JurídicoS - OABPRrespeito ao Indulto e Comutação de Pena. Entenda-se que por força do Indulto,...

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continua na página 2 CADERNOS J urídicoS Nº 02 - MAIO 2009 INCIDENTES DE EXECUÇÃO PENAL (INDULTO E COMUTAÇÃO DE PENA). MAURÍCIO KUEHNE Advogado inscrito na OAB Paraná sob nº 4301; Professor Titular de Direito Penal e Execução Penal do UNICURITIBA. Ex-Diretor Geral do DEPEN/MJ (2005/2008) (Departamento Penitenciário Nacional). De há muito labutamos junto ao Conselho Penitenciário do Estado do Paraná, e em todas as reuniões (sempre realizadas as quartas feiras), nos deparamos com dezenas de casos relacionados aos incidentes de Execução Penal que dizem respeito ao Indulto e Comutação de Pena. Entenda-se que por força do Indulto, quando presentes as condições legais ensejadoras à concessão, o condenado é colocado em liberdade, com a pena declarada extinta. Permanecem, assim, os demais efeitos da condenação. Não há, pois, como se confundir Indulto com Saída Temporária, situação comum nos meios de comunicação. Insere-se, pois, na condição de egresso do sistema penitenciário e, como tal, lhe assiste o direito à assistência con- forme preconizado na Lei de Execução Penal, artigos 10, parágrafo único e 25 a 27 da Lei mencionada. Observe-se que a assistência é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Cumpre assinalar que os Patronatos Penitenciários existentes no Estado do Paraná (Curitiba e Londrina e por intermédio do programa pró-egresso administrado pelos Patronatos) cuidam desse aspecto, contudo, enfrentando dificuldades múltiplas, posto que todo o contingente de egressos ainda e lamentavelmente não é assistido como deveria ser. Faltam profissionais e um efetivo acompanhamento. No que se refere à Comutação da Pena, entenda-se este Instituto como mera redução da reprimenda imposta e, de igual forma, concedido àqueles que preencham as condições estabelecidas nos Decretos edi- tados anualmente (O Decreto em vigor é o de nº 6.706 de 22/12/2008). Óbvio que, em cabendo o Indulto não há que se falar em Comutação, pois que esta se aplica quando o condenado não preencha as condições à indulgência plena. S U M Á R I O INCIDENTES DE EXECUÇÃO PENAL (Indulto e Comutação de Pena) - Maurício Kuehne BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR PROBATÓRIO DA DELAÇÃO PREMIADA - Walter Barbosa Bittar COMUNICAÇÃO PARA ADVOGADOS CRIMINAIS - Juarez Cirino dos Santos 01 03 06 PARANÁ

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CADERNOS

JurídicoSNº 02 - MAIO 2009

INCIDENTES DE EXECUÇÃO PENAL (INDULTO E COmUTAÇÃO DE PENA).

Maurício Kuehne advogado inscrito na oaB Paraná sob nº 4301;Professor Titular de Direito Penal e execução Penal do unicuriTiBa.ex-Diretor Geral do DePen/MJ (2005/2008) (Departamento Penitenciário nacional).

De há muito labutamos junto

ao Conselho Penitenciário do Estado do

Paraná, e em todas as reuniões (sempre

realizadas as quartas feiras), nos deparamos

com dezenas de casos relacionados aos

incidentes de Execução Penal que dizem

respeito ao Indulto e Comutação de Pena.

Entenda-se que por força do Indulto,

quando presentes as condições legais

ensejadoras à concessão, o condenado

é colocado em liberdade, com a pena

declarada extinta. Permanecem, assim,

os demais efeitos da condenação. Não

há, pois, como se confundir Indulto com

Saída Temporária, situação comum nos

meios de comunicação.

Insere-se, pois, na condição de

egresso do sistema penitenciário e, como

tal, lhe assiste o direito à assistência con-

forme preconizado na Lei de Execução

Penal, artigos 10, parágrafo único e 25 a 27 da Lei mencionada.

Observe-se que a assistência é dever do estado, objetivando

prevenir o crime e orientar o retorno à

convivência em sociedade. Cumpre

assinalar que os Patronatos Penitenciários

existentes no Estado do Paraná (Curitiba

e Londrina e por intermédio do programa

pró-egresso administrado pelos Patronatos)

cuidam desse aspecto, contudo, enfrentando

dificuldades múltiplas, posto que todo

o contingente de egressos ainda e

lamentavelmente não é assistido como

deveria ser. Faltam profissionais e um

efetivo acompanhamento.

No que se refere à Comutação da

Pena, entenda-se este Instituto como mera

redução da reprimenda imposta e, de igual

forma, concedido àqueles que preencham

as condições estabelecidas nos Decretos edi-

tados anualmente (O Decreto em vigor é o

de nº 6.706 de 22/12/2008). Óbvio que, em

cabendo o Indulto não há que se falar em

Comutação, pois que esta se aplica quando o condenado não

preencha as condições à indulgência plena.

S u m á r I OinciDenTeS De eXecuÇÃo PenaL (indulto e comutação de Pena) - Maurício Kuehne

BreVeS conSiDeraÇÕeS SoBre o VaLor ProBaTÓrio Da DeLaÇÃo PreMiaDa - Walter Barbosa Bittar

coMunicaÇÃo Para aDVoGaDoS criMinaiS - Juarez Cirino dos Santos

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PARANÁ

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O legislador (LEP) trata os Institutos em questão,

junto com a Anistia, no Título VII, mais precisamente Capítulo

III, artigos 187/193 da Lei já mencionada. Veja-se, pois, que

se tratam de verdadeiros incidentes de execução, devendo

entender-se como tal, conforme leciona Ada Pellegrini Grinover

“não somente os ‘grandes incidentes’ (classicamente, a sus-

pensão condicional da pena e o livramento condicional) ou

aqueles que a lei assim rotula (na sistemática introduzida

pela Lei de Execução Penal – lei nº 7.210, de 11.7.84 -, as

conversões, o excesso ou desvio de execução, a anistia e o

indulto), mas todos os episódios judiciários em que o juiz

é chamado a julgar, podendo até alterar a modalidade do

título executivo. E por vezes, em meio a um incidente da

execução, novo episódio surge a incidir sobre o primeiro:

como, por ex., no livramento condicional, a sua revoga-

ção”. Assim, conquanto o intérprete possa ser induzido

num primeiro momento a afirmar que os incidentes de

execução são apenas aqueles mencionados na LEP, atente-se

que estes não constituem numerus clausus. Novamente

Ada Grinover leciona que “sua não taxatividade, no or-

denamento brasileiro, é demonstrada pela existência de

institutos como a unificação de penas, a reabilitação, a

comutação...”. Acrescentamos: progressão e regressão de

regime; remição da pena, etc.

Vê-se, pois, que modificações que possam ensejar o

título executório (e são múltiplas) dar-se-ão via incidente de

execução, onde se inserem os inicialmente mencionados.

Ora, se assim é, verdadeiro procedimento judi-

cial irá ocorrer cercado de todas as garantias e princípios

aplicáveis ao processo penal, como tais: contraditório;

ampla defesa; duplo grau de jurisdição, etc. Destarte,

embora legitimados a provocar os incidentes as pessoas

mencionadas no art. 195 da LEP, quase que como regra estes

são efetivados por Advogados, quer integrantes da estrutura

da SEJuS/DEPEN/Pr (Secretaria de Justiça), quer particulares,

e aqui reside um aspecto sumamente importante que não é

convenientemente respeitado: muitos pleitos carecem de

condições para serem apreciados à falta de conveniente

instrução.

Em nosso Lei de Execução Penal Anotada (Curitiba:

Juruá, 2009, 6 ed) destacamos o rol dos documentos

necessários à conveniente instrução dos pedidos, conforme

se destaca: 1) Procuração, se o pedido for formulado

por advogado; 2) cópia da “carta de guia” (guia de

recolhimento na linguagem da LeP), da sentença con-

denatória e acórdão, se houver; 3) cópia da denún-

cia; 4) certidão do distribuidor forense e das varas

criminais que eventualmente registrem inquéritos

ou processos pendentes; 5) antecedentes da Vara

de execuções Penais, conforme o local; 6) atestado

de conduta e permanência carcerária, firmado pela

autoridade policial ou diretor da unidade; 7) có-

pia dos dados gerais e comportamento carcerário,

se estiver preso em uma das unidades do Sistema

Penitenciário. Pode-se inserir, também, o relatório da situ-

ação executória que as Varas de Execução Penal fornecem,

facilitando, em muito, os pronunciamentos junto ao Conselho

e, sequencialmente, ministério Público, Defesa e decisão a

ser proferida, sem a necessidade de consulta aos autos de

Execução que permanecem no Juízo próprio, sendo o

incidente a este apensado.

Conforme atrás mencionamos, lamentavelmente,

devemos registrar que muitos dos processos que relata-

mos vêm mal-instruídos e carentes de amparo, situação que

observamos, por igual, ocorrerem, também com os

demais Conselheiros. Note-se que o Decreto em vigor

inviabiliza deferimento de pedidos àqueles que se enqua-

drem no art. 8º, vale dizer, hajam praticado crime de tortura,

terrorismo, tráfico ou hediondos, devendo, assim ser

consultada a legislação específica.

Não custa lembrar que a falta de documentos

essenciais, e o não enquadramento nas situações específicas,

apenas criam ilusões aos encarcerados, com reflexos negativos.

Com efeito, de um lado o benefício demorará a ser alcançado,

ante a necessária diligência que ocorrerá, e de outro, com a

devida vênia, mostra incompetência por parte do profissional

requerente, requerendo o que o Decreto expressamente veda.

Outro aspecto que se observa é o de que, em

relação aos presos recolhidos em unidades do sistema

penitenciário administradas pela SEJuS/DEPEN/Pr o

número de pleitos é imenso, o que não ocorre com aqueles

recolhidos nas carceragens das Delegacias de Polícia,

Distritos Policiais, etc. pois estes locais, muito embora

contem com um razoável número de condenados definitivos,

não têm a mínima estrutura e não propiciam atendimento

jurídico aos necessitados, mesmo porque falta no Estado do

Paraná uma Defensoria Pública.

urge, pois, que os advogados devidamente constituí-

dos, visando evitar a procrastinação dos pleitos atentem para

os aspectos contidos na Lei de Execução Penal, muitas vezes

desconhecida, e, evidente, aos Decretos relacionados à indul-

gência plena ou parcial.

Tal registro se efetiva, posto que, por ignorância

ou má fé, algumas pessoas se referem à morosa tramitação

dos feitos no Conselho, quando tal aspecto não condiz com

a verdade.

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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR PROBATÓRIO DA DELAÇÃO PREmIADA

WaLTer BarBoSa BiTTaradvogado inscrito na oaB Paraná sob nº 20774;Professor assistente de Direito Penal e criminologia da Puc/Pr.Professor da escola da Magistratura do Paraná (Londrina-Pr).

Além das provas expressamente regulamentadas

no CPP, é unânime o reconhecimento da admissibilidade no

processo penal de qualquer outro meio de prova não vedado

pelo direito1, é o chamado princípio da liberdade probatória,

significando que no processo penal tudo pode ser

provado e por qualquer meio de prova, respeitados os limites

legais.2 Esta divisão em provas previstas e não previstas no

ordenamento jurídico recebe o nome de provas nominadas e

inominadas, respectivamente. A delação premiada por estar

prevista em diversos diplomas legislativos no nosso ordena-

mento, inclusive, no Código Penal (art. 159, § 4º), é um meio

de prova nominado. No entanto deve ser tratado como um

meio de prova nominado sui generis.

A primeira questão a tratar é estabelecer os motivos

pelos quais a delação pode ser considerada fonte e meio de

prova. Para Tourinho Filho3 “entende-se por fonte de prova

tudo quanto possa ministrar indicações úteis, cujas comprovações

sejam necessárias” e meio de prova “tudo quanto possa servir,

direta ou indiretamente, à comprovação da verdade que se

procura no processo”. Levando em consideração estes conceitos

e a nossa jurisprudência já firmada no sentido de que a só ale-

gação de um corréu não pode firmar um juízo condenatório,

é tranquilo afirmar que a delação é fonte de prova. E, como

bem observa Aury Lopes Jr. tudo aquilo que “(...) ingressa

na complexidade do conjunto de fatores psicológicos que

norteiam o ‘sentire’ judicial materializado na sentença”4 é meio

de prova. Parece não haver dúvidas de que as informações

prestadas pelo colaborador influenciam o julgador, mesmo que

inconscientemente, na tomada de suas decisões, e por isto a

delação premiada também é meio de prova.5

É sui generis pois como não possui regulamentação

de procedimento próprio, lhe serão aplicadas regras estabe-

lecidas no CPP para interrogatório, confissão e testemunho.

Interrogatório, pois é o momento em que os sujeitos que

figuram como réus no processo têm a oportunidade de

trazer a sua versão dos fatos em contato direto com o juiz,

confissão, pois faz parte da própria natureza do instituto

da delação e testemunho posto que impõe o relato de fatos

conhecidos direta ou indiretamente.

Dado relevante é que a confissão do colaborador

impõe-se como um pressuposto lógico da delação premiada6,

eis que se um réu está disposto a pleitear redução ou liberação

da pena é porque está admitindo sua culpa, pois quem nega

os fatos pleiteia absolvição.

A regra relativa à testemunha que será aplicada ao

colaborador é a do compromisso de dizer a verdade (art. 203,

primeira parte, c/c art. 208 do CPP). Não é necessário que o

colaborador cumpra a formalidade de prometer dizer a verdade,

pois entendemos ser questão intrínseca ao instituto na medida

em que a mentira não dá direito ao beneficio, além de poder

gerar outras consequências penais, como a imputação de algum

crime contra a honra ou o crime de denunciação caluniosa.

O interrogatório, como meio de defesa que é,7

embora ostente valor probatório,8 deve ser “(...) orientado pela

presunção de inocência, visto assim como o principal meio de

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exercício da autodefesa e que tem, por isso, a função de dar

materialmente vida ao contraditório, permitindo ao sujeito

passivo refutar a imputação ou aduzir argumentos para

justificar sua conduta”.9 No entanto o réu pode ir além e

confessar os fatos, em duas formas diferentes e que podem

perfeitamente ser combinadas: a primeira seria a confissão

sincera ou autoimputação, que se refere ao reconhecimento

expresso por parte do acusado de ter executado o fato

punível e de assumir as consequências jurídicas do delito; a

segunda a confissão alheia ou no caso de imputar a culpa

a um terceiro, no caso em que um dos réus se decida a

prestar declaração e o faça com um conteúdo compro-

batório suficiente para a incriminação de outro agente que

se encontre na mesma posição ou status processual.

O Código de Processo Penal pátrio deixa claro no

art. 197 que a confissão não possui valor absoluto, devendo

ser confrontada com as demais provas produzidas. No

entanto não há dúvidas que a confissão possui um lugar

de destaque,10 pois se estiver de acordo com o quadro

probatório traz para o julgador uma tranquilidade muito

maior na hora de tomar a decisão. Importa ter presente

que este meio de prova não possui valor probatório supe-

rior aos demais, principalmente ante ao princípio do livre

convencimento e da grande discricionaridade de que dispõe o

magistrado no momento de decidir, mas no contexto de uma

delação premiada, certamente seu valor probatório galga

degraus empiricamente perceptíveis no caso concreto.

Infelizmente a prova testemunhal mesmo com sua

imensa fragilidade e pouca credibilidade é ainda o principal

meio de prova – sustenta a imensa maioria das senten-

ças – no nosso processo penal.11 A literatura estrangeira,

seja jurídica12 seja médico-psicológica13, há muito tempo

reconhece este problema e vem buscando formas de mini-

mizar os danos. No Brasil Aury Lopes Jr. nos

adverte para o fenômeno das “falsas memórias”

e como tal fato pode ser prejudicial à formação

da prova.14 Desta forma deve-se tomar muito

cuidado na hora de valorar a prova testemu-

nhal e para tanto alguns critérios podem ser

adotados.

Diferentemente do ordenamento

jurídico italiano que prevê expressamente em

sua lei processual penal a forma como deve

ser valorada as declarações dos colaboradores,

nossa legislação nada diz a respeito, tarefa

que ficou então a cargo da jurisprudência e da

doutrina. O Código de Processo Penal italiano es-

tabelece no art. 192 parágrafos 315 e 416 que

as declarações tenham uma valoração prudente e que só

podem valer como prova se houver outros elementos que

confirmem sua autenticidade. No mesmo sentido a juris-

prudência espanhola considera a delação meio de prova,

mas reconhece que a simples declaração do corréu não é

suficiente para afastar a presunção de inocência.

Para que a delação premiada possa ser considerada

prova, além de respeitar os direitos e garantias estabele-

cidos na Constituição Federal, outros três critérios, que

foram estabelecidos pela Corte de Cassação Italiana e que

hoje são amplamente reconhecidos pela doutrina17, devem

ser observados, pois o direito alienígena possui critérios

muito mais claros: a) em primeiro lugar deve-se verificar

a credibilidade do declarante através de dados como sua

personalidade, seu passado, sua relação com os acusados,

o motivo da sua colaboração; b) posteriormente analisa-

se a confiabilidade intrínseca ou genérica da declaração

auferida da sua seriedade, precisão, coerência, constância e

espontaneidade; c) por último valora-se a existência e

consistência das declarações com o confronto das demais

provas, ou seja, atesta-se a confiabilidade extrínseca ou

específica da declaração.18

A situação no Brasil caminha no mesmo sentido

e a jurisprudência imensamente majoritária entende basi-

camente que “o conteúdo desses elementos [da delação]

deve encontrar ressonância nas demais provas de forma

harmônica - jamais restar isolada -, pois só assim se

prestará para fundamentar uma decisão de natureza

condenatória, não obstante a adoção pelo nosso

Código de Processo Penal do princípio da livre convicção

fundamentada ou persuasão racional do juiz”.19

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1 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.550-551.2 CAFFErATA NOrES, José I.; ArOCENA, Gustavo A. Temas de derecho procesal penal, Córdoba: mediterrânea, 2001 p. 54-553 TOurINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 508.4 LOPES Jr., Aury. op. cit., 598.5 Guilherme de Souza Nucci estabelece que a delação premiada na fase judicial constitui meio de prova direto e na fase extrajudicial prova indireta, ou mero

indicio. o valor da confissão como meio de prova no processo penal, 2ª ed., São Paulo: revista dos Tribunais, 1999, p. 219.6 Também no sentido de exigir a confissão do co-réu para configurar a delação premiada, NuCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 213-214.7 A dúvida a respeito da sua natureza jurídica começa a se esfacelar com o advento da Lei 10.792/2003 que trouxe entre outras coisas a possibilidade de as partes

formularem perguntas ao acusado e estatuiu a necessidade de entrevista prévia do acusado com seu defensor, e acaba de vez com a Lei 11.719/2008 que deu

nova redação ao art. 400 do CPP, colocando como regra o interrogatório no fim da instrução processual.8 OLIVEIrA, Eugênio Pacelli de. curso de processo penal, 8ª ed., rio de Janeiro: Lúmen Juris, p. 319.9 LOPES Jr., Aury. op. cit., p. 597.10 Eugênio Pacelli de Oliveira também reconhece tal situação ao afirmar que a confissão “(...) constitui uma das modalidades de prova com maior efeito de

convencimento judicial (...)”. op. cit., p. 339.11 LOPES Jr., Aury. op. cit., p. 612.12 Lorenzo m. Bujosa Vadell cita como exemplo dois expoentes do direito processual (Calamandrei e Carnelutti) para demonstrar como, já no início do séc. XX,

grandes eram as preocupações com a prova testemunhal. algunas cuestiones actuales sobre la prueba testifical en el proceso penal español, In, Criminalia, fasc.

1, Cidade do méxico, jan/abr, 2003, p. 109.13 Os primeiros estudos envolvendo a psicologia experimental e a psicopatologia clínica e a testemunha datam do fim do séc. XIX, principalmente na Alemanha

e na França, mas o grande impulso veio com Lombroso em 1908.14 Direito processual penal e sua conformidade constitucional, p. 624-631.15 Le dichiarazioni rese dal coimputato del medesimo reato o da persona imputata in un procedimento connesso a norma dell’articolo 12 sono valutate unita-

mente agli altri elementi di prova che ne confermano l’attendibilità.16 La disposizione del comma 3 si applica anche alle dichiarazioni rese da persona imputata di un reato collegato a quello per cui si procede, nel caso previsto

dall’articolo 371 comma 2 lettera b).17 rEáTEGuI SáNCHEZ, James. el valor probatorio de las declaraciones inculpatorias del coimputado en el derecho peruano, In, revista do Instituto de Pesquisas

e Estudos, fasc. 41, Bauru, set/dez, 2004, p. 16-18.18 D`AmBrOSIO, Loris. Testemoni e collaboratori di Giustizia, Padova: Cedam, 2002, p. 42-4319 PrIETO, André Luiz. o valor da delação do co-réu como meio de prova, disponível em: www.ibccrim.org.br, acesso, em 15.jan.2009..20 Habeas Corpus 74.368-4/mG, rel. ministro Sepúlveda Pertence, DJ 28.11.1997 p. 62218, Ementa vol. 01893-02 p. 358.21 recurso Extraordinário 213.937-8/PA, rel. ministro Ilmar Galvão, DJ 25.06.1999 p. 30, Ementa vol. 01956-06 p. 1181.

Como exemplo podemos colacionar trechos de dois

julgados do Supremo Tribunal Federal que deixam bem clara a

orientação da nossa corte suprema. O primeiro no HC 74.368

cujo relator foi o ministro Sepúlveda Pertence ocasião em que

restou confirmado o entendimento de que a delação premiada,

mesmo quando realizada em juízo, “não pode ser prova sufi-

ciente para condenação alguma”,20 usando como justificativa a

falta do contraditório. Já na ementa do rE 213.937 encontra-

mos o seguinte trecho: “(...) É certo que a delação, de forma

isolada, não respalda decreto condenatório. Sucede, todavia,

que, no contexto, está consentânea com as demais provas

coligidas. mostra-se, portanto, fundamentado o provimento

judicial quando há referência a outras provas que respaldam a

condenação21(...)”.

Em suma, fica claro o entendimento de que a delação

premiada por si só não é suficiente para fundamentar uma

condenação e isoladamente não pode ser considerada como

prova válida, o que só poderá ocorrer nas hipóteses em que

seja corroborada por outros elementos probatórios, desde que

colhidos à luz do contraditório.

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COmUNICAÇÃO PARA ADVOGADOS CRImINAIS

JUAREZ CIRINO DOS SANTOSAdvogado inscrito na OAB Paraná sob n. 3374Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFPRPresidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal/ICPC

Analisar a praxis penal do Século 21

do ponto de vista da ampla defesa, da pre-

sunção de inocência e do privilégio contra

autoincriminação pode abrir importantes

estratégias para a defesa criminal.

I. O princípio da ampla defesa (art.

5o, LV Constituição) começa com a informação

de direitos do acusado: o direito de consultar

advogado antes do interrogatório e o direito

de calar em interrogatórios, garantidos pela

Constituição (art. 5o LXIII) e pela legislação

processual (art.185, § 5o e 186 CPP), sem nenhum

prejuízo para a defesa criminal. A falta ou

defeito da informação de direitos ao acusado

invalida o interrogatório.

1. O direito de consultar advogado antes

do interrogatório e o direito de permanecer

calado (ou de não responder perguntas) nos

interrogatórios podem prevenir impropriedades

semânticas, impedir declarações infelizes e evitar

versões equivocadas do fato – frequentes em acusa-

dos com recursos linguísticos limitados, como a clientela

do sistema penal –, com efeitos desastrosos sobre as

teses de defesa. mas a informação de direitos tem

significado mais relevante: reconhece o direito do

acusado ser orientado pelo Defensor sobre o que falar,

sobre como falar e, mesmo, se deve falar ou calar nos

interrogatórios.

Como sabem os advogados criminais, o

interrogatório do acusado é a base do discurso de

defesa: reconhecer a importância da orientação jurídi-

ca sobre o conteúdo e a forma da fala do acusado

significa admitir (a) que acusado e Defensor devem

preparar o interrogatório e (b) que o interrogatório deve

conter a descrição mais adequada à defesa criminal.

Esse é o claro sentido do direito de consultar advogado

antes do interrogatório e do direito de calar nos

interrogatórios. Nenhuma censura contra a prepara-

ção do discurso de autodefesa pelo acusado e seu

Defensor – afinal, o conhecimento da realidade é me-

diado pela percepção sensorial, cujo condicionamento

por emoções, experiências e idiossincrasias pessoais

apenas permite versões subjetivas do fato (a represen-

tação da realidade), nunca a verdade objetiva do fato

(a realidade representada). Em poucas palavras, a

informação de direitos do acusado é pressuposto do

exercício da ampla defesa, a mais importante

garantia individual dos acusados no processo penal.

2. O princípio da ampla defesa (art. 5o LV,

Constituição) compreende duas dimensões correlacio-

nadas: a própria autodefesa do acusado e a defesa

técnica do Defensor do acusado.

2.1. Como indicado, a autodefesa do acusado

nos interrogatórios policial e judicial precisa ser orien-

6

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tada pelo Defensor, porque decide sobre o resultado

do processo penal: o acusado pode confessar a auto-

ria do fato, pode negar a participação no fato, pode

descrever justificações do fato, pode revelar erros

sobre a proibição do fato, pode apresentar exculpações

do fato etc. Por isso tudo, entre a autodefesa e a

defesa técnica deve existir a maior sincronia possível.

2.2. A defesa técnica do Defensor começa na

orientação da autodefesa do acusado nos interrogatórios,

continua na produção da prova na instrução criminal

e termina na demonstração das teses de defesa nas

razões finais. A defesa técnica é o discurso jurídico

do Defensor do acusado, elaborado com as categorias

científicas da teoria do crime e da teoria da pena e

construído como sistema de argumentos lógicos para

convencer Juízes ou Tribunais. As teses da defesa técnica

podem ter um amplo espectro: fato inexistente, fato

não provado, fato atípico, prova negativa ou falta de

prova positiva de autoria ou participação no fato, fato

justificado, fato não reprovável ou fato exculpável, fato

isento de pena, prova insuficiente para condenação do

fato e extinção da punibilidade do fato.

3. Finalmente, o princípio da ampla defesa

pressupõe o princípio do contraditório (art. 5o LV,

Constituição), que subordina a validade da denúncia

à descrição do fato e de todas as suas circunstâncias

(art. 41, CPP). Descrever o fato e suas circunstâncias

significa (a) definir o que é imputado ao acusado no

processo penal (o comportamento realizado e o tipo le-

gal atribuído) e (b) indicar por que é imputado o fato

ao acusado (prova de materialidade

e indícios de autoria). Denúncias

que não definem o que é im-

putado (fato) ou não indicam por

que é imputado o fato (prova) são

inconstitucionais: violam o princípio

do contraditório no processo penal,

substituindo o sistema acusatório

pelo inquisitório, com ignorância

do fato e das provas do fato. As

chamadas denúncias genéricas, que

deslocam para a instrução criminal

a descrição das circunstâncias do fato

e a demonstração da relação do au-

tor com o fato (autoria, coautoria

ou participação), são ilegais.

II. O princípio da pre-

sunção de inocência (art. 5o

LVII, Constituição) – derivado da dignidade da pessoa

humana (art. 1o III, Constituição) – qualifica percepções

e atitudes dos órgãos de persecução penal (policiais,

acusadores e juízes) perante acusados criminais, até o

trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

No processo penal, a presunção de inocência infor-

ma o princípio in dubio pro reo, aplicável em todas

as dimensões do fato punível, em especial na prova

dos problemas de fato da causalidade e da imputa-

ção do resultado, do dolo e do erro de tipo, das jus-

tificações, do erro de proibição e das exculpações, da

coautoria ou da participação, da tentativa ou dos atos

preparatórios, do concurso real ou aparente de crimes etc.

Apesar do prestígio universal, a cultura da

presunção de inocência ou do princípio in dubio

pro reo continua desprestigiada no Brasil. Ao con-

trário, predominam atitudes de presunção de culpa

no Sistema de Justiça Criminal, em especial no tra-

balho policial de identificação e revista pessoal, na

violência das perseguições de suspeitos e nas prisões

de cidadãos, com milhares de mortes e lesões cor-

porais anuais. Pior: o conceito de polícia operativa

desenvolvido nos países centrais deformou a missão

da Polícia, que pretende acabar com a criminalidade

pela eliminação dos autores de crimes (autores reais,

potenciais e suspeitos).

O método da polícia operativa se baseia em

hipóteses sobre estruturas ou organizações crimino-

sas e novas formas de criminalidade, que somente se-

riam acessíveis por investigações secretas, vigilâncias

7

Page 8: JurídicoS - OABPRrespeito ao Indulto e Comutação de Pena. Entenda-se que por força do Indulto, quando presentes as condições legais ensejadoras à concessão, o condenado é

sigilosas, interceptação telefônica, escuta ambiental,

prisões e custódias temporárias etc. A consequência é

o abandono das práticas tradicionais de prevenção e de

persecução de crimes, além da crescente policialização

do processo penal por medidas urgentes e secretas, com

escasso ou nenhum controle judicial, mas perigo real para

a população.

III. O privilégio contra a autoincriminação

(nemo tenetur se detegere) protege o acusado de

produzir prova contra si mesmo em inquéritos ou

processos criminais – um desdobramento do princípio da

ampla defesa. A origem do privilégio é a 5a Emenda da

Constituição americana, que instituiu o due process of

law para privação da vida, da liberdade e da propriedade,

e criou o privilege against self incrimination para proteger

acusados contra forçadas ou ardilosas autoincriminações

em interrogatórios e declarações.

O conteúdo original do privilégio proibia coação

ou ardil para autoincriminação em interrogatórios,

declarações e depoimentos. mas desde o caso Fisher

x uSA (1976) a Suprema corte americana ampliou a

proteção: além de declarações orais ou escritas

compreendidas no direito ao silêncio, inclui todo e qualquer

material probatório em poder do acusado ou de seu Defensor,

como documentos, papeis e outros objetos (arquivos de

computadores, pen-drives etc.).

O reconhecimento do direito constitucional de reter,

esconder, alterar ou destruir documentos, papeis e outros

materiais de prova autoincriminadores em inquéritos

e processos criminais, exclui a hipótese de imputação

dos crimes de fraude processual ou de falso testemunho

contra esses comportamentos, pela razão elementar de

que a legislação ordinária não pode anular princípios

constitucionais.

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expediente:

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No caso, também não existe nenhuma má consciência:

a defesa penal é conflitual – e o acusado só tem o Defensor

para enfrentar os recursos humanos e tecnológicos do aparelho

repressivo do Estado. Saber disso pode fazer grande diferença

na defesa criminal.