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CADERNOS
JurídicoSNº 02 - MAIO 2009
INCIDENTES DE EXECUÇÃO PENAL (INDULTO E COmUTAÇÃO DE PENA).
Maurício Kuehne advogado inscrito na oaB Paraná sob nº 4301;Professor Titular de Direito Penal e execução Penal do unicuriTiBa.ex-Diretor Geral do DePen/MJ (2005/2008) (Departamento Penitenciário nacional).
De há muito labutamos junto
ao Conselho Penitenciário do Estado do
Paraná, e em todas as reuniões (sempre
realizadas as quartas feiras), nos deparamos
com dezenas de casos relacionados aos
incidentes de Execução Penal que dizem
respeito ao Indulto e Comutação de Pena.
Entenda-se que por força do Indulto,
quando presentes as condições legais
ensejadoras à concessão, o condenado
é colocado em liberdade, com a pena
declarada extinta. Permanecem, assim,
os demais efeitos da condenação. Não
há, pois, como se confundir Indulto com
Saída Temporária, situação comum nos
meios de comunicação.
Insere-se, pois, na condição de
egresso do sistema penitenciário e, como
tal, lhe assiste o direito à assistência con-
forme preconizado na Lei de Execução
Penal, artigos 10, parágrafo único e 25 a 27 da Lei mencionada.
Observe-se que a assistência é dever do estado, objetivando
prevenir o crime e orientar o retorno à
convivência em sociedade. Cumpre
assinalar que os Patronatos Penitenciários
existentes no Estado do Paraná (Curitiba
e Londrina e por intermédio do programa
pró-egresso administrado pelos Patronatos)
cuidam desse aspecto, contudo, enfrentando
dificuldades múltiplas, posto que todo
o contingente de egressos ainda e
lamentavelmente não é assistido como
deveria ser. Faltam profissionais e um
efetivo acompanhamento.
No que se refere à Comutação da
Pena, entenda-se este Instituto como mera
redução da reprimenda imposta e, de igual
forma, concedido àqueles que preencham
as condições estabelecidas nos Decretos edi-
tados anualmente (O Decreto em vigor é o
de nº 6.706 de 22/12/2008). Óbvio que, em
cabendo o Indulto não há que se falar em
Comutação, pois que esta se aplica quando o condenado não
preencha as condições à indulgência plena.
S u m á r I OinciDenTeS De eXecuÇÃo PenaL (indulto e comutação de Pena) - Maurício Kuehne
BreVeS conSiDeraÇÕeS SoBre o VaLor ProBaTÓrio Da DeLaÇÃo PreMiaDa - Walter Barbosa Bittar
coMunicaÇÃo Para aDVoGaDoS criMinaiS - Juarez Cirino dos Santos
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PARANÁ
O legislador (LEP) trata os Institutos em questão,
junto com a Anistia, no Título VII, mais precisamente Capítulo
III, artigos 187/193 da Lei já mencionada. Veja-se, pois, que
se tratam de verdadeiros incidentes de execução, devendo
entender-se como tal, conforme leciona Ada Pellegrini Grinover
“não somente os ‘grandes incidentes’ (classicamente, a sus-
pensão condicional da pena e o livramento condicional) ou
aqueles que a lei assim rotula (na sistemática introduzida
pela Lei de Execução Penal – lei nº 7.210, de 11.7.84 -, as
conversões, o excesso ou desvio de execução, a anistia e o
indulto), mas todos os episódios judiciários em que o juiz
é chamado a julgar, podendo até alterar a modalidade do
título executivo. E por vezes, em meio a um incidente da
execução, novo episódio surge a incidir sobre o primeiro:
como, por ex., no livramento condicional, a sua revoga-
ção”. Assim, conquanto o intérprete possa ser induzido
num primeiro momento a afirmar que os incidentes de
execução são apenas aqueles mencionados na LEP, atente-se
que estes não constituem numerus clausus. Novamente
Ada Grinover leciona que “sua não taxatividade, no or-
denamento brasileiro, é demonstrada pela existência de
institutos como a unificação de penas, a reabilitação, a
comutação...”. Acrescentamos: progressão e regressão de
regime; remição da pena, etc.
Vê-se, pois, que modificações que possam ensejar o
título executório (e são múltiplas) dar-se-ão via incidente de
execução, onde se inserem os inicialmente mencionados.
Ora, se assim é, verdadeiro procedimento judi-
cial irá ocorrer cercado de todas as garantias e princípios
aplicáveis ao processo penal, como tais: contraditório;
ampla defesa; duplo grau de jurisdição, etc. Destarte,
embora legitimados a provocar os incidentes as pessoas
mencionadas no art. 195 da LEP, quase que como regra estes
são efetivados por Advogados, quer integrantes da estrutura
da SEJuS/DEPEN/Pr (Secretaria de Justiça), quer particulares,
e aqui reside um aspecto sumamente importante que não é
convenientemente respeitado: muitos pleitos carecem de
condições para serem apreciados à falta de conveniente
instrução.
Em nosso Lei de Execução Penal Anotada (Curitiba:
Juruá, 2009, 6 ed) destacamos o rol dos documentos
necessários à conveniente instrução dos pedidos, conforme
se destaca: 1) Procuração, se o pedido for formulado
por advogado; 2) cópia da “carta de guia” (guia de
recolhimento na linguagem da LeP), da sentença con-
denatória e acórdão, se houver; 3) cópia da denún-
cia; 4) certidão do distribuidor forense e das varas
criminais que eventualmente registrem inquéritos
ou processos pendentes; 5) antecedentes da Vara
de execuções Penais, conforme o local; 6) atestado
de conduta e permanência carcerária, firmado pela
autoridade policial ou diretor da unidade; 7) có-
pia dos dados gerais e comportamento carcerário,
se estiver preso em uma das unidades do Sistema
Penitenciário. Pode-se inserir, também, o relatório da situ-
ação executória que as Varas de Execução Penal fornecem,
facilitando, em muito, os pronunciamentos junto ao Conselho
e, sequencialmente, ministério Público, Defesa e decisão a
ser proferida, sem a necessidade de consulta aos autos de
Execução que permanecem no Juízo próprio, sendo o
incidente a este apensado.
Conforme atrás mencionamos, lamentavelmente,
devemos registrar que muitos dos processos que relata-
mos vêm mal-instruídos e carentes de amparo, situação que
observamos, por igual, ocorrerem, também com os
demais Conselheiros. Note-se que o Decreto em vigor
inviabiliza deferimento de pedidos àqueles que se enqua-
drem no art. 8º, vale dizer, hajam praticado crime de tortura,
terrorismo, tráfico ou hediondos, devendo, assim ser
consultada a legislação específica.
Não custa lembrar que a falta de documentos
essenciais, e o não enquadramento nas situações específicas,
apenas criam ilusões aos encarcerados, com reflexos negativos.
Com efeito, de um lado o benefício demorará a ser alcançado,
ante a necessária diligência que ocorrerá, e de outro, com a
devida vênia, mostra incompetência por parte do profissional
requerente, requerendo o que o Decreto expressamente veda.
Outro aspecto que se observa é o de que, em
relação aos presos recolhidos em unidades do sistema
penitenciário administradas pela SEJuS/DEPEN/Pr o
número de pleitos é imenso, o que não ocorre com aqueles
recolhidos nas carceragens das Delegacias de Polícia,
Distritos Policiais, etc. pois estes locais, muito embora
contem com um razoável número de condenados definitivos,
não têm a mínima estrutura e não propiciam atendimento
jurídico aos necessitados, mesmo porque falta no Estado do
Paraná uma Defensoria Pública.
urge, pois, que os advogados devidamente constituí-
dos, visando evitar a procrastinação dos pleitos atentem para
os aspectos contidos na Lei de Execução Penal, muitas vezes
desconhecida, e, evidente, aos Decretos relacionados à indul-
gência plena ou parcial.
Tal registro se efetiva, posto que, por ignorância
ou má fé, algumas pessoas se referem à morosa tramitação
dos feitos no Conselho, quando tal aspecto não condiz com
a verdade.
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BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR PROBATÓRIO DA DELAÇÃO PREmIADA
WaLTer BarBoSa BiTTaradvogado inscrito na oaB Paraná sob nº 20774;Professor assistente de Direito Penal e criminologia da Puc/Pr.Professor da escola da Magistratura do Paraná (Londrina-Pr).
Além das provas expressamente regulamentadas
no CPP, é unânime o reconhecimento da admissibilidade no
processo penal de qualquer outro meio de prova não vedado
pelo direito1, é o chamado princípio da liberdade probatória,
significando que no processo penal tudo pode ser
provado e por qualquer meio de prova, respeitados os limites
legais.2 Esta divisão em provas previstas e não previstas no
ordenamento jurídico recebe o nome de provas nominadas e
inominadas, respectivamente. A delação premiada por estar
prevista em diversos diplomas legislativos no nosso ordena-
mento, inclusive, no Código Penal (art. 159, § 4º), é um meio
de prova nominado. No entanto deve ser tratado como um
meio de prova nominado sui generis.
A primeira questão a tratar é estabelecer os motivos
pelos quais a delação pode ser considerada fonte e meio de
prova. Para Tourinho Filho3 “entende-se por fonte de prova
tudo quanto possa ministrar indicações úteis, cujas comprovações
sejam necessárias” e meio de prova “tudo quanto possa servir,
direta ou indiretamente, à comprovação da verdade que se
procura no processo”. Levando em consideração estes conceitos
e a nossa jurisprudência já firmada no sentido de que a só ale-
gação de um corréu não pode firmar um juízo condenatório,
é tranquilo afirmar que a delação é fonte de prova. E, como
bem observa Aury Lopes Jr. tudo aquilo que “(...) ingressa
na complexidade do conjunto de fatores psicológicos que
norteiam o ‘sentire’ judicial materializado na sentença”4 é meio
de prova. Parece não haver dúvidas de que as informações
prestadas pelo colaborador influenciam o julgador, mesmo que
inconscientemente, na tomada de suas decisões, e por isto a
delação premiada também é meio de prova.5
É sui generis pois como não possui regulamentação
de procedimento próprio, lhe serão aplicadas regras estabe-
lecidas no CPP para interrogatório, confissão e testemunho.
Interrogatório, pois é o momento em que os sujeitos que
figuram como réus no processo têm a oportunidade de
trazer a sua versão dos fatos em contato direto com o juiz,
confissão, pois faz parte da própria natureza do instituto
da delação e testemunho posto que impõe o relato de fatos
conhecidos direta ou indiretamente.
Dado relevante é que a confissão do colaborador
impõe-se como um pressuposto lógico da delação premiada6,
eis que se um réu está disposto a pleitear redução ou liberação
da pena é porque está admitindo sua culpa, pois quem nega
os fatos pleiteia absolvição.
A regra relativa à testemunha que será aplicada ao
colaborador é a do compromisso de dizer a verdade (art. 203,
primeira parte, c/c art. 208 do CPP). Não é necessário que o
colaborador cumpra a formalidade de prometer dizer a verdade,
pois entendemos ser questão intrínseca ao instituto na medida
em que a mentira não dá direito ao beneficio, além de poder
gerar outras consequências penais, como a imputação de algum
crime contra a honra ou o crime de denunciação caluniosa.
O interrogatório, como meio de defesa que é,7
embora ostente valor probatório,8 deve ser “(...) orientado pela
presunção de inocência, visto assim como o principal meio de
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exercício da autodefesa e que tem, por isso, a função de dar
materialmente vida ao contraditório, permitindo ao sujeito
passivo refutar a imputação ou aduzir argumentos para
justificar sua conduta”.9 No entanto o réu pode ir além e
confessar os fatos, em duas formas diferentes e que podem
perfeitamente ser combinadas: a primeira seria a confissão
sincera ou autoimputação, que se refere ao reconhecimento
expresso por parte do acusado de ter executado o fato
punível e de assumir as consequências jurídicas do delito; a
segunda a confissão alheia ou no caso de imputar a culpa
a um terceiro, no caso em que um dos réus se decida a
prestar declaração e o faça com um conteúdo compro-
batório suficiente para a incriminação de outro agente que
se encontre na mesma posição ou status processual.
O Código de Processo Penal pátrio deixa claro no
art. 197 que a confissão não possui valor absoluto, devendo
ser confrontada com as demais provas produzidas. No
entanto não há dúvidas que a confissão possui um lugar
de destaque,10 pois se estiver de acordo com o quadro
probatório traz para o julgador uma tranquilidade muito
maior na hora de tomar a decisão. Importa ter presente
que este meio de prova não possui valor probatório supe-
rior aos demais, principalmente ante ao princípio do livre
convencimento e da grande discricionaridade de que dispõe o
magistrado no momento de decidir, mas no contexto de uma
delação premiada, certamente seu valor probatório galga
degraus empiricamente perceptíveis no caso concreto.
Infelizmente a prova testemunhal mesmo com sua
imensa fragilidade e pouca credibilidade é ainda o principal
meio de prova – sustenta a imensa maioria das senten-
ças – no nosso processo penal.11 A literatura estrangeira,
seja jurídica12 seja médico-psicológica13, há muito tempo
reconhece este problema e vem buscando formas de mini-
mizar os danos. No Brasil Aury Lopes Jr. nos
adverte para o fenômeno das “falsas memórias”
e como tal fato pode ser prejudicial à formação
da prova.14 Desta forma deve-se tomar muito
cuidado na hora de valorar a prova testemu-
nhal e para tanto alguns critérios podem ser
adotados.
Diferentemente do ordenamento
jurídico italiano que prevê expressamente em
sua lei processual penal a forma como deve
ser valorada as declarações dos colaboradores,
nossa legislação nada diz a respeito, tarefa
que ficou então a cargo da jurisprudência e da
doutrina. O Código de Processo Penal italiano es-
tabelece no art. 192 parágrafos 315 e 416 que
as declarações tenham uma valoração prudente e que só
podem valer como prova se houver outros elementos que
confirmem sua autenticidade. No mesmo sentido a juris-
prudência espanhola considera a delação meio de prova,
mas reconhece que a simples declaração do corréu não é
suficiente para afastar a presunção de inocência.
Para que a delação premiada possa ser considerada
prova, além de respeitar os direitos e garantias estabele-
cidos na Constituição Federal, outros três critérios, que
foram estabelecidos pela Corte de Cassação Italiana e que
hoje são amplamente reconhecidos pela doutrina17, devem
ser observados, pois o direito alienígena possui critérios
muito mais claros: a) em primeiro lugar deve-se verificar
a credibilidade do declarante através de dados como sua
personalidade, seu passado, sua relação com os acusados,
o motivo da sua colaboração; b) posteriormente analisa-
se a confiabilidade intrínseca ou genérica da declaração
auferida da sua seriedade, precisão, coerência, constância e
espontaneidade; c) por último valora-se a existência e
consistência das declarações com o confronto das demais
provas, ou seja, atesta-se a confiabilidade extrínseca ou
específica da declaração.18
A situação no Brasil caminha no mesmo sentido
e a jurisprudência imensamente majoritária entende basi-
camente que “o conteúdo desses elementos [da delação]
deve encontrar ressonância nas demais provas de forma
harmônica - jamais restar isolada -, pois só assim se
prestará para fundamentar uma decisão de natureza
condenatória, não obstante a adoção pelo nosso
Código de Processo Penal do princípio da livre convicção
fundamentada ou persuasão racional do juiz”.19
5
1 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional, rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007.550-551.2 CAFFErATA NOrES, José I.; ArOCENA, Gustavo A. Temas de derecho procesal penal, Córdoba: mediterrânea, 2001 p. 54-553 TOurINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 508.4 LOPES Jr., Aury. op. cit., 598.5 Guilherme de Souza Nucci estabelece que a delação premiada na fase judicial constitui meio de prova direto e na fase extrajudicial prova indireta, ou mero
indicio. o valor da confissão como meio de prova no processo penal, 2ª ed., São Paulo: revista dos Tribunais, 1999, p. 219.6 Também no sentido de exigir a confissão do co-réu para configurar a delação premiada, NuCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 213-214.7 A dúvida a respeito da sua natureza jurídica começa a se esfacelar com o advento da Lei 10.792/2003 que trouxe entre outras coisas a possibilidade de as partes
formularem perguntas ao acusado e estatuiu a necessidade de entrevista prévia do acusado com seu defensor, e acaba de vez com a Lei 11.719/2008 que deu
nova redação ao art. 400 do CPP, colocando como regra o interrogatório no fim da instrução processual.8 OLIVEIrA, Eugênio Pacelli de. curso de processo penal, 8ª ed., rio de Janeiro: Lúmen Juris, p. 319.9 LOPES Jr., Aury. op. cit., p. 597.10 Eugênio Pacelli de Oliveira também reconhece tal situação ao afirmar que a confissão “(...) constitui uma das modalidades de prova com maior efeito de
convencimento judicial (...)”. op. cit., p. 339.11 LOPES Jr., Aury. op. cit., p. 612.12 Lorenzo m. Bujosa Vadell cita como exemplo dois expoentes do direito processual (Calamandrei e Carnelutti) para demonstrar como, já no início do séc. XX,
grandes eram as preocupações com a prova testemunhal. algunas cuestiones actuales sobre la prueba testifical en el proceso penal español, In, Criminalia, fasc.
1, Cidade do méxico, jan/abr, 2003, p. 109.13 Os primeiros estudos envolvendo a psicologia experimental e a psicopatologia clínica e a testemunha datam do fim do séc. XIX, principalmente na Alemanha
e na França, mas o grande impulso veio com Lombroso em 1908.14 Direito processual penal e sua conformidade constitucional, p. 624-631.15 Le dichiarazioni rese dal coimputato del medesimo reato o da persona imputata in un procedimento connesso a norma dell’articolo 12 sono valutate unita-
mente agli altri elementi di prova che ne confermano l’attendibilità.16 La disposizione del comma 3 si applica anche alle dichiarazioni rese da persona imputata di un reato collegato a quello per cui si procede, nel caso previsto
dall’articolo 371 comma 2 lettera b).17 rEáTEGuI SáNCHEZ, James. el valor probatorio de las declaraciones inculpatorias del coimputado en el derecho peruano, In, revista do Instituto de Pesquisas
e Estudos, fasc. 41, Bauru, set/dez, 2004, p. 16-18.18 D`AmBrOSIO, Loris. Testemoni e collaboratori di Giustizia, Padova: Cedam, 2002, p. 42-4319 PrIETO, André Luiz. o valor da delação do co-réu como meio de prova, disponível em: www.ibccrim.org.br, acesso, em 15.jan.2009..20 Habeas Corpus 74.368-4/mG, rel. ministro Sepúlveda Pertence, DJ 28.11.1997 p. 62218, Ementa vol. 01893-02 p. 358.21 recurso Extraordinário 213.937-8/PA, rel. ministro Ilmar Galvão, DJ 25.06.1999 p. 30, Ementa vol. 01956-06 p. 1181.
Como exemplo podemos colacionar trechos de dois
julgados do Supremo Tribunal Federal que deixam bem clara a
orientação da nossa corte suprema. O primeiro no HC 74.368
cujo relator foi o ministro Sepúlveda Pertence ocasião em que
restou confirmado o entendimento de que a delação premiada,
mesmo quando realizada em juízo, “não pode ser prova sufi-
ciente para condenação alguma”,20 usando como justificativa a
falta do contraditório. Já na ementa do rE 213.937 encontra-
mos o seguinte trecho: “(...) É certo que a delação, de forma
isolada, não respalda decreto condenatório. Sucede, todavia,
que, no contexto, está consentânea com as demais provas
coligidas. mostra-se, portanto, fundamentado o provimento
judicial quando há referência a outras provas que respaldam a
condenação21(...)”.
Em suma, fica claro o entendimento de que a delação
premiada por si só não é suficiente para fundamentar uma
condenação e isoladamente não pode ser considerada como
prova válida, o que só poderá ocorrer nas hipóteses em que
seja corroborada por outros elementos probatórios, desde que
colhidos à luz do contraditório.
COmUNICAÇÃO PARA ADVOGADOS CRImINAIS
JUAREZ CIRINO DOS SANTOSAdvogado inscrito na OAB Paraná sob n. 3374Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFPRPresidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal/ICPC
Analisar a praxis penal do Século 21
do ponto de vista da ampla defesa, da pre-
sunção de inocência e do privilégio contra
autoincriminação pode abrir importantes
estratégias para a defesa criminal.
I. O princípio da ampla defesa (art.
5o, LV Constituição) começa com a informação
de direitos do acusado: o direito de consultar
advogado antes do interrogatório e o direito
de calar em interrogatórios, garantidos pela
Constituição (art. 5o LXIII) e pela legislação
processual (art.185, § 5o e 186 CPP), sem nenhum
prejuízo para a defesa criminal. A falta ou
defeito da informação de direitos ao acusado
invalida o interrogatório.
1. O direito de consultar advogado antes
do interrogatório e o direito de permanecer
calado (ou de não responder perguntas) nos
interrogatórios podem prevenir impropriedades
semânticas, impedir declarações infelizes e evitar
versões equivocadas do fato – frequentes em acusa-
dos com recursos linguísticos limitados, como a clientela
do sistema penal –, com efeitos desastrosos sobre as
teses de defesa. mas a informação de direitos tem
significado mais relevante: reconhece o direito do
acusado ser orientado pelo Defensor sobre o que falar,
sobre como falar e, mesmo, se deve falar ou calar nos
interrogatórios.
Como sabem os advogados criminais, o
interrogatório do acusado é a base do discurso de
defesa: reconhecer a importância da orientação jurídi-
ca sobre o conteúdo e a forma da fala do acusado
significa admitir (a) que acusado e Defensor devem
preparar o interrogatório e (b) que o interrogatório deve
conter a descrição mais adequada à defesa criminal.
Esse é o claro sentido do direito de consultar advogado
antes do interrogatório e do direito de calar nos
interrogatórios. Nenhuma censura contra a prepara-
ção do discurso de autodefesa pelo acusado e seu
Defensor – afinal, o conhecimento da realidade é me-
diado pela percepção sensorial, cujo condicionamento
por emoções, experiências e idiossincrasias pessoais
apenas permite versões subjetivas do fato (a represen-
tação da realidade), nunca a verdade objetiva do fato
(a realidade representada). Em poucas palavras, a
informação de direitos do acusado é pressuposto do
exercício da ampla defesa, a mais importante
garantia individual dos acusados no processo penal.
2. O princípio da ampla defesa (art. 5o LV,
Constituição) compreende duas dimensões correlacio-
nadas: a própria autodefesa do acusado e a defesa
técnica do Defensor do acusado.
2.1. Como indicado, a autodefesa do acusado
nos interrogatórios policial e judicial precisa ser orien-
6
tada pelo Defensor, porque decide sobre o resultado
do processo penal: o acusado pode confessar a auto-
ria do fato, pode negar a participação no fato, pode
descrever justificações do fato, pode revelar erros
sobre a proibição do fato, pode apresentar exculpações
do fato etc. Por isso tudo, entre a autodefesa e a
defesa técnica deve existir a maior sincronia possível.
2.2. A defesa técnica do Defensor começa na
orientação da autodefesa do acusado nos interrogatórios,
continua na produção da prova na instrução criminal
e termina na demonstração das teses de defesa nas
razões finais. A defesa técnica é o discurso jurídico
do Defensor do acusado, elaborado com as categorias
científicas da teoria do crime e da teoria da pena e
construído como sistema de argumentos lógicos para
convencer Juízes ou Tribunais. As teses da defesa técnica
podem ter um amplo espectro: fato inexistente, fato
não provado, fato atípico, prova negativa ou falta de
prova positiva de autoria ou participação no fato, fato
justificado, fato não reprovável ou fato exculpável, fato
isento de pena, prova insuficiente para condenação do
fato e extinção da punibilidade do fato.
3. Finalmente, o princípio da ampla defesa
pressupõe o princípio do contraditório (art. 5o LV,
Constituição), que subordina a validade da denúncia
à descrição do fato e de todas as suas circunstâncias
(art. 41, CPP). Descrever o fato e suas circunstâncias
significa (a) definir o que é imputado ao acusado no
processo penal (o comportamento realizado e o tipo le-
gal atribuído) e (b) indicar por que é imputado o fato
ao acusado (prova de materialidade
e indícios de autoria). Denúncias
que não definem o que é im-
putado (fato) ou não indicam por
que é imputado o fato (prova) são
inconstitucionais: violam o princípio
do contraditório no processo penal,
substituindo o sistema acusatório
pelo inquisitório, com ignorância
do fato e das provas do fato. As
chamadas denúncias genéricas, que
deslocam para a instrução criminal
a descrição das circunstâncias do fato
e a demonstração da relação do au-
tor com o fato (autoria, coautoria
ou participação), são ilegais.
II. O princípio da pre-
sunção de inocência (art. 5o
LVII, Constituição) – derivado da dignidade da pessoa
humana (art. 1o III, Constituição) – qualifica percepções
e atitudes dos órgãos de persecução penal (policiais,
acusadores e juízes) perante acusados criminais, até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
No processo penal, a presunção de inocência infor-
ma o princípio in dubio pro reo, aplicável em todas
as dimensões do fato punível, em especial na prova
dos problemas de fato da causalidade e da imputa-
ção do resultado, do dolo e do erro de tipo, das jus-
tificações, do erro de proibição e das exculpações, da
coautoria ou da participação, da tentativa ou dos atos
preparatórios, do concurso real ou aparente de crimes etc.
Apesar do prestígio universal, a cultura da
presunção de inocência ou do princípio in dubio
pro reo continua desprestigiada no Brasil. Ao con-
trário, predominam atitudes de presunção de culpa
no Sistema de Justiça Criminal, em especial no tra-
balho policial de identificação e revista pessoal, na
violência das perseguições de suspeitos e nas prisões
de cidadãos, com milhares de mortes e lesões cor-
porais anuais. Pior: o conceito de polícia operativa
desenvolvido nos países centrais deformou a missão
da Polícia, que pretende acabar com a criminalidade
pela eliminação dos autores de crimes (autores reais,
potenciais e suspeitos).
O método da polícia operativa se baseia em
hipóteses sobre estruturas ou organizações crimino-
sas e novas formas de criminalidade, que somente se-
riam acessíveis por investigações secretas, vigilâncias
7
sigilosas, interceptação telefônica, escuta ambiental,
prisões e custódias temporárias etc. A consequência é
o abandono das práticas tradicionais de prevenção e de
persecução de crimes, além da crescente policialização
do processo penal por medidas urgentes e secretas, com
escasso ou nenhum controle judicial, mas perigo real para
a população.
III. O privilégio contra a autoincriminação
(nemo tenetur se detegere) protege o acusado de
produzir prova contra si mesmo em inquéritos ou
processos criminais – um desdobramento do princípio da
ampla defesa. A origem do privilégio é a 5a Emenda da
Constituição americana, que instituiu o due process of
law para privação da vida, da liberdade e da propriedade,
e criou o privilege against self incrimination para proteger
acusados contra forçadas ou ardilosas autoincriminações
em interrogatórios e declarações.
O conteúdo original do privilégio proibia coação
ou ardil para autoincriminação em interrogatórios,
declarações e depoimentos. mas desde o caso Fisher
x uSA (1976) a Suprema corte americana ampliou a
proteção: além de declarações orais ou escritas
compreendidas no direito ao silêncio, inclui todo e qualquer
material probatório em poder do acusado ou de seu Defensor,
como documentos, papeis e outros objetos (arquivos de
computadores, pen-drives etc.).
O reconhecimento do direito constitucional de reter,
esconder, alterar ou destruir documentos, papeis e outros
materiais de prova autoincriminadores em inquéritos
e processos criminais, exclui a hipótese de imputação
dos crimes de fraude processual ou de falso testemunho
contra esses comportamentos, pela razão elementar de
que a legislação ordinária não pode anular princípios
constitucionais.
Diagramação e projeto gráficoLiteral Link Comunicação Integradatel 41. 3015-2222 www.literallink.com.brProjeto Gráfico e Direção de Arte: marco A. Leodoro
Coordenação Acadêmica : rogéria Dotti
OAB Paraná – rua Brasilino moura, 253 – 80.540-340Telefone: 3250-5700 www.oabpr.org.br
expediente:
8
No caso, também não existe nenhuma má consciência:
a defesa penal é conflitual – e o acusado só tem o Defensor
para enfrentar os recursos humanos e tecnológicos do aparelho
repressivo do Estado. Saber disso pode fazer grande diferença
na defesa criminal.
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