Kafka X bourdieu2
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8/7/2019 Kafka X bourdieu2
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O PROCESSO, DE FRANZ KAFKA
Vernica Frana de Brito, Lou-Andreas Sampaio, Luciana Ava, 3c, matutino
a lei deve ser acessvel a todos e a qualquer hora, pensa ele; (KAFKA)
O Processo foi uma obra produzida por Franz Kafka, mestre da literatura alem, mas que recebia
influncias tchecas, alems e judias. Kafka cria um gnero, o kafkaniano, de escrita. o nico
autor que conseguiu ser transformado em adjetivo em mais de cem lnguas. Mas o que seria o
kafkaniano? tudo aquilo em que a lgica o absurdo; o sombrio, a culpa e a burocracia. Dentro
do mundo de Kafka, tudo que nosso mundo seria absurdo, normal; o normal, absurdo. Assim, o
homem, pra ele, transformado em coisa, ele denuncia que os homens so coisas que parecem
seres vivos. (BELO) A obra de Kafka adaptada para o cinema em 1962 por George Orson Wellese gera uma revoluo no mundo cinematogrfico.
O livro de Kafka, transformado no filme O Processo denuncia a sociedade burocrtica e hipcrita,
querendo, o autor, demonstrar as injustias da poca, as farsas dos regimes totalitrios. A obra
retrata a vida de Joseph K. aps acordar e descobrir que estava sendo preso sem nem mesmo
saber qual o crime que lhe estava sendo atribudo, sem direito a defesa. Assim como no livro,
Joseph K. est imerso no mundo da burocracia de um tribunal para tentar descobrir qual o crime quecometeu. Entretanto ningum respondia s suas perguntas com clareza, e nada fazia sentido na
busca. Falando da incomunicabilidade da justia, das barreiras que so postas entre o cidado
comum e a lei. No filme, a grande preocupao com o culpado e no com a justificao ou no
com a causa. O advogado representado como o corrupto, aquele que torce pela dificuldade e
lentido da justia. A stira do advogado deitado em sua cama, ou seja, em seu bero esplndido e o
cliente aos seus ps submisso a ele, mostra que o direito cincia exercida por aqueles que estudam
- como citaremos posteriormente- que impe regras arbitrrias ao restante de que nada temconhecimento. a idia de subordinao durante todo o filme.
No texto de Bourdieu, h uma anlise do campo jurdico e como seria o seu funcionamento normal.
As prticas e os discursos jurdicos so produtos do funcionamento de um campo cuja lgica
especfica est determinada, por um lado, pelas relaes de foras especificas e pela lgica interna
das obras jurdicas que determinam o universo de solues propriamente jurdicas. K. comea a
trilhar o labirinto daquilo a que Bourdieu d o nome de campo jurdico que o lugar de
concorrncia pelo monoplio do direito de dizer o direito (BOURDIEU). Nesse campo, s entram
aqueles que possuem a legitimidade para tanto, os detentores do capital jurdico. Esse campo
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dotado de um hermetismo que impede a entrada de outros, como Joseph K., no seu interior.
Na realidade, a instituio de um implica a imposio de umafronteira entre os que esto preparados para entrar no jogo e os que, quando nele seacham lanados, permanecem de factos deles excludos, por no poderem operar a
converso de todo o espao mental e, em particular, de toda a postura lingustica que supe a entrada nesse espao social. (BOURDIEU)
Ento, Joseph K. segue no processo. Sem saber quem o acusa, tendo o advogado como mero
coadjuvante, pea do sistema que apenas existe, mas no atua; suas tentativas de se defender so
frustradas e ridicularizadas. K. no detentor do capital jurdico e social para ser pea ativa do
processo, porm funcional. O crime - e, por conseguinte, os criminosos- tem sua utilidade por se
liga s condies fundamentais de toda a vida social e, por isso mesmo, tem sua utilidade.
(DURKHEIM apudBELO)
H que se frisar, que a crtica de Kafka modernidade no se limita a denunciar a opresso que
emana da autoridade legalmente constituda, ou seja, da autoridade legalmente constituda, ou seja,
da autoridade que se reveste de legitimidade jurdico institucional, mas tambm o absurdo embutido
na autoridade que emerge na instncia de paralela de poder, s margens, portanto do ordenamento
jurdico-administrativo em vigor numa determinada sociedade.
possvel afirmar que a crtica kafkaniana da modernidade pode ser exposta at os dias atuais,
bem como as estruturas mostradas por Bourdieu. O Processo sim uma crtica feroz ao que h de
mais moderno no Estado: seu carter impessoal e annimo, que o transforma em estrutura
tautolgica (a mesma tratada por Bourdieu) cujos objetivos residem apenas em sua auto-
reproduo. Evidencia o carter da mquina judiciria do Estado perante as supostas vtimas:
uma estrutura burocrtica e hierarquizada, impessoal e annima, imprevisvel arrogante e
impiedosa. Pensamos que o sentido dessa organizao dita por K. se movimenta no vcuo da
ausncia da lei, a qual cria uma sensao de segurana, um mundo hipottico, que na verdade tal
segurana no absoluta. A Lei protegida do manuseio do todo, a poucos cabem a capacidade de
discutir e ter acesso lei apenas interpretada por aqueles que tm designo para essa finalidade. a
relao homem do campo versus porteiro, encontrado na sua obra o guarda da lei na porta do
tribunal, que representa uma barreira para ser transposta, com o objetivo de proteo da prpria lei,
da preservao da mesma.
A relao ontolgica; a diviso do poder em classe vem com a inteno de criar uma sensao de
que tudo acessvel, inclusive a justia. O Estado deveria tratar os indivduos de forma igualitria,
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porm ele separa indivduos que recebero a legitimidade para interpretar o corpo de normas e dar
pareceres e ordens que tero o poder simblico de se impor perante os outros, obtendo pela
linguagem o que se obteria pela fora fsica. Esse poder se impe unilateralmente sobre aqueles que
esto porta da lei que no tm competncia para question-lo ou nega-lo. Havendo assim uma
postura logocntrica dos operadores do Direito, pois s eles se acham capazes de discutirem oDireito. Eles no o discutem com pessoas comuns.
O efeito de hermetismo que o prprio funcionamento do campo tende a exercermanisfesta-se no facto de que as instituies judiciais tenderem a produzirverdadeiras tradies especficas e, em particular, categorias de percepo e deapreciao perfeitamente irredutveis s do no-especialistas, gerando os seusproblemas e as suas solues segundo uma lgica totalmente hermtica einacessvel aos profanos. (BOURDIEU)
Ou seja, os profanos habituam-se a no questionar decises judiciais ou os processos legais para se
chegar a ela porque a aqueles que as proferem foi dado o poder de dizer o mundo. Aos que tentam,
como Joseph K., sobra o escrnio e a condenao, pois em Kafka luz de Bourdier, a justia no
para ser procurada e sim discutida, e a pessoa que procura a justia nunca vai at ela, porque a
mesma bate na porta da Justia e aquela declarada incapaz de discuti-la.
A destruio desse poder de imposio simblico radicado no desconhecimentosupe a tomada de conscincia do arbitrrio, quer dizer, a revelao da verdade
objetiva e o aniquilamento da crena, na medida em que o discursos heterodoxodestri as falsas evidncias da ortodoxia, restaurao fictcia da doxa, e lheneutraliza o poder de desmobilizao, que ele encerra o poder simblico demobilizao e de subverso, poder de tornar atual o poder potencial das classesdominadas.(BOURDIEU)
A questo do poder simblico dos profissionais do campo jurdico circular, tautolgico. Aqueles
que j esto inseridos no campo, no desejam perder os privilgios dados pelo discurso ortodoxo e
aquele que esto sendo inseridos no campo, pelas faculdades, pretendem alcan-los. Assim, o
habitus acerca do direito, ou seja, aquelas estruturas duradouras criadas acerca do direito, bem comoo habitus jurdico, aquelas estruturas criadas dentro do campo jurdico, vo se permeando e se
tornando ainda mais rgidas.
Na mesa do tribunal (o qual o local onde existe a moral, a figura da Justia),vimos Livros de
Direito empoeirados e com uma foto de uma bunda dentro ou seja, o descaso e o desvio da
ateno do juiz o juiz nunca tem ateno s para lei, ele no atenta para o problema em si. E a lei,
afasta-se cada vez mais do ideal de igualdade e de justia.
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Orson Welles exprimiu de forma esmagadora o esprito da obra de Kafka, transpondo-a para uma
decorao moderna, monstruosamente fria e impessoal. No , entretanto por acaso que o termo
kafkaniano entrou na linguagem corrente. Orson transmitiu ao espectador todo o clima sombrio,
claustrofbico e angustiante, um estilo visualmente pesado e literalmente escuro, utilizando
locaes nebulosas, como o salo coberto pilhas de processos arquivados iguais aos dele, e quenunca sero resolvidos dita como justia encostada, a negao da discusso. O clima de
pesadelo presente durante todo o filme a fantasia lgica do pesadelo. Seus personagens,
geralmente, angustiados e solitrios, sempre com um clima de derrota, sentimento de culpa. Talvez
o sentido dessa organizao citada por K. da movimentao no vcuo da ausncia da lei, seja o de
provar que no h mais inocentes, que somos todos culpados. E essencialmente essa
culpabilidade, que no possui local ou sujeito, que acaba sendo incorporada por K., sendo
considerada assim - a culpa - como o personagem verdadeiro de O Processo.
O final no traz a redeno de K. mas sua vergonhosa e inglria destruio, uma morte que acaba
no envolvendo a glria ou dignidade da morte herica da vtima de uma grande injustia, mas a
aniquilao fria srdida e mesquinha de um cidado annimo, pois K. tem identidade prpria, a
identidade ligada ao cargo que ele exerce.
fascinante notar a afinidade espiritual existente entre O Processo e toda uma corrente da
fico contempornea, a chamada literatura distpica, que consiste numa serie de utopiasnegativas que projetam em sociedades futuristas as inquietaes da modernidade. ( LESSA,FELIPE)
Percebemos que a obra de Kafka no , de modo algum, uma obra puramente especulativa. Em
Kafka o futuro j existe e est entre ns e h de ser mudado. No h o recurso tranqilizador a um
futuro remoto, mas a presena incmoda de um agora que nos assalta. A impresso que nos causou
da produo de um despertar, pois um dia poderemos acordar na mesma situao de K.
O direito a forma por excelncia do discurso atuante, capaz, por sua prpria fora, de produzir
efeitos. No demais dizer que ele faz o mundo social, mas com a condio de se no esquecer que
ele feito por este.
Enfim, o direito possui aspectos caracterizadores que norteiam suas aes. H alguns procedimentos
que tm que ser seguidos sob pena de invalidar o processo. Ele tem suas exigncias a exemplo da
qualificao das pessoas que o discutem. Entretanto nenhum desses aspectos deve permitir que o
direito se distancie dos seus usurios, que se torne um arma de dominao dos regimes totalitrios,
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que seja cruel, injusto ou corrupto. O direito foi feito pela sociedade para servi-la buscando o bem
estar de todos e no vantagens para alguns indivduos.
muito triste o quadro pintado pelo filme, mas no se pode negar que tal realidade existiu e que
parcelas sombrias dela perduram at os dias de hoje. papel fundamental dos novos operadores do
direito transformar essa realidade em algo mais prximo do ideal, do justo, do humano, como
contribuio para o direito que se quer alcanar.
provvel que o poder de sugesto de Kafka, esse pintor de pesadelos vivos, consistaprecisamente no sortilgio: depois do advento de sua obra, jamais voltaremos a estarseguros outra vez. (DROGO)
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
BELO, Warley. Cidado Joseph K.: observaes crticas sobre o processo de Kafka e o processopenal. Disponvel em: < http://www.juristas.com.br/mod_espaco_aberto.asp?t=499&p=4 >.Visitado em: 17 abr. 2008.
BOURDIEU, Pierre. O poder simblico. 3 ed. Rio de Janeiro; Bertrand Brasil, 2000.
CORREIA, Heloisa Helena Siqueira; MARTINEZ, Vinicio C. O processo de Kafka: memria efantasmagoria do Estado de Direito. Disponvel em: . Visitado em: 17 abr. de 2008.
KAFKA, Franz. Diante da lei, in:O processo. 6 ed. So Paulo: Brasiliense, 1995. p. 230-232.
DROGO, Giovani. A DESUMANIZAO DO HOMEM SOB O ESTADO EM FRANZKAFKA. Disponvel em: < http://worden.blogspot.com/2007/08/desumanizao-do-homem-sob-oestado.html. > Visitado em: 29 abr. 2008
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