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    ECOM1 Encontro Nacional de Pesquisa em Moda

    25 28 de outubro de 2011.

    ALFAIATARIA:ANTES DO OFCIO UMA ARTE

    Autora:Juliana Barbosa.

    Professora Curso Design de Moda EBA-UFMG.Curso Moda UNAMinas Gerais Educao.

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    ResumoQuais os olhos da sociedade para este artfice que se torna cada vez mais escasso? Antes

    indispensveis a vida cotidiana e hoje em vias de ser includa como mais um dos ofcios em extino. Ouniverso da alfaiataria e de seu arteso o mestre alfaiate, dotado de uma riqueza mpar: a anatomiacuidadosamente transposta para o tecido, em traos precisos, tal qual uma tela que mais tarde tomar ocorpo de quem ali est projetado. Diante disto, h que se preservar a arte da alfaiataria, tida como velhoofcio, e principalmente de seu arteso o alfaiate.

    Palavras-chave: Alfaiataria, Ofcio, Arte.

    Abstract

    What are the eyes of society for this artist that becomes increasingly scarce? Before essential toeveryday life and currently in the process of being included as one of the most endangered crafts. Theworld of tailoring and its artisan, the master tailor, is endowed with a unique richness. The anatomy iscarefully incorporated into the tissue, by and precise, like a screen that would later take the body fromwhom there is projected. We must preserve the art of tailoring, considered old craft, and especially of hiscraftsman: the taylor.

    Keywords: Tailoring, Letter, Art.

    Introduo

    Quais os olhos da sociedade para este artfice, que remonta desde a mais longa

    data com sua origem nas fidalguias da Europa no sculo XII e XIV, alcanando seu

    auge no sculo XIX com a alfaiataria inglesa e que hoje se torna cada vez mais escasso.

    Artfices antes indispensveis existncia cotidiana, organizados em

    corporaes de ofcios durante a Idade Mdia e sob a proteo destas (PIRENNE, H. p.

    185) e que hoje, sem mais instituies que os representem e os protejam, se vem sem

    meios de competir e assim forosamente entregues ao esquecimento.

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    A alfaiataria hoje uma profisso que nos parece condenada prpria sorte, em

    vias de ser includa como mais um dos ofcios em extino, tais como sapateiros,

    chapeleiros, oleiros, ferreiros e toda sorte de artesania.

    Declnio que se d em parte pelo avano da indstria do prt--porter, e por

    outro lado pela dificuldade de se formar artesos alfaiates. interessante e curioso

    ressaltar como a imagem destes oficiais1 parece to distante, quando nos deparamos

    com indagaes do tipo: alfaiate?! ainda existe alfaiate?

    A arte da alfaiataria

    O universo da alfaiataria e de seu arteso o mestre alfaiate, dotado de uma

    riqueza mpar: uma habilidade tradicional complexa que exige conhecimento tcnico

    especializado (FISHER, A., p.115). a anatomia cuidadosamente transposta para o

    tecido, em traos precisos, tal qual uma tela que mais tarde tomar o corpo de quem ali

    est projetado.

    a dana inebriante da agulha e da linha, acompanhadas de um velho dedal, que

    ora alinhava, guarnece, ou ento chuleia

    2

    . Vez outra um ponto picado, ou um ponto dearremate, pontos e mais pontos cuidadosamente lanados pelas mos deste artfice, que

    aos poucos abandona este ofcio secular.

    O alfaiate, antes de ser o detentor de um ofcio um artista. Tal qual defendia

    Morris ao reconhecer e estabelecer uma distino entre as artes intelectuais e as artes

    ornamentais (MORRIS, W. p. 43). Distino que no desqualificava uma arte perante

    a outra, pelo contrrio, exaltava-as. Ele promovia a valorizao da arte popular, to

    claramente descrita nesta citao:

    A arte intelectual mais elevada pretendia o deleite da vista,declaradamente ainda, suscitar emoes e educar o intelecto. Dirigia-se a todos os homens e a todas as faculdades de homens. Por outra

    parte, a mais humilde de todas as artes ornamentais compartilhava osignificado e a emoo da arte intelectual; uma se mesclava na outramediante gradaes quase imperceptveis; em resumo, o melhor artistaseguia sendo um trabalhador e o trabalhador mais humilde era umartista. (MORRIS, W. p. 44)3

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    Reconhecendo o valor do alfaiate

    Poucos so os homens que conhecem o requinte do trabalho de um alfaiate.

    um pblico restrito, seleto, mas fiel a este artfice. So homens que hoje esto em uma

    posio privilegiada poltica ou economicamente, e que no abrem mo da roupa feitasob medida, impecvel no caimento e nos seus acabamentos.

    H um requinte na execuo de cada pea, onde a pressa est fora do

    vocabulrio. No pode haver pressa para esculpir um corpo no tecido, no pode haver

    pressa na construo de um reforo de peito, no preparo de uma gola. As mquinas

    desenvolvidas hoje na indstria da alfaiataria so capazes de executar um palet em

    pouco mais de 60 minutos4, enquanto que o mestre alfaiate executa a pea num

    intervalo de tempo mnimo de dois a trs dias, e se falarmos das tcnicas tradicionais de

    entretelamento este prazo se prolonga ainda mais.

    No entanto, nossa sociedade na sua grande maioria entregue aos apelos

    consumistas, j no tem mais tempo para esperar por um traje a ser confeccionado. Ela

    sucumbiu-se aos prazeres do imediatismo, de preferir buscar algo pronto, mesmo que

    no atenda com perfeio suas formas, mas provavelmente chegue bem prximo disto.

    O alfaiate difere dos operadores de mquinas que no necessitam pensar a

    costura que est sendo feita, apenas executar. Ele conhece o processo como um todo,

    e sabe refletir sobre cada uma das partes que so confeccionadas, como tambm as

    caractersticas pessoais e particularidades de um indivduo e outro, ele um escultor do

    tecido.

    Mquinas realizam com perfeio os pontos que unem uma manga ao corpo, no

    corte preciso de vinte, trinta, quarenta delas de uma s vez, porm nunca substituiro os

    olhos do alfaiate e sua maestria adquirida ao longo dos anos de forma emprica, no dia a

    dia de suas oficinas, no que se refere, por exemplo, ao ponto do ombro exato em que

    esta deve ser colocada respeitando as formas de quem o vestir. o caimento perfeito

    que elimina qualquer movimento indesejado de uma prega, ou um repuxado do tecido

    que comprometa o seu perfeito vestir e a difere da roupa prt--porter, roupa que

    implica no uso de tabela de medidas padronizadas, e que criam nada mais que um

    exrcito de homens uniformizados, sem respeitar a anatomia do homem que vestir este

    traje.

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    Concluso

    H que se preservar a imagem da alfaiataria, tida como velho ofcio, em vias de

    entrar para a lista das profisses em extino e principalmente de seu arteso o alfaiate.

    Sua imagem e todo o seu universo: seu atelier e sua mquina nostlgica, seus artefatos,tecidos, cores, linhas, e principalmente seu espao na sociedade, atravs do cinema, da

    literatura, na poltica, na histria e em qualquer outro lugar em que ele se fez presente

    de maneira discreta, annima, porm incisiva na responsabilidade de trajar com

    elegncia reis, burgueses, dndis e toda sorte de homem com posses o suficiente ou no

    para recorrer ao seu trabalho, tal como descreve Lipovetsky:

    Ainda que os alfaiates e as profisses do vesturio no tenham tido

    nenhum reconhecimento social e tenham permanecido sombra deseus clientes prestigiosos, contriburam de maneira determinante, porsua habilidade e por suas mltiplas inovaes annimas, para osmovimentos ininterruptos da moda; conseguiram, graas ao processoda especializao, concretizar o ideal de fineza e de graa das classesaristocrticas. (LIPOVETSKY, G., 52)

    Estes oficiais compreendem hoje a ltima gerao de alfaiates tradicionais,

    aqueles que aprenderam o ofcio desde a mais tenra idade como aprendizes ao lado de

    seus mestres, tal qual como acontecia desde seus primeiros registros a partir do sculo

    XII, e que j no mais a realidade vivida nas alfaiatarias.

    No entanto a arte da alfaiataria continuar, uma vez que ela lida com algo muito

    mais valoroso e complexo que o domnio do corpo e sua anatomia. Porm dentro de

    uma nova linguagem, aliando tcnicas industriais s tcnicas artesanais, propondo uma

    roupa semi-artesanal, pois sem seus maiores representantes, o que resta so

    profissionais admiradores deste ofcio que buscam alternativas de dominar esta arte, seja

    atravs de cursos livres ou pesquisas autnomas.

    Estes novos profissionais e a indstria tentam substituir o alfaiate e conseguem

    at certo ponto, chegando muito prximo do seu trabalho apenas quando se trata de um

    corpo padronizado estipulado pela prpria indstria como um corpo ideal. Tabelas de

    medidas padronizadas atendem apenas uma parcela da populao, que em sua maioria

    procura adequar-se, ajustando uma medida ou outra. o que diz Fisher quando fala

    deste traje: ele poder ser produzido em um padro muito alto de acabamento, mas

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    nunca ter um caimento individualizado e o toque de exclusividade que um traje

    customizado possui". (FISHER, A., p.115).

    Desta forma, torna-se necessrio preservar a imagem da alfaiataria, e comprovar

    que muito antes de um ofcio artesanal apenas, ela pode sim ser considerada uma arte,alm da valorizao do trabalho de seu arteso.

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    Notas

    1Oficiais a forma como os alfaiates se intitulam, de acordo com sua especialidade: oficial proveiro,

    acabador, calceiro, camiseiro. Meio-oficial o nome dado ao aprendiz de alfaiate.

    2

    Ponto artesanal especfico para acabamento do corte no tecido, evitando o desfiar da trama.

    3Traduo livre do original: "El arte intelectual ms elevado pretenda el deleite de la vista, segn se

    dice, y a la vez, suscitar emociones y educar el intelecto. Se diriga a todos los hombres y a todas las

    facultades del hombre. Por otra parte, la ms humilde de todas las artes ornamentales comparta el

    significado y la emocin del arte intlectual; una se fusionaba en la otra mediante gradaciones casi

    empreceptibles; en resumen, el mejor artista segua siendo un trabajador y el trabajador ms humilde

    era un artista." (MORRIS, W. p. 44)

    4Para este resultado somam-se os minutos dispensados na mquina em cada operao isoladamente,

    sem os intervalos entre uma operao e outra.

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