Equi-pement, a Hewlett-Packard, a Fujitsu, aDigital, a Integrata, desenvolvem apli-caes do teletrabalho.

    Sector das telecomunicaes:encontram-se aplicaes de teletra-balho na maior par-te das empresasmundiais de telecomunicaes, comoa US West, a Pacific Bell, a ATT, aBritish Telecom, a France-Tlcom.

    So de referir ainda os seguintes secto-res: sociedades especializadas no trata-mento do texto; servios de traduo; aimprensa e a edio; a indstria aero-nutica; sociedades de consultoria; so-ciedades de inquritos por sondagem...(LEMESLE e MAROT, 1994, pp. 21-28; LENCASTRE, 1995, p. 29)

    4.3.2 O Teletrabalho em nmeros

    Aquilo em que a literatura concorda, acercados nmeros referentes ao teletrabalho, podesintetizar-se em dois pontos essenciais:

    1. As estimativas feitas, acerca do teletra-balho, nos fins dos anos 70 e princpiosdos anos 70 pecaram (algumas delas es-trondosamente) por excesso;

    2. No h, mesmo actualmente, nmerosfiveis sobre o teletrabalho, mas apenasestimativas.

    Assim, segundo o Compuserve Magazine(referido em LENCASTRE, 1995, p. 28),nos EUA haveria, em 1995, 12 milhes depessoas que trabalhavam em casa, a tempointeiro e outros 12 milhes a tempo parcial,num nmero total de 125 milhes de traba-lhadores. Na Europa, uma em cada oito pes-soas trabalharia a partir de casa, como em-presrio ou telecommuter.

    O LIVRO BRANCO, que atrs analis-mos, referia que, na altura (1993), haveriacerca de 6 milhes de teletrabalhadores nosEUA.

    Comparando este nmero com os anteri-ores, referentes a 1995, de concluir que,efectivamente, o teletrabalho parece ser umatendncia irreversvel das nossas sociedades.

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  • 18 Paulo Serra

    Quanto incidncia do teletrabalho nosvrios pases europeus, TATE (1995, p. 66)refere que o Reino Unido e a Frana sero,logo a seguir aos Estados Unidos, os pasescom maior nmero de teletrabalhadores emcasa a nvel mundial.

    4.4 Vantagens e desvantagens doTeletrabalho

    Como qualquer realidade social, o teletraba-lho envolve implicaes (econmicas, soci-ais, psicolgicas, etc.) susceptveis de se-rem valorizadas positiva ou negativamente -s vezes pelas mesmas razes - por diferen-tes actores e grupos sociais. Por isso a lite-ratura consultada (HILLMAN, 1993, p. 12 esegs; HORNER e DAY, 1995, pp. 333-338;HUWS, 1995, pp. 3-4 e 10-38; LEMESLEe MAROT, pp. 61 e segs; LENCASTRE,1995, pp. 28 e 31; RUBINSTEIN, 1993, pp.58, 61-62 e 64;) fala em termos de "vanta-gens"e /ou "desvantagens"(potenciais) do te-letrabalho para os trabalhadores, para as em-presas, para a sociedade em geral. Por umaquesto de sistematizao, seguiremos essaordem de anlise - ainda que, por vezes noseja fcil decidir em que categorias enqua-drar determinados aspectos.

    Por outro lado, h que dizer que as van-tagens e as desvantagens devem ser entendi-das como potenciais, dependendo a sua exis-tncia efectiva das reais condies, ofereci-das pela empresa e pela sociedade global, emque se efectua o teletrabalho (caractersticasdos locais, do equipamento, salrios, friase outras licenas, sade, segurana social,etc.).

    4.4.1 Vantagens

    Para o trabalhador

    possibilidade de reduzir ou mesmo eli-minar o tempo gasto na deslocaocasa-trabalho

    economia no gasto de combustveis flexibilizao do horrio de trabalho,

    permitindo conciliar vida profissional efamiliar

    flexibilizao do local de trabalho autonomia relativa, com a diminuio

    dos constrangimentos hierrquicos

    clima de trabalho mais confortvel

    Para as empresas

    reduo de custos (imobilirios, detransportes, de pessoal, etc.)

    aumento da produtividade maior facilidade de recrutamento de

    pessoal (independentemente do seu lo-cal de residncia

    Para a sociedade

    preservao do espao rural desenvolvimento de reas menos favo-

    recidas (nomeadamente rurais) "desconcentrao"do centro das cidades participao na diviso internacional do

    trabalho, com o trabalho "off-shore"

    criao de empregos

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  • O Teletrabalho - conceito e implicaes 19

    aumento da produtividade descongestionamento do trfego urbano economia em combustveis reduo da poluio revitalizao dos subrbios reduo dos investimentos em infrastru-

    turas de transportes

    integrao, no mercado de trabalho -combatendo a excluso social - de pes-soas que no podem sair de casa (ido-sos, portadores de deficincia, donas decasa, etc.)

    4.4.2 Desvantagens (potenciais)Para o trabalhador

    isolamento social (quando o trabalho feito em casa a tempo inteiro)

    reduo dos contactos com os colegasde trabalho e a hierarquia

    possvel tendncia para a feminilizaodo teletrabalho

    desenvolvimento da precaridade de em-prego

    dficit de proteco jurdica possibilidade de condies de emprego

    menos favorveis, em termos de rega-lias econmico-sociais

    degradao da vida familiar, devida intruso do trabalho no lar

    apagamento da diferenciao entre tra-balho e lazer

    maiores possibilidades de conflitos fa-miliares no alojamento (quando o tele-trabalho a feito)

    maior dificuldade de defesa dos seus in-teresses laborais e profissionais (o con-trato de trabalho tende a ser individual,dificultando ou impedindo as reivindi-caes colectivas)

    parcelarizao do trabalho aumento do trabalho a tempo parcial controle invisvel e omnipresente pelo

    computador central

    menos oportunidades de promoo

    Para as empresas

    impossibilidade de assegurar o controleda presena e a disponibilidade imedi-ata do trabalhador no local de traba-lho (para evitar esta desvantagem, a em-presa deve medir o trabalho em termosde resultados ou tarefas)

    aumento de custos em equipamentosextra, energia e telecomunicaes

    destruio da unidade da empresa e docolectivo de trabalho

    aumento dos custos de formao do tra-balhador

    Para a sociedade

    efeitos negativos na integrao social dotrabalhador na comunidade (de trabalhoe residencial)

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  • 20 Paulo Serra

    vulnerabilidade crescente face ao te-letrabaho "off-shore"(com as possveisconsequncias em termos de desem-prego)

    desaparecimento das formas colectivasde trabalho e disperso da mo de obra

    explorao de trabalhadores em situa-o mais vulnervel (mulheres, crian-as, pessoas com deficincia, membrosde minorias tnicas, etc.)

    aumento da polarizao entre uma elitede trabalhadores bem pagos e com posi-o estvel (masculinos, brancos, alta-mente qualificados e sem deficincias)e uma maioria de trabalhadores mal pa-gos e com posio instvel (mulheres,membros de minorias tnicas ou outras)

    eroso das estruturas tradicionais deeducao e formao profissional

    transferncia, para as zonas menosdesenvolvidas, apenas dos empregospouco qualificados e mal pagos, agra-vando assim as assimetrias

    de notar que muitas das desvantagensapontadas ao teletrabalho em geral se refe-rem, na realidade, ao teletrabalho feito emcasa, a tempo inteiro (normalmente poucoqualificado, para um empregador exclusivo,em condies contratuais ambguas ou cla-ramente desfavorveis para o trabalhador).Ora, esta forma de teletrabalho no repre-senta, na actualidade, nem a nica nem aforma mais importante de teletrabalho (nemsequer representa, como vimos atrs, a nicapossibilidade de trabalho em casa).

    4.5 Os parceiros sociais e oTeletrabalho

    Para ter sucesso, o teletrabalho exige todoum conjunto de condies (tecnolgicas,econmicas, sociais, espaciais, etc.). Nesseconjunto de condies assume especial im-portncia a posio (positiva ou negativa, de-cidida ou reticente) dos seus principais inter-venientes: trabalhadores (e respectivos sin-dicatos) e empresrios.

    4.5.1 Os sindicatos

    Nos anos 80, as principais centrais sindicais,tanto europeias como americanas manifes-tam, em geral, uma posio de rejeio e re-sistncia em relao ao teletrabalho. A t-tulo de exemplo: uma resoluo da centralsindical americana AFL-CIO reclamava, em1983, a abolio do teletrabalho informticoem casa. O teletrabalho encarado, por estacentral sindical, como um retrocesso ao tra-balho domstico do sculo XIX, mal pago,precrio, pouco qualificado, sem regalias so-ciais; e, como tal, reforando o trabalho atempo parcial e o isolamento social dos tra-balhadores, contrariando ao mesmo tempo apossibilidade de estes se organizarem na de-fesa dos seus interesses. Posies semelhan-tes so tomadas, em 1985, pelos sindicatosna Dinamarca, na RFA e no Reino Unido.

    Note-se que, como j referimos atrs, asgrandes crticas feitas ao teletrabalho, pelosSindicatos, so-no sobretudo ao teletrabalhoem casa, e parecem ter algum fundamento.TATE (1995, p. 8), por exemplo, refere ha-ver casos conhecidos que mostram que a si-tuao dos teletrabalhadores ao domiclio pior do que a dos trabalhadores tradicionais,

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  • O Teletrabalho - conceito e implicaes 21

    em termos de remuneraes, situao na pro-fisso e segurana de emprego.

    posio geralmente crtica dos Sindi-catos tambm no ser alheio o facto de,para alm de colocar problemas aos trabalha-dores, o teletrabalho colocar problemas aosprprios sindicatos, enquanto organizaes:a fora de trabalho fragmenta-se e dispersa-se, perde a capaciade de organizao colec-tiva, quebra a sua ligao aos sindicatos, di-minui o nmero de trabalhadores sindicali-zados, os contratos individuais substituema contratao colectiva - logo, os sindica-tos perdem poder e influncia. (HORNERe DAY, 1995, p. 335)

    Referindo-se ao Reino Unido, os Autoresacabados de citar distinguem trs tipos deposies dos sindicatos ingleses, nos anos70 e 80, em relao "revoluo tecnol-gica"em geral e ao teletrabalho em particu-lar:

    a) Receptiva: a posio de sindicatossobretudo ligados s telecomunicaes, quevem o teletrabalho como um meio de incre-mentar a flexibilidade e a autonomia, desen-volver as competncias profissionais e me-lhorar as condies de vida do trabalhador;assim sendo, defendem que ele deve ser pro-movido.

    b) Defensiva: a posio dominante daTUC (Trades Union Congress), influenciadasobretudo pelos sindicatos dos "colarinhos-brancos", e v o teletrabalho como uma rea-lidade inevitvel mas, ao mesmo tempo, pro-blemtica. Para estes sindicatos o teletra-balho pode ser positivo, se se conseguiremevitar os potenciais problemas que a ele po-dem estar associados (isolamento, explora-o, etc.) e forem garantidas, aos teletraba-lhadores, todas as regalias comuns aos outrostrabalhadores.

    c) Oposta: a posio de sindicatos predo-minantemente do sector das indstrias da im-presso e radiodifuso. uma posio muitoproteccionista, preocupada em defender ascompetncias tradicionais dos trabalhadorese o seu controlo sobre o produto do trabalho.A BIFU (Banking, Insurance and FinanceUnion) ilustra bem esta posio, ao enca-rar o teletrabalho como oposto aos interes-ses dos seus membros e do prprio sindicato,assinalando em relao ao mesmo as seguin-tes desvantagens: em relao aos trabalha-dores - o potencial isolamento social, os pro-blemas psicolgicos de motivao, o poten-cial perigo de pr um "espio"(electrnico)em casa, o aumento dos custos domsticos,os problemas derivados do cuidar dos filhos,etc.; em relao ao sindicato - dificuldadesno recrutamento de filiados, problemas deorganizao colectiva (reunies no local detrabalho, comunicao entre o sindicato e ostrabalhadores, etc.).

    A existncia destas posies contradit-rias mostra que:

    i) no h, da parte dos sindicatos, umaestratgia comum e coerente, permanecendoestes, na sua maioria, encerrados no seu pa-pel tradicional de reivindicao (sobretudo)salarial.

    ii) se torna cada vez mais urgente queos sindicatos, sob pena de serem completa-mente ultrapassados pela situao, promo-vam e aprofundem o debate sobre a proble-mtica do teletrabalho.

    4.5.2 Os empresrios

    Mostram, em geral, uma posio reticentesobre o teletrabalho ; a reflexo sobre omesmo situa-se sobretudo a nvel dos diri-

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  • 22 Paulo Serra

    gentes das grandes empresas. (LEMESLE eMAROT, 1994, p. 72)

    As suas reticncias parecem derivar, so-bretudo, do facto de muitos deles continu-arem presos a um modelo de gesto que jvem do sculo XIX e que, como atrs refe-rimos, exige o contacto directo e a disponi-bilidade imediata do trabalhador, quando ne-cessrios, e a possibilidade de controlo per-manente do seu trabalho. (HILLMAN, pp.33-35)

    Ora, os estudos levados a efeito sobre asexperincias de teletrabalho mostram que oseu sucesso, nas Empresas, depende de fac-tores como a familiaridade j existente naaplicao das TICs, a sua vontade de ino-var nos planos tcnico e organizacional e asua capaciade de gesto por objectivos. (LE-MESLE e MAROT, p. 85)

    Encarar o teletrabalho como uma meraestratgia para reduo de custos, nomea-damente de salrios, conden-lo ao fra-casso (na medida em que no pode competircom o teletrabalho "off-shore", que envolvesalrios muito mais baixos, mais horas detrabalho e menores encargos sociais); h queencar-lo no contexto de uma estratgia cen-trada na inovao, capaz de conquistar no-vos mercados, oferecer melhor qualidade e,assim, acabar por efectivamente reduzir oscustos. (STROETMAN e KUBITSCHKE, p.71)

    5 A situao portuguesa(algumas pistas)

    Em Portugal, os temas das sociedade da in-formao e do teletrabalho esto na agendade instituies e organizaes como as Uni-versidades (o IST, a UBI, a Universidade de

    Aveiro, etc.), os Institutos de Investigao (oINETI, por exemplo, a cujo quadro perten-cem as Profas Doutoras Ana Maria R. Cor-reia e Maria Joaquina Barrulas), o Institutode Emprego e Formao Profissional, os Or-ganismos de desenvolvimento local (o CI-EBI, por exemplo), as Empresas de teleco-municaes...

    A nvel da Imprensa, a Bibliografia e osAnexos deste trabalho referem e/ou repro-duzem, a ttulo de exemplo, elementos reti-rados de alguns Jornais e Revistas acessveisao grande pblico, nomeadamente:

    Jornal Pblico: publica, com relativafrequncia, notcias e artigos de opiniosobre os diversos temas da sociedadeda informao (por exemplo: teletraba-lho, tele-ensino, pirataria informtica,avanos nas telecomunicaes, Internet,etc.); e, s segundas-feiras, um Suple-mento intitulado "Computadores";

    Jornal Expresso: publica, com relativafrequncia, notcias e artigos de opinioso-bre os temas da sociedade da infor-mao, no seu Suplemento de Econo-mia;

    Revista Exame: esta revista, cujopblico-alvo predominantementeconstitudo por empresrios e gestores,publica frequentemente notcias eartigos de opinio sobre os temas dasociedade de informao (e especi-ficamente sobre o teletrabalho); emMaio/Junho de 1995, dedicou mesmotoda uma edio especial, aos diversosaspectos (tecnolgicaos, econmicos,sociais...) da sociedade da informao(ver Bibliografia).

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  • O Teletrabalho - conceito e implicaes 23

    Tambm em conversas dos dia a dia (epermita-se-nos utlizar, aqui, a nossa expe-rincia pessoal), comeam a estar presentesas problemticas da sociedade da informaoe do teteletrabalho. Citaremos, a este prop-sito, dois exemplos:

    Exemplo 1. H poucos dias, um amigo,conhecedor do nosso interesse por estes te-mas, perguntou-nos se tnhamos visto, naTV2, um programa dedicado aos sistemasde vigilncia electrnica (evocando o perigodo que alguns chamam a "sociedade da vigi-lncia"); e passou, em seguida, a descrevertoda uma srie de situaes , ilustradas noprograma, que considerava mais ou menos"aterradoras".

    Exemplo 2. Um amigo nosso tem um ir-mo arquitecto que, h alguns anos, deci-diu montar o seu prprio Gabinete de Ar-quitectura, no Porto, equipando-o com o quede mais moderno havia, na altura, em ma-tria de informtica e telecomunicaoes -de forma a poder trabalhar a partir de casa.Na poca, os colegas apelidaram-no de "ma-luco"e "megalmano"; hoje, os mesmos co-legas reconhecem que teve razo antes dotempo (deles), ao ser pioneiro nesta forma deteletrabalho.

    Em Portugal, tanto quanto nos apercebe-mos como cidado comum, os temas da so-ciedade da informao e do teletrabalho noesto na agenda da generalidade dos polti-cos, dirigentes empresariais e dirigentes sin-dicais...

    Quanto Escola e Cultura dita "geral",decidimos fazer uma experincia. Fomos Biblioteca de uma Escola Secundria daCidade e consultmos a Enciclopdia Luso-Brasileira de Cultura (Editorial Verbo) e aPOLIS - Enciclopdia Verbo da Sociedade edo Estado. Os resultados foram os seguintes:

    1) Enciclopdia Luso-Brasileira de Cul-tura: no seu 17o volume, publicado em 1975,no constam entradas sobre "Sociedade dainformao"e "Teletrabalho"; no seu III Su-plemento, publicado em 1991, tambm noconstam entradas sobre "Sociedade da Infor-mao"e "Teletrabalho- consta uma entradasobre "Sociedade ps-industrial", a pginas849/850, em que se refere (sem explicitar)duas vezes a expresso "sociedade da infor-mao"; na entrada sobre "Trabalho", quetambm lemos, nada consta sobre teletraba-lho.

    2) POLIS - Enciclopdia Verbo da So-ciedade e do Estado: nos seus 3o volume(publicado em 1985) e 5o volume (publi-cado em 1987), no constam entradas sobre"Sociedade da informao"e "Teletrabalho";consta uma entrada sobre "Sociedade ps-industrial", em que a expresso "sociedadeda informao" referida (sem a explicitar)duas vezes, a pginas 940 e 941; na entradasobre "Trabalho", tambm lida por ns, noh qualquer referncia ao teletrabalho.

    Este panorama, algo contraditrio,desperta-nos o interesse (no satisfeito nestetrabalho, como referimos na Introduo)em conhecer mais de perto a realidadeportuguesa, bem como a tentar avaliar aspossibilidades e as condies de implanta-o de um sistema de teletrabalho a nvel daadministrao corrente de uma Escola.

    6 Concluses (e algunsproblemas...)

    "People need people.""Regardless of technology, people are

    human beings. (...) Except for the obsessed,

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  • 24 Paulo Serra

    technology is a tool, an enabler, not thepurpose of life."

    Judy Hillman, Telelifestyles and theflrxicity: The Impact of the Electronic

    Home, p. 32

    De forma semelhante ao que aconteceu emrelao Revoluo Industrial (e ao "No-vo Mundo"que ela iria realizar), tambm o"Mundo Novo"da sociedade da informaotem os seus profetas e os seus crticos... ou,se quisermos, os seus optimistas e os seuspessimistas.

    Tomem-se por exemplo os textos repre-sentativos da posio da Comunidade Euro-peia (de que consideramos o Livro Brancocomo "a pedra de toque"). Neles, o de-senvolvimento da sociedade da informao(nos seus aspectos tecnolgicos, econmicose sociais) e das suas aplicaes, nas quaisse inclui o teletrabalho, encarado como anica via para a Europa combater o desem-prego e competir com sociedades como o Ja-po e os Estados Unidos. O tom , em ge-ral, optimista e voluntarioso, fazendo por ve-zes lembrar alguns dos textos utpicos (porexemplo de Saint-Simon, de Comte) sobre aRevoluo Industrial... E, no entanto, a re-alidade, de 1993 para c, parece obstinar-se em no dar razo a tal tipo de posies:o crescimento econmico estagna, o desem-prego no pra de aumentar (mesmo em pa-ses super-desenvolvidos, como o Japo e aAlemanha, em que esses problemas eramdesconhecidos), assiste-se falncia do "Es-tado Social", cresce a despesa pblica, etc.O que nos pode levar a pensar que, se asTICs eram a soluo do problema (do de-semprego, da falta de competitividade), elasparecem ter-se tornado, agora, o problema dasoluo...

    H, por outro lado, um conjunto de po-sies (de David Lyon, Tom Forester, TonyBenn, Frank Webster, Kevin Robbins, Thi-mothy Luke, Stephen White, muitos Sindi-catos...), pelas quais perpassa um olhar bas-tante crtico da sociedade da informao e doteletrabalho. Para alguns, tais realidades re-presentam uma forma de o sistema - esgo-tada a sua soluo industrial, por problemascomo a escassez de recursos energticos, asdiversas formas de poluio, a impossibili-dade de satisfazer as crescentes exignciasde bens para consumo - fazer uma viragemno sentido de uma economia mais voltil emenos poluente... No ser assim por acasoque os defensores mais entusiastas da socie-dade da informao e do teletrabalho sejamempresas das reas das telecomunicaes, dainformtica... dos produtos da informaoem geral. Para outros, a sociedade da infor-mao no mais do que uma estratgia parao Estado aumentar a eficincia da produoe do controlo sobre os cidados, numa linhaque j vem do Taylorismo e retomada peloFordismo... Outros, ainda, vem a sociedadeda informao como o culminar do domniodas elites cientficas e tecnocrticas (detendoo monoplio do saber e do discurso) sobre ocidado em geral.

    Qualquer destas vises nos parece, no en-tanto, unilateral. Se verdade que a socie-dade da informao em geral, e o teletraba-lho em particular, nos trazem problemas no-vos, no menos verdade que tambm com-portam potencialidades que devemos ter emconta e tentar explorar.

    Quanto aos problemas colocados pelo te-letrabalho, gostaramos de salientar apenasos seguintes:

    1. De ordem econmica: o teletrabalho"off-shore"mostra que o conceito de tele-

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  • O Teletrabalho - conceito e implicaes 25

    trabalho encerra uma ambiguidade funda-mental. Promovido, pelos pases desenvol-vidos (nomeadamente europeus), como umaforma de trabalho flexvel e inovadora, pos-sibilitando a criao de emprego e aumen-tando a produtividade, ele pode vir a tornar-se gerador de desemprego (criando empre-gos, sim, mas no local "errado")... Porque,se verdade que a desmaterializao e a glo-balizao da economia, caractersticas da so-ciedade da informao, podem trazer novasoportunidades em termos de mercados e ne-gcios, no menos verdade que tamm po-dero ter os seus efeitos perversos.

    2. De ordem sociolgica: o teletraba-lho insere-se na tendncia crescente, obser-vvel desde o advento da "Galxia Mar-coni"(McLuhan), para substituir as relaeshumanas pessoais e directas (a que os so-cilogos chamam "face to face") por tele-relaes, isto , relaes distncia, medi-atizadas pelas tecnologias de informao ecomunicao (a pessoa substituda pela sua"imagem"textual, sonora ou visual, na m-quina). Esta tendncia traz consigo o pe-rigo de levar as pessoas a pensar (e a prem prtica) o contrrio do que afirma a ci-tao de Judy Hillman ("as pessoas precisamde pessoas"); e, assim, minar a prpria no-o de sociedade (de grupo, de comunidade,de empresa, etc.), enquanto conjunto de inte-races reais e directas entre seres humanos.Por outro lado, o teletrabalho pode tender aesbater as tradicionais distines entre o p-blico (o social) e o privado (o lar), o trabalhoe o lazer, levando o indivduo a tornar- -seuma espcie de "escravo"dos imperativos co-lectivos da produtividade "informa-cional"...

    3. De ordem psicolgica: a sociedadede informao em geral (logo, tambm oteletrabalho) introduz um novo conceito de

    realidade: o de "realidade virtual". Podedefender-se que, em certa medida, toda a rea-lidade comporta sempre algo de "virtual"(nosentido de imaginrio). Mas, at ao apareci-mento da sociedade da informao, essa re-alidade virtual existia apenas na imaginaohumana (mesmo que traduzida em romancese outras obras de fico, estas nada seriamsem a imaginao do leitor). Agora, a "rea-lidade virtual"est presente aos nossos senti-dos: v-se, ouve-se, toca-se.... e transforma a"realidade real"em mera imaginao. O que "real": as imagens da guerra no Ruandaque eu vejo na mquina ou a situao no ter-reno, que eu tenho de conceber a partir de-las? Correremos o risco de - para utilizarmosa metfora de Judy Hillman, atrs citada -nos transformarmos todos em "telezombies",encerrados na carapaa da nossa "realidade-zinha virtual", sempre mais cmoda e menosproblemtica?

    Quanto s virtualidades do teletrabalho,gostaramos de chamar a ateno para as se-guintes:

    1. A grande vantagem do teletrabalho re-side no facto de ser uma forma de trabalho"flexvel"(em termos de local e de horrio detrabalho). Se for entendido (e posto em pr-tica) em condies econmica e socialmentevantajosas, ele representar, para o trabalha-dor, uma forma de trabalhar mais motiva-dora, mais cmoda e mais eficiente, permi-tindo conciliar vida pessoal/familiar e vidaprofissional, administrar melhor o tempo detrabalho e de lazer, ter um maior espao deliberdade e autonomia...

    2. O teletrabalho, no contexto da soci-edade da informao, uma maneira maisecolgica (menos poluente) de o homemse relacionar com a natureza, no produ-zindo resduos poluentes, reduzindo custos

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  • 26 Paulo Serra

    de energia, poupando a nvel dos recursos,promovendo a conteno no consumo dosbens materiais...

    3. Nos pases mais desenvolvidosobserva-se, desde a dcada de70, uma ten-dncia crescente para a disperso urbana ea suburbanizao (para fugirem aos proble-mas das grandes cidades e aumentarem a sua"qualidade de vida", cada vez mais pessoasprocu-ram as vilas e as pequenas cidadespara viverem). O teletrabalho pode represen-tar um meio muito importante para sustentare reforar esta tendncia, que achamos (porrazes econmicas e sociais) altamente posi-tiva.

    Parece-nos, assim, que a reduo (oumesmo eliminao) das desvantagens e pro-blemas do teletrabalho, com a correspon-dente potenciao das suas virtualidades evantagens, dever implicar uma discussoque:

    1. Envolva a sociedade no seu conjunto(sindicatos, empresrios, agentes polticos,cidados em geral);

    2. Encare o teletrabalho no apenas nosseus aspectos econmicos (o que levar auma viso economicista/reducionista), mastambm sociolgicos, jurdicos, polticos,psicolgicos, etc., promovendo uma visoglobalizante e integrada do problema;

    3. Tenha, na base, a considerao da pes-soa como valor ou fim fundamental a promo-ver, encarando sempre a tecnologia e a orga-nizao social como meios para os atingir.

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    IntroduoA Sociedade da InformaoA Europa, a Sociedade da Informao e o TeletrabalhoO TeletrabalhoA situao portuguesa (algumas pistas)Concluses (e alguns problemas...)Bibliografia